No mundo dos Contos de Fadas - TCC

June 6, 2017 | Autor: Priscila Vaz | Categoria: Media Studies, Television Studies, Series TV
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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL ESTUDOS CULTURAIS E MÍDIA GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE MÍDIA

PRISCILA MANA VAZ

NO MUNDO DOS CONTOS DE FADAS A construção de universos diegéticos em Once Upon a Time

Niterói-RJ 2°/2014

 

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PRISCILA MANA VAZ

NO MUNDO DOS CONTOS DE FADAS A construção de universos diegéticos em Once Upon a Time

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel.

Orientador: Prof. Dr. AFONSO DE ALBUQUERQUE

Niterói-RJ 2°/2014

 

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TERMO DE APROVAÇÃO NO MUNDO DOS CONTOS DE FADAS A construção de universos diegéticos em Once Upon a Time Por PRISCILA MANA VAZ

Monografia apresentada no dia 08 de dezembro de 2014 ao Curso de Graduação em Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________ Prof. Dr. Afonso de Albuquerque - Universidade Federal Fluminense (Orientador) ___________________________________ Prof. Dr. Bruno Campanella - Universidade Federal Fluminense (Examinador) ___________________________________ Profª. Ms. Thaiane Moreira de Oliveira - Universidade Federal Fluminense (Examinador)

Niterói-RJ 2°/2014

 

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DEDICATÓRIA A todos os fãs de Once Upon a Time e Walt Disney.  

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AGRADECIMENTOS Aos meus pais Maria Jorgina e Edson por terem me mostrado o verdadeiro papel da educação, por todos os incentivos, pelas broncas e por todo o apoio. Pelo amor incondicional, pelos ensinamentos de vida, pela dedicação e por sempre acreditarem (mesmo quando não entendiam) e torcerem por mim. E as minhas tias, padrinho, primos e avô, obrigada por entender as minhas ausências, ou presenças sempre fazendo algo no computador, por se manterem ao meu lado, sempre acreditando no meu sucesso. A minha irmã Aline Melina, minha fonte de inspiração, orgulho e força para sempre dar o meu melhor. Grande amiga, incentivadora, revisora, agradeço por sempre estar ao meu lado em qualquer situação, seja presente ou em pensamento. Ao meu irmão Carlos Eduardo, meu amor maior, meu companheiro desde sempre, minha versão menino! Obrigada por me manter sã sempre, e por me cobrar resultado e por ser meu ponto seguro. Obrigada também por toda a companhia durante esse processo. Ao meu amor e melhor amigo Jean Fernandes, por todas as infinitas horas de conversa, e por me ensinar a andar sozinha. Obrigada por sempre acreditar em mim (mesmo quando não concorda) e pelo amor único que me dedica todos esses anos. Ao meu orientador Prof. Dr. Afonso de Albuquerque, por aceitar comigo esse desafio e me ajudar a encontrar meu eixo. Por ter acreditado no meu potencial e por ter incentivado diversas vezes a fazer o meu melhor. Lições e ensinamentos para a vida toda. A todos os meus amigos da graduação, em especial aos queridos Ana Laura Iovino, Bernardo Lopes e Daniel Hércules, por terem tornado esses quatro anos de UFF tão especiais, e por terem sido minha família em tantos momentos. Amo vocês pelas risadas, pelas bobeiras pelo companheirismo, pela amizade e acima de tudo pela paciência. Obrigada por estarem sempre por perto. E a Louise Carvalho, amiga inesperada, obrigada por toda força nessa reta final, você foi - sem dúvida - essencial. A todos os professores do curso de Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense por serem grandes incentivadores, pela qualidade e dedicação do ensino. Obrigada por todos os projetos, todos os grupos de pesquisa e pelas atividades extras, que realmente fizeram diferença na minha formação.

 

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E a Deus, por me mostrar sempre que existe um ser maior que minha existência e me prova todos os dias o seu amor e compaixão. Obrigada por colocar tanta gente boa na minha vida, e por me proporcionar experiências maravilhosas.

 

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“Acreditar, mesmo que apenas na possibilidade de um final feliz, já é uma coisa muito poderosa.” (Mary Margareth em Once Upon a Time)

 

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RESUMO

Cada vez mais as ficções seriadas ganham destaque no meio televisivo, atraindo diversos tipos de público e desenvolvendo narrativas como todo tipo de temática. Nesse contexto, o estudo destas obras se faz cada vez mais necessário, por isso, o foco deste trabalho será de analisar como é construído o universo diegético da série Once Upon a Time a partir de sua relação com as histórias de contos de fadas. Através de uma passagem rápida pela formação dos contos, será possível estabelecer uma base onde se possa identificar as principais referências que serviram de fonte para a construção do mundo narrativo da série. Além disso, a análise irá explorar a relação de construção de universos na ficção seriada, buscando identificar os pontos mais importantes para que os universos narrativos sejam críveis e capazes de fidelizar públicos. O trabalho irá ainda analisar como está sendo feita essa construção na série e apontar os principais pontos explorados para engajar o público e aproximá-lo da série. Palavras-chave: televisão; ficção seriada; contos de fadas

 

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ABSTRACT

Serial fiction shows are growing in television audience attention inviting people from different ages and kinds to watch many stories with a lot of themes. In this context, this paper aims to analyze how the narrative universe of Once Upon a Time is build based on its relation with fairy tales. Beginning with a quick view on the history of fairy tales, it will be possible to identify the most important references that its universe shares with the show. Besides, this paper will analyze the process of narrative universe building in serial fictional shows, pointing out the most important processes in narrative to succeed in being credible and keeping audience interest. It will also analyze the applicability of that processes on the narrative universe construction in Once Upon a Time show, to point out how this strategies are being used to keep audience interest on the show. Keywords: television; serial fiction; fairy tales

 

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SUMÁRIO

  AGRADECIMENTOS  ...........................................................................................................................  iv   RESUMO  ................................................................................................................................................  vii   ABSTRACT  ..........................................................................................................................................  viii   INTRODUÇÃO  ....................................................................................................................................  11   CAPÍTULO  1:  As  histórias  por  trás  de  Once  Upon  a  time  ............................................  15   1.1-­‐  Os  contos  folclóricos  ....................................................................................................  17   1.2-­‐  Contos  de  fadas  na  literatura  ...................................................................................  19   1.3-­‐  Contos  de  fadas  no  audiovisual  ...............................................................................  25   1.4-­‐  Histórias  adaptadas  e  comerciais  ..........................................................................  27   CAPÍTULO  2:  A  formação  do  universo  diegético  na  ficção  seriada  .......................  30   2.1-­‐  Regras  gerais  de  construção  de  universos  críveis  na  ficção  seriada  ......  32   2.2-­‐  As  características  do  universo  narrativo  de  Once  Upon  a  Time  ...............  35   CAPÍTULO  3:  Once  Upon  a  Time:  muitas  narrativas  sobre  um  universo  .............  42   3.1-­‐  Narrativa:  tempo,  enredo  e  representação  ........................................................  42   3.2-­‐  Personagens:  quem  é  quem  em  cada  mundo?  ..................................................  46   3.3-­‐  Continuidade  e  outras  temporadas  .......................................................................  52   CONCLUSÃO  .......................................................................................................................................  54   ANEXO  1  –  Sinopses  e  informações  técnicas  dos  filmes  da  Disney  ............................  56   1  -­‐  Branca  de  Neve  e  os  Sete  Anões  (1937):  ....................................................................  56   2  –  Pinóquio  (1940):  ..................................................................................................................  56   3  –  Cinderela  (1950):  .................................................................................................................  56   4  –  Alice  no  País  das  Maravilhas  (1951):  ..........................................................................  57   5  –  Peter  Pan  (1953):  ................................................................................................................  57   6  –  A  bela  adormecida  (1959):  ..............................................................................................  57   7  –  A  pequena  Sereia  (1989):  .................................................................................................  58   8  –  A  bela  e  a  fera  (1991):  .......................................................................................................  58   9  –  Aladdin  (1992):  ....................................................................................................................  58   10  –  O  Rei  Leão  (1994):  ............................................................................................................  59   11  –  Mulan  (1998):  .....................................................................................................................  59   12  –  Vida  de  Inseto  (1998):  ....................................................................................................  59   13  –  A  princesa  e  o  sapo  (2009):  ..........................................................................................  60   14  -­‐  Enrolados  (2010):  .............................................................................................................  60   15  –  Frozen:  uma  aventura  congelante  (2013):  ............................................................  60   ANEXO  II  –  Episódios  da  primeira  temporada  ....................................................................  61   ANEXO  III  –  Ficha  técnica:  personagens  principais  ..........................................................  63  

 

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Emma  Swan  ...................................................................................................................................  63   Regina  Mills  ...................................................................................................................................  63   Mr.  Gold  ...........................................................................................................................................  63   Mary  Margareth  ...........................................................................................................................  64   David  Nollan  ..................................................................................................................................  64   BIBLIOGRAFIA  ..................................................................................................................................  65    

 

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INTRODUÇÃO Era uma vez um menino que não queria crescer. Seu nome era Peter Pan. Ele morava em um lugar conhecido como “Terra do Nunca” onde tudo era mágico e especial. Lá era também o lar de fadas e de outras criaturas mágicas. Peter aparentava ter por volta de 12 anos e sua diversão era visitar crianças em seus sonhos e levava-as para a Terra do Nunca, onde elas podiam permanecer crianças para sempre. Na “Terra do Nunca”, Peter tinha uma amiga fada, Sininho, que era sua companheira de aventuras e que com seu pó de fada, fazia com que as crianças pudessem voar. Tudo na ilha era muito divertido. Ou pelo menos parecia ser. Tudo era muito perfeito na ilha, até uma criança resolver que queria voltar para casa. Apesar da aparência de criança inocente, Peter Pan escondia um segredo, escondia suas verdadeiras intenções. Ele não gostava que ninguém saísse de sua ilha, ele simplesmente não permitia. Aqueles que já haviam tentado tinha se arrependido profundamente. Peter era uma criatura muito poderosa, com poderes mágicos que permitiam que ele pudesse desaparecer de um lugar e reaparecer em outro, atravessar mundos e fazer basicamente tudo que lhe desse vontade. A “Terra do Nunca” outrora já havia sido um lugar feliz e de liberdade, mas o segredo sombrio de Peter Pan ameaçava a beleza e inocência de toda a ilha. E como em um passe de mágica, Sininho perdeu seus poderes e Peter Pan começou a enfraquecer... Todo aquele mundo que ele havia construído estava em risco. Como consertar as coisas nas Terra do Nunca? A solução para o seus problemas, era algo que ele escondia há muito tempo, que conhecia desde sempre, de um tempo antes de ele voltar a ser menino. Desde sua primeira visita a “Terra do Nunca”, antes mesmo de passar a morar lá, ele foi avisado que seu tempo na ilha não era infinito, a menos que ele conseguisse sugar todo o poder e a alma de um menino específico. Esse garoto era o bisneto de Peter Pan, e que por coincidência do destino (talvez não, porque em magia não existem coincidências) era neto da Branca de Neve e do Príncipe Encantado, e também de Rumpulstitskin uma criatura extremamente poderosa, repleta de magia negra. Só esse menino, fruto da mistura de duas fontes de magia extremamente poderosas, magia branca e magia negra, seria capaz de dar a Peter Pan o que ele realmente buscava durante todo esse tempo, a eternidade como criança.

 

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Essa não é exatamente a história do famoso Peter Pan. O menino que não queria crescer, personagem originalmente criado por James Matthew Barrie para a peça “Peter e Wendy” ficou mundialmente conhecido a partir da publicação do livro homônimo em 1911. Essa história já foi alvo de diversas adaptações, principalmente no cinema, mas nada parecidas com a história contada acima. No original, Peter é sim, um menino que se recusa a crescer, mas que tem o coração puro e que leva a vida em suas aventuras. Na história, ele conhece Wendy, menina que faz com que ele quase desista de sua eternidade como criança, mas em momento algum Peter é um sequestrador, ou algo do tipo. Nessa nova proposta, Peter Pan não só tem sérios problemas de caráter, como também tem uma ligação com diversos outros personagens de nos Contos de Fadas, como Rumpelstiltskin e Branca de Neve, que nunca foram mencionados nas histórias e adaptações feitas anteriormente. Porém mesmo com essas modificações na narrativa, há vários elementos familiares com o conto original no trecho mencionado. Utilizando como principal mecanismo de formação narrativa, a relação entre reconhecimento e estranhamento de histórias de contos de fadas, a série Once Upon a Time constrói seu universo narrativo baseado na ideia de integrar histórias e universos ficcionais oriundos de outras narrativas. Lançada em 2011 pela emissora ABC, a série se pauta em histórias de contos de fadas e adaptações audiovisuais para construir novas narrativas e atribuir diferentes significados para histórias que são conhecidas e bem disseminadas pela cultura de massa. Apesar de famosos na literatura infantil, foi através dos filmes da Disney, que os contos de fada ficaram massivamente conhecidos, no século XX, em um movimento que começou em 1937, mas que teve seu auge nas décadas de 80 e 90 com a disseminação dos filmes em vídeo. E aproveitando o público, e conhecimento sobre as obras formado por esse movimento de “Disneyzação1” a série se apropria de diversos elementos para criar um universo diegético diferente do que já é conhecido, onde todas as histórias ganham um novo sentido. Once Upon a Time não é uma série que tem como gênero os contos de fadas. É um produto audiovisual sobre esse gênero, que se apropria de códigos conhecidos para reunir histórias e colocá-las sob um mesmo fio narrativo. Mas como essa lógica está sendo construída e para quem está sendo direcionada? Será que ela compartilha                                                                                                                 1

Termo utilizado por Alan Bryman, no texto “The Disneyzation of society”, para explicar o movimento de consumo massivo que os produtos da Disney geraram sociedade do século XX e XXI.

 

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com a Disney também seu público alvo? Sim e não. Essa não é uma série para crianças2, é uma série para os adultos que foram crianças quando os filmes da Disney foram para o cinema e fizeram sucesso não só nas telas como também em VHS, DVD e diversos outros produtos. E por isso, engaja o público que pelo menos em algum momento teve contato com os filmes da Disney. Mas essa relação vai além de um simples compartilhamento de público, na construção de sua narrativa, a série depende do conhecimento prévio do público sobre as “histórias clássicas de contos de fadas” para que possa desconstruir conceitos e subverter informações que estão no imaginário comum para então atualizá-las com elementos contemporâneos. Mas o que faz com que as história fiquem bem construídas e suas ligações façam sentido? Que elementos estruturais estão sendo levados em consideração para a construção do universo diegético? A série, como algumas outras, divide sua narrativa em dois universos paralelos, o que faz com que todos as personagens tenham suas duplicatas, apresentados na versão contos de fadas e na versão pessoas ordinárias. Por conta disso, a construção do universo vai além da mera relação entre as histórias, ela ainda precisa levar em consideração a transposição das personagens de um mundo para o outro e a sustentação da narrativa em dois mundos ficcionais. Neste trabalho se pretende analisar a mecânica que é usada para a construção do universo diegético da série a partir de sua relação com os contos de fadas, tendo como base a lógica da formação narrativa da ficção seriada. Será feito um esforço para elencar como a estrutura da série é construída a partir de modelos já consolidados em outras séries tendo como foco o papel fundamental que os universos diegéticos na narrativa, se destacando por muitas vezes mais que as histórias das próprias personagens. Além disso, se pretende descrever os mecanismos que estão sendo utilizados para fazer a sustentação dessa narrativa, elencando não só os elementos de semelhanças entre a história da série e as histórias “clássicas” como também comparando como a inserção de novos elementos contribui, para a manter a lógica de renovação e reconhecimento, essencial nas ficções seriadas, para o engajamento do público. E pretende ainda, entender como os contos de fadas são adaptados para a linguagem televisiva, buscando o que é peculiar dessa linguagem e o que diferencia esse produto audiovisual – a série – de todos os outros materiais.                                                                                                                 2

A série bateu recorde de audiência para o público de 18-49 anos. (http://tvbythenumbers.zap2it.com/2011/10/25/sunday-final-ratings-once-upon-a-time-adjusted-upfinal-ratings-for-world-series-game-4-saintscolts/108354/) Acessado em 22/11/2014.

