No caos, ninguem é cidadão.

May 24, 2017 | Autor: A. Pereira | Categoria: Neoliberalismo, conflito social
Share Embed


Descrição do Produto

Título: No caos, ninguém é cidadão
André Ricardo Valle Vasco Pereira, professor do Departamento de História/UFES
Publicado em: https://trendr.com.br/no-caos-ninguem-e-cidadao-e3019ffc8b10#.oqnrlxavl. Acesso em: 9 fev. 2017.
Sob os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), houve contenção da esquerda e das pautas progressistas. Enquanto isso, a direita cresceu na base da Sociedade. Quando a oportunidade surgiu, os setores conservadores da classe média assumiram a linha de frente do ataque contra o projeto de Nação que aquele partido tentava implantar: diminuir a concentração de renda, tendo o Pré-Sal como instrumento para tanto. O país iria se tornar exportador de petróleo, depender menos de taxas altas de juros para atrair capitais externos, montar uma boa base em infraestrutura pelo PAC e educacional pelo Pronatec. Só que se montou uma coalizão nacional e internacional para impedir este ideal. Nela, a direita da classe média foi o instrumento "popular". Como a classe trabalhadora não foi mobilizada, ficou passiva. O que entrou no lugar foi a Contrarreforma Neoliberal e a pauta conservadora da direita religiosa. Os mais ricos são sistematicamente preservados, não se mexe nos juros altos, não se mexe no perdão fiscal, não se altera a política fiscal para torná-la progressiva. A única saída que se apresenta é o corte de "gastos". E isto não resolve a crise fabricada, que paralisou a Petrobras e tirou confiança nas contas públicas.
O PT piorou o perfil da dívida pública? Sim. Os governos dos EUA também fazem isso, mas os agentes de mercado não deixam de confiar neles. Os escândalos foram usados não para combater a corrupção, mas para impedir que o PT conseguisse levar seu projeto adiante, o que teria causado prejuízos ao capital financeiro, às petroleiras estrangeiras, a todos os setores rentistas nacionais e ao poder estratégico dos EUA, por conta da inserção do Brasil nos BRICS e, possivelmente, na OPEP. Agora, vivemos uma situação de desemprego, de eliminação de direitos trabalhistas e sociais, de corte drástico das políticas sociais. A esquerda não consegue convencer a classe trabalhadora a reagir de forma organizada e unificada contra seus verdadeiros inimigos. O resultado é o irracionalismo e o desespero. Os cortes estão levando a um colapso agudo das políticas públicas. Isto está claro no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Está claro nas rebeliões em penitenciárias. Está claro na greve branca da Polícia Militar do Espírito Santo. Neste caso, a guerra civil que se instalou no estado leva a população a demandar por autoridade, pelo retorno da polícia, pela saída forçada dos familiares da frente dos batalhões. Mas as autoridades se aferram à contenção de gastos. Lideranças como o prefeito de São Paulo, João Dória, já entenderam a demanda por autoridade que toma conta dos setores mais empobrecidos. Vivendo no desespero e sem bandeiras para apresentar alternativas factíveis à nova coalizão no poder, está se disseminando entre eles uma sede por Autoridade, por Poder, por Intervenção, por Ordem, por um Estado protetor.
Quando a Ditadura se instalou, em 1964, ela optou por políticas liberais e sustentou sua intervenção com base no combate ao comunismo e à corrupção. Nesta fase inicial, houve intervenção nos sindicatos, com destituição de diretorias, acompanhada por uma "reforma trabalhista", que resultou no fim da estabilidade no emprego e a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Ocorreu também a "universalização" da previdência social, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Na prática, isso acabou com a interferência dos sindicatos nos Institutos de Aposentadorias e Pensões das categorias. Todas as demandas progressistas das Reformas de Base foram barradas. Elas visavam a um aumento de impostos sobre os mais ricos (como no caso das remessas de lucros e da reforma bancária), uma expansão das leis trabalhistas para o campo, uma unificação da previdência social sob controle dos trabalhadores, e uma desconcentração de renda pela via da reforma agrária. Estas propostas foram interrompidas pela força, num momento de ascensão das lutas sociais. O golpe de 64 também foi bancado pela direita da classe média nas ruas e pelo conservadorismo religioso, no caso, católico. Só que as políticas recessivas impostas geraram uma enorme insatisfação popular. Isto levou o novo presidente indireto, Costa e Silva, a alterar rumos, optando por políticas anticíclicas. Os EUA e os banqueiros internacionais apoiaram. Assim, foi possível combinar o autoritarismo já instalado com uma revisão das políticas econômicas. O Estado interventor ofereceu uma resposta aceitável para a insatisfação popular.
É claro que a atual conjuntura é diferente. Ao contrário do período 1961-64, não houve ampla mobilização em defesa de um projeto que prometesse desconcentração de renda. O PT optou "comprar" o apoio da direita e não mobilizar sua base, sem fazer uma avaliação adequada dos riscos que estava correndo ao atacar tantos interesses estabelecidos. Foi isto que permitiu uma "mudança de regime", sem violência aberta. Só que as consequências concretas dos "ajustes" estão criando um ambiente de conflito que estimula respostas corporativas, uma espécie de cada um por si. A solidariedade entre categorias profissionais e setores de classes sociais é minada. O Estado, tolhido pelo neoliberalismo, não tem como distribuir recursos escassos a contento. Os mais poderosos é que conseguem diminuir suas perdas. Esta situação, na ausência de saídas convincentes, está criando um clima de confronto social mais ou menos aberto, que se agudiza aqui ou ali, como no caso da greve branca dos policiais militares do ES. O filofascimo, forte na classe média, vai se popularizando, na medida em que o conflito leva à demanda por Ordem. Afinal de contas, como diz a música, no caos, ninguém é cidadão.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.