Nós já fazíamos movimento negro e não sabíamos. Mas, afinal, o que é movimento negro?

August 30, 2017 | Autor: Adomair O. Ogunbiyi | Categoria: Movimento Negro
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Nós já fazíamos movimento negro e não sabíamos.
Mas, afinal, o que é movimento negro?




Adomair O. Ogunbiyi

militante do Movimento Negro Unificado - MNU


Uma pessoa ou grupo de pessoas conscientes de sua condição/origem racial/
étnica não são necessariamente um/a militante e/ou movimento negro.





Baba Agba



Apresentação


O que entendemos, hoje, como movimento negro em seus "aspectos político-
ideológicos da conceituação/definição", está para além daquilo
convencionalmente denominado de movimento social, ou seja: "um processo
coletivo e comunicativo de protesto, conduzido por indivíduos, contra
relações sociais existentes e que afetam um grande número de pessoas",
conforme afirma Karner (1984). Uma definição mais apropriada para mostrar
o verdadeiro rosto daquilo que conhecemos como movimento negro no Brasil,
pensamos, está em gestação.
Nesta exposição visamos apresentar, em duas pequenas histórias e em um
curto texto teórico, como víamos e vivíamos o movimento negro na década de
70, e sugerimos como este movimento pode ser pensado para se desenvolver
sem as atribulações vividas na atualidade.
Muitos setores, certamente, irão contestar, porém, democracia é isto mesmo.
Outros dirão, jocosamente, que o movimento negro acabará se se restringir
a uma proposta de delimitação de área. No entanto, a história nos mostra
que o movimento negro sempre conseguiu superar-se mesmo a despeito das
adversidades, ou seja: os obstáculos.
Diante da realidade em que vivemos tão tumultuadas, urge uma necessidade de
se conceituar, mais corretamente, o que é realmente movimento negro, como
um fator protetor, devido ao surgimento de inúmeras formas híbridas de
organizações não governamentais e, somando-se a estas, aquelas
governamentais, de partidos políticos, das igrejas, das mesquitas,
sindicais e outras que lidam com a questão racial, que se autodenominam
"movimento negro", sem nunca terem sido. Ao lado destas, há o descrédito
causado por pessoas despreparadas sem nenhum referencial e/ou
representatividade na luta contra o racismo que, em ocasiões especiais, são
pinçadas pela mídia – que não nos respeita - para falar sobre a questão
racial, emitindo opiniões do senso comum que nos colocam em situações
constrangedoras, senão ridículas. Estes fatores tem prejudicado
sobremaneira a credibilidade conquistada à duras penas pelo movimento
negro.
Se, contudo, apontamos as mazelas geradas através da falta de uma definição
como um fator de risco, e indicamos como fatores de desenvolvimento a
identificação de quem é quem, e o que não é movimento negro, não
objetivamos tirar o mérito dos trabalhos realizados, muito menos tentar
diminuir a importância destas formas organizativas.
A diversidade pode significar riqueza quando a inter-relação é eqüitativa,
solidária e respeitosa.
Entendemos, sim, que delimitadas as áreas e estabelecidos os papéis de cada
uma, facilitar-se-á as formas e normas para que em futuras alianças se
possam implementar, respeitando-se as particularidades e/ou especificidades
próprias, melhor combate ao racismo na sociedade brasileira.



Introdução



A força da causa negra e o seu poder de abalar a estrutura social da nação
provêm do fato de que na luta do negro todas as questões dos direitos
humanos e relações entre os seres humanos são levantadas.


James Boggs





Segundo alguns historiadores, nos navios comandados por Cabral, em 1500,
quando da posse desse país por Portugal, havia seis negros/as, a bordo.
Portanto, mesmo que de maneira dissimulada, pois se encontravam subjugados
à condição de escravizados, estavam fazendo movimento negro, pois traziam
consigo usos e costumes com quais se contrapunham às relações sociais e
raciais existentes.
Organizações e formas organizativas negras existiram e resistem ao longo
dos tempos, no Brasil, tais como: os quilombos, espraiados de norte a sul,
de leste a oeste. E, estão simbolizados no Quilombo de Palmares.
Organizações secretas, masculinas, como Ogboni e, femininas, como Gelede,
ambas de origem Yoruba. Podemos enumerar, ainda, algumas como: O Clarim
d'Alvorada (1924) a Frente Negra Brasileira (1931), o TEN – Teatro
Experimental do Negro (1944) [1], Associação Cultural do Negro (1954), nas
décadas de 70 e 80: o CECAN – Centro de Cultura e Arte Negra, o Árvore das
Palavras - jornal distribuído no Viaduto do Chá, em S. Paulo, FEABESP –
Federação de Entidades Afro-brasileiras do Estado de São Paulo, Movimento
Negro Unificado- MNU, Quilombhoje – Grupo Literário, FECONEZU – Festival
Comunitário Negro Zumbi, Grupo Negro da PUC, CENESP – Coordenação Estadual
de Entidades Negras do Estado de São Paulo.
Neste mesmo período, outras formas organizativas, anônimas, caminhavam
paralelamente a esta movimentação autonomamente e sem ligações político-
ideológicas e realizavam, também, suas atividades com as quais resgatavam a
identidade étnico-racial e contribuíam para tornar resilientes, ou seja:
resistentes às mazelas geradas pelo racismo e suas manifestações
preconceituosas e discriminatórias, as pessoas que as compunham, assim como
de suas famílias.



















Itan kini [2]


Nos anos 70, do século e milênio passados o Movimento Hippie já havia
diminuído, mais alguns dos seus ideais ainda viviam para além dos partidos
ecologistas e nos movimentos New Age. Remanescentes do Movimento Hippie
ainda faziam "tipo" espalhados nas concentrações pela Praça da República,
em São Paulo, principalmente, nos finais de semana de onde saiam rumo ao
Embú-das-Artes. Misturavam-se artistas plásticos como Moisés Felix Fagundes
– conhecido pelos belíssimos quadros com cavalos e sua amiga Míriam,
que expunham suas obras artísticas, em uma alameda no lado leste da praça.
Lá encontrava-se, também, Moacir Samba Paz – desenhista, exótico em seus
quase dois metros de altura, esguio, vestido com um jeans surrado, ponche
chileno multicolor, sandálias de tiras de couro cru nos pés e tendo a bela
cabeça encimada por um sombreiro mexicano de veludo preto enfeitado com
lantejoulas coloridas. Fazia ponto na parte sudeste da praça, em banco de
cimento, em frente à H. Stern que situava-se do outro lado do seguimento da
Avenida Ipiranga, na praça. Ao seu lado, seguindo para a direita e para a
esquerda estavam vários/as expositores de obras artesanais. A praça era um
burburinho enorme, com pessoas indo de um lado para outro. Múltiplas cores
enfeitavam os domingos e demais dias da semana, aos sons improvisados de
violões, flautas, cantos de pássaros e vozes entremeados aos ruídos dos
automóveis e ônibus. Odores dos mais diversos pairavam pelo ar. Eram odores
de gente e perfumes de flores, assim como dos incensos misturados à fuligem
expelidas pelos carros, na praça toda arborizada. Neste clima juntavam-se
ao Moacir, o Antônio Jorge – mineiro, "lusco-fusco" devido herança da
mistura das raças, meia estatura que "mangava" durante o dia e à noite
tentava fazer um bico tocando violão e cantando em boates da Galeria
Metrópoles; Beethoven – um jovem negro, altura mediana, cabelo estilo Black
Power, muito inteligente, educado no tratar as pessoas e muito ativo e,
Dobby Doock – um "mix" de sonhador pretenso responsável, desempregado, com
mil coisas desencontradas na cabeça e à procura de um rumo na vida. Era
magro, tinha um metro e sessenta e cinco centímetros de altura. Negro,
porém, pouco pigmentado. Usava cabelo com corte Black, mas baixinho.
Gostava de portar um insignificante e ralo cavanhaque adornando o queixo.
Vestia-se quase sempre com uma calça de brim listada, toda justa, com boca
de sino, camisa azul-clara de manga curta e jaqueta de camurça marrom.
Questionava muitos valores, porém conservava alguns outros que jovens da
sua idade consideravam-nos que "estavam por fora", antiquados. Dentre eles,
o de ser muito preocupado com a família. Transitava na Praça, também, após
a procura diária por um emprego em recortes de jornais e/ou na Gelre, na
rua a 24 de Maio. Levava para lá, para a praça, todas as vicissitudes de um
jovem negro da periferia. Os quatro formavam um pequeno grupo de amigos que
se reuniam, durante a semana, na Praça da República pela manhã, e próximo
ao meio-dia iam fazer ponto no Largo do Paissandú, junto da estátua da Mãe
"Preta", ao lado da Igreja do Rosário, onde Moacir levantava uma graninha
desenhando pessoas. Moacir apesar de ter preferências pelas jovens negras
não resistia às investidas das moçoilas brancas que babavam ao vê-lo, em
sua bela estampa, desenhando vários motivos, sobressaindo entre eles
aqueles onde retratava negros e negras em rodas de samba. Talvez fosse o
mais velho da turma, contudo trazia consigo aquela marca da maioria negra:
a idade era indefinida. Sei lá, talvez tivesse uns 23 anos de idade. Era a
referência. Os três se reuniam em torno dele, levantando uns trocados
para um lanche e a passagem de ônibus, recrutando pessoas para o "Môa"
desenhá-las. Quando não conseguiam nada, iam mangar, pedir dinheiro, aos
transeuntes ou motoristas de carros, nos semáforos Ipiranga com a São João
ou da Ipiranga com a Avenida São Luís. Conviviam com pessoas com Bélsiva,
poeta que os tocava com a pureza de seus versos quando dizia: "Irmão, bate
os atabaques. Bate, bate, bate forte. Bate que a arte é nossa". Todos
aplaudiam freneticamente.
Se autodenominavam "Mendigos Intelectuais", pois os chamados hippies, em
sua maioria, filhos da classe média da época, formavam seus grupos
totalmente brancos, deixando-os sempre fora das suas atividades. Desta
forma, procuraram uma denominação que os identificassem e os diferenciasse
dos chamados "hippies" que os discriminavam. Percebiam que o lema: "Paz e
amor", apregoado pelo movimento hippie, tinha uma cor. A cor da raça/etnia
"branca". Então, a diferença passa "ser manipulada como fator de coesão".
Esta percepção, subjetiva, talvez fosse resultado da origem dos membros do
grupo, pois todos eram negros e oriundos de bairros da periferia. Um era da
zona norte, outro da zona leste, o terceiro era um nômade que ignorávamos
onde morava e, por último, havia o que era migrado de periferias de Belo
Horizonte, Minas Gerais. Tinham as mesmas afinidades no gosto musical,
nos/as ídolos, heróis/heroínas, nos livros e mantinham entre suas relações
uma maioria negra. O grupo era solidário com artistas negros, indicando
suas obras para as pessoas que visitavam a praça. Se protegiam e protegiam
outras pessoas negras. O grupo surgira da cumplicidade de olhares e,
talvez, quem sabe, da história de cada um. Um dia o grupo se se desfez
como a garoa que já não mais existe em São Paulo.