 

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Esse trabalho não é sobre a permanência os contos de fadas nos dias de hoje, tão pouco sobre contos de fadas. É sim, um esforço de analisar o potencial que o conteúdo dessas narrativas, tão conhecidas por públicos de diversas idades, tem de servir como material de re-apropriação e ressignificação para a construção de uma narrativa seriada. Caberá aqui também, a discussão dos elementos presentes nessas histórias clássicas que oferecem alternativas de re-apropriação, como por exemplo, a clássica pergunta: o que acontece depois do final feliz? Que brechas e perguntas não foram respondidas, ou ainda mal interpretadas nas histórias clássicas e que podem dar margem para novas construções? A partir da análise da primeira temporada da série, este trabalho fará um mapeamento da mecânica de construção da série, buscando compreender como é desenvolvida a lógica dessa adaptação para o contexto televisivo. Traçaremos ainda, um paralelo entre algumas histórias “originais” e as histórias apresentadas na série com a intenção de identificar como elas foram ressignificadas e subvertidas, utilizando como base principal os filmes de Walt Disney, que em sua tradição já carregam a lógica da adaptação e da ressignificação das histórias tidas como clássicas. Não será levantada aqui, a discussão sobre o que é ou não um conto de fada, nem será discutida a questão de originalidade dessas histórias. De modo que iremos considerar como referência além dos contos de autores literários como os Irmãos Grimm, os filmes da Disney, que são narrativas frutos de re-apropriações de diversas histórias. A discussão sobre a origem dos contos e a originalidade de tais histórias, vem sendo discutida ao longo de anos por diversos autores, mas não é pertinente para essa pesquisa, já que o objeto de análise será um produto baseado em adaptações de adaptações.  

 

 

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CAPÍTULO 1: As histórias por trás de Once Upon a time A série Once Upon a time, é um produto audiovisual que se apropria de um conjunto de histórias pré-existentes oriundas dos contos de fadas, para construir um universo diegético, onde todas essas histórias são conectadas por um mesmo fio narrativo. A série, não é uma produção do gênero contos de fadas, ela é um produto sobre um gênero e sobre um hábito muito antigo, o de contar histórias. Composta atualmente por 4 temporadas, a série reúne contos famosos como Branca de Neve, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, entre outras. Cada temporada tem uma média de 22 episódios, de 45 minutos cada, que vão ao ar aos domingos nos EUA, no canal ABC desde 2011. Para se aproximar da série e começar a entender a lógica sobre a qual ela é estruturada, antes de mais nada, é preciso entender sua essência, que é o ato de “contar de uma história”. O costume de contar histórias é anterior ao que hoje chamamos de literatura. Segundo Walter Ong, “expressões orais existem e surgiram sem nenhum apoio da escrita, já as expressões escritas, nunca existiriam sem o suporte oral” (ONG. 1982, p.8) ou seja, essa histórias já eram contadas antes da literatura surgir. Os contos orais eram o meio pelo qual a sociedade pré-escrita tinha para transmitir conhecimento, já que, ainda segundo Ong, “culturas orais não conseguiam gerar categorias [de conhecimento] então, eles precisavam usar histórias de humanos para guardar, organizar e comunicar tudo que eles sabiam” (ONG. 1982, p.138). Com a transposição desses contos para a literatura, esse função educativa e moralizante permaneceu viva, sendo o principal traço das histórias de contos de fadas. Porém, as histórias de contos de fadas, desde os contos orais até chegarem ao cinema, passaram por diversas transformações, e se aproximaram e se afastaram de sua “função inicial” ao longo dos anos. As re-apropriações e inserções de novos elementos e a inserção das histórias em novas mídias fizeram com que houvesse diversas alterações na narrativa, e com que mudassem a maneira como essas narrativas são construídas e recebidas pelo público. No entanto, a essência “contar histórias” nunca foi perdida. Na trajetória de formação dos contos de fadas, o processo se iniciou com os folktales (como eram chamados os contos orais) e ao longo dos séculos, essas histórias foram sendo inseridas na literatura, sendo apropriadas por diversos autores

 

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até tomarem forma e conquistarem o status de gênero narrativo, que acabaria se fixando como gênero infanto-juvenil. Mas como foi essa trajetória? De onde veio o termo utilizado para designar esse conjunto de narrativas? Por quem foram escritas? E afinal das contas, que histórias são essas das quais estamos falando? Para compreender a formação do universo diegético da série Once Upon a Time, que posteriormente será analisada, antes de mais nada, é preciso conhecer a história dos contos de fadas para entender melhor porque essas narrativas são tão ricas e oferecem tantas possibilidades de apropriação. Para compor esse histórico e a teorização a respeito dos contos de fadas foram selecionadas, principalmente, as obras do autor Jack Zipes, que é professor de alemão da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e a maior referência atual sobre o tema contos de fadas. Zipes dedicou sua vida a estudar a formação dos contos de fadas, tendo publicado seu primeiro livro sobre o tema no ano de 1979, onde ele discorre sobre teorias radicais a respeito dos contos. Sua coletânea possui mais de 15 livros sobre o tema, além de diversos artigos publicados3 onde ele busca descrever diversos aspectos relacionados aos contos, desde suas origens até elementos mais técnicos inerentes aos textos, como é o caso do livro Why Fairy tales stick (2006), onde ele foca na construção textual do gênero e no processo de mimetização 4 associado a essa histórias. O principal livro mencionado neste trabalho foi escrito por ele no ano de 1985, e atualizado em 2006 para uma segunda edição. Fairy Tales and the Art of Subversion, Contos de Fadas e a Arte da Subversão, traz um riquíssimo histórico de formação social do tema, explorando como cada autor, em seu tempo foi se apropriando dos contos, de acordo com as funções sociais que lhes eram atribuídas. O autor não possui obras traduzidas para o português, por isso, todas as citações que lhe serão atribuídas são traduções livres da autora deste trabalho. É importante mencionar ainda, que por mais que este autor tenha uma vasta obra sobre o tema, para além dele é possível encontrar referências menos focadas no enfoque textual e histórico, ficando a maior parte da bibliografia de contos de fadas situadas no campo da psicologia, focadas na relação dos comportamentos humanos                                                                                                                 3

Lista dos livros publicados por Jack Zipes. (http://www.surlalunefairytales.com/bookstore/jackzipes.html) Acessado em 22/11/2014 4 Zipes fala do potencial das histórias de permanecer por décadas no imaginário das pessoas.

 

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baseados em modelos psicológicos criados pelos contos. Um dos temas mais recorrentes na área está relacionado à como as meninas se comportam socialmente a partir dos modelos de princesas oferecidos pelas obras. Este enfoque no entanto não é o tema deste trabalho. No Brasil existem diversos trabalhos com o enfoque psicológico e até mesmo educacional sobre os contos de fadas, porém não há, basicamente, bibliografia que se preocupe em entender as possibilidades narrativas que os contos oferecem para a produção de novas obras, por isso, a escolha de Jack Zipes como referência máxima.

1.1- Os contos folclóricos Muito antes dos contos de fadas serem o que conhecemos hoje, muitas histórias já eram contadas em diferentes civilizações de várias partes do mundo. Essas histórias, identificadas pelo termo folktales, atravessaram gerações literalmente, de boca em boca, até se tornarem os contos de fadas modernos. O termo folktale, folk= povo e tale= conto/história, é utilizado para designar as histórias que eram contadas oralmente e que traziam consigo uma função comum que era a de civilizar e educar o povo e fazer com que determinadas regras e tradições fossem mantidas vivas. Cada civilização, a partir do momento em que começou a desenvolver sua própria literatura, buscou maneiras de distinguir suas histórias das de outros povos. Por isso, apesar de existirem várias histórias parecidas em diversas partes do mundo, em cada local onde ela é contada, a história apresenta suas peculiaridades e conta com a inserção de novos elementos. Como já foi dito, uma questão forte que está presente nesses contos é a oralidade. Os traços de oralidade unem os folktales de diferentes países e faz com que essas histórias consigam ser reconhecidas e categorizadas mesmo que escritas em diferentes línguas por diferentes civilizações. Além disso, o uso de temáticas semelhantes, geralmente relacionados a acontecimentos triviais do cotidiano, também faz com que eles sejam facilmente identificados quando comparados. Os estudos sobre as origens dos contos de fadas, principalmente desenvolvidos na Europa, apontam que, inicialmente os contos orais, que depois deram origem a literatura, tinham uma função moralizante para a sociedade (ZIPES, 2006). Eles relatavam histórias de pessoas que tinham passado por situações inusitadas no cotidiano e traziam sempre algum ensinamento que facilitassem o convívio social.  

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Além disso, também eram responsáveis por manter determinados assuntos em pauta e excluir o que era proibido de ser discutido. Até o século XVII, nas sociedades não se fazia distinção entre adultos e crianças e por isso, não se falava ainda em histórias que fossem direcionadas para determinada faixa-etária. É comum ouvir em relação aos contos de fadas, que eles teriam sido feitos primeiro para adultos e depois para crianças. Porém, essa afirmação é uma falácia, já que até determinado ponto da história essa distinção entre adultos e crianças não existia. Então não se podia pensar em uma literatura que fosse direcionada a um público. Com a invenção da infância no século XVIII, houve também uma radical mudança no conteúdo dessas histórias e na maneira como elas eram contadas. Veremos isso, mais adiante. A evolução desses contos está diretamente relacionada às mudanças que a sociedade foi sofrendo ao longo dos séculos. Jack Zipes (2006) comenta sobre essa influência as novas possibilidades de participação na ordem social (...) são a razão para que em cada novo estágio da civilização, em cada novo período histórico, os símbolos e configurações dos contos foram ganhando novos sentidos, sendo transformados e eliminados de acordo com as necessidades e os conflitos do povo frente a nova ordem social (ZIPES, 2006. p. 6)

Esse trecho também nos sugere um dos motivos pelos quais as histórias e os contos de fadas sobreviveram ao longo de tantos anos. Ao evoluir e se adaptar as necessidades sociais, e ao mesmo tempo manter sua essência, esses contos garantiram um lugar especial não só na literatura, mas como no imaginário e formação individual das pessoas. Zipes (2006) também fala da essência temática desses contos e de sua influência com histórias mitológicas da Idade Média, ele cita como alguns desses elementos foram transformados as deusas viraram bruxas, uma fada má ou madrastas; a jovem princesa, foi transformada em um herói; laços familiares e matriarcais tornaram-se patriarcais; a essência dos símbolos, que eram baseados em rituais matriarcais ou pagãos, foi retirada ou então eles foram transformados em símbolos benignos e o padrão de ações que era sobre amadurecimento e integração aos poucos foi ficando fortemente relacionado a dominação e riqueza. (ZIPES, 2006. p. 7).

O autor acrescenta ainda que os folktales orais eram aqueles simbólicos atos onde as pessoas anunciavam suas aspirações e projetavam possibilidades mágicas e imaginativas para resolvê-los e isso poderia envolver se tornar um bravo cavalheiro ou uma amada princesa. (ZIPES, 2006. p.7)

 

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Esses contos foram sofrendo tantas alterações que deles derivaram diversos tipos de outras histórias. De acordo com a função social que eles precisavam desempenhar, “eles foram se subdividindo e se transformando em contos eróticos, filosóficos, ou mesmo pedagógicos, função que mais tarde foi atribuída aos contos de fadas.” (ZIPES, 2006. p.9).

1.2- Contos de fadas na literatura Originados em uma matriz oral e a partir dos folktales, os fairy tales ou contos de fadas, começaram a ser registrados por diversos autores a partir do século XVI e formaram a base do que se tornaria a literatura infantil. Inicialmente os autores que mais se destacaram nesses registros foram os italianos, Giovan Francesco Straparola e Giambattite Basile. Straparola e Basile são dois autores importantíssimos na história da literatura dos contos de fadas. Eles, não só, foram reconhecidos por inaugurar essa vertente literária, como também foram grandes influenciadores das histórias de origem francesas, atribuídas principalmente a Charles Perrault. Straparola, lançou seu primeiro livro em 1508, sua literatura, que não era exclusivamente feita de contos, continha muita obscenidade e pornografia, demonstrando claramente, uma questão que é sempre levantada: que em sua origem os contos de fadas não eram infantis (ZIPES, 2006). Outra característica presente em seus textos, era uma pouca preocupação em relação a questões moralizantes. A obra de Basile também foi baseada na cultura oral, mas acredita-se que ele teve também influência nos textos de Straparola. Lançado em 1634-36, “The Tales of Tales”, trouxe em sua temática poder, civilização e transformação, e também uma questão muito importante para o gênero, que é a magia. As histórias de Basile traziam a ‘lady fortuna’, a sorte, representada como uma fada. Em italiano, fata, que vem de fé, acreditar. E assim, contos de fé, contos de fada. Onde a figura da fada, significava a única chance de mudança de vida, ou situação social. Charles Perrault foi na França, um dos nomes mais expressivos dos contos de fadas. Um dois primeiros a voltar seu trabalho literário para o público infantil, principalmente porque na época em que ele começou a escrever seus textos, a noção de infância, como uma fase especial da vida, começava a tomar forma.

