NOBLAT, Francis. (2016) O Law and Development Movement e a influência do pensamento jurídico anglo-americano nas reformas do sistema de justiça civil brasileiro pós-1988 [Capítulo de Livro]

June 1, 2017 | Autor: Francis Noblat | Categoria: Sociology of Law, Law and Society, Law and Development
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FERNANDA DUARTE DELTON R. S. MEIRELLES RAFAEL MARIO IORIO FILHO BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA (ORGANIZADORES)

DIREITO E CULTURA: ESTUDOS SOBRE O PROCESSO CIVIL NO BRASIL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FERNANDA DUARTE DELTON RICARDO SOARES MEIRELLES RAFAEL MARIO IORIO FILHO BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA (coordenadores)

DIREITO E CULTURA: estudos sobre o Processo Civil no Brasil

1ª EDIÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

NITERÓI 2016

EDITORA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO Universidade Federal Fluminense Rua Tiradentes 17, Ingá 24210-510 Niterói/RJ +55 (21) 3674-7477 [email protected]

Editoração, padronização e formatação de texto FRANCIS NOBLAT Projeto Gráfico e Capa FRANCINE NOBLAT Conteúdo, citações e referências bibliográficas OS AUTORES

CIP — Catalogação na Publicação Elaborada pela bibliotecária GABRIELA FARAY (CRB7-6643) D598

DIREITO E CULTURA : ESTUDOS SOBRE O PROCESSO CIVIL NO BRASIL / [LIVRO ELETRÔNICO] / FERNANDA DUARTE … [ET AL.] (COORDENADORES). — NITERÓI : PPGSD — PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO, 2016. -- BYTES ; .PDF

ISBN 978-85-89150-18-7 (RECURSO ELETRÔNICO) 1. SOCIOLOGIA JURÍDICA. 2. ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS. 3. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. I. DUARTE, FERNANDA. II. TÍTULO. CDU. 316.334.3 CDD. 306.2

FERNANDA DUARTE DELTON RICARDO SOARES MEIRELLES RAFAEL MARIO IORIO FILHO BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA (coordenadores)

DIREITO E CULTURA: estudos sobre o Processo Civil no Brasil VOLUME I

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

NITERÓI

É de inteira responsabilidade dos autores os conceitos aqui apresentados. Reprodução dos textos autorizada mediante citação da fonte.

ÍNDICE Introdução

XII

Os Autores

XVI

A Oralidade No Processo Civil Brasileiro: Extensão e Significados

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BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA

Liebman: Entre o Indivíduo e a Pessoa: Uma Análise a Partir de Roberto Damatta

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BRUNO REZENDE FERREIRA DA SILVA

O Law & Development Movement e a influência do pensamento jurídico anglo-americano nas reformas do sistema de justiça civil brasileiro pós-1988 45 FRANCIS NOBLAT

Poder Central x Justiça Comunitária: Observações sobre o Sistema Português e sua Aplicação no Mundo Lusófono 62 DELTON R. S. MEIRELLES

Autoritarismo e Democracia em Francisco Campos: Um Estudo da Construção Ideológica e Doutrinária na Obra “O Estado Nacional”

89

FERNANDA DUARTE RONALDO LUCAS DA SILVA MATHEUS GUARINO SANT’ANNA LIMA DE ALMEIDA

É Tempo de Mediar! Mas há Tempo para Mediar?

106

KLEVER PAULO LEAL FILPO

Uma Análise Semiolinguística dos Discursos de Abertura do Ano Judiciário (2004-2015): Estratégias e Práticas Discursivas do Supremo Tribunal Federal 117 RAFAEL MARIO IORIO FILHO MATHEUS GUARINO SANT’ANNA LIMA DE ALMEIDA GABRIEL GUARINO SANT’ANNA LIMA DE ALMEIDA

Como a Coisa Julgada era Tratada no Brasil Antes de Enrico Tullio Liebman? SIMONE SOUZA

136

A Teoria Eclética da Ação sob a Ótica do Novo Código de Processo Civil

151

CARLOS MANOEL DO NASCIMENTO

Limites Objetivos da Coisa Julgada na Obra de Liebman e no CPC/15

158

PAULO ERLICH VARELLA

A Influência de Liebman no Processo de Execução Brasileiro

170

THIAGO GOMES MORANI

Referências Bibliográficas

CLXXXV

xi

O LAW AND DEVELOPMENT MOVEMENT E A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO JURÍDICO ANGLO-AMERICANO NAS REFORMAS DO SISTEMA DE JUSTIÇA CIVIL BRASILEIRO PÓS-1988 Francis Noblat

Introdução Em fins da década de 1980, após um período de mais de vinte anos sob um regime autocrático civil-militar, o Brasil iniciará um processo de reformas em suas instituições administrativas estatais, em decorrência da alternância entre regimes de governo e de abertura político-econômica, de modo a tentar readequar-se à normalidade democrática. Nesta tentativa de reestabelecer a normalidade democrática instalar-se-á, em 1987, assembléia constituínte com fins de elaborar nova constituição — de modo que a solução de continuídade com o regime autoritário antes estabelecido se desse em caráter definitivo —, esta que viria embasar a ordem política e jurídica daquela que se pretendia a nova democracia brasileira. Sob esta perspectiva, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, muito mais do que representar a fundação do regime democrático que então se reestabelecia , o fundamento do arcabouço jurídico do Estado brasileiro, e a base sob qual toda a produção legislativa vindoura seria pensada, era a oficialização dos preceitos fundamentais sob os quais todos os direitos, deveres e garantias seriam, de então, interpretados. As reformas que, de então, iriam ocorrer na estrutura institucional do Estado brasileiro deveriam — para além de ter de atender aos anseios do retorno à democracia, com todas as suas promessas —, contudo, responder a múltiplas contingências: uma crise monetáriocambial decorrente de um hiperendividamento, e a hiperinflação dela decorrente; uma dívida externa bilionária, credenciada às instituições financeiras internacionais, e os condicionamentos e compromissos dela resultantes; um déficit nas contas públicas em igual magnitude, e suas consequências na administração do aparelho do Estado e na economia; instabilidade política e econômica, sob a égide da incerteza trazida pela transição dos regimes; acompanhados todos de medíocres índices de crescimento, e cada vez mais gritantes indicadores humanos Não se tratava, portanto, apenas de uma escolha de qual modelo de administração do Estado asseguraria com maior eficácia a realização dos direitos e garantias sob as quais passava a se fundamentar a recém-instituída democracia brasileira — e a atuar o Poder

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Judiciário, que “[...] não poderia ficar à margem deste processo [...].” (Meirelles, Mello & Gomes; 2009, p. 2). Em perspectiva, quase a totalidade da estrutura normativo-institucional brasileira seria — em maior ou menor amplitude — alterada, de modo a adequar-se ao conteúdo de direitos e garantias que passavam a ser assegurados na — então — nova constituição republicana: ora, aquela que se conveio denominar de a Reforma do Estado brasileiro; no âmbito da legislação processual civil, esse movimento de reformas — seguindo então uma lógica de alterações parciais ao texto do Código — seguiria durante as décadas de 1990 e 2000 — com mais ou menos ímpeto, mas, ainda assim sempre de modo contínuo. E, uma vez que a estrutura normativo-institucional do Estado se encontrava — e permaneceria — no centro dos debates sobre o modelo de administração pública a ser instituído, o Direito seria a esfera dos embates da construção discursiva, e da instrumentalização das estruturas jurídico-políticas nacionais; ou, dito de outra forma, Law has long been recognized not only as a reflection of the prevailing forces in a given society but also as a potential instrument of change and progressive development. These two attributes enable it to play two seemingly conflicting roles: that of a keeper and interpreter of the status quo and, simultaneously, that of a catalyst for its change and the mechanism through which such a change may be brought about in an orderly manner. The intricacies of the role law can play in introducing policy changes and influencing the pace and pattern of development and, conversely, its possible role as an obstacle in the face of further develop-ment are yet to be fully understood . (Shihata, [1990], p. 219).

