Nordeste: a Falta que o Planejamento Faz

July 22, 2017 | Autor: Otamar de Carvalho | Categoria: Regional development
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NORDESTE: A FALTA QUE O PLANEJAMENTO FAZ Otamar de Carvalho (Este texto foi publicado nos “Anais do Seminário Nacional: Regiões e Cidades, Cidades nas Regiões − a Espacialidade do Desenvolvimento Brasileiro”, promovido pela Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional-ANPUR, realizado nos dias 05 e 06 de abril de 2001, em Campinas-São Paulo.)

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................. 3 1. O NORDESTE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX 6 2. PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO EXPERIMENTADAS..................................... 15 2.1 2.2 2.3 2.4

PLANEJAMENTO COMO HIPÓTESE DE TRABALHO .............. 15 POLÍTICAS DO GTDN E DA SUDENE.......................................... 17 ESTRATÉGIAS CONCEBIDAS FORA DA ÓRBITA DA SUDENE 18 FRAGILIDADE INSTITUCIONAL.................................................. 22

3. PROBLEMAS PERSISTENTES E EMERGÊNCIA DE NOVOS 26 3.1 O PLANEJAMENTO EM SEGUNDO PLANO................................ 26 3.2 (DES)ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO NO SEMI-ÁRIDO .... 30 3.3 MUDANÇAS NOS QUADROS DEMOGRÁFICOS ....................... 33 3.4 ESPAÇOS BENEFICIADOS PELO CRESCIMENTO ECONÔMICO............................................................................................................... 37 3.5 ÁGUA MAIS DIFÍCIL........................................................................ 40 3.6 POR ONDE PASSAM AS SOLUÇÕES............................................ 43

4. DISCUTINDO O FUTURO................................................... 44

4.1 POSSIBILIDADES ATUAIS ............................................................ 44 4.1.1 Estrutura Econômica................................................................... 44 4.1.2 Atividades Tradicionais.............................................................. 47 4.1.3 Atividades Dinâmicas ................................................................. 48 4.1.4 Atividades Não-Convencionais ............................................... 48 4.1.5 Especificidades Sub-Regionais ............................................... 49 4.2 POSSIBILIDADES DE MÉDIO PRAZO........................................ 52 4.2.1 Decisões de Investimento e Financiamento do Desenvolvimento ..................................................................................................... 52 4.2.2 Projeto de Transposição de Águas do São Francisco .... 54

5. GRANDES QUESTÕES PARA O NORDESTE DO TERCEIRO MILÊNIO ............................................................................ 62 5.1 PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS 62 5.2 NOVAS FORMAS DE CIDADANIA: DA POSSE DA TERRA À ORGANIZAÇÃO SOCIAL ......................................................................................... 64 5.3 NOVA INSTITUCIONALIDADE ..................................................... 65 5.4 PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL............................................................................................................ 72 5.5 POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES .................... 75

BIBLIOGRAFIA CITADA............................................................ 77

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NORDESTE: A FALTA QUE O PLANEJAMENTO FAZ 1 Otamar de Carvalho

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INTRODUÇÃO O Barão de Capanema dizia que “O país em que pássaros voam assadinhos e temperados pelos ares ainda está por ser descoberto.” 3 Ao refletir sobre estas palavras do Barão, escritas no início da segunda metade do Século XIX, reforço a percepção de que ainda é necessário muito trabalho e desdobrada vontade para moldar o desenvolvimento no Nordeste. Desenvolvimento cuja busca e concretização, numa linguagem de século e meio depois, dependem de transformações capazes de ampliar relativa e crescentemente as possibilidades de acesso a novos bens e serviços por parte de todos os grupos sociais. Neste geral, espera-se poder também ver incluídos aqueles que ainda não tiveram tal oportunidade. Prossigo na caminhada, juntando à palavra “Nordeste” o assim chamado “problema do Nordeste”. A palavra é problema. E o problema é o do Nordeste. Recorro a propósito a dois clássicos, que já passaram à categoria de personagens da importante cena nordestina: Gilberto Freyre e Celso Furtado. Trago-os ao palco com dois significativos excertos de suas monumentais obras. Procuro ver o significado da palavra Nordeste em Gilberto Freyre. Encontro resposta em obra do mesmo nome, publicada em 1937: 1

Texto preparado em apoio à palestra proferida no dia 05 de abril de 2001, em Campinas-São Paulo, no Seminário Nacional: Regiões e Cidades, Cidades Nas Regiões - A Espacialidade do Desenvolvimento Brasileiro, promovido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional-ANPUR. Agradeço os comentários e sugestões que me foram feitos por Antonio Carlos F. Galvão (do IPEA), José de Castro Moreira Filho (da Sudene) e Margarida C. L. Mattos (do Senado Federal). Utilizei-os no todo ou em parte, no que reconheci de oportuno neles. Assim, os erros e omissões decorrentes continuam sendo meus. 2 Eng. agrônomo, economista e doutor em economia pela Unicamp. Foi técnico e Diretor da Assessoria Técnica da Sudene; Secretário Geral-Adjunto do antigo Ministério do Interior; Coordenador de Planejamento Regional do IPEA; Secretário de Agricultura e Abastecimento do Ceará; e técnico e Coordenador de Planejamento da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba-Codevasf. Como consultor independente, tem trabalhado para instituições como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD, Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura-IICA, Organização dos Estados Americanos-OEA, Organização Meteorológica Mundial-OMM, Secretaria de Recursos Hídricos-SRH do Ministério do Meio Ambiente-MMA, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas-DNOCS, Codevasf, Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste-Sudene, governos dos Estados da Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí e empresas privadas. É autor, dentre outros, do livro A economia política do Nordeste; secas, irrigação e desenvolvimento. Rio de Janeiro, Campus, 1988, além de vários artigos em revistas técnicas. 3

Guilherme Schuh Capanema, Barão de Capanema, Chefe da Seção Geológica e Mineralógica da Comissão Científica de Exploração. (Braga, 1962.)

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“A palavra ‘Nordeste’ é hoje uma palavra desfigurada pela expressão “obras do Nordeste” que quer dizer: ‘obras contra as secas’. E quase não sugere senão as secas. Os sertões de areia seca rangendo debaixo dos pés. Os sertões de paisagens duras doendo nos olhos. Os mandacarus. Os bois e os cavalos angulosos. As sombras leves como umas almas do outro mundo com medo do sol. (...) Mas esse Nordeste de figuras de homens e de bichos se alongando quase em figuras de El Greco é apenas um lado do Nordeste. O outro Nordeste. Mais velho que é o Nordeste de árvores gordas, de sombras profundas, de bois pachorrentos, de gente vagarosa e às vezes arredondada quase em sanchos-panças pelo mel de engenho, pelo peixe cozido com pirão, pelo trabalho parado e sempre o mesmo. (...) Um Nordeste onde nunca deixa de haver uma mancha de água: um avanço de mar, um rio, um riacho, o esverdeado de uma lagoa.” (Freyre, 1937:21.)

Sobre o problema do Nordeste, eu recorro a Celso Furtado. Sua resposta, de 1962, é formulada ao estilo de quem já avançara extraordinariamente no ordenamento do processo de desenvolvimento desse espaço notabilizado por suas desigualdades econômicas e sociais, tanto internas quanto externas à Região: “O problema do Nordeste não é de hoje, se bem que alguns de seus aspectos se tenham agravado recentemente. De hoje é a consciência da gravidade do mesmo, consciência essa que em grande parte deriva do fato de estarmos em condições de equacioná-lo e de encaminhar a sua solução. Quando afirmamos que o problema do Nordeste é grave, queremos apenas dizer que já não é possível esconder a miséria dos nordestinos deles mesmos, já não é possível conservá-los narcotizados e isolados. Já nenhum povo aceita estoicamente a miséria como uma fatalidade: isso é verdade no Congo como no Nordeste.” (Furtado, 1962: 48.)

As idéias delineadas a seguir foram trabalhadas sob o suposto de que é bem mais difícil estudar e compreender a natureza dos problemas e possibilidades de desenvolvimento da economia do Nordeste neste início de século XXI do que o foi em meados do século XX. Não é que naqueles anos as informações e os conhecimentos disponíveis fossem relativamente mais abundantes ou mais fáceis de mobilizar ou exigissem menos acuidade e criatividade para sua aplicação. As dificuldades de hoje são maiores porque os problemas regionais se tornaram mais complexos, seja no tocante ao Nordeste propriamente, seja no contexto dos problemas nacionais, dada a sua maior integração à economia nacional e aos mercados externos. Por tudo isso, considero importante indagar, em relação ao Nordeste desse começo de terceiro milênio: se é possível, ainda hoje, notar particularidades que dêem notabilidade à Região, em termos econômicos, demográficos, políticos, institucionais e ambientais, no contexto do Brasil; como se configuram essas particularidades e o que foi recomendado para alterá-las numa perspectiva positiva; que problemas continuam pesando no dia a dia dos nordestinos, em particular dos que não conseguiram se ver livres da pobreza; e em que direção é possível orientar o futuro do Nordeste. Essas e algumas outras indagações orientaram a construção do presente texto. Interessa chegar ao seu final com uma idéia mais clara sobre as questões antes formuladas, abertas em relação aos seguintes tópicos: i.

O Nordeste na Segunda Metade do Século XX; 4

ii.

Planejamento e Políticas de Desenvolvimento Experimentadas;

iii.

Problemas Persistentes e Emergência de Novos;

iv.

Discutindo o Futuro; e

v.

Grandes Questões para o Nordeste do Terceiro Milênio.

Vários temas são desdobrados a partir desses cinco tópicos, mas dois são centrais: a economia do Nordeste e um privilegiado agente do seu desenvolvimento  a Superintendência do Desenvolvimento do NordesteSudene.

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1.

O NORDESTE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

De 1950 para o ano 2000, a população do Nordeste cresceu quase três vezes, passando de 18 milhões para 48 milhões de habitantes. O produto interno bruto (PIB) regional foi multiplicado por cerca de onze vezes, elevandose de US$ 11,2 bilhões, naquele ano, a preços de 1997, para algo em torno de US$ 123,0 bilhões, em 2000, também a preços de 1997. Como resultado, o PIB per capita aumentou 4,4 vezes, passando de US$ 622, em 1950, para US$ 2.563, em 2000, segundo estimativas e atualizações realizadas pela Sudene. 4 Sem dúvida, houve um considerável processo de crescimento. Mas o número absoluto de pessoas vivendo em condições de pobreza aumentou, ainda que o Índice de Desenvolvimento Humano-IDH 5 tenha aumentado, ao passar de 0,100 (um IDH muito baixo) para 0,700 (um IDH médio-alto), segundo os estudos realizados pelo Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoPNUD, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA e pela Fundação João Pinheiro, trabalhados pela Sudene. (Albuquerque, 2000-b.) Nas últimas cinco décadas do século XX, a população do Nordeste foi sem dúvida beneficiada por grandes mudanças, em quase todos os domínios da sociedade. As mudanças positivas, como as de maior crescimento econômico e mais ampla generalização do conhecimento, viabilizaram inclusive a ampliação das classes com acesso ao saber, à cultura, ao lazer e aos bens materiais de toda sorte. Mas houve grandes mudanças negativas, pois ao lado daquelas continuaram sendo observados sinais de extrema pobreza, caracterizando-se esta pela exclusão de crescentes contingentes de população dos frutos do progresso patrocinado pelas iniciativas bem sucedidas postas em prática na Região. A magnitude das mudanças negativas pode ser demonstrada, dentre outras evidências, pela presença na Região, em 1996, de um contingente 4

Uma comparação da espécie “fiel de balança”, fundamental nesses casos, poderia referir-se ao exame dos dados básicos utilizados pelo Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste-GTDN, para o final dos anos de 1940, constante do Relatório do GTDN (MINTER. Sudene, 1967: 15). Naquela época, a renda média per capita do nordestino correspondia a cerca de 40% da auferida, em termos médios, por um brasileiro. No ano de 2000, a relação passou para aproximadamente 60%. Dá para comparar esses valores percentuais, mas não convém fazer o mesmo com os números absolutos, mesmo que eles estejam referidos a preços constantes. Isto porque é preciso ter clareza quanto à utilização dos números-índice. Nesses casos, é sempre importante ter em conta a escolha adequada dos anos-base de uma dada série estatística. Como diz o prof. Dércio Garcia Munhoz, essas comparações são feitas comumente “tendo em conta o número-índice da observação mais recente, mas em relação ao período inicial.” Ao mudar o ano-base, muda tudo. Daí a prudência em comparar a renda per capita de um nordestino (em 1950, no caso) com a renda per capita total de um brasileiro (em 2000), utilizando o recurso de comparar os valores em termos percentuais, ou seja, a quanto corresponde a renda do nordestino em relação à do brasileiro, em qualquer um dos anos dos extremos de uma série. (Munhoz, 1989: 157-158.) 5 O IDH é construído considerando a esperança média de vida, o nível de educação e a renda média per capita. 6

populacional em condição de pobreza e indigência da ordem de 19 milhões de seus habitantes (cerca de 43% da população total do Nordeste, calculada como correspondendo, naquele ano, a 44 milhões de pessoas). Nos estudos realizados sobre o assunto são consideradas pobres as pessoas que não conseguem atender as necessidades de alimentação, vestuário, moradia, educação e despesas pessoais. E como indigentes os que são incapazes de atender as necessidades alimentares. Destaque-se, ademais, que o Nordeste abrigava, em 1996, 45% do número de brasileiros em condição de pobreza e 55% dos caracterizados como indigentes. (Rocha, 1995: 368.) A pobreza incide sobre cerca de 40% da população do semi-árido (cerca de 7,5 milhões de pessoas em 1996). Nas cidades, essa incidência é da ordem de 35% (3,5 milhões de pessoas). A pobreza no meio rural é de cerca de 4,0 milhões de pessoas (45% do total). A pobreza rural já foi maior. Em 1970, ela alcançava cerca de 60% da população do semi-árido. (Albuquerque, 2000-b: 64.) Certo, houve mudanças notáveis no perfil da economia nordestina. No meio século referido, pode-se observar uma tendência importante. Nos momentos de lento crescimento e fraco dinamismo econômico, o maior nível de atividade da economia era comandado pelo setor agropecuário exportador. Nos momentos de dinamismo acentuado, o motor do desenvolvimento passava a ser representado pelas atividades econômicas da indústria e dos serviços. É o que se nota examinando as informações sobre a evolução do PIB global e do PIB setorial produzidas pela Sudene. Destaques a este respeito têm sido bem pontuados. A partir dos anos 70, produtos agrícolas tradicionais – como o algodão, a mamona, a mandioca e o sisal – tiveram suas áreas de cultivo reduzidas, 6 expandindo-se as áreas ocupadas com lavouras estimuladas por mercados mais favoráveis, a exemplo da cana-de-açúcar, do arroz, do cacau, do feijão, da laranja e do milho. Também é possível observar o peso crescente de lavouras não tradicionais na produção agrícola regional, como as ligadas à 6

Sem lugar a dúvidas, a perda de peso da agricultura mais tradicional foi maior por causa das secas em áreas do semi-árido, onde a desorganização das estruturas produtivas ligadas ao complexo pecuária-algodão-lavouras alimentares não ensejou sua substituição por outras atividades agrícolas. No meio século em discussão, houve quem melhorasse de vida: os ricos, que continuaram podendo ampliar ou, pelo menos, manter seus excedentes econômicos. O mesmo não aconteceu com os pobres do campo. Dentre esses, melhoraram um pouco parcelas mais capacitadas dos que migraram para as cidades, na linha do que foi demonstrado, em fins dos anos de 1970, por Martine & Peliano (1978). Esses autores trataram com propriedade do processo de inserção das populações migrantes e não-migrantes nas (nove) regiões metropolitanas brasileiras, existentes em 1978, pondo em evidência a “sobrevivência” dos mais fortes, expressa por fatores como idade, educação – e, no limite, capacitação –, assim como o maior nível de desenvolvimento da metrópole de destino. Os que permaneceram no campo, em particular no semi-árido nordestino pioraram de vida ou continuaram na mesma situação de pobreza. Esses contingentes passaram a ser afetados em número quase sempre crescentes pelas secas havidas nos anos do meio século passado, como se vê pelo número de trabalhadores alistados nas frentes de emergência (de serviço ou de trabalho) dos anos a seguir especificados: 1958 (550 mil trabalhadores), 1970 (499,5 mil), 1979 (432,1 mil), 1980 (711,8 mil), 1981 (1.168,7 mil), 1982 (746,8 mil), 1983 (2.763,9 mil), 1993 (1942,9 mil) e 1998 (1.000 mil trabalhadores). Também tem sido crescente o número de municípios afetados, assim como o número de pessoas atingidas, residentes nesses municípios. As secas passaram a “não respeitar” nem mesmo as cidades da hinterlândia semi-árida. Cf. dados levantados pelo autor. (Carvalho, 1998). 7

fruticultura, em decorrência do alto valor de mercado que possuem. Foi o que aconteceu em áreas dos vales úmidos (como o Vale do São Francisco, em vários estados; o Vale do Açu, no Rio Grande do Norte; e o Vale do Jaguaribe, no Ceará), com lavouras frutíferas como a uva, o melão, a manga e a melancia, e em manchas favoráveis do Agreste (com o tomate, o café e a soja). Ora, em 1970, esses produtos contribuíam com apenas 3% do valor da produção agrícola do Nordeste, elevando-se dita participação para 13,5% no final dos anos oitenta. (Araújo, 2000: 206-207.) No geral, houve várias mudanças com a economia do Nordeste, no contexto da economia brasileira, na segunda metade do século XX. Os estudos a este respeito indicam que a economia nordestina naquele meio século evoluiu (quase que) pari passu ao desempenho da economia brasileira. Essa tendência mostrou-se mais concreta para os anos posteriores a 1960. Sabe-se disso porque foi possível contar para aqueles anos com uma mais ampla base de dados comparáveis, entre o PIB do Nordeste e o PIB do Brasil. É provável que o mesmo não tenha ocorrido em relação à década de 1950, quando a economia nordestina ainda não havia sido atrelada de forma mais ampla à economia brasileira, segundo a lógica (da acumulação capitalista) que integrou a economia do Nordeste ao mercado nacional, na linha solidamente construída por Wilson Cano. Para não esquecer, é importante reproduzir o que diz o professor da Unicamp sobre o processo de integração das economias regionais periféricas ao mercado nacional, comandado por São Paulo: “Em que pese o fato de certos países do centro dominante, nos primórdios do desenvolvimento capitalista, terem efetuado parte de sua acumulação primitiva às custas do mundo colonial, não foi esse o ‘caso paulista’. Certamente não às custas do excedente do Piauí, Minas Gerais ou do Rio de Janeiro, é que se implantou a moderna indústria paulista.” Durante a década de 1920 essa dinâmica economia paulista fez acentuar a concentração e a modernização da indústria produtora de bens-salário. A partir daí, e mais precisamente após a recuperação da ‘Crise de 1929’, lançou a semente da futura indústria produtora de bens de produção, que se consolidaria durante a década de 1950. A amplitude de seu próprio mercado proporcionou-lhe atração e posterior concentração da indústria de bens de consumo durável e de capital. Quando isto se dá, a economia paulista já havia consolidado seu predomínio na dinâmica de acumulação à escala nacional. É a partir desse momento que se consolidaria a integração do mercado nacional.” (Cano, 1977; e Cano, 1985: 41.)

Aquela tendência – de a economia do Nordeste ir bem quando a economia brasileira também evoluía bem, ocorrendo o inverso quando esta última tinha seu desempenho menos favorável – tem sido reforçada por novos estudos. Guimarães Neto (1998) fez uma análise importante sobre a relação entre o movimento cíclico da economia brasileira e o agravamento (ou não) das desigualdades regionais, no período que vai de 1950 a meados de 1990. Em sua abordagem Guimarães Neto conferiu destaque a contribuições importantes, como as de Wilson Cano, John Redwood, Carlos Américo Pacheco e Gustavo Maia Gomes, Carlos Osório & Ferreira Irmão, sintetizadas a seguir. No que respeita à estruturação da industrialização brasileira, Wilson Cano (1977) chamava atenção, nos anos 70, sobre as várias fases desse processo, 8

assim como sobre a forma tomada pela articulação entre as regiões. Realizou, desse modo, segundo a leitura de Guimarães Neto, “uma periodização da economia brasileira que considerava como ponto central a industrialização”. Salientou, ademais, na perspectiva do recorte que apresentamos anteriormente, “questões relacionadas ao caráter complementar e competitivo das demais regiões relativamente a São Paulo e, neste contexto, os momentos nos quais prevaleciam os efeitos inibidores, de estímulo ou destruidores”. Para Guimarães Neto, Redwood III (1977) chegou a mostrar “que parte importante das explicações para a concentração da atividade econômica no território brasileiro estaria associada a momentos de expansão ou retração da economia regional, em particular de sua indústria”. Para Redwood – que trabalhou durante parte dos anos de 1970 no Nordeste, como professor e pesquisador do Programa Integrado do Mestrado em Economia e SociologiaPIMES, da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE –, “as fases de concentração estariam associadas a momentos caracterizados pela expansão da economia, enquanto que as de desconcentração estariam vinculadas a momentos de menor intensidade na atividade produtiva.” (Guimarães Neto, 1998: 316.) Gustavo Maia Gomes, Carlos Osório & Ferreira Irmão (1985) levantaram dois aspectos importantes sobre a questão tratada por Leonardo Guimarães. Esses aspectos foram referidos ao ajustamento do mercado de trabalho ao movimento da economia, em particular do que ocorreu durante a crise dos anos 80 do século passado. Destacaram, a propósito: “(i) o ‘padrão temporal de difusão regional da crise’ e (ii) o processo de informatização das relações de trabalho”, sendo este segundo aspecto considerado como o de maior relevância para o desenvolvimento de crises responsáveis pela “destruição” de postos de trabalho. (Guimarães Neto, 1998: 317.) A percepção de Maia Gomes, Osório & Ferreira Irmão foi retomada, posteriormente, por Maia Gomes & J. R. Vergolino (1995). Estes dois autores mostraram que no período 1960-93 a economia nordestina apresentou melhor desempenho do que a do Brasil, mas apenas na década de 80, “muito embora o crescimento médio do PIB regional nos anos 70 (8,1% ao ano) tenha sido muito bom e praticamente igual ao do PIB brasileiro (8,3%).” A situação foi ainda menos favorável nos anos 90, embora eles tenham utilizado dados do PIB para apenas três anos (1990 a 1993). 7 Eles reconhecem, ademais, que se fosse utilizada uma periodização “não baseada em décadas, mas em fases relevantes da história econômica brasileira recente” seria possível obter novas luzes para o desempenho da economia nordestina, vis-à-vis o alcançado pela economia brasileira. Eles chegam a destacar que a situação da economia nordestina passou a ser desfavorável de 1987 em diante, porque os três primeiros anos da década de 1990 foram “ainda piores do que os três últimos 7

Sabe-se agora que a taxa média de crescimento do PIB real do Nordeste foi de apenas 1% no período 1990-99, vis-à-vis a taxa de 1,7% para o PIB real do Brasil, no mesmo período. [MI. Sudene (2000: 320)]. 9

da década de 80.” Salientam também que a taxa de crescimento do PIB da economia do Nordeste nunca fora negativa por um período tão longo (menos 0,5% ao ano) como o de 1987-93. (Maia Gomes & Vergolino, 1995: 15.) Talvez por não disporem de dados adequados, Maia Gomes & Vergolino deixaram de assinalar que esse comportamento deveu-se, em grande medida, à ocorrência do velho e conhecido problema das secas. De fato, as taxas de crescimento do PIB do Nordeste foram negativas nos anos de 1987 (menos 1,0%), 1990 (menos 5,9%), 1992 (menos 1,5%) e 1993 (menos 1,8%), todos eles anos de seca. Em 1991 também houve seca, mas a taxa média de crescimento do PIB da economia do Nordeste foi de 2,4%. Deve-se, assim, reter a evidência que não pode deixar de ser referida: a economia do Nordeste continua vulnerável aos efeitos das secas, embora a contribuição do setor agropecuário – historicamente o mais atingido pelos efeitos da variabilidade climática – para a geração do PIB seja cada vez mais baixa e decrescente. Com efeito, de uma participação de 30,5%, em 1960, o setor agropecuário do Nordeste diminuiu sua participação no PIB total do Nordeste para 9,7%, em 1999. (MIR. Sudene, 1994.) Isto significa que a agropecuária do Nordeste, em particular na Zona Semi-Árida e na Zona do Agreste, desorganiza-se quase que integralmente nos anos de seca, exceção feita a algumas “ilhas de fertilidade ou de tecnologia” encontradas em áreas das serras úmidas e nos espaços onde à custa de grandes investimentos do setor público vem sendo possível instalar uma agricultura moderna baseada na irrigação. Maia Gomes & J. R. Vergolino (1995) chegaram a conclusões próximas das obtidas por Leonardo Guimarães, sobre o que eles denominaram de “generalização de Guimarães Neto”. Essa generalização expressava-se pela constatação de que a economia brasileira nas fases de aceleração ou de desaceleração aumentava ou reduzia seu crescimento de modo bem mais intenso do que o observado na economia regional. Isso dava lugar “a uma alternância de intensificação (nas fases de expansão acelerada) e redução das disparidades regionais (fase de desaceleração), nesta corrida entre o Nordeste e o conjunto da economia brasileira.” (Guimarães Neto, 1984: 18.) Leonardo Guimarães chamava, ainda, atenção para o fato de que ele não estava “afirmando que, quando a economia brasileira se expande, ocorre uma desaceleração na economia regional ou que, ao se desacelerar o produto interno do País, a economia nordestina se expande. O que as informações indicam é que o movimento da economia brasileira e nordestina é fundamentalmente o mesmo, sendo que o ritmo com o qual se expande o País tem sido mais intenso que o da Região e, além disso, sua desaceleração se traduz em taxas bem menores que no Nordeste.” Além disso, salientava “que por conta de uma articulação e integração cada vez maior das regiões brasileiras, (...), a configuração da evolução das regiões tende, cada vez mais, a ser a mesma.” (Guimarães Neto, 1984: 18.) Mesmo assim, Maia Gomes & J. R. Vergolino terminam por dizer que “Apesar dos acontecimentos recentes não confirmarem a generalização feita 10