Itan kiji[3]


Dobby Doock, era da zona leste, morava na Vila Carrão, na Capital de São
Paulo. Casado, naquele período, pai de três crianças que tinham os
seguintes nomes: Sidnei – inspirado em no ator Sidney Poitier; Beethoven -
devido gostar da 9ª Sinfonia de Beethoven, do qual mais tarde vem saber
que, ele, o grande maestro, tinha uma ascendência negra. O outro motivo era
a amizade ao amigo "Mendigo Intelectual", Beethoven, que tinha o mesmo
nome; e, Veruska – referência a uma música de Jorge Ben. Freqüentava desde
cedo, na rua Astarte, a casa da "Vó", Dona Maria José, onde eram realizadas
negras festas, de São João e no final do ano. Nestas festas familiares
participavam, também, aquelas pessoas que "eram como se fossem da família".
Ele era um desses. E entre tantas pessoas, gente do Jardim São Luís em
Santo Amaro, na zona sul, Perdizes, zona oeste, Vila Carrão, Vila Dalila,
Vila Matilde, Vila Formosa, Santa Isabel, Vila Diva, Vila Rica, da zona
leste, e outras que não nos lembramos mais. Era muita gente. Gente negra.
Participava dos famosos bailes da casa do "Seu Ivo", pai do Ivair, lá na
Vila Rica. O Ivair se tornaria , nos anos 80, um dos fundadores do Conselho
da Comunidade Negra.
Dobby Doock crescera ouvindo falar dos bailes do Risca-faca onde se dançava
a famosa gafieira e muitas vezes o "pau comia"- literalmente. Observara,
junto com seu irmão mais novo, Valdemar, as seções espíritas em sua casa,
na rua Santo Antônio, onde "Seu Candinho", seu pai, incorporava Maria Conga
e Zé Pilintra e era "camboneado" por Dona Vicentina, sua mãe. Dançara nos
bailes do Eduardo ou Amaury, no "Guilherme Giorge". Ia, às vezes, ao baile
do Zóia, no "Brasília", na Vila Santa Isabel. Nestes bailes rolava som que
a negrada adorava. Enfim, sua convivência era circunscrita a sua gente.
Nestas festas e bailes o som ia de Jorge Ben até James Brown. Seu círculo
de amizade, muitas vezes, se restringia à turma organizada no bairro,
formada por negros/as que partilhavam reuniões e as festas, nas quais
raramente entravam os/as "White" e, muito menos, tocavam-se, nelas, sons de
"nonô", como chamávamos o som dos brancos.
Na Vila Carrão, havia um pequeno grupo de jovens formados por Franklin,
Jorge, José Luís (apelidado de Ritinha – dizem que a origem do apelido dá-
se porque ele vivia cantando músicas da Rita Pavone), José Nicanor – o
caçula da turma e nossa personagem guia. Criaram uma linguagem própria para
se comunicar sem serem entendidos por pessoas de fora do seu ciclo. Até as
gírias da época eram traduzidas para este subdialeto. Este grupo foi
denominado "A Turma Caja". O nome derivava do apelido que Jorge, tinha:
Jacaré. Jorge era carioca e estava morando com sua Vó, em São Paulo, após
a morte de sua mãe, no Rio de Janeiro. Logo "Caja" era o diminutivo de
"cajaré", um anagrama de jacaré. Umas das interpretações do linguajar
adotado pelo grupo. Em torno do grupo que era o núcleo juntavam-se
muitos/as outros/as jovens: Rose, Roberto e Ronaldo, respectivamente filha
e filhos da Dona Terezinha, mais conhecida como Mãe Terezinha. Ela tinha
um centro de umbanda chamado Pai Xango e Caboclo Pena Verde, na rua Astate
na esquina com a rua São José. Rita de Cássia era irmã do Nicanor, ambos
filhos de Dona Lourdes Marques, Mãe-pequena do centro de umbanda de Dona
Terezinha, sua irmã. Deyse, irmã mais nova do Jorge e o flutuante Antonio
Carlos (cujo apelido é Makiba – alusivo à cantora Miriam Makiba). Isto só
para citar alguns nomes.
A "Vó" mudou-se, com a família, da Vila Carrão para a Ponte Rasa. Foi
morar na avenida Ermelindo Matarazzo, uma travessa da Estrada de São
Miguel, próxima ponto final do ônibus Ponte Rasa. À distância, no entanto,
ao invés de afastá-los, proporcionou maior aproximação entre os amigos e
ampliou-se mais o leque de pessoas que partilhavam, subliminarmente,
daquela cumplicidade negra. Configurava-se aí a família extensa.
Este grupo passara a organizar festas e a ir a festas onde um/a dos/as
membros/as eram convidados/as e a editar um jornalzinho chamado "A turma do
Caja". Dentre os assuntos abordados no jornal tinha-se "fofocas",
informação, acontecimentos, caça-palavras e gozações de todos os tipos
inspirados no Giba Um e De Carlos, articulistas de jornais da época. Alguns
assuntos abordados eram como alfinetadas naqueles/as que saiam da linha
e/ou tinham comportamentos que eram reprovados pelo grupo. Todos os
assuntos enfocavam os feitos e/ou coisas que aconteciam no mundo negro:
músicas, personagens, artistas de cinema e televisão. Esportes tais como:
boxe e futebol. Cantores e cantoras nacionais e internacionais, etc. A
distribuição do Jornal da Turma do Caja se dava nos bailes que a turma
realizava. Sua produção era realizada de forma tosca, porém laboriosa, por
José Luís, Franklin, Dobby Doock e Jorge juntamente com os mais novos
membros da turma, que eram da Ponte Rasa, os irmãos Carlão e Matias.
Contavam com a colaboração de artigos das Meninas do Brás: Sonia, Lúcia,
Vera e Ilma. O Jornal "A Turma do Caja" teve somente três edições. As
festas, agora, eram realizadas na Ponte Rasa, Vila Rica, Jardim São Luís,
no Alto da Previdência e no Brás entremeado, logicamente, com os bailes das
equipes Zimbabwe (em vários lugares, tais como Maison Suisse, Sindicato,
etc.), Musilália (no Club Homs) Os Carlos (em locais diversos), Chic Show
(na Casa de Portugal e Palmeiras), Black Mad (no Blum), entre outros. Sem
contar com as sextas-feiras onde se encontravam, no Viaduto do Chá – no
Mappim - para saber dos inúmeros bailes que seriam realizados, através das
circulares distribuídas pelas diversas equipes existentes. Havia aí,
também, o contato fortuito com a rapaziada que distribuía o "Árvore das
Palavras". Neste período, também, começa a agudizar a repressão policial
sobre quem freqüentava o Viaduto do Chá.
Às segundas-feiras o passeio era na Liberdade. Onde a paquera rolava solta
da Praça João Mendes, atrás Praça da Sé, até a Igreja dos Enforcados. Na
calçada da avenida Liberdade era realizado um verdadeiro
desfile afro com pessoas de todas as alturas, de todas as formas. Lindas.
Quando não, eram exóticas. Coisa linda de se ver.
O movimento Black soul envolveu todos, porém, o som era soul, funk, samba,
rock samba, funk samba, samba de partido alto, o rock, etc. No etc.
entravam aquelas músicas lentas (rhythm and blues) para as paqueras. E,
como dizia o Amaury, ao anunciar a última sequência com músicas lentas: -
"[...] quem se colocou, se colocou. Quem não se colocou não se coloca
mais". E ao se ouvir a introdução dos acordes da música "Que negra é essa",
de Jorge Ben, era um salve-se quem puder. Pois ninguém queria sair do baile
"dando tapa no sereno", ou seja: sair sozinho/a.
A relação de respeito entre jovens, adultos e crianças, a socialização de
valores estéticos, morais, éticos, religiosos, identidade étnico-racial e
cultural entre as famílias, são alguns dos saldos positivos daquele
período. Os assuntos das rodas de amigos/as giravam em torno dos
acontecimentos relacionados ao mundo negro. Éramos cobrados pelas pessoas
mais velhas e cobrávamos de nós mesmos uma postura que seria digna para
toda/o o negro/a. Lá estava sempre a Tia Ana, calma e carinhosa. A Tia
Dita, a mais severa, ninguém saia do sério perto dela. Tia Carminha a mais
jovial e amiga. E a Mutchá que se enturmava conosco e ficava a espreita
para escolher quem iria deixar de "fogo", bêbado/a, nas festas. Sempre mais
reservada e observando nos cantos ficava a Tia Manoela. Os Tios, também,
não deixavam por menos. O Tio Luiz, o Itinho como era chamado, era
observador e conselheiro junto ao Tonho estavam constantemente nos
acompanhando. O Assis era o mais extrovertido, sempre brincalhão fazia par
