Notas às Origens Portugalenses de A. de Almeida Fernandes

June 9, 2017 | Autor: Helena Tomé | Categoria: Late Middle Ages, Portugal (History)
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NOTAS ÀS ORIGENS PORTUCALENSES

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A. DE ALMEIDA FERNANDES

NOTAS ÀS ORIGENS PORTUCALENSES (SÉC. V-XII)

PORTO 1968

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Aos professores doutores

Damião Peres e Paulo Merêa

- meus mestres não escolares - , não como broquel às críticas de defesa neste estudo desenvolvidas, mas em testemunho de gratidão e de respeito, de admiração e homenagem.

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JUSTIFICAÇÃO

Publicou há pouco o eminente historiador Prof. Doutor Paulo Merêa uma nova edição do seu já clássico trabalho De «Portucale» (Civitas) ao Portugal de D. Henrique, «completamente refundida». Talvez seja eu o autor que nela mais se cita, ou pelo menos o mais extensamente referido. A razão está no meu estudo Do Porto Veio Portugal, que saiu à luz n’O Tripeiro em 1963-1964 e que, portanto, não pouco deve ter influenciado essa refundição. Não o digo, porém, porque sinta motivos de me lisonjear. Só num ou noutro caso as alusões se manifestam concordantes. No entanto, como as opiniões contrárias não me parecem suasórias e tendem unicamente a preservar a tese atingida, não deixarei de defender as minhas, reforçando-as e, principalmente, esclarecendo-as. Acresce que, se o ilustre mestre muitas vezes me referiu, outras mais poderia tê-lo feito. Sem olharmos a que não se ocupou de numerosos pontos de vista meus, que, pela sua importância, o não mereciam menos que aqueles cuja referência

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(e por vezes seguimento) me distinguiu, há muitos pontos de vista seus, novos ou agora totalmente alterados, cujo fundamento está em elemento originais do meu trabalho. Somente se diferenciam dos meus pelo novo arranjo a que foram submetidos, como facilmente mostrarei. Nestas minhas notas, terei, pois, em intento não apenas uma defesa e um esclarecimento do meu trabalho anterior, mas também algumas reivindicações daquela natureza. Este o motivo essencial, a que posso agregar outro: o de aproveitar um ensejo de voltar ao tratado de Portugal originário para um modesto contributo nas comemorações do 11º centenário da conquista da cidade aos Mouros, pelo conde Vímara Peres (868). Há, porém, outro motivo, embora secundário. Em todos os casos que ao meu conhecimento chegaram de alusões a trabalhos meus, não há um ao menos que denote a sua leitura atenta; que me não acuse do que eu não disse; que não atribua mesmo a outro aquilo que essoutro se serviu de mim; que não pretenda a correção de por vezes pretensos erros com outros ainda mais graves; que, enfim, não procure acintosamente por em relevo um erro mais ou menos insignificativo, como se os enganos dos discípulos fossem mais graves que os dos mestres. Parece-me tempo para sair da passividade. Mas não se trata de uma crítica ao trabalho do nosso mais perfeito historiador atual, de quem, nesta minha solidão, me considerei sempre um discípulo deferente. Quando não houvesse o principal, que é a minha natural incapacidade, existiriam, para

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mo impedir, sentimentos que uma elevada admiração e o mais profundo respeito desde muito cedo definiram.

Distribuirei estas minhas notas por tantos capítulos (quatro) quantos os do precioso estudo do insigne historiador, correspondendo-se cada qual sem prejuízo da mais íntima relação com o meu anterior estudo. Entendi, porém, mais conveniente, até por um critério de importância, principiar pelos finais do séc. XI, o tempo em que, com Henrique de Borgonha, foi o Portugale condal restaurado, para recuar até à Suévia (séc. V-VI), a época em que a cidade de Portucale, tomando vulto, entrou na História, para ser semente de Portugal do mundo e eterno.

Àqueles quatro capítulos, juntarei outro, sobre problemas dos inícios henriquinos, problemas esses suscitados por críticas que ao meu anterior estudo fizeram os Professores Damião Peres e Paulo Merêa e de que tive conhecimento já depois de publicados os dois primeiros capítulos.

maio de 1967

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ABREVIATURAS

PM – professor doutor Paulo Merêa, de «Portucale» (Civitas) ao Portugal de D. Henrique, 3ª edição, Porto, 1967. AF – A. de Almeida Fernandes, Do Porto Veio Portugal, Porto, 1965, separata d’O Tripeiro (VI série, anos III e IV, 1963 e 1964), à qual se referem as páginas a indicar. HD – prof. Paulo Merêa, História e Direito, I, Coimbra, 1967. CNP – prof. doutor Damião Peres, Como Nasceu Portugal, 6ª edição, Porto, 1967 (apenas para o cap. V deste estudo). HS – López Ferreiro, Historia de la Iglesia de Santiago. DC – Portugalie Monumenta Historica-Diplomata et Chartae. PMH – S (PMH-SS), PMH-I, PMH-L – Portugalia Monumenta-Scriptores, Id. – Inquisitiones, Id. – Leges et Consuetudines. DC – PMH Diplomata et Chartae. DP – DMP Documentos Particulares, vol. III. DR – DMP, Documentos Régios, vol. I. LF – Liber Fidei. ES – Espanha Sagrada. ML – Monarquia Lusitana.

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I

RESTAURAÇÃO DE PORTUCALE CONDAL

(1094)

No quarto capítulo da sua obra, aquele em que a remodelação foi «completa» e em que o meu estudo é citado sem contestações expressas e, algumas vezes, com aceitação sobre os problemas fundamentais, principia o prof. Paulo Merêa por escrever depois de lembrar a «notável alteração» que sofreu «nos últimos anos do séc. XI a fisionomia administrativa do Noroeste peninsular», pela «entrada em cena de Raimundo e Henrique»: «A Raimundo foi entregue, provavelmente, em 1093, o governo superior de toda a Galiza, com inclusão de Portugale e Coimbra. Quanto a D. Henrique, o início do seu governo fixa-se geralmente em 1095, mas o caso não foi ainda, segundo creio, perfeitamente esclarecido» (PM 43). Embora o ilustre historiador não ventile o caso do primeiro, aliás expresso sob dúvida, continuo convicto de que não de que não há qualquer razão para se escrever que a sua administração se iniciou e 1093. Deste

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ano, apenas consta de direto ter-lhe sido dado o governo da nova província de Santarém, recém libertada (Chon. Goth. PMH-SS 11). Ora o facto pode representar somente uma natural ampliação dos seus domínios. Pelo contrário, há os múltiplos depoimentos da sua sucessão imediata ao conde Sisnando, na província de Conimbria (1091): DC 699, 815 e 852; há, ainda, a informação de sensível anterioridade, pelo DC 888; há, enfim, notícias da sua presença na Península a partir de 1087 (ES16 Ap. 21). Não é crível que durante tantos anos de serviços, sob recomendação constante de Cluni, Raimundo não obtivesse uma situação de mando. Por isso mesmo, tenho por muito natural que o rei lhe desse o governo da «Galiza» até ao Douro bastante antes de 1090, o que nem a falta de uma indicação direta invalidaria, porque muitas vezes se citam nomes sem discriminar cargos; que em 1091, pela morte de Sisnando, se prolongasse o seu governo para sul (província de Conimbria); e que, em 1093, com a conquista da bacia tejana à direita, o mesmo sucedesse com a nova província de Santarém (AF 165-172). Veja-se o cap. V, nota C). Ousarei mesmo acrescentar que os prepósitos de Raimundo, em cada uma das três províncias ao sul do Minho, podem ter sido indicação dele ao sogro (AfonsoVI) para o cargo, senão mesmo designação independente da sua: Soeiro Mendes, em Santarém; Martim Moniz, em Coimbra; Henrique de Borgonha, seu primo, em Portugale, tanto mais que Paio Guterres foi desviado, sem a menor dúvida, do seu cargo de vicarius regis, cargo em que não surge mais. Quanto a D. Henrique, tenho, porém, outra opinião, que adiante reporei.

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Lembrarei também que, à minha observação de que o DC 914 «mais nos confirma que a autoridade de D. Henrique é anterior em Portugale a 1095» (AF 191), aquiesceu o prof. Paulo Merêa; «parece efetivamente inculcar que D. Henrique exercia autoridade ao sul do Minho bastante antes de 1095» (PM 44). No entanto, sem pôr de lado esta minha conclusão, abandonou-a para repor a velha tese de que a «terra portugalense» foi concedida em 1095» (PM 47). Assim era necessário, se entendia dever mantê-la mesmo através de uma visão «completamente remodelada» (PM 43). Essa concessão arrasta consigo o problema da sujeição ou não sujeição inicial de Henrique a Raimundo e que eu concluí pela dependência. Por isso mesmo, pelo que fica exposto e pelo que vai expor-se, farei aqui com o conde Henrique o que no estudo anterior fiz com o conde Raimundo (AF 178-180): alinhar as notícias do seu governo inicial com as últimas deste ao sul do Minho. - 1095, agosto: Raimundo «in Gallecie e tis Sanctaren» (ES40 189). Não se podem excetuar as províncias de Portugale e Conimbria, que se subentendem na «Galiza». Esta, do séc. IX para o X, era já considerada todo o domínio cristão ao noroeste, à medida do avanço da libertação neste litoral: DC 37. No entanto, também se entendia ser a Galiza apenas para o norte do Douro (DC 500), o que nada vale, historicamente, para este período, dado que apenas reflete uma tradição erudita (o conhecimento da divisão da Galécia e da Lusitânia naquele rio). Considerava-se ainda a Galiza, como hoje, apenas ao norte do Minho

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(DC 76), mas em senso estrito, para se distinguir a fração portugalense, que, como sabemos, tinha já uma individualidade própria, tanto mais que se trata de um documento da condessa Mumadona, que governava o condado, com os seus descendentes imediatos. - 1095, dezembro: Raimundo «totius Gallecie senior et dominus» (doc. na Hist.de Sant., III 7). É evidente o sentido extenso de «Galiza», abrangendo a própria ampliação santarena, recente, de acordo com o que atrás expus. Claro está que um tal título não pode ser grato à tese da independência de D. Henrique. Por isso mesmo é que o prof. P. Merêa minimiza o seu significado: aquele título geral «é pouco demonstrativo, visto que Raimundo ainda assim se intitula muitas vezes, a par de D. Henrique conde de Portugal, numa época em que a autoridade deste não pode ser posta em dúvida» (PM 46). Não conheço caso algum posterior; mas, se os houvesse, teriam o valor deste e reforçá-lo-iam. Pelo contrário, creio-o demonstrativo: D. Raimundo nunca abdicou de um direito que de facto lhe escapava das mãos; e aquele título, em 1095, deve ser uma enfática afirmação desse direito, contra a possibilidade de alguma circunstância que pudesse então diminuí-lo, ou vir mesmo a eliminá-lo praticamente. Perguntarei, pois, se, no fundo, não estará o famoso e ainda não convenientemente explicado «pacto sucessório». Pelo menos, outro convénio, que reputo, porém, menos crível. - 1095, ou 1094, dezembro, «in Colimbria comes Henricus« (doc. na Mon. Lus. III L. 8 c, 8).

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É um documento que, conforme inferioriza o significado do anterior, o prof. P. Merêa põe de parte, como duvidoso, mas unicamente por se não adequar com a sua tese (PM 48 e 49). Nenhum historiador desconfiou dele. O prof. D. Peres, por exemplo, admite-o em pleno (Como Nasceu Portugal3, p. 62, e foi sempre reputado o primeiro documento que nos resta hoje do governo de D. Henrique. 1096, agosto: «in Colimbria Regismundo» (DC 834). É o documento precioso que eu reabilitei, contra a excomunhão a que fora votada pelos três maiores historiadores da atualidade: o prof. D. Peres, autor da sua expulsão da cena histórica, o prof. T. Soares, no seu seguimento, e o prof. P. Merêa, como este mesmo confessa (PM 47), - e todos porque não convinha à sua tese da independência de D. Henrique. Para mostrar de quão firmes se julgavam na sua doutrina aqueles historiadores e da decisão com que arredavam um documento que a derruiria ou obrigaria a alterar (o que pode, pois, suceder com outros dados, como o de dezembro de 1095), basta recordar o que o prof. D. Peres escreveu a respeito de Gonzaga de Azevedo, por este haver utilizado o DC 834 na sua tese de sujeição, que ouso repor: «é de crer que o seu autor o não subscreveria hoje, se fosse ainda vivo e lesse o que escrevemos a respeito do documento de agosto de 1096», etc. (Ob. cit. pp.61-62). O que G. de Azevedo faria era o que eu fiz: mostrar que o DC 834 não é apócrifo, conclusão a que o prof. P. Merêa houve de aquiescer e de que resultou, bem como de outros elementos constantes do meu trabalho, ter de dar à sua tese nova feição

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(PM 46-49). (Ver CNP 67, posterior ao que aqui digo). - 1096: Henrique «in Portugale et in Coimbria» (ES36 232). Da simples vista destes fidedignos documentos, ressalta a alternância aparente dos dois primos no governo dos mesmos territórios. A verdade, porém, não é que se andassem constantemente substituindo: a autoridade de um é que se sujeitava à do outro. Não parece justificado transformar uma situação tão clara, para a adaptar a uma tese com que se não harmoniza e se encontra em vias de destruição. 

Desde que mostrei que Raimundo governava ao sul do Douro ainda em agosto de 1096 (DC 834, que reabilitei para a História) e que Henrique tinha autoridade ao norte do mesmo rio bastante antes de 1095 (DC 914), o que tudo o prof. P. Merêa aceita (PM 47-48 e 44), ficou o ilustre historiador num dilema. Ele próprio o define deste modo: «Temos, pois, que admitir uma de duas coisas: ou que ainda posteriormente a 1095 a autoridade de D. Henrique foi por algum tempo considerada subordinada ao governo geral da Galiza, ou que a «terra portucalense» concedida a D. Henrique se limitava ao território entre o Minho e o Douro» (PM 47). A matéria destas duas alternativas já está contida no meu trabalho anterior, como o está também tudo o que o ilustre historiador deduziu relativamente a ela. Posso, de facto, afirmar que, não obs-

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tante tratar-se de pontos da total remodelação do seu estudo, nada contêm de original, dado que os propus eu primeiro, independentemente de serem aceites, repelidos ou mesmo modificados. Referir-me-ei a eles, como convém, por sua ordem, a cada qual em sua alínea.

a) A primeira alternativa, ou seja, a subordinação inicial de Henrique a Raimundo, foi mesmo a minha tese (AF 180-182 e 192-194). Aliás numa reposição, tendo os outros autores passados desditos nela sem motivo e com equívocos na apreciação dos documentos e circunstâncias; mas o mestre é o primeiro a reconhecer que eu repus e «sustentei sob uma forma original». (PM 44). Não obstante, «afigura-se-lhe de aceitação difícil, porque a subordinação de D. Henrique ao primo seria incompatível com a vassalagem a Afonso VI» (PM 47. O prof. P. Merêa tem sido o nosso mais ilustre historiador das instituições vassálicas; mas difícil não significa impossível. Era demasiado vizinha a França, verídica mater do feudalismo, e demasiado estreitas as relações entre os dois estados, para que a influência se não desse. De resto, seria descabido um critério de feudalidade pura. Ora o vínculo e obrigações entre vassalo e suserano podiam não ser imediatos ou diretos; e não só o não serem, mas, sendo-o, deixarem de o ser. Seria exequível uma translação ou deslocamento dos laços vassálicos e, assim, passaria a vassalagem de D. Henrique ao rei ser imediata a Raimundo e indireta àquele? Não repugnará este homagium entre os dois primos, atendendo a que eles próprios

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«outro» estabeleceram entre si, por um pacto, embora secreto (DR 2), respeitante, como penso, a territórios de Henrique diferentes de Portugale. Ve-lo-emos já adiante e (voltarei ao assunto no cap, V). De resto, como o prof. P. Merêa considera um «governo geral» da Galiza, de Raimundo, desde 1095, a questão vassalática relativamente ao rei não deverá, porventura, entrar na discussão. Aceitando aquelas datas (o que, evidentemente, não faço senão para esta hipótese), de duas uma: ou o rei desmembrou Portugale (Minho-Douro) daquele governo geral, nomeando para o governo Henrique ou pelo primo para aquela província, sem a separação na Galiza. Se o foi pelo rei com separação –o que não se prova -, o problema desaparece e, com ele, o dilema em que se viu colocado o prof. P. Merêa, pois que nesse caso não havia subordinação. Ora, como não se prova, impõem-se esse dilema, apesar de tudo, e caímos na segunda daquelas alternativas. A tese da independência foca logo irremediavelmente perdida. Mas nem para essa solução me inclino, porque, quanto a mim, Henrique já governava em Portugale fernandino antes da ascensão de Raimundo ao governo geral, mesmo aceitando para ela o ano de 1093, com que ousei já não concordar (ver o cap. V, nota C). Dada esta discordância, apenas uma conciliação encontro: já antes de 1090, foi Raimundo nomeado para a Galiza (ao norte do Douro), e ou ele ou o soberano colocou Henrique, como seu prepósito, na província portugalense desse governo geral, que, em 1091, se ampliaria com Conimbria e, em, 1093, com Santarém (Cap. V, nota C).

