No centro da cidade deserta: os regimes de interação e sentido na construção do imaginário da cidade de São Paulo a partir do videoclipe interativo The Wilderness Downtown

June 9, 2017 | Autor: C. Sabino Caldas | Categoria: Communication, Music Video, Sociosemiotics, Comunicação, Interactive Music Video, Videoclipe Interativo
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Ana Silvia Lopes Davi Médola (Universidade Estadual Paulista - UNESP) Carlos Henrique Sabino Caldas (Universidade Estadual Paulista - UNESP)

No centro da cidade deserta: os regimes de interação e sentido na construção do imaginário da cidade de São Paulo a partir do videoclipe interativo The Wilderness Downtown

1 Introdução São Paulo, conhecida como a terra da garoa, apresenta uma população na região metropolitana de aproximadamente 11 milhões de habitantes, segundo as estimativas de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. Fundada em 25 de janeiro de 1554, por padres Jesuítas, a também chamada selva de concreto, tornou-se a capital paulista apenas em 1815, sendo atualmente considerada pela Organização das Nações Unidas, ONU, a quarta cidade mais populosa do mundo. Para circular pela metrópole de São Paulo, seja por automóveis, serviços de transporte público ou até mesmo a pé, fazse quase que imprescindível na atualidade a utilização de recursos como o GPS (Sistema de Posicionamento Global) ou aplicativos e site de mapas. Nesse aspecto, em meados de 2010, São Paulo transcendeu do mapa convencional de imagens por satélite para um zoom in, tornando-se possível a visualização de suas ruas e locais por imagens panorâmicas em 360 graus possibilitados pela ferramenta Street View da Google. Implantada em 2007, o projeto Street View é uma ferramenta que complementa os aplicativos Google Maps e Google Earth. Com o desenvolvimento de carros com equipamentos de captura de imagens em 360 graus, o Street View possibilitou aos usuários a visualização imersiva imagética em 360 graus dos pontos antes só visualizados por imagens de satélite. No Brasil, esse serviço foi implantado em 2010, onde a Google disponibilizava inicialmente imagens das capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Periodicamente a Google atualiza essa ferramenta, desenvolvendo recentemente o mecanismo de visualização cronológica dos territórios capturados.

A partir dos avanços da sociossemiótica desenvolvida por Eric Landowski e alinhado com as propostas do Centro de Pesquisas Sociossemióticas – CPS, sediado na PUC-SP, com o projeto temático “Práticas de vida e produção de sentido na metrópole São Paulo: regimes de visibilidade, regimes de interações e regimes de reescritura”, este trabalho pretende lançar um olhar sobre os regimes de interação e sentido na construção da representação imagética da cidade de São Paulo no videoclipe interativo The Wilderness Downtown, desenvolvido pelo diretor Chris Milk em parceria com a Google Data Arts, que permite a inserção de imagens de diferentes localidades no projeto Street View. 2 Chris Milk, Aaron Koblin e o Data Arts Team A Google, fundada em 1997 pelos estudantes de doutorado em computação de Stanford Larry Page e Sergey Brin, nasceu com a missão de “organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis”1. Com o faturamento de 37,9 bilhões de dólares no ano de 2011, a Google não é apenas um site de busca, é também uma multinacional de serviços e produtos para internet. Destacamos, como exemplo, os serviços de e-mail (Gmail), redes sociais (Orkut e Google+), navegador de web (Chrome), plataforma de vídeos (YouTube) e imagens (Picasa), mensagens instantâneas (Talk), sistema operacional para celulares e tablets (Android), sistema de mapeamento (Google Maps e Google Earth), entre muitos outros bastante utilizados em seus seguimentos. Com um visual clean e inconfundível (fig. 1), a tela inicial do Google Search processa diariamente um bilhão de pesquisas por meio de seus servidores espalhados pelo mundo2. Figura 1 – Primeira tela do Google Search. Ano de 1998

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GOOGLE. A missão do Google é organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis. Disponível em: . Acesso em: 11 jun. 2012. 2 VIP. Estilo de vida. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2012.

