NORBERT ELIAS FRENTE AOS DESAFIOS DE SUPERAÇÃO DA APORIA ENTRE TEMPO FÍSICO E TEMPO SOCIAL

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Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo (orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia: balanço e perspectivas. Ouro Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)

NORBERT ELIAS FRENTE AOS DESAFIOS DE SUPERAÇÃO DA APORIA ENTRE TEMPO FÍSICO E TEMPO SOCIAL Eugênio Rezende de Carvalho

Diante da divisão do saber, ao longo da história, em diferentes áreas ou territórios disciplinares, a impressão é que coube basicamente à filosofia - dos pré-socráticos aos pensadores do século XX - a prerrogativa da reflexão sobre o tempo, não obstante a importância dada ao tema pelas ciências físico-naturais, sobretudo a partir do estabelecimento dos perfis paradigmáticos da ciência moderna. Assim, ao longo de mais de dois milênios, inúmeros filósofos se lançaram, a partir das mais diversas perspectivas, à interminável reflexão sobre a problemática da definição, natureza, objetividade, unicidade, classificação, divisibilidade, homogeneidade, evolução, direção, origem, representação e significado do tempo. Em tal esforço, foi inevitável o enfrentamento de dificuldades, dilemas e dicotomias de toda ordem, muitas vezes insuperáveis, inerentes à abordagem desse “objeto”, o qual J. T. Fraser qualificou de “estranho familiar”. Contudo, uma rápida leitura de algumas obras representativas - enquanto sínteses ou balanços - das abordagens filosóficas do tempo nos permite facilmente identificar a existência de uma aporia capital, que se converte praticamente num divisor de águas que tende a separar, em dois grupos distintos, duas grandes correntes ou perspectivas conflitantes, aparentemente inconciliáveis: trata-se da dicotomia entre as abordagens objetivista e subjetivista do tempo. A primeira evoca um “tempo objetivo”, que se vincula ao tempo da natureza ou do mundo, ao tempo cosmológico ou físico, em suma, ao tempo das ciências; enquanto a segunda, por sua vez, defende um “tempo subjetivo”, que se associa ao tempo da consciência ou do espírito (ou da alma), ao tempo psicológico ou fenomenológico, em resumo, ao tempo vivido.



Doutor em História Social e das Ideias pela Universidade de Brasília (UnB), vinculado à Faculdade de História e ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Goiás (UFG). Pesquisa apoiada com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo (orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia: balanço e perspectivas. Ouro Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)

A origem dessa famosa aporia entre os tempos objetivo e subjetivo é tradicionalmente situada nas comparações estabelecidas entre as posições de Aristóteles - para quem o tempo encontrava-se associado ao movimento, enquanto “o número do movimento, segundo o antes e o depois” (Física, IV, 10-14) - e de Santo Agostinho (Confissões, XI, 1428) - que situou o tempo na esfera da alma, como uma distensão da alma (distentio animi), a partir da ideia de um presente dilatado que englobaria o passado e o futuro, respectivamente, na forma de memória e expectativa1. Nesse sentido, costuma-se qualificar como física ou cosmológica a análise filosófica do tempo empreendida por Aristóteles e como psicológica a agostiniana, fazendo com que o “debate” Aristóteles versus Santo Agostinho tenha passado a representar simbolicamente a própria aporia em questão2. Ou seja, os “movimentos dos corpos celestes” e a “alma” passaram a ser, respectivamente, segundo tais análises, os elementos privilegiados de identificação do tempo. Assim,

Quienquiera que piense que el tiempo se percibe, que se ofrece a la intuición sensorial, no puede sino creerlo, so pena de contradicción, si no idéntico, al menos indisolublemente unido a los movimientos visibles, en cuyo caso, el mejor candidato al papel de tiempo es el movimiento de la esfera celeste. Quienquiera que, por el contrario, piense que el tiempo no se deja aprehender sino mediante la intuición intelectual, se ve obligado, so pena de contradicción, a identificarlo con la actividad del alma. (POMIAN, 1990: 284)

