No tempo que acontece, as pedras dormem?

June 23, 2017 | Autor: Miriam Cazzetta | Categoria: Musealização, Arqueologia Pública, Educação Patrimonial, Processo De Musealização
Share Embed


Descrição do Produto

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

NO TEMPO QUE ACONTECE, AS PEDRAS DORMEM? Miriam Cazzetta, Arqueóloga, Responsável do Gabinete de Arqueologia do Memorial Noronhense.

RESUMO Tendo as ruínas e demais demarcadores urbanos da secular Vila dos Remédios como segmento norteador da abordagem patrimonial, em combinação com o acervo museológico do Memorial Noronhense, tem se utilizado, ao longo dos últimos oito anos, opções de fruição dos sítios históricos e arqueológicos locais para motivar o estudo e a valorização dos mesmos. A partir da narrativa de experiências de sensibilização patrimonial vivenciadas com os alunos do Ensino Fundamental I da Escola Bem Me Quer e da Escola Arquipélago, únicas Unidades de Ensino no Distrito Estadual Fernando de Noronha (Pernambuco/Brasil), o trabalho abordará as perspectivas para a implantação de um Programa de Educação Patrimonial para o Gabinete de Arqueologia do Memorial Noronhense, que estimule um processo contínuo de reconhecimento do existente, compreensão dos aspectos da cultura marítima-insular; e, avaliação dos modos de valorização do patrimônio arqueológico local. PALAVRAS-CHAVE: Arqueologia Insular; Experiências Educativas; Valorização do Patrimônio. ....................................................................................................................................................

INTRODUÇÃO

Em abril de 2000, o Governo do Estado de Pernambuco, visando o atendimento da necessidade de excepcional interesse público, contratou serviços de arqueologia para implantar o Programa de Arqueologia Urbana Insular com o propósito de estabelecer procedimentos segundo as concepções de uma arqueologia preventiva (CAZZETTA, 2003). Durante o período de agosto de 2000 a janeiro de 2002 foram realizadas buscas no terreno com o objetivo de identificar e registrar vestígios de ocupações passadas a partir da leitura da documentação histórica existente na sede do Distrito Estadual de Fernando de Noronha em Recife, junto ao Programa de Resgate Documental, e no Arquivo Geral da Administração do Distrito. Bem como, a partir do levantamento oral com a população residente para 1

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

caracterização dos sítios; e contatos com pesquisadores da área de arqueologia, geologia, história e oceanografia que atuam ou atuaram no Arquipélago. À época, 111 componentes histórico-arqueológicos e arquitetônicos existentes no Distrito Estadual, cujo território corresponde a Área de Proteção Ambiental sob a tutela federal, foram mapeados pelo Projeto Atlas Arqueológico Fernando de Noronha (CAZZETTA,2003), cuja proposta e resultados foram encaminhados ao IPHAN e IBAMA, e serviram de referência quando da determinação das Zonas Histórico Cultural estabelecidas no Plano de Manejo da APA (PLANO DE MANEJO,2005). No período de 2003 a 2006, procurou-se consolidar uma rotina administrativa para as ações de arqueologia no Distrito Estadual. Inicialmente definindo as atribuições da Área de Proteção do Patrimônio Histórico-Arqueológico, dentre elas a de coordenar ações no âmbito da educação patrimonial para valorização do patrimônio insular.1 Data desse período a elaboração do Plano Diretor do Gabinete de Arqueologia (DISTRITO ESTADUAL,2005) que assumiu, dentre as proposições enunciadas, a implantação de um Programa de Educação Patrimonial para gerar conhecimento e fomentar capacidades locais, formando equipes interdisciplinares com visão integrada e práticas sustentáveis; disseminar informações em ações de educação patrimonial, tendo como veículo o material impresso, a mídia em geral, ou mesmo seminários e cursos específicos sobre o tema; potencializar o estudo e a valorização dos sítios histórico-arqueológicos locais, procurando responder às necessidades do público escolar; mobilizar e treinar agentes patrimoniais, no sentido de capacitá-los para a identificação, documentação e interpretação do patrimônio arquitetônico.2 Desde 2006, com a celebração da Semana Nacional dos Museus promovida anualmente pelo Departamento de Museus - DEMU-, as iniciativas de fruição do processo museológico do