com o Nelsão. Tanto as "tias" como os "tios" eram filhas/os da Vó. Nelsão
era marido da Tia Manoela e o Assis, marido da Tia Carminha. Tinham prazer
em nos ver reunidos. A Vó era um "pé de valsa", na valsa e fazia questão
de nos ensinar. Divertíamo-nos, aprendíamos os novos passos de danças.
Contudo, havia entre os mais jovens, preocupações que iam desde o
comportamento até a cobrança para a não descaracterização com alisamentos
de cabelo, o que era comum tanto entre homens quanto entre as mulheres.
Mesmo sendo um grupo urbano esta "resistência informalmente organizada",
era "mediada por conteúdos culturais selecionados pela comunidade como
definidores de sua etnicidade". A identidade étnico-racial, neste caso,
"cimenta a coesão interna e os suportes da resistência externa". Traços de
solidariedade era uma riqueza, pois se poderia recorrer ou solicitar apoio
que sempre haveria alguém para ajudá-lo/a. Caso típico foi o do José Luís –
o Ritinha, que expulso da casa de sua tia e madrinha onde vivia - por conta
das dificuldades financeiras dela que tinha dois filhos desempregados e
mais ele para criar. Sua mãe Dona Benedita, trabalhava como empregada
doméstica e tinha de morar no emprego. Neste emprego sua mãe não podia
acolhê-lo por que os empregadores não permitiam. Logo, ao ficar sem
morada, pois não tinha casa, foi acolhido por Dona Lourdes, viúva, também
empregada doméstica, mãe do Franklin. José Luís morou na casa de Dona
Lourdes até quase se casar. Havia muitos casos em que uma pessoa arrumava
ou indicava outra para emprego. Apesar das dificuldades econômicas,
salários minguados quando conseguiam emprego e da violência policial todos
conseguiram sobreviver[i]. Não fizeram o jogo do sistema.
Neste grupo as pessoas se tornaram resilientes uma vez que aprendiam
expressar as suas habilidades e limites, suas qualidades e tinham confiança
em suas capacidades, demonstrando alguns dos principais indicadores da
autoestima, externavam sua autonomia através da iniciativa voluntária de
ações, escolhendo o que lhes interessava, o que fazer, com quem fazer e
quando fazer; exibiam sua criatividade ao inventar brincadeiras, passos de
danças, palavras, na sugestão de soluções a problemas, etc.; e, criavam
situações que provocavam risos, um indicador da variável humor. Como era
cultura do grupo os/as componentes tinham preferência em se relacionar com
negros/as[ii]. Não importava o grau de pigmentação. Dos namoros surgidos
formaram-se novas famílias com casais negros dos bairros da Previdência e
Ponte Rasa, a Ponte Rasa e Jardim América, da Previdência e Jardim
Bonfiglioli, do Brás e Pinheiros, do Brás e Ponte Rasa, do Carrão e Vila
Dalila, do São Cristóvão (Rio de Janeiro) e Ponte Rasa (São Paulo), da
Ponte Rasa e Cangaíba e sem contar os vários casamentos entre pessoas do
mesmo bairro. Isto, no entanto, foi um dos motivos que causou a dissolução
do grupo. Esta era uma maneira singela e inocente de se fazer movimento
negro naquele período.
Nós fazíamos movimento negro e não sabíamos.
Seus membros se espalharam. Muitos resolveram parar para cuidar somente de
suas próprias vidas. No entanto, há os/as recalcitrantes que continuaram e
aderiram, após passarem por diversas experiências militantes, ao movimento
negro reivindicativo.
Os tempos são outros.
Neste contexto, uma organização se sobressai às demais: o Movimento Negro
Unificado – MNU. Fundado, em 18.06.1978, com a denominação de Movimento
Unificado Contra a Discriminação Racial, isto em pleno período da ditadura
militar. Lançado, em 07 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro
Municipal, em ato público, no centro da Capital paulista, com a presença de
"cerca de duas mil pessoas", conforme noticiou a Folha de São Paulo, no dia
8 de julho de 1978. "Os negros estão nas ruas" era a manchete de capa do
Jornal "Versus – Afro-América Latina", n.º 23, de julho/Agosto de 1978.
Nas páginas 32, 33 e 34 são registradas impressões, fotos e os nomes dos/as
principais atores e atrizes que marcam o surgimento do Dia Nacional de Luta
Contra o Racismo. São, posteriormente, lançadas seções em Minas Gerais e
Rio de Janeiro e Bahia. Hoje o MNU tem representação em 14 estados
brasileiros. A mística do MNU estimulou nestes 24 anos, o surgimento de
inúmeras organizações, do movimento negro, no Brasil. Esta mística, ainda
tem tanta força que, por vezes, o MNU, que surgiu pretendendo ser uma
confederação de entidades e/ou organizações negras, é confundido e/ou visto
como sinônimo de Movimento Negro.
A força política do MNU, como uma organização do movimento negro, é
indubitável, e ratificada pelos avanços e conquistas - os atrasos e
derrotas também não foram poucas – no entanto, ao longo da sua existência
podemos enumerar algumas vitórias:
- Instituição do Dia 20 de Novembro – Dia Nacional da Consciência
Negra[4], na 3ª Assembleia Nacional, realizada em 04 de novembro de
1978, na Bahia. Esta data foi criada pelo Grupo Palmares, de Porto
Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1971;
- Desmistificação da tese gilbertofreireana da existência de uma
democracia racial com a instituição do Dia 13 de maio como Dia Nacional
de Denúncia contra Racismo;
- Enterro simbólico da Lei Afonso Arinos, dada sua iniquidade, em São
Paulo com Ato Público em 1979;
- Articulação para formulação da criminalização do racismo, desde os
municípios, passando pelos estados e chegado até a Convenção Nacional do
Negro pela Constituinte, em 1986, em Brasília;
- Contribuição com manifestações pela a libertação de Nelson Mandela;
- Idealização e construção, juntamente com outras organizações, da Marcha
Zumbi dos Palmares, que reuniu mais de 30 mil participantes em Brasília,
em 1995;
- Contribuição no processo de organização da Comissão Nacional das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil; e,
- Articulação para o Estado criar mecanismos de coibição do racismo
através de implementação de ações políticas e/ou políticas públicas.
Mesmo a despeito dos períodos de alta e baixas que envolvem o movimento
social e o movimento negro, particularmente, o MNU mantém certa hegemonia
que incomoda determinados setores. Daí o surgimento de formulações
organizativas para tentar suplantá-lo/ eclipsá-lo. Como exemplo temos:
1) A criação da FRENAPO – Frente Negra Para Ação Política de Oposição, em
1979;
2) A criação da CENESP – Coordenação de Entidades Negras do Estado de São
Paulo, em Piracicaba 1983, proposta que contrariava a tirada no II
Encontro, que defendia a CENESP como coordenadora somente de bandeiras de
lutas e não como uma "Nova Entidade" coordenadora de tantas outra;
3) A criação do Fórum de Entidades Negras;
4) A realização do ENEN – Encontro Nacional de Entidades Negras, em 1995,
onde alguns setores do movimento negro pretendiam tirar "um programa, plano
de ação e criação nacional de uma entidade negra nacional".
Outros fatores conjunturais, também, proporcionaram o surgimento de
inúmeras formas organizativas quando da "descoberta" de apoios financeiros
de instituições nacionais e internacionais para ações políticas de combate
ao racismo. Daí surgem as "ONGs"- Organizações não-Governamentais; a
instituição dos Conselhos do Negro, Coordenações, Assessorias por parte de
alguns governos municipais e estaduais e a Fundação Palmares, pelo governo
federal; Núcleos e "movimentos negros" dos partidos políticos; Pastoral
Negra nas igrejas; e por fim os grupos e núcleos em setores do movimento
sindical ligados à CUT e até a CGT. Todas estas se postulando como
movimento negro.
Neste mar de denominações carecemos de uma definição para entendermos o que
realmente é movimento negro.