A perspectiva objetivista, após as formulações pioneiras de Platão e Aristóteles, alcançou seu ápice com a publicação, em 1687, dos Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica, de Isaac Newton, que se converteu em seu principal paradigma. O físico inglês, embora numa abordagem contraditoriamente de viés metafísico, definiu um “tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e da sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa, que flui uniformemente...” (NEWTON, 1983: 8). Uma reorientação importante no âmbito de tal corrente ocorreria a partir de 1905, com a publicação da primeira parte da 1

Na verdade, a associação aristotélica do tempo com o movimento (sem, entretanto, uma identificação plena), já havia sido exposta no Timeu de Platão, para quem o tempo era “a imagem móvel da eternidade”, posição que certamente Aristóteles herdou de seu mestre. Mas, em ambos, o tempo era, ao contrário do que pensava Santo Agostinho, algo exterior à alma. Ressalte-se que, no caso das reflexões sobre o tempo encontradas na Física de Aristóteles, há indícios também de uma via psicológica (embora bastante secundária), na medida em que a associação do tempo com um “número”, enquanto “medida”, deve pressupor um sujeito que o “meça”.

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Não é por acaso que muitos daqueles que se lançaram à tarefa de se questionar ou de se ultrapassar os termos da aporia entre tempo objetivo e tempo subjetivo, se viram forçados a retomar criticamente esse debate entre Aristóteles e Santo Agostinho, como é o caso, por exemplo, do clássico estudo do filósofo Paul RICOEUR (1996: 643-661).

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Teoria da Relatividade (Especial ou Restrita) de Albert Einstein, que colocaria por terra a ideia newtoniana de um tempo absoluto (assim como as de espaço, simultaneidade ou movimento absolutos), em favor de um tempo relativo, dependente do sistema de referência adotado; tese que, entretanto, não contradiz a essência da perspectiva objetivista. Conquanto os avanços verificados nas últimas décadas no âmbito da Física Quântica têm colocado paulatinamente em questão uma série de pressupostos desse tempo objetivo, a partir do reconhecimento dos diferentes comportamentos da matéria quando se considera as dimensões microfísica ou macrofísica. Já a corrente subjetivista tem talvez nas formulações originais de Santo Agostinho - do final do século IV - a sua principal referência paradigmática, que viria a influenciar inúmeros filósofos até a época contemporânea. As teses em favor da existência de um tempo como unicamente vivido, ou de um tempo psicológico, que se desenvolveram nos séculos seguintes, revelaram, em vários aspectos, importantes heranças agostinianas, com a substituição progressiva dos conceitos de alma e de espírito pelo de consciência. Assim, a partir das últimas décadas do século XX, ressurgiram algumas das principais expressões filosóficas dessa corrente subjetivista, que procuraram, por diferentes caminhos, distinguir claramente um tempo das vivências - ou um tempo como experiência vivida - de um tempo físico ou cosmológico. Seus principais nomes seriam, entre outros, os dos filósofos Edmund Husserl, Henri Bergson, Gaston Bachelard e Martin Heidegger. Mas essa aporia entre os tempos objetivo e subjetivo se desdobraria ainda em outras, como, por exemplo, a oposição entre tempo quantitativo e tempo qualitativo, na medida em que se nota certa tendência geral a se identificar, nas diversas análises físicofilosóficas, o aspecto quantitativo com o tempo próprio da ciência (no âmbito da perspectiva objetivista) e, por outro lado, o qualitativo com o tempo da consciência (na esfera das abordagens subjetivistas). Além disso, essa aporia é reforçada ainda pela forma diferenciada com que objetivistas e subjetivistas consideram o grau de realidade que seria outorgado a cada um desses tempos, retomando a tradicional divisão filosófica entre “realistas” e “idealistas”. Desta sorte, Desde la perspectiva realista se asume que el tiempo subjetivo no es un tiempo “real”, sino una mera elaboración de la conciencia, que en ella se expresa como la unidad de pasado, presente y futuro, en tanto que el tiempo objetivo se considera centrado siempre en el ahora. (COMTE-SPONVILLE, 2001: 35-36)