1

Assim consta no Manual de Serviços do Distrito Estadual, Decreto n. 26.607, de 15 de abril de 2004: Área de Proteção do Patrimônio Histórico-Arqueológico: identificar e registrar sítios arqueológicos no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA/IPHAN), orientando a sua manutenção, assessorando nas questões pertinentes a projetos de intervenções de infraestrutura e coordenando ações no âmbito da educação patrimonial para sua valorização; manter ações de interface entre a ADEFN e o IPHAN; efetuar estudos sobre o potencial arqueológico insular por meio de técnicas não destrutivas. 2 “[...] O Programa de Educação Patrimonial deverá se integrar ao Programa de Turismo Cultural e Científico do Gabinete de Arqueologia a fim de converter os recursos culturais em produtos para a comercialização turística; finalidade a ser perseguida a fim de valorizar o patrimônio cultural sob a forma de turismo cultural; garantir as ações de salvaguarda dos componentes histórico arqueológicos, a partir da produção e divulgação de informação sobre suas características e valores, e sobre as atividades econômico-culturais neles desenvolvidas; promover a integração do patrimônio arqueológico e ambiental insular com a comunidade científica, nacional e internacional, por meio da implantação da Escola do Patrimônio, com cursos em módulos. [...] “ (DISTRITO ESTADUAL, 2005, p.26).

2

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

Memorial Noronhense têm se intensificado, por meio de atividades educativas promovidas pelo Gabinete de Arqueologia.3 EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS Ao longo do período 2000-2008 buscamos alternativas pedagógicas para apresentar aos participantes das atividades educativas empreendidas pelo Gabinete de Arqueologia do Memorial Noronhense, as questões referentes à preservação de monumentos e edifícios históricos considerados componentes históricos e arqueológicos herdados como patrimônio insular. 1.

Pesquisa Arqueológica nas Ruínas do Britador da Floresta Nova. a. Período: 2 a 9 de agosto de 2000. b. Público Alvo: Alunos Voluntários da Escola Arquipélago.

No ano 2000, por ocasião da definição do desenho dos lotes na área de expansão do bairro Floresta Nova, foi identificada a estrutura arquitetônica remanescente do antigo britador que fora utilizado na década de 1950. Dessa forma, um novo traçado da via de acesso à colina da TV Golfinho foi proposto; e na área do antigo britador foi delimitado o perímetro de uma futura praça com o objetivo de integrar o existente a um novo uso. Motivada pela implantação do Programa de Arqueologia Urbana Insular junto a Coordenação de Infraestrutura, a Administração do Distrito Estadual, organizou-se, em parceria com a Escola Arquipélago, uma atividade de campo no antigo britador para jovens voluntários durante uma semana, no turno da tarde. Dezessete alunos participaram da iniciativa que constou de um levantamento arquitetônico do existente e da abertura de um poço-teste de 1x1m para sondagem. O propósito dessa ação foi expor os aspectos peculiares de uma pesquisa arqueológica, incentivando-os a executar trabalhos escolares de pesquisa sobre a história local, e desenvolver o espírito crítico. No levantamento de fontes orais contou-se com a colaboração dos moradores4 que presenciaram o equipamento em funcionamento e indicaram a existência de outro no sopé do Morro do Pico. Uma expedição de busca foi organizada pelos jovens voluntários e o registro

3

Promovida desde 2003 pelo Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DEMU/IPHAN), e a Associação Brasileira de Museologia (ABM), a Semana Nacional dos Museus tem o propósito de integrar os museus brasileiros e intensificar sua relação com a sociedade. Em Fernando de Noronha, soma-se a esse propósito a necessidade de articular os diferentes processos museológicos existentes para em conjunto criarmos uma Rede com vistas ao Sistema Distrital de Equipamentos Culturais. 4 Agradeço a colaboração dos moradores Sr. David Cordeiro, Sr. Domício Cordeiro e o Sr. Campelo.

3

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

fotográfico das estruturas encobertas pela vegetação foi acrescido ao acervo documental do Projeto Atlas Arqueológico.

Imagem 1 – Imagens das atividades de sondagem e desenho no Britador da Floresta Nova, e certificado de participação dos alunos voluntários. Montagem de fotos da autora.

2.

Escola de Campo em Arqueologia Histórica. a. Período: julho de 2001. b. Público Alvo: Estudantes e membros das Associações Comunitárias e de Classe.