O que é movimento negro?

Definindo para não errar.


Os negros começaram a perceber que também terão que combater os negros
antes de conquistarem a sua liberdade [...]

James Boggs


Entendemos que a definição ideal para movimento negro é "[...] uma pessoa
ou grupo de pessoas filiadas a entidades e/ou organizações negras que
trabalham no sentido de encetar ações políticas e/ou políticas públicas
objetivando: combater o racismo e suas manifestações preconceituosas e
discriminatórias; resgatar e preservar valores culturais africanos com
todas suas evoluções, desde África até toda sua diáspora". Enfatizamos,
ainda, que "Movimento Negro é uma exclusividade negra e/ou afro-
brasileira[iii] reivindicação é ratificada por Abdias do Nascimento
(1998:106) quando observa que: "Cuidar de organizar nossa luta por nós
mesmos é um imperativo de nossa sobrevivência",
as demais organizações são de Direitos Humanos e de Direitos Civis, pois
comportam negros e não-negros no seu interior, gerindo e organizando-as e
podem não ter, necessariamente, nenhum compromisso/comprometimento maior
com a questão racial. Ser movimento negro é lutar contra o racismo e suas
manifestações através de denúncias, manifestos, passeatas, atos públicos,
decretos, leis, decretos-lei, resoluções, portarias, produções literárias
ou teóricas, etc. de forma autônoma e independente, ou seja,
desvinculada/o, sem "rabo-preso" a partidos políticos, igrejas, centrais
sindicais e sindicatos, ao Estado (governos: municipais, estaduais e
federais) e demais instituições cujo controle esteja fora do alcance da
população negra. É, ainda, trabalhar em estreito intercâmbio com as demais
organizações e, principalmente, com a população negra e/ou afro-brasileira
repassando/socializando todo o conhecimento adquirido através de pesquisas,
estudos e trabalhos relativos à questão racial. Por fim, respeitar a
população negra no que concerne a prestação de contas quanto à origem e o
emprego de recursos financeiros e materiais quando conseguidos/auferidos em
seu nome.
Dentre as organizações do movimento negro que se enquadram neste contexto
que poderíamos destacar, abaixo, situamos alguns exemplos:
a) Sócio/culturais/beneficentes/recreativas/religiosas[iv]:
- Oriashe, Banda Ala, GRES Nenê da Vila Matilde, GRES Camisa Verde, Alas
das
da GRES. Vai-Vai e GRES. Peruche, e demais ala de Blocos e Escolas de
Samba, em São Paulo, coordenadas por negros/as;
- Quilombhoje Literatura;
- Aché Ile Oba; e inúmeros Terreiros, Ile, Roças, Tendas de Umbanda e
Candomblé, cujos/as iyalorisa, babalorisa, Tata, etc sejam negros/as;
- Bandas de Rappers e Posses dirigidas e compostas por negros/as;
- Associações e academias de capoeira cujos mestres sejam negros;
- Posse Hausa – ABC-SP.


b) Político/ideológicas/reivindicativas[v]:
- Movimento Negro Unificado – MNU, Coletivo de Mulheres Negras, Soweto,
CECAB-
Centro de Estudos Comunitários Cultura Afro-brasileira (Tatuapé), Congada
(S. Carlos).
Nestes âmbitos cabem muitas outras organizações e/ou entidades não
apresentadas. O que
ora listamos é uma pequena mostra do universo do movimento negro,
portanto,
mantendo-se as características a relação esta aberta.



O que não é movimento negro?



Não devemos combater as instituições. Sim as mentes que as criaram.

Porque se derrubamos as instituições as mesmas mentes se encarregarão de
reconstruí-las



Maulana Ron Karenga



Na década de '70', em pleno cenário da ditadura militar, surgem
organizações e/ou entidades negras com posturas político-reivindicativas
permeadas por viés ideológico.
Neste contexto, situam-se o IPCN – Instituto de Pesquisa das Culturas
Negras (1975), no Rio de Janeiro, o Movimento Negro Unificado – MNU (1978),
em São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais e, o Grupo de Mulheres
Negras Maria Felipa (1979), no Rio de
Janeiro.
A próxima década, a de '80', vamos localizar uma enorme quantidade de
entidades e/ou órgãos ligados ao Estado, às Igrejas e Mesquitas, Partidos
Políticos, etc. Ao mesmo tempo, são criadas as "ONGs" e as Comissões que
lidam com a questão racial nos Sindicatos. Dentre as quais destacamos:

I - Órgão do governo, em nível
federal.
- Fundação Cultural Palmares (1988). Ligada ao Ministério da Cultura, em
Brasília, DF.

II - Órgãos do governo, em nível
estadual.
- Assessoria para Assuntos Afro-brasileiros (1983). Posteriormente, em
1987, teve a denominação mudada para Assessoria de Cultura Afro-brasileira,
ligada à Secretária de Estado da Cultura do Estado de S. Paulo.
- Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, criado
pelo Decreto 22.194, de 11.05.1984, que articulou a criação do:
. GTAAB – Grupo de Trabalho para Assuntos Afro-brasileiros, na Secretaria
de Estado
da Educação, através da Resolução 267, de 1986. Encontra-se desativado.
. GOISDRT – Grupo de Orientação e Interferência em Situações de
Discriminação
Racial no Trabalho, junto à Secretaria de Estado das Relações do
Trabalho, conforme
Resolução SRT 02, de 16.01.1986. Desativado.
. Grupo de Orientação e Interferência para Assuntos de Discriminação
Racial, na
Secretaria de Segurança Pública, conforme Resolução SSP 107, de
24.07.1986.
Desativado.
. Constitui-se Delegacias Regionais do Conselho em Araras, Lins Santos e
Barretos.
. Delegacia de Crimes Raciais (1993). Extinta.

- Núcleo de Negros da Secretaria do Meio Ambiente (1994).
- Conselho Estadual da Condição Feminina (1983), introduziu representantes
negras, em 1985, após reivindicação de mulheres negras e criou uma Comissão
de Mulheres Negras, em 1986.
- Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, tem um departamento
para a questão racial, em 1992.

III – Órgãos do
Governo, em nível municipal
- Conselho Municipal do Negro, criado através do Decreto 24.984, de
20.11.1987, e transformado em Coordenadoria do Negro.
- Eco Museu do Negro (decreto 25.891 de 11/05/88), transformado em Casa de
Cultura Chico Mendes.
- Acervo da Memória e do Viver Afrobrasileiro, criado no governo de Luiza
Erundina para compensar a extinção do Eco Museu.