 

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No século XVII, uma forte tendência foi tomando forma de utilizar esses textos como opção moralizante e educacional para a sociedade. E nada melhor do que começar essa inserção o quanto antes na vida das pessoas, ou seja, apresentando-os para crianças. Esse modelo, no entanto, só foi consolidado de fato, no século XIX em grande parte da Europa e na América do Norte. Mas a contribuição de Perrault e, de alguns autores contemporâneos a ele na França, foi bem maior. Eles não só especificaram melhor para que público estavam falando os contos de fadas, como também trabalharam para construção de um gênero específico que englobasse essas histórias. Zipes (2006) defende, que grande parte do crédito que foi dado a Perrault pertence na verdade a algumas escritoras francesas cuja sociedade altamente machista da época fez questão de abafar. Segundo ele, essas escritoras teriam sido as reais responsáveis por estabilizar o gênero no universo infantil. Entre essas autoras, há um destaque especial para Marie-Catherine d’Aulnoy, que foi a primeira autora a utilizar o termo conto de fadas para especificar seus contos. Na verdade, vários termos são utilizados aqui no Brasil, que são traduções de traduções, o termo original em francês, ‘conte de fées’ não se referia diretamente a primeira tradução que lhe foi atribuída, ‘fairy tale’. D’Aulnoy cunhou o termo para falar de histórias sobre fadas, tema que dominou os contos da época. Apenas mais tarde que o termo foi sendo utilizado de forma cada vez mais genérica para denominar contos de diferentes características e que não necessariamente continham a presença de uma ou mais fadas. De qualquer forma, os textos de Perrault ficaram famosos por se apropriar de várias folktales e mesmo de outros contos de fadas, como aqueles escritos por Straparola, e incluírem uma função moralizante que serviu tanto para educar adultos como crianças. Os conto franceses, principalmente em razão de todo o processo da Revolução Francesa, tiveram um papel importantíssimo no processo de civilização de diversos povos do Ocidente. Zipes (2006) afirma que, “os contos de Perrault foram tão importantes para a sociedade monárquica da época quanto os filmes de contos de fadas da Disney foram essenciais para a cultura industrial.” (ZIPES, 2006. p. 34) A literatura de contos de fadas para crianças, foi sendo construída ao longo dos séculos XVIII e XIX, com uma dupla função: entreter e moldar ideologicamente. Conforme a noção de infância ficava mais forte, também a necessidade de educar e impor modelos sociais a ser seguidos também aumentava. Mas antes de se consolidar  

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de vez para crianças, os contos de fadas ainda tiveram alguns autores que contribuíram muito para o gênero. E se até o século XVII, o passado dos contos de fadas é meio incerto e pouco preciso, não se tem dúvida que no século XVIII, tudo muda. Na Alemanha, dois irmãos, começaram a colecionar folktales e a escrevê-los de forma estilizada para transformá-los em contos de fadas. Seus textos contribuíram tanto para a consolidação do gênero, que muitos estudiosos atribuem a eles a invenção dos contos de fadas. Como já vimos, não foram eles que inventaram o gênero, mas sem dúvida, a contribuição deles, é uma das razões pelas quais ainda hoje conhecemos diversos contos de fadas. Publicado pela primeira vez em 1812, o livro “Children’s and Household Tales” foi o primeiro volume da coleção de contos dos Irmãos Grimm. Com 86 contos, o livro inaugurou o que viria a ser uma coleção de 3 volumes e mais de 200 contos. Jacob e Wilhelm Grimm dedicaram suas vidas a literatura e ao estudo da língua alemã. Entre suas produções, além dos contos, está também um dicionário de alemão. Os outros volumes da coleção, foram publicados nos anos de 1814 e 1815. Em sua primeira publicação, os contos continham uma linguagem menos apropriada para crianças, fato que foi modificado em 1819 com o lançamento da “edição educacional”. Os Irmãos Grimm foram, não só, consagrados por seus contos, como também viraram referência do que seriam os “clássicos” dos contos de fadas. Mais tarde, Hans Christian Andersen, também viria a fazer parte desse cânone dos contos devido a importância de seus textos. Esse culto aos contos clássicos foi mantido, como nos informa Zipes (2006), até a metade do século XX, quando novos autores, não só na literatura mas no cinema também, passaram a se apropriar dos contos e escrevê-los sobre outra ótica, livrando-os um pouco da função moralista e trazendo mais elementos da sociedade industrial e das relações capitalistas. O trabalho de vida dos Irmãos Grimm, foi muito maior do que apenas recolher contos que já eram contados nas camadas burguesas, na maioria dos casos, “eles fizeram muito mais do que apenas simples mudanças, e melhorias no estilo: eles expandiram e fizeram profundas mudanças nos personagens e no sentido” (ZIPES, 2006. p.61). Segundo Zipes (2006) aponta, eles contribuíram para o processo de “burguesificação” dos contos orais, retirando grande parte do caráter popular que essas histórias continham. Mas essa mudança não foi realizada no sentido de excluir  

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da cultura essa camada da sociedade, muito pelo contrário, o maior desejo deles era de contribuir para o enriquecimento da literatura alemã, e ainda mais, fortalecer o sentimento nacionalista, e espalhar parte dessa cultura pela Europa. Outra questão muito forte para essas histórias terem se consolidado, foi o momento em que foram lançadas. Com o fortalecimento da sociedade burguesa e da noção de família, eles lançaram uma literatura feita para mães lerem para crianças e para as próprias crianças lerem, fato que era possível com o avanço da ideia de educação mais formal. Na verdade a questão era mais profunda, era um livro para pessoas de boa educação lerem. Zipes (2006) destaca que eles viram uma missão para os contos de fadas, e os burgueses da época eram os missionários. Wilhelm Grimm, que era dos dois o irmão mais moralista, acreditava em uma limpeza moral dos homens, e via na obra que eles construíram, um apoio para a educação. De fato essa ideologia foi tão forte que foi seguido durante muitos anos por educadores, e até hoje está presente na mentalidade de muitos escritores de livros infantis. Algo importante a ser destacado, é que a maneira como os Irmãos Grimm construíram sua obra não foi inaugurado por eles, e tão pouco parou neles. Como já foi dito, muito autores se influenciaram em obras dos outros e se influenciam até os dias de hoje. Muitas editoras inclusive apoiaram o movimento de recontar essas histórias e manter essa função socializante dos contos. Essa talvez seja a característica mais forte do gênero, que carrega em sua formação histórica desde o início a noção da subversão e da adaptação (ZIPES, 2006). No entanto, o caso de Hans Christian Andersen, outro autor muito relevante na área, é pouco diferente do que foi descrito. Ele tem muita importância histórica porque basicamente completou o trabalho dos Irmãos Grimm, ao contribuir para a formação de um cânone da literatura de contos de fadas para adultos e crianças. Seus livros foram lançados na Dinamarca nos anos de 1835 e 1874. Um pouco diferente dos Irmãos Grimm, Andersen desenvolveu seus próprios contos, misturando a linguagem popular e linguagem clássica, e seu esforço foi para sintetizar um estilo que pudesse ser bem recebido por ambas as classes. Ele também tentou sintetizar a temática dos contos. Andersen era de origem pobre, e durante sua vida, foi inserido na sociedade burguesa. Suas histórias refletiam parte de seu próprio esforço pessoal, que era de repetir algo que ele ouviu nas classes populares mas de uma forma que pudesse ser aceito na sociedade burguesa e que fosse “limpo” o  

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suficiente para ser apresentado para as crianças burguesas. Outra questão fortemente apresentada na obra de Andersen, era a religião. Seus contos conservam referências a Deus, que não podem ser encontradas nas obras de outros autores da época. Um outro ponto que também o diferencia dos demais, é que sua produção começou sendo direcionada para o público infantil, e gradativamente foi sendo escrita para adultos. Na verdade, a sua primeira publicação para crianças, em 1837, foi lançada dentro de livros para adultos. Seu desenvolvimento passou da apropriação de alguns contos populares, para a escrita de contos basicamente originais, onde dificilmente era possível identificar a marca de outros contos orais. A temática dos contos também evoluiu, passando de animais e objetos, para lendas, histórias sobrenaturais e filosóficas. Um pouco antes de Walt Disney entrar na mente e nas casas da crianças de várias partes do mundo, com suas versões dos “clássicos contos de fadas”, outros autores também apresentaram histórias de relevância para a literatura dos contos de fadas. Zipes (2006) indica alguns autores, na Inglaterra, que começaram a dar uma nova forma para os contos de fadas. Entre os mais conhecidos, Lewis Carrol e Charles Dickens, foram responsáveis por introduzir nos contos de fadas, questões mais atuais, relacionadas ao processo de industrialização e urbanização. Porém, foram os autores, George MacDonald, Oscar Wilde e L. Frank Baum os responsáveis por manter o legado dos “contos clássicos”, apenas alterando sua função social de acordo com as novas demandas da sociedade. Nessa época, os contos de fadas passaram por uma grande modificação, deixando de serem vistos como um instrumento para facilitar o processo civilizatório e de socialização, e passando a ilustrar um modelo de sociedade imaginada e alternativa, que trazia uma crítica para diversos problemas encontrados na sociedade da época. É também nesse momento que o conceito de utopia é associado aos contos de fadas. O mundo dos contos de fadas passa a ser um mundo inventado e invertido em relação o mundo real (ZIPES, 2006). Essa mudança está fortemente associada ao desconforto dos autores frente a questões sociais da época. Com o aumento da industrialização e o reforço dos grandes abismos sociais e desigualdades. Os novos mundos funcionavam então como uma fuga para os problemas e representavam um local onde as pessoas podiam modificar sua realidade e até inventar uma nova. Presentes principalmente na obra de Lewis Carrol e Frank Baum, respectivamente com os livros, “Alice no país das maravilhas” e “O mágico de Oz”, esses traços de um  

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mundo ‘melhor’, diferente do que era a realidade na época, marcaram o conteúdo dos contos de fadas no final do século XIX. É a partir desse ponto, na formação dos contos de fadas, que Zipes (2006) enquadra seu conceito de ‘arte da subversão’ que é essencial para compreender não só as mudanças nos contos como também toda a sua relação de adaptação para novas mídia, inclusive para a série Once Upon a Time, objeto de análise dessa pesquisa. Ele chama atenção para uma completa mudança na função social dessas histórias através da construção de universos utópicos, ao invés de funcionarem como instrumentos educacionais, passam a ser pontos de fuga da realidade. Nesse momento várias elementos são modificados, como por exemplo questões religiosas são incluídas em várias narrativas e traços de violência e sexualidade são totalmente expurgados dos contos. Um dado importante também nesse momento, é que as obras atingem além das crianças, os jovens que estão inseridos na lógica industrial, e que estão insatisfeitos com a realidade. E mais uma vez, os contos de fadas deslocam seu público-alvo, só que desta vez, sem deixar de atingir as crianças. Essa linha é seguida e sustentada por vários autores da época, até que, no início do século XX, Walt Disney traz os contos para o cinema, realizando uma subversão da subversão, e resgatando em seus filmes as funções moralizantes dos contos de fadas. Com Disney, os contos são, de uma vez por todas, higienizados e infantilizados. Apesar de nem sempre ficar claro os autores que serviram de referência para compor os filmes de animação, tendo algumas filmes sido creditados e outros, esses filmes retiram das obras todo o conteúdo considerado sujo e inadequado para crianças, e re-inserem as questões moralizantes e de sociabilidade, só que atendendo agora a uma lógica capitalista e individualista. Zipes (2006) considera que Disney subverte a subversão que tinha sido feita por Lewis, Baum e outros autores, ao inserir questões moralizantes nos universos utópicos que haviam sido criados. Mas o que faz com que os contos de fadas Disney se destaquem bastante de todos os outros apresentados até então, envolve não só as questões do suporte e meio pelo qual as histórias são apresentadas a sociedade, como também da lógica de consumo e recepção dessas narrativas. A partir dos filmes, começa a ser construída a noção de expansão do universo da narrativa, em outros suportes que não o que está sendo contado a história original, além da grande disseminação de produtos relacionados aos filmes, que vão sendo cada vez mais consumidos pela sociedade, e ganham potencial expansão a partir da década de 1970,  

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com a inauguração dos parques temáticos de Walt Disney e com a expansão do VHS possibilitando o consumo repetido dessas histórias. A esse processo, o autor Alan Bryman (1999), dá o nome de “Disneyzação”, que é a maneira pela qual os produtos e os princípios disseminados pela Disney marcaram gerações em diversos setores da sociedade. Esses elementos são de grande importância para entender como os filmes da Disney serviram de referência para compor o universo diegético de Once Upon a Time, através da lógica das narrativas comerciais. Além disso, a contribuição de Walt Disney para o gênero, é inegável. Ele trouxe à vida as imagens do que até então eram personagens imaginados ao longo de diversas gerações e através da tecnologia da imagem e som do cinema, e consolidou a temática no imaginário das pessoas. A contribuição de Disney não só consolidou a temática como abriu as portas para a consolidação da temática em um novo suporte, o audiovisual.

1.3- Contos de fadas no audiovisual Como já foi dito, Walt Disney, é o nome mais forte relacionado a inserção dos contos de fadas no cinema, apesar de ele não ter sido o primeiro a fazer as adaptações das histórias para o cinema. Desde o início do século XX, alguns filmes, principalmente curtas-metragens foram lançados utilizando contos de fadas como temática. Mas o grande marco do gênero no cinema é do ano de 1937 quando Walt Disney lança o primeiro longa-metragem animado, Branca de Neve, usando como inspiração a história homônima dos Irmãos Grimm. A partir daí uma sequência de filmes foram lançados, compondo a coleção de 15 filmes 5 que são livremente inspirados nos clássicos contos de fadas. Toda essa coletânea de filmes foi responsável por consolidar ao longo do século XX o gênero contos de fadas como sendo diretamente direcionado para o público infantil. A expansão do VHS e mais tarde do DVD fizeram com que essas obras audiovisuais pudessem ser assistidas e re-assistidas milhares de vezes, resgatam a função de entretenimento familiar que já podia ser encontrada na obra dos Irmãos Grimm.

                                                                                                                5  Ver  Anexo  I  com  a  lista  e  as  sinopses  dos  filmes.    

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Mas, se até a década de 1990, os contos de fadas estavam basicamente representados apenas no cinema, o que vemos com a chegada do século XXI é um novo movimento mais forte de apropriação dessas histórias, para um outro meio, a televisão. Durante as duas últimas décadas do século XX, algumas obras televisivas surgiram trazendo a temática dos contos de fadas, porém, eram produções de baixa duração, no formato de minisséries e que não tiveram grande expressão de audiência e aderência de público como os filmes da Disney. No entanto, o que vemos com a chegada do século XXI é o surgimento de obras de mais expressividade na televisão, focadas principalmente na lógica da ficção seriada. Também, nesse mesmo momento, no cinema e agora não só nas produções da Disney, essa temática também ganha destaque mais uma vez, porém, compartilhando das mesmas características que estarão presentes nas séries, a saber: a inserção de narrativas flexi-genérica, ou seja, a junção de dois ou mais gêneros narrativos, a mudança no direcionamento de públicoalvo, que perde mais uma vez o foco nas crianças e passa a ter mais interesse no público mais velho, e novamente a ressignificação dos contos, trazendo novas versões e alterações às histórias clássicas. O objeto de análise deste trabalho é uma série que segue essa nova tendência de adaptação observada a partir do século XXI, mas que além de utilizar das estratégias acima descritas, também insere um novo artifício para recontar essas histórias e fidelizar novos públicos. A série, Once Upon a time, ao invés de ser uma série que tem como gênero os contos de fadas, ela é uma série sobre o gênero, ou seja, seu fio condutor é o gênero, e em cima dele, são contadas as histórias e inseridos novos elementos. Outra grande característica que diferencia essa produção de outras, é o fato de ela não contar as histórias separadamente, conto por conto, como pode ser visto no filmes da Disney e em outras histórias. O artifício narrativo que a série utiliza é de unir todos os contos em um mesmo fio narrativo. Além disso, e o que talvez seja a característica mais interessante da série, é a maneira como ela se apropria de todo o conhecimento prévio que o público tem sobre as histórias de contos de fadas, para poder inserir novos elementos, despertar curiosidade e subverter o que é contado. Já no primeiro episódio da série é possível perceber que a estrutura narrativa escolhida traz uma proposta diferenciada. A história se passa em dois mundos paralelos, seguindo a estrutura de apresentação das personagens em ambos os universos. Em Once Upon a Time, todas as personagens de contos de fadas foram banidas para uma terra sem magia - o nosso mundo - onde eles não se lembram quem  

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são e nem como foram parar lá, eles vivem uma rotina repetida diariamente, sem que envelheçam ou percebam que estão presos. A história que dá o fio condutor da narrativa, e na qual todas as outras estão conectadas é justamente a mesma que há décadas atrás trouxe o gênero para o audiovisual. Branca de Neve é o conto que rege a narrativa da série. Essa personagem é a razão principal para que todas as outras personagens estejam fora do mundo dos contos de fadas. E algumas das personagens do seu conto, como a Rainha Má e o Príncipe Encantado, formam o núcleo principal de personagens da série que tem sua narrativa composta em torno da tensão entre Branca de Neve e a Rainha Má. Mas para além da Branca de Neve, a série, que se iniciou em 2011, em suas 4 temporadas já apresentou diversos personagens de muitos contos de fadas conhecidos. No Anexo I deste trabalho, é possível ter acesso a um resumo de todas essas histórias que já estiveram presentes na série, que são diretamente baseadas nas versões que os filmes da Disney trouxeram para o imaginário do público. Há, no entanto, destaque para algumas histórias, como a de Rumplestiltiskin e a de Chapeuzinho Vermelho, que apesar de serem amplamente conhecidas, a primeira com menos força no Brasil, não foram adaptadas por Disney, mas tem papel importante na narrativa da série.