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Assim, em termos agostinianos, o enfoque idealista ou fenomenológico considera que, ao não haver consciência instantânea ou puramente atual, sem memória ou antecipação, seu presente se apresenta sempre prolongado ou distendido em direção ao passado e ao futuro, de modo que el tiempo, con sus partes inherentes, no existiría como algo “en el mundo”, sino únicamente como algo “en la consciencia” o, como diría San Agustín, “en el alma”. Así, desde el punto de vista de la fenomenología, lo que el realismo entiende por tiempo del mundo no sería más que una objetivación abusiva del tiempo de la conciencia que refleja la cualidad proyectiva de la misma. (TOBOSO MARTÍN, 2009: 18-19)

Daí se deduz que, em contrapartida, de acordo com o enfoque realista, tal projeção e dilatação da consciência em direção ao passado e ao futuro, por meio da memória e da expectativa, seriam estranhas ao mundo objetivo, não passando de ilusões colocadas pela consciência. Com isso, … se planteaba un problema aparentemente insalvable: la existencia de dos tiempos inconmensurables entre sí, de tal modo que quien, desde una perspectiva reduccionista, afirmase que el único tiempo real era el de la física, debía tratar el tiempo fenomenológico bien como una ilusión, o bien estaba obligado a mostrar cómo éste procedía de aquél y conservaba de sus orígenes esa especie de realidad imperfecta que nos resignamos a conferirle a fin de no encontrarnos en desacuerdo flagrante con la experiencia común. Igualmente, quien rechazase la realidad del tiempo de la física, había de restituírsela de una forma u otra, reintroduciendo subrepticiamente la pluralidad de tiempos. (CASTRO RODRÍGUEZ, 2002: 15-16)

Segundo se outorgue prevalência à análise realista ou à fenomenológica, a consciência surgirá como depositária de um tempo subjetivo ilusório, no primeiro caso, ou como geradora ativa do tempo, no segundo. O ponto de controvérsia entre ambos os enfoques se refere à possibilidade de que, para além dos caracteres do tempo psicológico, que parece abarcar todos os aspectos no conceito habitual de tempo, se possa assinalar a existência de um tempo objetivo do mundo, independente do sujeito, em cuja consciência se forjaria o tempo subjetivo. (TOBOSO MARTÍN, 2009: 19) A aporia entre tempo objetivo e tempo subjetivo passou, assim, a ser expressa de múltiplas maneiras, por intermédio de diferentes pares dicotômicos, como tempo quantitativo e tempo qualitativo, tempo real e tempo imaginário, tempo da ciência e tempo da consciência, tempo natural e tempo cultural, tempo cósmico e tempo vivido, tempo físico e tempo social 4

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(ou histórico), ou ainda entre chronos e kairos (dois termos gregos, de origem mitológica, para designar a ideia de tempo e que, de certa forma, ilustram, respectivamente, os aspectos quantitativo e qualitativo). Assim, paulatinamente, reforçada por oposição após oposição, a dicotomia entre as perspectivas objetivista e subjetivista foi se radicalizando, fazendo com que tais abordagens fossem cada vez mais se repelindo e se excluindo mutuamente. Os debates intermináveis que acabaram opondo seus respectivos partidários acabaram tornandose artificiais e estéreis, como ocorre com toda aporia. Não obstante, principalmente a partir das últimas décadas do século XX, vieram à luz - a partir da própria Filosofia, mas notavelmente das Ciências Sociais e Naturais, embora em menor medida da História - alguns questionamentos contundentes e inovadores sobre o caráter reducionista dessa aporia, que acaba por circunscrever a reflexão sobre o tempo aos seus domínios. Pode-se encontrar uma série de estudos recentes sobre o tempo que, situados em distintas áreas do saber e apoiados em diferentes perspectivas teóricas, buscaram oferecer alguma alternativa de superação - ou de compatibilização - dessa aporia filosófica3. É nesse contexto em que se insere a reflexão do sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990)4 sobre o tempo, veiculada por meio de uma série de 46 breves ensaios, publicados em forma de livro em 1984, sob o título Über die zeit (Sobre o tempo - edição brasileira de 1998)5. Logo na introdução desse livro, Elias esclarece o propósito da obra, que seria, segundo ele, nada mais que oferecer