Acima relacionamos alguns órgãos criados, nos anos '80' e '90', a partir de
reivindicações do movimento negro no que concerne às políticas de governo
para eliminação do racismo no Estado de São Paulo. São, até certo ponto,
conquistas do movimento negro. Nestes órgãos encontramos uma composição de
membros formados por pessoas oriundas ou não de organizações do movimento
negro. Em muitos casos a composição dos cargos é feita de acordo com a
vontade político-partidária de quem está mais próximo do poder
governamental do momento. E, dada sua dependência, por mais corretas que
sejam as ações políticas e/ou políticas públicas, estes órgãos e seus
membros não podem ser considerados movimento negro. São e continuarão
sendo órgãos do governo uma vez que só sobrevivem sob sua égide. Por outro
lado, além das crises de solução de continuidade quando das mudanças de um
governo para outro, não mantêm uma política perene de inter-relação
respeitosa com as organizações e/ou entidades do movimento negro tentam,
sim, muitas vezes substituí-las.



IV – IGREJAS



Quando os missionários chegaram, os africanos tinha a terra e os
missionários tinha a bíblia. Eles nos ensinaram a orar com os olhos
fechados. Quando abrimos os olhos, eles possuíam a terra e nós tínhamos a
bíblia.


Jomo Kenyatta



Nos ano '80', o movimento negro, ainda em sua fase de denúncia e
desmascaramento da farsa da "democracia racial" apontava/acusava de
racistas as igrejas, principalmente, a igreja católica apostólica romana,
pois não tinha uma pastoral negra. Consequentemente, aqueles mais
próximos: seminaristas, diáconos, padres, madres, freis e freiras começaram
a se organizar e constituíram junto com leigos/as o GRUCON – Grupo União e
Consciência Negra. Este grupo sofreu um racha, com o advento da C.F –
Campanha da Fraternidade denominada: "Ouvi o clamor deste povo"...", em
1988, tendo com uma das causas a supressão do termo: " negro", do título
da campanha. Daí surgem os/as APNs - Agentes de Pastoral Negra. O
GRUCON, em alguns estados, encontra-se desvinculado da igreja, em outros
não. As/os APNs continuam mantendo uma postura de dependência, ou seja,
se limitam a efetuar aquelas ações permitidas pela igreja, contudo realizam
trabalhos de grande importância junto à população negra. Em São Paulo há,
também, o Instituto do Negro – Padre Batista, uma espécie de ONG ligada a
igreja, que atua implementando cursos pré-vestibulares. Atualmente, as
igrejas estão organizadas através da Comissão Ecumênica Nacional de
Combate ao Racismo do CONIC – Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do
Brasil. São membros do CENACORA – Comissão Ecumênica de Combate ao
Racismo as seguintes igrejas:

- Igreja Metodista do Brasil;
- Igreja Independente Presbiteriana Unida do Brasil;
- Igreja Episcopal Anglicana do Brasil;
- Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil;
- Igreja Ortodoxa Siriana do Brasil; e
- Igreja Católica Apostólica Romana.

Têm como objetivo combater o racismo no seu âmbito. Apesar das
contribuições no tocante à questão racial junto ao grande contingente
populacional negro, sabemos das limitações enfrentadas por estes grupos,
institutos, etc., haja vista que as igrejas são instituições de secular
comprometimento com racismo, dadas a visão étno-eurocêntrica e judáco-
cristã que as permeia. Portanto, estes órgãos, grupos, etc. são como
"braços marrons" das igrejas, às quais devem/devotam, devido à ligação
religiosa, total obediência.



V – ISLAM


O Islamismo tem assumido um papel importante na discussão da questão
racial, tornando-se simpático e sendo assumido, principalmente, pela
juventude negra ligada ao "Hip-Hop". Tem contribuído sobremaneira no
processo de conscientização disciplinar, religiosa e étnico-racial. A
existência das Lobas Muçulmanas e da Nação do Islam compostas por pessoas
negras é prova cabal dessa aproximação. No começo da década de '90', na
região do ABC, o Centro de Divulgação do Islam para América Latina, através
de seus membros, participavam de atividades do MNU e intercâmbiavam
informações acerca da atuação negra islâmica, no mundo.





VI – PARTIDOS
POLÍTICOS



Eles não têm estado dispostos a sacrificar nenhum destes bens, preferindo
sacrificar a causa. Entre os bens pessoais e causa, eles têm escolhido os
bens pessoais [...].


James Boggs




No final dos anos '70' e começo dos '80' com a chamada "abertura" as
organizações políticas de esquerda articulavam e rearticulavam os partidos
políticos, porém, e apesar de terem em suas bases grande contingente de
negros/as militantes, seus programas não contemplavam, em seus programas, a
questão racial. Mesmo o Brasil sendo um país pluri-racial e multicultural
para estas organizações e/ou partidos a questão de classe era a que
prevalecia. Entretanto, algumas tinham de lidar com contradições internas.
O Movimento Negro Unificado – MNU, criado 1978, teve entre seus mentores
intelectuais e fundadores pessoas ligadas às organizações políticas de
esquerda, uma dessas era Convergência Socialista.


Neste período surge o PT – Partido dos Trabalhadores, PDT. e PMDB,
ressurgem PCB, PC. do B, etc. e muitos/as negros/as foram parar em suas
fileiras. Daí nasce a dupla e/ou tripla militância, ou seja: militar na
organização política – mesmo aquelas que insistiam em permanecer na
clandestinidade -, no partido político e por fim, em havendo
disponibilidade de tempo, no Movimento Negro.

O/a negro/a, talvez ainda em dúvidas quanto à validade da questão de raça,
'fazia tipo' no movimento negro e priorizava o partido.
Nos partidos políticos, devido às cobranças do movimento negro, começam
pipocar as comissões, grupos ou "movimento negro".
Em alguns partidos temos observado trabalhos conseqüentes destes "braços
marrons", porém, em outros os grupos ou "movimento negro" são meros
apêndices sem nenhuma expressão em termos de ações políticas.
Enumeramos, abaixo, algumas comissões e "movimentos":
PT – Partidos dos Trabalhadores
. Comissão de Negros do PT
PDT – Partido Democrático Trabalhista
. Movimento Negro do PDT
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
. Movimento Negro do PMDB
PSDB – Partido Social Democrático Brasileiro
. Movimento Negro do PSDB
PC do B – Partido Comunista do Brasil
. UNEGRO – União de Negros pela Igualdade
Causa Operária
. Movimento Negro João Cândido

Em determinados partidos políticos a grande massa negra continua sendo
vista não como sujeito, sim como objeto, pois em sua estrutura
organizacional, no comando, raríssimas vezes encontramos negros/as
representados/as, condignamente. Por outro lado, os/as que lá permanecem se
submetem as estas condições por conta da "paciência histórica", na
esperança vã de um dia conseguir auferir das mesmas vantagens que os/as não-
negros/as têm nos partidos.
Lélia Gonzalez (1982) em "Lugar de Negro" dizia que:

"Quanto aos aspectos negativos, deixando de lado o já tradicional "racismo
às avessas" de que somos acusados sempre que nós, negros, partimos para a
denuncia do racismo e da discriminação, pintaram outras acusações com as de
divisionistas, revanchistas etc. e tal, provenientes de certos setores de
esquerda, além daquela de subversão, tão cara ao regime".

Atualmente, muitas coisas mudaram nos partidos políticos, porém há muito
para avançar. Esses grupos, movimento, comissões, etc., no interior dos
partidos políticos, não podem ser considerados como movimento negro, pois
como aqueles ligados às igrejas tem uma disciplina religiosa, têm de
obedecer à disciplina partidária. Alguns partidos políticos cooptaram
"quadros" importantíssimos do movimento negro esvaziando-o num primeiro
momento, e num segundo momento não conseguem ampliar, nem interna, nem
externamente, a luta contra o racismo, na sociedade brasileira.


VII – MOVIMENTO
SINDICAL


Àqueles que demoraram décadas para entender a emergência da questão racial:
Nunca é tarde para amar!