(em 1983, ou 1984) 8 por Guimarães Neto, permanece sendo verdadeiro, entretanto, que as variações da taxa de crescimento nordestino têm (quase sempre) acompanhado as que ocorrem no Brasil, no sentido de que, quando o crescimento brasileiro se acelera, o nordestino também o faz – e vice-versa para as desacelerações.” (Maia Gomes & J. R. Vergolino, 1995: 16-17.) Ainda que haja “divergências”, por parte de Maia Gomes & Vergolino, sobre a análise de Leonardo Guimarães, a concordância daqueles dois outros autores sobre a “generalização de Guimarães Neto”, ainda que parcial, é importante, porque aproxima compreensões de correntes distintas do pensamento econômico nordestino, em matéria crucial ao entendimento dos fatores que têm determinado e estruturado o processo de desenvolvimento da Região, vis-à-vis o do País. Também importante na revisão feita por Guimarães Neto, é a menção aos trabalhos de Carlos Américo Pacheco (1998) que mapeou o comportamento das economias regionais brasileiras à luz dos condicionantes de política econômica e da dinâmica cíclica do País. Pacheco aportou considerações importantes sobre o movimento cíclico da economia brasileira e sua relevância para a dinâmica das economias regionais. Depois de afirmar que os anos 80 e o início da década de 1990 marcaram “a mais longa e grave crise da história do Brasil contemporâneo,” aquele autor assinala dois aspectos importantes sobre os impactos dessa crise para nossas economias regionais. O primeiro destaque refere-se ao rompimento da longa trajetória de crescimento da economia brasileira até o final da década de 1970. Aqueles anos trouxeram à tona um “comportamento econômico cronicamente instável.” Mas a referida fase, embora recortada por “períodos de recessão, recuperação, estagnação do produto, nova recessão e recuperação, apesar portanto desta pretensa semelhança com os binômios recuperação/recessão,” não deve ser tomada como apresentando qualquer analogia com os ciclos anteriores, pois nela não havia “mais uma dinâmica cíclica comandada endogenamente, quer pelo setor de consumo durável, quer pelo gasto público ou pela indústria pesada.” O segundo destaque vai para o fato de que, em termos regionais, “o impacto mais importante dessa trajetória errática foi romper nexos de solidariedade inter-regionais, determinados pela montagem de estruturas produtivas relativamente complementares e pelo baixo grau de abertura comercial”. (Pacheco, 1998: 73-74.) O estudo de Guimarães Neto (1998: 338) deixa claro que as economias regionais brasileiras têm seguido a trajetória da economia nacional e da economia regional mais importante, que é a do Sudeste em geral e a de São Paulo, em particular. Neste sentido, ele dá relevo ao fato de as regiões periféricas brasileiras guardarem 8

A constatação de Guimarães Neto foi publicada em 1984 e elaborada em 1983, no curso dos estudos realizados sobre o chamado Projeto Nordeste, iniciativa concebida pela então Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN-PR), da qual a Sudene participou como personagem secundário, pois a execução dos estudos foi comandada mesmo pela SEPLAN-PR. 11

“especificidades que se devem não só à divisão regional do trabalho  um grande centro industrial e regiões com suas ‘especializações’  mas sobretudo à forma como, no decorrer do tempo, nas distintas fases do desenvolvimento da economia nacional, vão-se inserindo mais fortemente no movimento cíclico da economia brasileira. As regiões periféricas, com estruturas produtivas bem menos complexas que a da região mais industrializada, podem traçar trajetórias diferenciadas na medida que se constitui, ou fronteira onde se dá o avanço da exploração de recursos naturais (solos para agricultura ou recursos minerais) e de suas potencialidades, ou, ainda, em razão da localização de determinados investimentos que mesmo de reduzido porte provoca impacto considerável sobre sua economia.” 9

Os anos que medeiam 1950 e 2000 representam um período importantíssimo na vida do Nordeste. Nele foram ampliadas as bases constitutivas de uma economia capitalista mais sólida, cujos fundamentos passaram a assentar-se crescentemente em atividades urbano-industriais. Guardadas as fortes especificidades culturais da Região (construídas ou em construção), os avanços naquela direção resultaram dos maiores laços de articulação e integração produtiva realizados com a economia nacional, bancados por investimentos públicos e interesses empresariais mais modernos, em meio a empreendimentos que apenas buscavam as “facilidades” 10 creditícias e fiscais. Sem dúvida, a economia nordestina tornou-se mais sólida, embora menos solidária e mais heterogênea. Nesta última qualificação, ela se tornou mais heterogênea no tocante às suas estruturas produtivas, pautando e viabilizando a constituição de novos espaços econômicos, como os polarizados pela indústria incentivada (junto às capitais e regiões metropolitanas), pela agricultura de grãos, soja principalmente (no oeste da Bahia, sudoeste do Piauí e sudeste do Maranhão), pela fruticultura irrigada (em áreas dos vales úmidos de quase todos os estados da Região) e por alguns serviços modernos (nesses e em outros espaços do Nordeste). A heterogeneidade que caracteriza a economia do Nordeste pede um complemento. Guardados os relativismos das exceções, entendo que as percepções a este respeito não se sustentam em circunstâncias determinadas pela natureza, particularmente quando as fragilidades são utilizadas para produzir benefícios a favor das elites conservadoras da Região. De fato, aquela heterogeneidade deixa, praticamente, de ser observada nos ambientes produzidos e reproduzidos pelas secas que homogeneízam tudo. A “homogeneidade” propiciada pelas secas é viabilizada por meio dos mecanismos que a variabilidade climática tem ensejado, a exemplo dos que historicamente têm caracterizado a “indústria das secas”. Sem dúvida, o Nordeste comporta “vários nordestes”, quer se trate de espaços naturais (Litoral-Mata, Agreste, Sertões, Áreas de Exceção – como as serras frescas e os brejos de altitude – e Cerrados) ou de novos espaços 9

Francisco de Oliveira produziu um estudo importante sobre essa articulação: “A metamorfose da arribaçã; fundo público e regulação autoritária na expansão econômica do Nordeste”. (Oliveira, 1990.) Cláudio Egler retomou a matéria em sua tese de doutoramento sobre a crise e a questão regional (Egler, 1993). E Tânia Bacelar de Araújo ampliou, sobre o mesmo assunto, aspectos centrais da economia nordestina, no contexto da economia brasileira. (Araújo, 2000.) 10 As agevolaziones, de que também se nutriram muitos empresários do Sul da Itália, sob a coordenação da Cassa per il Mezzogiorno, nos anos 1960-90. (Carvalho, 1978.) 12

econômicos, produzidos sob o mando do capital industrial ou do capital mercantil que (ainda) atua em função do capital industrial. É o que ocorre com as frações de capital que entram no Nordeste pelas portas dos incentivos fiscais e facilidades creditícias diversas, para serem aplicadas em diferentes negócios imobiliários, mormente dos que têm feito a “beleza” dos calçadões das principais capitais da Região, densamente enfeitados pelos “espigões” que impedem a penetração – cidades adentro – da brisa marinha trazida pelos ventos alísios. No sentido da homogeneização dos efeitos daqueles problemas, não há como esquecer o que de fato pode ser visto nos anos de seca. Nesses anos não há diferenças notáveis entre os ambientes semi-áridos de qualquer um dos estados do Nordeste, nem entre os pobres que neles persistem em querer sobreviver. Nos anos de seca, as áreas dinâmicas que dão cor e parecem fazer as diferenças dos novos espaços produzidos são penetradas pela pobreza, tanto quanto as áreas da periferia e as “pontas-de-rua” de inúmeras cidades da hinterlândia semi-árida, mas não apenas delas. A expansão das “pontas-de-rua” também vem sendo observada em espaços onde não há seca, como se tem constatado em municípios da Zona da Mata Sul de Pernambuco. Trata-se de fenômeno correspondente ao aparecimento e aumento progressivo de bairros periféricos, iniciado no Nordeste no princípio da década de 1960. “Essas periferias constituem o local onde se aglomera não só, mas principalmente, uma população de ex-moradores, muitos dos quais aposentados e também, só que em número bem mais reduzido, de antigos pequenos proprietários.” Na Zona da Mata de Pernambuco, vive-se hoje, “desde o início da década de 80, uma fase de intensa expansão da pontas-de-rua, relacionada com o que convencionamos chamar de crise dos fornecedores. Para se ter uma idéia da importância do fenômeno, São Vicente Férrer tem, estimadamente, em suas pontas-de-rua 1/3 da população da cidade.” (Grabois, 1999: 91.) Os pesquisadores menos afeitos às diferenças constitutivas dos espaços rurais do Nordeste, que se transformam (ou se desdobram) velozmente em espaços urbanos desequipados, têm feito leituras da Região fortemente centradas no que é indicado mais pelas estatísticas do que pela história (passada e recente) e pela geografia (vendo e revendo os locais de ocorrência dos problemas examinados). Esses pesquisadores chegam a ver possibilidades onde elas não existem ou não podem ser generalizadas (quando pensam que as soluções de baixo custo têm uma capacidade ilimitada de utilização por todas as pessoas que têm mais necessidades do que demandas a serem atendidas). Vêem estoques de recursos naturais capazes de aproveitamento imediato (como os solos existentes em certas áreas do semi-árido), mas não articulam essas possibilidades com as disponibilidades de recursos hídricos, que são bem inferiores, comparativamente. De fato, o semi-árido tem uma dotação de solos férteis relativamente abundante, comparativamente aos recursos hídricos. Por exemplo, o potencial de áreas irrigáveis no semi-árido nordestino, aí incluindo as terras do vale do São Francisco, inseridas no Polígono das Secas, é de 4.177.500 hectares. Dessa 13

área, cerca de 1.514.000 hectares podem ser irrigados com recursos hídricos locais, já armazenados ou por armazenar. Constata-se, assim, um déficit hídrico de 2.663.500 hectares, cujo aproveitamento requer a transposição de águas de outras bacias hidrográficas, como a do São Francisco. Ao longo de todo esse vale, há um potencial de três milhões de hectares de terras irrigáveis, do ponto de vista da disponibilidade de solos. (Sudene, 1985; MINTER. DNOS, 1983; e MME. DNAEE, 1983: 35 e 60.) A maior disponibilidade de solos férteis  exploráveis no semi-árido  contribuiria muito pouco para melhorar as condições da agricultura local, se o ambiente continuasse semi-árido, pois ali são escassas as áreas disponíveis para irrigação, pela falta de água. Além disso, mesmo onde a irrigação pode ser realizada, do ponto de vista da existência de solos, a disponibilidade de água para irrigação é bem reduzida. Assim, a existência de uma maior dotação de solos no semi-árido só constituiria vantagem se as áreas sujeitas às secas deixassem de ser semi-áridas, passando a serem caracterizadas como dispondo de mais água.

14

2.

PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO EXPERIMENTADAS

Há uma espécie de unanimidade sobre o significado da experiência de planejamento realizada pela Sudene. Unanimidade contida, é bem verdade. Os que reconhecem sua contribuição não carregam nas tintas do reconhecimento. E os que lhe creditam menos valor não se dão conta do sentimento de perda de que ainda poderão ser possuídos quando enxergarem a importância daquele legado. Destaco, neste sentido, o que me parece essencial em relação aos aspectos que se seguem: i. ii. iii. iv.

Planejamento como Hipótese de Trabalho; Políticas do GTDN e da Sudene; Estratégias Concebidas Fora da Órbita da Sudene; e Fragilidade Institucional.

2.1

PLANEJAMENTO COMO HIPÓTESE DE TRABALHO

As mudanças positivas que o Nordeste conheceu na segunda metade do século passado devem muito aos esforços de planejamento (global e setorial) ali postos em prática sob a coordenação da Sudene, enquanto pensada, estruturada e orientada por Celso Furtado. As bases da experiência da Sudene remontam às reflexões por ele realizadas durante a época em que estudou na França e na Inglaterra, no final dos anos 40 do século passado. Também têm origem ainda nos trabalhos de planejamento que ele orientou ou realizou diretamente, nos anos 50, no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe-CEPAL. Wilson Cano, professor da Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, tem destacado que uma das grandes lições dadas por Celso Furtado sobre o Nordeste “decorre de sua competente análise econômica e ecológica da economia do semi-árido, feita em época em que a degradação ambiental ainda não estava em moda. Suas conclusões  presentes em A Operação Nordeste e no documento do GTDN  foram fundamentais para a elaboração do diagnóstico socioeconômico que faria sobre a região.” (Cano, 2000: 101.) Em suas Memórias, Celso Furtado diz haver entrado em contato com o planejamento quando estudou administração, lendo autores americanos. Já em finais da primeira metade do século XX, ele viu autores americanos explicando “que a empresa que cresce precisa de planejamento.” Pôde perceber que esta era “uma técnica fundamental para a ação racional.” Com essa técnica, podiase “ter referências com respeito ao futuro, portanto, usar a imaginação para abrir espaço.” Ele recorda que em 1948, quando de sua chegada à França, para fazer seu doutoramento, conheceu uma extraordinária experiência: a do “planejamento indicativo” que ali estava sendo praticada. Naquele momento, compreendeu que “uma economia capitalista avançada só poderia se recuperar das chagas da guerra recorrendo ao planejamento. O ‘planejamento indicativo’ 15

francês consistia em mobilizar toda a sociedade para discutir os objetivos de interesse global; depois, o financiamento era estipulado em função da sua capacidade de endividamento externo.” (Furtado, 1999: 77-78.) Quando os franceses diziam que o planejamento constituía um instrumento fundamental para ajudar a eliminar as chagas da guerra, Furtado completava dizendo que “o subdesenvolvimento era uma espécie de devastação. Portanto, para superá-lo necessita-se de planejamento. O mercado sozinho não pode resolver o problema. Não é capaz de mudar as estruturas, o que é fundamental. Mas qualquer planejamento deve ser aplicado em função do quadro político.” Ou seja, o planejamento deve ter seus objetivos compatibilizados com os do sistema econômico em vigor – capitalista ou socialista. (Furtado, 1999: 78.) Foi essa lógica e essa prática que Furtado aplicou no Nordeste, no âmbito da Sudene e, por meio desta, levou a todos os estados da Região. Depois, em 1963, sua experiência foi aplicada em escala nacional, quando ajudou a montar estruturas e sistemas de planejamento, durante o exercício do cargo de Ministro Extraordinário do Planejamento, no governo João Goulart. Várias evidências neste sentido foram destacadas por Celso Furtado no final do século XX. Ao enunciá-las, chamava atenção para o fato crucial de o planejamento como instrumento ordenador do processo de desenvolvimento haver sido “dispensado” muito cedo no Nordeste. Não se imagina aqui que ele pensasse o planejamento como reflexão e prática capaz de dar solução a todos os problemas do subdesenvolvimento. O planejamento, para Furtado, constituía o recurso a uma ou mais hipóteses de trabalho, sobre o que devia ser feito para solucionar um ou mais problemas. (Furtado, 1999: 79.) 11 O Relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do NordesteGTDN, produzido sob a inspirada concepção de Celso Furtado, constituiu a matriz da mais bem sucedida experiência de planejamento e desenvolvimento posta em prática nessa Região. A política de desenvolvimento a partir dali estruturada para o Nordeste refletiu pressões variadas, tanto de natureza política, como econômica e social. Wilson Cano destaca ter podido ampliar sua compreensão sobre o Nordeste lendo a obra autobiográfica de Celso Furtado, com destaque para A Fantasia Desfeita (1989). 12 (Cano, 200: 105.) Celso Furtado continua contribuindo positivamente com todos os que querem ver 11

Daí porque a participação dos atores sociais no processo de planejamento passou a assumir maior importância concreta, embora as experiências a este respeito ainda sejam numericamente escassas. O planejamento no Brasil só começou a ganhar esses foros a partir do final dos anos 80 do século XX, ainda assim de forma bastante incipiente, restrito a iniciativas locais (municipais) conduzidas sob a inspiração de organizações partidárias como o Partido dos Trabalhadores e algumas organizações não-governamentais, com atuação no meio rural. 12 A Fantasia Desfeita (1989) é o segundo de um conjunto de três livros autobiográficos de Celso Furtado. O primeiro foi A Fantasia Organizada (1985) e o terceiro Os Ares do Mundo (1991). 16

rever o Nordeste, mostrando como afinar evidências e hipóteses de trabalho, para que se possa compreender melhor o que acontece hoje na Região. 2.2

POLÍTICAS DO GTDN E DA SUDENE

O desenvolvimento alcançado pela economia do Nordeste na segunda metade do século XX foi fortemente influenciado pelos estímulos concedidos pelo Estado, nas diferentes fases de desenvolvimento por que passou a Região. A forte presença do governo não significa ausência ou escassa participação de setores não-governamentais. De fato, a participação do setor privado foi significativa, ainda que pautada pela dependência das iniciativas governamentais. Diferentemente das políticas até então executadas, a estratégia do GTDN contemplava diretrizes e linhas de ação setoriais calcadas na efetiva mobilização dos setores agrícola e industrial. Abrangia também diretrizes espaciais para a solução dos problemas identificados nos macroespaços regionais, particularizando a reorganização da economia do semi-árido. A orientação do GTDN foi acatada em sua inteireza pelo I Plano Diretor da Sudene. Teve seqüência no II Plano Diretor, mas começou a ser modificada no III Plano Diretor, tendo em vista a maior subordinação da Sudene às orientações estratégicas produzidas por Brasília. De todo modo, a estratégia do GTDN, segundo os desdobramentos programáticos do I e do II Planos Diretores, deu lugar ao mais bem acabado conjunto de políticas, planos e programas de desenvolvimento até hoje concebidos e executados no Nordeste. Isto porque ela pôde ser pautada por uma vontade política que não chegou a ser encontrada em nenhum esforço posterior. Não significa que aquela estratégia não tenha esbarrado em algumas limitações, tornadas visíveis numa análise ex-post. As mais importantes referiam-se à crença (quase) inabalável nas possibilidades de a indústria comandar e dar sustentação ao processo de criação de um centro autônomo de expansão manufatureira na Região. As ações decorrentes dessa diretriz tiveram que se reorientadas. A integração do Nordeste ao mercado nacional, nos anos de 1950, colocou em pauta exigências que levaram a indústria regional a se adaptar e, em alguns casos, complementar a indústria nacional. Criou-se um parque industrial, mas sem autonomia. O mundo real também alterou uma outra constatação do diagnóstico do GTDN, segundo a qual o desempenho da economia do Nordeste seria inversamente proporcional ao desempenho da economia do Centro-Sul. “O movimento de integração econômica comandado pelo processo de acumulação de capitais do país nas últimas décadas havia atingido o Nordeste e ‘solidarizado’ sua dinâmica econômica às tendências gerais da economia nacional, como ressaltaram em seus estudos Oliveira (1990) e Guimarães Neto (1989). Dessa perspectiva e nesse momento, uma das teses centrais do GTDN ficou ultrapassada: não se verifica mais o fato de a economia do Nordeste ‘ir mal’, enquanto o Centro-Sul ‘vai bem’. A integração produtiva articulara a dinâmica econômica nas diversas regiões brasileiras.” (Araújo, 2000: 205.) 17

Os planos, programas e projetos de desenvolvimento concebidos não foram sempre executados de forma a atender as demandas sociais mais efetivas. Os programas setoriais  como os da indústria  e os programas especiais de desenvolvimento regional promoveram o desenvolvimento de alguns espaços importantes, mas seus resultados contribuíram para intensificar a concentração de renda, diminuindo as possibilidades de acesso das populações mais pobres aos benefícios do desenvolvimento. Nos dias atuais, as estratégias de desenvolvimento do Nordeste devem ser compreendidas e tratadas de forma positiva, segundo lógica que articule necessidades, demandas e desejos, e signifique que “tem quem pode ou quem muito se esforça para consegui-lo”, deixando-se de lado os ganhos extraordinários dos “espertos”, porque o que estes possuem exige um preço muito alto, que nós outros não queremos, não podemos, nem devemos pagar. Por isso, adiciono aos comentários sobre o GTDN as palavras de um “corregionano”, o também nordestino, mas paraibano, Belizário Nunes: “Enfim, não se trata de satanizar o GTDN, nem de deificá-lo. Não existe evolução sem tradição: trata-se de revisar os seus equívocos e fortalecer os seus avanços. (...) Trata-se de deixar explícito (e agir em função da coisa explicitada) que o objetivo central de qualquer estratégia eficaz de desenvolvimento genuíno da região passa pelo desengargalamento do processo central do capitalismo, ou da economia de mercado, se preferirem  a reprodução e a acumulação do capital. E a disparidade distributiva (uma vez que o Estado está se retirando da arena, enquanto locus de realização do “valor agregado”) trava essa reprodução. Não se pense aqui  que Deus nos defenda!  de algum modelo de redistribuição ad hoc, tipo tomar dos ricos para dar aos pobres; ao contrário: no popular, seria algo como, ao longo do tempo, enriquecer os pobres sem empobrecer os ricos. A forma de engenheirar e tornar operacional uma estratégia desse tipo é algo que leva mais espaço do que [o utilizado aqui].” (Nunes, 1998.)

2.3

ESTRATÉGIAS CONCEBIDAS FORA DA ÓRBITA DA SUDENE

Sei que não estou deificando o GTDN ou a Sudene. Pelo que foi discutido no item 1 anterior, dá para afirmar que as bases capitalistas da economia do Nordeste de hoje foram construídas, em boa medida, como resultado do esforço dos que fizeram a Sudene – quer se trate dos que a conceberam, conduziram e sustentaram durante mais de quarenta anos, com certeza com mais acertos do que erros. Os resultados alcançados até poderiam ter sido mais eficazes, v. g. em termos sociais, não tivessem as formulações da Superintendência sido tão influenciadas pela tecnocracia brasiliense. A força desta emanava das concepções do “Projeto Brasil Grande”, formuladas pelo Ministério do Planejamento, em suas diferentes denominações, com o reforço do Ministério do Interior, ator coadjuvante dotado de poderosos instrumentos de política econômica. Nos anos de 1970 e 1980, ambas as pastas pautaram todas as iniciativas praticadas na Região, divulgando-as ou caracterizando-as, vez por outra, como originadas do Nordeste, sob inspiração da Sudene. Quem tiver olhos para ver verá que a paternidade da Sudene sobre as orientações concedidas ao desenvolvimento do Nordeste mal chegou a alcançar o início dos anos de 1970. Verá, ainda, que nas décadas de 1980 e 1990 a perda de espaço

18

institucional por parte da Superintendência caminhou de forma acelerada para o seu limite. 13 Dentre as Superintendências de Desenvolvimento Regional com que o Brasil passou a contar a partir dos anos de 1960, 14 sobreviviam na segunda metade dos anos de 1990 apenas a Sudene e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia-Sudam. Mas o órgão de supervisão ministerial responsável pelas funções de desenvolvimento regional  a Secretaria Especial de Políticas Regionais-Sepre  não dispunha de força para enfrentar a questão. Foi nesse quadro que o Ministério do Planejamento e Orçamento-MPO produziu uma nova concepção para o desenvolvimento das regiões brasileiras. Essa tarefa foi realizada, sob a coordenação do MPO, por um consórcio de bancos e empresas de consultoria, estruturados em torno do Consórcio Brasiliana, integrado pelas seguintes instituições: Booz Allen & Hamilton do Brasil Consultores Ltda, Bechtel International INC e Banco ABN AMRO S.A. Participaram ainda do estudo, na qualidade de colaboradores, a Universidade de Brasília, a Universidade de São Carlos e a Universidade do Mato Grosso do Sul, além de institutos de pesquisa e pesquisadores, reunindo cerca de 100 profissionais. O produto desse trabalho correspondeu a um amplo estudo dos problemas e potencialidades de desenvolvimento do País, caracterizado como Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento-ENIDs. Dito Estudo foi utilizado como base para o planejamento estratégico do País, tendo sido incorporado ao Plano Plurianual de Investimentos-PPA, para o período 2000-2003. Na perspectiva do MPO, os ENIDs configuravam uma nova concepção para o planejamento nacional, por definirem em relação ao País os espaços privilegiados para a realização de novos investimentos, à luz de suas vantagens competitivas. O Estudo dos ENIDs deveria configurar também uma nova regionalização do espaço brasileiro. Para isto, tomava por base as possibilidades de realização de investimentos (públicos e privados) em infra-estrutura econômica, bem como em desenvolvimento social e informação e conhecimento. Os investimentos na categoria de desenvolvimento social e informação e conhecimento deveriam ser realizados como contrapartida do Estado aos investimentos em infra-estrutura, em atendimento às exigências das demandas de integração e desenvolvimento nas áreas dos Eixos. A partir de eixos multimodais de transporte (rodovias, ferrovias, hidrovias e vias de telecomunicação), o Estudo definiu nove Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. As áreas de influência desses eixos passariam a delimitar as novas regiões, dotadas de particulares características econômicas, sociais, ambientais e de infra-estrutura. Essas áreas (ou regiões) seriam conformadas 13

Este assunto está tratado com detalhes em Carvalho, 1994. A Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste-Sudeco e a Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul-Sudesul haviam sido extintas em 1990, no curso do processo de desmonte da máquina de Estado posto em prática já no primeiro ano do governo Collor de Mello. 14

19

pelos seguintes Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (vide Cartograma 2.1): i.