Este duplo papel do direito, “[...] of a keeper and interpreter of the status quo and, simultaneously, that of a catalyst for its change and the mechanism through which such a change may be brought about in an orderly manner [...]”, é o ponto de inflexão para compreendermos a centralidade que a ideia de reforma irá receber em direito, especialmente na segunda metade do século XX. Desde meados do século XX, um campo de conhecimento dentro do direito1, tem dedicado-se ao estudo do papel que direito poderia assumir no ‘processo de desenvolvimento’, e de como o direito, as leis, e as instituições e sistemas jurídicos poderiam contribuir para o ‘desenvolvimento’ de um dado país ou região. Apesar de, contudo “[...], nos últimos tempos, o bacharel ter cedido espaço aos economistas, na condução da política nacional , não se pode desprezar o papel de destaque dos cursos jurídicos nas estruturas brasileiras de poder [...]” (Meirelles, 2004, p. 3). Sob a designação de Law and Development — Direito e Desenvolvimento —, estudos sobre a relação entre o direito e o desenvolvimento econômico têm ocorrido desde a década de 1960 e, atuando em conjunto com organizações internacionais, tem promovido a criação e implementação de políticas públicas voltadas a programas de reforma dos sistemas de justiça em diversos países ditos ‘em desenvolvimento’.

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Neste panorama, mesmo em uma breve análise comparativa das fundamentações usadas para justificar as reformas até então postas em efeito em nosso sistema de justiça civil, é possível perceber pontos de convergência com as teorizações, ‘diagnósticos’ e recomendações do Direito e Desenvolvimento. Sob estas premissas, todo um arcabouço principiológico se teriam influenciado, sob os auspícios do Law and Development, pela naturalização de uma determinada ideologia sobre o escopo da atuação jurisdicional do Estado — “como reflexo de um discurso muito falado e pouco refletido” (Franco & Cunha, 2013, p. 517).

I. O Law and Development como movimento intelectual e como campo de conhecimento O Law and Development — ou, mesmo, Law and Development Movement, o movimento Direito e Desenvolvimento, ou ainda, Law and Development Doctrine, a doutrina do Direito e Desenvolvimento — é um ramo do direito, de caráter multidisciplinar, que desde meados do século XX dedica seus estudos, através de intersecções entre o direito e outras áreas das ciências sociais aplicadas — notadamente, a economia ; mas, em igual medida, as sociologia, antropologia, administração, e relações internacionais —, a investigar as relações entre os sistemas normativo e regulatório, suas instituições, processos e agentes, e o desenvolvimento econômico e social — em suas diversas interpretações —, e de como aqueles lhes podem influenciar, positiva- ou negativamente. Apesar de apresentar-se como um campo do conhecimento jurídico e social relativamente recente, “[...] The study of the relationship between law and economic development goes back at least to the nineteenth century. It is a question that attracted the attention of classical thinkers like Marx and Weber.”2 (Trubek & Santos, 2006b, p. 1). Em termos, entretanto, de atuação propriamente prescritiva e de criação de políticas públicas, “[...] it was only after World War II that systematic and organized efforts to reform legal systems became part of the practice of international development agencies” (Trubek & Santos, 2006b, p. 1); uma vez parte da atuação de organizações internacionais, o Direito e Desenvolvimento tornar-se-ia a base para um conjunto de programas de assistência, e, em uma outra perspectiva, criaria uma ‘linguagem-padrão’ na promoção de iniciativas bi- e multilaterais. A denominação Direito e Desenvolvimento, a seu turno, muito menos do que delimitar um campo específico do conhecimento, seria mais a expressão de um conjunto de abordagens e interpretações sobre as relações — e mesmo questionando-se se estas seriam possíveis de se estabelecer — entre atividade normativa, performance econômica e indicadores sociais. (Trubek & Santos, 2006a). Neste sentido, ao tempo em que a expressão Direito e Desenvolvimento designa um âmbito de estudos envolvendo diversas disciplinas e subdisciplinas dentro das ciências sociais

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aplicadas, as compreensões sobre o que seria o Direito e Desenvolvimento enquanto campo do conhecimento — e caso se pudesse falar em um Direito e Desenvolvimento —, tanto quanto a delimitação seu escopo variam grandes medidas. 3 Englobando diversas subdisciplinas em direito — como os direito comparado, antropologia jurídica, estudos sócio-jurídicos, direito economico internacional, direito e economia, mas não se restringindo necessariamente a elas —, em economia e nas demais ciências sociais, na tentativa de compreender as questões a que se propõe responder, o Direito e Desenvolvimento será, a cada momento de sua história — e da história — em que decidamos lhe observar, delimitado pelos paradigmas que se impõem em cada uma destas disciplinas, com os quais irá dialogar, e a partir dos quais originará a seus próprios. Multiderminado em termos disciplinares, e, ainda assim, não é apenas termos acadêmicos que devemos buscar definir como o Direito e Desenvolvimento se constrói enquanto campo do conhecimento. At the intersection of law, economics, and the practices of states and development agencies, the field of law and development undergoes continuous realignment. As economic policies, legal theories, and institutional practices change, the salient issues in law and development change as well. (Trubek et al., 2012, p. 281).

Ele acompanhará os paradigmas em direito e em economia — e os seus próprios —, e, igualmente, pelo como são utilizados estes paradigmas ao embasar políticas públicas e programas de reforma, a nível nacional e internacional, pelas instituições internacionais financeiras e de ‘auxílio ao desenvolvimento’: “Although this doctrine has academic roots in economic and legal theory, it is a practical working tool for development agencies”4 (Trubek & Santos, 2006b, p. 1). Assim, ao tentar compreender aquilo que é — ou seria — o Direito e Desenvolvimento, devemos ter em conta, portanto, que este não é tão somente as teorias que se produzem na academia, nem apenas a atuação das instituições internacionais financeiras e de ‘auxílio’ — atuação esta que é definida, a cada momento, pelos contextos político-econômicos internacional e — em menor grau — nacionais. Será através desta múltipla determinação — enquanto um heterogêneo campo do conhecimento, enquanto aparato teórico de agências internacionais de ‘auxílio ao desenvolvimento’, e enquanto ferramenta de agências governamentais na construção de políticas públicas — que o Direito e Desenvolvimento irá se caracterizar, e se construir e reconstruir, se teorizar e se instrumentalizar, se expandir e se retrair, e se redefinir. Devemos, portanto, ter em conta que o “Law and Development is a peculiar and heterogeneous discipline.” (Newton, 2006, p. 176). Contextualmente, o Direito e Desenvolvimento irá surgir em contiguidade a outros movimentos em direito que se propõem a compreender — ou, tentar compreender —, dentro do contexto da moderna sociedade ocidental, questões que não se poderiam responder compartimentalizadamente, no âmbito do conhecimento disciplinar jurídico clássico5.

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Ao lado de outros movimentos de origem anglo-americana, como os Realismo Jurídico — Legal Realism —, como o Direito e Sociedade — Law and Society —, como o Economia e Direito — Law and Economics —, todos movimentos surgidos, ou trazidos à expoente nos Estados Unidos durante o século XX, o Direito e Desenvolvimento surge tanto como uma “promessa de emancipação, quanto uma ferramenta de submissão”.6 Em termos históricos, a trajetória do Direito e Desenvolvimento dividiria-se em três momentos distintos, cada um destes momentos definido por um determinado modelo de atuação das agências internacionais de ‘auxílio ao desenvolvimento’ , e de um determinado paradigma em direito, os quais definir-se-iam através da correlação de ambos “[...] (1) um modelo geral da relação entre direito e sociedade, e (2) uma explicação específica da relação entre sistemas de direito e o ‘desenvolvimento’.” (Trubek & Galanter, [1974], p. 268). Sendo parte de um panorama mais amplo de eventos7, e por eles determinada, a história do Direito e Desenvolvimento será, igualmente, a história da atuação do ‘auxílio multilateral ao desenvolvimento’, e das reforma dos sistemas e instituições jurídicas. O primeiro movimento do Direito e Desenvolvimento surgirá em meados da década de 1950, com e como resultado do surgimento da dinâmica moderna das relações internacionais, através dos ‘auxílios bi- e multilaterais ao desenvolvimento’. The first such Movement emerged during the 1950s and 1960s. Development policy focused on the role of the state in managing the economy and transforming traditional societies. Development practioners assumed that law could be used as a tool for economic management and a lever for social change. Initially, these assumptions were largely tacit but eventually a body of theory and doctrine emerged. First Movement doctrine stressed the importance of law as an instrument for effective state intervention in the economy. It helped guide a small number of law reform projects in a few parts of the world. (Trubek & Santos, 2006b, p. 1).

