Nota \"A responsabilidade dos membros do Conselho de Administração\" - 2012

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A RESPONSABILIDADE DOS MEMBROS DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

Sofia Vale Junho de 2012

O órgão de administração das sociedades anónimas é configurado como um órgão colectivo: conselho de administração. Nestes casos, as decisões de gestão não são tomadas por uma pessoa individualmente considerada, sendo antes o resultado de um processo deliberativo no qual participam uma pluralidade de intervenientes. Quando o dano social resultar de uma deliberação do órgão de administração, colocam-se questões sobre quem fica vinculado a indemnizar a sociedade e em que moldes. Note-se que, em contraste com o carácter colectivo destas deliberações, o juízo sobre a cominação de um dever de indemnizar é um juízo eminentemente pessoal. A interrogação sobre a ilicitude de um comportamento incide, pois, necessariamente, sobre a conduta de uma pessoa individualmente considerada. A responsabilidade civil dos administradores não apresenta aqui qualquer especificidade. Para a protecção do administrador que vota vencido a deliberação danosa para a sociedade, a parte final do artigo 77.º, n.º 2, da Lei das Sociedades Comerciais permitelhe, no prazo de cinco dias a contar da data em que tenha sido aprovada a deliberação, fazer lavrar a sua declaração de voto, quer no respectivo livro de actas, quer em documento escrito dirigido ao órgão de fiscalização, se o houver, ou ainda perante o notário. No entanto, este preceito não estabelece um ónus do administrador que vota vencido a deliberação danosa. Mesmo que este não faça lavrar a sua declaração de voto, não deixa de ser possível provar o carácter contrário do voto à deliberação através do recurso a outros meios de prova, v.g. à prova testemunhal (designadamente, inquirindo os restantes administradores presentes na reunião). A ideia de fundo aqui é a de que cada sujeito só é responsável pelas suas acções ou omisssões. Por essa razão, o artigo 77.º, n.º 2, da Lei das Sociedades Comerciais,

estabelece que «não são responsáveis pelos danos resultantes de uma deliberação colegial os gerentes ou administradores que a não tenham votado ou tenham votado vencidos». Assim, se um administrador não está presente na reunião do conselho de administração onde é tomada a deliberação, não participa por meios telemáticos (v.g. por video-conferência), nem se faz representar, considera-se que o administrador não votou a deliberação. Deve igualmente ser considerado não participante o administrador que tenha participado na reunião mas não tenha participado na votação, por estar impedido de votar. Ainda que esteja presente na votação da deliberação danosa, o administrador não será responsabilizado se votar contra esta. Contudo, a não participação na deliberação danosa não é condição suficiente da isenção do administrador de um órgão administração colectivo da responsabilidade pelos danos infligidos à sociedade. Nos termos do artigo 77.º, n.º 3, da Lei das Sociedades Comerciais, «os gerentes ou administradores da sociedade que não tenham exercido o direito de oposição que a lei lhes confere quando estavam em condições de o exercer, respondem solidariamente, pelos actos a que poderiam ter-se oposto». Está aqui em causa uma forma de responsabilidade civil por omissão de um dever de evitar a materialização de danos para a sociedade – o qual não é senão uma concretização do dever de prossecução do interesse social. Sendo vários os administradores responsáveis pela causação do dano, o que sucederá tipicamente quando o dano decorrer de uma deliberação do órgão colegial de administração, todos os administradores relativamente aos quais estejam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil são solidariamente responsáveis (artigo 78.º, n.º 1, da Lei das Sociedades Comerciais). Aplica-se, pois, o regime constante dos artigos 518.º e seguintes do Código Civil. Isto significa que a sociedade poderá exigir a totalidade da indemnização a qualquer um dos administradores, não podendo estes invocar a co-responsabilidade dos outros administradores para que paguem apenas uma parte da indemnização (artigos 518.º e 519.º, n.º 1, primeira parte, do Código Civil). A sociedade terá, assim, o direito de exigir a qualquer dos administradores responsáveis toda a prestação indemnizatória, proporcional ou não à quota de responsabilidade deste. Questão diferente será a de saber qual a responsabilidade individual de cada administrador: nos termos do artigo 78.º, n.º 2, da Lei das Sociedades Comerciais, esta

depende da medida das culpas de cada administrador, presumindo-se estas iguais. Na medida em que um administrador responsável cumpra a obrigação indemnizatória perante a sociedade numa proporção maior do que a sua quota de culpa, ele terá, assim, e nessa medida, direito de regresso perante os restantes administradores responsáveis. O artigo 77.º da Lei das Sociedades Comerciais vem ainda delimitar, pela negativa, as situações em que os administradores respondem pelos danos causados. Assim, o artigo 77.º, n.º 5, da Lei das Sociedades Comerciais estabelece que «o parecer favorável ou consentimento não isentam de responsabilidade os gerentes». Está em causa o parecer favorável ou o consentimento do órgão de fiscalização da sociedade, quando este exista – o que, relembre-se, apenas é exigível nas sociedades anónimas. A este órgão compete, designadamente, fiscalizar a administração da sociedade e zelar pela observância da lei e do contrato de sociedade (artigo 441.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei das Sociedades Comerciais). Não obstante, o facto de o órgão de fiscalização desconhecer a ilegalidade da conduta dos administradores ou compadecer-se com ela não isenta estes últimos da responsabilidade que possam vir a ter perante a sociedade. No caso por último referido, em que o órgão de fiscalização se compadece com a ilegalidade cometida pelos administradores, não só esse apoio não isenta os administradores de responsabilidade, como pode constituir os próprios membros do órgão de fiscalização em responsabilidade civil para com a sociedade, respondendo, nesse caso, os titulares do órgão de fiscalização solidariamente com os administradores responsáveis (artigo 86.º, n.os 1 e 2, da Lei das Sociedades Comerciais). Mais problemática é a hipótese de o acto ou omissão dos administradores ter por base uma deliberação dos sócios. Esta situação é regulada pelo artigo 77.º, n.º 4, da Lei das Sociedades Comerciais, que determina que, nesse caso, os administradores não respondem pelos danos causados, ainda que a deliberação seja anulável. O princípio subjacente a esta norma é facilmente compreensível: se é a própria sociedade, através daqueles que são os seus «titulares materiais» (beneficial owners), que autoriza ou impõe a conduta dos administradores, vale a regra segundo a qual os actos consentidos não constituem causa de responsabilidade civil (volenti non fit iniuria). Contudo, este preceito deve ser interpretado restritivamente quanto a vários aspectos.

Em primeiro lugar, e não obstante a sua inserção na parte geral da lei, este deve considerar-se como sendo exclusivamente aplicável às sociedades por quotas. Apenas nestas os administradores devem obediência às deliberações dos sócios (artigo 282.º da Lei das Sociedades Comerciais). Ao invés, nas sociedades anónimas, a regra é de que as competências de gestão são exclusivamente da administração, não dos sócios (artigo 425.º, n.º 1, alínea b), da Lei das Sociedades Comerciais). Neste caso, não tendo os sócios competência para colectivamente deliberarem sobre matérias de gestão da sociedade, não podem também estes isentar de responsabilidade os administradores que tenham causado danos à sociedade. Este preceito não deve também ser interpretado no sentido de excluir a responsabilidade dos administradores quando estes tenham determinado ou condicionado a aprovação da própria deliberação. Será, nomeadamente, o caso quando os administradores tenham prestado informações falsas aos sócios, ou não tenham prestado informações, sobre os riscos do negócio objecto de deliberação ou sobre os interesses com ele conexos.

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