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b) A segunda alternativa no dilema da tese do prof. P. Merêa, ou seja, Henrique governar de início somente do Minho ao Douro, a primeira concessão de duas que o mestre foi levado, pelo meu trabalho, a supor (PM 47 e 49), deixa, pois, de ter caráter dilemático. É, afinal, a minha própria tese. Fui eu, de facto, o primeiro autor a estabelecer que a «terra portugalense» concedida a D. Henrique foi apenas a região entre aqueles rios, só mais tarde obtendo a outra, para sul (AF 163-176 e 187-1959; e, mais, que essa terra foi a única sua hereditas por ou para casamento. A diferença parece-me estar apenas em que, enquanto eu considero Henrique de início um propósito ou vicarius, como o havia sido o antecessor, Paio Guterres, até ao momento dessa concessão de hereditas, r subordinado ao primo, o prof. P. Merêa, baseado naquela minha dedução, como é fácil de ver, repele tanto esta subordinação – o que estamos a discutir – como tal vicariato portugalense.

c) A razão desta última discordância comigo está no facto de o mestre reputar o governo henriquino em Portugale (Minho-Douro) uma concessão régia, para ou por efeito de consórcio. Mas até neste ponto a ideia pertence ao meu estudo anterior. Foi só agora que o eminente historiador deixou de separar os dois factos: casamento e concessão régia. Se bem que lembrando que a outros «não repugnou» separação total, declara que, «ao modificar neste ponto a sua opinião, teve presentes as considerações feitas a este respeito por mim, sem aliás aceitar todas as minhas afirmações» (PM 47-48).

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De facto, creio ter mostrado que a hereditas deve ligarse ao consórcio; e aquilo com que o ilustre historiador não concorda há-de ser apenas um governo anterior de D. Henrique.

d) Voltando à questão de Portugale (Minho-Douro) como governo único daquele, governo esse que eu propus e o prof. P. Merêa secundou, é também para notar que este ilustre historiador achou que um tal facto «concorda admiravelmente com a circunstância de não haver indício expresso do domínio de Raimundo entre o Minho e o Douro depois de 1094» (PM 48). Mas, embora me não cite, tratase ainda aqui de uma circunstância que eu próprio havia já notado e posto em relevo, pela primeira vez: «em 1095 e 1096 ainda o conde Raimundo governa em território hoje português: mas, facto estranho e sintomático, em Portugale é que nunca se fala, pelo menos após o casamento do primo com a bastarda real Teresa: fins de 1094, o mais tardar» (AF 174). De facto, depois desta data, nunca o conde Raimundo nomeia Portugale – e, no entanto, ainda em agosto desse ano (1094) se lhe referia «dominante Colimbria er Portugale» (DC 810). O próprio prof. P. Merêia aceitou a minha conclusão de um governo de D. Henrique em Portugale «bastante antes» de 1095 (PM 44). Esse «bastante antes» sejam ao menos dois anos: aí temos o governo henriquino em Portugale (visto que Raimundo nunca mais se intitula nesta província) e, o que é mais, sem a menor dúvida, antes do casamento. Eis uma nova via de conclusão que eu, por

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outras, tinha atingido: D. Henrique recebeu, primeiro, o governo de Portugale (Minho-Douro), sem hereditas, isto é, em tenência ou lugar tenência, mas só o casamento lhe trouxe essas hereditas portugalences. Apenas assim se explica satisfatoriamente aquela nova situação, que se ausculta no silêncio raimundino. Isto, porém, não alterava a subordinação de Henrique a Raimundo: a hereditas fazia dele somente um novo, ainda que principesco, proprietário, que, por isso mesmo, devia buscar todos os ensejos de sacudir um homagium que, embora tomado livremente, lhe seria odioso.

e) A possibilidade de um homagium voluntário, que admito para os territórios do Douro ao Tejo, leva-me a ousar um exame da nova tese do prof. P. Merêa: «o mais possível é que os distritos ao sul do Douro só tenham sido acrescentados aos da primitiva concessão em agosto ou setembro de 1096, certamente em recompensa dos serviços prestados por D. Henrique na luta contra os Almorávidas» (PM 49). É uma posição nova do ilustre historiador, que, assim, encara uma formação do domínio henriquino por duas vezes, considerando o entre Douro e Tejo uma segunda aquisição. Mas, esta ideia de dupla obtenção já pertence ao meu trabalho anterior (antes do qual não surge no do mestre nem no de ninguém, pelo que é, pois, originalmente minha), havendo apenas esta diferença, de resto profunda: para mim, a segunda o resultado de um convénio entre os dois primos (o que propus no primeiro estudo, AF 187, sem me lembrar sequer o famoso

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«pacto sucessório»); para o prof. P. Merêa, uma nova concessão real.  Aquele ponto de vista de uma segunda concessão régia parece-me, com o maior respeito, muito fraco, por múltiplos motivos:

a) O primeiro está na própria explicação que se lhe dá: recompensa de serviços prestados na guerra contra os Almorávidas. Não há dúvida de que se trata de uma velha explicação, refúgio de sempre em todas estas dificuldades. Além de demasiado subjetiva, torna-se muito singular, dado que também Raimundo não podia ter sido estranho a essa luta (à aventura, por guerras e política, veio ele, com o primo, para a Península). Assim, em vez de ser premiado, igualmente o devendo merecer, recebia o gravíssimo prejuízo (ou coisa pior) da perda do vastíssimo território desde o Douro ao Tejo, tão pouco antes recebido (se fôssemos aceitar a data de 1093) e com que seu primo ficava senhoriando uma extensão certamente dupla da sua. Ora um pacto entre Henrique e o «senior et dominus totius Gallecie» explicaria tudo isto melhor.

b) A minha reabilitação do DC 834 e outras conclusões que tirei levaram o ilustre historiador para manter a tese da não sujeição henriquina, a marcar para essa segunda concessão o extremo espaço a que essa tese se viu reduzida: agostosetembro de 1096. O termo a quo (agosto) fornece-o

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o dito diploma DC 834; e o termo ad quem (setembro) o doc. ES25232. É uma compressão de tempo inadmissível. Uns acanhados dias – eis quanto restou, por força da minha, à tese vigente, que não pode sobreviver neles. E que se julgaria, ou se constituiria, se aqueles dois marcos temporais se não têm conservado?

c) Ora foi precisamente por ter chegado a tal conclusão que o prof. P. Merêa lançou a suspeita sobre o doc. Mon. Lus. III L. 8 c. 8, dezembro de 1095, que mostra Henrique já em Coimbra (onde, - facto bem sintomático de que não houve tal segunda concessão régia e de que Henrique era subalterno de Raimundo -, ainda em 1096 este nos aparece como imperante). Não há a mínima razão para tal suspeita: esta nasceu de o documento não se harmonizar com uma tese arruinada. Bem caluniado era o DC 384 e, no entanto, mostrarei o que ele valia; e viram-se os resultados a que o facto levou: essa mesma ruina, que tal pode chamar-se-lhe.

d) Os historiadores, todos eles seguindo a tese da independência, falam num «governo-geral da Galiza» (prof. D. Peres, ob. cit. p. 56; PM 47; etc), dado a Raimundo em 1093 e compreendendo, portanto, Portugale, com que ficaram sob sua autoridade vários tenentes até então subordinados diretamente à coroa» (PM 43, reproduzindo uma aliás muito fácil opinião do prof. D. Peres). Ora tudo indica que, ao tempo, já D. Henrique governava Portugale (PM 44 «bastante antes de 1095», no que seguia a minha dedução, embora dela logo se esque-

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cesse) e podia ser bem um desses tenentes (tendo outros, os das simples «terras» subordinados a ele). O facto, pelo menos em parte, até deverá solucionar a dificuldade vassálica apontada pelo prof. P. Merêa (PM 47) e que ousei não julgar impeditiva.

e) Poderei, no entanto, apontar ainda uma dificuldade à tese da independência henriquina no seu governo inicial, agora reduzido, por força do meu trabalho, a Portugale, (Douro-Minho): é que, se Raimundo não tivesse aqui autoridade, ficariam fragmentados os seus domínios em duas partes, isto é, sem continuidade territorial. Poderá dizer-se que a ligação da parte note com a parte sul se faria pela banda oriental, mas não me parece possível uma tal ideia resistir a um estudo atento da divisão administrativa naquela mesma região. Não há dúvida que Portugale atingia o Tua inferior: basta o foral de Panóias em 1096 por D. Henrique. O termo de Panóias (a que a carta, evidentemente, respeita, como em todos os casos, embora não discrimine limites), tendo a cabeça em Constantim (DR 3), dilatava-se, indubitavelmente, até àquele rio e o Douro. Para além, não era já Portugale, mas também não era «Galiza». Disto não poderá haver dúvidas. A região que lhe fica ao norte, Chaves-Montenegro, não pertencia a Portugale (como é sabido, PM 40). Um documento de 1100, que se lhe refere, parece atribuí-la à província de Samora, o que é muito natural (LF 410). Pelo menos nessa província

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se inclina o território para oriente do Tua, o que representa o mesmo. Note-se que nele se cita «mandante Zamora ille comité domnus Reimundus»: ora, se se tratasse da zona da Galiza raimundina, não seria preciso que se invocasse a tenência deste em Samora, que nada tinha com a Galiza, mas aludir-se-ia antes ao domínio da Galiza toda. Deve notar-se que Raimundo tinha várias tenências, sem embargo do domínio da Galiza, o que sucedia analogamente com D. Henrique: (PM 45). Portanto, ficaria a parte norte separada da parte sul (ao sul do Douro) pela província de Samora, estendida indubitavelmente até ao Tua e compreendendo talvez Chaves. Se não fosse a de Samora, seria outra: Galiza ou Portugale é que não. Mas não vemos qual pudesse ser, senão, pois, Samora.

f) Uma tal circunstância, por si só, parecer-me decidir de uma subordinação inicial. Mas perguntarei também que necessidade teria o soberano, se assim não fosse, de desconjuntar o domínio do genro, ou o «governo-geral» da Galiza, subtraindo-se-lhe totalmente o território portugalense, do Minho até ao Douro. Não se dirá que D. Henrique, se estranho antes ao governo dele, tinha especiais interesses nessa província, para lhe ser assim dada no casamento com Teresa: para eles, essa ou outra valia nesse caso o mesmo. A razão é diferente: Henrique governava já nela, antes do seu consórcio na casa real, antes mesmo da ereção do «governo-geral» raimundino; havia, pois, criado aí, entretanto, interesses, e até auscultado um sentimento de independência que lhe faria prever possível um domínio

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inteiramente seu, no futuro (sentimento esse criado durante a época condal, até 1044, do que não discordará o ilustre mestre, pelo que diz acerca da linhagem dos condes de Portugal, PM 29-31; e, em resultado, a concessão da hereditas no casamento, pode ter obedecido talvez a uma preferência, por ele manifestada, perante o sogro. (Aproveitando uma oportunidade tipográfica, enunciarei dois pontos da crítica do prof. D. Peres sobre o meu trabalho anterior, embora eu lhe dedique o cap. V deste.

a) «A tese de que o conde Henrique senhoreou o território Portucale desde os começos de 1095, ou mesmo já desde os últimos meses de 1095, ou mesmo desde os últimos meses de 1094, portanto no tempo em que o governo de terras hoje portuguesas estava entregue ao conde Raimundo, voltou recentemente a ter defensores, perfilhando-a Almeida Fernandes e Paulo Merêa, embora em condições diferentes»: CNP6 70-71. Realmente, eu proponho a subalternidade, ao contrário dos dois mestres; e àquelas palavras faz o prof. D. Peres seguir algumas páginas de crítica: Ib. 71-74.

b) Tratando-se dos docs. ML 8-Dez. 1095 (?) e DC 834Ag. 1096, respetivamente com o conde D. Raimundo em Coimbra, havia o prof. D. Peres escrito do segundo: «Dois autores, Almeida Fernandes e Paulo Merêa, o invocam como testemunho atendível», CNP 66, embora em sentidos diferentes: eu, como prova de subalternidade; e o prof. P. Merêa, para excluir o primeiro, ao contrá-

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rio do que entende o prof. D. Peres. E segue-se a crítica deste, Ib. 66-70, queixando-se do modo impertinente que usei, p. 67, no que tem inteira razão, sem o eu ter feito por mal. O desencontro documental dos dois mestres justifica a minha contrariedade frontal às suas teses). 

