Nota \"Serão os acordos parassociais eficazes perante a sociedade?\" - 2013

July 15, 2017 | Autor: Sofia Vale | Categoria: Angola, DIREITO COMERCIAL, Direito das Sociedades Comerciais, Acordos Parassociais
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SERÃO OS ACORDOS PARASSOCIAIS EFICAZES PERANTE A SOCIEDADE?

Sofia Vale Abril de 2013

Os acordos parassociais, entre nós regulamentados no artigo 19.º da Lei das Sociedades Comerciais, são acordos extra-estatutários celebrados por todos ou por alguns dos sócios de uma sociedade, nessa qualidade, que visam salvaguardar os interesses das partes sobre assuntos respeitantes ao funcionamento e à vida societária, nas várias relações que se estabelecem entre eles e a sociedade, os órgãos sociais ou terceiros. Os acordos parassociais têm um papel muito relevante na vida das sociedades, já que combatem a rigidez dos estatutos – que apenas podem ser alterados de acordo com as normas legais e estatutárias relativas à modificação dos estatutos, carecendo de escritura pública, registo e publicação –, adaptandose, de forma mais adequada, às conveniências dos sócios e às necessidades do tráfego mercantil. A isto acresce o facto de as relações societárias se encontrarem cada vez mais institucionalizadas, devendo os destinos sociais ser conduzidos de forma profissionalizada, sendo frequente a criação de grupos organizados dentro da própria sociedade para garantir a viabilidade de determinados projectos. Por outro lado, considerando que os acordos parassociais, ao contrário do contrato de sociedade, não estão sujeitos a registo, bem como o facto de neles se incluírem frequentemente cláusulas de confidencialidade, faz com que estes surjam como instrumentos ideais de regulação de temas jussocietários que se pretendem subtraídos à publicidade (perante terceiros e mesmo perante alguns dos sócios) inerente ao registo dos estatutos. Ao dispor que com base nos acordos parassociais não podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com as sociedades, o artigo 19.º, n.º 1 da Lei das Sociedades Comerciais estabelece uma barreira entre o acordo parassocial e o contrato de sociedade, consagrando a posição segundo a qual os acordos parassociais produzem efeitos apenas entre as partes que os celebraram. Os efeitos dos acordos parassociais não são, assim, oponíveis à própria sociedade, aos terceiros que com ela se relacionem, aos sócios não signatários ou àqueles que venham a adquirir a qualidade de sócios. Desta forma, a inobservância de uma obrigação assumida por um dos contraentes do acordo parassocial não pode fundamentar, a título de exemplo, a impugnação de quaisquer actos da sociedade, 1

nomeadamente de deliberações sociais (que tenham sido tomadas com base em votos emitidos em contrariedade com o disposto no acordo parassocial), bem como a sociedade não pode deixar de reconhecer a venda de uma participação social efectuada a terceiro, em inobservância do pacto de preferência na venda de acções celebrado entre sócios. Mas a verdade é que os acordos parassociais apresentam dois traços essenciais por referência aos estatutos da sociedade: (i) independência, porquanto são negócios jurídicos com autonomia própria, distintos do contrato de sociedade, atendendo à natureza individual e pessoal das obrigações que deles emergem; e (ii) ligação funcional, uma vez que existe uma particular acessoriedade entre os acordos parassociais e o pacto social, que permite o recurso à figura da união de contratos. Note-se, contudo, que a interpretação literal do artigo 19.º, n.º 1, da Lei das Sociedades Comerciais conduz a um total desinteresse da sociedade perante os acordos parassociais, pelo que tal interpretação não deverá merecer acolhimento entre nós. Em primeiro lugar, há que ter em conta os casos em que todos os sócios sejam partes no acordo parassocial (os designados acordos parassociais omnilaterais). Nestas hipóteses, discute-se a prevalência dos mesmos face ao pacto social, seja enquanto alteração de facto do pacto social, seja por via de uma desconsideração atípica da personalidade colectiva, atendendo ao facto de os acordos omnilaterais plasmarem a vontade real dos sócios. Deve entender-se que um acordo parassocial omnilateral pode ter eficácia jurissocietária ou corporativa (o que pode conduzir ao afastamento de normas societárias, inclusive de natureza imperativa), sempre que não estejam em causa interesses alheios (interesses de terceiros, do tráfego jurídico ou o interesse público) Em segundo lugar, deve indagar-se da possibilidade de alargamento da eficácia dos acordos parassociais (não omnilaterais), de modo a respeitar o equilíbrio de interesses presente na situação concreta que foi objecto de regulação parassocial e acautelar as expectativas das partes signatárias do acordo. Ademais, a não ser assim, estar-se-á a reconduzir a promoção da justiça em inúmeros litígios concretos unicamente para tribunais arbitrais habilitados a julgar segundo a equidade. Por estas razões, deve entender-se, de lege ferenda, que a eficácia externa dos acordos parassociais apenas se encontra limitada pelo interesse social. Por outro lado, admite-se que, não havendo interesses concretos de terceiros atendíveis, o interesse social consagrado num acordo parassocial deve considerar-se validamente definido, não devendo a sociedade ser-lhe indiferente – i.e., o órgão executivo não pode ser indiferente à noção de interesse social estabelecida no foro parassocial quando é chamada a tomar decisões no dia-a-dia da sociedade (mas isto apenas na medida em que o acordo parassocial seja levado ao conhecimento da administração).

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Com efeito, a regra geral da eficácia interna dos contratos não afasta, na íntegra, a possibilidade de determinados acordos produzirem eficácia externa. Assim, veja-se que não é vedada a oponibilidade dos acordos parassociais à sociedade quando: (i) o acordo parassocial constitua um contrato a favor de terceiro (in casu, da sociedade), atribuindo direitos à sociedade conformados pelo disposto no artigo 444.º, n.º 1, do Código Civil; (ii) por via da eficácia externa das obrigações, a sociedade corresponde a um terceiro que deva responder pela lesão dos direitos e obrigações emergentes do acordo parassocial. Note-se ainda que o nosso legislador consagrou na Lei dos Valores Mobiliários uma excepção ao artigo 19.º, n.º 1, da Lei das Sociedades Comerciais, permitindo expressamente a eficácia externa dos acordos parassociais em relação às sociedades abertas. O artigo 113.º da Lei dos Valores Mobiliários consagra que os acordos parassociais relativos às participações sociais (nos quais se perspective a aquisição ou reforço de uma participação qualificada em sociedade aberta ou assegurar/frustrar uma oferta pública de aquisição) devem ser comunicados à Comissão de Mercado de capitais, no prazo de três dias após a sua celebração, que depois deverá decidir se os publica. A falta da referida comunicação ou a sua comunicação fora do prazo legalmente previsto importa a anulabilidade, nos termos do artigo 63.º da Lei das Sociedades Comerciais, das deliberações tomadas em virtude das obrigações parassociais assumidas e, consequentemente, da possibilidade da respectiva impugnação judicial. Em suma, estando a letra do artigo 19º, n.º 1 da Lei das Sociedades Comerciais já tão distanciada da nossa prática societária, valerá talvez considerar com seriedade a possibilidade da reformulação do regime jurídico nele contido.

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