“We can think of the First Moment as ‘Law and the Developmental State’ ” (Trubek & Santos, 2006b, p. 4), sendo certo que a maior parte dos projetos em Direito e Desenvolvimento naquele momento original eram direcionados à países caracterizados por uma economia de caráter desenvolvimentista. Em um contexto no qual a ideia de ‘progresso’ permeava as teorias acerca do ‘desenvolvimento econômico e social’, o então surgente Direito e Desenvolvimento iria assistir na concepção de modelos regulatórios à industria, e de programas de ensino aos cursos jurídicos, aos quais se creditava a capacidade de promover “mudanças de mentalidade e de cultura”, fomentando assim o ‘desenvolvimento’8. Mudanças, a seu turno, nas dinâmicas política e econômica, nas esferas internacional e nacionais — em termos conjunturais —, na configuração e na atuação das instituições internacionais financeiras e de ‘auxílio’ — em termos institucionais —, e de dentro e de fora da acadêmia — em termos teóricos —, ao longo das década de 1960 e 1970, redundariam no surgimento de um movimento crítico que implicaria diretamente nas atividades do Direito e Desenvolvimento: em decorrência de um movimento crescente de críticas, por sua vez,

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levariam à declaração de ‘morte’ do Direito e Desenvolvimento, quando seu “[...] campo foi encerrado como atividade corrente nas universidades norte-americanas e européias” (David Trubek in Rodrigues et al., 2007, p. 309). As atividades de ‘auxílio ao desenvolvimento’ em direito, criadas sob o aporte do Direito e Desenvolvimento, a seu turno, permaneceriam. “The Second Moment might be called ‘Law and the Neoliberal Market’” (Trubek & Santos, 2006b, p. 5), em termos que — em suplantando o modelo desenvolvimentista — em economia e em política, e, mais tarde, em direito, teorias de caráter liberal — naquela ocasião, neoliberais — se tornariam o paradigma dominante, e fundamento teórico para as compreensões acerca do ‘desenvolvimento’. Se no modelo desenvolvimentista a compreensão sobre direito, necessária ao ‘desenvolvimento’, passava por suas interpretação e aplicação pragmáticas — de modo a permitir aos Estados nacionais um maior e mais flexível controle sobre suas burocracias nas elaboração legislativa e implementação de modelos regulatórios que possibilitassem suas “revoluções capitalistas” —, no paradigma neoliberal, o papel do direito seria pois o oposto: controlar a atuação do Estado, de modo a permitir à economia a ‘alocação eficiente e adequada dos recursos’, de então necessária ao ‘desenvolvimento’.9 Deste modo, a partir da década de 1980, com a inflexão teórica direcionada à promoção da ideologia — ou mesmo, fundamentalismo — do livre mercado como o paradigma em economia e em política, em direito — onde, igualmente, tornava-se às teorias liberais —, o paradigma do Rule of Law10 se tornaria o ‘consenso’ em ‘auxílio ao desenvolvimento’. Sob os paradigmas do neoliberalismo, e do Rule of Law, as instituições internacionais de ‘auxílio ao desenvolvimento’ — e, em igual medida, as instituições financeiras multilaterais — atuariam, de então, a “desmantelar” as economias nacionais, em defesa das “boas práticas de gestão” e da “governança”, de então necessárias para estimular tanto o crescimento interno, quanto para atrair o investimento estrangeiro (Trubek, 2006, p. 84). Este segundo momento do Direito e Desenvolvimento seria caracterizado, igualmente, pela expansão do crédito concedido bi- e multilateralmente, em termos de programas de ‘assistência ao desenvolvimento’, e, do mesmo modo, pela ampliação — do alcance político — dos programas financiáveis.11 Como consequência, com o avançar dos anos 1980, reformas seriam implementadas em países da América Latina, África e sudeste Asiático, e, com o fim da União Soviética nos fins da década, igualmente na Europa oriental e no Médio Oriente. Fosse em resposta à atuação de instituições de ‘auxílio ao desenvolvimento’ e de organizações não-governamentais — estes atuando em defesa dos direitos humanos, da liberdade, dos direitos políticos e das garantias supra-individuais —, fosse em razão do atendimento aos condicionamentos das instituições financeiras internacionais — estes que requeriam ‘adequações’ em setores da burocracia estatal, com reformas nos sistemas de direito privado, com foco na proteção ao direito de propriedade e contratuais —, sob o

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paradigma do Rule of Law iriam ocorrer reformas nos sistemas de justiça em países por todo o globo, e continuariam a ocorrer durante toda a década de 1990.12 Não obstante, em se aproximando o final da década de 1990, tornar-se-ia insustentável a manutenção do paradigma neoliberal, enquanto tal. Com a ‘percepção’ de que as reformas como até então estruturadas e implementadas não haviam atendido às expectativas de resultado propostos — nem no crescimento econômico calculado pelas intituições financeiras internacionais; nem promovido o incremento dos indicadores sociais previsto pelas agências de ‘auxílio ao desenvolvimento’ —; e, ao revés das teorizações dos profisionais em Direito e Desenvolvimento, resultado no aprofundamento das relações de dependência e clientelismo que o Rule of Law prometia superar —, iria ocorrer uma — nova — inflexão, a qual seria caracterizada, por parte da literatura, como o surgimento de um novo paradigma. Em parte, com a absorção das críticas ao modelo de atuação das agências internacionais de ‘auxílio ao desenvolvimento’ e, em parte através da revisão do paradigma em ‘desenvolvimento’ que havia até então embasado as reformas promovidas pelas instituições financeiras internacionais — e mesmo em razão de mudanças estruturais no sistema políticoeconômico global —, o Direito e Desenvolvimento, em igual medida, poria em questão os fundamentos assumidos sob a “era do Rule of Law”: “Some thought that a basic change had occurred; others were not sure that the neoliberal era had really ended. Was there a new paradigm, or simply a chastened form of neoliberalism?” (Trubek & Santos, 2006b, p. 3). Com a revisão de compreensões sobre a importação de modelos regulatórios e institucionais, e sobre a implementação vertical de políticas — da perspectiva das agências de auxílio ao desenvolvimento —, e, com a reavaliação do planejamento e do modo de conduzir as reformas, e do papel das instituições e culturas locais — sob a perspectiva das instituições financeiras —, em Direito e Desenvolvimento — mesmo por não poder ser pensado fora destas reconfigurações — irá se debater o surgimento de um “terceiro movimento.”13 Definir-se-ia como “terceiro movimento” uma vez que, não se trataria propriamente do paradigma neoliberal — posto que o Estado passa a ter atribuição de intervir para regular situações de desequilibrio, e promover políticas e redes de seguridade social —; nem propriamente de um retorno ao paradigma desenvolvimentista — posto que, ainda sob o Rule of Law, a atuação discricionária estatal deve pautar-se sob o signo constitucional, e em acordância aos contratos, acordos e tratados firmados bi- ou multilateralmente . Constituir-se-ia, portanto, de ambos os paradigmas anteriores — se apresentando “como uma terceira via, tanto ao projeto liberal quanto do socialismo” (Castelo, 2012, p. 263) —, assimilando as críticas de cada um dos momentos anteriores, e utilizando-se da experiencia adquirida para elaborar um modelo que, enquanto privilegia uma economia de mercado, usa de mecanismos de controle político — para reduzir a um mínimo a ocorrência de crises sistêmicas —, e social — de modo a legitimar-se, evitando rejeições e minimizando o custo operacional de troca.