A nova situação criada pelo casamento, do qual resultou a propriedade portugalense em Henrique e Teresa, explica que Raimundo evite falar expressamente de Portugale em seus títulos: o mais que faz é declarar-se «senhor de toda a Galiza». No entanto, a província, passando a propriedade do primo, continuava-lhe subordinada administrativamente. Mas essa mesma nova situação devia implicar por si uma atração das províncias do sul (Conimbria e Santarém), exercida por Portugale, se não melhor pelos dois ambiciosos casados, Henrique e Teresa. Como vimos, sentiu-se o prof. P. Merêa na necessidade de supor uma segunda concessão abrangendo essas províncias meridionais; mas eu mesmo cheguei a concluí-la no primeiro estudo: «a maneira como a obteve (D. Henrique) não é clara, mas nem por isso deixa de ser real. Talvez convénio entre os dois primos, comprometendo-se um a acatar a autoridade do outro» (AF 187). A diferença está em que o ilustre historiador considera do rei essa segunda concessão, o que já

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vimos não parecer admissível. Quando pensei em convénio entre os dois, nem sequer subconscientemente me guiava a ideia do famoso «pacto sucessório», a que se dá hoje a data crítica de 1095-1107 (Dr. Rui de Azevedo, DR I2 547-553). Em estudo posterior (Arouca na Idade Média, pp.261-262), por dados análogos aos deste, cheguei a concluir que esse pacto se realizou entre 1093 e 1095. Não devo repetir-me mas posso notar que as circunstâncias, por vezes estranhas ou inexplicáveis, posteriores àqueles anos, se explicariam cabalmente fixando o pacto naquele curto período. Essas mesmas circunstâncias poderão, em tais condições, considerarse um indício de que se realizou então: - A aparente alternância de Raimundo e Henrique na administração das mesmas províncias: um deles sob homagium prestado ao outro. O próprio título raimundino «totius Galliciae senior et dominus», que o prof. P. Merêa tem por «pouco demonstrativo» (PM 46), quadra bem a uma tal situação: «de me habeas domino», isto é, tendo D. Henrique a Raimundo como senhor «sis inde meus homo», como no pacto se estabelece. O homagium concertado devia diferir da província ao norte do Douro para as do sul, porque aquela tornara-se hereditas de D. Henrique, por casamento. O pacto não lhe respeitou, mas apenas às outras, que não ficavam, por isso, sendo hereditas sua. (Um curto parêntese, correspondendo a alguma natural interrogação que, neste ponto, poderá pairar no espírito de um historiador. Se ao objeto destas notas pertencesse o problema da nossa formação territorial, aquela questão deveria levantar a da

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entrada das províncias sul-durienses no domínio henriquinoteresiano, em igualdade com a de Portugale, que havia sido hereditas. Para mim, o seu fator essencial foi a atuação bélicopolítica de Henrique e Teresa, juntos e sucessivamente, aproveitando a incerteza de quem seria o sucessor de Afonso VI e a desordem de cerca de dois ininterruptos decénios em que caiu o Estado leonês à morte do monarca. Estava assim propiciado um prático desmembramento a vontades tão ambiciosas como tenazes, que olhavam o sul muçulmano apenas defensivamente. Não foram gloriosos reconquistadores: foram sobretudo políticos. O seu interesse estava a leste. Essas províncias do sul entraram no seu domínio, tal como grandes fações das que se estendiam ao oriente, para lá do Barroso e do Tua e além do Távora e da Estrela. Facilitaram essa acessão fatores pessoais: a ligação dos seus mandantes – os chamados Bragançãos – à família teresiana, sendo eles quem dominava então vastas extensões, de ambas as partes do Douro. Facilitaram-na, unidos àqueles, fatores eclesiásticos: a entrada desses mesmos vastos territórios na diocese e na administração bracarense.) - A insistência de Raimundo em declarar-se «senhor de toda a Galiza», isto é, de todas as províncias que possuía e administrava. O próprio mestre põe em foco o facto, sobretudo por se tratar de uma época em que a autonomia de Henrique «não pode ser posta em dúvida» (PM 46). Por isso mesmo me parece incompreensível considerar um tal título «pouco demonstrativo». Ainda nos primeiros anos do séc.XII, ou praticamente até à morte do conde Raimundo, prova

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de que ele nunca cedeu no seu direito superior, se verifica a circunstância. Assim no-lo demonstram, por exemplo, dois documentos da região de Braga. Num deles (agosto de 1105), depois de referido Afonso VI como reinante em Toledo, lê-se «et duce Henrico Portugalensem tenente et Rauimundo duce Galiciam mandante» (DP 197). Há uma indicação hierárquica, conquanto desordenada: de outro modo, não se justificaria a alusão a Raimundo; e, além disso, embora a Henrique se dê ali o título de dux, a sua qualidade «portugalense» é tenens, limitação que põe em destaque frisante ser Raimundo o dux sem restrição de direito; o «tenente» (Henrique) subordina-se ao «mandante», embora duces ambos. O caso repete-se, ainda mais expressivamente (novembro de 1106): «Et qui ipsa terra imperabat comes Ramundus gener regis Adefonsus» (DP 223). Nem mesmo se cita D. Henrique, e não se dirá que houve troca. Além de singular um tal lapso, sucede que uma versão do documento não fez a «emenda» ou a substituição: preferiu eliminar. 

Umas palavras, a propósito, sobre o «pacto sucessório». Embora pudessem dispensar-se, será que um estudo mais feliz de outro autor, as torne, um dia, apropriadas. Convindo, pois, verificar se as cláusulas do pacto estão ou não de acordo com

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aquelas circunstâncias e as podem ou não explicar, é necessário transcrevê-las: «Et ego cimes Raymundus tibi comiti Henrico… Juro etiam quod post mortem regis Adephonsi me tibi datarum Toletum terranque totam subjacentem ei, totamque terram obtines modo a de concessão habeas tali pacto ut sis inde meus homo et de me habeas domino, et postquam illas tibi dedero dimitas mihi omnes terras de Leon et de Castela» (DR 2)

Depois da morte do rei Afonso, ser-te-á dado por mim Toledo, com todo o território que lhe é subjacente; e toda a terra que agora obténs por minha concessão, tê-la-ás à condição de seres meu vassalo e de me teres por senhor; e, depois, de tas dar, entregar-me-às todas as terras de Leão e Castela». Julgo dizer respeito a quatro terras este pacto:



Toletum terraque tota subjacens ei»;

2ª «tota terra quam obtinet (Henricus) modo concessa» (a Regimundo); 3ª

«terras de Leon et Castella»;



a Galiza.

Esta última é referida apenas no final: Raimundo dá-la-á a Henrique no caso de lhe não ser possível dar-lhe Toledo, com o respetivo país. Parece-me, geralmente, entender-se que primeiras, que aqui distingo, são uma só (Toledo,

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as

duas

com seu território). Sem querer afirmar, creio que nada pode demonstrá-lo. Se fossem uma única, justificar-se-iam duas alusões imediatas, pleonásticas? De resto, lá estará o plural «illas» para as distinguir: «postquam illas tibi dedero», diz Raimundo. Seria feminino o pronome se se referisse a «Toletum» e »terra»? Nada, igualmente, o pode garantir. Nem isto será preciso: bastará atender a que uma, Toledo, é simplesmente prometida, «promissa», enquanto que a outra é então concedida: «modo concessa». O emprego dos dois vocabulários parce-me bem distintivo de que são casos diferentes e, por isso, diferentes as «terras». É certo que são ambas reunidas num futuro,«tibi dedero»; mas poderá talvez significar que tal futuro, referindo-se à entrega, por D. Henrique a Raimundo, de certas terras de Leão e Castela (que trazia do rei como tenências, bastando pensar em Tordesilhas, 1096, PM 45), tem em vista não só a entrega de Toledo, por Raimundo, a Henrique, mas também confirmação para a terra agora concedida. Esta entrega e esta confirmação é que serão os atos do futuro. Imediatamente resulta também que a terra «modo concessa» não pode ser a Galiza; esta apenas é citada no final, para substituir Toledo. O que, no seu caso, se exige de Henrique é a ajuda a Raimundo na conquista de Leão e Castela, falecido Afonso VI. Para mim, essa «terra modo concessa» por Raimundo a Henrique, é a terra ou províncias de Conimbria e Santarém, que Henrique agregaria ao seu domínio e senhorio de Portugal, concedido pelo

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sogro. Não é preciso nem autorizado supor uma “segunda concessão” deste, o que já muitas outras circunstâncias me levaram a concluir. Parece-me, de facto, intencional o emprego das formas verbais: o futuro dedero, relativo à «terra» promissa (Toledo e seu território) como à «terra» concessa (para confirmação oportuna no novo estado de coisas); o presente habeas, respeitando apenas a esta e ligando-se ao advérbio de tempo presente modo. O facto de esta última se considerar em pacto secreto não significa que desde logo se não se efetivasse. Teria sido melhor por ela que Henrique se inclinou ao pacto de subalternidade, ele que, de resto, já era subalterno de Raimundo, por Portugale, pelo que seria fácil fica-lo, também, pelas províncias do sul -, mas sobretudo por influência de Cluny, e ainda por parentesco. Não faltam, de resto, outros indícios: - o pacto é um projeto de arranjo político-administrativo, para a sucessão a D. Afonso VI. Teria, pois, de mencionar-se nele, para fixar-se-lhe o destino, a terra atual de um dos pactuantes – o subalterno -, a qual era ao menos Portugale (Minho-Douro). Creio-a implícita na expressão «terra modo concessa», porque embora não fosse uma concessão original de Raimundo, formaria um todo com a do Douro ao Tejo, entregue por ele a Henrique, mas sob sua autoridade superior, o que lhe conferiria o caráter de uma verdadeira concessão sua (sobretudo pela sua confirmação à morte de Afonso VI). Raimundo, mesmo, ao receber «toda a Galiza», devia ter confirmado («concedido») Por-

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tugale ao primo, que já aí administraria, em minha tese (vicarius regis). -Citam-se, para mais, traçando-se-lhes o destino, «as terras de Leão e de Castela» trazidas ou por trazer por Henrique, que as entregará, no falecimento do rei. Quer se tratasse só de Portugale (Minho- Douro), na tese de pacto posterior a 1095 (contrária à minha), quer de Portugale-Colímbria-Santarém, na tese de um pacto anterior (a minha), essa terra teria de referirse também pela própria razão daquelas. Não se considerava incluída nestas, visto que, embora do reino leonês, nunca se lhe chamou Leão (e muito menos Castela). Parecem-me, pois, variados os motivos por que considero o conjunto daquelas três províncias a «terra modo concessa». Ficava, desde então, Henrique «dominante a flumine Mineo usque in Tagum», - como se diz num documento (aliás particular) de 1097 (DC 849), o que não significa apenas a partir de então. O pacto ter-se-ia concertado, pois, de 1093 para 1094, ou neste ano. Uma das grandes dificuldades de interpretação do pacto sucessório parece ter sido a de ele se tornar mais compreensível num tempo em que o infante D. Sancho já governasse Toledo. Portanto, depois de 1095. Toledo cita-se no pacto a dois propósitos: como futura concessão de Raimundo a Henrique e quanto ao seu «tesouro», que cada um promete repartir com o outro desde que o haja às mãos. Há, certamente, um projeto de conquista, na previsão de D. Urraca não vir a herdar o reino. O pacto é uma coligação de dois contra um. Para que o compreen

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damos, tanto mais que é um pacto sucessório, será realmente necessário atribuir-lhe uma época em que já o herdeiro estivesse investido no governo de Toledo? É bem de crer que nem mesmo seria necessário ser ele já nascido. Simplesmente se ele, ou outro, herdasse o reino, a única maneira de se cumprir o pacto e, pois, D. Henrique receber Toledo seria arrebatar-lho, pela guerra. Daí a especial citação desta cidade; nada teria com o caso governá-la ou não o infante (ainda um simples adolescente em 1108, quando morreu). A objeção do cardeal Saraiva, de que em 1’94 ainda Henrique não possuía um título para entrar num pacto sucessório, talvez se resolva tendo-se em conta que Henrique já estava casado com a filha do rei de 1094 para 1095, o que poderia ter-se dado com alguma anterioridade. Talvez bastasse mesmo o projeto desse casamento; e a própria euforia proveniente da fausta entrada dos dois primos na família real seria ainda o bastante para, sob a ação incontestável de Cluni, os dispor desde logo a um pacto contra um possível herdeiro da coroa leonesa diverso de D. Urraca. Além disso, o interesse e influência cluniacenses, a que se deve o pacto, eram mais fortes então que mais tarde. Longe de mim, porém, a pretensão de descobrir uma solução do problema do «pacto sucessório». Ponho unicamente uma hipótese e faço uma proposta. De resto, nem se trata de uma necessidade fundamental para a viabilidade de uma tese deste estudo, com que me arrependo quase de trazer este assunto para aqui.

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No final do capítulo seguinte, pelo qual se compreenderão melhor, mais algumas palavras direi sobre a tese deste: anterioridade administrativa de Henrique em 1095 e sua subordinação a Raimundo, a partir de certa data, - a da sua entrada no «governo geral« da «Galiza» (antes de 1093, como tudo me parece indicar). (Ver o cap. V, nota C).

(NOTA: Como os três seguintes, foi este o capítulo redigido antes de conhecidos por mim CNO, 6ª ed., e HD1, e publicado sem esse conhecimento. Naquelas obras, respetivamente, critica o prof. D. Peres ao prof. P. Merêa a sua adesão a certos aspetos da minha tese, e a mim com o mestre; e este, por tal motivo, em parte, e sobretudo, por uma intervenção do doutor Rui de Azevedo, põe de lado essa adesão e regressa à sua posição anterior a mim. A situação é estudada no cap. V, que, por isso, acrescentei). (Julho de 1966).

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II

PORTUGALE TRIUNVIRAL E «CONSULAR» (1044-1094)

Recuemos meio século, para melhor compreensão do exposto. Segundo o prof. P. Merêa, «o alargamento do sentido da palavra Portugal, até abranger regiões ao norte do rio Lima», data da segunda metade do séc. XI (PM 38). Em 1066, são, de facto, ditas no «território Portugal» as terras do vale do Vez, situação que não deveria ser recente, ao contrário do que alega o ilustre historiador. Podem ter-se perdido indicações mais antigas, e mostrá-lo-ei noutro trabalho. O «Portugal» daquele documento foi identificado, em 1957, por mim, a Portucale, em Valdevez, no art. «Vila Nova de Gaia» da chamada Enciclopédia Luso-Brasileira (vol. 35, p. 669); mas, muito pouco tempo depois, já eu entendia que Portucale era uma redução haplológica de Porto da Cale, e manifestava um parecer diverso no art. «Vilela» (vol. 37, p. 97), quanto à localização. Parecerá, pois, indevida a denúncia do meu efémero engano, pelo menos da maneira relevante

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por que a fez o prof. P. Merêa, apontando o meu nome para um artigo que não é assinado e chamando ao meu equívoco uma «interpretação infeliz» (PM 39), já emendada por outro autor, - o que só então fiquei sabendo. É por isso mais de admirar atendendo a que manifestei opinião já correta no meu próprio trabalho, a que o mestre tanto se refere. Portugale, em 1114 – disse eu nele -, «atingia o Minho desde pelo menos meio século antes» (AF 188), para o que tinha eu em vista o diploma de 1066; e «o mesmo nome coronímico Portugale aplicava-se propriamente ao território norte-duriense até ao Lima; já em meados do séc. XI atingia o Minho, doc., em L. Ferreiro, Hist. de Sant., II, ap. nº 97» (AF 173). Desta vez, nem faltei com a citação do documento sobre que me havia equivocado. De percalços desta natureza, não pode haver quem se considere isento e quem não tenha já padecido; mas lamento que sejam desculpados apenas às grandes reputações. (O mestre reconsiderou em HP 201). No mesmo ponto onde denunciava o meu equívoco, era o ilustre historiador levado a um equivalente: a localização de Lordelo do DP 196 em Celorico de Basto. Aqueles DP, p. 169, apontaram primeiro Felgueiras, interrogativamente e, depois, p. 464, Celorico, certamente pela freguesia de Ribas. Aquela «villa», porém, é situada «subtus mons Iegues discurrente ribulo Hurio», o que indica rio Douro, muito mais para norte (em Cabeceiras), isto é, «Rio de Huiro», onde também há Juguelhe, ant. Iugaeli (PMH Inq. 658), nome relacionável com

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Iegues, que talvez não seja forma correta. (A minha primeira ideia até foi de que se tratava de Lordelo do Ouro, Porto, o que vim a pôr de parte). Afirma ainda o ilustre mestre ter eu «urdido» a tese triunviral à custa dos documentos «já por ele selecionados em 1940» (PM 35, onde suponho que se refere à revista Portucale, XIII): isto é, não fiz investigação documental própria. A verdade é que eu não tinha reparado em tal seleção. Fiz o que faria qualquer autor independente: proceder por mim – e a tal ponto que chego à ousadia de não fazer fé no que os mais eminentes asseveram sobre os documentos que alegam, e ir verificar com os meus próprios olhos. E não tem sido inútil, como vimos (e veremos) nos casos do DC 834, com os profs. D. Peres, T. Soares e P. Merêa, como este mesmo confessa (PM 47-48); dos DC 138 e 311 e do DP 196 com o prof. P. Merêa (como vimos ou veremos ainda); e, também veremos, do DC 437 e LF 98 e 99 com o prof. Avelino Costa (AF 155); etc. Os documentos da referida seleção estão todos publicados há muito, e em obras que todos os meus trabalhos revelam ser muito minhas conhecidas. Forçoso era, pois, que a minha própria seleção viesse a coincidir com a do mestre, sem lhe dever, propriamente. Deixo estas necessárias considerações, cujo teor quezilento em nada me seduz, e passo a problemas mais importantes. 

A trama que «urdi» é a administração triunviral desde 1050 a 1065, segundo o prof. P. Merêa.

