Nos 60 anos do Ginásio, um pouco da vida de Felício Laurito

May 24, 2017 | Autor: Marcílio Duarte | Categoria: Ribeirão Pires, Historia Local
Share Embed


Descrição do Produto



Artigo apresentado à Revista Aqui, edição n.º 65, de fevereiro de 2017.
Um dos inúmeros nomes da cidade naqueles tempos, além de Sítio do Ribeirão Pires e Estação do Ribeirão Pires.
Aportuguesado para Virgílio Gola.
Antigamente, Rua Dr. Albuquerque Lins.
Antigamente, Rua Herculano de Freitas.


Nos 60 anos do Ginásio, um pouco da vida de Felício Laurito

Felício Laurito nasceu a 06 de dezembro de 1895, em Ribeirão Pires. Filho de Vicente Laurito e Maria Rossi Laurito, teve como irmãos José, Januário Laurito e Maria Domingas Laurito. Seu pai trabalhava em várias frentes – foi lenheiro, barbeiro, dono de padaria, dono de mercearia de secos e molhados e comerciante de carvão. Esse "fazer de tudo" revela que a vida na Colônia de Ribeirão Pires exigia trabalho braçal pesado e quase nenhuma instrução – a maior parte dos imigrantes não era alfabetizada e poucos tinham uma profissão. O que aprenderam foi a partir do assentamento no Núcleo Colonial.

Dado à política e inclinado à academia, assim como seu irmão José, que se formou engenheiro, Felício não era de serviços braçais e se entregou de cabeça aos estudos. Estes o libertaram da vida dura que seu pai levava naquele começo de século XX em uma Ribeirão Pires pequena, pouco desenvolvida, repleta de charcos, picadas de terra e carroças. Não havia água encanada, tratamento de esgoto e luz elétrica. As casas eram precárias e o lazer se resumia às quermesses da Igreja São José, que, entre xotes, valsas, choros e maxixes da primeira Banda Musical de Ribeirão Pires, fazia brotar namoros juvenis.

Felício concluiu o curso primário em Ribeirão Pires, na época das "Escholas Preliminares", certamente passando pelas mãos da professora Porcina de Oliveira Ramos, a primeira da cidade. Sua formatura, em 1908, foi uma espécie de début político: o exame final da escola masculina da Estação Ribeirão Pires contou com a presença de políticos. Entre eles, Alfredo Luiz Flaquer, que era prefeito de São Bernardo e, de quebra, inspetor escolar. Também dava o ar da graça o deputado estadual José Luiz Flaquer. O professor de Felício se chamava Domingos Ângelo Loreto, que fez os alunos demonstrarem "excelente aproveitamento na presença das autoridades e examinadores". Em meio a tantas sabujices e rapapés solenes, foi oferecida uma mesa de doces às autoridades. Entre os alunos que se destacaram e mereceram louvor, estavam Felício Laurito, Ubaldo Ferraz, Cherubim Duarte e Antônio Perignato e Antônio Menato.

Depois de se formar, Felício foi para São Paulo fazer o Ginásio da Capital e se preparar o ingresso na universidade. Em 1922, inicia estudos na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e dois anos depois, é nomeado pelo Governador Whasington Luís para ocupar a cadeira de Clínica Psiquiátrica. Em seguida, muda-se para o extremo oeste de São Paulo, e passa a clinicar na cidade de Mirassol. Em 1926, retorna a Ribeirão Pires, onde estabelece consultório médico. Até meados da década de 1920, não havia médico na cidade e os moradores com melhores condições financeiras, recorriam aos consultórios de Santo André. Portanto, o retorno de Felício Laurito a Ribeirão Pires, de certo modo atenuou a precariedade do acesso à Saúde em uma época de pouquíssima infraestrutura urbana.

Na política, Felício Laurito militava pelo conservador Partido Republicano Paulista e rivalizava com outro médico de Ribeirão Pires, o Dr. Vergilio Golla, dentista e membro do Partido Democrático (cujo maior expoente foi Francisco Morato).