Fonte: http://www.google.com/about/company/history/

Já em maio de 2002, a Google cria o Google Labs, um departamento exclusivo para desenvolvimento e experimentação de novas tecnologias. Desse laboratório, saíram produtos como o Google Maps, o Google Docs, o Google Groups, entre outras inovações. Com ênfase na experimentação, em 2008, Aaron Koblin, chefe do Data Arts Team do Google Creative Lab, desenvolveu, juntamente com a banda Radiohead, o videoclipe House of Cards3, utilizando apenas dados, onde as imagens são geradas a partir do cruzamento de dados de sensores colocados ao corpo do vocalista, criando uma animação tridimensional. Nesse mesmo ano, a empresa lançou o navegador Google Chrome, passando a desenvolver e aprimorar seu navegador acompanhado de vídeos promocionais e campanhas virais. Nessa proposta de divulgação de seus inventos, a Google produziu em 2009 onze comerciais para divulgar o navegador Google Chrome. Em 2010, lançou o projeto “A vida em um dia”4, uma espécie de documentário colaborativo para o qual milhares de pessoas puderam enviar vídeos do seu cotidiano. Dando continuidade aos testes de novas tecnologias, ainda em 2010, a Google, por meio de Aaron Koblin, desenvolveu uma parceria com o Diretor Chris Milk (fig. 2), para produzir três projetos audiovisuais interativos destinados ao Chrome. Segundo Aaron Koblin: [...] muitos dos projetos mais recentes em que trabalhei foram colaborações com Chris Milk. Tem sido principalmente uma investigação de novas tecnologias e oportunidades, descobrindo os tipos de histórias que podem ser conduzidas e tecidas nessas tecnologias. Se queremos fazer um videoclipe diretamente para um navegador, o que podemos construir? Como podemos fazer alguma coisa sob medida para indivíduos? Podemos mostrar que você

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KOBLIN. A. Director of Technology. Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2012. 4 MACDONALD. K. Life in a Day. Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2012.

consegue ter uma experiência muito interessante com dados e criar uma história em volta disso?5 Figura 2 – Chris Milk e Aaron Koblin recebendo o prêmio no 15º Webby Awards 2011

Fonte: http://www.flickr.com/photos/webbys .

A parceria de Koblin com Milk é um exemplo da necessária cooperação interdisciplinar em projetos de inovação em comunicação nas mídias digitais. Atentamos para o fato de que a produção de conteúdos não pode mais prescindir da colaboração de especialistas de diversos setores, uma vez que o planejamento de qualquer produção criada e executada para atender às novas tendências de consumo terá que contar com a colaboração de profissionais de outras áreas do conhecimento. É o caso do desenvolvimento das interfaces e do objeto aqui analisado, no qual a cooperação entre as áreas é condição necessária para o desenvolvimento de formatos de produtos audiovisuais inovadores. Nesse sentido, para melhor situar a parceira entre as áreas, abrimos um parêntese para discorrer sobre a obra de Chris Milk, destacado diretor norte-americano de videoclipes e filmes publicitários. Em seu currículo, encontramos desde videoclipes para bandas como U2, Chemical Brothers, Kanye West até comerciais para marcas e empresas como a Nike, a Nitendo e a Sprite. Chris Milk pode até ser o “Steven Spielberg of music video. There's nothing particular showy or overtly ‘auteurish’ about his style, but he knows how to make videos that connect with people. Artists love him because he adds an extra dimension to the music without overpowering it”6. 5

CREATORSPROJECT. Aaron Koblin: transformando software em histórias. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. 6 HANSON, M. Reinventing music video. Oxford, UK. Editora Focal Press, 2006, p. 74.

O uso da performance narrativa é uma característica marcante na obra de Milk. Para ele, “Humans love stories. Beginning, middle, andendis universal. If you can pull it off in a four-minute music video, you are in pretty goods hape”7. Milk considera a história como o elemento mais importante, sendo que sua filosofia é a de “contar histórias em múltiplos canais 8 . Hoje, podemos levar essas histórias em múltiplas plataformas e por longos períodos de tempo”9. Em 2012, Chris Milk ousou outras possibilidades de criação. Depois dos projetos desenvolvidos com a Google, em 2010 e 2011, produziu dois projetos de arte e instalação interativa. O primeiro em parceria com a banda Arcade Fire, foi uma performance visual intitulada “Summer Into Dust” (fig. 3). Em certo momento do show, uma cascata de bolas brancas cai sobre a plateia, sendo que essas bolas possuem uma luz LED controlada por transmissores que alteram suas cores, produzindo um efeito de “caleidoscópio de luz sobre a desavisada audiência. Os que conseguirem agarrar uma das bolas de LED” 10 têm a possibilidade de fazer “logon no site onde é postado informações e novas maneiras de atualizar a bola”. Figura 3 – Foto da performance visual interativa Summer Into Dust