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Não são esses os limites que considerei. A primeira data não a reputei inicial: somente a primeira documentada (AF 191). Tive em vista 1044 (desaparecimento do último conde ou extinção do condado) e 1064, o ano da instauração da nova província conimbricense, de que fiz concomitante a da nova situação (univiral) em Portugale. Continuo a manter 1044, que a opinião do ilustre historiador eliminaria de fosse de 1047 o documento que alega (DC 311) e que mostra vivo o último conde. Na realidade, como verificaremos no capítulo seguinte, é de 1040. Quanto a 1064, substitui-la-ei por 1065, como em breve vamos ver. Àquela minha tese foi posta uma contrariedade única: a de serem apenas dois os documentos que restam a «assegurar a existência de um verdadeiro triunvirato» (PM 35, os de 1063 e de 1065. O primeiro (1063) refere-se aos três «gubernan(te)s terram portugalensem» (AF 155). São eles os mesmos do segundo, que eu supus também de 1063, data sob que, interrogativamente, foi inserido nos DC 437 (AF 154-155). O prof. P. Merêa, atendendo à sua publicação por Ferreiro, diz que a data certa é 1065 (PM 35); no entanto há uma terceira opinião, a de Frei A. Brandão, que aponta 1064 (Mons. Lus. – Crón. do Conde D. Henrique, p. 84, ed Civilização, 1944). Aceitarei, apesar disto, 1065. Realmente, são esses documentos (1063 e 1065) os de mais clara expressão triunviral, mas devida a circunstâncias muito especiais, que nos outros se não davam. Em 1063, de facto, tratava-se de nomear os membros do séquito régio, numa vinda do rei

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a Portugale: já se esperaria que tivesse de ser muito clara e expressa a alusão ao triunvirato administrativo desta província, pela sua própria «nobilitas et magna dignitas», que o diploma põe em foco. Em 1065, tratava-se de apontar os culpados de abuso de autoridade (o denunciante era o bispo de Compostela) e que eram eles mesmos, «sui (regis) egonomi de Portugali», o que exigiam em absoluto, se dissessem os seus nomes e a qualidade administrativa. Já os outros documentos que considerei estão em condições muito diferentes. A sua matéria não exigia a intervenção e nomeação dos três, e nem sequer do predominante (que, de facto, existia: um triunvirato com presidente e assessores, AF 151, 155, etc.): tratava-se de matéria judicial, em que bastava intervir um, podendo aliás fazêlo os três e mesmo outros. Como estes diplomas são menos claramente expressivos do regime triunviral, terei de conceder-lhes aqui um certo alongamento. Em 1050, como lembra o prof. P. Merêa, aparece «um simples infanção, Gomes Eitaz (sic) a exercer autoridade em terras de Guimarães sub imperio ipsius regi set ipsa regina» (PM 33-34). Considerei eu esse prócer o presidente de um triunvirato, do que discordam aquelas expressões do ilustre historiador. Mas a discordância parece-me originada de uma opinião que julgo inexata sobre a qualidade pessoal e sobre o território. A expressão «simples infanção» é sinónima de relativa insignificância, talvez de admirar por duas razões. A primeira, porque o prof. P. Merêa tam-

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bém chama infanção a outro personagem administrativo da época (PM 34), e, no entanto, a Chronica Gothorum apresentao como «vir illustris et magnae potentiae in toto Portugalli» (PMH-SS 10, referente a Mendo Gonçalves); e a segunda porque é deste mesmo tempo o concílio de Coiança, que indica os condes e os infanções como autoridades superiores nas províncias e «terras»: comités et infanciones imperantes terre» (PMH-SS 139). Em Portugale, não governavam já os condes: força era que se tratasse de infanções, mas de poderes que substituíam os daqueles. De notar que a expressão «imperantes terre» daquele concílio é a mesma sob que são designados indivíduos deste período que reputo chefes triunvirais: Gomes Eicaz, DC 376: «illa terra imperabat»; Godinho Viegas, LF 23; etc. Essa ou perfeitamente sinónima. Isto quanto à qualidade pessoal. Quanto ao território, não é possível supô-lo tão limitado como o das «terras de Guimarães» (que não se vê bem o que sejam) para Gomes Eicaz. Este prócer é um dos três «infanzones que erant in Portugale» em 1059 (DP 421), os quais compareceram neste ano na cúria régia, para um julgamento. Eram então apenas três as «terras» da província portugalense, para assim comparecerem apenas três infanções entre si independentes? Seria absurdo pensar em tal, porque esses pequenos distritos eram muito numerosos, e também não eram recentes. Não há qualquer razão para supor a comparência preferente desses três havendo outros. É que os não haveria mesmo.

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Faz-me isto crer que a «terra» de 1050 de gomes Eicaz, que «illa terra imperabat» (pelo que parece incompreensível que o mestre, tendo em vista este mesmo documento, fale em «terras», e, pior, «terras de Guimarães», PM 33-34 é, afinal, a Terra Portugalense; e, assim, administrava-a um triunvirato, presidido por ele, tendo por assessores Mendo Gonçalves e Godinho Viegas, que, mais tarde, viriam também à qualidade superior. Não faltam muitas mais razões para assim o concluir, as quais passo a expor. 

O documento de 1050 referido, DC 376, respeita a uma questão sobre terras da região vimaranense e cujo julgamento foi feito «in Jugarios», que não é em Terra de Guimarães, mas em Terra de Felgueiras. Temos nisto já uma ampliação, para o sul das «terras de Guimarães» que o prof. P. Merêa entende. Com Gomes Eicaz, que «illa terra imperabat», estão os mesmos dois que em 1059, como há pouco vimos, aparecem com ele constituindo o corpo dos três «infanzones que erant in Portugale» (Mendo Gonçalves e Godinho Viegas). Apesar de se não exprimir para eles neste documento tal qualidade, e de serem presentes muitos «alli filii benenatorum», indenominados (expressão que – deve notar-se – se segue também à menção dos três no diploma de 1059), não há dúvida de que a situação é a mesma nas duas datas. Não será inútil apontar este exemplo da falta de clareza de

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um como suprida pelo outro, para que o mesmo entendamos dos documentos claramente triunvirais (1063 e 1065, os únicos admitidos pelo Prof. P. Merêa) relativamente aos outros, menos claros e expressivos. Em 1052, foi julgada «in Vimaranes e tibi erat Gomize Egicaz» (LF 184), uma questão sobre prédios situados junto a Bracara e na qual estava interessada a antiga condessa de Portugal (Ilduara Mendes), então simplesmente particular. Podemos, pois, concluir uma autoridade daquele infanção agora prolongada até ao Cávado; e só por perda documental, portanto, é que não temos a prova direta de que se tratava de toda a «terra» portucalense. Reuniu-se o concilium judicial em Vimaranes, lugar do mosteiro local (DC 76, etc.), como poderia ter-se reunido noutro lugar. Não que fosse a residência daquele prócer. Mais fácil o seria Jugueiros, porque se trata do chefe da grande linhagem que viria a chamar-se «de Sousa» (Sousãos), Gomes Echígaz das linhagens e do DC 421 (cuja outra versão já reproduz Gomes Eicaz, isto é Gomes Egicaz). A ação legal fora instaurada por «maiorinos de rege domno Fredenando et de Gomize Egicaz» (LF 184), mas figura um apenas no julgamento, o mesmo meirinho da questão de 1050 (DC 376). O papel dos maiorini na de 1052 é o mesmo dos vicarii (três, como os infanções) na de 1059 (DC 421), pelo que julgo deverem eles identificar-se funcionalmente (com mais um indício para a doutrina de um triunvirato de illos infanzones

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que erant in Portugale», os imperantes da terra portugalense, AF 151-153). Todos os dados expostos talvez os não houvesse combinado o ilustre sábio por entender que Gomes Echígaz, Gomes Eicaz, Gomes Egicaz, são diferentes entre si e de Gomes Eitaz, nome que sempre aplicou, e aplica, àquele chefe de Portugale (PM 33; Portucale XIII 42); mas a verdade é que todos são um. Certo que havia os nomes Eita e Eica (indubitavelmente a evolução de Egica), mas é bem sabida a vulgaríssima confusão de t e c. Ora a forma Egicaz tira todas as dúvidas de se tratar de Eicaz. Basta comparar Gomes Egicaz, LF 184, com Gomes Eicaz, mal lido Eitaz, DC 376: as mesmas funções (até a mesma região portugalense: bacia do AveVizela), o mesmo meirinho (Paio Mides), etc. (Aproveito uma oportunidade tipográfica para notar que o mestre, que em PM 35, contra a minha tese, apenas admitia um triunvirato, principia, em HD 197, a achar indícios de outros, os mesmos que aponto. Ver cap. V, nota B). O caso de LF 23, de 1062, relativo a Godinho Viegas, que então «tenebat illa terra de Portugal de ille rex», é o mesmo, apenas mais claro quanto à «terra»; Portugale todo. Esse prócer havia sido colega de Gomes Eicaz, e deve tê-lo substituído na eminência. Com ele, confirmam apenas mais dois magnates laicos, e os três vêm juntos, imediatamente antes do rei: os dois devem ser os seus assessores. Se não considerássemos um triunvirato com Gomes Eicaz, e, depois, outro, com Godinho Viegas,

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teríamos de concluir que Fernando Magno havia reformado mais uma vez a administração de Portugale. Teria dado ao segundo toda a província, o que, crendo na tese examinada, não sucedia com o primeiro, que só governaria em «terras (sic) de Guimarães», PM 33, ou em «terras portugalenses» (Portucale XIII 42). E mais: logo no ano seguinte, 1063, em que surge o único triunvirato que o historiador tem como real, se havia instaurado nova alteração ou reforma. E não seriam estes os únicos casos de flutuação. Será muito possível crer que a administração fernandina em Portugale era assim imprecisa e hesitante? 

O DC 437, publicado ou referido como de 1063 (?), 1064 e 1065, deve ser, realmente, deste último ano. Tomá-lo-ei como exato, até porque necessário se me torna harmonizar com tal data a minha tese, a que liguei, no estudo anterior, 1063 e ainda 1064. Neste tempo, reputava eu, aproximadamente, simultâneas a criação da província «consular» de Colimbria, para Sisnando Davides, e a igualmente «consular» de Portugale, para Mendo Gonçalves. Com a pequena diferença de alguns meses, não me parece que a minha doutrina possa prejudicar-se por aí. Efetivamente, duas soluções se nos deparam:

1ª A província «consular» conimbricense teria sido criada logo após a libertação de Colimbria,

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com o território do Douro ao sul; mas a «consular» portugalense somente alguns meses depois, à roda de Março de 1065 (DC 437), pela extinção do regime triunviral por esta altura, e porque Mendo Gonçalves faleceria nos fins deste ano no gozo do seu documentado «magno poder em todo Portugale (PMH-SS 10).

2ª As duas províncias «consulares» teriam sido constituídas ambas cerca de Março de 1065, as duas, portanto, aproximadamente simultâneas. Que assim sucedesse a partir de julho de 1064 (conquista de Coimbra) é menos defensável. A primeira solução é, à primeira vista, a mais plausível, até porque diz o próprio cônsul Sisnando: «tempore illo quo serenissimus rex domnus Fernandus ego consul Sisnandus accepi ab illo potestatem» do Douro para o sul (DC 699). Todavia não faz qualquer afirmação sobre ter-lhe sido Colimbria entregue com esse território imediatamente após a conquista da cidade. Sisnando podia ter recebido primeiro esta, com seu distrito próprio ou vizinho (rodeado pelos dos Mouros, ao sul, e pelos de Montemor e Sena), e só algum tempo depois, por uma reforma administrativa, ligada ao caso portugalense, todo o território ao sul do Douro. Dos distritos desse território, os de Sena, Viseo e Lameco tinham sido conquistados sete anos atrás e, sem dúvida, receberam administradores próprios, e Sancta Maria, muito antes; Portugale, por sua vez, ainda devia manter-se em seu prolongamento do litoral ao sul do Douro, até à foz do Mondego.

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Não faltam factos e circunstâncias que no-lo podem dar a entender, com suficiente clareza:

a) Um deles é que, se a província colimbriense foi criada cerca de julho de 1064, uma tal alteração teria graves repercussões sobre Portugale, visto que, para entrar naquela, se lhe arrebatava todo o seu território do Douro ao Mondego final (até Montemor). Nestas condições, é bem mais natural que o rei, quando modificou a orgânica administrativa para a província do sul do Douro, a alterasse igualmente ao norte. Há, pois, nisto um não desprezível indício de simultaneidade. (Não discutimos aqui o seu tempo, mesmo aproximado).

b) Em 1064, o chefe triunviral Diogo Troitosendes aparece na autoridade de Sancta Maria (DO 549). Por outro lado, o triunvirato a que ele presidia, o único, por sinal, de que o prof. P. Merêa não duvida, vigora ainda em Portugal, aparentemente em março de 1065 (DC 437). Sendo assim, ainda Portugale se mantinha então na posse da sua extensão sul-duriense, e isto leva a considerar que a província «consular» sisnandina de Colimbria não estava por então constituída. Com efeito, o DC 549 descreve factos de 1064, decorrentes da própria libertação de Colimbria: «in ipso anno que Colimbria prehendevit regem (rei) domno Fredenando»; e as implicações inerentes levaram a uma intervenção real (a qual deve comparar-se com as em que intervieram os triunviratos a que me tenho referido), no sentido de inquirições. O monarca escolheu «qui exquirisent» nas autorida-

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des de Sancta Maria, nada menos que Troitosendes, o chefe de Portugal, seu filho: »dedit illos suos maiorinos Didacus Tructesendizi et filius suos Menendo Didazi qui illa terra imperabant». O mando do distrito podia andar repartido (DC 261), mas tudo indica que não é agora o caso: o pai é o chefe triunviral portugalense e o filho o tenente do distrito portugalense de Sancta Maria, a ele subordinado (se mesmo por ele não nomeado, tal o seu poder). (No estudo anterior, porque considerei de 1063 o DC 437, concluía eu do DC 549 uma transferência daquele prócer, por eliminação do triunvirato: AF 159-160). A transposição de 1063 para 1065, longe de prejudicar a minha doutrina, mais a consolida e a esclarece, em meu ver, embora elimine aquela interpretação). Parece, pois, claro que, estando já em Colimbria (cidade) em poder dos cristãos, ainda a sua província «consular» se não tinha instituído. A cidade estaria, pois, nas condições administrativas das vizinhas, Sena, Viseo e Lameco, embora governasse já Sisnando, certamente.

c) Do DC 549, colhe-se que o cônsul Sisnando veio a opor-se, de Diogo Troitosendes em Sancta Maria, efetuada após julho de 1064. Além de dever ter sido ele o inquiridor nomeado pelo rei, se já governava em Sancta Maria – o que não sucedeu -, por que razão é que, só mais tarde, impugnou aquela validade? Fê-lo, certamente, quando pôde, isto é, quando obteve a província, desde o Douro para o sul. O referido DC 549 estabelece mesmo uma com-

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traposição (tradicional) de Conimbria a Sancta Maria, quando diz que Sisnando, ao tempo dessa contrariedade já era «domino de tota Sancta Maria et Colimbria»- ora «Coimbra», no tempo de oposição sisnandina, era também Santa Maria. Se o diploma as distingue, isso apenas pode significar a diferença ao tempo da «exquiritio» de Diogo Troitosendes (já Coimbra conquistada). Tudo nos parece, pois, indicar a validade da segunda das soluções que enunciei: as duas províncias «consulares» teriam sido criadas à roda de março de 1065, com a eliminação do regime triunviral em Portugale. Nesta província, seria cada vez mais vivo o espírito separatista (a tragédia de Nuno Mendes, pouco posterior, o prova ainda), e os triúnviros eram poderosos: abusos de autoridade, nomeação de tenentes das «terras» ou maiorinos subalternos, etc. Fernando Magno desejou abater tal espírito, é certo que subtraiu a parte sul duriense, para Sisnando. Com isso, asseguraria o reino da Galiza, que certamente já o preocupava nesta ocasião, para seu filho Garcia. Antes de prosseguir, convém, à laia de parêntese, umas palavras sobre certos pormenores. Não há dúvida que Portugale, antes da conquista de Conímbria, se estendia pelo litoral, até Montemor. Não creio que este território, ao sul do Vouga final, se lhe não agregasse, não só porque lhe estava limítrofe (por Sancta Maria) e porque seria talvez reduzido de mais para província à parte, mas ainda porque o conquistador foi Gonçalo