A Escola de Campo em Arqueologia Histórica foi concebida como ação de voluntariado dirigida para alunos e comunidade em geral. As atividades foram planejadas para ocorrer durante as férias escolares, com turmas distintas para cada turno, com 10 participantes pela manhã e 10 à tarde. Com duração de 20 dias e carga horária de 80 horas por turno, o curso de extensão propôs capacitar voluntários para atuarem na proteção e valorização do patrimônio histórico-arqueológico orientando-os para identificação, registro, análise e interpretação dos remanescentes arqueológicos e arquitetônicos, por meio do monitoramento da pesquisa arqueológica empreendida nos escombros do antigo presídio da Vila da Quixaba. Em plena comemoração do Ano Nacional do Voluntariado, a atividade não teve público por três motivos: o primeiro, diretamente relacionado à imagem institucional da Administração 4

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

do Distrito Estadual, pela ausência de reciprocidade entre os anseios da população residente e as ações promovidas pelo poder público no âmbito do patrimônio cultural; o segundo, pela inexpressiva cultura das boas práticas para o coletivo no âmbito da comunidade local. O terceiro motivo, diz respeito à ausência de um programa estruturado para o voluntariado de forma a promover a participação social consciente do papel que vai exercer enquanto colaborador e dos efeitos que vão ser gerados. Esse argumento só foi avaliado quando da retomada da proposta de formação de um grupo de voluntários instituído em 2006.

Imagem 2 – Fundos do Memorial Noronhense, antiga residência de funcionários do Presídio Fernando de Noronha, e cartaz de divulgação da proposta. Montagem de fotos da autora.

3. Visita Monitorada à Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios a. Período: julho de 2002. b. Público Alvo: Grupo da Boa Idade A equipe de ação social ao longo dos anos de 2000-2002 conseguiu reunir os moradores idosos da ilha e constituir o Grupo da Boa Idade. A agenda de atividades consistia de duas manhãs de exercícios físicos na Praia do Sueste com a colaboração voluntária de duas professoras de educação física, e uma tarde da semana para encontros diversos com palestras e confraternização. Em uma das tardes, a visita monitorada à Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios serviu como dispositivo de mediação que propiciou a possibilidade de apropriação 5

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

daquele bem cultural marcadamente como o espaço do outro (o militar), ao promover uma série de lembranças dos tempos vividos de criança quando o acesso àquele local era proibido e amaldiçoado; ou, por outro lado, quando servira de cenário para os romances da juventude. Os registros fotográficos e depoimentos foram posteriormente expostos, com as fotos de cada participante em locais da fortificação por eles escolhidos como significativos. O estimulo para o exercício da cidadania fora lançado, e com essa ação os laços de colaboração dos integrantes do Grupo da Boa Idade com o Gabinete de Arqueologia visando à identificação de outros componentes histórico arqueológicos do Arquipélago se firmaram.

Imagem 3 – Grupo da Boa Idade em visita a Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios. Montagem de fotos da autora.

4.

Grupo Fortes Amigos de Fernando de Noronha a. Período: 2003. b. Público Alvo: voluntários agrupados em 2003 e que se estruturaram em 2006.

Organizados de modo espontâneo, o Grupo Fortes Amigos de Fernando de Noronha vem desenvolvendo registros fotográficos e serviços de manutenção das trilhas e sítios arqueológicos, em parceria com o Gabinete de Arqueologia do Distrito Estadual de Fernando de Noronha. Com o intuito de fortalecer as ações já empreendidas e ampliar a participação voluntária na missão de proteção da antiga praça-forte portuguesa do século XVIII e outros vestígios de ocupações humanas em Fernando de Noronha, o grupo formatou um blog 6

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

(www.fortesamigosfernandodenoronha.blogspot.com)

para

servir

de

instrumento

de

monitoramento participativo, adotando como postura a corresponsabilidade na preservação do ambiente insular. Expedições de busca e registro do existente acontecem a cada mês, e estão abertas à comunidade. Por meio do monitoramento participativo o Grupo Fortes Amigos pretende consolidar o projeto do Inventário Participativo, como estratégia de renovação da ação cultural vivida pela comunidade.

Imagem 4 –Planejamento e execução de medidas para proteção ao visitante no Forte do Boldró, para minimizar proliferação da vegetação nas muralhas da Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios, e prospecção no entorno da Lagoa da Viração. Montagem de fotos da autora.