Em 1927, assume a presidência do Ribeirão Pires Futebol Clube, onde ficará até 1944. No ano seguinte, assume seu primeiro cargo na política como vereador e legisla no triênio 1928-1930. Por sua influência, chega ao cargo de vice-prefeito de Santo André.

Com a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, foi deposto do cargo para, em seguida, apoiado pela elite andreense remanescente da República Velha, ser nomeado pelo interventor estadual Armando Sales de Oliveira, em 26 de setembro de 1933, no lugar de Justino Paixão, de inclinação socialista. Ao pesquisar o assunto, Ademir Medici registra o momento de euforia vivido pela cidade com a indicação de Felício Laurito:

A posse do prefeito Felício Laurito foi dia de festas em Ribeirão Pires. O comércio fechou as portas às 14h para que os empregados pudessem acompanhar o prefeito nomeado até Santo André, onde seria empossado. O povo compareceu à estação ferroviária de Ribeirão Pires e rompeu em palmas quando do embarque do médico. À noite, após a posse, o povo retornou à estação para aguardá-lo. Mas quem chegou, de trem, foi a caravana que o acompanhou. Felício Laurito chegou em seguida, de automóvel, que o conduziu ao Ribeirão Pires FC, onde o novo prefeito discursou. Uma das primeiras providências do prefeito Laurito foi reabrir as agências da Prefeitura na sede (São Bernardo), em São Caetano e, claro, em Ribeirão Pires, para a qual seria nomeado Fioravante Zampol. (MEDICI, 1996)

Em 1935, no exercício do cargo de Prefeito de Santo André, escreveu um artigo no qual se mostrou preocupado com o fato de a cidade estar se urbanizando rapidamente sem haver "parque, jardim ou praça digna desse nome para logradouro (lugar livre) de seus habitantes". Não por acaso, em Ribeirão Pires, uma de suas obras marcantes foi a urbanização da Praça da Matriz, que era um simples barranco de terra batida – a placa de inauguração existe até hoje. Felício calçou as principais ruas do Centro: Comércio, José Gallo, Avenida Santo André, Jorge Tibiriçá, João Ugliengo e um trecho da Major Cardim. Este calçamento foi realizado em parceria com os moradores, que ofereciam as pedras de paralelepípedo e a Prefeitura com a mão de obra. Trouxe a luz elétrica, o serviço telefônico e iniciou a construção do antigo Grupo Escolar de Ribeirão Pires (hoje EE Prof.ª Ruth Neves Sant'Anna).

Como toda biografia, a de Felício Laurito também tem seus pontos fracos. Uma passagem contraditória em sua vida é o fato de ele ter promulgado uma lei que instituía a Campanha Eugênica de Santo André, que, entre outras coisas, propunha medidas de "higiene mental". Tal campanha visava "limpar a sociedade" de "pessoas com parâmetros disciplinares inadequados", como alcoólatras, portadores de sífilis, tuberculosos, hansenianos e os "tarados", além de instituir a obrigatoriedade de realização de exames médicos pré-nupciais e a proibição de casamentos entre essas pessoas. Hoje, a eugenia é uma ideologia amplamente repudiada, pois historicamente esteve associada ao fascismo, ao Holocausto e aos crimes raciais da Ku-Klux-Klan. Cumpre informar que, à época de Felício Laurito, a eugenia era normalmente aceita como política pública e ele talvez tenha sido influenciado por esse sistema de ideias muito corrente entre os médicos paulistas. Por outro lado, não se pode afirmar que ele tenha militado entusiasticamente pela causa, uma vez que não há registros sobre isso.