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Trastamires, comes ou dux subordinado ao dux magnus de Portugale (Mendo Nunes), por quem administrava o distrito de Amaea ou Amaia, então muito vasto, ao norte do litoral do Douro (DC 273; PMH-SS 10), e que do dux magnus deveria ter recebidoa incumbência. É o pai de Mendo Gonçalves, que também foi dux daquele distrito (DC 387), membro do triunvirato presidido por Gomes Eicaz e, por fim, vicarius regis, segundo o considero, depois da extinção de Portugale triunviral, em 1064. Toda esta vasta extensão de Portugale ao sul do Douro (Sancta Maria-Montemor) lhe foi tirada para Conímbria; e esta grave amputação territorial, atentatória mesmo de uma tradição secular, deve ter sido naturalmente acompanhada de um alteração do regime administrativo portugalense, o qual se instituiria analogamente ao de Conímbria. Creio, além de tudo isto, não haver prova de que a província sisnandina foi formada imediatamente após a libertação daquela cidade. O próprio conde Sisnando refere que ela lhe foi concedida no tempo do rei Fernando (que não viveria mais ano e meio após a conquista), formada pelos territórios de Conímbria e de outros castelos e cidades, conquistados por aquele monarca (DC 699). Ora, se Conímbria foi libertada em 1064 (julho), as outras cidades (Sena Viseo, Lameco) haviamno sido já por ele em 1057; Montemor havia-o sido em 1034, e Sancta Maria mais de trinta anos antes. Continuo a relacionar a extinção do Portugale triunviral com a denúncia de abusos de autoridade do triunvirato, feita ao rei pelo bispo de Compostela. Esses abusos foram reprimidos talvez antes de Março

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de 1065, conquanto não muito, como se compreenderá; mas a repressão escrita só então apareceu, no sentido de defender os queixosos relativamente a outras autoridades portugalenses, como o vicarius regis estabelecido ou, por outro nome, maiorinos (superior), que eu entendo ter por então substituído o triunvirato:«non sit ausus noster maiorinos vel aliqua potestas» em Terra Portugalense (DC 437). Note-se como se alude apenas a um imperante único, o que parece uma perfeita demonstração do que eu havia concluído já, tanto mais que o testemunho do facto não pode ser mais autorizado: é o do próprio rei. Cessava o Portugal triunviral, com cerca de vinte anos de vigência. 

Não são apenas as expostas as razões se um Portugale triunviral, de 1044 a 165. De facto, não se conhece, neste período, um mandante que fosse indubitavelmente único em Portugale: são sempre vários. Por outro lado, se os «infanzones que erant in Portugale» fossem então independestes uns dos outros, estaria eliminada a individualidade autárquica ou a unidade provincial. A ideia que se faz do vicarius regis Paio Gueterres (PM 37, como veremos) exige essa eliminação, se bem que tal ideia parece alheia a uma tal consequência, segundo creio. Veremos tratar-se de uma ideia totalmente errónea. Ora esse administrador único surge em 1065: a administração portuguesa regressou nesse ano (por alturas de março) a mãos únicas. É o que

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eu chamei o Portugal vicarial, por ter à testa um vicarius regis ( o primeiro, Mendo Gonçaves, filho de Gonçalo Trastamires), ou «consular», pela natural analogia com Coimbra sisnandina. Mendo Gonçaves, em Portugale, e Sisnando Davides em Conimbria, equivaliam-se em poder (somente um deles morreria ainda nesse ano): «vir illustris et magnae potentiae in toto Portugalli», diz do primeiro uma crónica portugalense por excelência (Chron. Goth., PMH-SS 10); «deditque supradictus rex mihi supradictam terram ad… faciendum cunta quae Mihi visa fierint», diz de si próprio o segundo (DC 699). O prof. P. Merêa discorda da minha tese sobre Portugale de 1044 a 1094, principiando por contrariar que «só com a investidura de Sisnando no governo de Coimbra deve ter sido submetido, na administração do território ao norte do Douro, o sistema de administração triunviral pelo que eu denomino vicariato da terra portugalense» (PM 37). A razão da discordância é única: «aquele dos vicarii regis que exerceu o cargo por mais tempo, Paio Guterres, não foi um vigário da terra portugalense, mas sim um simples meirinho de Afonso VI no território de Braga, conforme mostra Avelino de J. da Costa no seu citado trabalho (O Bispo D. Pedro), tomo I, p. 240, sem que os documentos nºs 108, 607 e 612 do Liber Fidei, com que eu pretendi contraditá-lo, provem de modo algum que a autoridade de Paio Guterres se dilatasse até ao Douro» (PM 37). Não fiz a contradição com esses documentos

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apenas, mas, não menos importantes (mais até, em certo aspeto), com os nºs 98 e 99. Não anteciparei, porém, visto que passo a verificar a influência que pode ter na minha tese esta única contrariedade.

a) Em primeiro lugar, tanto mais que o Prof. P. Merêa invoca contra mim aquele autor, é preciso julgar da autoridade que estroutro possa ter nesta matéria, a que dou aspeto especial. Sobre o documento de 1065, de um triunvirato que nem o ilustre historiador pôde negar, escreveu aquele alegado autor o seguinte: «A vinda de novos contingentes de povoadores tinha forçosamente de provocar atritos com os já existentes. É o que testifica Fernando Magno em 1063 (?), afirmando que os representantes dos bispos de Compostela causavam conflitos nas terras e igrejas pertencentes a Santiago… ao introduzirem novos habitantes… » (ob. cit., I, 16). Esta interpretação é completamente errónea. Basta dar dois exemplos: - A introdução de «alii homines ad habitandum et populandum» não se refere aos tais representantes dos bispos de Compostela (nem podia, como adiante se verá), mas ao próprio «beatus Jacobus apostolus», isto é, o bispo e cabido, a sé, diretamente. O contexto é claro – e, de resto, se essa introdução se fazia «sub deffensione et tuicione episcoporum et clericorum Sancti Jacobi apostoli», ou seja, não só em várias épocas, mas também por mandado da catedral, como é que esses pretensos representantes dela se lhe iriam opor?

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- o melhor, ainda, é não se tratar de «representantes dos bispos de Compostela», mas dos triúnviros reais: «sui (regis) egonomi de Portugali», Diogo Troitosendis e seus assessores, os mesmos que o outro documento deste triunvirato (o de 1063) chama «nobilis et magnae dignitatis viros gubernantes terram portugalensem». Mostrei isto no primeiro estudo, embora com menos relevo (mas talvez mais aceradamente) , no que, porém, denota não ter reparado o ilustre mestre. De outro modo, jamais teria invocado contra mim nesta matéria, quem a conhecia tão deficiente, como parece. (Ver ainda o cap. V, nota B).

b) Baseado no mesmo autor, diz o prof. P. Merêa, contra o meu parecer, que Paio Guterres «não foi um vigário da terra portugamense, mas um simples meirinho de Afonso VI no território de Braga». (Convém notar, em defesa de um passo deste meu estudo, que também o ilustre historiador considera sinónimos maiorinos e vicarius, pois que vicarius se chama Paio Guterres. Mas não era a regra). - Paio Guterres foi, de facto, «vicarius regis» (LF 108 e 612), e a negativa reside em tê-lo sido da terra portugalense. O que nunca se lhe chama é o que lhe chama o prof. P. Merêa, isto é maiorinos regis. Ele, ao contrário, é que tinha meirinhos (como sucedia com os triunviratos): «vobis Pelagius Guterris… fuit vester maiorinos» (LF 98). - O autor invocado pelo mestre contra mim não o considera, como este quer, «meirinho de

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Afonso VI no território de Braga», mas seu «representante na diocese de Braga», o que é tudo muito diferente. De facto, a diocese era enormíssima: do mar ao Esla (território hoje espanhol) e das nascentes do Tâmega, passando por Chaves, até ao Lima e o Ave. Segundo o autor, em toda esta extensão é que Paio Guterres possuía a «representação» de Afonso VI. Os absurdos são vários, mas basta apontar dois: a parte oriental da diocese incluía-se na tenência ou província de Samora; além disso, seria necessário definir autarquicamente, dentro do reino leonês, um tal território diocesano, o de Braga, cuja parte ocidental, enfim, era da província de Portugale. Já nada diremos da extravagante extensão. O prof, P. Merêa deveria ter achado exagero falar-se em diocese, e daí mudar para «território» (que é, já se vê, entre Ave e Lima, apenas), o achado impreciso denominar «representante» Paio Guterres, e daí mudar para meirinho; mas talvez não quisesse por a nu o sentido de tais corretivos a um autor que ele próprio invocava contra a minha tese. Poderá ser mais aceitável que a minha uma doutrina que transforma a vastíssima diocese de Braga num vicariato régio (pois que o tal «representante» do rei era vicarius), sem que essa enorme extensão tenha a mínima tradição administrativa própria? Que faz talvez de Braga a sua sede, não o podendo ser, pois o era eclesiástica e, o que é mais, uma possessão, com seu arredor (o famoso «termo de Braga», da respetiva sé? (Sobre a impossibilidade, ver o meu estudo Ainda Ponte de

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Lima, pp.206-211, contra o mesmo autor, por sinal). Que desmembra não só a província de Samora, mas a de Portugale, pois que só uma parte dela, a do Lima ao Ave, era da diocese de Braga? Estas três perguntas envolvem outras tantas contrariedades, ou mesmo obstáculos. A terceira é a mais decisiva, porque Portugale, apesar de tudo, nunca perdeu a sua individualidade na administração. Com isto concorda o aparecimento de Paio Guterres administrando ao sul do Ave (o que há-de significar até ao Douro): já não era diocese bracarense, nem do território de Braga (AF 108 e 112). Nunca se encontra a menção de vicarii regis privativos do entre Douro e Ave, por exemplo, ou aí um simples indício de uma alta administração própria. E, no entanto, pela tese que se me opõe (Paio Guterres na «diocese» de Braga, Paio Guterres no «território» de Braga), deveria ela existir. c) Pior ainda: onde se encontra ao menos a menção de Paio Guterres fora de Portugale, para se poder atribuir-lhe a representação régia na «diocese» de Braga. Foi precisamente porque se lhe afigurou vê-la que o autor invocado contra mim pelo prof. Merêa concedeu àquele prócer a administração de toda a diocese. De facto, por um lado, Paio Guterres aparecia nos arredores de Braga, e isso na maioria dos casos; por outro, julgou aquele ilustre autor encontra-lo também nos arredores de Chaves, que já não eram em Portugale, mas eram na diocese de Braga. (Que não eram em Portugale até diz o próprio mestre,

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PM 40, pelo que também se não compreende que ele mesmo mude «diocese» para «território» de Braga, o qual aí não chegava,- a não ser que dê à palavra um sentido diocesano, o que me não parece). Fica esclarecida a origem da equívoca opinião. Esses documentos pretensamente flavienses são os LF 98 e 99, relativos à «villa» Rio Mau e a sua igreja de Santo Estrevão. O referido autor situou-as junto de Chaves (ob. cit., I, p. 240, e II, pp. 370 e 371), mas a verdade é diferente: cerca de Braga, perto do Cávado (freguesia de Palmeira). Houve confusão com Santo Estevão de Faiões, como já declarei no primeiro estudo (AF 164-165), embora, como se vê, inutilmente. (Ver cap. V, nota C).

d) Creio que o que acabo de desenvolver, além de esclarecer por si a questão, possui o mérito de restituir o valor que nela têm aos documentos que aleguei (AF 163-165) e que o prof. P. Merêa, através do que julgou sobre Paio Guterres o autor por ele invocado, lhes tirou: LF 271, autoridade daquele magnate ao norte do Cávado (o que a estende pelo menos até o Lima; mas creio que chegaria ao Minho, em cuja margem portucalense um neto homónimo possuiu solar e honras. PMH-I 357 e 367, bem como tenência, DR 142, e bens riba de Lima ao norte, DR 181 e 612, ao sul do Ave (certamente até ao Douro); e, além disso, a referência ao «territorii Portugalie», com o título de vicarius (LF 181 e 612), e a sua hierarquização nesse território com o rei, com o título de imperator (LF 607).

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Estes documentos valem por si mesmos; mas, quando a independência se lhes quisesse negar esse ponto, adquiri-la-iam pela ligação a todas as circunstâncias que ficaram expostas. 

Como já no final do anterior preveni, parece-me que o exposto neste capítulo permitirá uma compreensão melhor da minha tese desse, sobretudo no tocante à relação de D. Henrique com Paio Guterres. Este foi, quanto a mim, o antecessor daquele: ambos eles vicarii regis. Com isto concorda não ter Paio Guterres governado até ao fim da vida e, pelo contrário, aparecer nele subordinado a D. Henrique, como um dos que «sunt in Portugali», um dos «nostri palacii maiores» - diz Henrique, em 1097 (DC 866) – ou membro da «schola comitis». De resto, as contradições em que a tese contrária à minha cai são talvez a confirmação da sua viabilidade. Vale a pena, pois, mencioná-las esquematicamente. Embora o prof. P. Merêa continue a afirmar o início do governo henriquino em fins de 1095, a minha doutrina de anterioridade e subordinação sai reforçada, porque a sua tese, contrária, aceita da minha o seguinte: Um governo henriquino «bastante antes de 1095» (PM 44). Uma não separação de casamento e concessão da «hereditas» de Portugale, por mim demonstrada. O prof. P. Merêa, aceitando agora a ligação, junta-lhes ainda a autoridade; mas, neste caso, como

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o casamento, com que ela é concomitante, em seu entender, é já de 1094 pqrq 1095 (AF 188), o mesmo sucede com aquela (aliás anterior). Uma significação da autoridade de Henrique no silêncio sobre Portugale do título de Raimundo, desde 1094 (AF 174, PM 48). Não é possível deixar de apontar ainda a expressiva simultaneidade dos quatro seguintes factos: 1º

O casamento de Henrique com Teresa.

(Já casados de 1094 para 1095. Ainda que se provasse o seu carater apócrifo, o documento alegado por M. Pidal para 1092 assume toda a probabilidade. De resto, ele tem sobretudo contra si, como se nota no prof. D. Peres, Como Nasceu Portugal, p.65, uma tese que a não pode consentir, mas que nem por isso é mais válida). (Lamento que, nesta ocasião, me não seja possível um exame a essa notícia de «1092», presumivelmente mui valiosa à face da minha tese. Reservarei o estudo para nova oportunidade): 2º Simultâneos casamentos e hereditas de Portugale, o que eu estabeleci (AF 187-195). 3º O silêncio de Raimundo quanto a Portugale, significando, como mostrei, a autoridade de Henrique, e verificado de seguida a agosto de 1094 (DC 810). 4º A feição vaga do título reimundino «totius Galletie dominus», observável desde então (DC 813, fins de novembro de 1094, caso repetido em 1095, setembro).

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Ao contrário, pois, do que pretendeu o mestre, este me parece, pela coincidência com o aludido silêncio, um facto muito demonstrativo. A alternância (simplesmente aparente) dos dois primos no governo dos mesmos territórios, a qual, para mim, subalternidade de Henrique, verifica-se a partir dos fins de 1095 apenas porque se perderam os documentos anteriores e, sobretudo, porque Raimundo evitava desde 1094 citar Portugale. Pela concessão da hereditas, quedava esta província sob Henrique (que de muito antes a administrava vicarialmente) em condições diversas das de Coimbra e Santarém, por ele adquiridas. O detentor, a pouco e pouco, sobretudo por morte de Raimundo (1107) e do rei (1109), foi realizando nelas a igualdade com Portugale, embora não houvessem sido suas hereditates como esta província foi. Uma independência como de facto era já o bastante; e a existência de um pacto (que pode ter sido o sucessório) parece-me muito plausível quanto aquelas e Portugale.