Araguaia-Tocantins;

ii.

Arco Norte;

iii.

Madeira-Amazonas;

iv.

Oeste;

v.

Rede Sudeste;

vi.

São Francisco;

vii.

Sudoeste;

viii.

Sul; e

ix.

Transnordestino.

No plano das idéias, o estudo dos eixos pautou-se pelas concepções estratégicas definidas por Eliezer Batista da Silva, presidente, durante muitos anos, da Companhia Vale do Rio Doce-CVRD, a segunda mais importante estatal brasileira, depois da Petrobrás. As concepções de Eliezer Batista foram tratadas em seu livro Infra-Estrutura para Desenvolvimento Sustentado e Integração da América do Sul. Nesse livro era abordada a necessidade de os países da América do Sul se juntarem na busca do desenvolvimento econômico sustentado. A partir desta perspectiva, Eliezer Batista propunha um novo caminho para o planejamento de projetos de infra-estrutura, baseado nos princípios da eficiência e sinergia. Considerava, a respeito, três importantes componentes da infra-estrutura física: a macrologística (que abrange toda a rede de coleta, estocagem, transporte, manuseio e distribuição de bens, inclusive rodovias, ferrovias e rotas de navegação); as telecomunicações de longa distância (que envolviam o desenvolvimento de uma rede que abrangesse todo o continente); e a adequada geração e distribuição de energia (compreendendo a utilização sustentável das fontes convencionais e não-convencionais). (Silva, 1997: 10-12.) A visão de Eliezer Batista, na percepção da profª. Maria da Conceição Tavares, é construída a partir de uma indagação fundamental: “o que existe de capacidade produtiva no país que se encontre desaproveitada e cuja utilização seria mais barata que o seu sucateamento”. Considera também, no contexto das experiências asiáticas e européias bem-sucedidas que “o caminho da inserção internacional não é oposto ao da integração produtiva nacional. Pelo contrário, essa última é a base de sustentação que deve produzir sinergias suficientes para nos lançarmos ao novo tipo de concorrência internacional.” (Tavares, 1999: 90.) 20

Na prática, o governo federal pretendia substituir as cinco macrorregiões conhecidas (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) pelo conceito das regiões representadas pelos nove eixos mencionados. Nesta perspectiva, pretendia constituir “uma nova geografia do País, a partir dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, idealizada para orientar o setor público e o setor privado na alocação dos investimentos produtivos, sociais, ambientais e de informação e conhecimento. O novo mapa permite projetar, num horizonte de dez anos, uma distribuição espacial mais eqüitativa dos benefícios do crescimento econômico. Permite, igualmente, fortalecer a noção de um mercado interno revigorado, com economias regionais dinâmicas e complementares, e de uma competitividade sistêmica que prepare o País para as ameaças e oportunidades de uma economia globalizada.” (MPO, 1999: 4-5.) Na época, a concepção dos eixos parecia ser a de tentar alterar o quadro das desigualdades inter-regionais, desmontando-se a estrutura das cinco macrorregiões. Em lugar das Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul seriam criadas nove regiões novas, concebidas e delimitadas a partir de elementos dinâmicos também dados como novos, antes diluídos no interior das cinco grandes macrorregiões. Pautadas por esses novos elementos, as nove regiões  expressas por aqueles nove Eixos – apresentariam, de início, perfis econômicos mais equilibrados, que poderiam prestar-se para demonstrar a presença menos intensa de desigualdades  econômicas e sociais  no País, como as identificadas em macrorregiões como o Nordeste. Ou seja, a maneira como as “nove regiões” dos ENIDs foram configuradas ensejava a possibilidade de deslocar os centros dos problemas das macrorregiões. Como o Nordeste teve o seu território incluído em três Eixos – o Transnordestino, o do São Francisco e o Araguaia-Tocantins, que encobre quase integralmente o Estado do Maranhão –, os problemas dessa macrorregião passariam a diluir-se no contexto das três novas regiões. A proposta incluída no PPA flexibilizou aquela concepção, pelo menos formalmente. Os nove eixos foram ali incluídos fazendo parte das cinco grandes regiões da seguinte forma: i.

Eixos da Amazônia (Arco Norte e Madeira – Amazonas);

ii.

Eixos do Nordeste (Transnordestino e São Francisco);

iii.

Eixo do Sudeste (Rede Sudeste);

iv.

Eixos do Sul (Sudoeste e Sul); e

v. Eixos do Centro-Oeste (Araguaia – Tocantins e Oeste). (Brasil. DCN, 1999: 36-89.) Com a nova geografia dos Eixos, o governo talvez tenha pretendido inverter um pouco o quadro das desigualdades antes conhecidas. A concepção das regiões dos Eixos envolve outros problemas. Os investimentos neles 21

previstos foram orientados, fundamentalmente, para a expansão da economia das regiões dotadas de maior potencial. Praticamente, não havia investimentos previstos para as regiões carentes, agora diluídas nas “novas nove regiões”. Registre-se, ademais, que dentre as ações governamentais integrantes da programação dos ENIDs há programas novos e programas em andamento, como os incluídos no rol das iniciativas do “Programa Avança Brasil”. Tomando o caso específico do Nordeste, pode-se verificar que tais ações ainda não chegaram a representar mudanças de peso nessa Região. Por conta do contingenciamento parcial de recursos orçamentários, alguns “programas em andamento” têm caminhado a passos lentos. Fez-se pouco (ou quase nada) em relação à “Hidrovia do São Francisco”. Os avanços observados em relação ao “Programa de Irrigação” restringiram-se praticamente a estudos, como os relacionados à instituição do “Novo Modelo de Irrigação”. 15 O “PróÁgua” também está em andamento, mas carece de recursos para investimento. A estratégia dos Eixos tende a representar um retrocesso em matéria de planejamento, considerando a explicitação das demandas e possibilidades da sociedade nordestina. A concepção e o comando das ações caracterizadas como de desenvolvimento regional estão hoje, novamente, centralizadas em Brasília, agora no âmbito do Ministério do Orçamento e Gestão e de alguns outros ministérios, como o do Meio Ambiente – para programas como o “Pró-Água” – e o Ministério da Integração Nacional – para outros programas de infra-estrutura hídrica. 16 O “Novo Modelo de Irrigação”, além disso, está sendo conduzido sob a responsabilidade do Banco do Nordeste, hoje vinculado ao Ministério da Fazenda. Em outras palavras, as ações no campo do desenvolvimento regional voltaram a ser conduzidas de modo fortemente centralizado, a partir de Brasília. 2.4

FRAGILIDADE INSTITUCIONAL

O quadro institucional do Nordeste hoje é dramático, provavelmente, muito mais preocupante do que o existente em 1959, quando da criação da Sudene. De fato, os problemas de acesso aos benefícios sociais no Nordeste foram ampliados com a crise financeira do Estado, da qual constitui indicador efetivo a redução da capacidade de investimento do setor público, como vem-se observando desde o início dos anos de 1980. Essa crise foi levada ao seu limite no segundo semestre de 1988, quando foi posto em prática um amplo e vigoroso processo de “desmonte” do aparelho de Estado brasileiro. Como resultado desse processo, as principais instituições de desenvolvimento regional e sub-regional no Nordeste ou foram extintas ou perderam espaço de atuação.

15

Os estudos do “Novo Modelo de Irrigação” estão consolidados em quatro volumes, elaborados pelo Banco do Nordeste. (França, 2000.) 16 A Sudene não chegou praticamente a participar desses programas, assim como o DNOCS e a Codevasf, pelas razões alinhadas no item 2.4. 22

Cartograma 2.1

Áreas de Influência dos Eixos Nacionais

Legenda

de Integração e Desenvolvimento (ENIDs) Capital Federal

%

Capitais Estaduais

! !

!

Unidade da federação ! !

! ! ! !

Areas de Influencia ! !

! !

!

! !

!

Arco Norte Madeira-Amazonas Araguaia-Tocantins Oeste

!

%

Transnordestino

!

São Francisco !

!

!

Rótula Sudoeste

! !

Sul

!

!

km !

0

Fonte: IBGE - Mapa da Série Brasil Geográfico - Escala 1:5.000.000 Relatórios do Consórcio Brasiliana

23

300

600

A Sudene foi sendo empurrada para o caminho do ostracismo forçado, com perda crescente de sua capacidade de articular interesses. Terminou por ser extinta pela Medida Provisória nº 2.145, de 02 de maio de 2001, sob o argumento de que os interesses do Nordeste estariam mais bem defendidos colocando-se em seu lugar uma Agência de Desenvolvimento do Nordeste  a ser denominada de Adene. O Banco do Nordeste passou a funcionar segundo os interesses mais específicos das instituições de crédito em geral, sendo transferido da esfera do ministério encarregado dos assuntos de desenvolvimento regional para a órbita do Ministério da Fazenda. O DNOCS não conseguiu evitar o processo de obsolescência a que vinha sendo submetido, 17 perdendo capacidade de planejar e investir em projetos de captação, armazenamento e distribuição de água, bem como em projetos de irrigação. Restou a Codevasf, que, embora tenha perdido capacidade de investimento, pela redução ou contingenciamento de seus orçamentos, também vive hoje o limbo das indefinições, mesmo tendo a seu favor a decisão governamental que ampliou sua área de atuação para o Vale do Parnaíba. Pode sair fortalecida da situação em que se encontra se souber estruturar-se de forma a ampliar sua base de recursos financeiros e humanos, ampliando o escopo de seus trabalhos nas áreas do planejamento do desenvolvimento sustentável, nas perspectivas regional, sub-regional e local. O Nordeste conta com outra instituição importante: a Fundação Joaquim Nabuco-Fundaj. Com sua área de atuação abrangendo as Regiões Nordeste e Norte, a Fundaj não foi até hoje envolvida nas tarefas de estudar e pesquisar os diferentes temas da dimensão sociocultural do Nordeste, em articulação permanente com as instituições de desenvolvimento regional, que atuam nesse domínio, de forma mais ortodoxa: Sudene, Banco do Nordeste, DNOCS e Codevasf. O envolvimento articulado da Fundaj com estas entidades contribuiria para dar maior visibilidade aos esforços de desenvolvimento da Região, sem perda de sua identidade. Este sumário percurso sobre a evolução do Estado no Nordeste pode indicar que não estamos vivendo, necessariamente, um processo de diminuição do tamanho do Estado na Região (ou no Brasil), mas sua adaptação aos interesses mais específicos do capitalismo, em tempos de globalização 17

O DNOCS foi extinto pela Medida Provisória n° 1.795, de 1° de janeiro de 1999. Essa MP tratou de alterações na Lei n° 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. Na referida MP, o art. 19 da lei incluiu, no inciso XIII, a extinção do DNOCS. Essa situação perdurou por quatro meses, constando da reedição das MPs de n°s 1.795-1, 1799-2, 1799-3 e 1799-4. Na reedição de 13 de maio de 1999, a MP n° 1799-5 retirou a extinção do DNOCS. Dessa reedição até 31 de agosto de 2001, data de sua última reedição (com o n° 2.216-37), a MP foi reeditada 37 vezes, ao longo das quais o DNOCS se manteve fora da extinção. Essa é a reedição que está valendo para o DNOCS. A manutenção do DNOCS pelo processo de reedição sucessiva da MP n° 1.795, de 1° de janeiro de 1999, constitui o resultado da pressão exercida pelas lideranças políticas do Nordeste (integrantes de todos os partidos políticos). A expectativa dos grupos que defendem o DNOCS consiste, agora, em aprovar no Congresso Nacional o Projeto de Conversão de Lei que reestrutura aquele Departamento. 24

acelerada. Na realidade, a reforma do Estado, praticada no Brasil (e no Nordeste), de meados dos anos de 1980 para cá, não teve propósito nem compromisso com a redução das desigualdades regionais. Ao contrário, foi conduzida de forma a defender e apoiar processo de acumulação de capital que atendesse melhor aos interesses dos grandes blocos de capital, nacionais e externos. As privatizações das empresas estatais brasileiras, realizadas no País a partir dos anos de 1990, constituem exemplo eloqüente da defesa dos interesses maiores de grupos privados e estatais de outros países, por parte do governo brasileiro. Não se espere, pois, que eventuais tentativas de fortalecimento da máquina do Estado no Brasil, nas condições atuais de conjugação das forças econômicas e políticas, sejam realizadas “a favor das demandas sociais”. Tem razão o professor Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, quando assim se manifesta sobre a ressurreição do Estado: “As transformações ocorridas nas últimas décadas não se propõem a reduzir o papel do Estado, nem enxugá-lo, mas almejam aumentar sua eficiência como agente da acumulação capitalista, em detrimento do seu papel ‘social.’” (Belluzzo, 2001: 14-15.)

25

3.

PROBLEMAS PERSISTENTES E EMERGÊNCIA DE NOVOS

Alguns dos indicadores de desenvolvimento comentados anteriormente mostram que o Nordeste beneficiou-se de um considerável processo de crescimento na segunda metade do século XX. Foi mostrado, apesar disso, que continua expressivo o número de pessoas que vivem em condições de extrema pobreza, dado o seu limitado acesso aos serviços de saúde e saneamento e educação, sem falar no acesso quase nulo aos serviços culturais e à justiça. As elites dirigentes do período pós-1964 afirmavam, sempre que instadas pela imprensa a se manifestar em relação aos problemas do Nordeste, que muita coisa tinha sido feita, porém muito mais havia por realizar. Verdade relativa, sem dúvida, porque o hiato entre o que era feito e o que restava por fazer era grande. Como diria mais de 30 anos depois um observador bem afinado com a dinâmica dos negócios empresariais “O Brasil mudou e o Nordeste também. A região industrializou-se, mas, com exceção de certos setores, como a petroquímica, não se observa muito dinamismo: nos últimos doze meses, enquanto a indústria nacional cresceu 6%, a nordestina avançou 2,3%. E a região ainda precisa importar para dar de comer a seus 47,6 milhões de habitantes.” (Kleber, 2001: A-3.) O Nordeste continua, pois, a enfrentar muitos problemas. Quer-se, neste sentido, apontar para aqueles de maior gravidade, para tentar construir uma ponte para a explicitação de algumas alternativas de solução, como os relacionados aos seguintes tópicos: i.

O Planejamento em Segundo Plano;

ii.

Secas Continuadas;

iii.

Mudanças nos Quadros Demográficos;

iv.

Espaços Beneficiados pelo Crescimento Econômico no Nordeste; e

v.

Água mais Difícil.

3.1

O PLANEJAMENTO EM SEGUNDO PLANO

Vários dos problemas com que se defrontava a sociedade nordestina nos anos de 1950 continuam afligindo os que vivem na Região. A síntese feita por Celso Furtado para o Presidente Juscelino Kubitschek, no Palácio do Catete, em 1958, durante encontro do qual participaram vários nordestinos, continua adequada ao momento atual. Num dado momento daquela reunião, o Presidente da República indagou quem poderia escrever um documento que orientasse a realização de ações realmente novas em benefício do Nordeste.

26

Cleantho de Paiva Leite, um dos nordestinos presentes à reunião, disse para o Presidente que Celso Furtado era a pessoa certa para realizar aquele trabalho. “O problema do Nordeste é social, não é econômico”, disse Celso Furtado. “Tem muita gente rica no Nordeste. Há muito dinheiro na Região e se tira muito dinheiro de lá. O problema é social, com muita gente passando fome e uma produção de alimentos insuficiente. Além disso, é preciso pensar em outros problemas vitais, que são o abastecimento de água, a habitação e educação básica. É preciso reconstruir o Nordeste. Juscelino me olhou e disse: ‘Mas de onde você saiu com essas idéias? Por que não me disse isso antes? Perdemos muito tempo.’ Expliquei a ele que estava vivendo no estrangeiro, e então ele concluiu: ‘Você tem vinte dias 18 para botar tudo isso no papel. Vamos fazer um plano de desenvolvimento para o Nordeste’”

As iniciativas derivadas do plano de desenvolvimento cobrado pelo Presidente Kubitschek foram materializadas no documento do GTDN (Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste), com base no qual foram estruturados os quatro Planos Diretores de Desenvolvimento Econômico e Social para o Nordeste, concebidos pela Sudene, todos eles aprovados por lei federal. As ações ali contidas não foram, entretanto, suficientes para solucionar os problemas identificados naqueles documentos. Primeiro, porque as orientações dos Planos Diretores mudaram de rumo, com as diretrizes políticas praticadas pelos sucessivos governos vigentes no País, de 1964 a 1984, como resultado das políticas nacionais concebidas à luz do chamado binômio “segurança e desenvolvimento”, executadas após o Golpe Militar de 1964. Além disso, os programas e projetos que estruturaram os quatro Planos Diretores apresentavam uma diferença notável em relação aos planos e programas de desenvolvimento que ocuparam seus lugares. Com a instituição do Sistema de Planejamento Federal em 1969, os planos e programas então concebidos para o desenvolvimento do Nordeste não foram mais aprovados por leis específicas. Até mesmo o IV Plano Diretor, aprovado por lei, para vigorar no período 1969-73, transformou-se em mero documento de referência temporal. Seu lugar foi ocupado em 1971/72 pelo Plano de Desenvolvimento do Nordeste (1972-74), preparado pela Sudene, consoante as orientações estabelecidas no Metas e Bases para a Ação de Governo, depois transformadas em I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com vigência no período 1972-74. A Sudene prepararia, na seqüência, Programas de Desenvolvimento para os períodos de vigência do II PND (1975-79) e do III PND (1980-85). Embora não aprovados por lei e fossem considerados como uma espécie de anexos dos PNDs, os Planos e Programas para o Nordeste tiveram o mérito de manter orientações gerais e específicas para o desenvolvimento da Região, ainda que pautadas prioritariamente por objetivos e interesses nacionais.

18

Palavras proferidas por Celso Furtado durante as homenagens que lhe foram prestadas, no dia 10 de junho de 2000, em João Pessoa, na Paraíba, por ocasião dos seus 80 anos de idade. In: Seminário Internacional “Celso Furtado, a Sudene e o Futuro do Nordeste”. Recife, Sudene, 2000, p. 352. 27

No primeiro ano do chamado período de redemocratização das instituições do País (1985), foi elaborado o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, com vigência para o período 198689. No contexto desse Plano, a Sudene elaborou “Uma Política de Desenvolvimento para o Nordeste”, que constituiu a primeira etapa do I Plano de Desenvolvimento do Nordeste na Nova República (I PND-NR), cuja vigência compreendia o mesmo período do I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República. A formulação do documento Uma Política de Desenvolvimento para o Nordeste apresentou duas novidades em relação aos planos formulados a partir de 1970/71. A primeira dizia respeito ao fato de sua formulação ter envolvido uma ampla mobilização de importantes segmentos sociais do Nordeste (governos e representantes de órgãos da sociedade civil). Em segundo lugar, o documento chegou a ser aprovado por lei do Congresso Nacional  a Lei nº 7.499/86. Essas características expressavam os avanços sociais à época possibilitados pelo processo de abertura política inaugurado com a campanha das “diretas já”, que estruturaram o período de governo da chamada “Nova República”. A operacionalização desse último documento foi concretizada com a elaboração do Plano Trienal de Desenvolvimento do Nordeste, a ter vigência no período 1988-90. Embora aprovado pelo Conselho Deliberativo da Sudene, esse Plano teve sua execução submetida aos mesmos percalços dos Planos anteriores. Dos recursos financeiros nele previstos ficaram efetivos apenas aqueles que incluídos no orçamento da Sudene foram, posteriormente, inseridos no Orçamento da União, com o beneplácito do Ministério do Interior e da Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Nos anos da década de 1990, a Sudene viu-se perdendo força e prestígio em relação às tarefas de planejamento e coordenação. A instituição até podia formular planos e programas, mas sua aceitação no contexto dos Planos Nacionais ia sendo cada vez menor. Essa situação culminou com seu afastamento da coordenação de Programas Especiais importantes, como o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural do Nordeste-PAPP. A instituição foi deixando de ser mobilizada para essas tarefas. Em 1993, ainda chegou a preparar um plano para a Região  o Plano de Ação Governamental no Nordeste  PAG/Nordeste , em atendimento a uma solicitação do Presidente Itamar Franco, concentrando atenção em dois programas básicos: o de Transformação do Semi-Árido e o de Combate à Pobreza. As dificuldades políticas do período foram, porém, muito fortes, contribuindo para que o Plano não passasse de uma versão preliminar, que chegou a circular em caráter restrito em agosto de 1993. (MIR. Sudene, 1993.) Em 1997, o quadro tornou-se mais grave. A Secretaria Especial de Políticas Regionais-Sepre chegou a preparar e publicar uma Estratégia e Prioridades para o Desenvolvimento do Nordeste, praticamente sem o concurso da Sudene. (Brasil. MPO. Sepre, 1997.) No segundo semestre de 1999, por demanda do Ministério da Integração Nacional, que substituíra a Sepre, a Sudene foi chamada a preparar um novo Plano de Desenvolvimento para o Nordeste. A tarefa não chegou a ser 28

concluída, embora a Sudene tivesse chegar a produzir documentos específicos, em duas ou três versões. A descontinuidade constituiu, portanto, a marca característica da execução dos Planos de Desenvolvimento postos em prática no Nordeste, a partir de 1964. Talvez convenha dizer que as exceções terminaram por corresponder ao que foi programado e realizado na vigência do I e do II Plano Diretor de Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste, quando a Sudene ainda não havia sido transformada em instituição apenas tolerada pela burocracia de Brasília. De 1964 em diante, a Sudene passou a funcionar mais como repassadora de recursos dos incentivos do que como instituição capacitada a orientar o Projeto de Desenvolvimento imaginado pelas forças sociais que trabalharam por sua criação no final da década de 1950. A agonia da Sudene terminou no dia 02 de maio de 2001. Naquele dia, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, assinou ato extinguindo a Superintendência, sob o silêncio dos parlamentares e dos governadores do Nordeste. No ato de extinção estava prevista a criação de uma Agência de Desenvolvimento do Nordeste  a Adene, pensada para funcionar na linha das proposições que vinham sendo feitas pelo então ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, do PMDB do Rio Grande do Norte. A Sudene foi extinta como se suas funções já não atendessem aos interesses do Nordeste. No ato do Presidente da República, a extinção foi justificada sob o argumento de que aquela Superintendência constituía uma “reprodução do Brasil arcaico”. Argüia-se que a Sudene se transformara em uma instituição clientelista e corporativa, que abrira espaço para a corrupção. Os argumentos poderiam ser parcialmente verdadeiros, mas o procedimento era totalmente inadequado. Como foi salientado pela imprensa do Nordeste, “Estas duas adjetivações são muito vagas e podem ser aplicadas a grande parte dos órgãos do governo. O clientelismo e o corporativismo não são vícios intrínsecos das regiões pobres, mas resultado da ausência de planejamento e das indispensáveis auditagens que deveriam existir em órgãos governamentais, todos sujeitos ao clientelismo, inclusive os ministérios. Cabe aqui repetir a afirmação de que o Brasil não é um país intrínseca e inelutavelmente corrupto, mas mal auditado.” (O Povo, 2001: A-6.) Com efeito, se as instituições atuam mal, que sejam melhorados os processos de auditagem, para punir os culpados pela má gestão da “coisa pública”, em lugar da simples determinação de sua extinção. Fechar uma instituição como a Sudene ou o DNOCS, sem punição para os culpados por seus desempenhos ineficientes representa um desserviço para a população das áreas por elas atendidas. No Brasil tem sido assim: punem-se as instituições, fechando-as, em lugar de penalizar os maus administradores. As experiências de planejamento em curso no Nordeste, a exemplo das estruturadas no contexto do Projeto Áridas (Magalhães et alii, 1993; e Magalhães, 1994), fornecem subsídios importantes para a retomada do planejamento na Região. Embora as expectativas nem sempre sejam muito 29

favoráveis, há convergência quanto à estruturação de novos sistemas de planejamento. Como diz o professor Paulo Haddad: “Se houver condições político-institucionais para a reestruturação de sistemas de planejamento em escala subnacional no Brasil, será indispensável que o estilo e o conteúdo deste novo sistema de planejamento sejam bastante diversos dos que prevaleceram na década de 70. O novo sistema de planejamento deverá ser mais descentralizado; contar com maior participação privada e intensa mobilização comunitária: favorecer a introdução das novas técnicas de gestão da organização privada na administração pública; ser menos economicista e mais político-institucional; incorporar os conceitos de sustentabilidade ambiental, eqüidade social e endogenia na concepção e na implementação de suas políticas, programas e projetos de desenvolvimento.” (Haddad, 1996: 146.)