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Diante da incerteza do ‘modelo de desenvolvimento’ que se contemporiza, é certo que o direito será, não obstante, um dos elementos fundamentais deste “projeto”: quer seja sob a denominação de ‘Social’, quer seja sob a denominação de ‘Neodesenvolvimentista’, este novo paradigma — como aqueles que o precederam — “[...] will generate pressures for new laws and new roles for law [...]: statutes will change, procedures will be altered.” (Trubek et al., 2012, p. 306). Sob a égide de ambos os paradigmas desenvolvimentista e neoliberal, acompanhados de suas respectivas teorizações em Direito e Desenvolvimento — e das teorias que lhes deram origem —, reformas ocorreram e ocorreriam durante todo o século XX, e leis, instituições e práticas judiciárias foram, e seriam modificadas.

II. Reforma de Estado, Reforma do Judiciário e reformas processuais cívis: o pós-1988 como espaço de embate de modelos institucionais Como um dos Poderes do Estado, e regulado constitucionalmente, o Poder Judiciário esteve no centro dos debates sobre a reforma da administração pública que se seguiria ao processo de reforma institucional decorrente das transição democrática e promulgação da Constitutição da República de 1988. Referindo-se ao conjunto de alterações decorrentes da Revisão Constitucional, a Reforma do Judiciário, em igual medida nomearia à atividade legislativa, às reformas infraconstitucionais, e às mudanças na estrutura da administração da justiça que, em razão mesmo da nova disciplina constitucional — e da ‘nova compreensão’ acerca da prestação dos serviços judicias e da administração da justiça —, deveriam adequar e harmonizar o sistema de justiça ao regime democrático da Nova República. Em termos, “[...] tornava-se necessário adequá-lo ao novo cenário de respeito às liberdades fundamentais, ao mesmo tempo em que se assegurasse um maior acesso à Justiça”. (Meirelles, Mello & Gomes; 2009, p. 2). Justificada ora em razão da insuficiência de estrutura e recursos para atender às demandas que, de então lhe acometiam; ora na premência de desestruturar-se a organização judiciária legada do período autoritário; ora na “necessidade de adequar a estrutura do Poder Judiciário às exigências de uma administração moderna do Estado” (Koerner, 1997); permanecia inquestionável, a seu turno — ainda que representada através de interesses contrastantes —, a necessidade de reformas no sistema de administração da justiça. Sob a conjuntura de crise econômica — que forçava a assunção de compromissos, e determinava o campo das escolhas possíveis, mesmo no que concernia ao sistema de justiça —, e dadas as peculiaridades do arranjo político-institucional e das relações LegislativoExecutivo característicos do Brasil — o quais tornam o processo legislativo uma constante negociação de interesses14, por vezes muito distintos entre si, e, mesmo inconciliáveis à primeira vista15 —, que, somandos à ‘crise’ nas prestação jurisdicional e dos serviços

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judiciais, e administração dos confitos, definiriam as contingências específicas da Reforma do Judiciário, e das reformas pontuais que, de então, se poriam em efeito — até se ter concluída a efetiva reforma do Código de Processo Civil. Seriam, a seu turno, estas “crise” e “percepção da morosidade e inoperância do sistema” (Nunes & Teixeira, 2013, p. 70) — e, talvez não surpreendentemente — que definiriam o conduzir das reformas que, de então, sob o signo da adequação do sistema de justiça às exigências constitucionais de respeito aos direitos e garantias fundamentais — sendo certo que, em termos de legislação processual, o Código de Processo Civil à época em vigor fora promulgado sob a égide da Constituição da República de 1967, ora sob um regime de excessão —, assumiriam uma peculiar feição. Voltando-se, ora, a uma particular compreensão do papel do sistema de justiça na execução dos serviços judiciários e na administração da justiça — “[...] A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático” (Brasil, 2004, p. 8) —, as diretrizes de reforma se veriam transfigurar, com o avançar da implementação, ainda que o discurso que as legitimava permanecesse — e, que permaneceria — o mesmo: [...] a efetividade das medidas adotadas indica que tais compromissos [de combater a morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões] devem ser reafirmados e ampliados para fortalecer a proteção aos direitos humanos, a efetividade da prestação jurisdicional, o acesso universal à Justiça e também o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito e das instituições do Sistema de Justiça. (Brasil, 2009, p. 1).

Sob esta perspectiva, a própria reforma do Código de Processo Civil, ocorrida entre os 2009 e 2015, teria “[...] como ideologia norteadora dos trabalhos a de conferir maior celeridade à prestação da justiça, no afã de cumprir a promessa constitucional da ‘razoável duração dos processos’ ” (Fux, 2010, p. 1, grifos nossos),

III. O papel do ‘Estado Democrático de Direito’ na consolidação democrática: o Law & Development como pano de fundo intelectual e ideológico das reformas em Processo Civil no pós-1988 Sob o contexto de crise fiscal do Estado enfrentada por uma considerável parte dos paises do eixo sul, decorrente do crescimento exponencial da dívida externa ao longo das décadas de 1970 e 198016, as críticas — então correntes — aos modelos de administração centralizada da economia serviriam como ‘confirmação’ da ‘presumida incapacidade’ do Estado, em comparação ao mercado, de alocar ‘eficientemente os recursos’ e a ‘fornecer as condições necessárias para o ótimo funcionamento da economia.’

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Assim era necessário reduzir a participação do Estado na economia , promover reformas que buscassem a “eficiência”[...], [e] aumentar o grau de exposição da economia nacional ao ambiente externo, garantir, portanto condições adequadas para que os detentores da riqueza líquida (os credores de fato e os credores em potencial) voltassem a aportar recursos . (Coelho, 2002, p. 157).

Retornava-se, de então, a uma compreensão de cunho liberal, rejeitando-se o modelo de administração pública da economia até então adotado, desenvolvimentista, posto que este não mais seria capaz de lidar eficientemente com as contingências da dinâmica economica internacional — o que se ‘evidenciava’ através das crises das dívidas externas dos países da América Latina e África. E, sob a premissa da imprescindibilidade de uma administração pública ‘eficiente’, um sistema de justiça igualmente eficiente seria, de então, uma condição não apenas desejável, mas “necessária”17 ao desenvolvimento econômico. Em exortação à necessidade de se adequar a estrutura burocrática estatal à economia de mercado, reformas passariam a ocorrer e, com elas, passava-se a revisar toda a estrura administrativa do Estado, e, Devido a ligação que os modelos processuais possuem com a organização socioeconômica e, especialmente, política dos Estados modernos, a tendência implementada geraria efeitos na estruturação processual. Far-se-ia necessária a criação de um modelo processual que não oferecesse perigos para o mercado, com o delineamento de um protagonismo judicial muito peculiar, em que se defenderia o reforço do papel da jurisdição e o ativismo judicial, mas não se assegurariam as condições institucionais para um exercício ativo de uma perspectiva socializante ou, quando o fizesse, tal não representaria um risco aos interesses econômicos e políticos do mercado e de quem o controla. [...] Ademais, o modelo processual defendido deveria assegurar uma padronização decisória, especialmente para dimensionar a litigiosidade repetitiva que não levaria, em muitos casos, em consideração as peculiaridades do caso concreto, mas asseguraria alta produtividade decisória, de modo a assegurar critérios de excelência e de eficiência distorcida requeridos pelo mercado financeiro, dentro de um peculiar acatamento do movimento de convergência entre a civil law e a common law, mas com utilização muitas vezes equivocada, de julgados como verdadeiros precedents. (Picardi & Nunes, 2011, p. 104).

“This was the context for the rediscovery of law in the development community” (Trubek, 2006, p. 83): ante a — criação da — ‘necessidade’ de um arcabouço jurídico que assegurasse a livre-circulação de ativos, ao insular o mercado das ‘distorções’ causadas pela intervenção estatal — com toda sua ‘ineficiência’, ‘oportunismo’ e ‘corrupção’ —, assegurasse condições mínimas de ordem pública para que a economia e o comércio operassem, ao tempo que permitisse a integração econômica a um nível global, o Rule of Law — Estado de Direito — seria ‘o’ sistema capaz de garantir a independência, a isonômia, a imparcialidade, e a previsibilidade necessários para o ‘desenvolvimento’ econômico e social: “it is relatively easy to see that law facilitates economic activity in large part because the law is general and neutral.” (World Bank, 2002, p. 19).