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III

SUCESSÃO DOS CONDES DE PORTUGALE (888-1044)

Passemos agora ao estudo de Portugal condal, considerando primeiramente a época da Reconquista, para buscarmos, depois, as origens, no período suévico-visigótico. A regressão não deixa de ser vantajosa neste género de estudo. Dos «comites qui illos comissos tenuerunt» sobre a província portugalense desde Afonso I (LF 22) até 888, nada sabemos, nem sequer os seus nomes. Mais do que isto: constitui problema a própria sucessão do primeiro conhecido, Vímara Peres. No estudo anterior, excluí dela seu filho, conde Lucídio Vimaraniz. Continuarei a fazê-lo, não obstante a opinião, que eu então ignorava, do prof. E. Sáez. Segundo este historiador, «à sua morte, em 873», sucedeu ao conde Vímara, por outorga de Afonso iII, seu dito filho, «conjuntamente» com o conde Hermenegildo Guterres; morrendo este (que ainda vivia em 912), ter-lhe-ia sucedido seu neto Nuno Guterres, o qual continuou a governar ainda «conjuntamente» com o conde Lucílio; «e talvez então se encarregaria a Guterres Mendes a tenência

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de outra fação do mesmo território: o comisso de Reffigios de Leza» (Los Ascendientes, pp. 21-22) O prof. P. Merêa considera esta construção «uma hipótese muito bem fundamentada», - o que não o impede de, logo a seguir, discordar dela quanto à sucessão do conde Hermenegildo, que acha não ser imediata a Vímara, mas «só muito tempo depois» (PM 20). Parece-me que há bastante por onde pôr-lhe outros reparos. a) O conde Hermenegildo, diz o prof. E. Sáez, foi filho dos condes Guterre e Elvira, mas declara nada mais saber deles, senão que «deveriam viver, provavelmente na Galiza, até meados do séc. XIX», pois que nesta região (todo o noroeste peninsular, com a parte de Portugal de hoje libertada) «residiram, efectivamente, os seus filhos, netos e bisnetos (ob. cit. p. 6). Como o filho era vivo ainda em 912, não é crível que os pais vivessem até mais de sessenta anos antes: não, pois, «até meados do séc. IX», mas na segunda metade deste. A questão cronológica tem toda a importância neste caso. Na segunda metade do séc. IX, de facto, vivia o conde Guterres Rodrigues, que nada tem com o marido de uma filha da condessa Mumadona (Oneca) (AF 94-96 e 98.99): é citado como autoridade em Portugale, porque aqui mandaram todos os outros no mesmo documento referido. (LF 22). Depois de aludir-lhe, estabelece esse documento uma grande confusão cronológica visto que nomeia, logo após, a condessa Onecaa Lucidi (filha do conde Lucídio referido) e, de seguida, o rei Ordonho II,

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em cujos indícios ainda o conde Hermenegildo, seu sogro, vivia e a dita condessa estava muito longe de ter o mando. A causa desta sobreposição cronológica, manifestando-se ainda noutros dados, é ter-se feito, com cada novo rei, uma divisão dos prédios considerados no dito documento – divisão no tríplice aspeto «ecclesiario et regalengo et comitato», respectivamente para a igreja (de Baccara); se se refere o diploma, com arbitrariedade cronológica), é sempre ligada a atuação ou interesses de «illos comites». Ora os que se haviam citado haviam sido Guterre Rodrigues, Oneca Lucidiz, Gonçalo Mendes, Mendo Gonçalves, Alvito Nunes e Nuno Alvites (este o do tempo do documento). Sublinho os que são indubitavelmente considerados condes de Portugale (sentido lato), porque Alvito Nunes duvida o prof. P. Merêa que o houvesse sido (PM 27), mas sem razão, como veremos) e Guterre Rodrigues sou eu que o proponho como tal. Antes deste, aludira-se ao conde da presúria, Pedro Vimaraniz, nome que se tem por erróneo, em vez de Vimara Peres, o que já pude desdizer, tanto neste estudo como no anterior (AF 27 e 33-34). Mas, se, realmente, se tratasse do dux magnus referido, mais um caso teríamos a juntar àqueles, para dar aos dois únicos em causa (um, por dúvida, outro, por inconsideração) a mesma realidade. Deve notar-se que nenhum dos nomes que à alusão a Pedro Vimaraniz se seguem está na situação deste. A parte

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pleiteante pretende provar contra a outra uma origem determinada na presúria, e por isso alude ao conde subalterno com quem essa presúria havia sido feita, passando, depois, a citar os condes de Portugale sob que a sua situação, então e assim criada, se mantivera. (De notar que a parte contrariada recuava muito mais que aquela a situação, que defendia, invocando, como ela, os condes de Portugale, mas não só desde Vímara Peres, porque também os anteriores, desde Afonso I). Pode a discussão que venho desenvolvendo apresentar, à primeira vista, aspetos que se arriscam a ser reputados confusos, sobretudo se a leitura se fizer apressadamente (como em geral sucede, por vezes com resultados que seriam pouco honestos se não fossem antes distraídos); no entanto, um mínimo de reflexão parece-nos bastante para nos conduzir a mais natural entendimento dos factos. O documento em causa, tendo tomado os condes Pedro Vimaraniz, Guterre Rodrigues e Oneca Lucidi, por esta mesma ordem, diz que «item venit rex domno Ordonio et ips comité et pontificem», etc, (LF 22). A expressão «ipse comité» não pode designar um conde determinado: qual deles, entre os três – o primeiro um subalterno, o segundo certamente magnus e, depois, a condessa? Esta é muito posterior àquele rei, sendo ainda vivo, para mais, o conde Hermenegildo, que ali nem é citado. A expressão designará indenominadamente, o conde de Portugale, ao tempo. (Não pode julgar-se que se trata de Ordonho III, porque com o rei Ordonho se dizem vindos os bispos Recaredo, de Bracara-Luco, e Sisnando, de IriaSantiago, que viveram no

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tempo de Ordonho II, doc. ES19 340. O segundo daqueles bispos não deve ser o de Iria que faleceu em 968, enquanto que o primeiro morreu em 922). Somos, pois, levados a concluir que o conde Guterre Rodrigues vivia muito antes de Ordonho II e deve ter sido o conde de Portugale sucessor de Vímara Peres. Para isso ponho de parte a minha interrogação sobre um outro conde, intermédio a Vimara e Guterre (AF 91 e 190) e aproximo-me da opinião do prof. P. Merêa na parte onde contraria a do prof. E. Sáez, que dá Hermenegildo por sucessor imediato de Vimara – enquanto o mestre português diz que «só muito tempo depois do falecimento de Vimara Peres é que Afonso III teria confiado a Hermenegildo as extensas comarcas de Tui e Portugale» (PM 20). Não sabemos, porém, a razão por que assim se julga. Pode o meu parecer, tendo por intermédio o conde Guterre, suprir a falta? Na sucessão do conde Vimara, não deve, portanto, em meu ver, existir lugar para os condes Lucídio e Hermenegildo, conjuntos e a ele imediatos. O documento «condal» portugalense de que me sirvo (LF 22) não lhes alude, mas não se pode duvidar de Hermenegildo Guterres (ES14 456). Isto mostra que aquele documento, além de um tanto arbitrário cronologicamente, não pretendeu citar todos os condes de Portugale, como, de resto, se compreende. b) Também me não parece aceitável uma sucessão dupla ao conde Vimara, a de Lucídio e Hermenegildo, conjuntos. De facto, quais os termos em que seria feita tal comissão? Certamente uma divisão territorial e não

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de autoridade, atendendo ao modo por que o prof. E. Sáez interpreta a situação após a morte do segundo: um governo de Nuno Guterres (neto de Hermenegildo) simultâneo com o de Lucídio, enquanto Guterre Mendes recebia «a tenência de outra fração do mesmo território», o comisso de Refojos de Leça. Adiante, retomarei este mesmo problema de sucessão condal. Parece-me haver contra isso muitas dificuldades, e qualquer delas julgo impeditiva: - Os casos de condes de Portugal conheço em simultaneidade não implicavam divisão territorial, sendo apenas relativos a autoridade exercida. Se não for a direção de um pelo outro (sobretudo os casos de mãe e filho, ou outro parentesco), pelo menos deverá haver uma diferenciação de funções. - Havendo divisão territorial, não se compreende se diga Hermenegildo «Tudae et Portugale comes» (ES14 456), como se Portugale fosse apenas dele. Nem deveria ser o único em Tude e já não assim em Portugale. - O conde Guterres Mendes era pai do conde Nuno Guterres, que teria sucedido, segundo o prof. E. Sáez, a seu avô paterno. Cai-se, logo, na situação, que considero insustentável, de o pai ter ficado em Refojos (parcela de Portugale) subordinado ao filho. Aquele comisso não se iria desmembrar de Portugale, em sentido lato, já que, apesar de ser pequeniníssimo, deixaria de haver Portugale, o que, desde muito antes, nunca sucedeu. c) Diz o prof. P. Merêa que a sucessão do conde Vímara que o prof. E. Sáez propõe «explica-

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ria que durante o reinado de Ordonho nos apareçam Lucídio Vimaraniz e Nuno Guterres, neto de Hermenegildo, governando o comisso de Ambas Amaeas» (PM 20). Note-se que se liga este caso diretamente à sucessão em Portugale. É algo estranho um governo de quarenta anos do conde Lucídio, nesta província e na sucessão paterna. Além disso, aquela evocação de comisso de Ambas Amaeas parece devida à confusão com Amaea (Amaia) portugalense, a qual «era naquele tempo desde o Douro até ao Lima» (PMH-SS 277). Havia muitas Amaeas: além da alentejana, a de Riba de Pisorga, afluente do Douro (PMH-SS 271), a Amagia Patricia (Amagia um latinismo) (Sáez, ob. cit, p. 43), a de Compostela – que, de facto, se diz sita «in finibus Amaeae» (DC 866). A Amaea (Amagia, Amaia) dos condes Lucidio e Nuno, conjuntos, se baseou a hipótese da sucessão em Portugale ao conde Vímara, é um equivoco, provavelmente, - de resto, concorde com as outras objeções que a tal sucessão pude fazer.  O assunto é tão intrincado que provoca entre os mais eminentes que o versam situações como as seguintes: a) Convém repetir, por suas mesmas palavras, a construção do Prof. E. Sáez: «No ano de 868, foi ocupado o Porto pelo conde Vimara Peres, e à sua morte, em 878, Afonso III outorgou conjuntamente a administração do território portugalense

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a Lucidio Vimarani, filho de Vimara, e a Hermenegildo Guterres. Ao morrer, Hermenegildo, seu neto, Nuno Guterres suceder-lheia no cargo com o mesmo Lucidio Vimaraniz» (ob. cit. pág. 21). Apesar de dizer aqui que o conde Hermenegildo governou Portugale até à morte, o ilustre historiador espanhol logo a seguir afirma o contrário: «Ao encarregar-se Ordonho II do governo da Galiza, talvez em vida de seu pai (Afonso III), deveu Hermenegildo Guterres cessar na tenência dos distritos de Tui e do Porto (Portugale) (ob. cit. p.23). Nestas condições de contradição, em que pode ficar aquela opinião do Prof. E. Sáez sobre a sucessão dos condes Vimara e Hermenegildo? b) O prof. P. Merêa, sem aliás parecer dar por contradição tal, descree a hipótese do prof. E. Sáez, dizendo-a «muito bem fundamentada»; mas logo se desdiz nesta opinião e vai contra aquela hipótese ao afirmar que «só muito tempo depois do falecimento de Vimara Peres é que Afonso III teria confiado a Hermenegildo as extensas comarcas de Tui e Portugale» (PM 20, nota). Não são, pis, de surpreender os equívocos em que eu também possa ter incorrido, ao tratar deste melindroso problema, com meios documentais que se não comparam aos de que os dois historiadores puderam ou poderiam dispor. Além de que ponho hoje de parte um conde (Leoverigo) entre Vimara e Guterre Rodrigues (AF 91 e 190), emendo a colocação do conde Guterre Mendes, que fiz posteriormente à condessa Oneca Lucidiz (AF 106-107 e

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190). Deve ser anterior, o que passo já a versar. Diz-se na Vitae et Miracula de S. Rosendo, seu filho, que, quando este nasceu, vivia a condessa, sua mãe (Ilduara Eres), na «villa Salas in qua comites palatium suum habebant», ano 907 (PMH SS 34). Outra notícia concorda com esta. Aquela «villa» era uma das do comisso de Refojos de Leça, que o conde, seu pai, teve com o conde Árias Mendes, seu irmão, no conjunto de muitos outros, aquém e além Minho (doc. cit. pelo prof. E. Sáez, p. 34). Por outro lado, a mesma Vitae et Miracula informa que, ao tempo do nascimento de S. Rosendo, seu pai, o conde Guterre, vivia em Conimbria, como governante defensor contra os Mouros: «contra agarenos apud Colimbriam ut dux moraretur» (PMH-SS 34). Mas outra notícia parece discordar desta: a interpolação relativa a 899 e que informa de «Ermenegildus Tudae et Portugale comes [et] Arias filius ejus Eminio comes» (ES14 456). Trata-se de Árias Mendes, conde Guterre que, anos depois, governaria também aqui, com um e outro sendo vivo ainda seu pai, o conde Hermenegildo. Deve notar-se também que o prof. E. Sáez, além de opinar que, «ao morrer Hermenegildo, seu neto Nuno Guterres suceder-lhe-ia no cargo (Portugale) com o mesmo Lucídio Vimaraniz», acrescenta que «talvez então se encarregaria a Guterre Mendes a tenência de outra fração do mesmo território, o commisso de Reffogios de Leza» (ob. cit.,

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pp. 21-22). Isto depois de 912, pois que ainda então o conde Hermenegildo vive. A este respeito, podemos sentir, como em parte já o disse, as seguintes dúvidas: 1) Não ser crível que se subordinasse ao próprio filho, pretenso conde de Portugale (Nuno), um prócer de altíssima categoria, como era o conde Guterre em questão, cunhado do rei. Era este já Ordonho II, do tempo em que ainda o conde Hermenegildo vivia. 2) Aparecer notícia de mandar em Conimbria o conde Guterre (ao tempo do nascimento de seu filho Rudesindo, S. Rosendo), vivendo a esposa no paço do comisso de Refojos de Leça (Salas) – antes, pois, de 910. Não é de crer, por isso, que ainda em Conimbria ou Eminio mandasse, como antes, seu irmão Árias, - ou então teriam os dois irmãos o mando aí conjuntamente. 3) Dizer o prof. E Sáez que o condado de Portugale (em que se incluía aquele comisso ou «terra») foi governado pelo conde Hermenegildo até à morte (ob. cit., p. 21) e logo apresentar opinião diferente – o abandono desta administração quando Ordonho II, seu genro, começou a governar na Galiza, vivo ainda, ao que parece, Afonso III. E mais ainda: que seu filho Árias Mendes também deixou, por esse motivo, Emídio (Conimbria), «cargo que devia ter abandonado quando Ordonho II, seu cunhado, se encarregou do governo da Galiza, por vontade de seu pai» (ob. cit., p. 34).