5. Curso Histórico-Cultural para o Programa de Uso Recreativo do Parque Nacional a. Período: 2003 a 2006. b. Público Alvo: condutores de turismo No período de 2004 a 2007 foram realizadas aulas de percepção espacial no Campo Arqueológico de Fernando de Noronha em conjunto com os alunos do Curso HistóricoCultural, coordenado pelo Programa de Uso Recreativo do Parque Nacional Marinho – PUR/PARNAMAR-, e ministrado para condutores de turismo em processo de credenciamento. O objetivo principal da proposta pedagógica foi de promover, a partir da observaçãopercepção do antigo Pátio d'Armas, Estrada Velha do Porto, Casa de Banho do Riacho Mulungu, Forte do Leão, dentre outros componentes remanescentes da praça-forte portuguesa do século 7

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

XVIII, a compreensão das características construtivas adotadas para superar as limitações físicas e materiais inerentes ao ambiente insular. Avaliar o estado de conservação do existente e apreender os conceitos reconhecidos pelas Cartas Patrimoniais que orientam as medidas de preservação do patrimônio histórico-arqueológico nacional, também foram objeto de reflexão nas aulas expositivas. Nessa oportunidade foi solicitado como exercício a elaboração de um croqui de apoio à orientação de um visitante, em um contexto de comunicação verbal deficitária. A análise das representações gráficas revelou quatro categorias de registro e, a partir da apreciação dos atributos assinalados e ausentes, norteou a elaboração de sequências espaciais distintas simuladas a partir dos mapas mentais produzidos. O produto, sob a forma de slides-imagens, serve como ferramenta destinada a refinar o olhar no processo de apreciação do cotidiano noronhense.

Imagem 5 – Aulas de campo na Vila dos Remédios, Forte do Leão e Alojamento de Sentenciados. Montagem de fotos da autora.

6.

Férias Ecológicas a. Período: janeiro de 2005. b. Público Alvo: crianças de faixa etárias entre 5 a 12 anos

As férias ecológicas foram implantadas pelo Parque Nacional Marinho quando da gestão do Sr. Heleno Armando da Silva, e tem como essência conscientizar as crianças residentes na ilha da importância de preservar a fauna e a flora, respeitar as normas de preservação dos ambientes terrestres e marinhos do Parque Nacional Marinho, e tomar conhecimento dos projetos de pesquisa desenvolvidos. Com duração de um mês, os participantes são divididos em grupos, em função da idade (uma semana para cada grupo). Em 2005 a equipe organizadora era composta por pesquisadores que estudam sobre o comportamento dos tubarões, outros dos golfinhos e ainda das tartarugas. 8

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

Havia um musicista, arte educador, arqueóloga, e a integração desses diversos profissionais com os lugares de pertencimento dos noronhenses, associados aos vestígios históricoarqueológicos, propiciou a abordagem sócio ecológica sobre o ambiente insular. Dentre as ações desenvolvidas, foi realizada a oficina “Busca ao Tesouro do Passado” que, por meio de croquis da Vila dos Remédios (componente da praça forte portuguesa) e da Base Americana dos Teleguiados (estabelecida na Guerra Fria), trabalhou com a noção de espaço perceptível para o exercício do olhar. Com os sentidos mais despertos, foi possível ao participante desvelar elementos que formam a paisagem desde sua origem e que cotidianamente não são percebidos, e reinventá-los como tesouro do passado.

Imagem 6 – Uso do flanelógrafo na contação da História Insular e identificação de áreas arqueológicas potenciais na Vila dos Remédios. Montagem de fotos da autora.

7.

Concurso de Textos “Aprendendo com o Passado para Construir o Futuro de Fernando de Noronha”. a. Período: 18 de maio de 2006 – Evento da Semana Nacional de Museus. b. Público Alvo: Comunidade escolar da Escola Arquipélago.

Inicialmente foi realizada visita guiada com o professor e os alunos divididos por turmas. Na ocasião foi apresentado o histórico do museu e da coleção, e em seguida, transmitida informações de como explorar o potencial informativo dos painéis expositivos com o objetivo 9

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

de adequar os conteúdos das disciplinas escolares ao acervo exposto. Essa ação educativa pretendeu divulgar a instituição museu e o seu acervo, e aumentar o número de visitas dos moradores da ilha para torná-lo conhecido na comunidade escolar. Posteriormente foi realizado o concurso de textos com a temática “Aprendendo com o Passado para Construir o Futuro de Fernando de Noronha”, cuja avaliação revelou a enorme deficiência na prática da escrita, sendo esse o indicador chave a ser explorado na proposição de futuras atividades educativas do museu.