Outro aspecto de Felício Laurito é que ele foi um profissional liberal de sucesso. Além de médico, foi proprietário do Cine Lourdes, o segundo da cidade, que ficava ao lado de sua residência na Rua Capitão José Gallo. Trabalhou como clínico na Pirelli e na São Paulo Railway, no setor de Caixa de Aposentadorias e Pensões do Alto da Serra. Dedicou-se também à Educação e compôs a diretoria do antigo Asilo Nerina Adelfa Uglieno (hoje ENAU). Faleceu, aos 49 anos, um dia após seu aniversário, em 07 de dezembro de 1944, vítima de afogamento. Segundo moradores antigos, seu afogamento se deu na tentativa de salvar seu filho, que sobreviveu.

Em 08 de fevereiro de 1957, é oficialmente instalado em Ribeirão Pires o Ginásio Estadual Dr. Felício Laurito, funcionando provisoriamente no prédio do Grupo Escolar Dom José Gaspar (atual Ruth Neves) para, em outubro de 1960, ser transferido para o prédio atual no Jardim Pastoril. Em 1964, passa a ser chamado de "colégio", no lugar de "ginásio".


Marcílio Duarte é pesquisador e gestor cultural pela ECA/USP, certificado em Gestão do Patrimônio Cultural Imaterial (PCI) pela Unesco e Iphan e pós-graduando em Gestão e Políticas Culturais pela Cátedra Unesco de Políticas Culturais e Cooperação – Universitat de Girona (Espanha) e Administração Pública da Cultura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Referências bibliográficas:

DEL CORTO, Américo. Reminiscências: a Ribeirão Pires que vi e vivi. Ribeirão Pires: Parma. 2006. 181 p.
MEDICI, Ademir. Vamos fazer tijolos? Informações e dicas sobre a formação étnica, social e urbana de Ribeirão Pires. Monografia. 361 f. Ribeirão Pires, 1996.
SANTOS, Wanderley. História de Ribeirão Pires. 1974. 170 f. Monografia. Ribeirão Pires, 1974.
SÃO PAULO (Estado). Lei Estadual 3.818, de 5 de fevereiro de 1957: dispõe sobre a criação de 10 (dez) ginásios estaduais nesta capital e dá outras providências.
_____. Diário Oficial do Estado de São Paulo – atos do Poder Executivo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado. Ed. 33, n.º 85, de 11 de abril de 1924.
OESP. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 17 dez. 1908. Caderno Geral, p. 6




Iconografia:
Figura 1: Felício Laurito aos 15 anos. 1918, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires. Colorização artificial e restauração: Marcílio Duarte.Figura 1: Felício Laurito aos 15 anos. 1918, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires. Colorização artificial e restauração: Marcílio Duarte.
Figura 1: Felício Laurito aos 15 anos. 1918, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires. Colorização artificial e restauração: Marcílio Duarte.
Figura 1: Felício Laurito aos 15 anos. 1918, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires. Colorização artificial e restauração: Marcílio Duarte.

Figura 2: Felício Laurito aos 42 anos. 1937, autor desconhecido. Acervo do CDH -Ribeirão Pires. Colorização artifical e restauração: Marcílio Duarte.Figura 2: Felício Laurito aos 42 anos. 1937, autor desconhecido. Acervo do CDH -Ribeirão Pires. Colorização artifical e restauração: Marcílio Duarte.

Figura 2: Felício Laurito aos 42 anos. 1937, autor desconhecido. Acervo do CDH -Ribeirão Pires. Colorização artifical e restauração: Marcílio Duarte.
Figura 2: Felício Laurito aos 42 anos. 1937, autor desconhecido. Acervo do CDH -Ribeirão Pires. Colorização artifical e restauração: Marcílio Duarte.
Figura 4: Vicente Laurito, imigrante italiano, pai de Felício Laurito. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.Figura 4: Vicente Laurito, imigrante italiano, pai de Felício Laurito. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.Figura 3: Maria Rossi Laurito, imigrante italiana, mãe de Felício Laurito. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.Figura 3: Maria Rossi Laurito, imigrante italiana, mãe de Felício Laurito. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.
Figura 4: Vicente Laurito, imigrante italiano, pai de Felício Laurito. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.
Figura 4: Vicente Laurito, imigrante italiano, pai de Felício Laurito. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.
Figura 3: Maria Rossi Laurito, imigrante italiana, mãe de Felício Laurito. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.
Figura 3: Maria Rossi Laurito, imigrante italiana, mãe de Felício Laurito. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.