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HANSON, M. Reinventing music video. Oxford, UK. Editora Focal Press, 2006, p. 21. HANSON, M. Reinventing music video. Oxford, UK. Editora Focal Press, 2006, p. 74. 9 MTV. Novo disco do Danger Mouse ganha clipe interativo em 3D. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. 10 CREATORSPROJECT. Arcade fire and Chris Milk. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2012. 8

Fonte: http://www.nfgraphics.com/chris-milk-arcade-fire-summer-into-dust/

A outra experiência foi a “The Treachery of Sanctuary” (fig. 4). Milk o define como “um tríptico interativo que compartilha uma intenção espiritual com as pinturas rupestres das cavernas de Lascaux”. Segundo ele, “cada painel na obra representa um passo da jornada. A interpretação narrativa pan-óptica é a da experiência humana: nascimento, morte e regeneração”. Milk também observa que o interessante “é o diálogo entre a obra e o espectador”. Para ele, o participante tem de ser “um personagem ativo no conteúdo e conceito da obra, e enquanto a tecnologia permite a interatividade, a ênfase é na experiência, que usa a inovação para aprofundar a imersão espiritual”11.

Figura 4 – Foto da instalação interativa “The Treachery of Sanctuary”

Fonte: http://www.fashionschooldaily.com/index.php/2012/03/19/the-creators-project-san-francisco/

Importante citar também o trabalho Beck 360 Hello Again12 realizado por Milk para o cantor Beck Hansen. Utilizando a versão da música Sound and Vision, de David Bowie, Milk desenvolveu uma experiência que ele considera um concerto imersivo em 11

CREATORSPROJECT. Aaron Koblin: transformando software em histórias. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. 12 MILK. C. Hello! Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2013.

360. Desenvolvido para navegador de internet, o Beck 360 utiliza uma tecnologia que mapeia o rosto do usuário, possibilitando os comandos de pan e tilt das cenas. Para essa produção Milk desenvolveu câmeras de vídeo panorâmico 360 graus (fig. 5) específicas e tecnologia de áudio que simula a sensação 360 graus. Figura 5 – Imagens do cartaz, da câmera 360 e do equipamento de captação de áudio 360

Fonte:montagem nossa do site http://wp.clicrbs.com.br/codevilla/2013/02/19/a-incrivel-experiencia-360graus-de-beck

Afirma Milk: [...] estamos no começo de uma nova forma de arte, de um meio interativo e não sabemos como será daqui cem anos, da mesma forma que no começo do cinema, não olhavam para aquilo pensando que poderia ser em cores, ou uma tomada aérea ou um close-up, o diálogo e a música ou poderia ser o Poderoso Chefão. Estamos no mesmo estágio com esse meio interativo. A parte mais interessante para mim é que, com essa tela de mão dupla, pode haver uma conversa real entre o trabalho e o espectador. E a minha esperança é que a arte se torne a forma pela qual você conversa com a obra assim como é a forma pela qual ela conversa com você.13

Como se pode perceber em sua declaração, Milk segue uma linha em suas obras de experimentação e inovação, na qual não produz apenas um videoclipe, um filme comercial, preferindo realizar experiências inauguradoras em seus trabalhos. Pode-se perceber a preocupação de Milk em criar projetos marcados pela participação e pela 13

CREATORSPROJECT. Aaron Koblin: transformando software em histórias. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012.