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Neste sentido, na definição do paradigma em Direito e Desenvolvimento, “[...] [i]t implied a triple shift, from state to market, from internal to export-led growth, and from official capital flows to private foreign investment.” (Trubek, 2006, p. 83). No âmbito jurídico, seria necessário, assim, o gerenciamento eficiente dos processos, a ampliação do acesso à justiça e a meios alternativos de resolução de conflitos, a criação de mecanismos para tornar as decisões judiciais ‘mais efetivas’, e a promoção da independência judicial. Sob a justificativa de que o fortalecimento das instituições judiciais seria de fundamental importância para a consolidação da ordem democrática, garantia dos direitos humanos e sustentação do desenvolvimento econômico, uma série de atores internacionais (agências de cooperação, instituições financeiras, Estados, [organizações não-governamentais], etc.) desprendeu esforços para a consecução dessa reforma. Diante dessa conjuntura, diversos documentos publicados a partir do final da década de 90 alegavam que, de um modo geral, as instituições judiciárias da América Latina e Caribe não satisfaziam as crescentes necessidades do setor privado, do público, e, em especial, a necessidade dos pobres. E, por tanto, era necessário a implementação de um plano de reforma judicial que privilegiasse a independência dos juízes, a eficiência dos tribunais, a celeridade dos processos, a alteração das leis processuais, o acesso à justiça, entre outros temas sensíveis na condução desses Judiciários . (Santos, 2008, p. 68).

Destinados a atender às exigências de “baixo custo de acesso e decisões justas, rápidas e previsíveis, em termos de conteúdo e de prazo.” (Pinheiro, 2009, p. 7) que caracterizariam um sistema de justiça que “funciona bem”, as reformas deveriam voltar-se — e voltar-se-iam — ao objetivo “de torná-lo mais ‘barato’, ‘ágil’ e ‘transparente’, ou seja, capaz de atender aos interesses do capital privado, eficaz na defesa da propriedade privada e, sobretudo, comprometido com a segurança jurídica de ativos e contratos.” (Pereira, 2009, p. 265). Em termos de políticas concretas, e, de reformas jurídico institucionais, o resultado mais concreto deste movimento seria a aprovação, após uma trâmite de mais de uma década , da Emenda Constitucional nº. 45, de 2004. Introduzindo modificações na disciplina constitucional, a Emenda não apenas elevava os “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Brasil, 2004b) à categoria de direito fundamental — tornando-os, portanto, indiscutível —, como instituía órgão de controle externo ao Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça. Estas inicitivas, a seu turno, não se resumiriam à esfera de atuação dos órgãos responsáveis pelas reformas, sendo consubstanciadas sob um compromisso de Estado. Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático. Em face do gigantesco esforço expendido sobretudo nos últimos dez anos, produziram-se dezenas de documentos sobre a crise do Judiciário brasileiro, acompanhados de notáveis propostas visando ao seu aprimoramento. Os próprios Tribunais e as associações de magistrados têm estado à frente desse processo, com significativas proposições e com muitas iniciativas inovadoras, a demonstrar que não há óbices corporativistas a que mais avanços reais sejam conquistados. O Poder Legislativo não tem se eximido da tarefa de contribuir para

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um Judicirio melhor, como demonstram a recém-promulgada reforma constitucional ([Emenda Constitucional de] nº 45/2004) e várias modificações nas leis processuais. A reforma do sistema judicial tornou-se prioridade também para o Poder Executivo, que criou a Secretaria de Reforma do Judiciário no âmbito do Ministério da Justiça, a qual tem colaborado na sistematização de propostas e em mudanças administrativas. São essas as premissas que levam os três Poderes do Estado a se reunirem em sessão solene, a fim de subscreverem um Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano [...] (Brasil, 2004a, p. 1).

Sob esta perspectiva, se estavam bem claros desde o ínicio — e, mesmo antes que a reforma se iniciasse — os parâmetros sob os quais seriam editado o novo Código de Processo Civil — ora a melhor representação do que seria este movimento de reformas institucionais no âmbito civil no pós-1988 —, a seu turno, os atores18, interesses, a dinâmica da negociações e os resultados das deliberações permaneceriam — como mesmo característico do políticoinstitucional brasileiro (Giannotti et al., 1996; Limongi & Figueiredo, 1998; Diniz, 1999; Koerner, 1997), no entanto, a ser definidos a cada nova fase do processo legislativo.

Conclusão Sendo certo que uma reflexão sobre as escolhas e tomadas de posição que resultam, em última instância, na produção legislativa, só é possível a partir de uma análise do contexto no qual se desenvolvem seus processos decisórios, ao nos debruçarmos sob a atuação do Law and Development, e como seus posicionamentos institucionais foram sendo construidos — melhor compreendidos como um processo de construção, decorrentes “[...] from a considerable record of experiments, retreats, reassertions and yet the overall accumulation of power and influence” (Peet, 2009, p. 32) — nos permite melhor compreender o movimento de reformas que ocorreram no sistema de justiça civil brasileiro no período que se segue à promulgação da Constituição da República de 1988. Através do transplante de modelos regulatórios e da reforma do programas de faculdades de direito, em meados da década de 1950; passando pela promoção do Rule of Law, da independência judicial, e da defesa da propriedade privada, a partir do final da década de 1970; até, em atualidade, atuar na construção de um modelo que, sob as premissas do paradigma neoliberal, mesclaria o controle regulatório estatal e a primazia do setor econômico, o discurso endossado pelo Direito e Desenvolvimento tem sido um componente constante — e, mesmo, fundamental — das reformas normativo institucionais ocorridas em países como o Brasil, ao longo do último século. Sem querer afirmar, contudo, que tenha sido determinante no modo como as reformas ocorreram, há de se lhe imputar, contudo, certa cumplicidade nos encaminhamento e conteúdo das alterações realizadas. “A branch of legal education attempts at present to address the role of law in the development process. Building on earlier writings in jurisprudence, it also attempts to provide answers to the time honored questions related to the 1

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true role of law in society and why it may function at times to serve its originally intended purposes and at times to promote different or even conflicting purposes. A number of modern national and international institutes also provide training and encourage research in the various practical aspects of the subjects raised by these questions.” (Shihata, [1990], p. 219). “Nos dias de hoje, especialistas no assunto novamente fazem especulações sobre a relação entre direito e desenvolvimento. No século XIX, pensadores como Maine, Durkheim e Weber, que estudaram a ascensão da civilização industrial, consideravam o direito como um fator dominante nos processos que investigaram e, por essa razão, contribuíram significativamente para aumentar nosso conhecimento sobre o papel social do direito. No entanto, até muito recentemente, os estudos sobre direito e as ciências sociais não levaram adiante esta tradição e pouco foi acrescentado ao trabalho inicial realizado pelos teóricos sociais clássicos. Durante os últimos anos esta questão foi novamente levantada, dando margem ao aparecimento de uma pequena, mas crescente, literatura contemporânea que busca investigar as relações entre os fenômenos jurídicos e as grandes mudanças sociais, econômicas e políticas associadas à industrialização a que se costuma referir como modernização.” (Trubek, [1972], p. 151). 2