Além das inovações conceituais, explicitadas no planejamento com sustentabilidade, referidas por Paulo Haddad e tratadas nos estudos do Projeto Áridas, a retomada do planejamento regional envolve desafios importantes, como os levantados por Leonardo Guimarães Neto (1996: 1171-172). Para ele, o primeiro desafio está relacionado “à inserção do Brasil no processo de globalização da economia mundial, que tende a se expressar, sobretudo, numa abertura econômica e na intensificação da competição.” O segundo desafio, que pode sobrecarregar o primeiro, refere-se à “postura política, hoje hegemônica no governo e nos meios de comunicação, de considerar o mercado como mecanismo único e soberano na alocação de recursos e na definição das relações entre os agentes econômicos.” O terceiro desafio tem a ver com o processo de reconcentração espacial, já identificado e trabalhado por vários profissionais da área. Guimarães Neto destaca no particular as contribuições de Diniz (1995) e Cano (1995). Em princípio, Leonardo Guimarães concorda com a orientação delineada por Haddad, v. g., no que se refere ao caráter participativo do processo de planejamento, que, aliás, vem integrando as experiências mais recentes de planejamento no Nordeste, da qual constitui exemplo particular a que foi estruturada para a Região do Seridó do Rio Grande do Norte. 3.2

(DES)ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO NO SEMI-ÁRIDO

Na segunda metade do século XX, o número de anos de seca foi quatro vezes superior ao número observado na primeira metade do século. De 1900 a 1950, houve secas nos anos de 1900, 1903, 1915, 1919, 1932 e 1942. De 1951 a 2000, foram de seca os anos de 1951-53 (três anos), 1958, 1966, 1970, 1976, 1979-83 (cinco anos), 1987, 1990-93 (quatro anos), 1998-99 (dois anos) e 2000, totalizando vinte anos. 19 No final dos anos de 1940, Guimarães Duque já chamava atenção para os métodos e processos de trabalho que deveriam ser praticados nas áreas semi-áridas do Nordeste: 19

Veja-se, a respeito, os trabalhos de Alves, 1953; Souza Brasil Sobrinho, 1958; Rebouças, & Marinho, 1970; Carvalho, 1973; Brasil. Sudene, 1981; Carvalho, 1988; Cavalcanti, 1988; Carvalho, Coord., Egler & Mattos, 1994; e Maia Gomes, 2000). 30

“A seca tem de ser vencida com o trabalho metodizado, perseverante, paciente e científico da população, porque não adianta os técnicos construírem obras hidráulicas na frente e os habitantes continuarem a devastação atrás. Seria construir com as mãos e desmanchar com os pés. A açudagem e a devastação são duas obras antagônicas, uma que cria e outra que destrói, uma intensiva e outra extensiva, uma lenta, outra rápida. Não é interessante fincar açudes em cada grota se o povo vem atrás metendo o machado na vegetação nativa, protetora do solo e da vida. Um deserto açudado baniria o habitante. Não basta a açudagem, não é suficiente irrigar, é preciso ir além, ir mais fundo na questão, e educar o homem para salvar este restinho de vegetação, de cobertura verde, que mantém a vida aqui, que é a artilharia de grosso calibre para impedir a invasão do deserto.” (Duque, 1949.)

Suas recomendações não foram devidamente consideradas nos programas de fomento e pesquisa postos em prática na segunda metade do século XX. As ações destinadas a promover o desenvolvimento passaram por vários momentos de descontinuidade. Por isso, as secas continuaram atuando como uma das principais causas de pobreza, extrapolação dos movimentos migratórios e concentração populacional nas cidades de todos os portes existentes no semi-árido. Isto ocorre pela redução, frustração ou ausência de safras agrícolas e perda de rebanhos, bem como pela diminuição do nível de atividades econômicas nos setores não-agrícolas. Neste sentido, as secas contribuem para a redução ou ausência de renda nas áreas por elas afetadas. O maior número de secas na segunda metade do século XX também teve origem climática. Mas outros fatores contribuíram para transformar anos de chuvas apenas regulares em anos de seca, como os resultantes da desorganização das atividades do complexo pecuária-algodão-lavouras alimentares e da introdução da praga do bicudo nas áreas de lavoura algodoeira. Os fazendeiros e trabalhadores residentes no semi-árido, dedicados ao cultivo do algodão, na passagem dos anos 70 para os anos 80 do século passado, foram submetidos a fortes mudanças em suas atividades. Há 20 anos atrás, aquelas categorias de produtos ainda se vinculavam às atividades daquele complexo, sustentadas por uma lógica caracterizada: i. pelo interesse dos donos de terra em manterem a força de trabalho de que necessitavam para garantir a formação de pastagens para os seus rebanhos; ii. pela oferta de um pedaço de terra, por parte dos proprietários rurais, para que nele fosse cultivada a principal lavoura comercial do semi-árido – o algodoeiro arbóreo, também conhecido como algodão mocó (lavoura semipermanente, com produção útil, durante cinco anos ou mais); e iii. pela necessidade que tinham os trabalhadores de disporem de um pedaço de terra, para dela tirar o sustento de suas famílias. Ligados àquelas atividades, os pequenos agricultores e trabalhadores sem terra do semi-árido se mantinham às custas da exploração de lavouras de subsistência – milho, feijão e, em alguns locais dotados de solos mais férteis, 31

arroz e mandioca. Explorando tais atividades, eles tinham acesso a uma renda monetária, ainda que pequena, como resultado do plantio do algodoeiro arbóreo. E davam sustentação à pecuária, que era a principal atividade econômica dos proprietários de terra, por meio dos pastos que formavam, nas áreas cultivadas com o algodoeiro. Além de questões ligadas ao mercado internacional do algodão, que passava a ser parcialmente abastecido por produções de áreas mais competitivas, fosse pela utilização de melhores tecnologias, fosse pela utilização de força de trabalho mais barata, como as obtidas no Egito e no Paraguai, a lógica do complexo pecuária-algodão-lavouras alimentares foi rompida em 1983, com a entrada do “bicudo” (Anthonomus grandis Boheman) na Região. Essa praga agrícola – específica das malváceas em geral e do algodoeiro em particular – foi encontrada naquele ano em Ingá, na Paraíba, e em Campinas, no Estado de São Paulo. A desorganização da economia do semi-árido, baseada no complexo de atividades referido, foi fortemente ampliada durante a seca de 1979-83, por conta do esquema de atendimento às pessoas alistadas nas “frentes de trabalho”. Essas “frentes” funcionavam no interior das propriedades rurais. Ali, os trabalhadores alistados recebiam uma remuneração simbólica, correspondente, em média, a meio salário mínimo. Eles ganhavam pouco, mas também trabalhavam pouco. E com esse pouco, eles se contentaram durante os cinco anos de duração da seca. Um dos resultados mais evidentes foi a desestruturação das atividades do complexo, potenciada pela ação do “bicudo”, que encontrou terreno fértil para sua expansão. Como a produtividade média do algodoeiro arbóreo, variedade plurianual, era muito baixa (cerca de 150 kg/ha), foi difícil adotar “esquemas de convivência” tecnológica entre os produtores (principalmente os pequenos) e o “bicudo”. A praga tornou-se endêmica. Com o apoio tecnológico da Embrapa Algodão, têm sido experimentados “esquemas de convivência” nas áreas onde se cultiva o algodoeiro herbáceo, variedade anual, de produtividade muito mais elevada (mais de 1.000 kg/ha). A desestruturação do complexo pecuária-algodão-lavouras alimentares é problemática para a economia do semi-árido porque ainda não foram criadas alternativas econômicas compatíveis, ou seja, não se introduziu nem se identificou uma ou mais lavouras adaptáveis ao ambiente semi-árido, em condições tecnológicas capazes de propiciar aos pequenos produtores a renda antes oferecida pelas atividades do complexo. 20 A procura de alternativas tem 20

O antigo Centro Nacional de Pesquisa do Algodão-CNPA da Embrapa, hoje denominado Embrapa Algodão, dispõe de um bom acervo de conhecimentos a esse respeito. O Centro indica que há amplas possibilidades de introdução de uma nova variedade, resultante do cruzamento do algodão herbáceo com o algodão arbóreo – a CNPA-7 MH – em áreas semiáridas. Essa variedade associa a resistência do algodão arbóreo aos níveis de produtividade do herbáceo. Tem ciclo de 3 anos, características de precocidade, fibra uniforme e resistente, cujo cumprimento mede de 32/34 mm a 34/36 mm, atendendo plenamente as exigências do segmento industrial. As produções obtidas têm alcançado rendimentos situados entre 1.000 e 2.500 kg/ha, em campos instalados por produtores selecionados. A Embrapa Algodão recomenda que se trabalhe com estimativas médias de 1.000 a 1.300 kg/ha. Os experimentos 32

ensejado a constituição de problemas adicionais para o semi-árido. É o caso da violência instituída pela prática de assaltos a veículos de carga e de passageiros nas áreas semi-áridas de todos os estados do Nordeste, complementada pelo plantio e comercialização da maconha (Cannabis sativa Linn.) nas melhores terras, dotadas de água, inclusive no interior de Projetos Públicos de Irrigação. Ademais, a ausência/redução das migrações inter-regionais também tem contribuído para aumentar o crescimento da população urbana no semi-árido. 3.3

MUDANÇAS NOS QUADROS DEMOGRÁFICOS

As cidades importantes do interior do Nordeste, além das capitais, nos anos 50, eram pouco numerosas. Dentre elas, destacavam-se as referidas a seguir, por estado: Jequié e Feira de Santana (Bahia); Penedo e Propriá (Sergipe); Penedo e Arapiraca (Alagoas); Catende, Garanhuns e Caruaru (Pernambuco); Campina Grande e Souza (Paraíba); Mossoró, Caicó, Currais Novos e Ceará Mirim (Rio Grande do Norte); Crato, Sobral e Maranguape (Ceará); Picos, Parnaíba e Campo Maior (Piauí); e Pedreiras (Maranhão). Suas economias estavam vinculadas aos setores agrícola e mineral. Além daquelas, havia algumas outras cidades importantes nas Serras Úmidas (ou Brejos de Altitude), como Ubajara (no Ceará); Serra Negra do Norte (no Rio Grande do Norte); Serra do Teixeira e Areia (na Paraíba); Triunfo (em Pernambuco); Água Branca e Mata Grande, apenas parcialmente (em Alagoas); e Lençóis (na Bahia). Sergipe não tem terras situadas em áreas de serra. A economia dessas cidades esteve historicamente ligada à fruticultura. Elas serviram, durante muito tempo, de refúgio para os proprietários dotados de mais capital, que ali passavam os tempos difíceis das secas. Naquela época, a infra-estrutura de transporte estava referida em sua quase totalidade às estradas construídas pelo DNOCS, que executava todos esses tipos de ações no Nordeste: açudes, poços, estradas, aeroportos e sistemas de abastecimento de água. Até o final dos anos de 1950, os trechos de estradas asfaltadas no Nordeste eram extremamente reduzidos em número e em extensão. Não passavam de muito mais de 100 a 150 km em cada um dos Estados. Os viajantes vibravam de satisfação quando chegavam aos trechos asfaltados que antecipava a entrada nas capitais do Nordeste. O número de pessoas residentes em áreas urbanas no Brasil, segundo o Censo de 2000, chegou a 81,2% da população total, representados por 137,7 milhões de brasileiros. Esses números têm sido colocados em dúvida por alguns economistas e demógrafos, que se mostram reticentes em relação àquele grau de urbanização. 21 envolvem um outro fator, de natureza qualitativa, agregável a essa variedade, cujo cultivo pode ser realizado em moldes orgânicos, para atingir nichos diferenciados de mercado, que pagam ágio de até 30% sobre o algodão produzido segundo práticas convencionais. (Moreira; Beltrão; Freire; Novaes Filho; Santos; & Amorim Neto, 1995.) 21 Veja-se, a respeito, o instigante artigo “A Ilusão de um País Urbano”, do prof. José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo, no qual argumenta que boa parte da população brasileira 33

A causa das restrições comentadas parece referir-se ao conceito de domicílio urbano do IBGE. Por isso, convém deixá-lo aqui explicitado. De acordo com o Censo Demográfico de 2000, é considerado residente em área urbana a pessoa que vive em domicílio urbano. Na seqüência, caracterizam-se como domicílios urbanos “as áreas urbanizadas ou não, correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas.” E como domicílio rural “toda a área situada fora desses limites, inclusive os aglomerados rurais de extensão urbana, os povoados e os núcleos.” (MPO. IBGE, 2000: XI-XII.) Com certeza, as pessoas residentes em “domicílios urbanos” situados em “lugarejos perdidos” não têm o mesmo acesso aos privilégios dos serviços tipicamente urbanos, a exemplo dos serviços básicos de abastecimento de água e saneamento. Mas ao migrarem para uma vila ou sede de distrito, aquelas pessoas passam a ter de se comportar como os habitantes de todo sítio urbano, a começar pela natureza das atividades que desempenham. Mesmo as pessoas que residem nas cidades, mas trabalham, temporariamente, no campo, aprendem a incorporar hábitos de quem vive nas cidades. E é nesses sítios que aquelas pessoas estão aprendendo a identificar e a defender com mais presteza sua cidadania. Aqui se trabalha por isso com os conceitos de domicílios urbanos utilizados pelo IBGE para caracterizar a população urbana do Nordeste. De uma população recenseada total de 22,4 milhões de habitantes, em 1960, com 34,2% vivendo em domicílios urbanos, o Nordeste chegou a 2000 com uma população total de 47,7 milhões, dos quais 69% estavam residindo em áreas consideradas urbanas. Houve um crescimento de 113%, representado, em números absolutos, por mais 25,3 milhões de pessoas. O crescimento teria sido muito maior na ausência das migrações extra-regionais. A situação da população do Nordeste neste fim começo de século é bem diversa da encontrada ali 50 anos antes. As condições de vida das pessoas que viviam no meio rural nos anos 50 e migraram para as cidades, mesmo as de menor portes, podem até estar melhor hoje, tomando-se por base o acesso que elas têm às informações, ao emprego e aos serviços básicos. Mas as desigualdades no meio urbano estão muito acentuadas. Os dados de pesquisa do PNUD e IPEA sobre as condições de vida da população brasileira (IDH e ICV) mostram que os indicadores sociais melhoraram em algumas capitais do País, em relação à primeira metade dos anos 80, considerada como a “década perdida”. Mas pioraram em outras, pois houve aumento do desemprego e da desigualdade de renda. Além disso, o acesso ao trabalho piorou. “Porto Alegre perdeu renda e o primeiro lugar como a cidade mais bem avaliada pelo ICV (Índice de Condições de Vida) entre 1995 e 1999. Curitiba é a melhor entre as capitais. Na segunda posição, São Paulo foi residente em domicílios urbanos não é, necessariamente, urbana, por não ter acesso aos serviços urbanos básicos e essenciais. (Veiga, 2000.) 34

quem mais evoluiu entre esse período e 1981/1985 (28%). No outro extremo, a oitava colocada, Salvador ficou praticamente estagnada (0,6%).” (Ryff, 2001: C-8 a C-10.) Dentre as doze capitais estudadas, Fortaleza ficou em décimo primeiro lugar no ICV, com 0,691, e décimo segundo no IDH, com 0,698. Enquanto isso, Recife colocou-se em décimo segundo lugar no ICV (0,690) e em décimo primeiro no IDH (0,700). Ou seja, a situação das duas últimas capitais no ranking das 12 capitais brasileiras, além de desvantajosa, não distingue muito uma da outra. A situação é crítica, pois se trata de duas das três capitais dos estados economicamente mais importantes na Região. O semi-árido nordestino merece destaque especial, tendo em vista os problemas sociais e econômicos enfrentados pelos que ali vivem. De fato, a Zona Semi-Árida vem se caracterizando, desde os anos de 1960, como espaço com uma das maiores taxas de crescimento urbano em todo o Nordeste. Essas especificidades já haviam sido captadas no Censo Demográfico de 1970. No período 1970-80, o aglomerado “população urbana do interior do Nordeste”  correspondente à população urbana total da Região menos a população urbana das capitais, cresceu a 4,41% ao ano, vis-à-vis a taxa de crescimento anual da população de todas as capitais nordestinas, que foi de 3,6%. A taxa de crescimento da população urbana do Nordeste semi-árido, no mesmo período de 1970-80, foi de 4,4% ao ano, idêntica à constatada para o aglomerado “população urbana do interior do Nordeste”. Note-se, ademais, que afora as capitais, as “porções interiores dos estados do Nordeste” que apresentam maior crescimento urbano são as do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Note-se, também, que são exatamente esses os estados com maiores proporções de seus territórios incluídas nos domínios semi-áridos do Nordeste. As participações a este respeito são as seguintes: Ceará (92,51%), Rio Grande do Norte (84,66%), Paraíba (80,45%) e Pernambuco (64,97%). (Carvalho, 1988: 445.) As tendências à expansão do crescimento urbano nos espaços semiáridos tiveram continuidade nas décadas seguintes, embora as taxas globais de crescimento demográfico tenham sido um pouco menor. De fato, no período 1980-91, a taxa de crescimento da população urbana do semi-árido foi ligeiramente inferior (4,01%), o mesmo acontecendo com a do Nordeste como um todo (3,53%). No período 1991-2000 continuou crescente o grau de urbanização do Nordeste. Conforme mencionado, a presença de população em sítios urbanos passou de 60,52% em 1991 para 69,04% em 2000. Mas houve uma diminuição da taxa de crescimento da população total da Região, que baixou de 1,8% ao ano, no período 1980-91, para 0,96%, no período 19912000. A taxa de crescimento da população urbana do Nordeste que fora de 3,53% no primeiro período baixou para 2,45% ao ano, no período 1991-2000. A redução na taxa de crescimento da população total ocorreu por conta de dois movimentos, o de diminuição da taxa de crescimento da população e o de redução – com forte perda – da população rural, que transparece na taxa de 35

crescimento da população rural, que foi de – 1,73% ao ano, no período 19912000. Os dados do período 1991-2000 confirmam a tendência das décadas anteriores, referidas tanto ao Nordeste como um todo como ao próprio semiárido. A presença da população urbana no semi-árido que era de 48,56%, em 1991, elevou-se para 56,52%, em 2000. A taxa de crescimento da população total das áreas afetadas pelas secas (que foi igual a 0,89% ao ano), no período 1991-2000, ficou assim um pouco menor do que a do Nordeste (0,96%). Mas a da população urbana (igual a 2,60%) superou a do Nordeste (2,45%). Pode-se, por isso, observar uma menor taxa de crescimento da população rural na Região Semi-Árida do FNE (– 0,98%), vis-à-vis a taxa de – 1,73% da população rural de toda a Região Nordeste. Todos esses resultados estão sintetizados na tabela 3.1 a seguir.

TABELA 3.1 POPULAÇÃO TOTAL, POPULAÇÃO URBANA E POPULAÇÃO RURAL DO NORDESTE E DA REGIÃO SEMI-ÁRIDA DO FNE, NOS ANOS DE 1991 E 2000 POPULAÇÃO ANO POPULAÇÃO (Habitantes) URBANA/POPULAÇ TOTAL URBANA RURAL ÃO TOTAL (%) NORDESTE, 1991 NORDESTE, 2000

60,52 69,04

43.751.261 26.477.750 47.679.381 32.919.667 Taxa de Crescimento da População do Nordeste: 1991-2000 (%) 0,96 2,45 REGIÃO SEMI-ARIDA DO FNE, 1991 48,56 17.847.287 8.666.912 REGIÃO SEMI-ARIDA DO FNE, 2000 56,52 19.326.007 10.922.370 Taxa de Crescimento da População do Nordeste Semi-Árido: 1991-2000 (%) 0,89 2,60 FONTES DOS DADOS BÁSICOS: IBGE. Censo Demográfico de 1991 e Resultados Preliminares do Censo Demográfico de 2000.

A urbanização no semi-árido continua crescente por conta da desestruturação por que passa sua economia. As oportunidades de ocupação criadas por algumas atividades dinâmicas são insuficientes para reter a força de trabalho que chega ao mercado. Os mecanismos de absorção populacional propiciados pelas migrações extra-regionais deixaram de funcionar, como resultado da reestruturação das economias das outras regiões ou das crises conjunturais ali observadas. As estratégias de sobrevivência adotadas por aqueles que migravam para fora do Nordeste passaram a incluir a migração para as capitais dos estados da Região. O mecanismo teve uma relativa funcionalidade até o final dos anos de 1970 e começos dos de 1980, quando os deslocamentos nessa direção foram intensificados com a seca de 1979-83. A partir de então esse tipo de possibilidade exauriu-se. As migrações de origem rural e destino urbano passaram a ser feitas, primeiro, em direção às poucas

36

17.273.511 14.759.714 – 1,73 9.180.375 8.403.637 – 0,98

cidades de porte médio e, em seguida, para as cidades de qualquer tamanho. A partir desses movimentos nasceram e cresceram as pontas-de-rua, como já foi referido no item 1 anterior. Os problemas enfrentados pelos migrantes tornaram-se mais graves, pois os locais de destino a que eles chegavam também não dispunham de oportunidades de trabalho para oferecer. 22 Tem aumentado o número de povoados e vilas, mas são poucas as pequenas cidades cuja população cresce como resultado do dinamismo de suas atividades econômicas. Vão sendo assim reforçadas as evidências de que a economia do Nordeste se estrutura e se sustenta, fundamentalmente, como resultado do dinamismo de suas capitais e de umas pouquíssimas cidades, beneficiadas pela força de determinados investimentos públicos, como os aplicados em projetos de infra-estrutura hídrica e de aproveitamento hidroagrícola de terras irrigáveis, como está ocorrendo nos pólos agroindustriais de Petrolina-Juazeiro, em terras de Pernambuco e Bahia, e Açu, no Rio Grande do Norte.

3.4 ESPAÇOS ECONÔMICO

BENEFICIADOS

PELO

CRESCIMENTO

As atividades concebidas para dar solução aos problemas do Nordeste, mormente os identificados nos anos 50, por meio da estruturação de iniciativas planejadas, passaram por múltiplas modificações, com lógica determinada e comandada pelo governo federal. De instituição capacitada a pensar o Nordeste na linha de um Projeto de Desenvolvimento Regional, cujos resultados só seriam alcançados a médio e longo prazo, a Sudene foi sendo, progressivamente, forçada a pautar sua atuação pelos determinantes do Projeto Brasil Potência. A solução dos problemas que faziam do Nordeste um espaço com estruturas econômicas frágeis, dominadas por uma minoria de proprietários do capital, passou a ser pensada em contexto que privilegiava a introdução de tecnologias modernizantes, sem a necessidade de promover mudanças nas estruturas e formas do poder político, conservador em sua essência. Os ganhos de produção e produtividade obtidos com os projetos incentivados pela Sudene passaram, por isso, a contribuir para aumentar a concentração de renda e a excluir muito nordestino dos benefícios que 22

A singularidade, em termos nacionais, do elevado processo de crescimento urbano observado no Nordeste semi-árido tem a ver com a frágil base de recursos naturais dessa região, potenciada pelos impactos socioeconômicos e político-institucionais das secas. Pode-se argumentar que a Região de Brasília e Entorno do Distrito Federal também passa por intenso processo de crescimento urbano. É verdade. Mas o crescimento urbano que ali se observa é de outra natureza. Seus determinantes fazem parte da lógica de expulsão e atração populacional que caracteriza as migrações em geral, e em particular das realizadas em direção às capitais e regiões metropolitanas do País. 37

chegavam à Região. Neste sentido, foram mais privilegiados os grupos econômicos e sociais de alta e média renda, residentes em capitais como Salvador, Recife e Fortaleza, vindo na seqüência grupos da mesma categoria residentes nas demais capitais de estado. O processo de desenvolvimento em curso no Nordeste também propiciou benefícios aos grupos econômicos e sociais liderados por oligarquias políticas fortes, dotadas de grande capacidade de aglutinar interesses, destacando-se os de captação e realização de investimentos públicos. Daí a grande concentração de renda e negócios nas capitais dos estados da Região. Esses núcleos urbanos geram mais de 2/3 da produção dos estados nordestinos, tomando-se por base indicadores diretos como o PIB. As percepções a este respeito são reforçadas por estudos sobre a rede urbana brasileira, hierarquizada a partir de informações do Produto Interno Bruto-PIB municipal, como as levantadas e sistematizadas por pesquisadores do IPEA e da Unicamp. 23 Os autores dos estudos sobre a hierarquização da rede urbana brasileira são cautelosos no manejo dessas informações. Têm razão. Dos 111 centros constitutivos da rede urbana brasileira, 25 estão localizados no Nordeste, encontrando-se assim hierarquizados: i)

Metrópoles nacionais (três): Salvador, Recife e Fortaleza;

ii) Centros regionais (seis): São Luís, Maceió, Natal, Teresina, João Pessoa e Aracaju; iii) Centros sub-regionais de nível 1 (sete): Ilhéus/Itabuna, Caruaru, Juazeiro do Norte/Crato, Petrolina/Juazeiro, Campina Grande, Feira de Santana e Vitória da Conquista; e iv) Centros sub-regionais de nível 2 (nove): Montes Claros, Governador Valadares, Mossoró, Arapiraca, Jequié, Sobral, Parnaíba, Barreiras e Garanhuns. (Andrade & Serra, 2000.)