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Nessa linha, apenas para citar alguns exemplos, há alguns estudos relativamente recentes como o dos filósofos espanhóis Mario TOBOSO MARTÍN (2004) e Sixto J. CASTRO RODRIGUEZ (2002), da socióloga mexicana Guadalupe VALENCIA GARCÍA (2007), do psicanalista canadense Elliott JAQUES (1984), do filósofo francês André COMTE-SPONVILLE (2001 e 2006), além do historiador brasileiro José Carlos Reis (1994 e 2008). E, por fim, um dos estudos mais conhecidos nessa perspectiva, e que seguramente influenciou muitos outros na mesma linha, integra o terceiro volume da trilogia Tempo e Narrativa, do filósofo francês Paul RICOEUR (1996), publicado originalmente na década de 1980, no qual ele propõe o tempo histórico como um terceiro tempo (mediador e de articulação) entre o tempo cósmico e o tempo vivido.

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Embora Norbert Elias praticamente dispense apresentações, sobretudo no meio acadêmico das ciências sociais e humanas de uma forma geral, registro que ele nasceu em Breslau em 1897 e morreu em Amsterdam em 1990. Sociólogo alemão, estudou medicina, filosofia e psicologia nas universidades de Breslau e Heidelberg. Mais tarde, trabalhou com Karl Mannheim em Frankfurt. Abandonou a Alemanha nazista em 1933, indo primeiro para a França e depois para a Inglaterra, onde foi professor de sociologia na Universidade de Leicester (1945-62) e mais tarde na Universidade de Gana (1962-4) e no Zentrum für Interdisziplinäre Forschung in Bielefeld. Desenvolveu uma abordagem que chamou “sociologia figuracional” que examina o surgimento das configurações sociais, como consequências inesperadas da interação social. Seu trabalho mais conhecido é O Processo Civilizador (2 vols.), analisando os efeitos da formação do Estado na Europa sobre os costumes e a moral dos indivíduos.

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A primeira parte desses ensaios foi redigida em inglês e publicada em holandês na revista De Gids, entre 1974 e 1975. Dez anos mais tarde, juntou-se a tradução desses primeiros ensaios a outros novos, bem como a uma

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... elementos de interpretação dos símbolos sociais necessários para permitir que nossa interpretação do tempo abra caminho entre as alternativas filosóficas tradicionais do subjetivismo e do objetivismo, do nominalismo e do realismo. Assim, deverá ser possível fornecer, aos indivíduos submetidos a uma disciplina relativa à dimensão do tempo, uma compreensão melhor deles mesmos e da condição humana em geral. (ELIAS: 1998: 27)

Assim, abraçando o pressuposto da natureza simbólica do tempo, sua meta mais geral foi a de contribuir com a tarefa de “elucidar a natureza particular dos símbolos humanos” ou ainda de saber “com que objetivo os homens necessitam determinar o tempo” (ELIAS: 1998: 13, 27). Foi imbuído de tais motivações que Elias manifestou explicitamente seu afã de oferecer, com esse estudo, alternativas para a superação da aporia filosófica tradicional entre objetivismo e subjetivismo, ou ainda, conforme seus termos, entre tempo físico e tempo social. Ao explorar as relações entre a história, os homens e o tempo, o historiador francês Marc Bloch (1886-1944) refutou a definição de história como “ciência do passado” e propôs, em seu lugar, uma “ciência dos homens, no tempo”6. Retomo essa conhecida passagem de Bloch para ilustrar certa tendência dos historiadores a evocar com toda naturalidade o conceito ou a ideia de tempo em seus esforços por definir a história, independentemente das disparidades entre as definições particulares comumente outorgadas a cada um desses termos. Segundo KOSELLECK (1993: 14), “decir que la historia y la ciencia de la historia tienen que ver con el tiempo es una trivialidad”. Tornou-se um lugar comum tal assertiva de que o tempo, assim como o espaço, é uma variável constitutiva fundamental da história, qualquer que seja a designação dada a esta última palavra, diante da sua reconhecida polissemia. Cumpre observar, no entanto, a ocorrência de um descompasso ou contraste entre, de um lado, a expressiva relevância atribuída ao tempo nas inúmeras definições ou abordagens da história e, de outro, a escassa reflexão teórica dos historiadores sobre o

introdução, que foram especialmente redigidos em alemão, visando à publicação de todo o conjunto em forma de livro, em 1984. 6