1.4- Histórias adaptadas e comerciais Apesar da construção histórica do gênero, ao longo dos anos ele poderia ter sido apropriado por outros e ter ser perdido na história. Algumas das razões para ele permanecer vivo até os dias de hoje é que um conto de fadas carrega múltiplos significados e é ressignificado a cada nova versão que é feita dele. Características essas que também estão presentes em Once Upon a Time e são essenciais na sua formação narrativa, já que é a partir de ressignificações dos contos que a narrativa se constitui. Jan Ziolkowski (2009) comenta que além dessa característica, outra grande razão que mantém o gênero vivo é também relacionada a nostalgia. Ele sugere que alguns adultos se aproximam dessas histórias e do próprio gênero, para relembrarem sentimentos da infância. Once Upon a Time vai além nesse sentido, não só contando com o sentimento de nostalgia, como também, dependendo da lembrança de seus espectadores em relação as histórias, para constantemente surpreendê-los com a inserção de novos elementos.

 

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Mas não é só isso, ainda segundo Ziolkowski (2009), uma das maiores características desse gênero é sua interpretabilidade e elasticidade, ou seja, sua capacidade de ser readaptado e manter sua essência. O autor sugere que essa seja, talvez, a principal razão para que essas histórias tenham sobrevivido ao longo de milhares de anos e que também é a resposta para tantas histórias se repitam em diferentes culturas e países. E aqui mais uma vez a série não só utiliza da interpretabilidade, para ao recontar uma história inserir novas interpretações, como também é uma obra audiovisual que contribui para a permanência do gênero. O autor também cita a questão da persistência dos contos de fadas nos dias atuais, e como foi alterada a relação da informação e da palavra escrita. Nesse sentido, ele destaca a questão da adaptação desse gênero para outras formas de entretenimento que não o livro, leia-se televisão e cinema. Ele fala também que os contos sobreviveram não por causa das mensagens que carregam, mas por causa da sua capacidade de ser construído em diferente formas. Para entender melhor a maneira como os contos de fadas persistiram durante tantos anos e estão vivos até hoje em diferentes plataformas, Zipes (2006) também nos indica que a recepção desses contos clássicos foi muito influenciada por diferentes situações ao longo dos anos como variantes culturais, diferenças de tradução e ideologias que influenciaram a maneira como as pessoas liam os contos ao longo do tempo. Fato que é de extrema relevância para entender a durabilidade dessas histórias. Ele destaca ainda que, para existir, tanto contos populares e folclóricos quanto os contos de fadas, sempre dependeram de customizações, rituais e valores das sociedades as quais estão atrelados, conservando assim, uma relação direta com a sociedade em que estão inseridos. E por isso, eles podem ser utilizados como fortes indicadores dos níveis de civilização de determinado povo, o que quer dizer, indicar elementos que possam traduzir como é a cultura e ordem social daquela sociedade. Por isso, o sucesso de suas adaptações e reutilizações não depende apenas do conto, como também de seu uso e sua distribuição na sociedade. O ponto chave de referência da série, além de todas as características já citadas, é o potencial comercial que as narrativas de contos de fadas ganharam ao longo do século XX, a partir do processo de “Disneyzação” do tema. A temática acaba sendo um produto comercial muito valioso já que ao longo de quase 30 anos, anteriores ao lançamento da série, os filmes tiveram grande adesão junto ao público. E justamente por as narrativas seriadas americanas seguirem um modelo altamente  

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comercial, a junção com um tema tão disseminado acaba se tornando receita de sucesso. O episódio piloto da série bateu recorde de audiência entre o público de 1849 anos, sendo o piloto mais visto nos últimos 5 anos do canal ABC6. Porém, antes de analisar como a série está estruturada e como todas essas estratégias de adaptação e subversão são aplicadas, é preciso pontuar alguns aspectos essenciais para a construção dos universos nas narrativas seriadas televisivas. Por se tratarem de produtos com características bem peculiares, as séries precisam seguir diversas regras e construir seus mundos diegéticos com estruturas que permitam que por um lado que o espectador reconheça o que está sendo narrado, e por outro se surpreenda com inovações. É sobre essas regras de construção do universo narrativo na ficção seriada que iremos falar no próximo capítulo.  

                                                                                                                6  A série bateu recorde de audiência para o público de 18-49 anos. (http://tvbythenumbers.zap2it.com/2011/10/25/sunday-final-ratings-once-upon-a-time-adjusted-upfinal-ratings-for-world-series-game-4-saintscolts/108354/) Acessado em 22/11/2014.  

 

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CAPÍTULO 2: A formação do universo diegético na ficção seriada As ficções seriadas televisivas que serão utilizadas como referência para esta análise são aquelas desenvolvidas no contexto da televisão norte-americana e televisionadas não apenas nos EUA, como também no Brasil. Isto porque essas produções apresentam altos níveis de engajamento por parte do público e integram um mercado bem constituído do audiovisual. O movimento cada vez maior de adesão a esses produtos gera a formação de um público cada vez mais qualificado que possui uma cultura especifica sobre séries e se engaja a partir de estratégias específicas utilizadas na construção desses produtos. A influência desses produtos no mercado brasileiro, pode ser vista a partir da inserção de cada vez mais de produtos americanos na televisão brasileira e pelo número altíssimo de downloads7 desses produtos. A relevância de estudar as séries a partir do modelo norte-americana parece então óbvia já que elas tem o poder de influenciar não apenas o público norte-americano como também o público brasileiro, tanto pela presença nas redes de televisão abertas e fechadas, como na internet. Essas obras são vistas pelo mercado como produtos comerciais e por isso, são construídas a partir de regras e estruturas comuns, que são essenciais para sustentar a permanência desses produtos na grade televisiva. O uso dessas estratégias na narrativa fazem sentido porque essas séries estão subordinadas a uma lógica comercial, na qual o excesso de produções do mesmo tipo e a forte concorrência por atenção do público e por audiência faz com que as narrativas precisem ter mecanismos que sejam capazes de fidelizar o público. Mittell (2006) classifica essas séries que apresentam mecanismos narrativos diferenciados de engajamento como narrativas complexas. As narrativas complexas oferecem ao público diferentes maneiras de se aproximarem da história narrada e também a oportunidade de se aprofundarem na narrativa a partir de brechas que são deixadas na história. Ele indica que a narrativa complexa (...) é uma redefinição das formas episódicas sobre a influência da narração seriada – não necessariamente uma completa junção entre formas episódicas e seriadas, mas um balanço entre ambos. Rejeitando pontos de finalização em cada episódio que geralmente é a marca da formas episódicas, as narrativas complexas estendem histórias ao longo de episódios e por vários gêneros (...) [porém] episódios individuais tem identidade e função distintas

                                                                                                                7

Brasil é país campeão em pirataria de série. (http://partidopirata.org/brasil-e-campeao-de-piratariaem-seriados/ ) Acessado em 23/11/14.

 

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sem ser mais do que apenas mais um passo na jornada da narrativa. [tradução livre] (MITTELL, 2006. p.32)

Ou seja, essas obras fogem do lugar comum televisivo, unindo duas ideias de serialidade – a episódica e a seriada – para formar um produto que tem características das duas formas. Por um lado, rejeita a forma extensa da narrativa associada as obras seriadas como as soap operas americanas, que são narrativas extremamente longas, mais preocupadas com o desenvolvimento da história geral do que com os acontecimentos dos capítulos, produtos muitos similares às novelas brasileiras. E por outro, também não está preocupada em encerrar toda a história em um episódio só, características das obras episódicas. Nas narrativas complexas, cada episódio tem sua importância na narrativa maior, porém tem sua característica individual, podendo apresentar ao espectador sempre uma novidade. Para além disso, Mittell também destaca as características do público que se fideliza a essas narrativas. É um público que pode ser considerado qualificado, pois é mais propenso a se engajar, ou seja, ele é mais ativo em relação às obras do que um espectador comum. Ele produz conteúdos relacionados e participa de fóruns de discussão que contribuem para a ampliação do universo da série. Audiências tendem a se envolver com programas complexos de uma maneira muito mais apaixonada e comprometida do que acontece com a maioria dos programas convencionais da televisão, e usam esses shows como base para enriquecer a cultura fã criando feedbacks para indústria televisiva. (MITTELL, 2006. p.32)

E esse engajamento também oferece um retorno para a série, que, quando presa a um nicho específico de público, acaba conseguindo se manter no ar mesmo que o número geral de fãs não sejam tão alto como seria o de um programa de massa convencional. (...) redes e canais tem cada vez mais reconhecido que um público constante e fiel mesmo que em menor quantidade é mais valioso e consegue manter a série economicamente viável. (...) Muitos desses programas acabam parecendo um artigo de luxo para públicos com um nível educacional mais alto que tipicamente evitam a televisão. (MITTELL, 2006. p.31)

Mas toda essa relação mercadológica só faz sentido porque o espectador percebe na narrativa elementos que diferenciam essas obras das demais. Esses elementos estão relacionados a forma como a história é configurada. O uso de arcos narrativos entre temporadas, o aprofundamento das características de personagens e a composição do universo narrativo são características que podem ser citadas como diferenciais para esses produtos.

 

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Exploraremos a partir daqui, algumas dessas características que fazem com que o espectador se envolva com as narrativas complexas, relacionadas à construção do universo diegético da série.

2.1- Regras gerais de construção de universos críveis na ficção seriada Um dos aspectos mais essenciais para a construção de uma narrativa é a relação credibilidade que o espectador estabelece com a obra. Essa relação é construída a partir de vários elementos, sendo o gênero, um dos aspectos mais importantes. Por exemplo, ao assistir uma série de terror, o espectador espera encontrar ali uma série de elementos que estão associadas à ideia que ele tem formada sobre o que é um produto de terror, como a presença de suspense, monstros e sangue. O mesmo ocorre em relação aos universos narrativos que são construídos. Ao começar a assistir uma série, o espectador é apresentado ao universo. Quanto mais bem construído é o universo e melhor são as regras estabelecidas pela narrativa, mais facilidade o espectador tem de se fidelizar à série. Apenas através do estabelecimento de regras críveis sólidas, é possível que a narrativa utilize como artifício a quebra dessas regras para gerar expectativa e surpreender o espectador. Outro aspecto importante é a relação entre a realidade apresentada na série com a realidade que conhecemos. O que é esperado, por exemplo, de uma série policial, não se aplica para uma série de fantasia. Se estivermos assistindo a uma série policial, e uma bala atingir uma pessoa, é esperado que essa pessoa morra, ou, no mínimo, fique ferida. No entanto, se estivermos assistindo a uma série de fantasia, que conte com a presença de super-heróis, por exemplo, é bem possível que essa bala pare no ar e ninguém seja atingido. Porém, se uma pessoa comum na série policial segurasse essa bala, essa atitude seria uma completa quebra do pacto de realidade que foi estabelecido com aquela obra, e causaria um grande estranhamento no espectador, podendo inclusive afastá-lo da obra. Nesse sentido, apesar de todas as regras estabelecidas pela narrativa, ainda é preciso levar em consideração aspectos como o gênero, que mesmo não sendo um mecanismo engessado – muitas séries são flexigenéricas – a expectativa construída em relação a ele acaba sendo mais um artifício de construção do público, por isso precisa ser respeitada.

 

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Para além dessa preocupação, a construção de um mundo com regras críveis em uma narrativa é tão importante que ultrapassa até mesmo a importância história que está sendo narrada, podendo ser aplicada em diferentes narrativas. Essa estratégia também é responsável por sustentar a relação entre novidade e continuidade que o espectador cria em relação à obra. Por exemplo, se uma série constrói um mundo completamente crível e segue bem as regras que estabeleceu, quando há uma quebra das regras, o público consegue aceitar bem, já que o universo estava bem construído e a alteração foi bem justificada. Esse foi o caso, por exemplo, da série Fringe que surgiu como uma narrativa ambientada no “mundo real” e com a estrutura de uma série policial até quase o fim da primeira temporada, e no final surpreendeu os fãs com a inserção de um universo paralelo. Essas alterações só são possíveis, porque as narrativas complexas fornecem para a série a possibilidade de fazer uso de vários artifícios narrativos. E essas estratégias sempre estão associadas a reação do público, podendo ter efeitos positivos e negativos em relação aos expectadores. Algumas tratam-se de tentativas mais arriscadas do que outras. No caso de Fringe, parte da audiência que havia se fidelizado pelo cunho policial e realista, acabou deixando de acompanhar a série, no entanto, a inserção dos elementos fantásticos e a revelação de um universo paralelo, acabou atraindo diversos outros espectadores. Como aponta Mittell (2006) o importante é que a narrativa encontre um ponto de equilíbrio. A aparição de um universo paralelo em Fringe, faz com que a narrativa se aproxime ainda mais do modelo das narrativas complexas, como destaca Garin (2014) Essa ideia [de dois universos] é literalmente traduzida em imagens em Fringe, onde as Torres Gêmeas permanecem intactas no universo paralelo da série. No que se refere a preocupação da narrativa, a inovação de Fringe está no modo que a série usa para articular as tensões do plot narrativo, com o modelo episódico, ficando no meio do caminho entre séries com a lógica procedural como CSI e entre formas híbridas como Arquivo X. (Garin, 2013, p.60)

De acordo com Mittell (2006) é justamente essa relação entre a lógica episódica e a lógica seriada, que faz com que a narrativa seja complexa. Bem parecida com a estrutura adotada por Once Upon a Time, Fringe também desenvolveu sua narrativa em dois mundos paralelos trazendo para o espectador o espelhamento dos personagens e a inversão de regras em relação ao mundo real e ao mundo imaginado. A comparação da construção dos universos é válida já que em Fringe os criadores

 

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foram capazes de sustentar a narrativa e a audiência bem engajada por 5 temporadas, indicando que é possível a construção de produtos audiovisuais bem sucedidos a partir da estratégia de divisão de mundos. Essa relação entre as séries carrega em comum não só a questão espacial, como também a temporal, que como destaca Booth (2011), é uma das estratégias mais efetivas para aproximação do espectador. Em termos de programas televisão com narrativas complexas, nada pode ser mais eficaz em chamar a atenção do espectador e atrair sua atenção emocional do que um momento bem executado de desorientação temporal. Alterações na narrativa passam a ser o próprio espetáculo. A audiência pode experimentar as quebras na estrutura temporal da narrativa, apenas para se surpreender quando voltarem para o presente relativo do programa com o conhecimento de que algo na narrativa foi alterado. (Booth, 2011, p. 374)

Esse artifício de alteração temporal é mais presente em Once Upon a Time, que conta a história, principalmente na primeira temporada, em duas linhas de tempo, uma para cada universo. Em Fringe, essas alterações temporais são menos frequentes, acontecendo algumas vezes durante a terceira temporada, com um olhar sobre o passado, e com mais intensidade na última temporada, com vários episódios no futuro. Outra série que também vem fazendo uma boa sustentação da narrativa, a partir da premissa de construção de universos paralelos é Game of Thrones, que também carrega semelhanças com Once Upon a Time, por também se tratar de um produto fruto de uma adaptação televisiva. Em Game of Thrones, a configuração dos mundos é tratada de maneira um pouco diferente, já que nessa narrativa existem sete reinos, teoricamente localizados no mesmo espaço-tempo8, o que não acontece em Fringe e em Once Upon a Time. Em Game of Thrones, o espectador é convidado a acompanhar o desenvolvimento de várias narrativas em vários mundos, sendo de extrema importância que as regras desse mundo estejam bem estabelecidas para que o espectador não se confunda. Um aspecto interessante que Game of Thrones e Fringe também compartilham é o uso da mesma estratégia para gerar quebra de expectativa, voltando a se relacionar com a questão genérica. Assim como em Fringe, a série inicia sua narrativa pautada em um gênero, e em um estilo, o medieval, e sem elementos fantásticos, mas no final da primeira temporada há a inserção de criaturas mágicas e dragões. Novamente, essa                                                                                                                 8

 

Até o final da quarta temporada (2014) não há indícios de viagem no tempo.