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4) Dizer o mesmo grande historiador espanhol que «o sentido não é muito claro» no documento que informa do comisso de muitos distritos além Minho e do de Refojos (em Portugale) em mãos de dois irmãos, Àrias e Guterre Mendes sobreditos (ob. cit., p. 34, nota). Parece-me que a menção dessa abundância de comissos – um deles parte integrante da província portugalense (e até mui vizinho da cidade de Portugale) – obedece a uma especial finalidade, que não necessitaria de um esclarecimento administrativo preciso. Não depõe, portanto, em nada contra o mando em toda a província de que esse ou outro comisso fizesse parte. Reunindo os diversos elementos e desfazendo a contradição do prof. E. Sáez, parece-me ser de concluir deles que, realmente, o conde Hermenegildo, mesmo pela sua idade, não deveria ter governado Portugale até falecer. Viria a ser substituído, antes de 907, por seus filhos Árias e Guterre, que teriam acumulado, com o de Portugale, o governo de Conimbria. Só assim me parece possível harmonizar os factos e os indícios documentais; mas talvez ainda melhor, concluamos que o conde Árias foi transferido para além Minho (como, de resto, também pensa o prof. E. Sáez, ob. cit., p. 34), ficando, em seu lugar, em Conimbria, seu irmão Guterre, simultaneamente conde de Portugale, e aqui único.  «A partir da segunda metade deste século, (o X, escreve o prof. P. Merêa), tudo se conjuga para

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que aceitemos a existência de um condado correspondente grosso modo à terra chamada portugalense» (PM 21). Certamente significa isto que o condado de Portugale não coincidia anteriormente com a província de Portugale. No entanto, a única diferença que encontro entre a situação antes e depois dos meados do séc. X é que, depois, desaparece toda a dúvida acerca da sucessão dos condes, ou seja, são todos eles perfeitamente conhecidos e, mais, como se sabe: em dinastia, herança de uma família, - a estirpe da condessa Oneca Lucidi, por sua filha, condessa Mumadona. Se antes assim não sucede, o facto não se deve a uma divergência territorial ou funcional, mas à escassez de notícias. A divisão administrativa em províncias e estas em terras (sobretudo estas, porque aquelas nem sempre) é de antes como de depois. No séc. IX, são citadas «terras et provintias» (LF 12, e «terras» ainda, com “províncias». Mas estas aqui no sentido eclesiástico, no LF 16); e já nos meados do século X se considerava uma situação costumada e, por isso, remota a existência de «comites qui províncias praeerant» (ES17 303). Uma delas era Portugale, com suas «terras», de condes subalternos, podendo constituir comissos, como a divisão superior, - do que é exemplo, há pouco visto, o «comisso de Reffogios de Leza» nos princípios do séc. X (correspondendo à nossa Terra de Refojos de Riba de Ave, dos inícios nacionais). Ora, se, para antes da época marcada pelo Prof. P. Merêa, não parece dever considerar-se a falta de coincidência da província de Portugale com o condado, ainda menos depois, contra a expressão grosso

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modo com que o ilustre historiador define a correspondência entre o condado e a província ou terra portugalense. É de crer que, para tal ideia, haja concorrido o facto de o conde Gonçalo Mendes, dux magnus chamado, ter sido notável pela «amplitude dos seus domínios territoriais, que se estendiam ainda para além de Portugal atual, entrando por terras de Limia» (PM 23). O facto, porém, de antes não aparecer o título de dux magnus é apenas fortuito: não indica uma diferença; e, se a expressão «domínios». Como bem parece, não se refere a propriedades pessoais, mas à autoridade, é de reparar que o documento alegado pelo prof. P. Merêa a tal respeito (DC 138) nada contém desta matéria, pois que apenas se refere a uma das possessões daquele conde na região vimaranense. Cada um dos condes de Portugal deve considerar-se um dux magnus, assim chamado para se distinguir dos seus subalternos nas «terras» da «província» ou também «terra». Em todas estas designações territoriais e pessoais, a terminologia medieval é compreensivelmente imprecisa. O condado de cada um dos sucessores de Vimara Peres (e isso já no caso dos antecessores, como creio) era a Terra Portugalense, e cada um, nesta, o dux magnus: Vimara Peres, Guterre Rodrigues, Hermenegildo Guterres, Guterre Mendes, Oneca Lucides, Mumadona Dias, Gonçalo Mendes e todos os seus sucessores – um cargo vitalício a partir deste, o que anteriormente não sucedia. No meu trabalho anterior, com bastante receio de errar, considerei Oneca Lucidi uma verdadeira

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condessa magna de Portugale. Assim continuo a supô-la, e ainda mais, sua sucessora e própria filha casada com Hermenegildo Gonçalves, - a famosa condessa Mumadona Dias, a quem Guimarães deve a sua existência. Com mais receio ainda de errar lhe dei por mãe, realmente, a condessa Oneca Lucidiz, visto que outros autores a diziam filha de Oneca Ximenes (AF 100). O prof. P. Merêa, não sei por que motivo, pois não explica nem alude à minha opinião, a qual dei contra o comum, tem-na igual (PM 21 e 30: a mãe de Mumadona Dias foi a neta de Vimara Peres. Maior receio, porém, teria sido o meu se, então, conhecesse o parecer do prof. E. Sáez, para quem «os nomes da condessa Oneca e de seus filhos» (DC 34) «denunciam claramente a sua ascendência navarra ou alavesa» (Los Asciendientes, pp. 62-63). Nessa conformidade, a mãe de Oneca, quanto àquele historiador, teria sido a rainha de Pamplona, Leodegúndia, irmã de Afonso III. Oneca, porém, era filha do conde Lucídio Vimaraniz e da condessa Gúdilo (DC 20), certamente. No entanto, se me não parece exato quanto à filiação o parecer do prof. E. Sáez, não deixa de ter, ainda quanto a mim, um sentido digno de nota. Como se sabe, o conde galego Froila, usurpador do trono, foi assassinado em 868 em Oviedo, pelos fideles de Afonso III (PMH-SS 9), um dos quais conde, também galego, Vímara Peres que, precisamente nesse ano, veio libertar Portugale (AF 17-20). Este facto significa que o conde Vímara não vivia então neste ocidente; e, assim, ele

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ou seu filho Lucídio teriam recebido a influência onomástica das regiões extremas do norte, ástures, alavesas, navarras. Daí, quanto a mim, essa peculiaridade dos nomes dos netos e bisnetos fo conde Vímara, a qual orientou o historiador num sentido que me parece equivocado. Para explicar a proeminência portugalense da condessa Oneca, não é preciso considera-la a sobrinha de Afonso III que ela nunca foi: basta atender à de seu avô e até à da estirpe do marido (conde Diogo Fernandes).  Depois do conde Gonçalo Mendes, conta a «dinastia» portugalense os condes Mendo Gonçalves, Alvito Nunes, Nuno Alvites e Mendo Nunes, como indiquei. Para contrastar uma opinião minha, afirmou o prof. P. Merêa que «foi intencionalmente que não atribuiu a Alvito Nunes a qualidade de conde de Portugal» (PM 27), pelas seguintes razões: a) «Não se lhe afigura verosímil a simultaneidade dos governos de D. Tuta e Alvito». Não diz o ilustre historiador a razão da sua dúvida; mas estes casos simbióticos de governos de uma dona e um prócer, parentes ou não, aparecem várias vezes. Ele próprio dá o exemplo do comisso de Caldelas (Orense) para a mãe viúva e filho criança, reinado de Ramiro II (PM 21); e lembra aquele em que também me apoiei, o da condessa Ilduara Mendes e seu filho, conde Mendo Nunes (PM 27). Também me servi do caso da condessa Ilduara Eres e

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seu filho Froila Guterres (AF 108). Não era obrigatório o parentesco, até porque poderia estabelecer, quando não uma base de hereditariedade perniciosa, ao menos uma tradição familial equivalente. De resto, Alvito Nunes estava ligado por laços de família à condessa Toda (AF 136-138). Isso não impedia outros casamentos, entre parentes, - facto não raro, como se vê no caso da condessa Mumadona (PM 22). Aliás o duplo condado de D. Toda e Alvito Nunes apresentava sérias razões de conveniência, dado o perigo normando, muito agudo na ocasião (AF 135-138): o conde de Portugal, marido dela, havia sido morto pelos invasores do norte, em 1008, e o próprio conde Álvito parece-me ter tido o mesmo fim, em 1016. O comisso portugalense, não seria nele o efeito de uma espécie de hereditariedade, mas de outorga real. Terá sido a razão por que ele não pôde casar seu filho com a herdeira do condado, o que apresenta este casamento como um indício de tão altas funções. b) Duvida o prof. P. Merêa de que Alvito Nunes houvesse sido, de facto, conde no tempo de D. Tuda, isto é, nem sequer um conde como outro qualquer: «se acaso foi conde no tempo de D. Tuta». Esta dúvida parece-me estranha. De facto, a comitissa governou Portugale ( na sucessão do marido, conde Mendo Gonçalves) desde 1008 até pelo menos 1022 (DC 225 e 251, etc.); por seu lado, Alvito Nunes desaparece desde 1016 (AF 135 e 138-140). Como a Chronica Gothorum o chama «conde» - a propósito da invasão normanda daquela data até Vermoim -, segue-se não só que foi conde

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(«comes tunc ibi erat»: PMH.SS 9), mas também que o foi em tempo de D. Toda. E ainda o Liber Fidei o considera «conde», como já vimos (LF 22). c) Diz, enfim, o prof. P. Merêa que, mesmo a admitir-se que Alvito Nunes fosse conde no tempo daquela comitissa, ele, em vez de ser um dux magnus, não passaria de «conde a ela subordinado, como o seriam aqueles a que se refere» o doc. DC 225. Salvo erro, quem primeiro mostrou, pelo dito diploma, a subalternidade de condes àquela condessa (um deles até seu cunhado) creio ter sido eu (AF 135); e nem mesmo então faltei com a hipótese de se tratar de subalterno dela. Pu-la de parte (embora resguardada certa proeminência da condessa, pois que só a ela cito em título (AF 134), pelas razões seguintes, que o apresentam como dux magnus: - No LF 22, como vimos, mencionaram-se condes que, sem dúvida, o foram de Portugale. Os interessados na questão que aí se julga dizem que os seus antepassados, após a presúria do tempo de Afonso III, na qual se «quintara» para o rei, que depois cedera no conde, «fuerunt de Guttier Ruderiquiz et de Onnega Luzi(di) et servierunt as illus… servierunt ipsi avii ad Gundisalvo Menendiz… et comité Menendus Gundisalvi et laxarunt now… in jure de Aloyto Nuniz et… in judicio de Nunu Aloytiz». Este passo documental, pelas suas indicações onomásticas (embora se trate mais de um caso de «propriedade»), vai ser discutido propriamente adiante, 3).

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- Ainda sobre o conde Alvito Nunes, diz o Mestre que ele «capitaneou uma importante correria contra os Normandos» (PM 26). A única fonte de informação do facto (Chronica Gothorum) indica o contrário: os Normandos é que fizeram a correria – no coração de Portugal, até Vermoim, onde ele «comes tunc ibi erat». Se, realmente, quem fez a correria contra os invasores houvesse sido o dito conde, melhormente aquele ibi se interpretaria como tendo o conde de Portugale vindo sobre Vermoim, que os Normandos atacavam, ou mesmo ocupavam. Para mais o castelo, de facto, não tinha necessariamente um conde próprio: tinha-o o distrito, ou melhor, a «terra». A frase devia ter sido redigida «tunc ibi erat comes»). Escreveu, pois, o prof. P. Merêa que a sua intenção de não atribuir a Alvito Nunes a qualidade de «conde portucalense» se deveu ao facto de «eu ter deduzido o contrário da bem conhecida escritura» LF 22 (PM 27). Estranha, assim, claramente que eu tirasse uma conclusão que ninguém tirou, pois que «bem conhecida» significa, além de número de conhecedores, a exatidão e profundeza do conhecimento. Vejamos, pois, melhor se assim é. 1) Sabe-se do preâmbulo do LF 22 que, a partir de cerca de 985, os «comites qui ipsam terram tenebant» se isolavam da autoridade real. Por seu próprio poder, pois que «fecerunt se extorres… de servitium regis», subtraíam à sé bracarense (então em Lugo) os seus haveres , em Braga e arredores imediatos.

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Naquela data, governava Gonçalo Mendes, cuja insubmissão, sem este depoimento, apontei no primeiro estudo (AF 118-121); e essa «terra», cujos condes desprezavam a autoridade real, outra não podia ser senão Portugale. Eram eles os condes magnos, portanto, e Alvito Nunes, que, com eles e nela, se cita no LF 22, não pode deixar de ser um. 2) Alegava a sé que os indivíduos e prédios discutidos lhe pertenciam desde os meados do séc. VIII (reatauração bracarense do bispo Oduário) e, isso, desde então, sempre «subtus gratia de reges qui illa terra imperabant et in facie de illos comites qui illos conmissos tenuerunt» - reis e condes aprovando. Uma «terra« a que são referidos os reis, governando-as condes, só pode ser Portugale, do que há outras expressões, como as de guerra e paz («cadivit illa terra in alfetena» ou «advenit terram in pace»); e, como a ela se reportam os comissos invocados, os condes comissários são os seus condes magnos. Entre os que nomeei aí, está Alvito Nunes. Alega ainda a sé que, desde cerca de 985 e em razão de guerras na «terra», os seus haveres nesta «extraniarunt se» (ou eximiram-se) ao seu senhorio, obtendo os servos outro patrono. Do preâmbulo se colhe que os protetores passaram a ser os «conmites qui ipsam terram tenebant» - assim ou não, conforme as alternativas de guerra e paz, mas fixando-se desde o conde Mendo Gonçalves (morto em 1008) até à data da escritura (1025). Durante estes anos, de facto, «tenuerunt eos illos comites ex dato de illos epíscopos», isto é, sem contrariedades prela-

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tícia. Ora os condes de seguida àquela e até esse ano não o negado, Alvito Nunes, e seu filho e sucessor. Nem seria preciso dizerem-se no LF 22 os seus nomes; mas dizem-se. 3) A outra parte pleiteante não difere neste particular: apenas quanto à época em que declara estabelecidos ali (e não servilmente) os seus antepassados, - a da presúria de Portugale pelo conde Vímara Peres. Continua pois a ser aquela a «terra» das alegações, e dizem-se mesmo os nomes dos condes. Destes, alguns, mais documentados, são indubitavelmente de Portugale; os outros hão-de sê-lo também, citados como são sob um mesmo conspecto e com a mesma finalidade patronal. Entre eles, o negado, Alvito Nunes. As respetivas alegações são de que os antepassados e eles «servierunt» os condes seus patronos «in facie de illos epíscopos», ou, como hoje se diria, na cara dos bispos, agora reclamentes. E vão citando os condes, por esta ordem: Guterres Rodrigues, Oneca Lucidi e, depois, Gonçalo Mendes e todos os seus sucessores. Há lacunas compreensíveis, como a dos sucessores do conde Guterre (o conde Hermenegildo e o seu sucessor, Guterre Mendes) e da sucessão da condessa Oneca (sua filha Mumadona, mãe de Gonçalo Mendes). Não dispunha de dados a parte; mas Alvito Nunes, entre os condes, não falta. Porque só o não há-se ser ele, se todos os outros o são? Afora a quintação na presúria (cerca de 868), outras divisões se fizeram, uma sobre Ordonho II, por bispos e por «ipse comité». Não se diz quem este é. Antes, apenas se havia nomeado o da presúria,

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desaparecido havia muito; o conde Guterre Rodrigues, também havia muito falecido; e a condessa Oneca. Esta não pode ser (se já governava), porque se trata de conde e não de «comitissa»; aqueles, ainda menos. É um dos casos lacunares apontados, e só se pode pensar-se no conde Guterre Mendes. A definição dessa partilha é dada com estas palavras: «extranaverunt de nostros avolos et de regalengo». Creio que se não podem interpretar senão deste modo: três partes distinguidas – a da sé (ecclesiario), a do rei (regalengo) e a dos avós dos declarantes, não denominada. Mas tem nome: comitato. Noto-o no que se seguida se lê: «dividerunt ante ille rex ecclesiario et regalengo et comitato». Este, a porção do conde. Corresponde ao patronato condal alegado por uma das partes. Ora que o conde haveria ele de ser senão o conde magno, o de Portugale? Numa partilha com o rei e com o bispo, não estaria um conde menor, não seria deste o comitato, muito menos havendo aquele. Mais ainda. Aqueles indivíduos e seus avós sempre haviam feito «fossato de rex et de comites». Este dever militar, que além Pirenéus essencializava o feudalismo, competia absolutamente ao «dux magnus» ante o rei. Pois que o havia, seria incompreensível com um dux parvus. Fala o Prof. P. Merêa de uma «correria contra os Normandos» por Alvito Pais (PM 26). Mais uma razão: seria como fossado. Nem precisaríamos ler «laxarunt nos filios in iure de Aloyto Nuniz». Um comitato também para este: logo, um conde – e conde de Portugale como todos os demais.