Ogunbiyi


Desde 4 de novembro de 1978, quando da realização da Primeira Assembléia
Nacional, em Salvador – Bahia, ocasião na qual foram aprovados os
documentos básicos (Estatuto, Regimento Interno Carta de Princípios e
Programa de Ação), o MNU assumia a tarefa de "... na empresa, organizar os
negros para exigir melhores salários..." e "orientar a população para
participar das entidades de classe". Como palavras de ordem tinham: "Contra
a Perseguição Racial no Trabalho, Por mais Oportunidades de Trabalho para o
Negro e Contra a Divisão Racial do Trabalho".
O movimento sindical, naquela época, apoiava materialmente o movimento
negro, mas não incorporavam a necessidade da luta contra a discriminação
racial no mercado de trabalho. Não participavam e raras vezes mandavam
representantes às nossas atividades, quando convidados. Árdua tarefa. Em
1984 foi organizado em São Paulo o 1º Seminário Sobre a Discriminação
Racial no Trabalho. Desta atividade surgiram algumas propostas para a
eliminação da discriminação racial no mercado de trabalho que são as
seguintes:
a) criação de grupo para atendimento dos casos de discriminação racial no
mercado de trabalho, junto à Secretaria de Relações do Trabalho;
b) contatar advogados trabalhistas para estudar mecanismos para punir as
discriminações;
contatar o movimento sindical para realização de estudos no sentido de
coibir a discriminação no mercado de trabalho; e,
c) contatar profissionais de recursos humanos para estudar ações de combate
à discriminação racial.
No Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, em São
Paulo, em 1985, cria-se o Setor de Relações do Trabalho que articula e
cria, em 1986, o GOISDRT – Grupo de Orientação em Situações de
Discriminação Racial no Trabalho, na Secretaria de Relações do Trabalho.
Neste mesmo ano organiza o 1º Encontro Estadual de Sindicalistas Negros, em
Embu-Guaçu, em São Paulo. Para tal encontro foram convidadas todas as
centrais sindicais existentes naquele período, ou seja: CUT (Central Única
dos Trabalhadores), Conclat (Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora) e
até a USI (União Sindical Independente). Só compareceram ao encontro os(as)
sindicalistas ligados à Conclat. Nesta ocasião já se propunha a
implementação da Convenção 111 da O.I.T. (Organização Internacional do
Trabalho) junto às pautas de reivindicações do movimento sindical, a fim de
debelar as desigualdades advindas da discriminação racial, no mercado de
trabalho. Na década de '80' foram necessárias várias reuniões e debates com
sindicalistas metalúrgicos, no ABC, para que a CUT encampasse a questão
racial como uma luta "anti-racista" a ser implementada. Sabemos todos que
o movimento sindical tem um grande contingente de trabalhadores/as
negros/as. No entanto, devido a enorme carga de tarefas que se lhes é
atribuída fica difícil às ou aos poucas/os negras/os que estão nas
estruturas sindicais participarem de organizações do movimento negro. Por
outro lado, há na estrutura sindical um atrativo estrutural que a maioria
das organizações negras não dispõe para oferecer, tais como: prédios com
vários departamentos, salas, auditórios, fax, telefones,
microcomputadores, aparelhos celulares, bipes, automóveis, aparelhos de
som, telão, aparelhos de vídeo, etc. Para quem muitas vezes foi alijado
dessas benesses fica difícil abdicar desses valores e voltar a pegar no
pesado para dar sua cota de contribuição naquilo que nos é, também, comum:
o movimento negro. Implementar ações políticas e políticas públicas para a
eliminação do racismo e suas manifestações preconceituosas e
discriminatórias é uma tarefa de todo movimento sindical contudo, isto
não torna os seus grupos, criados especificamente para cuidar da questão
racial, movimento negro. É inegável a importância que assume o movimento
sindical na luta contra a discriminação racial no trabalho, haja vista , os
avanços das significativas ações que vem implementando neste sentido. Por
outro lado, estes grupos ou comissões, também, sofrem problemas de solução
de continuidade quando das mudanças da direção nos sindicatos, assim como
nas centrais sindicais. Foi longo e persistente o assédio político encetado
pelo movimento negro ao movimento sindical para que encampassem a luta
contra discriminação racial no mercado de trabalho, porém, hoje, quando
vemos que a CUT - que criou sua Comissão Nacional de luta contra a
discriminação racial -, e Força Sindical - que tem sua Secretaria Nacional
de Pesquisa e Desenvolvimento da Igualdade Racial -, e, finalmente, a CGT
(Central Geral dos Trabalhadores) juntarem-se para discutirem a
implementação da Convenção 111 da O.I.T. podemos mensurar os avanços
conquistados. Atualmente o movimento sindical não tem o entendimento de
que a questão racial divide a classe trabalhadora, porém, em alguns
setores, seus membros, têm demonstrado que pretendem reservar ao movimento
negro somente "as questões sociais e culturais" [vi]. Quando pontuamos
alguns fatos das relações entre o movimento sindical[vii]·, o movimento
negro e órgãos do Estado que lidam com a questão racial, não estamos
esquecendo os apoios recebidos ao longo dos anos, muito menos generalizamos
determinados comportamentos, os quais abominamos, estamos tentando
demonstrar de forma crítica e construtiva os caminhos ideais a serem
trilhados no processo de se construir uma sociedade justa e solidária.



VIII – ONGs – Organizações não-
Governamentais


Os intelectuais podem sentir-se lisonjeados pela noção de que estão isentos
de obrigação para com as condições e necessidades sociedade e que a sua
única obrigação é a "ciência pura". Mas esta ilusão da independência na
busca do conhecimento só
agrava a sujeição das instituições de actividade intelectual
aos poderes prático: os interesses da classe dominante, que dispõem das
idéias que os cientistas e os universitários propõem.



James M. Lawler


O conceito: Organização não-Governamental, em sua origem na classificação
dada às organizações, principalmente, nos Estados Unidos, não vinculados ao
governo. No Brasil este conceito começa a ser utilizado mais
freqüentemente na década de '80'.
Pela sua amplitude o conceito: "ONG" engloba inúmeras formas organizativas,
entre as quais se localizam os grupos, associações, institutos, coletivos,
casas de culturas, etc. envolvidas[viii] ou não com assuntos atinentes à
questão racial. Ao lado, paralelamente, há o movimento negro composto por
organizações que são, também, não governamentais, porém comprometidas com a
luta contra o racismo e suas manifestações discriminatórias e
preconceituosas. A diferença entre as primeiras em relação as segundas
situa-se na base de cunho político-ideológico, ou seja, aquelas que em sua
maioria surgiram na década de '80' vislumbrando o "apoio financeiro da
Fundação Ford" ou outras instituições que querem obter um conhecimento
sociológico das relações raciais no Brasil, através das ONGs. E segundo,
Jennifer Dunjwa Blajberg: "[...] desta forma, entidades e centros de
estudos cooptáveis pela referida fundação recebem condições financeiras de
sobrevivência quando se submetem a seu ditado ideológico e
metodológico".(1984:35)
Não se pode, entretanto, negar a validade e a importância de seus
trabalhos, quando se consegue ter contato com os resultados deles. Um
dos grandes óbices que se coloca a algumas "ONGs" é quando seus/as
gestores/as não se sentem no dever moral de prestar contas a ninguém, muito
menos à população negra e/ou afro-brasileira, em nome da qual confeccionam
seus projetos, exceto, logicamente, às instituições financiadoras. O
"prestar contas" aqui se expressa no sentido de haver retorno dos
resultados de estudos e pesquisas realizadas à população negra, assim como,
na socialização destes conhecimentos ao conjunto do movimento negro. A
qualificação e classificação de algumas dessas formas organizativas como
"ONGs" (entre aspas, literalmente) se dá devido suas posturas e práticas
que são endoparasitária e perniciosa ao MN[ix], ou seja:" vivem no interior
do hospedeiro - o movimento negro – utilizando-o como seu habitat e
geralmente provocam doenças – o lumpesinato.
A maioria das "ONGs" tem o seguinte perfil:
Composição – Recursos Humanos:
. Assessores/as negros/as e não-negros/as;
. Técnicos/as negros/as e não-negros/as; e
. Estudiosos/as negros/as e não-negras;
Obs: Alguns negras/os que compõem as ONGs foram militantes do Movimento
Negro.
Objetivos:
. Na luta "antirracista" nem sempre se opõem ostensivamente ao racismo e
suas manifestações discriminatórias e preconceituosas;
Político-ideológico:
. Político-ideológicamente "neutro" ou aparentemente neutros, em atividades
de protesto e denúncia. Se envolvem até o ponto em que não contrariam ou
comprometem interesses políticos dos financiadores, assim como, não
comprometam atuais e futuros financiamentos.
Econômico-financeiro:
. Trabalham com verbas de projetos financiados por instituições nacionais e
internacionais, através dos quais conseguem manter suas sedes bem
equipadas. Recebem em dólares para trabalhar a questão racial.

Produção:
.Produzem textos teóricos, seminários, cursos, palestras, etc. em sua
maioria fechados; e
.Produzem cartilhas, vídeos, etc.
Algumas "ONGs":
I - Gelédes – Instituto da Mulher Negra;
II - CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades; e
III - ABRE-VIDA – Associação Afro-brasileira de Educação e Preservação da
Vida.
Neste capítulo seria impossível enumerar as dezenas de ONGs e as
importantes atividades que este segmento tem realizado e que contribuem
para a eliminação do racismo.
No entanto, devido às suas características não podem ser consideradas
movimento negro.