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inserção só é possível de ser realizada porque a construção do universo foi bem feita, logo, a quebra de expectativa gera engajamento, e não frustração. Em Once Upon a Time, essa relação de construção do universo é ainda mais importante, já que a série se pauta em um gênero – contos de fadas – para construir sua narrativa. Ou seja, essa construção precisa levar em consideração diversos aspectos relacionados a expectativa do gênero para somente depois que o universo esteja bem construído, a série possa fazer uso de estratégias narrativas para engajar ainda mais o público. E é sobre esse mecanismo de construção que falaremos no próximo tópico.

2.2- As características do universo narrativo de Once Upon a Time Como já vimos, na construção de uma narrativa de ficção seriada o universo diegético desempenha um papel fundamental, ao ajudar o espectador a se situar na narrativa fazendo com que ele entenda e aceite todos os acontecimentos que são possíveis naquele universo. Em Once Upon a Time, os espetadores são apresentados a série a partir de uma pequena narração: “Era uma vez, uma floresta encantada onde moravam todos os clássicos personagens de contos de fadas que nós conhecemos, ou pensávamos conhecer. Um dia, eles foram enviados para um lugar onde seus finais felizes foram roubados – o nosso mundo. E foi assim que aconteceu...”

A partir dessa narração, já é possível identificar que existem dois mundos onde a narrativa irá se estabelecer – a floresta encantada e no nosso mundo – e apenas com essa informação podemos identificar aspectos muito importantes em relação a essa construção. Começando com a floresta encantada, o espectador, que desde do início é avisado da necessidade de um conhecimento prévio sobre contos de fadas, já cria uma série de expectativas em relação ao que será possível nesse mundo. Já que foi sinalizado para o público, que não se trata de uma floresta qualquer e sim de uma floresta encantada onde habitam os contos de fadas, de início, o espectador já consegue identificar a presença do elemento fantástico, e irá construir expectativas a partir da presença de magia, bruxas e fadas. Por outro lado, com a mesma premissa, a série cria a expectativa do que será encontrado no nosso mundo, já que o espectador começa com a informação de que

 

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criaturas mágicas, que ele pensava conhecer bem vieram parar no mundo real. Ou seja, apenas com uma apresentação inicial, a série já consegue levantar diversas possibilidades que serão exploradas em torno do universo. A partir daí, a construção do universo da série precisa se preocupar com alguns aspectos que são de suma importância para que não haja a frustração do espectador. Por avisar desde o início que apresentará personagens conhecidos, a série precisa levar em conta o que já está construído no imaginário do público em relação a contos de fadas. Diferente de outras narrativas, a série não escolhe um conto para fazer uma adaptação, ela elege todo um universo, interligando diversas narrativas para formar o universo onde a série será narrada. O fio condutor que foi escolhido para interligar todas as histórias de contos de fadas que são inseridas na série é a narrativa de Branca de Neve, é através do mundo dela que o espectador é imerso na história. Na cena que sucede essa breve explicação narrada, ou seja, na primeira sequência da série, o público é convidado a acompanhar a jornada do Príncipe Encantado em sua busca por Branca de Neve. Essa sequência remete a cena final do filme Branca de Neve da Disney. O fato de já haver uma referência clara no início já facilita a imersão do público, mas também não afasta aqueles que não se lembram do clássico da Disney. No entanto, após o “beijo de amor verdadeiro” o público é levado para a cena do casamento de Branca e Encantado, cena que não existe no filme da Disney, deixando claro, logo de início, que não verá a mesma história. Nessa sequência, o

público também é

apresentado a Rainha Má, que invade o casamento com uma abordagem bem próxima da história da Bela Adormecida, também já dando a entender que as histórias vão se misturar. O importante salientar com esse trecho, é que a série depende dessa relação de referência. Ela parte da premissa, como indica logo no início “personagens de contos de fadas que nós conhecemos” que todos os espectadores em algum momento da vida já tiveram contato com algum tipo de conteúdo sobre contos de fadas. E a partir dessa premissa, que o público já conhece pelo menos as característica principais do mundo dos contos de fadas, a série se preocupa menos em explicar o mundo “floresta encantada” e mais em estabelecer os padrões que fizeram com que todos os contos de fadas fossem parar em um lugar só. A sequência citada anteriormente também é muito importante, pois apresenta uma outra grande característica da série, a subversão. Nessa sequência vemos a  

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primeira subversão dos personagens em relação ao modelo clássico que temos consolidado dos contos de fadas. Essa característica da narrativa da série segue o mesmo modelo que Zipes (2006) alega que Walt Disney usado em seus filmes com os contos escritos, só que nesse caso, essa subversão já está associada ao modelo de princesa9 que a Disney consolidou, ao invés de relacionar diretamente com os contos clássicos. Nessa cena, é apresentada uma nova nuance de Branca de Neve, que ao invés de assumir o comportamento clássico de submissão, empunha a espada e se põe à frente do príncipe para defendê-lo de ameaças da bruxa. Ainda nessa cena, o público toma ciência de quem é a bruxa que lançará a maldição que faz com que os personagens venham parar no mundo real. Outro fato interessante é que também a bruxa já apresenta características diferenciadas. Ela é apresentada na figura de uma muito bonita e arrumada. Até esse ponto da narrativa, o espectador é apresentado apenas a um dos mundos, que aparentemente já é um local conhecido mesmo que superficialmente através de tudo que ele já viu até ali de contos de fadas. Então o público já sabe razoavelmente o que pode esperar desse local, e não se espanta com o uso da mágica, por exemplo, quando a Rainha Má desaparece. Porém, ainda não é sabido como os personagens irão se relacionar, e, principalmente como todos os contos fadas foram unidos. Até então, parece apenas mais uma nova adaptação de Branca de Neve. No entanto, a partir desse ponto, a narrativa é transposta para o outro mundo, onde, através de um livro de histórias vemos um menino lendo a cena que acabou de ser descrita, como se fosse apenas uma história. Daí, a narrativa passa a ser contada no nosso mundo, onde aparentemente nada é mágico, e a sequência vista é de um menino procurando uma pessoa e de uma mulher loira em um encontro romântico. Já nesse ponto, é possível levantar outra característica que a série se apropria dos contos de fadas. Na cena em que essa mulher – Emma – é apresentada, ela aparenta ser uma pessoa comum, porém se revela como uma caçadora de recompensas, já trazendo para o espectador a ideia clara de quê ele não poderá acreditar em tudo que vê e terá que se desapegar de primeiras impressões. Nos contos de fadas, a premissa das “aparências enganam” é sempre utilizada para esconder alguém importante, como uma bruxa por exemplo. E esse artifício é constantemente utilizado na série.                                                                                                                 9

As princesas nos filmes clássicos da Disney são mulheres frágeis, que sempre precisam ser salvas em todas as situações, seja atravessando uma cachoeira ou até lutando contra monstros. Esse modelo vem sendo questionado nos últimos filmes da Disney, como Mulan, A princesa e o sapo, entre outros, porém é o modelo vigente até o final do século XX.

 

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Com o avanço do episódio, os personagens “desconhecidos” são melhor apresentados, Emma, e o menino Henry, que descobrimos ser filho dela, um bebê que ela deu para adoção há 10 anos. Desse reencontro surge a complicação do episódio que será devolver Henry para sua cidade natal, Storybrooke. Como já foi mencionado, Once Upon a Time é uma narrativa complexa, então desde o primeiro episódio já é possível observar o uso mesclado das duas formas de serialidade citadas por Mittell (2006), onde cada episódio tem seu desenrolar narrativo independente e ao mesmo tempo, é uma unidade importante da narrativa maior que será desenvolvida durante toda a temporada. Usando como o apoio o intervalo comercial, que em narrativas seriadas televisivas é um elemento utilizado para gerar e quebrar expectativas10, a série leva o espectador de volta para o mundo da floresta encantada, onde ele verá um pouco mais da história que a princípio já conhece por meio de outras obras. Novamente, o público tem a expectativa quebrada ao se deparar com a Branca de Neve grávida, e com uma cena de discussão entre ela e Encantado, reforçando ainda mais que os personagens terão nuances diferentes das que estão no imaginário do espectador. Ainda durante o primeiro episódio, a série usa cortes mais secos para alternar entre os dois mundos, porém usando como gancho elementos textuais que a primeira vista não fazem sentido para o espectador. O corte da cena da floresta é feito em cima da fala de Encantado, “faremos isso por nossa filha” e leva diretamente para a imagem da Emma, no nosso mundo, dirigindo. Essa inserção é uma das estratégias narrativas que Mittell (2006) cita, ao dizer que a narrativa deixa fios soltos e dicas que não são descobertas na primeira vez que o espectador vê o episódio, e que somente um espectador realmente engajado, que verá o episódio mais de uma vez poderá descobrir. Nesse caso, a pista é que a Emma, é na verdade a filha de Branca de Neve e do Príncipe Encantado. Novamente, por ser uma narrativa complexa, a série faz sua construção a partir de mais estratégias narrativas nesse caso a capacidade de re-assistibilidade. Essa característica é talvez a que mais conecte a série com os contos de fadas, sem pensar nos personagens propriamente dito. Como falamos no primeiro capítulo, a capacidade de re-interpretabilidade dos contos de fadas, como aponta Ziolkowski                                                                                                                 10

O intervalo comercial é uma das estruturas padrão presentes em produtos televisivos que são aproveitadas nas narrativas seriadas para servir de elemento de criação de expectativa, é comum por exemplo que um arco narrativo seja aberto antes do intervalo e fechado após.

 

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(2009) faz com que as histórias possam ser contadas diversas vezes, e essa é a lógica de Once Upon a Time. A série se apropria de diversas histórias que já foram contadas para formar sua narrativa. Ela aposta nos fios soltos que as histórias deixaram, como o clássico “o que aconteceu depois do felizes para sempre” para dar vida a uma nova narrativa. Mas para além disso, e que talvez seja o ponto onde mais a construção da série se diferencia de qualquer outra adaptação ou filme que já tenha sido feito sobre contos de fadas, a série propõe novas nuances para personagens, que vão além das mudanças de atitude das personagens. Ao unir universos que já são conhecidos, a série ultrapassa o nível apenas das alterações de caráter, como já foi feito em outras obras, ao retratar, por exemplo, a Chapeuzinho Vermelho11 como uma menina má. A série explora a oportunidade de unir universos, e através disso, unir personagens que conhecemos de outras histórias, como é o caso do personagem Rumplestistikin, que tem seu próprio conto clássico, mas que na série também “acumula o papel” de Fera, de outro conto, a Bela e a Fera. Ou seja, a série constrói seu universo a partir de fusões. Essa estratégia é uma das que melhor caracteriza os aspectos do universo diegético de Once Upon a Time. As fusões na narrativa são capazes de unir as histórias, os mundos e as personagens. E através das fusões a série constrói seu mundo narrativo. A floresta encantada, por exemplo, é a fusão de várias florestas de vários contos. É primeiramente a floresta onde o Príncipe Encantado encontra a Branca de Neve, mas é também a floresta onde Chapeuzinho Vermelho encontra o lobo, aonde Rumplestiltiskin faz seus acordos, onde o Grilo falante encontra a Fada Azul. É através do ambiente em comum, que as histórias são unidas. Mas não só isso é claro, como já foi dito, a fusão dos personagens também é um elemento importante. Porém em relação aos mundos, a possibilidade de unir todas as histórias em uma mesma floresta, ou seja, em um mesmo mundo, faz com que, quando as personagens são traspostas para esse novo mundo – o mundo real – seja mais fácil para o público entender como elas todas estão juntas na mesma história. De outra maneira, como explicar o Grilo Falante, na história da Branca de Neve? Ficaria muito mais confuso para os espectadores.

                                                                                                                11

 

Como ocorre no filme “A garota da capa vermelha”.

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O que queremos mostrar aqui, é que o universo que a série constrói acaba sendo mais importante do que as histórias propriamente dito. É através do universo que a narrativa da série se sustenta. O elemento mais importante que o gênero contos de fadas oferece para a série, é justamente a possibilidade de fazer uma narrativa que seja apoiada em universo. Como esse universo é apresentado em diferentes contos e com várias especificidades em cada história, quando a série faz a junção desses contos, todos os elementos passam a fazer parte de um mesmo universo, que é justamente o universo dos contos de fadas representado no universo diegético da série. E após realizar essa construção do universo a série vai além, quando insere as personagens clássicas em outro mundo – o nosso – ela problematiza a questão da identidade dessas personagens. Quando transpostas para outro universo, essas personas ganham novas características, o que reforça ainda mais que elas são que são. No mundo real, eles são pessoas comuns. E é justamente nessa relação com o universo que as personagens desenvolvem suas características durante toda a narrativa. A série é muito mais sobre o universo em que os contos estão inseridos, do que os contos propriamente ditos. É mais sobre representar, que uma história pode ser contada de qualquer forma, desde que se conheçam o universo ao qual ela pertence. É mais sobre mostrar que, em um mundo onde todos conhecem as regras, onde mágica existe, tudo é possível. A série é uma narrativa sobre universos narrativos. Ela constrói suas relações a partir das histórias de como essas narrativas foram formadas. Por isso, para além de apenas reunir todas essas histórias é também importantes que elas sejam recontadas. Essa é a estratégia sobre a qual a primeira temporada da série é desenvolvida. Durante 22 episódios, o público é convidado a conhecer novamente, como cada uma dessas histórias clássicas se desenvolveu, e é também instigado a perceber que “a verdade”, ou seja, a união dessas histórias sempre existiu, mas como elas foram contadas de maneira separada, nós nunca havíamos percebido que falavam de um mesmo universo. Os criadores da série, trazem à tona uma discussão levantada por vários teóricos e que Zipes (2006) aponta ser um dos principais desafios de estudar os contos de fadas: qual é o elemento comum que une todas as histórias de contos de fadas? Para a série, esse elemento é justamente o universo. E para comprovar isso, eles vão recontando cada história para que o espectador possa ser lembrado de como  

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elas pertencem a um mesmo local, como na verdade são uma narrativa única, mas que ao longo dos anos, foi dividida em vários contos. É claro que ao contar novamente essas histórias, a série faz o que já é comum nos contos de fadas, atualiza-os e insere novos elementos. E a partir da elasticidade dos contos, Ziolkowski (2009), constrói uma nova narrativa, onde o universo é a personagem principal, e como todos as personagens, ele também ganha na série duas versões, personificado na floresta encantada e no mundo real. No próximo capítulo iremos analisar como esse universo foi construído, a partir das relações com os contos originais, e os filmes da Disney. Olharemos também para os elementos que fazem a série se destacar na questão da fidelização e do público qualificado, segundo Mittell.