23

As informações sobre os Índices de Potencial de Consumo, calculados pela Gazeta Mercantil e divulgados nos Balanços Anuais dos Estados, oferecem resultados semelhantes aos obtidos a partir do PIB municipal, utilizados nos estudos da rede urbana brasileira. Pode-se chegar a resultados de concentração similares utilizando os dados de arrecadação do ICMS para os municípios dos diferentes estados do Nordeste. A situação examinada por essa última variável (ICMS) mostra uma alta concentração atividades econômicas nas capitais, havendo aquelas que arrecadam mais de 90% de toda a receita do ICMS estadual, como acontece com Fortaleza, Natal e João Pessoa. Talvez se possa argumentar que esse resultado se deve à melhor estrutura da máquina arrecadadora daquelas capitais, vis-à-vis à estrutura existente na grande maioria dos municípios dos Estados respectivos (Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba). Mas as evidências são muito fortes para deixarem de constituir motivo de preocupação, no que se refere ao fato de a renda e a riqueza do Nordeste estarem fortemente concentradas nas capitais dos estados da Região.. 38

A economia do Nordeste está, assim, assentada sobre esses 25 núcleos urbanos. Isto mostra porque ela continua frágil às crises, dentre as quais continua cabendo papel destacado às secas. O crescimento das cidades na Região tende, portanto, a ter escassa sustentação, porque se processa mais às custas da expansão populacional do que do nível de atividade econômica. De uma certa forma, as cidades nordestinas têm crescido como se fossem “cidades feitas e refeitas” segundo a lógica do velho capital agrário-mercantil, rentista, 24 que ali vem exercendo seu domínio há quase dois séculos. Dominando o aparelho de Estado, em escala local, os coronéis – velhos e novos – refazem suas cidades. Ou, como diz, a profª Maria do Livramento Clementino, da UFRN, refazem “uma certa cidade: nela as funções são variadas, porém, difusas, indistintas. São ao mesmo tempo centros de controle da produção agrícola voltada para a exportação, mercados para manobras especulativas e centros participacionistas, clientelistas, de marcada estrutura burocrática, administrativa. Enfim, cabide de emprego, campo aberto para os embates decisórios de qualquer campanha eleitoral.” (Clementino, 1995: 93.) Neste sentido, as cidades do Nordeste e de suas áreas semi-áridas, em particular, continuam sob o domínio dos “coronéis”, agora urbanos, porque sua base de acumulação passou a ser mais urbana do que rural. Essa nova base foi ampliada, solidificando-se pela via do crédito fácil, reforçada pelos incentivos fiscais e financeiros de variada tipologia. Embora seja considerável o crescimento econômico observado nas capitais e centros referidos, os problemas acumulados em suas periferias são gravíssimos. As dificuldades encontradas nos espaços urbanos do semi-árido são mais graves hoje do que há meio século, dada a falta de oportunidades econômicas, potenciada a cada nova seca. Ali, as opções de emprego, mesmo no setor informal, são restritas. Conforme já salientado, essas dificuldades são potenciadas pelo crescimento demográfico em direção aos sítios urbanos do semi-árido. De todo modo, há luz no fim do túnel, sendo possível admitir a existência de alguns sinais de mudança nesse quadro. Por conta de redirecionamentos no processo de organização social, vislumbra-se a estruturação de atividades locais, que, por sua densidade econômica, começam a alcançar escalas sub-regionais. É verdade que essas mudanças ainda estão sendo realizadas sob influência do Estado, que orienta decisões de investimento e realiza, diretamente, muitos projetos de desenvolvimento. Algumas experiências de planejamento estão sendo conduzidas nessa direção, com destaque para a “constituição de programas e instrumentos de âmbito territorial mais restrito e limitado, com elevada seletividade das estruturas apoiadas, operando a escalas regionais menores, de âmbito sub-regional. Em decorrência, tende-se a superar a quase exclusiva articulação da política regional com as áreas periféricas.” (Galvão, 1996: 150.)

24

Na linha também salientada, dentre outros, por Tânia Bacelar de Araújo. (2000: 390.) 39

3.5

ÁGUA MAIS DIFÍCIL

O processo e a direção do crescimento urbano no Nordeste, rumo às cidades, vêm contribuindo para tornar mais difícil o atendimento da demanda de água na Região. Com a população cada vez mais concentrada em áreas urbanas, tende a ser desfavorável o balanço entre oferta (disponibilidade) e demanda de água em numerosas áreas do Nordeste, destacando-se a este respeito as porções semi-áridas do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Embora o semi-árido da Bahia tenda a apresentar um balanço (médio) mais equilibrado, por conta das disponibilidades hídricas do rio São Francisco, algumas das bacias ali existentes também são carentes de água. Como se viu, o crescimento urbano do Nordeste foi mais expressivo em suas porções semi-áridas. É nesses espaços aonde o problema de abastecimento de água assume proporções preocupantes, especialmente nos anos de seca. Esse quadro tornou-se ainda mais acentuado nos de 1990, quando as secas ocorreram em sete anos daquela década (1990, 1991, 1992, 1993, 1998, 1999 e 2000). Numa conjuntura de tal natureza e magnitude, o abastecimento passa a ser mais crítico porque as fontes de armazenamento de água (os grandes açudes e os lençóis subterrâneos) não conseguem recuperar seus níveis normais de recarga. Capitais como Fortaleza e Recife vêm enfrentando grandes dificuldades no armazenamento e distribuição d’água. O mesmo acontece em várias cidades importantes do interior, dentre as quais destaca-se Campina Grande, na Paraíba, a maior cidade do interior do Nordeste. Fortaleza teve seus problemas de abastecimento de água solucionados em 1993, com a construção, pelo governo do estado, do Canal do Trabalhador, que transporta água do Açude Orós (a uma vazão de 6 m³/s) para os açudes do sistema Pacoti-Riachão, ao longo de 115,2 km de extensão. A cidade de Fortaleza consome cerca de 8 m³/s de água, 50% dos quais estão sendo viabilizados pelas águas transpostas pelo Canal do Trabalhador. Apresentam-se a seguir alguns elementos básicos do balanço entre oferta e demanda de recursos hídricos no Nordeste, referidos aos seguintes indicadores: potencialidade de recursos hídricos, disponibilidade de recursos hídricos, capacidade de armazenamento de água e demanda de água, segundo diferentes usos. A potencialidade dos recursos hídricos de uma bacia hidrográfica refere-se ao escoamento natural médio de água, ou seja, à soma dos escoamentos de superfície e de base. A disponibilidade de recursos hídricos representa uma parcela da potencialidade, ativada por meio de açudes, poços, etc. A capacidade de armazenamento de água (de superfície ou subterrânea) equivale à capacidade nominal de armazenamento de açudes e poços. O nível de garantia da água armazenada em um açude é definido a partir de sua disponibilidade efetiva, que é aquela com a qual se pode de fato contar para diferentes tipos de consumo. O nível de garantia mais utilizado no planejamento dos recursos hídricos é o de 90%. (Vieira, 1994: 27; e Gondim Filho, 1994.) 40

O desequilíbrio entre oferta e demanda de recursos hídricos no Nordeste pode ser demonstrado comparando a disponibilidade de água de suas Unidades de Planejamento – ou Bacias Hidrográficas – com a capacidade de armazenamento (ou de açudagem e de águas subterrâneas) de todos os reservatórios e poços nelas construídos. De acordo com os estudos realizados, em 1991, pelo Projeto Áridas, o Nordeste contava com uma disponibilidade de 97,3 bilhões de metros cúbicos, para uma capacidade de açudagem de 85,1 bilhões de metros cúbicos. (Gondim Filho, 1994: 10 e 78.) A diferença, em termos médios, é de mais 12,1 bilhões de metros cúbicos. Esse número representa o excedente total, médio, de recursos hídricos, naquele momento. O volume da oferta pode ser ampliado, mediante a utilização de outros recursos hídricos locais, mobilizando-se parte da potencialidade dos recursos hídricos existentes, ou ampliando a disponibilidade, recorrendo, por exemplo, a estruturas de transposição de águas de bacias hidrográficas de fora do Nordeste, como as Bacias do Tocantins e do São Francisco. A demanda total por recursos hídricos no Nordeste, considerada como uma demanda potencial, máxima, teórica, para todos os usos, correspondia, em 1991, a 21,8 bilhões de metros cúbicos por ano. (Gondim Filho, 1994: 78.) Esse agregado abrange os seguintes tipos de demanda: população urbana e rural; animal; de irrigação; agroindustrial; de distritos agroindustriais; e ecológica. 25 A distribuição dos açudes e barragens no Nordeste é extremamente concentrada, em função das condições que propiciam sua construção – local para a instalação dos maciços das barragens e disponibilidade hídrica para ser acumulada. As infra-estruturas hídricas do Nordeste, que realmente contam, são integradas por pouco mais de 300 açudes e barragens de porte. A grande maioria deles foi construída pelo DNOCS (Araújo, Coord., 1990: 292), vindo na seqüência os construídos pela CHESF, pela Codevasf e pelos estados da Região. Dentre aqueles mais de 300 açudes e barragens, há 10 (algo em torno de 3% daquele total) com capacidade de armazenamento superior a 500 milhões de metros cúbicos, que podem acumular cerca de 73% (62 bilhões de metros cúbicos de água) da capacidade total de armazenagem do Nordeste. 26 Por haver mais oferta do que demanda, não significa que todas os espaços do Nordeste disponham da água de que necessitam. A distribuição espacial da oferta pode não ser, necessariamente, compatível com a localização dos diferentes tipos de demanda. De fato, a distribuição espacial da demanda reflete a dinâmica da urbanização observada no interior da Região, o que reforça as evidências de conflitos entre oferta e demanda de água em várias sub-regiões do Nordeste. Esse desequilíbrio resulta mais das escassas disponibilidades de recursos hídricos e da distribuição espacial dos açudes, do que da capacidade 25

A demanda ecológica, de acordo com os estudos do Projeto Áridas foi considerada como correspondendo a 10% do escoamento superficial disponível. 26 Dentre os dez açudes e barragens com essa capacidade, destacam-se os seguintes: Sobradinho (que pode acumular 34,7 bilhões de metros cúbicos), Itaparica (com cerca de 15 bilhões de metros cúbicos), Xingó (com cerca de 5 bilhões), Armando Ribeiro Gonçalves (com 2,2 bilhões) e Orós (com 2,1 bilhões). 41

de armazenamento. A concentração de uma grande parte do volume de água armazenável em um reduzido número de açudes constitui indicador de inadequação da distribuição de água em várias sub-bacias do semi-árido nordestino. As evidências a este respeito são mais efetivas nos estados caracterizados pela presença de bacias carentes, como ocorre nos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Os maiores problemas de atendimento da demanda de água estão referidos ao abastecimento da chamada demanda rural difusa (água para consumo doméstico e dos animais, ao nível das fazendas) e da demanda urbana municipal (água para consumo doméstico e para os serviços urbanos das capitais e cidades do interior). O grande número de carros-pipa que rodam todos os anos, em situações de seca ou de chuvas normais, no interior e em cidades do semi-árido ou do Litoral do Nordeste, reflete o grau de inadequação entre oferta e demanda de água na Região, tanto em termos temporais como espaciais. Constitui, por isso, um precioso indicador das carências cuja constatação vai sendo reforçada a cada ano. O abastecimento de água no Nordeste tende a exigir soluções complexas e de difícil execução, principalmente se a água bruta ou água produzida (disponível em açudes ou poços ou captáveis de rios como o São Francisco e distribuídas por meio de conjuntos de tomadas de água e de adutoras) vier a passar do domínio público para o domínio privado. Há uma luta em estruturação pela privatização das águas do São Francisco, ainda não tornada efetiva graças à força de importantes grupos econômicos e políticos do Nordeste, contrários à medida. À frente desses grupos se encontram membros da família dos Coelho, de Petrolina, em Pernambuco, e políticos da Bahia, considerados antiprivatistas por órgãos de imprensa como a Revista Época, da família Marinho. Tem-se aqui um exemplo paradigmático da diferença entre “conflitos de interesse” (que são conflitos intraclasses sociais, entre proprietários de distintos blocos de capital) e “luta de classes” (aquela que se dá entre classes, ou seja, entre capitalistas versus trabalhadores). Veja-se como a Revista Época se expressou sobre o assunto: “O mesmo canal que alimenta as terras dos Coelho cruza os 615 hectares da fazenda Mapel, que, há um mês, foi invadida por 500 sem-terra. A invasão foi inspirada no exemplo da fazenda Catalunha, 2.500 hectares de terra irrigados no município de Santa Maria da Boa Vista (BA) pertencentes ao genro do senador Antonio Carlos Magalhães, César Matta Pires, um dos donos da empreiteira OAS. O Incra comprou a fazenda e fez o assentamento. Os novos invasores não querem apenas a terra. Querem água de graça e financiamento para a irrigação. 27 “Aqui todo mundo toma dinheiro emprestado para irrigar. Por que nós não podemos fazer isso também?”, pergunta-se Antônio Félix, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de 27

Os grupos aqui referidos têm força considerável. Mas não utilizam água gratuitamente. A menos que se considere gratuita a água produzida por meio da construção de um açude em rio ou riacho localizado no interior de uma propriedade privada, por seu dono. Há um evidente exagero nessa informação. O acesso às águas captadas do São Francisco por meio de estruturas públicas é feito mediante o pagamento de uma tarifa de água cobrada, diretamente, pela Codevasf ou pelos Distritos de Irrigação. 42

Petrolina e líder da invasão. Ele é mais um dos que temem a privatização da Chesf. “Se é difícil conversar com o governo, imagine com os estrangeiros.” (Fernandes, 1999.)

Graças a esses conflitos entre distintos blocos de capital, pode-se constatar uma convivência favorável, embora temporária, entre representantes de trabalhadores e de capitalistas, de grande interesse econômico e social para o Nordeste. 3.6

POR ONDE PASSAM AS SOLUÇÕES

Para garantir e tornar sustentável o processo de desenvolvimento do Nordeste continua sendo necessário solucionar problemas de variada natureza, uns econômicos, outros sociais e políticos, além dos ambientais. Tanto uns quanto outros exigem a execução de atividades com capacidade de geração de renda e emprego, exigindo sua colocação em prática contextos que favoreçam o mais imediato acesso aos bens e serviços necessários à constituição de padrões de vida socialmente justos. Esta parece ser uma formulação adequada à compatibilização de crescimento econômico com justa distribuição de renda. Atente-se, aqui, para uma necessária qualificação. A melhor distribuição de renda deve ter, neste sentido, uma outra percepção, qual seja a de poder ser expressa pela criação e concretização de possibilidades de garantir acesso aos serviços essenciais de saúde e saneamento, educação, justiça, cultura e cidadania, a todos os nordestinos. As condições de vida da população de qualquer agrupamento social não melhoram segundo uma perspectiva idílica, ou seja, a de que é necessário alterar por completo um quadro dado, na perspectiva de os pobres terem de passar à condição de ricos e destes deverem se tornar menos ricos ou passarem à condição de pobres. As mudanças nos quadros sociais caracterizados por desigualdades de renda ocorrem pela transformação de toda a sociedade, expressando-se o seu resultado por valores mais sólidos – novos ou antigos (culturais, sociais, econômicos e políticos). As transformações desse tipo, em uma sociedade como a nordestina, constituem o resultado das conquistas obtidas no contexto das lutas políticas que já estão sendo travadas de modo politicamente maduro nas periferias urbanas e nos grotões sertanejos da Região. A expansão do número de organizações sociais existentes no Nordeste, com interesses em áreas urbanas ou rurais, e a melhora de sua eficiência organizacional, demonstrada em eventos de grande capacidade de articulação, constitui indicação de que problemas econômicos e sociais antes arbitrados pelas instâncias de poder mais conservador podem ser solucionados sob o patrocínio das organizações sociais que começam a representar os interesses dos grupos anteriormente dominados por aquelas mesmas instâncias. O estudo da organização e funcionamento de diferentes movimentos e experiências de organização social em curso no Nordeste mostra que já há possibilidades concretas neste sentido, como as observadas no ajuizamento de questões relacionadas a iniciativas como as seguintes:programas de assentamentos

43

rurais; programas de habitação popular; programas de geração de emprego e renda; programas de educação ambiental; programas de apoio a micro e pequenos empresários, ligados a atividades artesanais, industriais e de serviços, inclusive modernos, como os ligados à área de informática; constituição de associações de usuários da água; constituição e operação de cooperativas de produção de negócios rurais e pequenos negócios não-agrícolas; constituição e operacionalização de serviços de assistência técnica a pequenos produtores rurais; constituição e operação de organizações não-governamentais prestadoras de serviços de assistência técnica e de proteção e conservação ambiental. 4.

DISCUTINDO O FUTURO

É possível continuar vislumbrando um futuro mais justo para todos os que vivem no Nordeste, conferindo apoio prioritário aos segmentos da população que até aqui tiveram menos acesso aos bens e serviços gerados pelo processo de desenvolvimento realizado no meio século recém findo. As expectativas neste sentido estão calcadas nos resultados econômicos alcançados e nas possibilidades de maior participação dos grupos sociais representativos nas decisões de investimento estratégicas para o desenvolvimento da Região. A concretização dessas possibilidades começa pelo exame da base econômica atual do Nordeste. Discutem-se, na seqüência, as contribuições que podem ser oferecidas pela constituição de uma nova base econômica, estruturada em torno da execução do Projeto de Transposição de Águas do São Francisco. A concretização desse empreendimento, em sua perspectiva econômica e social, dependerá muito da contribuição que vier a ser emprestada pelos setores privados e não-governamentais. Conclui-se este item chamando atenção para a sempre crucial questão do financiamento do desenvolvimento em geral e do Projeto da Transposição em particular.

4.1

POSSIBILIDADES ATUAIS

Comentam-se agora alguns aspectos globais e setoriais das atividades que estão sendo desenvolvidas no Nordeste. Os comentários estão referidos à especificação de elementos relevantes da estrutura econômica da Região, seguida da explicitação geral das atividades tradicionais, dinâmicas e nãoconvencionais, e como elas estão sendo estruturadas. 4.1.1 Estrutura Econômica O PIB do Nordeste, a preços de mercado, equivalia a US$ 20,5 bilhões, em 1965, elevando-se para US$ 95,8 bilhões, em 1999. Cresceu US$ 75,3 bilhões em termos absolutos e 467,3%. O PIB do Brasil era de US$ 113,2 bilhões em 1965 e de US$ 557,6 bilhões em 1999. Teve um crescimento 44

absoluto de US$ 354,0 bilhões e um aumento percentual de 492,6%. O crescimento relativo do PIB do Brasil, entre os dois anos referidos, foi superior ao do Nordeste em 25,3 pontos percentuais. Por esse indicador, a economia do Nordeste apresentou dinamismo considerável. A participação do PIB do Nordeste no PIB do Brasil manteve relativa constância, tendo se situado nos limites de 12 a 17% nos anos do período 1965-1999, como mostram os dados da tabela 4.1. 28 A estrutura setorial da economia nordestina pode ser visualizada na tabela 4.2. A contribuição da agricultura para a geração do PIB global da Região reduziu-se a um terço, nos últimos 40 anos, passando de 30,5% em 1960 para 9,7% em 1999. Não há dúvida quanto à influência exercida pelas secas para essa redução. As secas dos anos de 1980 e 1990 ocorreram em número muito maior do que o observado nos anos de 1960 e 1970. A contribuição do setor industrial, como se vê pelos dados da tabela 4.2, elevou-se 18% entre os anos de 1960 e 1999, enquanto a do setor serviços cresceu 36%, no mesmo período. Esses dados apontam para a existência de uma estrutura econômica completamente diversa da que se tinha 50 anos atrás. Constituem também indicativos das mudanças ocorridas na estrutura da economia do Nordeste, também notáveis nas demais regiões do País. Essas diferenças contribuíram positivamente para que a economia da Região fosse menos afetada pela crise da economia brasileira dos anos 80, que atingiu mais diretamente certos segmentos industriais, a exemplo dos produtores de bens de capital e de consumo duráveis, que pesam pouco na economia nordestina. Na indústria do Nordeste foram mais dinâmicos os segmentos produtores de bens intermediários, menos afetados pela crise. Além disso, a dinâmica da economia do Nordeste foi favorecida pela expansão de segmentos ligados ao chamado agronegócio, baseado na fruticultura irrigada, na moderna agricultura de grãos e na agroindústria associada. (Araújo, 2000: 206.) Deve-se, entretanto, refletir um pouco sobre a perda de importância relativa da agricultura no processo de desenvolvimento do Nordeste. Essa circunstância não deve ser tratada como assunto acabado. Embora essa tenha sido a tendência observada, historicamente, nos países de economias avançadas, não se pode negar que a agricultura do Nordeste ainda pode ter sua contribuição aumentada, em termos relativos, se ela for associada ao desempenho que vem sendo crescentemente assumido pelos negócios agroindustriais.

28

Os maiores valores médios da relação “PIB do Nordeste/PIB do Brasil”, que aparecem nos cálculos da Sudene, vis-à-vis os calculados pelo IBGE, são devidos a diferenças nos deflatores implícitos utilizados pela Sudene e pelo IBGE. 45

TABELA 4.1 INFORMAÇÕES SOBRE O PRODUTO INTERNO BRUTO-PIB DO NORDESTE PIB a preços de mercado (a. p. m.) (US$ 1,000,000) ANOS PREÇOS PREÇOS DE BASE VARIAÇÃO CORRENTES 1999 (1999=100) ANUAL (%) 1960 1965

3,081.66

20,447,98

21,3

1966

3,675.00

20,236.09

21,1

1967

4,112,53

22,778.84

23,8

1968

4,344.28

22,990.74

24,0

1969

4,733.77

23,944.27

25,0

1970

5,254.28

22,937.76

1971

6,338.65

28,764.91

1972

7,388.93

30,460.08

1973

10,422.41

33,903.39

1974

13,143.21

1975

15,615.00

1976 1977

PIB DO PIB DO PIB PER CAPITA NORDESTE/PIB NORDESTE/PIB DO NORDESTE DO BRASIL DO BRASIL (RS$ 1.00 DE (%), COM (%),COM BASE 1999) BASE NOS NOS CÁLCULOS CÁLCULOS DA DO IBGE SUDENE 1.331,57 13,2 1.485,84

13,1

-1,0

1.436,05

12,7

12,6

1.578,65

12,6

0,9

1.556,02

12,0

4,1

1.582,60

11,8

23,9

-4,2

1.480,58

12,3

30,0

25,4

1.817,60

12,9

31,8

5,9

1.884,10

12,6

35,4

11,3

2.052,79

12,4

34,433.13

35,9

1,6

2.040,81

11,9

37,346.70

39,0

8,5

2.166,71

12,0

18,993.08

39,942.43

41,7

7,0

2.268,21

12,3

21,865.28

43,491.69

45,4

8,9

2.417,48

12,3

1978

25,881.45

48,047.46

50,1

10,5

2.614,18

12,9

1979

29,688.66

51,490.77

53,7

7,2

2.742,24

13,3

1980

31,131.27

52,974.05

55,3

2,9

2.770,91

13,1

1981

35,281.11

52,603.23

54,9

-0,7

2.694,63

13,6

1982

39,349.84

58,112.53

60,7

10,5

2.916,03

14,5

1983

28,868.73

55,887.62

58,3

-3,8

2.747,91

15,2

1984

31,678.75

60,708.26

63,4

8,6

2.925,77

16,7

1985

33,415.46

65,581.87

68,4

8,0

3.099,10

15,8

14,1

1986

40,642.23

75,117.20

78,4

14,5

3.482,64

15,8

14,1

1987

43,682.77

74,375.56

77,6

-1,0

3.385,74

15,5

13,1

1988

51,535.02

75,223.15

78,5

1,1

3.364,82

16,9

12,8

1989

77,248.05

77,659.95

81,1

3,2

3.415,99

18,6

12,3

1990

78,373.36

73.104,18

76,3

-5,9

3.164,46

16,7

12,9

1991

65,340.92

74,852.33

78,1

2,4

3.190,87

16,1

13,4

1992

61,275.11

73,739.87

77,0

-1,5

3.104,72

15,8

12,9

1993

66,450.67

72,415.52

75,6

-1,8

3.011,58

15,5

12,8

1994

91,203.52

79,461.07

82,9

9,7

3.264,55

16,8

12,9

1995

109,736.11

82,957.36

86,6

4,4

3.365,75

15,6

12,8

(1)1996 122,005.02

86,347.70

90,1

4,1

3.459,99

15,7

(2) 13,2

(1)1997 129,027.10

91,380.23

95,4

5,8

3.615,69

16,0

(2) 13,1

(1)1998 124,904.42

92,750.93

96,8

1,5

3.626,54

16,1

(2) 13,1

(1)1999

95,811.71

100,0

3,3

3.699,07

17,2

(2) 13,1

95,811.71

FONTES DOS DADOS BÁSICOS: i) Ministério da Integração Nacional-MI. Sudene (2000)- Boletim conjuntural Nordeste do Brasil, nº 7. Recife-PE, Sudene/CPE/INE/Contas Regionais, ago., 2000, p. 278 (Tabela 12), p. 290 (Tabela 24) e p. 311 (Tabela 45); ii) IBGE (1999)- Contas regionais do Brasil 1985-1997. Rio de Janeiro, IBGE, Departamento de Contas Nacionais, 1999 (Contas nacionais, 3); e iii) IBGE (1999)- Contas regionais do Brasil 1999. Rio de Janeiro, IBGE, Departamento de Contas Nacionais, 2001. (Contas nacionais, nº 6). (1) Dados da Sudene, preliminares. (2) Dados do IBGE, finais.