Imagem 7 – Visita da exposição e apresentação de fotos e livros sobre o Arquipélago. Montagem de fotos da autora.

PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM FERNANDO DE NORONHA. A Escola Arquipélago faz parte da GERE Recife Norte da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco e funciona nos três turnos, atendendo a população residente na formação pelo ensino fundamental, médio, supletivo e especial. Possui cerca de 570 alunos matriculados, o que representa 98% de jovens que estão em processo de formação escolar. Os Planos Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006; BRASIL, 1997), ao ampliarem os conteúdos através dos chamados Temas Transversais, abriram espaço para o desenvolvimento de programas pedagógicos interdisciplinares contemplando também a temática da educação patrimonial. Quando se aborda o campo da educação patrimonial, apesar da preocupação comum com o patrimônio cultural e do reconhecimento da função educativa para a melhoria da 10

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

relação com esse último, os diferentes autores adotam discursos variados e propõem maneiras diversas de conceber e de praticar a ação educativa. Como foi narrado acima, as experiências vivenciadas no contexto insular de Fernando de Noronha foi, em parte, reflexo desse mosaico de proposições pedagógicas. Contudo, após a oficina “Fernando de Noronha Fortificada: 270 Anos da Praça Forte Portuguesa”, realizada em maio de 2007 por ocasião da Semana Nacional de Museus, os alunos da Escola Bem Me Quer em fase de alfabetização (entre 6 a 7 anos) vivenciaram uma nova experiência de interação com a materialidade reconhecida como de valor histórico. Na perspectiva de potencializar o estudo e a valorização dos sítios históricoarqueológicos locais, e procurando responder às necessidades do público escolar, o Gabinete de Arqueologia propôs, após essa experiência, um calendário de atividades a serem desenvolvidas anualmente no Memorial Noronhense e sítios arqueológicos, de forma a criar um ciclo de aulas de campo com temáticas adequadas às séries iniciais do ensino fundamental.

Imagem 8 – Observação de semelhanças e diferenças por meio da identificação

dos objetos do acervo e suas funções. Foto: Antônio Melcop. Foi proposto como eixo norteador a noção tempo-espaço, contemplando as potencialidades individuais. Dessa forma, se pretendeu conduzir à observação de semelhanças e diferenças por meio da identificação dos objetos do acervo e suas funções, e a comparação 11

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

das representações gráficas das fortificações com a iconografia exposta no Memorial Noronhense. As imagens ajudam nesse primeiro contato com o tema proposto, através da comparação dos diferentes acontecimentos que ocorrem concomitantemente, e em diferentes espaços. Essa diversidade conduz a reflexão sobre o tempo vivido e o tempo percebido. Dessa forma, a relação entre os fatos ocorridos ao longo da história e seus reflexos no ambiente urbano, permite uma compreensão ampliada sobre o espaço que o circunda e a relação com a impermanência ou a permanência de elementos na configuração atual do espaço Vila dos Remédios.

Imagem 9 - Comparação das representações gráficas das fortificações com a

iconografia exposta no Memorial Noronhense. Foto: Antônio Melcop. Em um segundo encontro, a temática aborda o espaço perceptível no entorno do aluno, por meio de um exercício sensorial na relação entre o corpo e o espaço percorrido, ou seja, não apenas o trânsito do corpo para diferentes lugares, mas o percorrer lento capaz de promover a atenção dos elementos mais elementares da paisagem. Com a explanação prévia do mediador, as ruínas podem ser apresentadas como elemento de junção das diferenças e semelhanças do material construtivo empregado e do sistema construtivo que se encontram sob rebocos; bem como do partido de planta aplicado em relação ao terreno e no nível do solo existente no entorno imediato, e do estado de conservação. 12

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

Imagem 10 – Momento de reconhecimento da ruína da antiga Casa de Banho e a observação de que tem água. Foto: Antônio Melcop.