 

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CAPÍTULO 3: Once Upon a Time: muitas narrativas sobre um universo “E sobre o que exatamente você acha que são os Contos de Fadas? Eles são um lembrete de que nossa vida pode ser melhor apenas se nós nos agarrarmos a esperança.” (Mary Margareth - Branca de Neve)

No capítulo anterior, identificamos as principais características utilizadas para a construção dos universos diegéticos na ficção seriada e destacamos como a série Once Upon a Time faz essa construção a partir de sua relação com características dos contos de fadas. Desse ponto em diante, iremos olhar para os aspectos mais textuais da série, levando em consideração como se dá essa relação entre os contos e a série. Para essa análise, utilizaremos apenas a primeira temporada da série, que é composta por 22 episódios, e foi ao ar no Estados Unidos entre outubro de 2011 e maio de 2012.

3.1- Narrativa: tempo, enredo e representação Como já foi dito, a narrativa de Once Upon a Time se passa em dois universos, ambos com características bem específicas, que demarcam as regras de cada um deles. Desde o primeiro episódio, o espectador é apresentado aos dois mundos, a Floresta Encantada e ao “nosso mundo” que na série se resume a cidade de Storybrooke, em Maine, nos Estados Unidos. Na série, a narrativa se desenvolve na relação entre os acontecimentos em ambos os universos, sendo que na primeira temporada especificamente, todos os acontecimentos na Floresta Encantada se passam também no passado, a pelo menos 28 anos atrás do tempo vigente em Storybrooke. Segundo Booth (2011), a desorientação temporal é uma das estratégias mais eficazes das narrativas complexas, no quesito de engajar o público. A narrativa de Once Upon a Time tem sucesso ao criar essa desorientação, apresentando na Floresta Encantada, as personagens principais (Branca e Encantado) com idades por volta dos 30 anos, antes de serem amaldiçoados, e ao apresentar essas mesmas personagens em Storybrooke, supostamente 28 anos depois, eles continuam aparentando a mesma idade. É claro que, essa desorientação precisa ser temporária, porque senão acaba confundindo o espectador e gerando insatisfação. Na série, a explicação dessa

 

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confusão temporal é dada de maneira sútil, ainda no primeiro episódio, com uma conversa entre Emma e Henry, e vai sendo reforçada ao longo dos próximos episódios. Emma: “Tem sido uma noite muito longa, olhe o relógio, são quase... 20:15... Mas isso não faz o menor sentido...” Henry: “Esse relógio está parado minha vida toda. O tempo aqui está congelado. A Rainha Má, enviou todas as personagens de Contos de Fadas pra cá. E agora eles estão presos.” Emma: “Parados no tempo, presos em Storybrooke? Essa é sua história?” Henry: “É verdade!” Emma: “E porque então que todos não vão embora?” Henry: “Eles não podem. Quando tentam fugir, coisas horríveis acontecem.”

Desse trecho, também já é possível extrair o que será o plot12 de toda a narrativa da primeira temporada: fazer Emma acreditar que os Contos de Fadas realmente existem e que as personagens foram amaldiçoadas. Na série, Emma representa a figura do espectador incrédulo, que pensaria “ah tá, contos de fadas no mundo real, valeu!”, e age em relação ao Henry como se estivesse lidando com uma criança com problemas psicológicos. Essa relação de falta de credibilidade é importante para sustentar a expectativa do público que está sendo apresentado a um mundo novo, imaginado. Principalmente nos primeiros episódios da temporada, a série mostra a histórias nos dois mundos, mas sempre usa a relação da Emma e do Henry para trazer dúvida para o espectador. Será que realmente o menino está falando a verdade e teremos uma série cheia de magia e fantasia, ou o menino está inventado tudo? Esse plot vai sustentar todas as histórias que serão contadas em torno do dois mundos. Mas, é através da relação das personagens com o mundo narrativo, que vai sendo possível estabelecer as marcas que comprovam que, ambos os locais existem e que a maldição não é uma invenção do Henry. Ainda no primeiro episódio, a série já manipula a questão da apresentação de personagens. Com a chegada de Henry e Emma em Storybrooke, conhecemos uma personagem secundária, Archie, o psicólogo de Henry. Para transpor essa personagem para a Floresta Encantada, o artifício utilizado pela série ainda não é o de inclusão de mesmas características, e uso                                                                                                                 12

O termo plot inglês para enredo, é usado para designar todos os eventos de uma história para se obter um efeito emocional e artístico, é o enredo, o que vai acontecer na história.

 

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do mesmo ator, pois, na Floresta, Archie é o Grilo Falante, e é representado realmente por um grilo. Mas para que não haja dúvidas de que essa personagem está nos dois mundos, a série repete a mesma fala para dois contextos diferentes. Em Storybrooke, Archie diz para Henry que “Ceder ao seu lado sombrio, não te traz nada de bom” e na próxima cena, de volta a Floresta Encantada, ouvimos estas mesmas palavras faladas pelo Grilo Falante. A série usa esse artifício mais nos casos em que a personagem representada no mundo real, em Storybrooke, não é um humano na Floresta Encantada. Esse artifício é útil, mas se aplica menos a personagens como Branca de Neve, que em Storybrooke é Mary Margareth. Isso porque, em audiovisual a representação não é descritiva e sim direta, ou seja, se uma mesma personagem é representada em dois universos, ela é caracterizada para parecer diferente, no entanto, é sempre interpretada pela mesma atriz. Se esse história estivesse sendo desenvolvida em um livro, por exemplo, o leitor poderia ficar na dúvida se a personagem é realmente a mesma pessoa, porém, como destaca Chatman (1981) a relação na literatura e no audiovisual é bem diferente. “O autor, por meio de seu narrador, seleciona e nomeia precisamente três [características que ele quer fornecer sobre um objeto ou personagem]. E aí o leitor em posse de apenas essas características expande a imagem com sua imaginação. Mas na representação fílmica [audiovisual] o número de detalhes apresentados é indeterminado, porque o que essa versão nos apresenta é um simulacro (...)” (Chatman, 1981)

Já que a imagem é um simulacro, ou seja, uma representação da realidade, não há como a série manter muito suspense sobre as identidades dos personagens em um mundo e em outro, a menos que use como artifício o excesso de caracterização, ou mesmo computação gráfica, como acontece com a personagem Archie, pessoa em um mundo, grilo no outro. Mas no caso das personagens representadas por atores, essa caracterização quando relacionada a algo que já está no imaginário comum, ajuda o espectador a identificar mais facilmente quem é quem. Na Floresta Encantada, se passam todas as cenas em que as personagens vivem como contos de fadas. Nesse universo, as representações são mais próximas das versões já feitas pelos filmes da Disney. Isso porque é mais fácil partir de bases já formadas no imaginário para consolidar esse universo. Como a série ainda precisa unir todas as histórias em lugar só, usar os moldes “pré-prontos” facilita ainda mais. No entanto, a marcas no textuais continuam aparecendo para reforçar as apresentações, como pode também ser vista na  

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introdução de Mary Margareth (Branca de Neve) ainda no primeiro episódio, onde ela também repete as falas em ambos os universos. Ainda em relação ao tempo, a última sequência do episódio um, é simbólica para representar que haverá alterações temporais a partir daquele momento. Depois de passar por mais algumas coisas com Henry, Emma resolve que vai ficar na cidade por uma semana, e aluga um quarto na pensão “Casa da Vovozinha” onde também somos introduzidos a duas novas personagens, que já haviam aparecido de relance na Floresta Encantada, Rubi (Chapeuzinho Vermelho) e sua avó, a dona da pensão (a vó de Chapeuzinho). Nessa cena, a vó diz para Emma “Seja bem-vinda a Storybrooke” e entrega a ela uma chave do quarto. Na cena seguinte temos Henry olhando para o relógio da cidade (citado anteriormente como “parado desde sempre”) que de repente começa a funcionar, marcando assim, que a presença de Emma realmente trará mudanças para Storybrooke. A partir do segundo episódio, é introduzida uma narração diferente na abertura, que já traz o plot da temporada resumido, para que o mecanismo de obtenção de novos espectadores possa funcionar bem. Como Mittell (2006) indica, nas narrativas complexas é preciso sempre manter um equilíbrio nos episódios. Ao mesmo tempo, precisam oferecer individualidade e continuidade para a narrativa, o que faz com que seja possível que novos espectadores acompanhem a série a partir de um determinado ponto, mesmo que não tenham começado do primeiro episódio. Essa narração se mantém a mesma por diversos episódios, e vai ganhando cenas adicionais conforme o enredo principal começa a ficar mais complexo. “Existe uma cidade, em Maine, onde cada personagem de contos de fadas que você conhece está preso entre dois mundos. Vítimas de uma poderosa maldição. Apenas uma pessoa sabe a verdade. E apenas uma pessoa pode quebrar o feitiço” (Narração)

Essa narração, além de servir como um chamariz para novas audiências, é fundamental para reforçar para o público a importância do universo e da relação da narrativa como os dois mundos onde a história se passa. E ela ainda dá conta, de responder às principais perguntas que um espectador pode ter na hora de escolher uma nova série para assistir: o que ocorreu, com quem ocorreu, como ocorreu. Aí, ele precisa apenas assistir para descobrir o porquê de tudo isso. Ou seja, apenas usando o artifício da narração inicial, a série já consegue criar um mecanismo efetivo de engajamento de entre os públicos fidelizados e novos públicos.

 

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Outro elemento importante, que vai sendo desenvolvido ao longo da primeira temporada, é o da antecipação dos fatos narrativos para o espectador, ponto que é citado por Newman (2011), como sendo um dos maiores prazeres do espectador. Através do avanço da narrativa, o público passa a ter certeza de que os dois mundo realmente existem e a expectativa é movida para o momento onde Emma descobrirá toda a verdade e a maldição será desfeita. Segundo Newman (2011), “Para muitos espectadores, um dos maiores prazeres da narrativa seriada vem da antecipação de como um personagem irá responder a um detalhe narrativo que [os espectadores] já conhecem, e [vem da oportunidade de] testemunharem o momento da revelação, que é causada pela repetição do padrão de tensão seguido de resolução.”(NEWMAN, 2011. p. 4)

Ou seja, quando a série antecipa detalhes da narrativa para os espectadores, eles ganham um poder frente às personagens, porque passam a saber a verdade antes delas. E se divertem nessa relação de expectativa, esperando quando será a hora em que a personagem vai descobrir toda a verdade. Em Once Upon a Time, o espectador vai ganhando esse poder ao longo dos primeiros episódios, conforme vai descobrindo quem é quem em cada um dos mundos. E a expectativa vai aumentando na medida em que mais informação é fornecida e ainda assim, a Emma se recusa a acreditar que tudo é verdade. Essa relação fica ainda mais clara conforme o espectador vai fazendo a ligação entre três elementos: a história em Storybrooke, a história na Floresta Encantada e todas as histórias que ele tem no imaginário, oriundas de referências das histórias que o espectador ouviu e viu em filmes sobre os contos de fadas. No próximo tópico veremos como as personagens são apresentadas e como essas ligações com referências externas são apresentadas para o público.

3.2- Personagens: quem é quem em cada mundo? As personagens são figuras fundamentais da narrativa, pois através delas entramos em contato com diversas nuances da história, e acompanhamos o desenrolar da trama. Através delas também percebemos e fortalecemos as informações acerca dos mundos onde a história é contada. Em Once Upon a Time todas as personagens apresentadas na primeira temporada desempenham um duplo papel, sendo alguma personagem de contos de

 

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fadas na Floresta Encantada, e uma pessoa “normal” em Storybrooke. A exceção dessa regra são as personagens Emma e Henry, que não tem papeis na Floresta Encantada. Por conta dessa característica, a série utiliza uma estratégia muito parecida para apresentar as personagens, selecionando basicamente um episódio para apresentar cada personagem a partir do episódio 313. Sendo assim, a cada episódio o espectador descobre uma nova história e percebe que as personagens não são exatamente como as dos contos de fadas conhecidos. A série aproveita essa estrutura para inserir as novas características que cada personagem terá e para subverter um pouco do que está no imaginário do espectador. Once Upon a Time, assim como os filmes da Disney, não é uma obra de contos de fadas. Tratam-se de produtos audiovisuais que se apropriam da temática dos contos para desenvolver suas narrativas. E como aponta Zipes (2006), quando a Disney se apropriou dos contos de fadas para produzir suas animações, fez o que o autor chama de “arte da subversão” alterando diversos elementos que estavam nas histórias originais e inserindo novos. No caso de Once Upon a Time, a estratégia utilizada de apropriação, também é de subversão, só que ela subverte o que já foi subvertido, e não só, complexifica a narrativa, como também insere nas personagens novas características, transformando-as em personagens redondas14. Com as personagens redondas, ou seja, com características mais complexas e caráter sempre em formação, a série apresenta novas propostas de comportamentos para essas personagens e é capaz de humanizá-las ao relativizar características como bondade e maldade. Outro ponto importante na inclusão de personagens com essas características mais complexas é que, traz drama para a série, gênero normalmente associado as séries de 45 min. Já nas representações da Disney, as personagens são planas15, e tem função mais relacionada com o humor. Conforme as personagens são apresentadas, principalmente em Storybrooke, é possível ver que essas inserções de novas características são relacionadas com 2 pontos importantes: primeiro, com alguma brecha que os filmes da Disney, ou os contos deixaram e segundo, com a personalidade que elas tem como personagem na Floresta Encantada. No mundo “real” as personagens sempre carregam características                                                                                                                 13

Os episódios 1 e 2 são episódios de contextualização, que apresentam o universo e a preparação da Rainha Má para o lançamento da maldição. 14 Termo cunhado por Edward Morgan Foster, para designar personagens que sempre nos surpreendem e cuja definição está sempre sendo construída, desempenhando papel dramático na narrativa. 15  Personagens com uma característica marcante que as define como tal.

 

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de seu alterego mágico, como por exemplo a personagem do anão Zangado, que em Storybrooke é Leroy, uma trabalhador muito mal-humorado.