IX – Outras
formas


Há uma pluralidade de instituições que criaram comissões, subcomissões,
centro de estudos, núcleos, etc. que empreendem atividades de grande
importância relacionadas ao negro e/ou afro-brasileiro que, contudo,
também, não podem ser consideradas como movimento negro dadas as suas
características, senão vejamos:
- Sub-Comissão do Negro da O.A.B/SP.
Tem prestado relevantes trabalhos em assessoria e assistência jurídica para
pessoas e organizações do MN.
- Centro de Estudos da Violência da USP.
Tem realizado pesquisas de grande utilidade para o combate ao racismo.
- Centro de Estudos Africanos da USP.
Organiza cursos de interesse do povo negro desde África até toda sua
diáspora.
- Associação Cultural Agostinho Neto
Inativa, porém, contém um acervo de enorme importância para se conhecer as
artes, a cultura e povo angolano.
- Núcleo de Consciência Negra na USP.
- Núcleo de Estudos Interdisciplinar do Negro Brasileiro – USP.
- Núcleo de Estudos Afro-brasileiro da UFSCar.
- Movimento pelas Reparações dos descendentes africanos escravizados no
Brasil.[x]

As formas organizativas apresentadas revelam o quanto se avançou na questão
racial, no Brasil. Algumas têm em seu quadro associativo pessoas, negras e
não-negras, de alto valor na luta contra o racismo. Outras têm, inclusive,
ex-militantes que se afastaram do movimento negro quando foram para mundo
acadêmico, entidades de classe ou de solidariedade.
Anteriormente, através de denúncias, quem apontava a inexistência de ações
políticas e políticas públicas que contemplasse a população negra era
somente o movimento negro, enfrentando a contracorrente que o via como
racista[xi]. Atualmente, observamos que diversos segmentos começam a
implementa-las entendendo que banir o racismo e suas manifestações é tarefa
e obrigação de toda a sociedade brasileira.

CONCLUSÃO


[...]. o nosso júri é racional e não falha[...]

Racionais MC's


O pequeno apanhado que apresentamos tem como objetivo suscitar uma profunda
reflexão acerca dos caminhos e descaminhos trilhados pelo Movimento Negro,
nas últimas três décadas, em São Paulo[xii]. Propomos, ainda, a iniciação
de um processo de burilação naquilo que chamamos de movimento negro e
classificar assim como qualificar, adequadamente, aqueles demais segmentos
que atualmente vêm empreendendo "uma luta antirracista". Tal proposta, no
entanto, não tem como intuito diminuir a importância do trabalho realizado
ou a ser efetuado por essas formas organizativas e muito menos desvalorizar
seus membros. Tem, sim, a finalidade de situá-los: física, política, moral
e ideologicamente. Estes "cem números" de formas organizativas de "luta
antirracista" são frutos germinados pela luta do Movimento Negro, porém,
devido suas especificidades, finalidades e compromissos nem sempre mantém
uma relação mais estreita de respeito e fortalecimento daquelas que
iniciaram o combate ao racismo, na atualidade, na sociedade brasileira.
Hoje é muito fácil querer ser movimento negro, pois, dá status e até
dinheiro. Nada contra quem queira usufruir dos avanços conquistados pelo
movimento negro, contudo há que se respeitá-lo. As regras apregoadas por
outros tipos de instituições existentes na sociedade são respeitadas por
todos então porque não fazer o mesmo com as do movimento negro. As
alianças e os apoios não estão e nem deverão estar descartados devido à
delimitação de área, porém, e para tanto, toda e cada organização deverá
estabelecer em que parâmetros estas serão efetuados, sem se ferir a
autonomia e independência quer seja das formas organizativas que
implementam uma ação "antirracista", quer seja das organizações do
Movimento Negro. Com isto, acreditamos que o combate ao racismo e suas
manifestações discriminatórias e preconceituosas[xiii] será mais
contundente.



Notas
-----------------------
[1] Abdias do Nascimento faz importante relato em "Reflexões sobre o
Movimento Negro no Brasil, 1938-97", texto editado pela Thoth, N.º 3. Set /
dez 1997.
[2] Itan kini: significa primeira história, em Yoruba.
[3] Itan Kiji: significa segunda história, na língua Yoruba.
[4] O "Arvore das Palavras", de dezembro de 1974, trazia uma matéria
abordando a realização de uma "Homenagem a Zumbi", no Coimbra, na Av. São
João, em São Paulo, organizada pelo Centro de Cultura e Arte Negra.

-----------------------
[i] "A resiliência ou a faculdade de recuperação designa a capacidade de
uma pessoa para fazer as coisas bem apesar das condições de adversas da
vida. Isto implica uma capacidade de resistência e uma faculdade de
construção positiva", conforme assevera Stefan Vanistendael (1995).
[ii] O conceito de identidade étnico-racial é evidenciado na formação do
grupo, como ele se vê e é visto por outros assim como através da
valorização dos traços fisionômicos, cabelo, etc. ligados a sua origem, da
identificação com, outros/as negros/as dos mais diversos tipos e da busca
de heróis/ heroínas, ídolos negras/os.
[iii] Segundo Frantz Fanon (20.07.1925 + 06.02.1961) "existem dois doentes
nesta sociedade; um é o negro com complexo de inferioridade o outro é o
branco com complexo de superioridade. Ambos estão doentes, portanto,
precisam se curar". Logo, têm de em separado, superar seus complexos
historicamente assimilados.
Um, o negro, tem de resgatar sua identidade étnico-racial e autoestima
para, dentro dos princípios de isonomia, ver-se em pé de igualdade com o
outro, o branco, que historicamente não chegam "as coisas de negro" para
carregar ou ajudar carregar o "piano", mas sim para ordenar/dirigir.
Movimento Negro é uma exclusividade negra, assim como o Movimento
Feminista, também, tem de ser exclusividade das mulheres.
Entendemos que a/o não-negra/o tem o dever moral e ético de se solidarizar
com as lutas pela eliminação do racismo contra a população negra. Podem e
devem participar dos atos públicos, passeatas, seminários, etc. – abertos –
porém há aquelas atividades – fechadas - que devem ser de exclusividade
negra. Por outro lado, seria um grande avanço quando os/as não-negros/as
conseguissem se organizar, em seu próprio meio, e entre si, para combater o
racismo que atinge a população negra.
[iv] Tal classificação tem como propósito facilitar a compreensão do que é
Movimento Negro, pois é complexo o significado. Existem muitas ambigüidades
e/ou dualidades no interior do MN. , não necessariamente entidades, grupos,
organizações, etc. são ou fazem um trabalho num só âmbito, ou seja: do
sócio/cultural/beneficente/recreativo/religioso ou
político/ideológico/reivindicativo.
Por isto não utilizamos o conceito: "culturalista", uma vez que o
entendemos como rançoso, portanto, defasado e inadequado.
Nos anos '80' na visão dos adeptos da chamada "ação político-ideológica" as
organizações "culturalistas" não eram consideradas movimento negro, pois
eram vistas com "filhas da cultura do racismo" uma vez que "folclorizariam
formas culturais autênticas e reproduziriam tanto na relação com a
sociedade global quanto na sua estrutura interna, o padrão racista do
universo brasileiro".
Aquele olhar/entendimento gerou o afastamento de lideranças negras não só
das escolas de samba, assim como dos terreiros/roças das religiões afro-
brasileiras – religiões de matriz africana, como preferem alguns- e de
outras formas de manifestações culturais. Neste sentido, o conceito é
rançoso e defasado, uma vez que traz no seu bojo um prisma já superado,
inclusive em certas áreas onde apreendemos tal postura, e, inadequado, pois
é demasiado tênue a linha que delimitaria as formas organizativas
sócio/as/beneficentes/recreativas/religiosas das
político/ideológicas/reivindicativas.
[v] Ao caráter político: "porque a mobilização é, ao mesmo tempo, uma
condição necessária para a transformação de nossa sociedade";
Ao caráter ideológico: "porque ao colocar o fato de ser negro/a como valor,
questiona, na raiz, os valores dominantes de nossa sociedade; e, quanto ao
caráter reivindicativo: "Porque toma para si enquanto" segmento
representativo da população afro-brasileira as responsabilidades de exigir
do Estado e demais setores da sociedade civil ações políticas e políticas
públicas para a eliminação das mazelas advindas do racismo e suas
manifestações preconceituosas e discriminatórias.
[vi] Em 30.03.1994, foi realizado o Encontro Estadual de Sindicalistas
Negros Cutistas, em São Paulo. O evento, organizado pela Secretaria de
Políticas Sociais da CUT-SP, tinha um cartaz onde constava o nome do MNU,
como uma das organizações apoiadoras do evento. Entretanto, os membros da
coordenação nacional e estadual, do MNU, em S. Paulo, não foram consultados
para autorizar a utilização do nome da organização e muito menos foram
convidados a participar do evento - nem como observadores. Cobrados, os
organizadores, no transcorrer do evento não explicaram os motivos de tal
atitude.
Contudo, em conversa de botequim, um militante sindical, ligado à
organização do evento, disse: "o nome do MNU foi colocado no cartaz por ser
a primeira organização a discutir a questão da discriminação racial no
mercado de trabalho".
[vii] Em 1994, também, houve uma reunião de sindicalistas negros, na qual
participariam alguns do MNU. O objetivo desta reunião era tirar propostas
para um evento, em maio, nos Estados Unidos, e para a Conferência Sindical
Interamericana pela Igualdade Racial, que realizar-se-ia entre 19 e 22 de
novembro de 1994, em Salvador, Bahia. Tal reunião havia sido marcada, no
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, para às 14 horas, e como um membro do
MNU, do Rio de Janeiro, não poderia estar na aludida reunião solicitou, por
telefone, à Coordenação da Seção do MNU, no ABC, que participasse dela com
o intuito de fazer contatos com os sindicalistas africano-americanos da AFL-
CIO (American Federation of Labor and Congress of Industries Organization),
e pegar uma cópia do documento que continha às propostas, do movimento
sindical, de atuação ou políticas de ações para combater o racismo no
trabalho. Apesar da apresentação de motivos negaram-lhe fornecer a cópia
alegando que as decisões eram só para os sindicalistas.
Um dos pontos garantidos em discussão, em dia anterior a tal reunião, era
justamente, a inter-relação com organizações do movimento negro, e entre as
quais constava o Movimento Negro Unificado – MNU.
[viii] Quando asseveramos que algumas ONGs tem um envolvimento com a
questão racial, estamos colocando isso em questão sua postura de
comprometimento na luta contra o racismo. Explicitando: tais ONGs estão
como galináceos em um "break-fast". Seu comprometimento se limita a
partilhar os ovos. Já, as organizações do movimento negro são o presunto,
ou seja, são próprio prato a ser comido. Nisto sintetizamos, de forma
popular, a diferença político-ideológica entre as ONGs e o Movimento Negro.