interação dos usuários. Mas, para chegarmos aos efeitos de sentido da experiência interativa The Wilderness Downtown 14 , explanaremos brevemente conceitos sobre regimes de sentido e interação que subsidiarão, posteriormente, a análise. 3 Os regimes de interação e sentido Na linha da sociossemiotica de Landowski15, nos propomos a pensar a interação mediada por computador (interatividade) embasados nos estudos sobre os regimes de sentido e interação desenvolvidos no livro Interacciones arriesgadas, no qual são descritos e trabalhados quatro regimes de interação que passaremos a detalhar: a programação, a manipulação, o ajustamento e o acidente. Fechine 16 esclarece que partindo do pressuposto de que toda gramática narrativa é presidida pelo regime de junção, o autor propõe pensar além do modelo juntivo. Ou seja, com uma inspiração fenomenológica, Landowski descreve os regimes de interação assumindo o projeto de desenvolvimento de uma semiótica das nossas próprias experiências sensíveis. [...] Landowski se propõe a descrever essas relações não-mediadas, a partir do que ele denomina, por oposição à junção, de regime da união. Nesse tipo de regime, o sentido já não depende mais da circulação entre os actantes de qualquer valor proposto por um enunciado preexistente e a priori. Depende, ao contrário, da simples co-presença de um ao outro: um tipo de “manifestação direta” de um sujeito ao outro ou do sujeito ao objeto (objeto que se faz sujeito numa intercambialidade de papéis própria às convocações somático-sensoriais).17

O princípio de pensar os modos de como um sujeito constrói suas relações com o mundo, com o outro e com ele mesmo leva o autor a propor quatro regimes de interação que correspondem aos modos de agir dos actantes a partir de dois modos de presença, o fazer ser (regimes de programação e acidente) e o fazer fazer (regimes de manipulação e ajustamento). A conjunção em um quadrado semiótico dos princípios e dos procedimentos subjacentes aos regimes de interação nos permite a visualização de

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MILK. C. The Wilderness Downtown. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. 15 LANDOWSKI, E. Interacciones arriesgadas. Tradução de Desiderio Blanco. Lima: Fondo Editorial, 2009. (Obra original publicada em 2005). 16 FECHINE, Y. Uma proposta de abordagem do sensível na TV. In: XV Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2006, Bauru (SP). Anais do XV COMPÓS - CD. Bauru (SP): UNESP, 2006. v. 15. 17 FECHINE, Y. Uma proposta de abordagem do sensível na TV. In: XV Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2006, Bauru (SP). Anais do XV COMPÓS - CD. Bauru (SP): UNESP, 2006. v. 15. p. 7.

como as relações se interdefinem e se intercambiam em práticas de fruição de textos que convocam a intervenção do enunciatário. Nessa perspectiva, consideramos que a interatividade proposta pelos conteúdos fruídos em plataformas digitais desdobra-se eventualmente em ações concretas do destinatário frente ao dispositivo midiático, configurando-se em uma relação de união parcial entre os actantes da comunicação, à medida que a ocorrência do ajustamento é unilateral, possibilitada apenas pela ação do destinatário, enquanto a ação do destinador está contida e integralmente programada no enunciado. Na programação, as formas de ação implicam exterioridade e interobjetividade, pois representam relações de transitividade entre sujeitos ou entre sujeito e objeto. [...] La noción de programaciónmisma remite a laidea de “algoritmo de comportamento”, y finalmente, esaidea se traduce, en términos de gramática narrativa, enlanoción precisa de rol temático. [...] A condición de anadiralgunosmatices, semejanteescena no tiene, a decir verdade, nada de utópico, Incluso nos parece tan familiar que nos obliga a reconocer, al lado de las formas de regularidade basadasenelprincipio de la causalidade física, un segundo tipo de regularidades de natureza diferente, pero casitan rígidas por sus efectos. Por proceder de condicionamenientos socioculturales, por ser objeto de aprendizajes y expresarseen práticas rutinarias, se trata de regularidades cuyo principio deriva de lacoerción social o incluso se confunde conella.18

Como afirma o autor, o regime da programação está fundado nas regularidades que podem ser decorrentes tanto das causalidades físicas como dos condicionamentos socioculturais ou de processos de aprendizagem, resultando em ações que exprimem as práticas de ordenação social, as ações rotineiras, os comportamentos automatizados. São comportamentos internalizados e naturalizados, mas que operam de acordo com uma programação. Esse regime também implica a ocorrência de um percurso narrativo predeterminado por papéis temáticos ou posições definidas por certas regularidades. No caso dos textos midiáticos em suportes eletrônicos o caráter programático é intrínseco. Quanto ao regime de manipulação, Landowski o define como aquele estabelecido na intencionalidade, em que as motivações e as razões do sujeito se manifestam19. Segundo Fiorin, a manipulação “põe dois sujeitos em relação”. O autor parte da norma que um sujeito possui uma intencionalidade em seu agir, atuando em função de “razões e motivações”, de maneira que seu comportamento apresente certa 18