“If we take ‘development’ to refer to the diverse projects of comprehensive economic transformation and the accompanying social and political processes in the non-industrialized world, then [Law and Development] could have meant any number of particular ways of framing the relation between those projects and processes, on the one hand, and law (legal discourse, institutions, professionals, culture, etc.), on the other — which, somewhat surprisingly, turns out to be none of the above. The account of its adventitious origins supplied by Trubek and Galanter almost three decades ago already confronts its indeterminate status (academic movement, full-fledged subdiscipline, scholarly field or funding arctifact?) and contents. It remains singularly refract to bounding exercises. It does not appear to possess a particular normative armature or notable thematic consistency or much of unifying logic or set of organizing principles. The most one can say is that the disciplinary range of [Law and Development] is constituted by the aggregate of studies pursued by its self-identifying adherents. The odd thing is that it continues to command allegiance of some sort, right up to the present, although the very term seems as outmoded, as dated and period bound, as say, ‘stages of growth’, or ‘modernization’. Indeed, all the phenomena that at one time or another have figured in law and development discourse, the subject matter of articles, or books, the topics or themes of conference agendas and action programs, could readly (and perhaps more logically) be distributed among or subsumed within other, ostensibly more estabilished or at least coherent, legal subdiscilpines: comparative law, legal anthropology, socio-legal studies, international economic law, and law and economics. As a result there are all sorts of things that self-identifying [Law and Developmet] students address that concern, in one way or another, legal systems of successor states to former European colonies (land reform in Nicaragua, social action litigation in India, legal pluralism in Uganda) but are other wise disparate and disconnected. And there are other things that would (arguably) belong at the core of [Law and Development] studies, like corporate governance in Ukraine, but that have become the scholarly domain of those who would vehemently disavow any affiliation whatsoever, whether intellecttual or spiritual or professional, with self-identifying [Law and Development] adherents. One can nonetheless descry a kind of general course, with tacks and veers, or ‘moments’, that a discipline called for convenience ‘[Law and Development]’ has followed for decades, whatever the disciplinary identifications of its imputed membership. These moments follow fairly closely, albeit with a certain important lag, the winds shift or paradigm changes of development economics itself. [Law and Development] in a certain sense has always trimmed its sails to the prevailing winds of development economics. And yet, [...] [Law and Development] responds to these wind shifts obliquely: it tacks into the wind, it doesn’t simply sail with it. Had [Law and Development] followed development economics more directly — had it run before the wind — it might have fashioned a research agenda more particularly concerned with the economic functions of law and occupied itself more centrally, with an analysis of the legal entailments or requirements of particular industrialization strategies.” (Newton, 2006, pp. 176-7). Cf. Trubek & Galanter, [1974]. 3

“ ‘Law and development doctrine’ orients and explains the current practices of those who seek to change legal systems in the name of development, however defined. This doctrine is more than a detailed blueprint and less than a robust theory. Our thesis is that at any point in time, the doctrine can best be understood if it is seen as the intersection of current ideas in the spheres of economic theory, legal ideas, and the policies and practices of development institutions.” (Trubek & Santos, 2006b, p. 3). 4

“It is born North American but gets internationalized, only to be renaturalized and reinternationalized. In the same way as its fate is bound up with American ideas (like law and society or law and economics) and ideology (like modernization or neoliberalism), so is that fate bound up with interventionism and policy making. (This is not to make hegemonic claims but to recognize something native to the discourse, whatever the geographic or spiritual provenance of its expoents). It zigzags back and forth across hemispheres in the process, and colonizes other disciplines, or gets colonized by them (comparative law, law and economics). It zigzags as well between efficiency 5

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and equity, between formalism and deformalization, hegemony and oppositionism, regularity (or uniformity) and heterogeneity, diffusionism and comparativism, internationalism and nationalism, mainstream and alternative, interventionism and quietism, Weber and Marx, Pigou and Coase, but in keeping with its dialectical development, each successive zig or zag acquires a changed significance, and [Law and Development] becomes richer and stranger.” (Newton, 2006, pp. 174-5). “[...] Entrei no campo do Direito e Desenvolvimento pela causa: libertar os povos da opressão e da tirania. Havia aspectos anticomunistas no projeto de desenvolvimento da década de [19]60. Ele era alardeado como uma alternativa ao socialismo; como uma alternativa ao comunismo em uma época em que os Estados Unidos e a Europa Ocidental estavam preocupados com a tomada do Terceiro Mundo e, mais tarde, da China, pelos soviéticos. Achávamos que o risco era o autoritarismo da esquerda. Descobrimos que o verdadeiro risco era o autoritarismo da direita. Mas éramos muito jovens e ingênuos e não conseguimos ver isso. Queríamos lutar contra o autoritarismo e queríamos fazer algo contra a distribuição desigual de recursos entre as economias de todo o mundo. Não usávamos a palavra ‘eficiência’ naquela época; este não era um termo comum, mas certamente sabíamos o que ele significava. Achávamos que a busca por ‘eficiência’ era a maneira de chegar onde queríamos e pensávamos que um rápido crescimento econômico contribuiria para a libertação política. [...] E realmente pensávamos que, se conseguíssemos fazer com que as faculdades de Direito da América Latina se parecessem cada vez mais com Yale, contribuiríamos para o desenvolvimento da região. Eram idéias que seguíamos com sinceridade. O Direito e Desenvolvimento era uma causa. Era uma causa, e as causas últimas eram a igualdade e a liberdade. Sem dúvida, tratava-se de uma visão emancipadora [...]. O desenvolvimento era uma causa, e era uma causa emancipadora. Pensávamos que a exportação de instituições jurídicas ocidentais fosse libertadora. Pensávamos que o auxílio estrangeiro fosse um empreendimento altruístico. Pensávamos que o crescimento econômico, por si mesmo, levaria à Democracia e, portanto, não era necesário preocupar-se com a política. Não estou dizendo que alguém sentou e escreveu artigos que diziam essas coisas. Esta é uma explicação para a prática que consistia em concentrar-se na Economia e deixar de se preocupar com os direitos humanos ou com a democracia. Esta era a visão inicial. Passamos depois por um período de grande aprendizado. Aprendemos que o auxílio internacional poderia ser uma ferramenta demoníaca. Aprendemos que as instituições jurídicas ocidentais poderiam ser importadas e postas a serviço da opressão e do autoritarismo. Aprendemos que a idéia mesma de exportar instituições poderia servir à manutenção das elites e da dominação. Aprendemos o lado negro do Direito e Desenvolvimento, e isso levou às críticas.” (David Trubek in Rodriguez et al., 2007, pp. 322-3). 6

“We all suggest that the postwar consensus had something to do with broader ideas about the welfare state, embedded liberalism, the larger postwar international legal, institutional and economic order, and the possibilities opened by the Cold War. We link thinking in the 1970s intuitively to 1968, to the oil crisis, to the debt crisis, or to Vietnam. We treat it as a part of a broader loss of faith in the government, in the first as in the third, and to intepretations (often wrong) about why so many countries had not developed while other — the Asian Tigers in particular — had. The Washington Consensus of the 1980s and early 1990s seems inexplicable without mention of Tatcher and Reagan, and the broad discrediting of left and center-left wefare state policies in the first world. Its hold on the field seems linked to the new personnel and the new terrain opened up for law and development by the shift from third world development to transition policies in ex-socialist states after 1989. The current moment of chastening seems to arise from perceptions of the failures of early transition policies. It is conventionally associated with Blair and Clinton, and often with the Asian and Latin American currency crisis of the early nineties, or the new visibility for political resistance to globalization across the third world. It is often linked to criticism in intellectual circles, particularly among leading economists, of the neoliberal idea as a strategy for development or for transition. But these are loose sugestions, reminders of the context whitin which, or in relation to which, development expertise unfolded.” (Kennedy, 2006, pp. 95-6). 7

“The focus was on modernizing [sic] regulation and the legal profession. Emphasis was placed on public law and transplanting regulatory laws from advanced [sic] states. It was important to strengthen the legal capacity of state agencies and state corporations and modernize [sic] the legal profession by encouraging pragmatic, policy-oriented lawyering. Because modernization [sic] was thought to come about primarily through university training, a great deal of emphasis was placed on the reform of legal education.” (Trubek & Santos, 2006b, p. 5). 8

“Like the previous period, this was not a turn to law in general, but to a particular vision of law and its role in the economy. The particular vision of this period, however, could hardly have been more distinct from that which came before. Rather than an instrument for the state policy, law was understood as the foundation for market relations and as a limit on the state. Of course, new laws would be needed to dismantle state controls . But, consistent with the dominant economic theory that working markets were both necessary and sufficient for growth, the primary role assigned to legal institutions was one of a foundation for market relations.” (Trubek & Santos, 2006b, p. 2, grifos no original). 9