Apesar de Bloch tê-lo afirmado com o propósito de destacar a importância que tem para os historiadores a categoria da “duração”, estabelecendo um contraponto entre o tempo da história e o tempo de muitas outras ciências. Para ele, enquanto o tempo dessas ciências representaria apenas uma medida, o tempo vivo da história, ao contrário, seria “o próprio plasma em que se engastam os fenômenos e como o lugar de sua inteligibilidade”. (BLOCH, 2001: 52-55) De certa forma, tem-se aqui ainda presente os ecos da dicotomia que ora pretendo problematizar com a presente pesquisa.

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conceito de tempo7. Em muitos casos, a prática historiográfica tende a operar apoiada na premissa - embora quase sempre negada - de que a noção de tempo é em si autoevidente, algo dado com um sentido captável direta e imediatamente - como se isso fosse possível. É como se a pergunta pelo tempo entre alguns historiadores representasse, no mínimo, uma questão meramente secundária. Em grande parte, tal atitude é justificada pelas tremendas dificuldades teóricas encontradas ao se buscar uma definição para um conceito tão abstrato, ardiloso e enigmático como o de tempo8. Assim, há que se ressaltar aqui a carência de dois grupos de estudos. O primeiro é sobre a temática do tempo e da temporalidade, desde a perspectiva da história, numa perspectiva que vá além da dicotomia entre tempo objetivo e tempo subjetivo e que possa lançar luzes e oferecer elementos para uma reflexão teórica acerca das relações entre tempo e história, a partir do pressuposto de que aquele constitui uma variável fundamental desta. O segundo, mais específico, diz respeito aos estudos das teses de Norbert Elias a respeito do tempo9. Tal carência, entretanto, contrasta com uma expressiva quantidade de trabalhos que exploram as suas principais teorias e obras, bem como a respeito do impacto de suas ideias nas áreas da sociologia, antropologia, política, filosofia e da educação (embora quase nada da história). Analisando preliminarmente as obras dos principais representantes das abordagens objetivista e subjetivista acerca do tempo, bem como os estudos mais recentes que procuram

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Embora reconheça forçosamente o mérito de alguns estudos teóricos, por parte de historiadores de ofício, que tomaram a questão do tempo como objeto central de sua análise - como, por exemplo, os trabalhos de KOSELLECK (1993: 2001) sobre o tempo histórico -, me pergunto, apenas como uma hipótese, se a maioria dessas abordagens ainda não se encontraria limitada às premissas e parâmetros estabelecidos pela aporia entre tempo objetivo e tempo subjetivo, ao salientarem em demasia a especificidade do tempo histórico (ou dos tempos históricos) a partir, quase que exclusivamente, da sua oposição a um tempo cosmológico, ou seja, a partir da crença de “que a natureza externa ao homem e a realidade humana constituem dois universos separados, independentes e, em certo sentido, antagônicos e incompatíveis.” (ELIAS, 1998: 70)

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A propósito, é bastante ilustrativo, pela sua força de atualidade, o clássico e profundo questionamento formulado há cerca de dezesseis séculos por Santo Agostinho, em suas Confissões: “Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”. (AGOSTINHO, 1984: 217-218)

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Fenômeno que, ao que tudo indica, não se restringe apenas ao âmbito brasileiro. Conquanto o amplo e árduo trabalho prévio já realizado, de levantamento de fontes e bibliografia sobre o assunto, todavia não encontrei qualquer referência acerca de alguma pesquisa de fôlego sobre o conceito de tempo de Norbert Elias, à exceção de alguns pouquíssimos artigos, como: VICENTE NAVARRO (2005); GUERRA MANZO (s/d) e CHAZARRETA (2009).