LANDOWSKI, E. Interacciones arriesgadas. Tradução de Desiderio Blanco. Lima: Fondo Editorial, 2009. (Obra original publicada em 2005). p. 21-22. 19 LANDOWSKI, E. Interacciones arriesgadas. Tradução de Desiderio Blanco. Lima: Fondo Editorial, 2009. (Obra original publicada em 2005). p. 25.

regularidade, não sendo acidental. Todavia Fiorin destaca que essa regularidade não é previsível, comparada à programação, mas é da “ordem do não imprevisível”20. Dentro desse princípio, procuraremos demonstrar que o regime de programação deve estar articulado também à manipulação para que o enunciatário esteja motivado a realizar a ação de interagir, de modo que o regime de interação próprio da adaptação de um sujeito a um objeto, no caso da programação, seja regido pelas estratégias de manipulação obtendo do actante a coparticipação por meio da persuasão. O terceiro regime proposto por Landowski, é regime de acidente onde o azar constitui seu princípio. O autor define que o risco, o sem-sentido e a imprevisibilidade é o fundamento desse regime 21 . O quarto regime desenvolvido pelo autor é o de ajustamento. Fundamentado no fazer sentir, Landowski o categoriza em duas formas de sensibilidade: a perceptiva e a reativa, onde: [...] la sensibilidade perceptiva que nos permite no solamente experimentar por los sentidos lãs variaciones perceptibles del mundo exterior (ligadas ala presencia de otros cuerpos-sujeto o a los elementos del mundo-objeto) y sentir las modulaciones internas que afectan a los estados del cuerpo propio, sino también interpretar el conjunto de essas soluciones de continuidade en términos de sensaciones diferenciadas que por si mismas hacem sentido. [...] Sensibilidad reactiva: se trata de aquella que atribuímos, por ejemplo, al teclado de una computadora o al pedal del acelerador, cuando décimos que son muy, y a veces demasiado, “sensibles”.22

Landowski23 considera que o ajustamento comporta mais riscos em comparação aos regimes anteriores, pois a relação entre os atores se passa em uma perspectiva muito mais ampliada em termos de criação de sentido. É importante salientar que o autor analisa os regimes em conjunto, nunca isoladamente, desenvolvendo assim um sistema. Tal abordagem da sociossemiotica é que direciona o olhar para a análise dos regimes de interação e sentido na construção do imaginário figurativo da cidade de São Paulo no videoclipe interativo The Wilderness Downtown.

4 São Paulo no centro da cidade deserta

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FIORIN, J.L. Estruturas narrativas. In: Ana Claudia de Oliveira (ed.). As interações sensíveis: ensaios de sociossemiótica. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2013, p. 439. 21 LANDOWSKI, E. Interacciones arriesgadas. Tradução de Desiderio Blanco. Lima: Fondo Editorial, 2009. (Obra original publicada em 2005). p. 73. 22 LANDOWSKI, E. Interacciones arriesgadas. Tradução de Desiderio Blanco. Lima: Fondo Editorial, 2009. (Obra original publicada em 2005). p. 50. 23 LANDOWSKI, E. Interacciones arriesgadas. Tradução de Desiderio Blanco. Lima: Fondo Editorial, 2009. (Obra original publicada em 2005).