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“ ‘Princípio da lei’ (ou termos que veremos ser parcialmente coincidentes, como ‘Rechtsstaat’, ‘Etat de droit’ ou ‘Estado de direito’) é um termo controvertido. Por ora, permitam-me afirmar que seu significado mínimo (e historicamente original) é que, qualquer que seja a legislação existente, ela é aplicada de forma justa pelas instituições estatais pertinentes, incluído, mas não exclusivamente, o Judiciário. O que entendo por ‘de forma justa’ é o exercício de que a aplicação administrativa ou a decisão judicial de normas legais sejam coerentes em casos equivalentes, independentemente de diferenças de classe, condição social ou poder dos participantes nesses processos, adotando procedimentos que são preestabelecidos e conhecíveis por todos. Esse é um critério mínimo, mas não insignificante: se se atribui igualdade (e, pelo menos implicitamente, a mesma autonomia) ao ego em relação a outro alter, mais poderoso, com quem o primeiro faz um acordo de plantio em parceria, ou contrato de emprego, ou de casamento, então é lógico que ele tem o direito de esperar tratamento igual das instituições estatais que têm, ou podem assumir, jurisdição sobre esses atos. Importa notar que essa igualdade é formal em dois sentidos. Primeiro, ela é estabelecida em e por normas legais que são válidas (no mínimo) por terem sido sancionadas de acordo com procedimentos prévia e cuidadosamente ditados, com freqüência regulados em última instância pelas normas constitucionais. Segundo, os direitos e obrigações especificados são universalistas, no sentido de que são atribuídos a cada indivíduo qua pessoa legal, independentemente de sua posição social, com a única exigência de que o indivíduo tenha alcançado a maioridade (isto é, uma certa idade, legalmente prescrita) e não se tenha provado que ele sofra de algum tipo de incapacidade desqualificante (estritamente definida e legalmente prescrita). Esses direitos formais sustentam a reivindicação de tratamento igual nas situações legalmente definidas que tanto subjazem como podem seguir-se do tipo de atores [...]. ‘Igualdade [de todos] perante a lei’ é a expectativa inscrita tendencialmente nesse tipo de igualdade.” (O’Donnell, 1998, pp. 41-42, inclusões no original). 10

Este aumento do número de projetos em ‘auxílio ao desenvolvimento’, a seu turno, não se dá sem justificativa: com o ‘esgotamento’ do modelo desenvolvimentista — seja por contingências internas, seja por contingências externas —, e construído o ‘consenso’ em torno do modelo neoliberal, seria de então necessário aos países ‘do Terceiro Mundo’ que ingressassem em — ou, em termos, conformassem-se a — a ‘economia-mundo’; e, para tanto, “[...] it was necessary to create all the institutions of a market economy in former command economies and remove restrictions on markets in dirigiste economies such as those in many Latin American countries” (Trubek, 2006, p. 84). 11

“Once the economic development agencies realized that the neoliberal turn involved positive [sic] intervention to create the institutional conditions for markets, development agencies were committed to investing in legal reform. They found their concerns overlapped with those of the proponents of human rights and democracy. For both, the rule of law was a common goal. While the project of democracy and the project of markets seem very different, they both identified ‘the rule of law’ as an essential step toward their objectives. Both thought it important to have constitutional guarantees for certain rights, even if they differed on the rights to be given primacy. Both thought that an independent judiciary, preferable armed with powers of judicial review, was desirable, even though they had different ideas about what the judges were to be independent of and what was the purpose of such independence. And they agreed that efficiently functioning courts providing cost-effective access to justice were needed, although they probably had different ideas about who should get such access and for what ends they would use it.” (Trubek, 2006, p. 85). 12

Sob a denominação de Social — ou mesmo, mais recentemente, de Neodesenvolvimentista —, “This new ‘paradigm’ contains a mix of different ideas for development policy. These include the idea that markets can fail and compensatory intervention is necessary , as well as the idea that ‘development’ means more than economic growth and must be redefined to include ‘human freedom’. While Third Moment doctrine embraces these broad notions, each encompasses a great range of options with very different implications for policy.” (Trubek & Santos, 2006b, p. 7). 13

“[...] desde o princípio, eu imaginava que as reformas iam ser modestas, exceto aquelas que já faziam parte do consenso liberal — que já existia previamente à formação da aliança [Partido da Social Democracia Brasileiro (PSDB)-[Partido da Frente Liberal (PFL)] — e que eram inexoráveis, isto é, rescrever a parte mais estatista da Constituição, dando-lhe uma orientação mais liberal. Essa transição, essa passagem para uma visão mais liberal do país, era historicamente necessária para o Brasil, que nunca teve o seu momento liberal para valer. E nunca vai ter! Nós estamos condenados a essa mixórdia, em que os liberais pegam sempre carona em outras águas neste país. Essas reformas de dominância liberal, que já estão assentadas, a própria natureza do presidencialismo de coalizão e as restrições à criação de qualquer outra coalizão que não fosse aquela que formou o governo, produziram o resultado que nós temos hoje: a ausência de uma base política sustentável. Não existe maioria formada previamente; não existe consenso previamente formado; tudo tem de ser negociado caso a caso, as reformas e as mudanças e decisões legislativas. Isso cria restrições importantes à formulação de um projeto de governo mais coerente.” (Sérgio Abranches in Giannotti et al., 1996, p. 54). Neste sentido, “Ao aprisionar a política nesse nível institucional, o Fernando Henrique tirou a influência da sociedade sobre a política. E isso não foi à toa. Porque só assim ele podia 14

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aprovar as reformas do jeito que aprovou. [...] A meu modo de ver esta é uma estratégia arriscada porque sufocou o impulso de reformas que havia no conjunto da sociedade, particularmente em certos setores mais organizados, não apenas de trabalhadores, mas também de uma parcela do empresariado.” (Francisco de Oliveira in Giannotti et al., 1996, pp. 59-60). “Como esses interesses (os que visavam promover a independência do Judiciário e os que queriam suprimir sua independência) se unem? O que faz eles se unirem? Para fazer a Reforma, eu acho que o âmbito do governo, o governo do [Fernando Henrique Cardoso], tinha uma ampla maioria na casa e inseriu a Reforma do Judiciário dentro das reformas fiscais, FHC chamava de Reforma do Estado. Reformas que, na verdade, começam lá com o Fernando Collor e vão até o Lula, que é preparar o Estado brasileiro para a globalização e o neoliberalismo, ou seja, permitir o amplo acesso de mercados, mercadorias e empresas e, ao mesmo tempo reduzir, fazer um downsizing no Estado, essa foi a meta. E todas as reformas nessa época têm esse perfil, perfil permissivo de ingresso de mercados e empresários no Brasil, perfil privatizante de redução das empresas e do espaço do Estado, e perfil fiscal, no sentido de transferir dinheiro dos estados para união, do particular para o Estado. Então, você vai ter a Reforma administrativa que visa manter custos, a Reforma Previdenciária da mesma forma, a Reforma Tributária que não saiu enquanto Reforma, mas ela sai enquanto aumento forte das contribuições que vão só para União, não vão para os estados em uma desvinculação das receitas, ou seja permitindo que a União possa manejar o dinheiro sem ficar adstrita àqueles gastos sociais, e a Reforma do Judiciário coroou esse grupo de reformas do estado porque ela tinha como objetivo, e conseguiu o objetivo, de fazer uma espécie de centralização e verticalização da jurisprudência e da administração do Judiciário a partir de Brasília, de modo que pudesse ser, como diziam os documentos que eles consultavam do Banco Mundial na época, uma justiça mais previsível. Ou seja, que os investidores estrangeiros ao vir para o Brasil pudessem ter a tranqüilidade de que iam ter normas mais ou menos previsíveis, sem tantas altercações. Por isso que vai paulatinamente diminuindo o poder do juiz, inclusive no controle de constitucionalidade e esse poder vai aumentando nos Tribunais Superiores, que são de mais fácil tutela. Por que a Reforma demorou muito? Porque no meio dela se tem uma série de interesses e ela começa com o governo do FHC e no meio entra no governo Lula. A primeira entrevista do Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça é: — ‘Vou começar do zero’. Mas ele não começou do zero, ele tocou porque o Lula, no primeiro mandato, principalmente, assumiu o mesmo projeto de Reforma. O governo inclusive aguçou a Reforma da Previdência e tocou a Reforma do Judiciário, como não tinha mais oposição, os dois lados, os dois grandes partidos estavam de acordo com isso. Acho que sai a partir desse consenso, o governo que saía e o que entrava concordavam com essa Reforma. [...]” (Marcelo Semer in Paiva, 2012, p. 87). 15