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discutir ou apresentar uma alternativa a tais perspectivas dicotômicas e, sobretudo, a parte da obra de Norbert Elias que trata dessa temática, exponho a seguir, de forma bastante concisa e direta, algumas questões que se colocam como desafios e inquietações para reflexão. Em primeiro lugar, lanço algumas questões de caráter preliminar relacionadas com o debate - não apenas filosófico - em torno da aporia entre as interpretações objetivista e subjetivista do tempo. Diante dessas distintas direções dos discursos filosóficos sobre o tempo, restaria espaço ainda, nesse debate, para alguma alternativa possível de conexão e de articulação entre os tempos da natureza e da consciência, entre os tempos físico e social, que fosse além de uma relação de imposição hierárquica ou de superposição entre ambos10? Colocado de modo mais amplo, seriam consciência humana e natureza dois mundos paralelos, irremediavelmente? Ou, ao contrário de se refutarem reciprocamente, poderiam tais interpretações do tempo se justapor, conforme pensou Paul RICOEUR (1995)?11 Ou ainda, reproduzindo a questão levantada por REIS (1994, p. 61),

Se a ideia de tempo se revela em descrições contraditórias no interior dessas perspectivas, se o tempo pode ser pensado como permanência e mudança, ser e não ser, presença e ausência, continuidade e descontinuidade, reversibilidade e irreversibilidade, eternidade e finitude, por que ele não poderia ser pensado como exterior e interior, natureza e consciência?

Evidentemente que não intenciono aqui oferecer respostas a esse tipo de questões, em razão das quais já se consumiu mares de tinta e papel. Formulo-as aqui unicamente como uma problematização prévia, um ponto de partida norteador dessa investigação sobre a concepção do tempo em Norbert Elias.

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José Carlos Reis sustenta a tese de que os tempos cosmológico, biológico, psicológico e coletivo parecem emergir uns dos outros, nessa ordem, numa superposição, sem meramente se justaporem. Segundo ele, “As condições cosmológicas possibilitam a emergência da vida biológica, que possibilita a emergência da vida humana psicológica e coletiva. O tempo coletivo é, portanto, impensável sem a condição anterior do tempo psicológico individual, que é impensável sem a condição anterior do tempo biológico, que é impensável sem as condições cosmológicas. Baseando-se nesse raciocínio, o tempo cosmológico impor-se-ia aos outros tempos e ao tempo da consciência, em particular.” Em seguida, afirma que “se essa articulação entre os níveis parece razoável, ela não resolve, entretanto, o problema da articulação entre o tempo da natureza e o tempo da consciência. Há um momento, que é desconhecido, em que há uma ruptura...” (REIS, 1994: 71)

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Apesar de Ricoeur, por outro lado, desconsiderar a possibilidade de uma explicação teórica para o tempo, ou seja, segundo ele, ou se analisa o tempo na perspectiva objetivista, excluindo a subjetivista, ou vice-versa. Em outras palavras, o dualismo do tempo, continuaria sendo, assim, para o filósofo francês, algo insuperável. (Cf. REIS, 1994: 59)

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Em segundo lugar, exponho aquelas que seriam as problemáticas centrais de nossa investigação, vinculadas à concepção de tempo de Norbert Elias. Na verdade, as questões lançadas anteriormente visam a perscrutar o que esse autor nos disse a respeito delas. Afinal, como se colocaria esse autor diante da polêmica filosófica entre os que sustentam que o tempo constitui um dado objetivo do mundo criado (Newton) e aqueles que defendem que o tempo é como uma forma inata de experiência, um dado não modificado da natureza humana, que precede qualquer experiência, uma síntese a priori (Kant)? Quais seriam a análise e a posição de Elias acerca da polarização das opiniões relativas à natureza do tempo, no âmbito das ciências da natureza e das ciências sociais, que levou à divisão do tempo entre tempo físico e tempo social? Como ficaria, para esse autor, a questão do “estatuto de realidade” do tempo em ambos os domínios? Furtar-se-ia o “tempo em si” a entrar no esquema conceitual desse dualismo, a uma classificação como natural ou social, objetivo ou subjetivo? Constituiriam, para Elias, a natureza externa ao homem e a realidade humana dois universos separados, independentes, antagônicos ou incompatíveis? Ou então qual seria a proposta desse autor para a superação de tal aporia? Como poderiam se articular esses termos? Enfim, como um desdobramento de tal reflexão principal, quais os elementos de convergência e de distanciamento entre essas teses de Elias e a de outros autores que, segundo abordagens diversas, buscaram propor modelos ou caminhos alternativos à aporia entre tempo cosmológico e tempo vivido? - como RICOEUR (1995; 1996; 2007; 2008), JAQUES (1984) e COMTE-SPONVILLE (2001; 2006), entre outros. Continuando meu questionário, seria o tempo, para Elias, um objeto natural, um aspecto dos processos naturais ou um objeto cultural? Ou seria em virtude de o designarmos comumente por um substantivo que nos iludimos com seu caráter de objeto? Como Elias teria considerado a questão dos tempos biológico e psicológico? Quais os elementos que compõem a crítica desse autor a respeito da fetichização de símbolos sociais mais abstratos como o tempo? Existiria o tempo independentemente de qualquer sequência de referência socialmente padronizada? O que significaria dizer, como defende Elias, que o conhecimento do tempo é resultado de um longo processo social de aprendizagem? Qual seria o significado da sua caracterização do tempo como uma representação simbólica? O que poderia significar a sua afirmação de que o tempo seria um símbolo social de altíssimo nível de síntese ou ainda que funcionaria como instrumento de orientação, regulação e coerção da conduta e da sensibilidade humanas? Quais os fundamentos e o significado da proposta de Elias de uma 9