O videoclipe interativo The Wilderness Downtown, que tem como música “We used to wait”, da banda canadense Arcade Fire, foi dirigido e produzido por Chris Milk e Aaron Koblin. Os dois produtores tinham como objetivo experimentar as possibilidades do navegador Google Chrome, HTML 5 e do Street View, desenvolvendo assim um videoclipe com ferramentas inéditas de interatividade além de extrapolar os formatos tradicionais 4:3 e 16:9 24 . Para que possa ser fruído, o enunciatário deve reunir competências semânticas volitivas advindas dos valores presentes no discurso, mas também competências modais de um saber e um poder fazer reunindo condições pragmáticas e cognitivas próprias de um meio estruturado em bases tecnológicas da contemporaneidade. Compreendemos que existem dois aspectos fundamentais necessários para que a experiência de videoclipe interativo seja estabilizada. Primeiramente, o enunciatário precisa ter um nível de conhecimento da língua inglesa, pois, tanto para assistir como para participar, é necessário um percurso de registro de usuário, disponibilização de dados e mensagens instrucionais de funcionamento. Um segundo aspecto é o da instância de hardware e software, pois é necessário um computador com requisitos específicos, como placa de vídeo e memória RAM de média velocidade, internet de banda-larga, caixas de som/fones de ouvidos e navegador de internet Google Chrome com os plug-ins necessários. Tais condições são indispensáveis para o estabelecimento de um contrato entre o enunciador da experiência e o enunciatário, viabilizando, assim, a experiência na co-enunciação. Nessa experiência, executada completamente no navegador Chrome, o usuário necessita inserir um endereço real (fig. 6), de preferência onde passou a infância, de modo a estabelecer coerência com a narrativa proposta pela música. Visando demonstrar como a representação dos espaços é incorporada no vídeo a partir da ação do enunciatário, experimentou-se cinco localidades da cidade de São Paulo: Avenida Paulista, PUC Perdizes, o Mercado Municipal, a Catedral da Sé e o edifício Copan. Após a inserção das localizações, inicia-se o processo de digitalização on-line, gerando posteriormente o botão play film. Figura 6 – Recorte da tela inicial do Videoclipe Interativo

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KOBLIN. A. Visualizing our selves... with crowd-sourced data. Disponível em: . Acesso em: 9 jun. 2012.

Fonte: Montagem nossa do videoclipe interativo

Após clicar em reproduzir, o navegador inicia o videoclipe com jovem correndo em uma rua molhada ao amanhecer. Em seguida, inicia-se uma janela no canto superior direito. Nessa janela há uma imagem de um céu com tom alaranjado de amanhecer e pássaros tridimensionais alçando voo. Até esse momento, as imagens que estão sendo executadas não são da plataforma do Street View. Na sequência, essas duas janelas se transformam em uma com a imagem de satélite da aérea do endereço escolhido. Na figura abaixo (fig. 7) temos a experiência realizada nos cinco lugares da cidade de São Paulo. Figura 7 – Imagem de satélite dos cinco lugares da Cidade de São Paulo no tempo 1min 23s

Fonte: Montagem nossa do videoclipe interativo

A perspectiva do olhar é a dos pássaros, sendo que abaixo é possível visualizálos sobrevoando a cidade. Após esse plano, quatro janelas do jovem correndo são abertas automaticamente. Em seguida à quarta janela, é aberta no canto esquerdo uma janela com as imagens do Street View em 360 graus do local em um plano panorâmico de direita para esquerda (fig. 8). Outra janela é aberta no canto esquerdo com o mesmo plano. Essas imagens remetem ao olhar do jovem correndo, sendo que é adicionada até simulação de imagem tremida na perspectiva de alguém que está correndo.

Figura 8 – Imagens do Street View dos cinco lugares escolhidos na cidade de São Paulo

Fonte: Montagem nossa do videoclipe interativo

Visualizando o endereço escolhido, o personagem pára de correr e, ofegante, olha panoramicamente o local escolhido pelo usuário. Neste momento, várias janelas de formatos múltiplos são inicializadas automaticamente com imagens do Street View. As janelas com as imagens de satélite e do Street View iniciam um movimento em 360 graus, sincronizado com o movimento do jovem olhando a cidade e a imagem panorâmica do local onde ele está posicionado (fig. 9). É importante ressaltar que no canto esquerdo inferior existe, durante a reprodução, uma janela com os botões de pause e mute, possibilitando as respectivas funções. Na sequência da narrativa, essas três janelas que estão abertas simultaneamente se redimensionam até restar apenas a panorâmica de satélite. Essa que continua a rotacionar em 360 graus começa a se afastar, abrindo em perspectiva geral, até que automaticamente desaparece.