[ix] Como exemplo, temos a preocupação de algumas ONGs em estar como
"movimento negro" quando da constituição da "Rede Continental de
Organizações Negras", nova forma para canalizar/capitalizar financiamentos
de instituições internacionais diferentes das quais conseguiam
anteriormente suas verbas.
A fonte havia secado. Então recorreram ao movimento negro,
particularmente, ao Movimento Negro Unificado - MNU, que lhe daria
legitimidade necessária para a formação dessa "Rede", sem, contudo quererem
assumir compromissos de estreitar intercâmbio objetivando o fortalecimento
do Movimento Negro. Muito menos queriam tomar para si sua própria
identidade, ou seja: ONGs, com toda suas implicações.
Este acontecimento, esta reunião, ocorrida na FATEC, nos dias 28 e 29 de
julho de 1995, em São Paulo, demonstra o oportunismo de algumas ONGs que só
procuram o movimento negro quando estão em dificuldades.
[x] Originalmente, Reparação tem como objetivo a "autonomia econômica como
povo", segundo a BRC – Black Reparations Comission, o que se contrapõe à
"Ação Afirmativa", a qual considera "uma forma de reparação, mas que não
pára a escravidão".
Reparações, nos Estados Unidos, esta baseada em alguns pressupostos básicos
que vão desde:
1 – Repatriação, voltar à África;
2 - Mudar para outro país;
3 - Criar um estado, nação separado dentro das
fronteiras do país, especialmente, aonde houver
maior concentração de negros; e
4 - Cidadania Real, os benefícios com as
responsabilidades da plena participação nas correntes
políticas e econômicas da sociedade e as
concessões que a garantirem.
O Triângulo da Autonomia: l (um) Banco Central; 9 (nove) Bancos Regionais;
Institutos locais de crédito;
Fundações de pesquisas e
desenvolvimento; Indústrias de Exportação e
Importação; Indústrias
alimentícias; Indústria Têxtil, Construção Civil,
Transportes, Lazer, Saúde.
- (nove instituições por ano durante 9 anos em 9
regiões).
Acima relacionado encontra-se uma síntese da proposta de Reparações, nos
Estados Unidos, que foi deturpada de maneira esdrúxula e implementada de
maneira pouco séria, em S. Paulo, provocando, de certa maneira, descrédito
nas futuras ações do movimento negro.

[xi] Em matéria de duas páginas, 10 e 11, do Jornal "O Inimigo do Rei", de
novembro/dezembro de 1979, intitulada "Manifesto Nacional a Zumbi" uma das
perguntas expressava este entendimento equivocado que permeou durante
décadas o pensamento, principalmente, da esquerda brasileira, ao ser
efetuada da seguinte forma:" IR _ Por que MNUCDR e não MUCDR? O Movimento
Negro Contra a Discriminação Racial é racista?" E, a resposta foi: MN _
"... O MNUCDR não é racista, ele é um movimento de reação a todas as formas
de discriminação racial. Uma da formas que se tem utilizado para
descaracterizar o MNUCDR é tachá-lo de racista e como tal estará atuando no
sentido de dividir as forças de oposição do país, é preciso considera que o
MN se coloca junto a outros movimentos que lutam pela transformação
social."
[xii] Este ensaio foi elaborado, com supressões e acréscimos, porém fiel à
finalidade do texto original, de autoria de Adomair O. Ogunbiyi, denominado
"O que é movimento negro?". O texto original foi editado nos "Cadernos
Papo Sério", Ano I – N.º 1 – Dez. 1995, pelo Movimento Negro Unificado –
MNU, em São Bernardo do Campo, São Paulo. Naquela época, foi escrito com
propósito de "limpar a área tão tumultuada, principalmente com o advento de
atividades em datas importantes como havia sido o "centenário da abolição"
e prevendo como seria o Dia Nacional da Consciência Negra, no ano em que se
completavam os 300 Anos da Morte de Zumbi dos Palmares". Esta nossa
preocupação nasce, em 1988, quando da publicação da Agenda Afro-brasileira.
E, como entendemos que esta questão ainda esta para ser resolvida
reaproveitamos o assunto para apresentá-lo neste novo formato.
[xiii] Utilizamos as definições compiladas e apresentas nos "Cadernos Papo
Sério", do Movimento Negro Unificado, editado em julho 1996, em S. Bernardo
do Campo, que são: "Racismo é a valorização generalizada e definitiva de
diferenças reais e imaginárias, em proveito do acusador em detrimento de
sua vítima, a fim de justificar uma agressão" (Memmi, 1994); e, Racismo é
"Toda teoria que leve a admitir, nos grupos raciais ou étnicos, qualquer
superioridade ou inferioridade intrínseca capaz de atribuir a alguns o
direito de dominar ou eliminar outros, pretensamente inferiores e que leve
a fundamentar julgamentos de valor em alguma diferença racial".
(Declaração sobre Raça e Preconceito Raciais, 1978, adotada na 20ª sessão
da Conferência Geral da UNESCO). Discriminação Racial é qualquer
distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor
descendência ou origem étnica, que tem por objeto ou efeito anular ou
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em
igualdade de condições) de direitos humanos e liberdade fundamentais no
domínio político, econômico, social, cultural, cultural ou em qualquer
outro domínio da vida pública" (Convenção Internacional sobre eliminação de
todas as formas de Discriminação Racial, Resolução 2106 (xx) da Assembléia
das Nações Unidas, Parte I, Artigo I, Item 4 de 21.12.1965, aprovada pelo
Decreto Legislativo n.º 23, de 21.06.1967). Preconceito Racial é "Uma
atitude negativa adotada por um grupo ou por uma pessoas, em relação a um
grupo ou outra pessoa, baseada num processo de comparação social, segundo o
qual o grupo de indivíduos julgador é considerado como ponto positivo de
referência" (Jones); e, Preconceito Racial é uma atitude social propagada
entre o público por uma classe exploradora com o propósito de estigmatizar
algum grupo como inferior, de maneira que a exploração do grupo ou mesmo
seus recursos possa justificar" (Cox).
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