Nota \"Novas regras sobre governação societária para as sociedades anónimas angolanas\" - 2014

July 15, 2017 | Autor: Sofia Vale | Categoria: Angola, DIREITO COMERCIAL, Governacao, Direito das Sociedades Comerciais
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NOVAS REGRAS SOBRE GOVERNAÇÃO SOCIETÁRIA PARA AS SOCIEDADES ANÓNIMAS ANGOLANAS

Sofia Vale Março 2014

Durante o ano de 2013 sentiu-se em Angola um fulgor legislativo em consagrar regras de bom governo das sociedades aplicáveis às sociedades anónimas angolanas. Estando a temática do “corporate governance” na ordem do dia, propomo-nos aqui sumariamente apresentar, as linhas mestras que o nosso legislador consagrou. Comecemos por referir que Lei das Parcerias Público-Privadas1 (doravante “Lei PPP”) terá sido o primeiro diploma legal em Angola onde expressamente se faz referência a regras de boa governação das sociedades anónimas. O art. 13º, n.º 4 deste diploma consagra que as sociedades anónimas com receita anual superior ao limiar que vier a ser definido pela Comissão Ministerial de Avaliação das Parcerias Público-Privadas devem: (i) obedecer a padrões internacionais de gestão corporativa, (ii) publicar as suas demonstrações financeiras, e (iii) adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas (International Finance Report Standard). No que respeita aos padrões internacionais de contabilidade, note-se que, muito por influência dos investidores estrangeiros, eles são cada vez mais utilizados pelas empresas angolanas que apresentam já dimensão significativa. No que em particular respeita às instituições financeiras, foi recentemente aprovado pelo Banco Nacional de Angola um pacote legislativo que versa especificamente sobre as regras de governação corporativa a que estas devem obedecer. No Aviso 1/13, de 19 de Abril2, prevê-se, no seu art. 8º, n.º 2, que as instituições financeiras sujeitas à supervisão do Banco Nacional de Angola devem constituir uma comissão executiva quando optarem pela existência de administradores executivos e não executivos. No mesmo diploma antevê-se ainda a possibilidade de serem delegadas competências num ou mais acionistas quanto à remuneração dos membros dos órgãos sociais (art. 8º, n.º 3, al. a) e art. 17º), bem como em certos administradores (art. 8º, n.º 3, b)) no que respeita ao sistema de controlo interno (art. 13º) e à gestão de risco (art. 14º). As disposições do Aviso 1/13 constituem um marco significativo entre nós no que toca à implementação de regras de governação corporativa por parte das instituições financeiras bancárias, na medida em que fomentam a repartição de centros de decisão no seio do conselho de

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Lei n.º 2/11, de 14 de Janeiro, publicada no Diário da República, I Série, n.º 9. Publicado no Diário da República n..º 73, I Série.

administração (a administração estratégica fica claramente separada da gestão corrente da sociedade) e promovem a fiscalização das práticas de gestão por parte de administradores ou acionistas que atuam com competências delegadas. Aqui torna-se importante assegurar uma adequação entre a dimensão da instituição financeira bancária e o número de administradores que atuam com poderes delegados. Sem prejuízo das cautelas que deverão estar presentes na implementação destas orientações, pensamos que o modelo clássico de governação das sociedades previsto na LSC sai, quanto às instituições financeiras, reforçado. Do que antecede, resulta que o modelo clássico ou latino de governo das sociedades consagrado na Lei das Sociedades Comerciais3 (doravante “LSC”), se pretende modernizado, acomodando preocupações de bom governo societário. Para além dos órgãos de existência obrigatória (a assembleia geral, o conselho de administração e o conselho fiscal), a LSC consagra a possibilidade das sociedades anónimas instituírem órgãos de natureza facultativa (art. 426º da LSC), designadamente um conselho superior ou consultivo, uma comissão de remunerações, uma comissão de gestão de riscos ou uma comissão de responsabilidade social. Em qualquer dos casos, estes órgãos sempre terão funções meramente consultivas, devendo as suas deliberações ser sancionadas pelos órgãos tipificados na LSC para que se tornem vinculativas perante a sociedade e terceiros, sempre que tais decisões caiam no âmbito da respetiva competência. As exactas funções destes órgãos e o seu modo de funcionamento deverão estar previstos nos estatutos da sociedade. Será isto, pois, o que deverá suceder com as instituições financeiras que caiam no âmbito do Aviso 1/13, pois para que estes novos órgãos tivessem competências próprias seria necessária uma alteração do modelo de governo previsto na LSC. Esta preocupação de estabelecer novas regras de governação societária, que passam por uma flexibilização/modernização do modelo clássico ou latino consagrado na LSC está também patente na Lei de Bases do Sector Empresarial Público4 (doravante “LSEP”). Prevê-se no art. 46º da LSEP que as empresas públicas devem ser geridas por um conselho de administração, que deverá incluir administradores executivos e não executivos; estes últimos podem constituir-se em comissão executiva, ficando aqueles com funções de controlo e supervisão da actividade destes. Aqui, mantém-se o modelo de governo clássico ou latino já consagrado na LSC, devendo entender-se que o único órgão com competências próprias é o conselho de administração, actuando a comissão executiva com base em poderes delegados. Mas no que a LSEP é verdadeiramente inovadora é na possibilidade, apresentada pelo seu art. 48º, de a empresa pública ver os seus poderes de administração repartidos entre um conselho de coordenação e orientação estratégica e uma comissão executiva. Neste caso, cada um destes órgãos tem poderes próprios: o conselho de coordenação e orientação estratégica define as Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro, Das Sociedades Comerciais, publicada no Diário da República, I Série, nº 13. Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro, Lei de Bases do Sector Empresarial Público, publicada no Diário da República, I Série, n.º 169. 3