Figura 9 – Imagens das três janelas (Satélite, Street View e Jovem)

Fonte: Montagem nossa do videoclipe interativo

Logo após, é inicializada uma janela de edição de texto e imagens (fig.10) com os seguintes dizeres: “Write a post card of advice to the younger you that lived there then”. Nesta janela, o usuário é convidado a escrever um cartão postal com uma mensagem com conselhos para pessoas mais novas. Abaixo, em nossa experiência, produzimos cinco cartões. Observa-se que a possibilidade de criação, mesmo que limitada pela fonte e estilo, apresenta um grande potencial de criação de cartões postais. Figura 10 – Janela Interativa com cinco cartões desenhados

Fonte: Montagem nossa do videoclipe interativo

Continuando a narrativa do clipe interativo, os pássaros tridimensionais retornam pousando nas mensagens escritas. Ao mesmo tempo, outras janelas com o jovem correndo aparecem, mas agora ele está em um ambiente branco. Nesse momento outras janelas da cidade começam a surgir e os pássaros vão migrando para elas. Depois, vão caindo na cidade e se transformando em árvores (fig.11). O videoclipe finaliza com quase toda a paisagem coberta por árvores. Figura 11 – Imagens do Street View com as cinco localidades

Fonte: Montagem nossa do videoclipe interativo

Ao finalizar o videoclipe, retorna-se à interface inicial com quatro botões de acesso. O primeiro reproduz o clipe novamente, o segundo possibilita o acesso de compartilhar nas redes sociais o link do endereço do clipe reproduzido, a terceira opção permite ao usuário baixar o cartão-postal em formato PNG e/ou submetê-lo a Google para ser aprovado. A quarta e última opção possibilita escrever um cartão de resposta recebido pela Google, mas para isso é necessário um código. Sendo aprovado o cartãopostal, ele pode ser impresso na Wilderness Machine (fig.12), um tipo de impressora criada por Chris Milk, e posteriormente enviado ao usuário com uma semente de árvore.

Figura 12 – Wilderness Machine e seu projeto desenvolvido por Chris Milk

Fonte: http://www.thewildernessdowntown.com/the-wilderness-machine.html e http://www.arcadefire.com/blog/machines/

A descrição realizada acima aponta para dois regimes de interação refletidos nas diferentes interações passíveis de serem depreendidas da atualização de um fazer enunciativo delegado pelo enunciador ao enunciatário, isto é, o regime da programação e o regime da manipulação, conforme postula Landowski25. No regime de programação é possível afirmar que as diversas ações dos enunciatários podem ser caracterizadas como parte dessa programação. A interação do enunciatário com o clipe só é passível de ocorrer em função da programação imposta, ou seja, assistir somente o videoclipe no navegador ou acessar as outras possibilidades, como ações com o mouse durante do clipe ou escrever um cartão postal, por exemplo. Na construção do enunciado manifesta-se, primeiramente, no momento em que o enunciatário introduz o endereço da sua casa, ou da terra natal, um efeito de sentido de veridicção, pois a realidade do mundo foi inserida nele. Observamos o regime de manipulação instaurado, pois projeta figurativamente o usuário como personagem principal. Este enunciador cria estratégias de sedução e de exclusividade visando à identificação do enunciatário com o personagem principal. Esse sujeito procura em todo

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LANDOWSKI, E. Interacciones arriesgadas. Tradução de Desiderio Blanco. Lima: Fondo Editorial, 2009. (Obra original publicada em 2005).