Figura 6: Januário Laurito, irmão de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.Figura 6: Januário Laurito, irmão de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.Figura 5: José Laurito, irmão de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.Figura 5: José Laurito, irmão de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.
Figura 6: Januário Laurito, irmão de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.
Figura 6: Januário Laurito, irmão de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.
Figura 5: José Laurito, irmão de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.
Figura 5: José Laurito, irmão de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo do CDH-Ribeirão Pires.


Figura 7: Maria Domingas Laurito, irmã de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.Figura 7: Maria Domingas Laurito, irmã de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.
Figura 7: Maria Domingas Laurito, irmã de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.
Figura 7: Maria Domingas Laurito, irmã de Felício. 1910, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.

Figura 8: Maria de Lourdes Laurito, filha de Felício. Foi ela que inspirou o nome do Cine Lourdes, o segundo cinema de Ribeirão Pires, de propriedade de Felício Laurito. 1936, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.


Figura 9: Felício Laurito Filho. 1936, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.Figura 9: Felício Laurito Filho. 1936, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.
Figura 9: Felício Laurito Filho. 1936, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.
Figura 9: Felício Laurito Filho. 1936, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.


Figura 10: Primeira turma de formandos do Ginásio Felício Laurito. 1959, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.Figura 10: Primeira turma de formandos do Ginásio Felício Laurito. 1959, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.
Figura 10: Primeira turma de formandos do Ginásio Felício Laurito. 1959, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.
Figura 10: Primeira turma de formandos do Ginásio Felício Laurito. 1959, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires.


Figura 12: Prédio do Jardim Pastoril inaugurado em 1960. 1962, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires (catalogado por Iracema Roca)Figura 12: Prédio do Jardim Pastoril inaugurado em 1960. 1962, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires (catalogado por Iracema Roca)Figura 11: Sala para Canto Orfeônico. 1959. Acervo EE Felício Laurito (coletado e digitalizado por Edson Dias).Figura 11: Sala para Canto Orfeônico. 1959. Acervo EE Felício Laurito (coletado e digitalizado por Edson Dias).

Figura 12: Prédio do Jardim Pastoril inaugurado em 1960. 1962, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires (catalogado por Iracema Roca)
Figura 12: Prédio do Jardim Pastoril inaugurado em 1960. 1962, autor desconhecido. Acervo CDH-Ribeirão Pires (catalogado por Iracema Roca)
Figura 11: Sala para Canto Orfeônico. 1959. Acervo EE Felício Laurito (coletado e digitalizado por Edson Dias).
Figura 11: Sala para Canto Orfeônico. 1959. Acervo EE Felício Laurito (coletado e digitalizado por Edson Dias).
Figura 3: Lista de disciplinas do antigo Ginásio Felício Laurito. s.d., autor desconhecido. Acervo EE Felício Laurito (coletado e digitalizado por Edson Dias)Figura 3: Lista de disciplinas do antigo Ginásio Felício Laurito. s.d., autor desconhecido. Acervo EE Felício Laurito (coletado e digitalizado por Edson Dias)

Figura 3: Lista de disciplinas do antigo Ginásio Felício Laurito. s.d., autor desconhecido. Acervo EE Felício Laurito (coletado e digitalizado por Edson Dias)
Figura 3: Lista de disciplinas do antigo Ginásio Felício Laurito. s.d., autor desconhecido. Acervo EE Felício Laurito (coletado e digitalizado por Edson Dias)





Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.