46

A contribuição antes referida pode ser mais ampliada na dependência da utilização produtiva que vier a ser dada às terras ociosas existentes na Região. Essa ociosidade seria alterada incorporando-se tal recurso mediante a execução de programas dinâmicos de reforma agrária. Trata-se de questão antiga, mas não ultrapassada, que deve estar referida ao contexto de uma nova política, orientada para a constituição de novas atividades econômicas, das quais dependerá a geração de mais emprego e renda. Fazemos em relação ao Nordeste a mesma indagação feita por Celso Furtado, no tocante ao Brasil: haveria outras opções de emprego tão fácil, como as da agricultura, para milhões de nordestinos? (Furtado, 1999: 100.) TABELA 4.2 NORDESTE. PARTICIPAÇÃO DO PIB SETORIAL NO PIB GLOBAL DA REGIÃO, EM ANOS DO PERÍODO 1960/1999 ANO PARTICIPAÇÃO (%) AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA SERVIÇOS TOTAL 1960 30,5 22,1 47,4 100,0 1970 21,0 27,4 51,6 100,0 1980 17,3 29,3 53,4 100,0 1990 13,3 28,5 58,2 100,0 1999 (1) 9,7 26,0 64,3 100,0 FONTE: SUDENE. Boletim Conjuntural Nordeste do Brasil, nº 07. Recife-PE, SUDENE, agosto, 2000. (Tabela 55, p. 322.)

4.1.2 Atividades Tradicionais São consideradas tradicionais as atividades caracterizadas por sua baixa eficiência e produtividade. Neste rol estão incluídas a agroindústria canavieira, a economia algodoeira e a economia cacaueira, sem falar da pecuária extensiva que ainda predomina em vários espaços da Região. Todas essas atividades passam por processos de reestruturação, com resultados de grande impacto econômico sobre o emprego e a renda. Dada a ocorrência continuada das secas na Região, cabem alguns registros sobre a reestruturação em curso da economia do semi-árido. A população das cidades encravadas no semi-árido não vive mais do resultado do comércio e da agroindústria derivada das atividades do complexo pecuáriaalgodão-lavouras alimentares. Vive das atividades modernas ligadas à agricultura irrigada e sua agroindústria – ainda restrito a poucos espaços do semi-árido – e da estruturação da chamada “economia sem produção”, 29 constituída pelos rendimentos dos trabalhadores aposentados e dos funcionários públicos, bem como das transferências recebidas pelas Prefeituras e dos gastos realizados pelos governos estaduais. As aposentadorias dos trabalhadores rurais passaram a contribuir para a manutenção de um certo equilíbrio econômico no semi-árido, pela criação e manutenção de um fluxo de renda que sustenta os que direta e indiretamente viviam das atividades daquele complexo. As transferências constitucionais (Fundos de Participação dos Estados e Municípios) têm possibilitado a constituição de atividades econômicas alternativas, onde esses 29

Cf. expressão utilizada por Maia Gomes. (2001: 148-149.) 47

recursos são administrados com um mínimo de eficiência, dando lugar à estruturação de pequenos negócios não-agrícolas, assentados na criatividade da população, especialmente da urbana. De todo modo, o dia de maior movimento comercial nas cidades do semiárido continua sendo o de pagamento aos aposentados e – quando há seca – aos trabalhadores alistados nas “frentes de emergência”. 4.1.3 Atividades Dinâmicas Para o Nordeste como um todo, são dinâmicas as atividades da indústria incentivada, a fruticultura irrigada, a pecuária de corte em sub-regiões exploradas em áreas dotadas de melhores solos, não submetidas aos rigores da semi-aridez. Mas há também novas atividades dinâmicas, a exemplo dos serviços bancários e dos chamados serviços modernos, puxados pela informática. O desenvolvimento desses serviços no Nordeste está localizado preferencialmente nas Regiões Metropolitanas de Salvador, Recife e Fortaleza. Recife caracterizase como o principal pólo desses serviços, vindo, depois, o de Fortaleza e o de Salvador. Em conjunto, os três pólos de informática faturam mais de cinqüenta milhões de dólares anualmente, valor correspondente a sete ou oito por cento do valor das vendas do País. Na mesma situação estão incluídos os serviços de atendimento à saúde, em certas áreas da Região. Fortaleza, Recife e Salvador caracterizam-se também como importantes pólos médicos. Embora não se disponha de informações atualizadas para cada um deles, parece haver um certo consenso sobre ser Recife o pólo médico-hospitalar de maior dimensão, seguido pelos de Salvador e Fortaleza. (Albuquerque, 2000-b.) Teresina constitui-se hoje em centro de excelência na prestação de serviços médicos às camadas da população mais bem dotadas de poder aquisitivo. Há outras cidades da Região incluídas nessa situação. Além das atividades mencionadas, merecem também destaque os serviços de consultoria e publicidade. A expansão desses serviços deve-se à tendência à terceirização de muitas atividades especializadas, tanto por parte do setor privado quanto do setor público. As organizações prestadoras desses serviços estão concentradas nas capitais e cidades de maior porte da hinterlândia nordestina, abarcando atividades como as de administração de negócios, planejamento, economia, contabilidade, auditoria, direito, arquitetura e diferentes áreas das engenharias (civil, mecânica, hidráulica, eletroeletrônica e de climatização). Abrangem também serviços prestados por escritórios especializados e profissionais autônomos individuais. (Albuquerque, 2000-b.) 4.1.4 Atividades Não-Convencionais A desestruturação das atividades do complexo pecuária-algodão-lavouras alimentares vem ensejando a constituição e/ou reforço de alguns problemas no semi-árido. É o caso da violência instituída pela prática de assaltos a veículos de 48

carga e de passageiros em áreas semi-áridas de vários dos estados do Nordeste, complementada pelo plantio e comercialização da maconha (Cannabis sativa) nos espaços dotados de melhores recursos de solo e água. A maconha tem chegado a ser plantada no interior de Projetos Públicos de Irrigação, sem que os administradores públicos possam coibir tal prática, com medo de represálias por parte dos que ali atuam ao arrepio da lei. Contribuindo para ampliar o crescimento da população urbana no semi-árido, a ausência/redução das migrações inter-regionais também tem favorecido para jogar nos braços da violência pessoas sem acesso ao mercado de trabalho formal. Maia Gomes (2001) fez uma estimativa da renda propiciada pelas diferentes atividades realizadas em conseqüência do processo de reestruturação por que passa a economia do semi-árido. Os setores selecionados envolvem os segmentos especificados na tabela 4.3. A renda apropriada por aqueles segmentos setoriais, tomadas as estimativas com as devidas precauções, oferece uma razoável aproximação sobre a relação entre aquelas atividades do semi-árido e o PIB do Nordeste. Dividindo-se R$ 9.380.000 mil, especificados na tabela 4.3, por R$ 173.900.000 mil, constantes da tabela 4.1 – estando ambos referidos ao ano de 1999 –, obtém-se 5,4%, que corresponde à participação daquelas atividades no PIB do Nordeste. Sendo as atividades listadas na tabela 4.3 as consideradas mais sustentáveis, pode-se ter uma idéia da reduzida participação da economia do semi-árido na economia do Nordeste. Não é por outra a razão que o semi-árido continua influindo pouco nas decisões de investimento do Nordeste. Ou dizendo de outra forma: é por isso que os problemas das áreas afetadas pelas secas no Nordeste não conseguem sensibilizar os decisores regionais e nacionais para a solução dos conhecidos problemas daqueles espaços. TABELA 4.3 NORDESTE. SETORES SELECIONADOS DA ECONOMIA DO SERTÃO. VALORES APROXIMADOS DA RENDA APROPRIADA LOCALMENTE, REFERIDOS AO ANO DE 1999 SETORES

RENDA APROPRIADA (EM R$ PARTICIPAÇÃO DE CADA 1.000) SETOR NO TOTAL (%) Economia Agropecuária Tradicional do Semi-Árido 3.500.000 37,31 Aposentados e Funcionários Públicos 5.000.000 53,30 Maconha, no Polígono da Maconha 100.000 1,07 Fruticultura Irrigada de Petrolina-Juazeiro e Mossoró-Açu 470.000 5,01 Nova Indústria de Calçados e Têxtil 10.000 0,11 Soja nos Cerrados 300.000 3,20 TOTAL 9.380.000 100,00 FONTE DOS DADOS BÁSICOS: MAIA GOMES, Gustavo (2001)- Velhas secas em novos sertões; continuidade e mudanças na economia do semi-árido e dos cerrados nordestinos. Brasília, IPEA, 2001, p. 254 (tabela 9.1).

4.1.5 Especificidades Sub-Regionais Nos anos 70 e 80, a produção econômica nacional – calcada no Sudeste – passou por um processo de desconcentração. Teria havido, na primeira metade dos anos 90, segundo os estudos mais recentes, (Araújo, 2000: 222) uma certa recuperação daquela economia, que chegou a elevar sua participação no PIB brasileiro de 60% para 63%. A economia do Nordeste

49

também teve perda de posição entre os mesmos anos de 1990 e 1995, perda, aliás, que se manteve durante toda a década de 1990. A participação do PIB do Nordeste no PIB do Brasil foi crescente de 1960 (com 13,2%) a 1989 (com 18,6%) e decrescente de 1990 (16,7%) a 1999 (17,2%), em relação a 1989, como se vê na tabela 4.1, anterior. A distribuição espacial das atividades econômicas no Nordeste, à luz das descrições anteriores, apresenta-se hoje bem distinta da observada há meio século. Têm-se novas estruturas e novos espaços econômicos, organizados a partir dos fatores comandados pelas políticas de governo antes referidas e pelas decisões de investimento privado de empresas nacionais e multinacionais. De certa forma, esses novos espaços têm sido considerados nos estudos e propostas de desenvolvimento para a Região. A última contribuição importante a este respeito corresponde ao documento produzido, em 1999, pela antiga Secretaria Especial de Políticas Regionais: Nordeste – uma Estratégia para Vencer o Desafio da Seca e Acelerar o Desenvolvimento (Albuquerque, 2000-b), publicado pela Sudene. Captando as particularidades da dinâmica das economias brasileira e nordestina, aquele documento propõe uma regionalização programática para o Nordeste, estruturada em torno de seis Áreas Estratégicas, assim denominadas: i. Arco Litorâneo (compreende quatro subáreas: Regiões Metropolitanas; Outras Capitais Litorâneas; Zona da Mata; e Restante do Litoral); ii.

Pré-Amazônia;

iii. Ribeira do Parnaíba (envolve Teresina e o Restante da Ribeira do Parnaíba); iv.

Semi-Árido;

v. Ribeira do São Francisco (abrange Petrolina-Juazeiro e o Restante da Ribeira do São Francisco);e vi.

Cerrados.

Essa divisão regional incorpora, em boa medida, o espírito das orientações estabelecidas no Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento-ENIDs. De particular, a divisão regional mencionada apresenta uma distinção importante, qual seja a de manter o Semi-Árido como uma das Áreas Estratégicas prioritárias. Embora o uso das informações de cada uma daquelas seis Áreas Estratégicas requeira cautela, sua produção constitui avanço importante. É possível comparar agora informações físicas (como a superfície territorial), econômicas (como o PIB) e sociais (como a taxa de urbanização e o IDH) para 50

cada uma daquelas seis Áreas Estratégicas, embora elas estejam referidas a um ano apenas – o de 1996. A Área Estratégica do Semi-Árido é a mais ampla em termos territoriais (50,2% do total do Nordeste); a segunda em peso econômico (20,1% do PIB total da Região); a segunda em população (41,1% do total); a quarta no tocante à urbanização (52,6% de sua população vivem em sítios urbanos); e a quinta em Índice de Desenvolvimento Humano-IDH (0,508), atrás apenas da Área Estratégica da Pré-Amazônia (0,491). Não se pode deixar de salientar que o PIB do Semi-Árido é inferior ao das três regiões metropolitanas – Salvador, Recife e Fortaleza (40,9%) – e maior do que o das demais capitais (que é de 18,7% do PIB do Nordeste). Isto significa que o interior das áreas sujeitas às secas comporta atividades e espaços com maior densidade econômica do que outros espaços do próprio semi-árido. Como são numericamente reduzidos os espaços semi-áridos com tais características, este aspecto aponta para o amplo grau de heterogeneidade das economias de seus espaços internos. O que há de mais dinâmico em relação ao Nordeste como um todo, está acontecendo nos espaços urbanos da Região, inclusive nos que integram a Zona Semi-Árida. O crescimento econômico nesses espaços tem ensejado a concepção e estruturação de várias estratégias de sobrevivência, pautadas por pequenos negócios não-agrícolas, tanto de base rural como de base urbana. É o caso da produção de queijo, de carne, de sapatos e artefatos de couro, artefatos de barro, de redes, confecções e bordados. As fontes desses negócios também estão articuladas à implementação de programas institucionais, a cargo dos estados, com recursos aplicados em atividades de caráter nitidamente local. Importante exemplo das possibilidades de aproveitamento dos recursos locais está sendo oferecido pelo Seridó do Rio Grande do Norte, graças aos estímulos (via pagamento de melhor preço ao produto) concedidos ao Programa do Leite. Essa iniciativa vem sendo executada pelo setor privado e por organizações sociais, com apoio financeiro do governo daquele Estado. (Seplan. IICA, CDS, 2000.) A emergência de novos espaços econômicos vem ocorrendo em várias cidades do Nordeste, onde também estão sendo estruturados pequenos negócios urbanos em áreas urbanas e pequenos negócios urbanos em áreas rurais. O fator que vem contribuindo para assegurar sustentação a esses negócios é a organização social, de base local. O apoio do setor público ainda não foi dispensado, seja para regular a ação de outros setores – estruturando ou ordenando modernos processos de gestão –, seja para garantir a existência de um “guarda-chuva” institucional do qual dependa a criação e/ou legitimação de novas instituições de apoio ao desenvolvimento. Essas e outras possibilidades não estão acontecendo no Nordeste de forma espontânea. Elas só frutificam naqueles terrenos trabalhados com perseverança, determinação, capacidade técnica e participação bem 51

estruturada dos agentes interessados. A soldagem desses elementos continua sendo possível, mas ela só tem sido concretizada ali onde o planejamento das ações tem estado pressente. Em síntese, as possibilidades estão referidas ao processo concreto de elaboração de planos de desenvolvimento sustentáveis para um determinado espaço (região, sub-região ou município) que, ao final e ao cabo, possam ser efetivamente implementados. Diante das dificuldades por que passam as instituições do Nordeste, no curso do processo de desmonte do aparelho do Estado, que se vem assistindo, há mais de dez anos, só existe uma saída, à luz dos instrumentos disponíveis, que é a de retomar as atividades de planejamento, trabalhando inclusive depois da meia-noite, para ampliar a eficácia dos processos desencadeados há mais de 20 anos, quando se fazia o possível para formular seguras alternativas de planejamento, até a meia-noite, para lembrar a máxima formulada, em 1979, por Sérgio Boisier (1979: 137), quando escreveu: “¿Que Hacer com la Planificación Regional antes de Medianoche?” Entende-se aqui que o planejamento (com participação) e a estruturação de organizações sociais legitimadas pela defesa de interesses legítimos só funcionam como instrumentos produtivos eficazes se os processos decorrentes de sua utilização estiverem devidamente embasados em atividades econômicas. 4.2

POSSIBILIDADES DE MÉDIO PRAZO

O dinamismo relativo apresentado pela economia do Nordeste está sendo comandado atualmente por iniciativas executadas em áreas:  De pólos industriais; 

De agricultura empresarial, exploradas em regime de sequeiro;



De agricultura irrigada;



De pólos turísticos, ao longo do Litoral;



De algumas Serras e Chapadas, dotadas de recursos hídricos; e



Urbanas onde haja mecanismos de organização social.

4.2.1 Decisões Desenvolvimento

de

Investimento

e

Financiamento

do

Os problemas do Nordeste continuam passando por estas duas questões. Já foram enfatizadas as mudanças na estrutura econômica do Nordeste. Não há também como deixar de referir que a base da acumulação regional hoje é menos rural – montada na grande propriedade e nos negócios de exportação – do que urbana. E que a economia mais urbana do presente foi ampliada às custas de incentivos, de grandes negócios imobiliários – envolvendo a

52

construção civil e a prévia aquisição de terrenos em áreas privilegiadas – e de muito prestígio junto à máquina de Estado. A estruturação de novas decisões de investimento e a busca de novas fontes de financiamento são hoje mais difíceis de concretizar porque a Região não dispõe mais de um Projeto de Desenvolvimento. Ainda assim, há que pensar sobre a possibilidade de criação de uma nova frente de expansão econômica, capaz de propiciar a geração de mais renda e mais emprego. No limite, essa frente poderá ser imaginada como constituindo uma antecipação de um novo Projeto de Desenvolvimento, que terá de ser estruturado segundo determinantes políticos, econômicos, sociais e ambientais. Voluntarismos à parte, a nova frente de expansão econômica (lastreada no novo Projeto de Desenvolvimento) terá de ser pensada e construída indo-se além do contexto das atividades dinâmicas atuais, ligadas à indústria incentivada, ao turismo e à fruticultura irrigada. Admite-se, neste sentido, que as possibilidades de crescimento das atividades dinâmicas atuais estão a caminhar para o seu equilíbrio. Suas fontes de financiamento se exaurem, porque os empresários não contam mais com uma de suas principais fontes de recursos, representada pelo Fundo de Investimentos do Nordeste-FINOR. E os recursos próprios aportados pelo setor privado – de dentro e de fora da Região – também estão minguando. Assim, na melhor das hipóteses, o setor privado está trabalhando para manter as atividades em curso na Região. O financiamento de um novo ciclo expansivo no Nordeste deverá ser, de toda forma, bancado pelo Estado, pelo setor privado, pelas famílias e pelos setores não-governamentais. Sabe-se que o Estado brasileiro “está de caixa baixo”, mas ainda dispõe de condições para estruturar uma frente de investimentos capaz de colocar o Nordeste em novo patamar de desenvolvimento. Além do gasto público, essa nova “estrada de investimentos” requer complementação de dispêndios aportáveis pelo setor privado. Gastos privados só são feitos com finalidades produtivas diante de regras claras, mais claras, pelo menos, do que as prevalecentes neste começo de século XXI. O aumento de gastos (ou de investimentos) do governo e do setor privado constitui o combustível de maior peso para a retomada do desenvolvimento do Nordeste. O consumo das famílias entra como terceiro fator da equação do desenvolvimento que é possível estruturar em relação ao desenvolvimento do Nordeste. Há um quarto – e pouco ortodoxo – elemento a ser considerado nessa construção, que está representado pelas organizações dos chamados setores não-governamentais. Embora pesem pouco, em termos de capacidade de gasto ou de consumo, as organizações desse setor podem colaborar positivamente para a mobilização e consolidação de interesses diversos – políticos ou econômicos –, com os quais vêm sendo construídas várias iniciativas inovadoras na Região. A articulação desses quatro “fatores” poderá ser feita mediante o alinhamento de perspectivas e da coordenação de esforços destinados a 53

estruturar decisões de investimento que interessem – economicamente – a grupos empresariais do Nordeste do Sudeste e do Sul, em parceria com o Estado. 30 Indo um passo adiante, é possível admitir que as decisões de investimento caracterizam-se, neste sentido, como insumo e produto da construção de novos e dinâmicos interesses políticos, que atuam, por sua vez, como cimento de consolidação de uma bem concebida proposta de desenvolvimento para o Nordeste. Que negócios poderiam ser estruturados em torno de um Projeto para o Nordeste, que tivesse como propósito aglutinar os vários interesses antes referidos? Diante dos problemas, restrições diversas e possibilidades com que conta o Nordeste, não constitui exagero caracterizá-lo pela execução de um empreendimento estruturante do porte do Projeto de Transposição de Águas do São Francisco. A concretização desse Projeto já passou da fase de idealização e venceu a fase de estudos e projetos, adentrando a fase de execução inicial. Com efeito, algumas das obras que integram seus diferentes módulos se encontram concluídas ou em fase de conclusão, a exemplo dos Açudes Orós (concluído em 1960) e do Açude Castanhão (que está sendo concluído), ambos localizados no Estado do Ceará. Por conta dos múltiplos desdobramentos (políticos, sociais, ambientais e financeiros) do Projeto, sua consolidação continua a exigir esforços de articulação por parte dos grupos sociais que lhe dão sustentação, integrantes do setor público, do setor privado e de setores não-governamentais, inclusive dos que até aqui têm se manifestado contrariamente à sua concretização. É disso que se tratará no próximo item. 4.2.2 Projeto de Transposição de Águas do São Francisco 31 As discussões sobre esse Projeto vêm de longa data. As propostas originais foram formuladas no decênio de 1847-1857 pelos engenheiros Antônio Marco de Macedo – autor da primeira proposta sobre o assunto –, Tristão Franklin de Alencar Lima e Domingos Jaguaribe. (Alves, 1958: 175-179) Vieram depois as proposições – também gerais – dos membros da Comissão Científica de Exploração, instituída por D. Pedro II, em 1856, com o propósito principal de

30

Não estão sendo deixadas de lado as articulações de dependência entre os setores empresariais do Nordeste e os do Centro-Sul. Reconhece-se, como tem sido assinalado por vários economistas, que, “Por conta do sistema de incentivos fiscais, muitos empreendimentos situados no Nordeste são controlados por empresas cujas sedes administrativas encontram-se em São Paulo, uma vez que a Região não possui uma classe empresarial suficientemente forte. No momento em que a crise dos anos 80 eclodiu, os empresários tentaram preservar as suas empresas localizadas no Centro-Sul, investindo menos nas suas empresas do Nordeste.” (Holanda, 1996: 192.) 31 A elaboração deste item beneficiou-se das informações levantadas e sistematizadas pelo autor em estudo publicado na Revista Econômica do Nordeste. (Carvalho, 1994.) 54

pesquisar novas riquezas minerais no Nordeste (Braga, 1962), que poderiam contribuir para a ativação da economia nacional. 32 Nos anos de 1912/1913, a antiga Inspetoria de Obras Contra as Secas-IOCS foi solicitada a se manifestar sobre o assunto, produzindo estudos topográficos sobre a área por onde deveria passar o “Imaginado Canal São Francisco-Jaguaribe”. Esses estudos foram publicados na imprensa do Rio de Janeiro, em 1914, dando conta de que o Projeto era impraticável. Em 1919, as informações disponíveis foram revisadas pelo engenheiro F. J. da Costa Barros, da IOCS, 33 que considerou o Projeto inviável do ponto de vista técnico e econômico. Ele constatou que havia cotas de terreno cujo domínio exigia a construção de um túnel, com cerca de 300 km de extensão, a ser escavado a uma profundidade máxima de 250 metros (Barros, 1959). Anexou ao seu estudo o mapa referente ao “Indicado Canal do São Francisco-Jaguaribe”, preparado sob a responsabilidade do engenheiro Henrique Guilherme Fernando Halfeld (1860), que estudara o Rio São Francisco nos anos de 1852 a 1854. As idéias de implementação do Projeto de Transposição de Águas do São Francisco 34 só voltariam a ser discutidas nos anos 70 do século XX. Em 1972, o Deputado Federal Wilson Sá Roriz, do Ceará, retomou a idéia do Projeto, encaminhando-o à Presidência da República. Ouvido a respeito, o DNOCS manifestou-se contrário à construção do Projeto. Em meados da segunda metade dos anos 70, o Departamento Nacional de Obras de Saneamento-DNOS foi incumbido de aprofundar os estudos sobre o assunto, contando com a cooperação técnica do Bureau of Reclamation dos Estados Unidos. No começo dos anos 80, o DNOS concluiu o Plano de Ação para Irrigação do Nordeste Semi-Árido Complementada com Águas do Rio São Francisco. (MDU. DNOS, 1985.) Esses estudos foram avaliados, em 1983, pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica-DNAEE, no contexto das alternativas de transposição de águas dos rios Tocantins e São Francisco para o Nordeste Semi-Árido. (MME. DNAEE, 1983.) O survey preparado pelo DNAEE examinava seis alternativas de transposição para o semi-árido, envolvendo rios como o Tocantins, Sono, Balsas, Parnaíba, Itaueiras, Piauí, Canindé, Gurguéia, Salgado, Jaguaribe, Piranhas, Açu, Garças e Brígida. As vazões com as transposições previstas para essas seis alternativas seriam da ordem de 2.200 m³/s. Em 1994, o Ministério da Integração Regional formulou Proposta específica para a alternativa básica preparada pelo DNOS, de acordo com a qual seriam desviados 280 m³/s de água do Rio São Francisco. Em 1995, os estudos foram retomados pela Secretaria Especial de Políticas Regionais-Sepre, reavaliando os critérios e parâmetros que fundamentavam a concepção do anteprojeto das obras. Desse estudo resultaram diretrizes orientando a elaboração do Projeto 32

Veja-se também as contribuições de Ottoni Neto (1978; 1981; e 1981-a.) e Borges, 1981. Transformada, naquele mesmo ano, em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas-IFOCS. 34 Ou das águas do São Francisco, como imprecisamente tem sido veiculado na imprensa e até em alguns meios técnicos. 33