tempo legitimar sua identidade buscando a liberdade e a mudança no sentido de recompor uma espacialidade já vivida, marcada pela forte presença das plantas. Esses termos explicitam as temáticas do amor, progresso e ecologia por meio dos elementos figurativos da canção e da imagem. Nos elementos imagéticos, a temática ecologia é expressa pelas cenas: jovem 3D correndo sobre um fundo branco com pássaros 3D caindo e se transformando em árvores; janela da imagem aérea com os pássaros 3D caindo e se transformando em árvores; janelas com imagens 360 graus da cidade com árvores crescendo rapidamente sobre o terreno. Ao final permanece a janela da imagem aérea coberta de árvores 3D. Isso é expresso no nível narrativo da experiência, pois há uma transformação evidente em que o enunciado de fazer parte de um estado de disjunção (o jovem não possui mais a vida que tinha no passado e luta contra isso) até atingir um estado de conjunção (o rapaz consegue mudar o presente através dos pássaros que se transformam em árvores). Observa-se que na convocação para a interação os regimes de programação e manipulação coexistem, sendo a programação realizada como um percurso necessário a cumprir e a manipulação, de caráter imperativo, na convocação presente no seguinte dizer “participe de um projeto de conscientização ecológica, viva seu passado novamente com este videoclipe”. Podemos identificar também os efeitos de sentido de subjetividade, de identidade com o discurso e, portanto, de individualização. O destinatário se coloca na narrativa sancionando positivamente o dizer verdadeiro estabelecido em um contrato de veridicção, pois é a rua dele, é a história dele. Nesse momento, o regime de ajustamento se instaura, e a perspectiva horizontalizada de inserção do enunciatário no espaço simula uma forma de interação ancorada a partir de seu ponto de vista, uma vez que as imagens do Street View parecem projetar o olhar do enunciatário. O mesmo caso acontece na janela interativa, pois coloca o enunciatário como um co-enunciador da experiência fornecendo uma tela em branco para a produção de um cartão. Neste caso, mesmo que programaticamente o enunciador direcione o que se deve colocar ou produzir no cartão, o enunciatário tem a possibilidade de quebrar esse contrato e desenhar algo diferente, caracterizando um acidente. O regime do acidente, fundado no princípio da imprevisibilidade e da aleatoriedade, sintetiza essa interação. Na experiência executada para ilustrar este artigo, os desenhos não seguem os direcionamentos e os propósitos do enunciado, pois a performance realizada teve o objetivo de desenvolver um cartão que demonstrasse o projeto como uma experiência

discursiva de representação da cidade de São Paulo e não como um local marcado pela afetividade de um tempo vivido pelo enunciatário. A experiência aqui analisada se enquadra em uma nova dinâmica de produção de conteúdos audiovisuais, sendo que o diálogo entre a linguagem audiovisual e o desenvolvimento de softwares e hardwares está conectado às formas criativas de produção. Nesse sentido, o comunicador necessita estar atento à diversidade de dispositivos de recepção. Neste caso, a web como suporte principal de produção audiovisual interativa, aproximando um diretor de cinema, Chris Milk, a uma equipe de engenheiros e programadores (fig. 13). Figura 13 – Chris Milk apresentando o storyboard “interativo” para a equipe da Google.

Fonte: http://www.northkingdom.com/blog/making-of-3-dreams-of-black-part-3-team/

5 Considerações finais As formas de visibilidade de locais conhecidos da cidade de São Paulo descritas nesse artigo, a partir do corpus do videoclipe interativo The Wilderness Downtown, demonstram as práticas de interação, onde os modos do enunciador apresentar a cidade estão condicionados não apenas à narrativa do clipe, qual seja, o jovem não possui a vida que tinha no passado e luta contra isso, até atingir um estado de conjunção, onde o rapaz consegue mudar o presente através dos pássaros que se transformam em árvores, mas também a ângulos de visualização dos espaços possibilitados pelo projeto Street View.

Do ponto de vista do conteúdo, quando a experiência se passa em locais como a Avenida Paulista, Copan, Mercado Municipal, a arborização dos espaços enquanto objeto-valor se sustenta e transforma a paisagem. Entretanto, quando a experiência se passa na PUC Perdizes, o eixo temático entra em crise, pois a maioria das imagens do Google Street View se dá em localidades com área bastante arborizada. Já na experiência da Catedral da Sé, ocorre uma quebra, pois o personagem adentra a catedral e essas árvores tridimensionais começam a crescer dentro da igreja, gerando um regime de acidente no âmbito da narrativa porque o enunciatário não espera essa interação, tendo em vista que todas as outras ocorrem no espaço externo e não em um ambiente interno como uma catedral. Finalizando, concluímos que os mecanismos enunciativos pelos quais as práticas interativas se desenrolam no videoclipe analisado, apontam para a ocorrência de novas possibilidades do ponto de vista da sintaxe narrativa, das aspectualizações espáciotemporais, enfim, das formas de representação simbólica. Neste caso, a construção de uma dada figuratividade da cidade de São Paulo deu-se a partir de recursos de linguagem orientados para o desenvolvimento de uma forma expressiva própria da internet, inaugurando novas perspectivas de fruição e interação que incidem tanto na dimensão inteligível quanto na dimensão sensível dos regimes de interação.

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