“Não se pode desprezar o fato de que muitos países que inauguraram um ciclo de endividamento encontravamse sob governos com legitimidade política questionável, o que impedia contestações mais contundentes por parte das respectivas sociedades civis. Na América Latina o quadro de progressão do estoque de dívida externa líquida guarda estreita correlação com o ciclo de militarização da região. Não é possível afirmar que tal política não encontraria respaldo em regimes democráticos sob as condições específicas da oferta de crédito do período, mas pode-se supor que a conjugação de um ambiente macroeconômico com alta liquidez e as facilidades de promoção de políticas soberanas, com baixo poder de veto da sociedade, facilitaram o processo. O rápido investimento porque [sic] passaram muitas economias periféricas [sic] denota o caráter perverso do processo de substituição de importações sob a dominância de um regime financeiro internacional cada vez mais controlado por instituições privadas de crédito e por regimes domésticos autoritários. A convergência desses interesses mostrar-se-à explosiva no final da década de setenta, sendo inclusive decisiva para colocar em cheque a manutenção desses regimes.” (Coelho, 2002, p. 115). 16

Sob argumentos de que “[...] sistemas judiciais que funcionam mal atrapalham o crescimento ao estimularem um uso ineficiente de recursos e de tecnologia, distanciando os países das melhores práticas de produção. Assim, os altos riscos e custos de transação ocasionados pelo mau funcionamento da justiça afastam o sistema de preços do país dos padrões internacionais, distorcendo a alocação de recursos. Além disso, quando os contratos e os direitos de propriedade não são apropriadamente garantidos, as empresas muitas vezes optam por não desenvolver certas atividades, deixam de especializar-se e explorar economias de escala, combinam insumos ineficientemente, não distribuem a padrão da forma mais eficiente entre clientes e mercados, mantêm recursos ociosos, etc. A eficiência também pode ser afetada se o fraco desempenho do judiciário segmentar o mercado a ponto da reduzir significativamente a competição. [...] Um outro caminho pelo qual sistemas judiciais disfuncionais reduzem a eficiência da economia é através do consumo direto de recursos escassos. Litígios requerem advogados, o tempo e a atenção das partes, e um judiciário bem aparelhado. Trata-se de serviços altamente especializados, e a sociedade tem de gastar recursos consideráveis para treinar e formar juízes, advogados e outros quadros envolvidos no litígio. Há três fontes adicionais de ineficiência. Primeiro, o custo dos agentes privados em manter-se atualizados sobre a complicada e mutável legislação que tende a substituir o bom funcionamento dos sistemas judiciais. O setor público também se vê frequentemente obrigado a manter uma ampla burocracia para processar e supervisionar a aplicação dessa legislação. Segundo, sistemas judiciais disfuncionais, especialmente quando inclinados a emitir sentenças 17

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politizadas, estimulam as partes interessadas a desenvolver estratégias de lobby e rent-seeking. Terceiro, os agentes econômicos consomem recursos para desenvolver e utilizar os mecanismos privados que substituem um bom judiciário ou que servem para solucionar os problemas derivados do seu mau funcionamento, como o frequente descumprimento dos contratos. Firmas gastam recursos para atrair clientes e fornecedores. Contratos entre partes privadas e com o governo se tornam ao mesmo tempo mais difíceis de escrever — já que há a preocupação de evitar contingências não previstas e que requeiram a interpretação de uma terceira parte para serem resolvidas — e menos importantes em termos da transação. Ao lado disso, [...] a administração de ‘contratos é também mais difícil em um sistema com fraca imposição (enforcement) já que há uma pronunciada necessidade de se monitorar de perto o desempenho das partes na ausência da disciplina silenciosa imposta por fortes mecanismos de cumprimento de contratos’. Por outro lado, dado que o custo de implementar esses contratos é tão alto, as firmas podem constantemente renegociá-los ou simplesmente abandoná-los se a outra parte não os obedecer.” (Pinheiro, 2000, pp. 19-21). “É revelador, nesse sentido, o histórico da elaboração do Anteprojeto de Código de Processo Civil por uma comissão de juristas, constituída pelo Senado Federal para a substituição do código elaborado por Buzaid em 1973, bem como a análise da própria composição do grupo. [...] [D]os doze membros da comissão, seis informam em seus currículos sua associação ao [Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP)]; destes, porém, somente quatro realizaram seus estudos de direito processual nos departamentos acadêmicos associados ao núcleo histórico da Escola Processual Paulista ([Faculdade de Direito da Universidade Estadual de São Paulo (FDUSP)] e [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)]). Apesar disso, é possível identificar nos egressos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (instituição do conhecido processualista José Carlos Barbosa Moreira, professor aposentado daquela universidade e membro honorário do IBDP) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (na figura do membro da comissão Adroaldo Furtado Fabrício) desdobramentos da Escola Processual Paulista para além daquelas duas instituições de ensino originais [...]. Por outro lado, chama a atenção a presença de um membro da comissão (Benedito Pereira Cerezzo Filho) egresso da Universidade Federal do Paraná, instituição na qual estaria baseada, segundo Paula (2002), a chamada ‘Escola Paranaense’ do direito processual, organizada em torno de figuras como Moniz Aragão e Luiz Guilherme Marinoni (ambos membros do IBDP, sendo o segundo orientador de mestrado e doutorado de Cerezzo Filho). Percebe-se também a presença de membros da comissão que, embora possuam títulos acadêmicos (o capital científico ‘puro’), não possuem posições superiores em carreira acadêmica (o capital científico-institucional, entendido como prestígio e poder institucional no campo acadêmico). Há também membros sem titulação acadêmica de mestrado ou doutorado informada, com conexões quase exclusivas com o campo profissional do direito: Jansen Fialho de Almeida, juiz de direito; e Marcus Vinícius Furtado Coelho, advogado e dirigente nacional da [Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)]. Por fim, é importante notar a juventude e a ausência de experiências anteriores em reformas legislativas da maior parte dos membros dessa comissão.” (Almeida; 2015, pp. 234-8). Em complemento, “Nas últimas duas décadas, grande parte dos projetos legislativos foram produzidos ou apoiados pelo IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), a associação nacional mais destacada neste ramo jurídico. E, surpreendentemente, o presidente do Senado, José Sarney, optou por não consultalo formalmente para a formação da comissão de juristas (ainda que vários de seus membros sejam integrantes). Para alguns, por trás deste conflito haveria uma disputa pela hegemonia na produção intelectual no campo do direito processual brasileiro.” (Meirelles, 2012, p. 15). O autor continua, ainda, ponderando sobre as possíveis questões que permeariam essa alteração no eixo de poder dentro da esfera das profissões jurídicas brasileira. Vai questionar: “[...] Seria crucial a participação ativa do Instituto Brasileiro de Direito Processual, que nos últimos anos tornou-se referência na produção legislativa processual, na medida em que congregou um número representativo de estudiosos do tema? Por outro lado, será que o IBDP teria uma opinião consensual sobre o que seria o Código ideal, ou há tantas opiniões divergentes (incluindo o apoio aos trabalhos da comissão), que impediriam a apresentação de um projeto único? O método utilizado pela comissão de juristas e pelo Senado Federal foi suficiente para garantir o apoio da comunidade jurídica e do senso comum? E, por fim, em que medida uma lei técnica dependeria de um procedimento legislativo aberto para se legitimar?” (Meirelles, 2012, p. 16). 18

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