3.2.1- Apresentando episódios e personagens: Como já foi dito, na primeira temporada, a série usa basicamente um episódio para apresentar cada personagem, compondo assim a gama de histórias imbricadas no primeiro enredo que se desenvolve entorno das personagens principais: Branca de Neve, Príncipe Encantado e a Rainha Má. Os episódios são intercalados entre o desenvolvimento dos arcos principais e a inserção de novas personagens na narrativa16. Para compor essa análise observou-se as principais caraterísticas da estruturação dos episódios, associada a sua função para a trama principal, bem como sua relação com as obras de contos de fadas. Como panorama básico, foi possível perceber que a relação entre as estratégias utilizadas obedece uma certa lógica e periodicidade. Por exemplo, intercalado com os episódios que apresentam os personagens há episódios com função apenas de desenvolver o arco dos personagens Branca e Encantado, e a frequência desses episódios segue a seguinte estrutura: primeiro com um intervalo de 6 episódios, depois de 5 e por último de 4 episódios. Também é intercalado o uso das três estratégias de apresentação em relação aos contos de fadas: a contação de histórias antes dos clássicos, a inclusão de uma nova interpretação e a fusão das personagens. O modelo de apresentação utilizado pela série segue uma lógica para introduzir cada personagem, utilizando como padrão a seguinte estrutura: inicia-se o episódio com um acontecimento na Floresta Encantada, relacionado ao personagem que será explorado, na sequência ele aparece em Storybrooke e depois segue-se intercalando entre os mundos. Durante toda a temporada, apenas 3 episódios não seguem essa fórmula, iniciando sua história em Storybrooke e depois transpondo os acontecimentos para a Floresta. Os dois primeiros episódios apresentam as personagens de maneira mais superficial, tendo principal função de apresentar a série. Primeiro introduzindo os mundos onde a narrativa irá se desenvolver e depois apresentando a maldição que é a                                                                                                                 16

 

Ver anexo II com lista dos episódios e estruturas.

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motivação do enredo. Durante a primeira temporada, o foco maior da série são os arcos narrativos de Branca e Encantado e Emma que duram do primeiro ao último episódio. Como destaca Newman (2011, p.23) “os arcos são para as personagens o mesmo que o enredo é para a história.(...) Um arco é a jornada da personagem do ponto A para o B, C, D e E.” Ou seja, cada personagem tem um arco narrativo para desenvolver, que é sua trajetória na história. Ele ainda destaca que “Arcos das personagens podem ser estender ao longo de vários episódios, temporadas ou mesmo durar toda a série”. No caso dos personagens principais de Once Upon a Time, esses arcos irão se estender por toda a primeira temporada e serão modificados nas próximas. Os arcos principais são tratados de duas maneiras diferentes. O arco de Emma é desenvolvido ao longo de vários episódios e a trama vai se desenvolvendo de maneira mais dispersa. Já, o arco de Branca e Encantado (Mary Margareth e David, em Storybrooke) é desenvolvido de maneira mais bem demarcada. São dedicados quatro episódios completos (episódios 3, 10, 16 e 21) para desenvolver a trajetória dessas personagens, que ocorrem em ambos os mundos. Na Floresta é contado como eles se conhecem, se separam, se apaixonam, se separam novamente e finalmente ficam juntos. Já em Storybrooke a trama segue a mesma fórmula, só que eles não se lembram de terem se conhecido em algum mundo, mais vivem sendo atraídos um para o outro, aparentemente por coincidência. O lema que move essas personagens é a frase “Eu sempre vou encontrar você, não importa o que aconteça”, frase falada por ambos em diferentes contextos, nos dois mundos. Os episódios desenvolvidos entre esses, mas que não fazem parte do arco principal, tem função de apresentar as personagens e fornecer para o público mais informações de como as histórias foram unidas. Como já foi dito, a história de Branca de Neve, é o fio condutor da série, e o que cada episódio vai apresentando é que de alguma maneira, todos as personagens de contos de fadas se relacionam com essa história, seja direta ou indiretamente. No primeiro episódio de apresentação de personagem, ou seja, o episódio 4, os espectadores são apresentados a história de Cinderela, se iniciando na Floresta Encantada. No entanto, os acontecimentos apresentados não são aqueles já conhecidos pelo público. A primeira grande mudança em relação ao filme da Disney, por exemplo, é que Cinderela não ganha seu vestido de festa de uma fada madrinha em um ato de bondade. Muito pelo contrário, ela assiste sua fada madrinha ser  

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explodida por outra criatura mágica, que é introduzida na história, e não faz parte nem dos filmes e nem das histórias originais. Cinderela tem seu pedido atendido por Rumplestiltskin 17 que concorda em ajudá-la em troca de acordo. Depois dessa sequência, o espectador é apresentado a Ashley, uma menina de 19 anos que está grávida, e está enfrentando o drama de ficar ou não com o bebê. E nessa sequência a história é desenvolvida em ambos os mundos. E ao final do episódio é dada a resolução para a história de Cinderela e de Ashley. Esse é o modelo que a série usa para introduzir as novas personagens e apresentar a junção das histórias. Cada personagem tem sua história apresentada, uma tensão e um momento de resolução. Se a personagem é importante para a trama principal, ela passa a aparecer em outros episódios, senão, é apresentada e retirada da série no mesmo momento. O ponto é que em todos esses episódios mais isolados, sempre há elementos que são importantes para o enredo. Principalmente em Storybrooke, cada novo personagem contribui de alguma forma para a resolução do arco narrativo de Emma, que se desenvolve em torno da importância da personagem acreditar que tudo aquilo realmente é verdade. Outro artifício que a série utiliza, além do de modificar a história “original” de alguma personagem, é o de contar o que aconteceu antes ou depois do ponto onde as histórias clássicas são contadas. Essa estratégia é utilizada na apresentação das histórias das seguintes personagens: Grilo Falante (episódio 5), Príncipe Encantado (episódio 6), anão Zangado (episódio 14), Chapeleiro Maluco (episódio 17) e da Rainha Má (episódio 18). Nesses episódios o espectador conhece principalmente a origem das personagens e/ou um fato importante na sua trajetória que fez com que elas fossem o que são. No caso, por exemplo, do anão Zangado, ele é apresentado desde seu nascimento – de um ovo – quando ele ainda era uma anão feliz e atendia pelo nome de Sonhador. Ao longo de sua vida ele se apaixona por Nova, uma fada, é impedido de viver esse amor e acaba se transformando no anão Zangado. Ao mesmo tempo, em Storybrooke, acompanhamos Leroy (o anão) se apaixonar novamente pela Astrid (a fada) que nesse mundo é uma freira e logo é novamente um amor proibido, porém o desfecho em Storybrooke indica que eles manterão uma relação de amizade,                                                                                                                 17

Rumplestiltskin é um personagem que teve sua história registrada pelos Irmãos Grimm, mas não foi um conto adaptado pela Disney, por isso é uma história menos conhecida. No original ele é um homem que gosta de fazer acordos e pode transformar palha em ouro.

 

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enfatizando que nada é pré-determinado como nos contos de fadas e que o futuro deles pode ser diferentes. Todas as personagens que são apresentadas sob essa estratégia, tem a característica de ter sido mal ou pelo menos mal interpretado nos contos de fadas. Através delas, personagens redondas, vemos que nenhum caráter é permanente, podendo o mal virar bem e vice-versa. A transposição deles para Storybrooke representa uma segunda ou terceira chance de mudarem as suas realidades. O foco maior dessa estratégia é a personagem da Rainha Má – Regina – que a princípio é apenas a bruxa que causou todo esse sofrimento nas outras personagens, mas que ao longo da temporada vai ganhando mais e mais características e quando sua história é contada no episódio 18, descobrimos que sua maior motivação de vingança contra Branca de Neve – que é a razão da maldição – se dá por que a Rainha perdeu um amor no passado por causa de Branca. A inserção dessas novas nuances faz com que essas personagens sejam bem aceitas pelo público, que passa acompanhar as histórias para descobrir ainda mais sobre a trajetória dessas personagens. E ainda, se interessam muito em construir teorias que justifiquem porque determinada personagem está agindo de um jeito e não de outro. (Mittell, 2006) Aumentando cada vez mais sua relação com os produtos seriados e com as personagens. O terceiro e último artifício utilizado na apresentação das personagens e das histórias, é o de fusão de papéis. Personagens como o Gênio de Ágraba, do filme Aladin da Disney se funde com o personagem do espelho da Rainha Má e passam a ser a mesma personagem na Floresta Encantada, e em Storybrooke ele é Sidney, o jornalista investigativo que tudo que descobre, reporta a Regina. Esse é um dos artifícios mais utilizados pela série para unir as histórias no mesmo fio narrativo. A personagem do caçador de Branca de Neve é outro exemplo, ela é fundida com a personagem Mogli, o menino que cresceu criado por lobos e que na cidade é Grahman, o xerife. Mas a personagem que talvez tenha o maior destaque dessa estratégia é a de Rumplestiltiskin. Ele desempenha o papel da Fera no episódio 12 quando acompanhamos a história de Bela. Esse episódio é cheio de referências ao filme “A Bela e a Fera” da Disney, porém com várias modificações na história conhecida. Além disso, em outra temporada ele também é o Crocodilo, da história do Capitão Gancho e depois o filho de Peter Pan. Em Storybrooke, ele também desempenha um  

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papel central, sendo conhecido pelo nome de Mr. Gold, o dono de uma loja de antiguidade que guarda os objetos mágicos de todas as personagens de contos de fadas e o proprietário da maioria dos imóveis da cidade. É uma pessoa temida por todos, característica relacionada a sua personagem mais marcante na Floresta Encantada, o Senhor da Trevas. Todas essas estratégias de apresentação de personagens são importantes para reforçar a relação que o público cria com o mundo diegético da série, pois através das personagens são reforçadas cada vez mais as regras do que é ou não permitido em um ou outro mundo. A consolidação dessas regras faz com que a série tenha mais facilidade para desenvolver as temporadas seguintes, garantido que o público já sabe o que vai esperar dali.

3.3- Continuidade e outras temporadas Uma premissa que é repetida ao longo de toda temporada e que acaba sendo o enredo da segunda temporada, é de que em Storybrooke não existe mágica. Porém, quando no último episódio a maldição é quebrada, os personagens não são levados de volta para a Floresta Encantada, essa premissa é quebrada por Rumplestiltiskin, que traz a magia para Storybrooke. A quebra dessa premissa faz com que os espectadores esperem que nas próximas temporadas as regras dos universos mudem, criando assim uma expectativa que precisa ser capaz de sustentar a fidelização desse público para aguardar os intervalos entre as temporadas. Em relação a Floresta Encantada, encerra-se o arco de Branca e Encantado tentado ficar juntos – a temporada finaliza como no filme Branca de Neve da Disney, com Encantado libertando-a da maldição – e o gancho deixado para o desenvolvimento do novo enredo é o de saber como eles vão enfrentar a Rainha Má para poderem ficar juntos. Essa história, porém, já foi contada ao longo de toda a primeira temporada, que se inicia no dia do casamento deles, encerrando assim a distorção temporal que a série faz ao longo dos episódios. Ao longo das temporadas que dão continuidade à série, novos enredos são desenvolvidos e a estrutura das temporadas sofre uma grande alteração. Na segunda temporada ainda temos um modelo parecido com a primeira, onde novos personagens são apresentados – com menos frequência – e as histórias daqueles que permaneceram

 

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na série são ainda mais aprofundadas. Por ter uma estrutura narrativa tão fragmentada, com duplicidade de mundos e de personagens, a série acaba ocultando personagens em alguns momentos por falta de tempo para desenvolvê-los melhor. Porém algo que continua sendo bastante explorado é a questão de buscar diferentes interpretações para acontecimentos que não foram tão explorados nos contos originais. A partir da terceira temporada, a série já adota uma estrutura completamente diferente, sendo cada temporada divida em duas minitemporadas e com um vilão central em cada uma delas. Além disso, há também a introdução de mais mundos pelos quais as personagens atravessam. Nessa temporada, na primeira parte a maioria dos acontecimentos se passa na Terra do Nunca e na segunda partem, no Mundo de Oz. E para a quarta temporada, a atual, há também uma nova estratégia adotada. Para atrair ainda mais o público, a série está utilizando a história do filme Frozen, que foi lançado pela Disney em 2013, misturada é claro, com um clássico de Hans Christian Andersen, da Rainha do Gelo. Um elemento que a série ainda está explorando bastante e está relacionado tanto ao engajamento do público quanto com a expansão das histórias é o da interação com o público nas mídias sociais. Através dos canais, principalmente o Facebook, a série disponibiliza conteúdos exclusivos, como telejornais de Storybrooke, que compõem a narrativa, mas não aparecem nos episódios. Essa estratégia foi utilizada como artifício para fomentar a terceira temporada e está sendo utilizada também na quarta. A atuação de comunicação da série com o público é sem dúvida um ponto que merecerá atenção em trabalhos futuros, pois tem muito a ver com a lógica que a série se constrói e poderá trazer elementos muito relevantes para serem discutidos.

 

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CONCLUSÃO As narrativas seriadas televisivas apresentam diversas possibilidades para o desenvolvimento de produtos que gerem alto nível de engajamento do público. Ao unir essas estratégias com um universo amplamente conhecido como o dos contos de fadas, o resultado é um produto que gera grande expectativa no público e que apresenta diferentes opções para ser explorado. Nesse trabalho optou-se por se desenvolver um panorama geral sobre a formação do universo dos contos de fadas, para que se pudesse entender a fonte da qual a série se apropria para desenvolver suas adaptações. Nesse sentido foram apontados os principais nomes que marcaram esse gênero na literatura. Além disso, foram destacadas as influências que esses contos tiveram na composição das primeiras obras audiovisuais voltadas para o universo infantil, as animações de Walt Disney. Nessa contextualização, buscou-se também destacar algumas das principais características dos contos de fadas, que foram responsáveis por manter o gênero vivo no imaginário comum ao longo de séculos. Em um segundo momento, destacou-se as principais características de formação de universos narrativos na ficção seriada, destacando principalmente o porquê do uso de estruturas e mecanismos parecidos em diversas séries. O foco nesse ponto foi o desenvolvimento das narrativas complexas e a gama de oportunidades que esse tipo de narrativa oferece para ser explorado. Procurou-se também, apontar como essas estratégias funcionam em relação ao público, destacando principalmente a relação de engajamento do público com a série. Além disso, foi relatado também, como essas características são aplicadas na formação do mundo narrativo de Once Upon a Time, e como foi feita essa relação entre as características das narrativas televisivas e das narrativas de contos de fadas. Destacou-se principalmente as características de re-interpretabilidade e elasticidade dos contos, que fornecem para a série opções de inserir novos elementos e de explorar opções que não foram exploradas nas histórias. Por fim, foi analisado como todas as teorias foram aplicadas na primeira temporada da série, dando enfoque para como os mecanismos foram desenvolvidos, e o que determinada escolha resultou para a narrativa. Também foram analisadas as estratégias de união de diversas histórias em um único foco narrativo, a partir da

 

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apresentação dos personagens e da inclusão de novos elementos em histórias que já eram bem conhecidas pelo público. O que ficou claro com esse estudo é que a série apresenta diversas relações com os contos de fadas, mesmo não sendo um conto e que seu papel é importante para atualizar as histórias que o público tem formadas no senso comum. Diversos outros aspectos poderiam ser analisados mais profundamente para observar ainda mais o efeito que podem ter para sustentar a narrativa e manter a série no ar. Para os próximos trabalhos é de interesse da pesquisadora estudar especificamente como se dá o processo de adaptação das histórias originais de contos de fadas para a televisão, a fim de investigar as possibilidades que o meio televisivo oferece para expandir as narrativas. Ainda é de interesse da pesquisadora, analisar a reação do público frente aos paratextos que estão sendo construídos pela série, principalmente no âmbito das mídias sociais.