55

Básico dos Sistemas da Transposição, estruturados de forma a permitir a transposição efetiva de 150 m³/s de água para os Estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Aqueles estudos foram retomados pelo Ministério da Integração Nacional, em 1999, aprofundando as alternativas técnico-econômicas de obras e detalhando os serviços de campo, de topografia e geotecnia. Esses novos estudos estiveram a cargo de três consórcios de empresas privadas, adiante referidas. Os estudos realizados pelo Ministério da Integração Nacional beneficiaram-se das informações constantes do Plano de Aproveitamento Integrado dos Recursos Hídricos do Nordeste (Plirhine), complementados e ampliados pelo Projeto Áridas. 35 O conjunto de estudos do Ministério da Integração Nacional representa hoje o mais detalhado repositório de informações sobre os recursos hídricos do Nordeste e de sua Região SemiÁrida, no quadro da estruturação do Projeto de Transposição de Águas do São Francisco. 36 Esses estudos mostram, com nível de crescente aprofundamento, a inadequação entre a oferta e a demanda de recursos hídricos no Nordeste. O prosseguimento das obras e serviços do Projeto de Transposição constitui o desdobramento lógico e natural para a solução de várias das questões até aqui tratadas. De mais importante, porém, é a característica de esse Projeto poder contribuir decisivamente para a solução dos problemas de abastecimento de água de vastas áreas do Nordeste semi-árido e para a criação e condução sustentada de novas atividades econômicas, em áreas urbanas e rurais de toda a Região Semi-Árida do Nordeste. Esse Projeto tem de novo, em relação a vários outros empreendimentos iniciados ou imaginados como solução para os problemas do Nordeste, a possibilidade de produzir, distribuir e gerir adequadamente os recursos hídricos necessários ao atendimento da crescente demanda de água na Região. Enfatiza em particular a possibilidade de encaminhar soluções positivas para a solução dos problemas de abastecimento enfrentados pelos diferentes usuários dos estados do Nordeste, caracterizando como prioritário o atendimento dos estados mais carentes da Região, em matéria de recursos hídricos: o Ceará, o Rio Grande do Norte, a Paraíba e Pernambuco. Ao contrário do que se tem veiculado, a transposição de cerca de 2% da vazão regularizada do Rio São Francisco a jusante de Sobradinho (calculada em 2.250 m³/s), para aqueles estados do Nordeste Oriental, não propicia prejuízo à geração de energia elétrica, nem amplia os problemas ambientais até aqui identificados ao longo da Bacia do São Francisco. Ao contrário, os problemas ambientais ali encontrados passarão a ter a exata solução, como já começaram 35

Esse Projeto constituiu uma iniciativa de todos os estados do Nordeste, conduzida nos anos de 1993/94, sob a coordenação da antiga Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República (SEPLAN-PR). Sua coordenação técnica esteve a cargo de Antônio Rocha Magalhães (pela SEPLAN) e Carlos Luiz de Miranda (pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura-IICA). 36 Referidas na Bibliografia. 56

a ter, com o Programa de Revitalização do Rio São Francisco, concebido e aprovado a partir e como resultado dos estudos realizados para a viabilização do Projeto de Transposição, exatamente em decorrência das exigências de recuperação ambiental da Bacia do São Francisco. Sem a iniciativa do Projeto de Transposição, com certeza, ainda não se teria podido elaborar o Programa de Revitalização do Rio São Francisco, proposto pelo Ministério do Meio Ambiente-MMA. O Projeto de Transposição de Águas do São Francisco, batizado como Projeto São Francisco, pelo Ministério da Integração Nacional, já poderia ter tido sua execução iniciada, a partir dos estudos realizados. 37 A respeito, foram concluídos três conjuntos de estudos: os de Engenharia (alternativas, viabilidade técnica e econômica e Projeto Básico), os Ambientais (Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) e os de Inserção Regional. Desses trabalhos encarregaram-se, pela ordem, os consórcios Engecorps-Harza e Jaakko Pöyri-Tahal, e a empresa VBA Consultores. É muito densa e volumosa a produção que corporifica aqueles três conjuntos de estudos técnicos. Ao todo, estão disponíveis 51 Relatórios Técnicos, assim especificados: i. 32 Relatórios de Engenharia, correspondendo o de número 32 ao Relatório Síntese de Viabilidade Técnico-Econômica e Ambiental do Empreendimento (Consórcio Engecorps-Harza); ii. 16 Relatórios de Inserção Regional, correspondendo o de número 16 ao Relatório Geral de Avaliação do Projeto de Transposição (VBA Consultores); iii. Tahal);

01 Relatório de Impacto Ambiental (Consórcio Jaakko Pöyri-

iv. 01 Relatório sobre o Estudo de Impacto Ambiental, em 16 volumes (Consórcio Jaakko Pöyri-Tahal); e v. 01 Relatório de Avaliação Preliminar da Transposição de Águas do Rio Tocantins para o Rio São Francisco. Esse último Relatório foi produzido com o propósito de antecipar questões relacionadas à necessidade de a viabilização política do Projeto de Transposição poder vir a depender da importação de águas de bacias doadoras vizinhas. (MI. SIH, 2000-a). Neste sentido, o Projeto São Francisco caminha na direção da alternativa de transposição que está sendo estudada e detalhada

37

Em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, por intermédio da Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais-FUNCATE, vinculada ao Instituto de Pesquisas Espaciais-INPE. 57

pela Codevasf, no bojo do Projeto de Desenvolvimento do Semi-Árido, batizado de Projeto Semi-Árido. (MI. Codevasf, 1999.) O Projeto São Francisco estará integrado por uma sucessão de canais, aquedutos, túneis e reservatórios que têm origem em duas tomadas d’água a serem construídas após a barragem de Sobradinho. Com a água captada nessas duas tomadas serão transpostos 127 m³ de água por segundo, por meio das obras que integram os Eixos Norte e Leste. A vazão total média nos dois Eixos será de 64 m³/s. A alternativa escolhida apresenta vantagens importantes sobre as demais alternativas estudadas, 38 pois o Eixo Principal da transferência alonga-se no divisor de águas dos Estados do Ceará e da Paraíba, alimentando todas as bacias por gravidade, sem necessidade de novos bombeamentos. Considera, ainda, outras vantagens, como a de assegurar melhor qualidade da água na entrada de cada estado e de possibilitar uma gestão mais flexível da água, com a possibilidade de criar uma bolsa d'água, cujo destino dependerá da capacidade de cada estado em pagar pela água ao concessionário do Projeto. (MI. SIH, 2000-e: 11; e MI. SIH, 2001.) O conjunto dos dois eixos e suas ramificações terá cerca de 700 km de extensão. A primeira captação d’água atenderá o Eixo Norte, e será construída próxima da cidade de Cabrobó, em Pernambuco. A segunda, servirá ao Eixo Leste, saindo do reservatório de Itaparica. Um terceiro eixo em direção ao semi-árido do Piauí já está em estudos. MI. SIH, 2001: 23.) De acordo com os estudos realizados pelo Ministério da Integração Nacional, os déficits das bacias receptoras beneficiárias do Projeto – nos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco – derivados do balanço entre oferta e demanda de água, correspondem, respectivamente, a 21,6 m³/s, no ano de 2010, e a 87,2 m³/s, no ano de 2025. Considerando as sinergias propiciadas pelo Projeto nos açudes receptores, a vazão média necessária a ser bombeada do Rio São Francisco será de 20 m³/s, em 2010, e de 63,2 m³/s, em 2025. (MI. SIH, 2000-a: 35.) As vazões máximas a serem bombeadas, no ano de 2025, em vista das demandas identificadas nas diferentes bacias beneficiárias, são as especificadas na tabela 4.4, a seguir, para os Eixos Norte e Leste do Projeto.

38

Incluindo-se as alternativas estudadas pelo DNOS, avaliadas pelo DNAEE. 58

TABELA 4.4 DISTRIBUIÇÃO DAS VAZÕES A SEREM BOMBEADAS, POR ESTADO (m³/s), NOS EIXOS NORTE E LESTE ESTADO EIXO NORTE EIXO LESTE TOTAL Paraíba 10 10 20 Ceará 40 40 Rio Grande do Norte 39 39 Total Transferido 89 10 99 Pernambuco (*) 10 18 28 TOTAL 99 28 127 FONTE: Ministério da Integração Nacional-MI. Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica-SIH (2000)Projeto São Francisco. Brasília-DF, MI/SIH, janeiro, 2000. Xerox. (*) Distribuição de 8 m³/s para o Agreste e de 10 m³/s para a Bacia do Moxotó.

A decisão de implementar o Projeto de Transposição continua constituindo objeto de ampla discussão, como mostram as matérias publicadas em jornais do Nordeste e do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. O exame das matérias produzidas pelo Jornal do Brasil (edição de 19 de janeiro de 2000) e pela Folha de São Paulo (em sucessivas reportagens e artigos assinados) contribui para mostrar a importância da opinião pública na formulação daquela iniciativa. Os protestos apresentados por pesquisadores, ambientalistas, comunidades indígenas, populações ribeirinhas, setores da Igreja Católica e políticos contribuíram para que os Órgãos Estaduais do Meio Ambiente-OEMAs de Alagoas, Sergipe e Bahia formulassem pareceres contrários à aprovação do RIMA. Por conta disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-Ibama não aprovou, em meados de 2001, o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA que lhe fora encaminhado no primeiro semestre de 2001 pelo Ministério da Integração Nacional. Grande parte das lideranças de Alagoas, Sergipe e Bahia são desfavoráveis ao Projeto de Transposição, porque o empreendimento, tal como se acha estruturado, não irá propiciar qualquer benefício direto a esses estados. É lícito supor que o quadro possa ser diferente, na hipótese de se estabelecerem negociações que também possam beneficiar esses três estados, caracterizados como integrantes das bacias doadoras do Projeto São Francisco. A Bahia, que é o estado aquinhoado com maiores faixas de terras irrigáveis e de recursos hídricos na Bacia do São Francisco, poderá, em minha opinião, vir a se manifestar favoravelmente ao Projeto, diante da possibilidade de aumentar a vazão regularizada do São Francisco, a montante de Sobradinho, em mais 180m³/s, mediante a construção de obras de regularização nas sub-bacias dos rios Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente, Grande e Jequitaí. 39 Os argumentos defendidos pelos segmentos sociais contrários ao Projeto estão pautados, em boa medida, por critérios ideológicos. Ora, o RIMA elaborado pelo Ministério da Integração Nacional seguiu, à risca, os Termos de Referência formulados pelo Ibama. Pode não conter todas as respostas aos 39

Essas obras estão previstas na alternativa de transposição/regularização de águas trabalhada pela Codevasf no Projeto Semi-Árido. 59

problemas ambientais, mas essas questões foram ali tratadas com profundidade e extensão suficientes para serem aprovadas. A não aprovação do RIMA pelo Ibama não é definitiva. O assunto voltará, com certeza, a ser encaminhado ao Órgão Nacional do Meio Ambiente, oportunamente, acrescido das informações e esclarecimentos que eventualmente tenham sido solicitadas por aqueles OEMAs e pelo mesmo Ibama. É uma questão de tempo e de conjuntura política. Mais pesados do que as restrições ambientais são a importância econômica e os argumentos apresentados pelo setor elétrico, que não tem admitido, historicamente, outro uso prioritário para as águas do São Francisco, além do referido à geração de energia. Neste setor se originam os argumentos mais contundentes sobre a inconveniência de tornar efetivo o Projeto de Transposição. A Companhia Hidrelétrica do São Francisco-CHESF assume que as águas desse rio destinam-se, em essência, à geração de energia. Sempre foi assim. Ademais, há grupos de técnicos e formadores de opinião no Nordeste fazendo coro com a Companhia, na defesa do mesmo ponto de vista. Tem-se salientado, além disso, que a destinação das águas do São Francisco a outros usos – como os previstos no Projeto de Transposição – irá comprometer o futuro desenvolvimento do Nordeste, por diminuir a capacidade de geração de energia elétrica por parte daquela Empresa. Quem concedeu esse suposto monopólio à CHESF? O Estado? O setor privado? Os recursos hídricos disponíveis no São Francisco constituem um bem público, que deve ter utilização econômica e social compatível com as demandas da sociedade brasileira e do Nordeste. A produção adicional de energia que o Nordeste vier a requerer poderá ser atendida com a água do São Francisco, do Tocantins ou de outras bacias. Hoje, o Nordeste já utiliza energia da Amazônia – proveniente de Tucuruí. No conjunto dos 1.300 MW médios transportados do Norte para o Nordeste, cerca de 300 MW médios vêm do Sudeste, como parte dos 2.300 MW médios que a Região Sul exporta para o Nordeste. Todos esses percursos são realizados porque ainda não há ligação direta entre os sistemas do Sudeste e do Nordeste. O desenvolvimento do Nordeste poderá, no futuro, ter de contar com mais energia de outras regiões e de outras fontes. Neste sentido, pode vir a atender parte de suas demandas com energia de outras fontes (eólica, atômica). As dificuldades de geração enfrentadas atualmente pelo Nordeste têm muito que ver com a queda de vazão dos grandes reservatórios do Sistema CHESF, existentes na Região. Mas essa circunstância não pode constituir argumento para impedir a implementação do Projeto de Transposição. Reconhece-se a impossibilidade de os gestores do setor elétrico não terem podido controlar os efeitos da “política de São Pedro”, que comandou as reduções de vazão decorrentes dos sete anos de seca ocorridos nos anos de 1990 (1990, 1991, 1992, 1993, 1998, 1999 e 2000). Mas se sabe que esses efeitos poderiam ter sido minimizados – via planejamento –, adotando-se decisões de investimento compatíveis com as circunstâncias particulares do 60

setor elétrico. As empresas desse setor sempre trabalharam com horizontes de planejamento superior a 20 anos. Puderam, inclusive, controlar situações difíceis, como as administradas, via racionamento, em 1989, no governo do Presidente Sarney. O argumento de que os níveis críticos de vazão da Barragem de Sobradinho seriam ainda maiores, na hipótese de implementação do Projeto de Transposição, tem, assim, força apenas relativa. Apesar dos percalços por que vem passando o setor público no Brasil em geral e no Nordeste em particular, desde o início de 1990, é lícito supor que outro teria sido o tratamento dado às águas do São Francisco, no contexto daquela hipótese. A conjunção dos múltiplos interesses em torno da utilização de suas águas teria sido mais bem articulada.

61

5.

GRANDES QUESTÕES PARA O NORDESTE DO TERCEIRO MILÊNIO

Algumas das grandes questões identificadas no final dos anos 50 continuam em pauta. Milhares de nordestinos padecem de fortes privações em suas necessidades e demandas essenciais. Há questões que tiveram seus determinantes agravados e há questões novas. Estas últimas exigem compreensão compatível com o ritmo dos tempos modernos, competitivos, pois são qualificadas como correspondentes a temas que ou continuam vigorando ou estão entrando em pauta. Neste caso, podem ser incluídas na categoria de problemas novos ou representarem perspectivas de solução para dificuldades conhecidas. Novas ou remoçadas questões para o debate. É disso que se tratará na seqüência, destacando as seguintes: i.

Produção, Distribuição e Gestão de Recursos Hídricos;

ii.

Novas Formas de Cidadania: da Posse da Terra à Organização

iii.

Nova Institucionalidade;

iv.

Planejamento do Desenvolvimento Regional Sustentável; e

iv.

Pobreza como Privação de Capacidades.

Social;

5.1 PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS A água já foi incorporada ao rol dos bens econômicos. É um bem econômico porque tem um custo para ser obtida, embora nem todos paguem para consumi-la. O preço da água no Nordeste pode ser pago em dinheiro – como faz a grande maioria dos consumidores urbanos e dos consumidores produtivos – ou em esforço braçal, como ocorre com boa parte das pessoas que, residindo no campo, integram a demanda rural difusa. Para atender a qualquer uma dessas situações, a água tem de ser produzida. Produz-se água quando se constrói uma cisterna ou um açude; quando se perfura um poço ou se instala uma tomada d’água em um rio; quando se constrói uma adutora, para distribuir água nas fazendas, em casas do meio rural e nas cidades. O trabalho agregado em qualquer uma dessas atividades tem custo, que é passado ao preço da água. Até mesmo a água distribuída em carros-pipa tem um custo específico, que se não é pago por quem dela se beneficia é porque o governo arca com o ônus de sua distribuição. No Nordeste, o preço da água ainda não é pago por todos, mas pode vir a ser, no futuro. Enquanto isso não acontece, a produção e distribuição de água são realizadas a custos mais elevados do que os praticados em condições de 62

maior eficiência de uso combinada com cobertura completa de custos. O balanço hídrico entre oferta e demanda de água no Nordeste indica a existência de uma oferta média superior à demanda. Na prática, porém, essa situação é desfavorável em muitos espaços da Região, porque há um grande número de bacias hidrográficas nas quais há insuficiência de oferta frente às demandas. A busca do equilíbrio é feita por intermédio da produção adicional de água, armazenada por meio da construção de açudes, adutoras e cisternas, além da perfuração de poços. Em termos de volume, as capitais de estado e, em particular, as três regiões metropolitanas da Região (Salvador, Fortaleza e Recife) constituem as áreas mais carentes de água no Nordeste. Mas o Semi-Árido e o Agreste apresentam mais dificuldades do ponto de vista da distribuição espacial da demanda. Esses problemas tendem a exigir soluções mais complexas porque o seu atendimento depende de providências tomadas no âmbito de cada um dos estados da Região. Os problemas dos estados com bacias hidrográficas carentes – como o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco –exigem soluções conjuntas, como as que estão sendo pensadas no contexto do Projeto de Transposição de Águas do São Francisco, quer se trate da alternativa trabalhada pelo Ministério da Integração Nacional ou pela Codevasf. Individualmente, nenhum daqueles quatro estados poderá dar solução aos graves problemas de abastecimento hoje enfrentados por suas populações. Tenho dito em algumas oportunidades que “o Projeto de Transposição de Águas do São Francisco não vai ser executado, porque, na realidade, ele já está sendo executado.” Pensado em 1847, o Projeto de fato começou com a construção do Açude Orós, de cujas águas provém boa parte da oferta que atende Fortaleza, via Canal do Trabalhador. Teve continuidade com a construção do Açude Castanhão. E prossegue com os estudos realizados pelo Ministério da Integração Nacional e pela Codevasf. Não há como desconsiderar os impactos do crescimento urbano da população do semi-árido sobre a demanda de recursos hídricos do Nordeste. O atendimento da demanda colocada por essa população – dispersa em vilas, distritos e cidades de porte variado e, mesmo, no meio rural – constitui o fundamento sobre o qual se assenta hoje a implementação do Projeto de Transposição. Isto não significa que o Projeto vá resolver, de imediato, todas as carências hídricas do Nordeste. Mas sem ele não haverá gestão adequada dos recursos hídricos que solucione as crescentes carências e demandas de água já identificadas e calculadas. Simplesmente, porque não haverá oferta adicional de água para ser gerida. A escassez, a falta e a gestão inadequada dos recursos hídricos do Nordeste como um todo e do semi-árido em particular constituem questão cuja solução passará por esse Projeto. Aqueles problemas vão ser solucionados na dependência decisões que vierem a ser tomadas neste começo de novo século a respeito da implementação do Projeto de Transposição.

63

5.2

NOVAS FORMAS DE CIDADANIA: DA POSSE DA TERRA À ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Por volta dos anos de 1950, a cidadania nos campos do Nordeste dependia da posse de um pedaço de terra – qualquer que fosse o seu tamanho. O homem do campo que não dispusesse da propriedade desse meio de produção, quer fosse morador ou parceiro, trabalhando no interior de uma fazenda, era considerado à distância. Não chegava a ser propriamente um cidadão, exceto nos dias de eleição, quando seu voto – muito disputado – era pago com almoço e transporte para ir e vir da cidade onde fosse votar. Diferente, de fato, era a situação dos pequenos proprietários de terra. Estes eram considerados senhores de terra e cidadãos, por menor que fossem seus pedaços de chão. Esse quadro mudou um pouco. Um olhar sobre o meio urbano do Nordeste daquela época, comparado com o que foi sendo estruturado a partir dos anos 80, indica que a urbanização contribuiu para produzir uma nova cidadania. Passou-se de uma cidadania garantida pela posse da terra para uma cidadania construída pela força da organização social. A nova cidadania foi construída a partir da organização das associações dos pequenos proprietários rurais e dos trabalhadores sem terra, qualificados como “moradores”, meeiros e outras categorias de “condiceiros”, espalhadas nos diversos espaços naturais do Nordeste. Essas organizações foram estruturadas por processos e lutas distintas na Zona Litoral-Mata (esteio das monoculturas da cana-de-açúcar e do cacau); no Agreste (terra da policultura alimentar); no Semi-Árido (território onde, na ausência de secas, foram exploradas por muitos anos as atividades do complexo pecuária-algodãolavouras alimentares); nas áreas de Cerrado da Bahia, Piauí e Maranhão; e nas terras úmidas da Pré-Amazônia Maranhense. A estruturação das organizações sociais que hoje defendem os interesses das minorias de despossuídos foi motivada e impulsionada pelo poder criado com a superação das privações a uma vida melhor. Já no início dos anos de 1980, o Nordeste era caracterizado como uma das mais importantes regiões do País, no que se refere ao número de Sindicatos de Trabalhadores Rurais e ao Número de Associados. A Região contava, em 1982, com 43,0% do número de sindicatos e com 43,4% do seu número de associados, segundo dados da Assessoria Jurídica e Sindical da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura-Contag. (Carvalho, 1985: 18.) Esse reordenamento social teve início no campo, mas ganhou mais impulso foi nas vilas e cidades da Região. No meio urbano, aquelas organizações passaram a adquirir densidade, com a adesão dos que começavam a se organizar em torno da defesa dos direitos civis em geral e do meio ambiente em particular. Os trabalhadores passaram a dispor de mais espaço social com o apoio e a cooperação técnica de Organizações NãoGovernamentais-ONGs, ligadas a atividades tanto rurais como urbanas. Essa ampliação da cidadania está contribuindo para alterar o quadro 64

político em vários municípios do Nordeste, onde estão sendo eleitos prefeitos e vereadores de oposição. Os trabalhos de base comunitária que vão sendo ali viabilizados favorecem a superação de algumas carências básicas na prestação de serviços essenciais, como os de saúde e educação. Embora ainda não haja uma maior independência dos recursos financeiros aplicados localmente pelo governo federal e pelos governos estaduais, já é possível observar a criação de novas forças políticas, em escala municipal. A cidadania pela posse da terra está sendo complementada atualmente pela provida por meio da organização social. A manutenção dos diferentes processos de organização social, não apenas por mérito, mas por sua ligação com novas atividades econômicas, deverá integrar, mais e mais, a agenda de trabalho dos grupos sociais comprometidos com o desenvolvimento do Nordeste. E a posse da terra para quem nela trabalha continua constituindo instrumento importante de constituição e fortalecimento da cidadania. 5.3

NOVA INSTITUCIONALIDADE

O caráter reformista das ações realizadas pela Sudene por pouco não a levou a ser extinta, em 1964. Sua continuidade resultou de muito esforço das lideranças progressistas do Brasil. Esforço compensado. Por permanecer em atividade, estudando e pensando os problemas do Nordeste no contexto nacional, a Sudene contribuiu para que os problemas centrais da Região não fossem relegados a plano secundário. Ainda que as situações enfrentadas tenham sido crescentemente difíceis, a Sudene pôde produzir estudos, formular diretamente e promover a elaboração de planos e programas para a Região como um todo, considerando sempre as especificidades econômicas e socioambientais do Nordeste. Neste sentido, a Superintendência manteve-se ativa na defesa de soluções socialmente adequadas aos problemas nordestinos. Identificou e quantificou as disponibilidades de recursos naturais, formulou inúmeras alternativas para resolver a questão agrária, estruturou opções de desenvolvimento global e setorial, para espaços selecionados, e colaborou positivamente para a instituição de modernos processos de gestão, nas diferentes esferas de governo, com ênfase, inicialmente, nas administrações estaduais. Mas uma das realizações essenciais da Sudene está referida ao seu papel de unificação e integração de demandas e soluções ou alternativas de soluções para os problemas da Região em seu conjunto. Esse papel pôde ser desempenhado graças ao seu Conselho Deliberativo, no qual tinham assento os governadores dos estados do Nordeste. Daí as decisões adotadas por esse Colegiado terem podido assumir consistência política intrínseca. A Sudene, na qualidade de Secretaria Executiva do Conselho Deliberativo, atuava como instância técnica e o Conselho como instância política. Juntos, articulavam processo técnico e processo político. As decisões de política econômica eram aprovadas pelo Conselho Deliberativo, que se reunia, ordinariamente, uma vez por mês. Por meio do Conselho, o Nordeste sempre foi ouvido em suas horas difíceis. Muitos Presidentes da República consideraram indispensável falar 65

do palco representado pelo Conselho – inclusive durante os governos militares –, quando queriam fazer-se ouvir em assuntos que dissessem respeito aos nordestinos e às suas causas sociais. Mas o trabalho político do Conselho Deliberativo, durante os governos militares, não foi fácil. O Colegiado chegou a fraquejar em alguns momentos, porque os governadores não tinham a força política de antes, quando eleitos pelo voto direto. Mesmo assim, a fragilização política da Sudene caminhou para seu limite em 1985, por estranho que possa parecer, quando os governadores já eram eleitos, desde 1982, pela via direta. Sob o argumento da eficiência administrativa, Brasília decidiu que o Conselho Deliberativo da Superintendência passasse a se reunir apenas de três em três meses. A decisão enfraqueceu demais a Sudene, refletindo negativamente sobre as decisões de investimento do Nordeste. De natureza essencialmente burocrática, aquela decisão foi concebida e posta em prática no contexto dos projetos de reforma do Estado brasileiro, implementados a partir do último triênio dos anos 80. Como resultado, as unidades federadas com menor peso econômico e político dentro do Nordeste ficaram sem ter a quem recorrer, sem palco para explicitarem e discutirem seus problemas, até mesmo para defender as demandas imediatas dos trabalhadores rurais, nos anos de grandes secas. O enfraquecimento político da Sudene atendeu ao propósito de fazer avançar as reformas neoliberais então postas em marcha pelo Estado brasileiro. De fato, a Sudene nunca foi perdoada por defender com veemência os interesses do Nordeste. Por isso, era considerada pelas altas esferas da administração pública federal uma instituição intermediária incômoda e dispensável. Intermediária e incômoda porque trabalhava para que as estratégias concebidas em benefício do Nordeste – legitimadas por seu Conselho Deliberativo – refletissem as efetivas demandas da sociedade regional. Dispensável porque os Ministérios em Brasília consideravam-se senhores das funções exercidas pela Sudene. As autoridades desses Ministérios entendiam não ser necessário manter uma instituição daquela natureza na Região, se os Ministérios podiam executar as tarefas historicamente cometidas à Sudene. Aqueles decisores não atinavam para as enormes desigualdades sociais do Nordeste e, em vista disso, para o caráter extraordinário das funções atribuídas à Sudene. Por isso, esta Superintendência teve de conviver com dificuldades crescentes ao longo de sua existência, v. g., depois de 1964. As dificuldades cessaram em 02 de maio de 2001, quando a Sudene foi extinta pela Medida Provisória nº 2.145, conforme referido no item 2.4 anterior. Como ficará agora o Nordeste com a substituição da Sudene pela Agência de Desenvolvimento do Nordeste-Adene? A criação dessa Agência entra um pouco na categoria dos “arrombamentos de porta aberta”, pois a Sudene sempre foi uma Agência de Desenvolvimento, dotada, inclusive, de instrumentos de notável eficácia nas áreas financeira, orçamentária, informacional, organizacional e de planejamento. Antes de comentar aspectos da contextura 66

dessa nova Agência de Desenvolvimento do Nordeste-Adene, convém refletir um pouco sobre os seguintes aspectos: i. público; e

a lógica das instituições ordinárias e extraordinárias do setor

ii. a natureza das agências de desenvolvimento no quadro das novas instituições do setor público brasileiro. Lógica das instituições ordinárias e extraordinárias do setor público brasileiro. As instituições públicas no Brasil têm sido criadas para exercerem atividades permanentes ou atividades temporárias. No primeiro caso, se enquadram as instituições responsáveis pela prestação de serviços básicos essenciais, de saúde, educação, segurança pública e defesa nacional. São entes públicos que exercem atividades permanentes os Ministérios da Saúde, da Educação e da Justiça; as Forças Armadas, a Receita Federal, a Fazenda Nacional e a Diplomacia. No segundo caso se enquadram as instituições que produzem serviços necessários ao atendimento de situações extraordinárias, criadas com prazo de vigência delimitado. Entidades extraordinárias são aquelas cuja criação é comandada pela exigência de cumprimento de uma determinada e particular missão, como a de promover o desenvolvimento em uma dada região ou sub-região do País, em prazo predeterminado. A Sudene constitui nosso exemplo paradigmático. O caso representado pela Sudene também pode ser encontrado em países de economias avançadas. Ali têm sido criadas instituições extraordinárias, com missão definida e prazo preestabelecido. Exemplos dessas situações, fora e dentro do Brasil, são especificados a seguir:  Bureau of Reclamation, dos Estados Unidos da América. Criado em 1902, continua funcionando. (http://www.usbr.gov/main);  Cassa per il Mezzogiorno, da Itália. Criada em 1950, deixando de funcionar nos anos 90; 40  Délégation à l'Aménagement du Territoire et à l'Action Régionale-DATAR, da França. Instituída em 1963, continua funcionando. Está vinculada ao Gabinete do Primeiro Ministro da França, no âmbito do Ministério