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grandes linhas de actividade da empresa (aprova o plano estratégico, o plano de negócios, o orçamento e o plano de actividades, nos termos do art. 48º, n.º 2 da LSEP), enquanto que a comissão executiva fica encarregue da gestão corrente da empresa (art. 48º, n.º 3 da LSEP). Aqui, a LSEP aparta-se do modelo de governo consagrado na LSC e institui um modelo de governo alternativo de inspiração germânica. Pertencendo a LSEP e a LSC ao mesmo patamar de hierarquia das normas jurídicas, nada fere que, para as empresas públicas, se tenha consagrado a possibilidade de optarem ou pelo modelo clássico ou pelo modelo germânico de governo das sociedades. O que valerá a pena ter em conta é se, numa futura reforma da LSC, o modelo de inspiração germânica consagrado na LSEP não deverá ser previsto na LSC, estendendo-se esta opção a todas as sociedades angolanas, quer tenham capitais públicos ou privados. Mas é o pacote legislativo recentemente aprovado pelo Banco Nacional de Angola, que compreende o Aviso 1/13 sobre a Governação Corporativa, o Aviso 2/13, de 19 de Abril, sobre o Sistema de Controlo Interno5, o Aviso 4/13, de 22 de Abril, sobre Auditoria Externa6, e o Aviso n.º 3/13, de 22 de Abril, sobre Supervisão em Base Consolidada para Efeitos Prudenciais7, que mais detalhadamente estabelece regras de boa governação. Ainda que a referida regulamentação apenas tenha como destinatários as instituições financeiras, estamos em crer que, pelo facto de ser pioneira e de as sociedades comerciais angolanas manifestarem crescente preocupação com a melhoria do seu governo, sempre servirá de referência às sociedades anónimas em geral, tanto de natureza pública como privada. Mas a implementação de regras de bom governo das sociedades está, entre nós, muito ligada ao grau de desenvolvimento da cultura empresarial em Angola. Dito de outro modo, os conceitos e as práticas que vemos serem aplicadas no estrangeiro carecem de ser adaptadas à evolução que se vai verificando na nossa realidade empresarial e cultural. Assiste-se hoje em Angola ao desenvolvimento de uma cultura empresarial, tanto no sector público como no sector privado, que acredita que os princípios de transparência, de independência e de prestação de contas são essenciais para que as nossas sociedades anónimas cresçam e se mantenham rentáveis, promovendo a sua crescente credibilidade e idoneidade como parceiros em investimentos a realizar em Angola e no estrangeiro. A vocação de internacionalização das empresas públicas e privadas angolanas será tanto mais conseguida quanto mais sólidas e reforçadas forem as suas práticas de boa governação.

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Publicado no Diário da República n.º 73, I Série.

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Publicado no Diário da República n.º 74, I Série.

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Publicado no Diário da República n.º 74, I Série.

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