 

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ANEXO 1 – Sinopses e informações técnicas dos filmes da Disney Essa lista é composta por todos os longas-metragens que foram produzidos pela Disney e que tem ligação com as famosas histórias de contos de fadas. As informações dessa lista foram organizadas de acordo com a ordem cronológica ao lançamento dos longas-metragens produzidos por Walt Disney e as sinopses foram coletadas do site Filmes da Disney18 e as informações técnicas do site IMDb19. 1 - Branca de Neve e os Sete Anões (1937): Ficha técnica Título original: "Snow White and the Seven Dwarfs" Duração: 83 min Diretores: William Cottrell, David Hand, Wilfred Jackson, Larry Morey, Perce Pearce, Ben Sharpsteen. Inspiração: “Branca de Neve” dos Irmãos Grimm Sinopse: Branca de Neve, a bela princesa de nobre coração, é adorada por todas as criaturas do reino, menos uma: A Rainha, sua invejosa madrasta. Quando o Espelho Mágico declara Branca de Neve como sendo a mais bela de todas, ela foge para a floresta, onde conhece sete adoráveis anões: Dunga, Mestre, Feliz, Dengoso, Soneca, Zangado e Atchim. Mas quando a Rainha engana Branca de Neve e a faz morder uma maçã envenenada, somente a magia de um beijo do verdadeiro amor poderá salvá-la! 2 – Pinóquio (1940): Ficha técnica Título original: "Pinocchio" Duração: 88 min Diretores: Norman Ferguson, T. Hee, Wilfred Jackson, Jack Kinney, Hamilton Luske, Bill Roberts, Ben Sharpsteen Inspiração: “As aventuras de Pinóquio” de Carlos Collodi Sinopse: Junte-se ao adorável fantoche de Gepeto em sua emocionante aventura até tornar-se um menino. Ao lado de Grilo Falante, Pinóquio deverá ser corajoso, honesto e leal para que o seu grande desejo vire realidade. 3 – Cinderela (1950): Ficha técnica Título original: "Cinderella" Duração: 74 min Diretores: Clyde Geronimi, Wilfred Jackson, Hamilton Luske Inspiração: “Cinderella” de Charles Perrault                                                                                                                 18  http://filmes.disney.com.br/todos-­‐os-­‐filmes   19  http://www.imdb.com    

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Sinopse: Cinderela, um dos maiores clássicos da Disney, conta a história de uma bela jovem que, após perder o seu pai, deve conviver com sua madrasta e meias-irmãs malvadas e que a tratam como uma empregada. Quando a malvada madrasta de Cinderela a proíbe de ir ao Baile Real, a Fada Madrinha aparece e usa sua varinha mágica para transformar uma simples abóbora em uma carruagem mágica. Além disso, as roupas velhas da Cinderela se transformam em um belo vestido de gala. Cinderela fica, portanto, preparada para brilhar e só precisa encontrar o Príncipe para viver a história de amor mais cativante de todos os tempos. 4 – Alice no País das Maravilhas (1951): Ficha técnica Título original: "Alice in Wonderland" Duração: 75 min Diretores: Clyde Geronimi, Wilfred Jackson, Hamilton Luske Inspiração: “Alice no País das Maravilhas” e “Alice através dos espelhos” de Lewis Carroll Sinopse: Acompanhe Alice em sua viagem pelo louco País das Maravilhas, onde ela conhece personagens incríveis como Tweedlee e Tweedledum, o Chapeleiro Maluco, a Rainha de Copas e o Coelho Branco, sempre muito atrasado. 5 – Peter Pan (1953): Ficha técnica Título original: "Peter Pan" Duração: 77 min Diretores: Clyde Geronimi, Wilfred Jackson, Hamilton Luske Inspiração: “Peter e Wendy” de J. M. Barrie Sinopse: Pense nas coisas mais felizes enquanto você e sua família vivem todo o encanto de Peter Pan, o clássico da Disney que nos ensinou que a magia não tem idade! Esqueça as suas preocupações e embarque com Wendy e seus irmãos em aventuras fantásticas com o herói dos seus contos de fadas... Peter Pan! Com fé, confiança e um pouco do pozinho mágico da Tinker Bell, Peter os ensina a voar e os leva até a "segunda estrela à direita” e além... à Terra do Nunca! 6 – A bela adormecida (1959): Ficha técnica Título original: "Sleeping Beauty" Duração: 75 min Diretores: Clyde Geronimi Inspiração: “Briar Rose” dos Irmãos Grimm e “A bela adormecida” de Charles Perrault

 

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Sinopse: A história começa durante a comemoração do nascimento da bela Princesa Aurora, quando três fadas madrinhas chegam para oferecer os seus presentes para a menina. Flora lhe ofereceu o dom da beleza, Fauna concedeu o dom do canto e, momentos antes que Primavera lhe desse seu presente, a malvada bruxa Malévola apareceu e lançou um terrível feitiço sobre Aurora: quando ela completar 16 anos, ela furará o dedo e cairá em um sono eterno. Logo, a fada Primavera descobre um jeito de quebrar o feitiço: quando a Princesa cair no sono profundo, basta que um beijo do seu verdadeiro amor, o valente Príncipe Felipe, a desperte. 7 – A pequena Sereia (1989): Ficha técnica Título original: "The Little Mermaid" Duração: 83 min Diretores: Ron Clements, John Musker Inspiração: “A pequena sereia” de Hans Christian Andersen Sinopse: Ariel vive no fundo do mar e é uma sereia independente que quer fazer parte do mundo dos humanos. Depois de tomar coragem e fazer um acordo com Úrsula, a esperta bruxa do mar, Ariel embarca na aventura da sua vida. Ao lado de Linguado e Sebastião, Ariel precisará ser valente e determinada para fazer o bem para os seus dois mundos. 8 – A bela e a fera (1991): Ficha técnica Título original: " Beauty and the Beast" Duração: 84 min Diretores: Gary Trousdale, Kirk Wise Inspiração: “A bela e a fera” de Madame Le Prince de Beaumont Sinopse: Aclamado e adorado como nenhum outro, este amado clássico da Disney narra as aventuras de Bela, uma brilhante jovem que fica presa no castelo de uma fera misteriosa. Com a ajuda dos empregados encantados do castelo, um belo romance nasce entre os dois amigos e Bela aprende a lição mais importante de todas: a verdadeira beleza está no interior. 9 – Aladdin (1992): Ficha técnica Título original: "Aladdin" Duração: 90 min Diretores: Ron Clements, John Musker Inspiração: “Aladdin e a lâmpada maravilhora” contos arábicos das Mil e uma Noites Sinopse: No coração de uma cidade exótica, um jovem chamado Aladdin e sua mascote Abu, um macaquinho ousado, decidem resgatar a meiga princesa Jasmine e conquistar seu coração. Mas a vida de Aladdin mudará para sempre quando ele  

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encontra o que parece ser só uma lâmpada mas, na verdade, é uma lâmpada mágica. Ao esfregá-la, um grande e adorável gênio aparece e lhe oferece três desejos que o farão viver uma incrível aventura cheia de descobertas a bordo de um tapete mágico.

10 – O Rei Leão (1994): Ficha técnica Título original: "The Lion King" Duração: 89 min Diretores: Roger Allers, Rob Minkoff Inspiração: “Rei Liar” de Willian Shakespeare Sinopse: Simba é um alegre filhotinho de leão que "já quer ser rei", mas o seu maligno tio Scar tem planos de assumir o trono e, por isso, força o sumiço de Simba. Sozinho e sem ter para onde ir, não demora muito para Simba se juntar às aventuras do engraçado Timão, um suricato, e seu grande amigo Pumba, um javali. Depois de adotar uma vida livre de preocupações, o estilo "Hakuna Matata", Simba ignora suas responsabilidades reais até descobrir seu destino, o que o faz retornar às terras do reino para reivindicar seu lugar no "Ciclo da vida". 11 – Mulan (1998): Ficha técnica Título original: "Mulan" Duração: 88 min Diretores: Tony Bancroft, Barry Cook Inspiração: “Hua Mulan” conto tradicional chinês Sinopse: Baseada numa das lendas mais populares da China e ambientada na vasta e poética paisagem do país, esta aventura cheia de humor e emoção conta a história de uma jovem destemida e corajosa que decide colocar em risco a sua vida para salvar seu pai e sua Pátria. Quando seu país é invadido e seu pai doente é recrutado para a guerra, Mulan decide se disfarçar de homem, treinar para se tornar um bom soldado e, assim, ocupar o lugar de seu pai no exército chinês. Acompanhada por seu gentil e engraçado dragão de guarda, Mushu, Mulan treina para ser um soldado habilidoso e valente e acaba aprendendo muitas lições sobre coragem, honra e amor. 12 – Vida de Inseto (1998): Ficha técnica Título original: “A Bug’s life" Duração: 95 min Diretores: John Lasseter, Andrew Stanton Inspiração: “A cigarra e a formiga” de Esopo Sinopse: Em nome dos "insetos oprimidos do mundo", uma formiga inteligente chamada Flik reúne um grupo de guerreiros para defender a sua colônia de um bando de gafanhotos, liderado pelo maligno Hopper. Mas Flik começa a enfrentar uma  

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grande onda de azar quando descobre que os supostos guerreiros são integrantes do circo de uma pulga. A situação se mostra confusa, engraçada e meio maluca... mas, no fim, eles se tornam verdadeiros heróis. 13 – A princesa e o sapo (2009): Ficha técnica Título original: "The Princess and the Frog" Duração: 97 min Diretores: Ron Clements, John Musker Inspiração: “O príncipe sapo” dos Irmãos Grimm e “A princesa sapo” de E.D. Baker Sinopse: Em Nova Orleans, uma jovem chamada Tiana encontra um Príncipe, que foi transformado em sapo e está desesperado para recuperar a sua forma humana. Um beijo os faz viver uma aventura divertida pelas paisagens misteriosas de Louisiana. 14 - Enrolados (2010): Ficha técnica Título original: "Tangled" Duração: 100 min Diretores: Nathan Greno, Byron Howard Inspiração: “Rapunzel” dos Irmãos Grimm Sinopse: Quando o bandido mais procurado e encantador do reino, Flynn Rider, se esconde em uma misteriosa torre, a última pessoa que ele espera encontrar é Rapunzel, uma adolescente cheia de vida com um poder incomum: 21 metros de um cabelo dourado mágico! Juntos, a dupla parte em uma fantástica jornada cheia de heróis surpreendentes, risadas e suspense. 15 – Frozen: uma aventura congelante (2013): Ficha técnica Título original: "Frozen" Duração: 102 min Diretores: Chris Buck, Jennifer Lee Inspiração: “A rainha do gelo” de Hans Christian Andersen Sinopse: A destemida e otimista Anna parte em uma épica jornada ao lado do radical alpinista Kristoff e da sua leal rena Sven para encontrar sua irmã Elsa, cujos poderes gelados condenaram o reino de Arendelle a enfrentar um inverno sem fim. Numa corrida contra o tempo para impedir o reino de ser destruído, Anna e Kristoff encontrarão trolls místicos, um divertido boneco de neve chamado Olaf, baixíssimas temperaturas e muita magia em todos os lugares.

 

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ANEXO II – Episódios da primeira temporada Este anexo apresenta a lista de episódios da primeira temporada da série associada a análise de estrutura que foi realizada para compor o terceiro capítulo deste trabalho, indicando a estratégia narrativa utilizada para apresentar as pesonagens. 1. Piloto: Apresentação inicial dos universos e abertura dos arcos dos personagens. 2. Aquilo que você mais ama: Apresentação da maldição e mais abertura de arcos 3. Branca de Neve se apaixona: arco Branca/Encantado parte 1 4. O preço do ouro: Apresentação da personagem Cinderela (nova interpretação + fusão de personagens) 5. A voz interior: Apresentação da personagem Grilo Falante (história antes dos clássicos) 6. O pastor: Apresentação da personagem Príncipe Encantado (nova interpretação + fusão de personagens) 7. O coração é um caçador solitário: Apresentação da personagem Caçador (nova interpretação + fusão de personagens) 8. Almas desesperadas: Apresentação da personagem Rumplestiltiskin (fusão de personagens) 9. O verdadeiro norte: Apresentação das personagens João e Maria (nova interpretação) 10. 7:15 a.m.: arco Branca/Encantado parte 2

 

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11. O

fruto

da

árvore

envenenada:

Apresentação

da

personagem

Sidney/Espelho Mágico (nova interpretação + fusão de personagens) 12. Beleza externa: Apresentação da personagem Bella (história antes dos clássicos + nova interpretação + fusão de personagens) 13. O que aconteceu com Frederick: Apresentação da personagem Rei Midas (nova interpretação) 14. Sonhador: Apresentação da personagem anão Zangado (história antes dos clássicos) 15. A capa vermelha: Apresentação da personagem Chapeuzinho Vermelho (história antes dos clássicos + fusão de personagens) 16. O coração das trevas: arco Branca/Encantado parte 3 17. Chapeleiro Maluco: Apresentação da personagem Chapeleiro Maluco (história antes dos clássicos + apresentação de outro mundo: País das Maravilhas) 18. O garoto do estábulo: Apresentação da personagem Regina/Rainha Má (história antes dos clássicos + nova interpretação + descoberta da motivação do arco da personagem) 19. O retorno: Apresentação da personagem Belfire (história antes dos clássicos) 20. O estranho: Apresentação da personagem Pinóquio (nova interpretação) 21. Uma maça vermelha como sangue: arco Branca/Encantado parte 4 22. Uma terra sem magia: Conclusão dos arcos (abertura do plot da nova temporada + alteração nas regras do universo: agora há magia em ambos os mundos)

 

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ANEXO III – Ficha técnica: personagens principais

Emma Swan A Salvadora Filha de Branca de Neve e Príncipe Encantado Resumo: Nasceu na Floresta Encanta e foi enviada para o “mundo real” minutos após nascer por ser a única esperança para quebrar a maldição. Começa a série sem saber quem é. Seu super poder é o de saber quando as pessoas estão mentindo. Teve um filho quando adolescente, mas entregou-o para adoção.

Regina Mills Rainha Má Madrasta de Branca de Neve Resumo: Sofreu uma grande decepção amorosa que motivou o lançamento da maldição. Responsável por enviar todo mundo para Storybrooke, estava em busca do seu final feliz. Adotou uma criança no novo mundo, Henry, que por coincidência é o filho de Emma Swan.

Mr. Gold Rumplestiltskin Senhor das Trevas Resumo: É uma das criaturas mais poderosas dos Contos de Fadas. Ajudou Regina a lançar a maldição e manteve suas memórias na nova terra. Perdeu um filho a muito tempo, e veio para o novo mundo na esperança de encontra-lo novamente. É o único que sabe que a maldição pode ser quebrada por Emma.

 

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Mary Margareth Branca de Neve Mulher de Encantado e mãe de Emma Resumo: Conheceu Regina quando criança e foi a causa de sua desilusão amorosa. Desde então, sofre com diversas tentativas de vingança. Foi banida de seu castelo e conheceu o Príncipe Encantado, com quem se casou e teve uma filha que enviaram para o novo mundo.

David Nollan James – Príncipe Encantado Marido de Branca e pai de Emma Resumo: Era um pobre e tinha um irmão gêmeo que foi adotado por um rei. Com a morte desse irmão, ele assumiu o lugar de Príncipe. Conheceu Branca na Floresta Encantada e se apaixonou. Libertou-se do rei opressor e casou com Branca, com quem teve uma filha: Emma.

 

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