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“quinta dimensão” da experiência vivida ou da consciência (representada pelos conceitos de passado, presente e futuro), que viria a se somar às quatro dimensões do espaço e do tempo? E, por fim, de que modo, segundo Elias, o papel de símbolo desempenhado pelo tempo seria conciliável com seu caráter de dimensão do universo físico? Em terceiro e último lugar, guio-me por outro conjunto de questões, de caráter complementar, relacionadas às possíveis implicações das teses de Norbert Elias no campo da ciência histórica e da prática do historiador, com destaque para a questão do tempo histórico. Mesmo que Elias não tenha se referido explicitamente a um “tempo histórico”, seria possível extrair de sua análise sobre o tempo certos elementos que apontam para uma definição de tempo histórico? Caso positivo, seria esse tempo histórico ainda um tempo subjetivo totalmente limitado aos termos da aporia em questão? Como Elias define e articula os conceitos de passado, presente e futuro? Quais os afastamentos ou as aproximações possíveis entre suas teses e as de RICOEUR (1995; 1996; 2007; 2008) e de KOSELLECK (1993; 2001) acerca do tempo histórico? Por fim, admitindo o pressuposto de que o tempo é uma variável essencial da história, em que medida as teses de Elias sobre o tempo, ao se proporem à superação da aporia entre tempo físico e social (ou histórico), poderiam se apresentar como uma contribuição original à análise e compreensão do tempo histórico, bem como à reflexão teórica acerca das relações entre tempo e história? Diante desse conjunto amplo de questões, minha hipótese é que os conceitos, pressupostos e argumentos fundamentais que sustentaram tanto o diagnóstico crítico de Norbert Elias acerca da aporia filosófica entre tempo físico e tempo social, quanto a sua proposta alternativa de superação dessa dicotomia, além de contribuírem para a reflexão teórica dos historiadores sobre o tempo, podem lançar uma luz inovadora aos esforços de compreensão do tempo histórico. É inegável a importância da originalidade com que Elias explorou a questão da aporia entre tempo objetivo e subjetivo, ou entre tempo físico e social. Para ele, um dos fatores fundamentais da persistência do aparente mistério do tempo foi a manutenção dessa divisão conceitual, razão pela qual a sua superação constituiria uma tarefa fundamental à melhor compreensão da condição humana. Assim, considero que a sua crítica contundente à reificação do tempo e à atenção desigual que lhe é dedicada pelos especialistas das ciências da natureza e das ciências sociais; a sua defesa da função social do tempo como meio de orientação e de regulação social; a perspectiva do tempo como representação simbólica, integrante de uma quinta dimensão da experiência vivida ou da consciência (que 10

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não exclui o espaço-tempo quadridimensional do universo físico); são, enfim, contribuições teóricas de grande relevância para a compreensão dos limites da aporia entre tempo objetivo e subjetivo, e, consequentemente, para a teoria e a prática da história.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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