40

A “Cassa” foi extinta sem cumprir a missão de eliminar as desigualdades regionais entre o Sul (região do Mezzogiorno) e o Norte do Itália. Naquele país continuam sendo realizados esforços para a criação de instrumentos extraordinários de redução das desigualdades regionais no Mezzogiorno. A formulação de um Plano Nacional de Infra-estrutura e Segurança do Mezzogiorno – voltado inclusive para a geração de empregos e para a gestão do território e a segurança ambiental – a partir de Proposta de Lei (popular), formulada com apoio do Partido da Refundação Comunista, constitui um dos exemplos recentes das medidas a este respeito. (http://www.rifondazione.it/mezzogiorno).

67

de l'Aménagement du (http://www.datar.gouv.fr);

Territoire

et

de

l'Environnement.

 Departamento Nacional de Obras Contra as Secas-DNOCS, instituído em 1946, no lugar da Inspetoria Federal de Obras Contra as SecasIFOCS, que substituíra, em 1919, a Inspetoria de Obras Contra as Secas-IOCS, criada em 1909. O DNOCS foi extinto em 1° de janeiro de 1999. Ainda subsiste por força de reedições da Medida Provisória n° 1.795, na forma discutida no item 2.4 anterior;  Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste-Sudene, instituída em 1959, foi extinta pela Medida Provisória nº 2.145, de 02 de maio de 2001;  Banco do Nordeste do Brasil-BNB, criado em 1952, permanece em atividade, mas foi submetido a processo de reestruturação a partir de 1995;  Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba-Codevasf, constituída em 1974, em substituição à Superintendência do Vale do São Francisco-Suvale, que fora criada em 1967, para ocupar o lugar da Comissão do Vale do São Francisco-CVSF, instalada em 1946. Continua em atividade. Todas as instituições mencionadas foram criadas com duração determinada, mas suas vigências de ação têm sido prorrogadas, ao longo do tempo. A razão das alterações de prazo é sempre a mesma: impossibilidade de cumprimento da missão, por insuficiência de recursos ou pela exacerbação (ou subestimação) das dimensões dos problemas que deveriam solucionar. Resultado: as instituições perdem o caráter de temporariedade, assumindo a feição de instituições permanentes. A causa para essa mudança de figura parece ser a mesma. Por trás delas, atuam forças, nem sempre progressistas, que lhes dão sustentação política – as oligarquias regionais. Não se pense, porém, que as oligarquias são de todo infensas ao progresso. Para sobreviverem buscam algumas linhas de progresso, compatíveis com projetos políticos e interesses econômicos particulares. O que caracteriza mais as oligarquias é o compromisso com valores culturais arraigados, que elas cultuam e sedimentam. É na trilha desses interesses que as entidades extraordinárias têm atuado. Foi o que aconteceu no Nordeste com o DNOCS, o Banco do Nordeste e a Codevasf. A Sudene fugiu um pouco à regra, pelo menos em seus primeiros anos de funcionamento. Criada para enfrentar esse tipo de interesses, a Sudene pagou preço alto para se manter. Depois de 1964, foi levada a conviver com a lógica das forças em conflito, conseguindo sustentar-se com o apoio de grupos de interesse menos conservadores.

68

As oligarquias – conservadoras, modernizadas ou modernas – do Nordeste têm constituído a força motriz das instituições antes referidas. Sua força tem sido potenciada por bem estruturadas articulações com o governo federal e grupos privados de outras regiões. Embora seu peso político e econômico sejam consideráveis, nem sempre têm conseguido manter seus territórios. Por isso a Sudene foi extinta e o DNOCS ainda vai conseguindo sobreviver. O Banco do Nordeste passou por processo de reestruturação e a Codevasf ganhou espaço político, ampliando sua área de atuação ao Vale do Parnaíba. Natureza das agências de desenvolvimento no quadro das novas instituições do setor público brasileiro. A Sudene está sendo substituída pela Agência de Desenvolvimento do Nordeste-Adene. O governo federal já conta com proposta de estrutura e de regimento para a Adene. Mesmo assim, alguns segmentos sociais do Nordeste trabalham para modificar a Medida Provisória que extinguiu a Sudene, alterando os rumos que o governo pretende imprimir à Adene, a partir do texto da Medida Provisória nº 2.145/2001. As forças sociais contrárias à extinção da Sudene não estão pretendendo fazer a Sudene ressurgir das cinzas. Parecem estar trabalhando para que a Adene seja estruturada segundo concepção que represente a transformação positiva da Sudene. Transformação que poderia seguir um pouco a linha sugerida por Roberto Cavalcanti: “A nova matriz organizacional do Nordeste não deve introduzir fraturas ou provocar vácuos no atual arcabouço administrativo regional. Ela deve apoiar-se no capital institucional – político-administrativo, empresarial, comunitário – já construído na região e em intensa interação e colaboração entre suas esferas pública e privada.” A Sudene deve recuperar, política e operacionalmente, seu papel de instituição angular do desenvolvimento regional: com nova legitimação política, funções de planejamento e orçamentação; responsabilidades na concepção e coordenação de programas estratégicos e na administração, compartilhada com o Banco do Nordeste, de incentivos fiscais e financeiros – além de receber outras incumbências seja na atração de investimentos privados, seja na promoção de exportações. (...) o papel da iniciativa privada e das organizações da sociedade deverá ser crescentemente importante, em especial no processo de investimentos e na gestão, orientada pelas forças de mercado, da economia.” (Albuquerque, 2000-a: 391-392.)

Essas forças não pensam em reeditar a Sudene originária, colocando em seu lugar uma entidade com as mesmas características especiais e extraordinárias daquela que funcionou no período de dezembro de 1959 a março de 1964. A transformação da Sudene, mantida a mesma marca ou substituindo o nome de Superintendência por Agência, está sendo pensada aqui na perspectiva de que as instituições são criadas como reflexo das exigências particulares da dinâmica econômica da sociedade, em um momento histórico dado. Modernamente, a primeira grande instituição civil criada no Brasil, segundo essas características, foi o Departamento Administrativo do Serviço Público-DASP, instituído em 1938, no governo Getúlio Vargas. Naquele momento, foi dado início à fase dos Departamentos, na qual se incluiriam, o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem-DNER, o Departamento 69

Nacional de Estradas de Ferro-DNEF, o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis-DNPVN, o Departamento Nacional de Obras Contra as SecasDNOCS, o Departamento Nacional de Obras de Saneamento-DNOS e o Departamento Nacional de Endemias Rurais-DNERU. Por questões de eficiência administrativa, os Departamentos começaram a ceder lugar às Autarquias, Fundações e Sociedades de Economia Mista. Isto aconteceu, particularmente, depois da Reforma Administrativa de 1967, institucionalizada pelo Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Vivia-se, à época, o início do chamado “milagre brasileiro”. A partir de 1974, no bojo das reformas e dos macroprojetos de desenvolvimento do I e do II Planos Nacionais de Desenvolvimento, o governo passou a patrocinar a instituição das Empresas Públicas, dentre as quais se salientaram a Eletrobrás, a Telebrás, a Embratel, a Portobrás, a Embrapa, a Embrater, a Codevasf, a Cibrazem e a Cobal, dentre outras. 41 No final dos anos 80, adentrando o começo dos anos 90, o aparelho de Estado brasileiro passou por um grande processo de desmonte. Dali em diante, as Empresas Públicas seriam – de alguma forma – substituídas pelas Agências – Executivas e Reguladoras –, bem distintas dos Ministérios e Secretarias Formuladoras de políticas públicas (as Secretarias Nacionais). As Agências Executivas implementam as políticas e programas definidos pelo núcleo estratégico do Estado, enquanto as Agências Reguladoras, por serem mais autônomas do que as executivas, definem “os preços que seriam de mercado em situações de monopólio natural ou quase natural. As Agências Reguladoras devem ser mais autônomas do que as executivas porque não existem para realizar políticas do governo, mas para executar uma função mais permanente que é essa de substituir-se aos mercados competitivos.” (Bresser Pereira, 1997: 43.) Vive-se hoje, portanto, a fase das Agências, cuja lógica está pautada pela presença do Estado mínimo. O discurso que defende as Agências não é mais o da eficiência do setor público, mas o da regulação de serviços públicos, transferidos, via privatização, ao setor privado. Foi o que aconteceu em setores como os de telecomunicações, energia, transporte, recursos hídricos e se começa a vislumbrar em áreas de saneamento básico. O Brasil conta hoje com uma verdadeira pletora de Agências Reguladoras, nem sempre necessárias, eficientes e eficazes. Por isso, começam a ser objeto de algumas restrições. A criação de uma Agência Reguladora é considerada justificada diante de alguma falha de mercado, provocada pela existência de um monopólio natural, por externalidades, pela existência de bens públicos (como a segurança nacional) e pela assimetria de informação. Para Gesner Oliveira, uma Agência Reguladora só deveria ser instituída depois de constatada a existência de uma dessas falhas de mercado e verificada a 41

O modelo nacional de empresas públicas foi replicado em todos os estados brasileiros, para quase todos os setores. 70

capacidade de o Estado resolver os problemas identificados. Seria necessário, ainda, examinar “se em circunstâncias nas quais há de fato uma falha de mercado e nas quais a regulação não provoca falhas de Estado ainda mais custosas do que as de mercado é realmente o caso de criar uma agência reguladora.” (Oliveira, 2001: 5-2.) As Agências constituem, stricto sensu, os substitutos das Empresas Públicas, na nova organização do Estado brasileiro. É bem verdade que a Agência de Desenvolvimento do Nordeste-Adene está caracterizada como autarquia. Segundo o texto da Medida Provisória que a instituiu, a Adene vai diferir da Sudene menos por sua estrutura e competências do que por seu processo de supervisão. A Adene deverá ser vinculada ao Ministério da Integração Nacional. Nesse caso, não terá, como a Sudene, qualquer relação com um Conselho Deliberativo de natureza política, integrado por governadores de estado, como o que dirigia a Sudene. A Adene também contará com um Conselho Deliberativo, mas a composição deste deverá ser técnica, burocrática, pois o Conselho Deliberativo para o Desenvolvimento do Nordeste, previsto no Art. 28 da Medida Provisória nº 2.145, de 02.05.2001, integrará a estrutura do Ministério da Integração Nacional. Esse Conselho tenderá, assim, a não ter representatividade política. O Conselho Deliberativo para o Desenvolvimento do Nordeste constitui uma das diferenças essenciais entre a Sudene e a Adene. As diversas competências da Adene são, quase, em tudo semelhantes às antes conferidas à Sudene. Mais uma vez, uma outra diferença entre as duas instituições estará centrada em suas capacidades institucionais e em suas forças políticas próprias. A Adene não ganhará força em relação à Sudene, porque tem um outro nome. A Agência pode até ser mais palatável aos humores da tecnocracia brasiliense, mas não dispõe de instrumentos para solucionar os graves problemas do Nordeste, incluídos em sua agenda de responsabilidades, como podem vir a corresponder os identificados na formulação de um Plano de Desenvolvimento do Nordeste, previsto no Art. 21 da Medida Provisória nº 2.145/01. De outra parte, o principal instrumento financeiro a ser administrado pela Adene corresponderá ao Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, que vai substituir o antigo FINOR, antes administrado pela Sudene. A indicação das fontes de recursos desse novo fundo e tampouco o processo de planejamento para suas aplicações não sugerem possibilidades de realização de novos e mais rentáveis investimentos, vis-à-vis aos apoiados com recursos do antigo FINOR. A Adene está sendo criada para propor medidas de promoção do desenvolvimento regional. Embora este aspecto não constitua novidade, a missão da Agência bem poderia ser mais consentânea com a realidade nordestina. Assim seria, se a Adene fosse orientada para estruturar-se como Agência de Negócios, encarregada de coordenar esforços das unidades federativas e de municípios de porte, sempre que chamada a cumprir esse tipo de tarefa, destinada a promover e estimular novos negócios, inclusive em escala sub-regional. Os consórcios municipais, nesses casos, constituem exemplos importantes da nova forma de atuar de Agências Executivas. 71

Assim pensada, a proposta da Adene tenderia a ser mais realista. O papel da Adene na promoção do desenvolvimento sustentável poderia, neste sentido, ser mais efetivo, a considerar os resultados das experiências realizadas em países industrializados, onde o poder local está ocupando progressivamente novos espaços da ação pública. Além do mais, a nova institucionalidade do Nordeste, centrada na criação da Adene, apresenta uma carência notável, qual seja a de não explicitar as competências de articulação institucional entre vários entes do setor público, com destaque para o federal. É como se o espaço institucional, o espaço natural e o espaço econômico fizessem parte de uma outra conjunção de forças. Também merece destaque o fato de a estruturação da Adene estar sendo realizada sem consulta à sociedade nordestina. As propostas de mudança que seguem esse tipo de percurso tendem a resultar infrutíferas. A sociedade do Nordeste, por grande que ainda seja a presença em seu seio de forças conservadoras, aprendeu nos últimos 30 anos a apoiar todas as boas iniciativas, desde que elas façam parte de processos de trabalho negociados. É o que mostram as várias experiências exitosas de desenvolvimento local, que vêm sendo concebidas e postas em prática no interior da Região. A mobilização das diferentes instâncias representativas dos atores sociais existentes no Nordeste será exercida de forma mais completa no curso da articulação entre processo técnico e processo político demandados pela prática do planejamento. É do que se trata, ainda que de forma simplificada, no item que se segue. 5.4 PLANEJAMENTO SUSTENTÁVEL

DO

DESENVOLVIMENTO

REGIONAL

Uma parcela dos estudos referidos sobre essa matéria sugere escassas possibilidades de retomada do processo de planejamento regional no Nordeste. Não há como negar isso. Mesmo assim, ali continuam sendo implementadas várias ações de desenvolvimento concebidas como fruto do trabalho planejado. Uma parte delas ainda constitui o resultado das políticas e estratégias adotadas no início dos anos 60 do século passado, como as de apoio à industrialização, à agricultura irrigada e ao turismo. Outras, também consideradas no contexto das políticas básicas estabelecidas naquela época  a exemplo das ligadas à expansão da fronteira agrícola  estão sendo presentemente implementadas em conseqüência de ações mais específicas do setor privado, como ocorre nas regiões do oeste da Bahia, sudoeste do Piauí e sudeste do Maranhão. Essas ações estão centradas na matriz das políticas de desenvolvimento regional e sub-regional concebidas e coordenadas pela Sudene, no período 1959/64. Sua execução teve continuidade durante as décadas de 1960 e 1970, sob o apoio direto e indireto do Ministério do Planejamento e de vários Ministérios Setoriais, de instituições regionais – como o Banco do Nordeste, 72

DNOCS e Codevasf – e dos governos estaduais. As descontinuidades começaram nos anos 80, quando a capacidade de planejamento e de financiamento do desenvolvimento, por parte do Estado, também já referida, começou a perder o impulso antes observado. A Sudene perdeu preciosos pontos do seu espaço de atuação, mormente na área do planejamento e coordenação dos esforços de desenvolvimento. Por conta disso, as atividades dessa natureza hoje praticadas na Região são pontuais e extremamente desarticuladas. O governo federal se esforçou pouco para reverter tais tendências. A crédito do governo federal, merecem registro os estudos e trabalhos de planejamento realizadas nos anos de 1993/95, em colaboração com os estados do Nordeste, corporificados no esforço do Projeto Áridas. 42 A Sudene não participou dos trabalhos do Áridas, por conta das idiossincrasias manifestadas por ela e os promotores do Projeto, algumas delas já referidas. Na linha da Estratégia do Projeto Áridas, foram preparados trabalhos importantes, com a cooperação técnica do IICA e a participação de estados do Nordeste, dentre os quais pode-se considerar reiniciado o processo de planejamento regional, em escala sub-regional e estadual, naquela Região. A este respeito, foram elaborados os seguintes planos e estratégias estaduais: Piauí;



Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentado do Estado do

Ceará: Plano de Desenvolvimento Sustentável: 1995-1998;  Plano de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte;  Paraíba: Plano de Desenvolvimento Sustentável: 1996-2010;  Pernambuco 2010: Estratégia de Desenvolvimento Sustentável; e  Bahia: Plano Plurianual: 1996-1999. Foram produzidos também, na linha dos delineamentos estabelecidos nos planos e estratégias estaduais, ainda com a cooperação do IICA, os seguintes planos e programas sub-regionais:  Programa de Valorização Agroindustrial do Vale do Piranhas, na Paraíba: Agropolo do Piranhas;   Paraíba;

Programa de Desenvolvimento da Zona da Mata Paraibana; Programa de Desenvolvimento das Zonas do Agreste e do Brejo da

42

Esses estudos, estruturados na perspectiva regional, foram apoiados pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República – SEPLAN/PR, posteriormente transformada em Ministério do Planejamento e Orçamento-MPO. 73



Plano de Desenvolvimento Sustentável do Sertão de Pernambuco;

 Plano Pernambucana;

de

Desenvolvimento

Sustentável

da

Zona

da

Mata

 Programa de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido Baiano: Projeto Sertão Forte; e Norte.



Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó do Rio Grande do

A metodologia do planejamento do desenvolvimento sustentável também foi utilizada pelo IICA em outros planos, formulados com sua colaboração, destacando-se os trabalhos produzidos pela Secretaria Especial de Políticas Regionais-Sepre, 43 para a Região Centro-Oeste, com a cooperação técnica do IICA:  Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Região Centro-OestePlanoeste; e  Plano de Desenvolvimento para a Região Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno-Planride.

Integrada

de

A retomada de estudos mais coerentes sobre a realidade regional e subregional do Nordeste, assim como de atividades de planejamento, nas escalas regional e sub-regional, constitui tarefa da qual não podem fugir as instituições hoje vinculadas ao Ministério da Integração Nacional. A Missão essencial desse Ministério deveria compreender o conhecimento preciso dos problemas e possibilidades de fraturamento social das macrorregiões brasileiras – dentre as quais se sobressai o Nordeste – e a identificação e articulação de suas vantagens comparativas e competitivas. É insubsistente o argumento de que não há recursos financeiros para alavancar ações articuladas de planejamento regional, ordenamento do território, zoneamento econômico e gestão do território. Esses recursos existem, talvez não na devida medida, mas em proporções suficientes para replanejar e gerir ações capazes de reestruturar atividades econômicas, socioculturais, ambientais e político-institucionais. Basta apoiar a capacidade institucional existente em escala nacional, regional e estadual, aproveitando iniciativas já concebidas, v. g. a nível sub-regional, como as referidas anteriormente. O que mais falta é articulação, trabalho intenso e dedicação à causa do desenvolvimento em bases regionais, movido e estimulado pelas iniciativas comunitárias. O segredo da competente e eficaz gestão, em todos os setores e áreas do conhecimento, passa por esses caminhos.

43

A Sepre foi extinta em 1999, tendo seu espaço institucional sido coberto pelo Ministério da Integração Nacional, criado pela Medida Provisória nº 1.911-8, de 29.07.99. 74

As propostas de planos e programas antes referidas poderiam ser implementadas sem grandes esforços técnicos. Bastaria promover ajustes de programação (de atualização e/ou aprofundamento), em articulação com os governos estaduais e instituições federais – setoriais ou regionais. Desse mesmo esforço deveriam participar as instâncias representativas das classes patronais, das classes trabalhadoras e dos setores não-governamentais. De todo modo, a tarefa não é simples. Das iniciativas programáticas antes mencionadas, a única que está sendo implementada como resultado da participação mais efetiva das comunidades locais é o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó, por ter sido formulado em atendimento a demandas específicas da sociedade do Seridó Norte-riograndense. 5.5

POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES

O número de nordestinos em situação de pobreza ainda é grande. Conforme referido no item 2 anterior, o Nordeste contava, em 1996, com 19 milhões de seus habitantes em condição de pobreza e indigência, qualificando-se como tal as pessoas com baixo nível de renda, que constitui o critério tradicional para identificação da pobreza. Uma pessoa é pobre não apenas por dispor de uma renda baixa. Também são pobres as pessoas privadas de suas capacidades. Os argumentos a este respeito, a seguir transcritos, foram desenvolvidos por Amartya Sen: “1) A pobreza pode sensatamente ser identificada em termos de privação de capacidades; a abordagem concentra-se em privações que são intrinsecamente importantes (em contraste com a renda baixa, que é importante apenas instrumentalmente); 2) Existem outras influências sobre a privação de capacidades – e, portanto, sobre a pobreza real – além do baixo nível de renda (a renda não é o único instrumento de geração de capacidades); e 3) A relação instrumental entre baixa renda e baixa capacidade é variável entre comunidades e até mesmo entre famílias e indivíduos (o impacto da renda sobre as capacidades é contingente e condicional).” (Sen, 2000: 109110.) A introdução do conceito de pobreza, via privação de capacidades, é importante porque abre perspectivas mais claras para a concepção e execução de políticas orientadas para a eliminação da pobreza. Como diz o prof. Amartya Sen: “É importante não perder de vista o fato fundamental de que a redução da pobreza de renda não pode, em si, ser a motivação suprema de políticas de combate à pobreza. É perigoso ver a pobreza segundo a perspectiva limitada da privação de renda e a partir daí justificar investimentos em educação, serviços de saúde etc. com o argumento de que são bons meios para atingir o fim da redução da pobreza de renda. Isso seria confundir os fins com os meios. 75

As questões básicas de fundamentação obrigam-nos, (...), a entender a pobreza e a privação da vida que as pessoas realmente podem levar e das liberdades que elas realmente têm.” (Sen, 2000: 114.)

Por este sentido mais amplo do conceito de pobreza, a distribuição de renda no Brasil e no Nordeste é ainda mais desigual, pelas maiores privações a que estão submetidas as camadas de população pobres existentes. Dado o quadro de carências crescentes por que passa a população do Nordeste, esta questão deverá assumir maior grau de importância nos próximos anos. As soluções convencionais terão de ser complementadas por iniciativas lastreadas em investimentos diretamente produtivos, investimentos sociais (indiretamente produtivos) e na capacidade endógena das pessoas e de suas comunidades locais. Embora o Nordeste já venha executando ações não ortodoxas importantes sobre a questão aqui esboçada, não há como deixar de enfatizar a enormidade dos desafios a serem enfrentados.

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