Em novos circuitos ou em outras situações no mesmo roteiro, as minúcias sobre a paisagem são potencializadas com a leitura prévia do texto de Vinicius Alzamora como referência. Texto Referência “ Pra ele, o tempo não passava como para qualquer outro. Tudo parecia mais lento, numa velocidade em que se podia perceber minúcias, nos detalhes a beleza surgia pequena, diminuta e o que a fazia cada vez mais agigantada era sua capacidade de enxergar os mínimos. Nesses, a essência da combinação, o acasalamento dos elementos, a junção das ínfimas partes. O tempo pra ele não se contava, acontecia. Sem nenhum esforço percebeu que as dualidades se complementam, que positivo não se opõe a negativo, que são eles a continuidade um do outro. Palavras não eram fáceis porque significavam, influenciava abruptamente o entendimento daquilo que não tem necessidade alguma de significar. Matéria em estado puro não precisa de significância, muito menos de explicação. Talvez por isso vivesse tão calado, e calado vivesse tão feliz. Toda vez que precisava das palavras, mais se convencia da inutilidade delas. Por exemplo, a palavra coisa. Quanta coisa ela significa! Ou… quanta coisa ela significa? E pra que complicar tanto as coisas? Coisa de doido: a gente fica querendo explicar tudo e nem vê que isso não vale coisa nenhuma. Não queria perder tempo com explicação. Tempo pra ele passava mais devagar. Não queria classificar as coisas. Queria viver todas elas. Ôpa, viver. Ô, palavrinha danada essa!, Pensava ele sempre que o corpo preparava o dormir. As pedras parecem viver da melhor maneira conhecida: dormindo.” (Vinicius Alzamora, 2008)

13

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

Imagem 11 – Momento de reconhecimento da ponte do Riacho Mulungu e a dúvida: porque existe uma ponte se não tem água? Foto: Antônio Melcop.

Imagem 12 – Momento de percepção da mudança. Não existe mais água, então alguma tem de ser feito para que haja água novamente. Foto: Antônio Melcop.

Nos planos intelectual, afetivo e artístico, é explorada a percepção sobre as minúcias, detalhes, fragmentos, mínimos, diminuta, ínfimas partes das ruínas, matéria bruta remanescente 14

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

da Vila dos Remédios de outrora. Com os sentidos mais despertos, a aventura e a contemplação das ruínas propiciam um avanço para o desenvolvimento de atitudes, comportamentos e habilidades para com o existente. Como resultado, se deu o reconhecimento da antiga Casa de Banho – “Que tem água”-, e o reconhecimento da Ponte do Riacho Mulungu – “Se existe ponte é porque...”-, que ensejou o desejo de transformação: “Que o riacho volte a ter água”. NO TEMPO QUE ACONTECE ... CONSIDERAÇÔES FINAIS O que ora se apresenta é a retrospectiva das atividades pedagógicas para valorização dos componentes histórico-arqueológicos, a maioria ruínas, que conduziram a formulação de um processo pedagógico embrionário para ser aplicado de forma permanente e rotineira, uma vez que o processo de ressignificação e pertencimento acompanha a dinâmica social e a individuação. A proposta tem o compromisso de apontar os caminhos para novas descobertas sobre o ambiente onde vivem e o “mundo” que o rodeia, trabalhando as temáticas curriculares de forma lúdica, e estimulando a interação entre os membros do grupo e a comunidade escolar. A construção conjunta de significados é uma atividade comunitária de recriação do presente e de memórias das experiências passadas, que servem para orientar outras ações. Outro fator importante de reflexão é a valorização dessas situações no contexto da educação das crianças pequenas, que geralmente são vistas como práticas menos distintas. Nessas situações as crianças utilizam várias formas de expressão, e é isso que a formação integral da criança visa estimular, através de experiências divertidas e educativas em espaços que possam ampliar a vida cultural da pessoa e do grupo e, por conseguinte, gerar referências patrimoniais que venha a constituir lugares de pertencimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, v.1. Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf

15

I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social.

Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf CAZZETTA, Miriam. Projeto Atlas Arqueológico do Arquipélago Fernando de Noronha/PE. (Comunicação oral) ... Simpósio Internacional de Arqueologia, Patrimônio e Atualidade. Porto Alegre: Museu de Antropologia do Rio Grande do Sul, 2003. DISTRITO ESTADUAL Fernando de Noronha. Plano Diretor do Gabinete de Arqueologia (org. Miriam Cazzetta). Recife: Escritório de Apoio do Distrito Estadual Fernando de Noronha, 2005. PLANO DE MANEJO da APA Fernando de Noronha – Rocas – São Pedro e São Paulo. Recife: IBAMA. Arcadis Tetraplan, 2005.

16

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.