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 Acerca do último conde, Mendo Nunes, emite o prof. P. Merêa uma opinião contrária à minha, que, no entanto, é fácil defender. Mostrarei, sobretudo, que a do mestre repousa sobre um erro de data, - além de assentar também em factos que ele mesmo reputa duvidosos, como eu já os considerava (e creio que primeiro). Lembra o prof. P. Merêa que um cronicão diz ter o conde Mendo Nunes morrido em combate nas margens do Tea (Galiza) em 1034 (Chr. Com, PMH-SS 4), esclarecendo que a data está errada, «se se trata do conde portugalense» desse nome, visto aparecer ainda muitos anos depois (PM 28). A dúvida de se tratar dele não a tinha antes o insigne historiador, ao afirmar que seu filho era ainda criança «quando o pai encontrou a morte nas margens do Tea, presume-se que em combate contra os Normandos». O filho é o famoso conde Nuno Mendes. (Ver Portucale, XIII, 42). Tal dúvida pu-la no meu estudo anterior (AF 146), e referi o passo do Livro da Noa de Santa Cruz de Coimbra relativo à morte do conde Mendo (que supus português e não sei de errei), corrigindo a equivocada emenda da data por P. David (Êt. Hist. 295-296) (AF 147-148). A razão por que o Prof. P. Merêa acha errada a data de 1034 é aparecer o conde Mendo Nunes em 1047 (sic) e em 1050- Vejamos se assim é. Quanto ao ano de 1050, é considerado por ser o de um documento em que figuram «duces in Galle-

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cie Velasco Almeiuze et Menendus Nuniz»; mas dubitativamente: «se acaso é a ele que se refere» (PM 28). Não existia antes esta dúvida no ilustre historiador, ao dizer, pelo referido documento, que em 1050 o conde «talvez já andasse arredado do seu condado» (Portucale, XIII, 42). Não é a pessoa aí em dúvida, mas o seu afastamento. Essa dúvida na identificação pessoal havia-a posto eu, declarando que «condes desse nome era fácil haver mais», etc. (AF 146). Essa dúvida que o prof. P. Merêa emite acerca da identificação pessoal continua a subordina-la àquele afastamento: para se crer que é o nosso conde, «teremos que admitir que entre 1047 e 150 Mendo Nunes tinha sido arredado do seu condado por Fernando Magno (PM 28). Mas, ao que julgo, o facto de Mendo Nunes se dizer dux «in Gallecia», no documento daquele ano (suponho que se tratava do nosso dux, o que ouso negar terminantemente), não prova que ele não continuasse ou se mantivesse em Portugale. Esta província podia o notário, propositadamente, com qualquer intenção especial, considera-la «galega», - tão bem como o de um diploma de 1072 reputar a margem norte do Douro «ex parte calleca» (DC 500). E, se Fernando Magno, como é facto (e até lhe alude o mestre), havia extinto o condado, poderia essa intenção refletir tal caso: Portugale uma província «in Gallecia», como qualquer outra. Mas, pelo que digo, nem disso se tratará. É que o conde Mendo Nunes morreu em 1044, como pude mostrar (AF 147149). A data 1050 não depõe em contrário, como declarei; e o próprio prof. P. Merêa

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duvida, agora, de se tratar nela do nosso conde. A de 1047, em que se firma, é um erro: o DC 311, em que o conde «figura ainda com sua mãe» (PM 28, é de 1040. Atingido, assim, o tempo em que, em meu entender, se instaura nesta província leonesa, a administração triunviral, sejam permitidas mais umas curtas observações sobre condes e triúnviros. A tese que, segundo o prof. P. Merêa, urdi principia estes com a morte do conde Mendo Nunes em 1044, acabada de referir. O triunvirato, porém, que mais antigo temos surge em 1050 (DC 471), o que não significa forçosamente ter sido o primeiro. As notícias anteriores podem, realmente, não ter chegado até nós. O governo condal, por outro lado, não surge mais, depois de 1044, mas eu próprio noto (e digo assim por ignorar se já outro autor o observou) que, em 1049, tendo o rei vindo a Portugale, «in locus cenobii Vimaranis», passou uma carta a favor deste mosteiro, na qual, logo depois do soberano e da rainha, confirma o «aduz magnus Gutierre Adefonsi» (DC 372). Tratar-se-ia, acaso, de conde de Portugale, pelo afastamento de Mumadona, que tinha a condado havia mais de um século? No documento confirmam numerosos próceres portugalenses, como Gomes Eicaz, Mendo Gonçalves e Godinho Viegas, que, logo no ano seguinte, figuram como os três infanções «qui erant in Portugale» (DC 471); mas não são citados nele em conjunto. Apesar disto, creio que não me parece justificado prolongar até então a administração condal, embora

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esteja com isso em concordância com tal contiguidade de datas, 1049 (condal) e 1050 (triunviral). Também já antes deste último, tempo não determinado, mas que o documento mostra não poder se grande, nos é ainda referido para o norte do Douro outro conde magno: na compra, a ele feita, de hereditas, «ila de dux magnus Rodrigo Gunsalbiz» (DC 378). Se este o foi de Portugale, teria sido o anterior a Guterre Afonso, o sucessor de Mendo Nunes. Não creio que estas menções signifiquem a continuação do condado, depois do desaparecimento de Mendo Nunes ou por afastamento (que é inegável) da velha linhagem condal; e isso por várias razões: aos condes anteriores, é ligado claramente o «comitatus» portucalense ou a «terra de Portugale», o que com estes não sucede (sem que tal facto deva explicar-se por perda ou falta de oportunidade documental); não seria muito natural que Fernando Magno afastasse a condessa Ilduara (que, com o conde Mendo Nunes, seu filho, administrava), para fazer ascender um indivíduo de outra estirpe; Guterre Afonso pode ter sido um conde em outra província leonesa, vindo no séquito dos monarcas a Portugale; e o mesmo seria possível com Rodrigo Gonçalves, embora possuísse nesta província haveres, facto que nada teria, forçosamente, com o caso. Aqueles dois casos poderão qualificar-se ilusórios ainda por outras razões, que hajam de ocorrer-nos com maior ou menor facilidade e propriedade. Assim, em 1056, Gonçalo Roupares, que já no tempo dos condes (linhagem de Mumadona) haviam sido, em Portugale, «maiorinos regis domni Fernandi» (DC

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342, etc), compra certos bens cujos proprietários agem «per perssolta de ila comitesa domna Ilduara et domna Toda…» (DC 400). Ora uma tal «persolta» não indica autoridade condal ou função pública em D. Ilduara, tanto mais que tal autorização ainda se refere a D. Toda, outra «comitesa» (d. Toda Velaiz): antes manifestará que os proprietários estavam ligados à estirpe das duas condessas por alguns laços servis, embora já ténues, - o bastante, porém, para lhes ser exigida, legalmente, no contrato, a disposição dominical, cuja falta constituía impedimento. Aquele dux magnus Rodrigo Gonçalves, quanto a mim, deve ter sido filho do famoso conde Gonçalo Moniz, o de Conimbria, assassino do rei D. Sancho o Gordo; e viveu, por isso, do séc. X para o XI. Era irmão, nesse caso, do conde de Conimbria Froila Gonçalves, que se aliou a Almançor e tinha bens ao norte do Douro – o que não surpreende, pois suceda com Rodrigo Gonçalves. Os bens destes citados em DC 378 «tras Dorio» (ao norte) são vizinhos, de facto, dos daquele (cp. DC 170, 175, etc.).

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IV

PORTUGALE ATÉ À RECONQUISTA DEFINITIVA (868)

Quando sobreveio a conquista muçulmana, era a cidade de Portugale, na direita do Douro, ao mesmo tempo sede de bispado e de uma «circunscrição civil (civitas)» (PM 9). A palavra civitas tanto designava já a sede como o territorium (Cód. Vis. IX, II, 6). Não sei em que sentido foi utilizada ali, mas é sempre de notar quanto essa circunstância concorda com a minha tese da origem suévico-visigótica da província portugalense (AF 40-48), pelos próprios limites iniciais que lhe atribuí, os diocesanos (AF 44 e PM 10). Também é de notar que o prof. P. Merêa se não refere à opinião do prof. Torquato Soares de constituição dessa província em 868, em resultado da ação do conde Vímara sobre a cidade (Biblos, XVIII1 201-3), embora também não aluda à minha. A índole orgânica dessa civitas como circunscrição também a não definiu. Continuo a crer que se trata da província da época (séc. VI-VII), sob governo de um dux ou mesmo comes (AF 43-89). Mas, para se supor Portugale território uma circunscrição civil com sede em Portugale cidade, ser-nos-á necessário pressupor que era civitas o lugar.

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Ora nenhum documento da época lhe chama tal, mas somente locus e castrum (Idácio e Paroquial suevo, sé. V e VI, fossem ou não precisamente o mesmo local), o que não é, por força, o mesmo que civitas. Nada nos pode, pois, autorizar a supor que essa circunscrição civil (província) antecedeu a religiosa (diocese), a qual data de 569 (assembleia de Luco). Quanto a mim, a civitas, em Portugale, não resultou de origem da povoação, mas foi uma consequência da promoção desta ao episcopado, no castrum. A recentidade da povoação, expressa no qualificativo novum (a que, para mais realce, se opôs o determinativo Suevorum, está plenamente de acordo. A importância que já então possuía a povoação é um reflexo do florescimento do seu territorium, como, em breve, veremos, - o que era preciso ter-se em conta e não se tem tido, nem mesmo reparado. E tão recente era essa povoação, não obstante a sua importância, que julgo haver razão para não a considerar sequer, ao tempo, uma sede paroecitana – do que também a redação do Paroquial, na menção, parece dar indício. Essa sede, embora muito vizinha (dentro da atual cidade), estava em Valle Aritia; e os absurdos provenientes da sua confusão com Vallaritia bracarense (transmontana) não podem impedir que assim o julguemos. Creio que a ninguém ocorrerá contrariar a minha opinião de recentidade alegando a pré-existência de Festobol (sic). É certo que, em desacordo com o que julgou o prof. Torquato Soares, que só sabe dela por intermédio de Frei Bernardo de Brito, não é este um «topónimo inverosímil» ou «enigmática designação»

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(Reflexões, I, pp. 163 e 221). Julgo que não passa de deturpação remota do próprio nome Portugale, patenteada no Provincial visigótico, (que pode ver-se em V. de Parga, La Division de Wamba, pp.26-27), nas formas Festobole, Fistobale e Fistocale, e até na dupla designação «Fistobole et Portucale», que mostra a opinião do compilador de ser a mesma povoação, embora não haja entendido ser o mesmo nome. Não nego, pois, uma civitas Portucale, em função civil, antes da conquista muçulmana; somente a não afirmo a priori, mas interpretando a situação na Reconquista. Um território tido por despovoado neste período e, nele, ereto em província, com sede em povoação na última decadência (o prof. P. Merêa apenas considera o seu florescimento um resultado da ação de Vímara Peres, em 868, PM 9-10 e 12) e, mesmo assim, fazendo estender o seu próprio nome a toda essa extensão, não parece compreensível. Há que buscar a origem deste facto muito mais longe (AF 41-43 e 83-84).  A diocese foi criada, como já disse, em 569, com sede, desde logo, - assim julgo -, em Portugale castrum. O bispo, no entanto, como ainda creio, não residiu aí, imediatamente, mas na paroécia de Magneto, talvez em razão de fortes oposições arianas, neste extremo litoral do Douro ao Ave. Portugale, efetivamente, sem ser possível mostrá-lo aqui, estava rodeado por muitas paróquias arianas: Valle Aritia (em que, para mais, me parece se incluía), Truculo, Labrencio, Mendolas, pelo menos.

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Era uma diocese muito limitada, suponho mesmo a menor de todas, neste ocidente. Só a confusão de Valle Aritia portucalense com Vallaritia bracarense, não obstante o patente absurdo de um território que resultaria extravagantemente alongado e descontínuo, pôde ter levado a pensar o contrário (como nos casos o dr. Avelino de Jesus Costa O Bispo D. Pedro, I, pp. 136-138, e do prof. Torquato Soares, Reflexões, I, pp. 164164 (sic). O prof. P. Merêa (PM 10) dá-lhe também como limite o Ave, e à circunscrição civil o mesmo; e suponho que não pensará neste extravagante, apertadíssimo e descontínuo alongamento até à atual fronteira espanhola, ou mui cerca. A diocese estendia-se do Douro até ao Ave e do mar ao Corgo (AF 44). Sendo, pois, muito pequena esta diocese e, como ela, a coincidente província civil, era, por isso mesmo, excecionalista, em todo este ocidente, a sua importância, que se manifesta, em meu ver, na grande densidade paroecitana. A densidade paroquial refletiu sempre, naturalmente, a das populações e até o seu grau de desenvolvimento social. A diocese de Braga de então (569) era oito a nove vezes mais vasta que a do Porto. Se a densidade e o estado populacional fossem nela os que se verificavam nesta, deveria a de Braga mostrar acima de duzentas paroeciae, visto que na do Porto havia vinte e cinco. Querendo mesmo excluir-se o território hoje transmontano, e até espanhol, que na de Braga se incluía, para se considerar apenas a sua parte entre o Ave e o Lima, na qual, melhormente, se deveria esperar uma situação análoga à de Portugale, tal situação mantém-se, expressivamente: de-

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vendo existir ali umas cinquenta, ao menos, não há dúvida de serem uma quinze. Comparando com as outras dioceses consideradas no Paroquial, ao norte, oriente e sul, a desigualdade mantém-se e, em certos casos, até se agrava. Este assunto pertence a outro estudo (Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas), pelo que não posso, e nem mesmo devo, desenvolvê-lo aqui. O que interessa é que, quando me ocupei do problema da origem da «província portugalense» (AF 40-48), atribuindo-lhe uma origem suévico-visigótica, não me servi devidamente desta importante circunstância: justificava-se, pois, neste território, tanto a separação eclesiástica (diocese) como a civil (província). O prof. P. Merêa, como vimos, fala de «circunscrição civil (civitas)» nesse tempo, é certo; mas não lhe define a caraterística civil, e até evita dar-lhe uma designação, falando da «zona a que ela (cidade de Portugale) presidia» (PM 9 e 10). Mas parece-me isto mesmo o bastante, atendendo às várias circunstâncias que indico. Posto isto, deve orientar-se o problema para outro ponto: aniquilou ou não a conquista muçulmana esta florescente situação portugalense, suévico-visigótica? O ilustre historiador, ao afirmar que «a zona a que ela (cidade) presidia deve ter permanecido, se bem que povoada, em completa desorganização» (PM 10), adota, por coincidência, a posição de P. David (Êt. Hist. 74-75, 176-7, 255, etc), que me parece insustentável (como mostro no meu estudo referido Paróquias Suevas, pp. 6-9 e 12-14, etc.): não houve propriamente despovoação, mas desorga-

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nização administrativa e militar. Ora condições tão anárquicas, sem um poder e sem uma administração, tornam incompreensível uma permanência tal de populações e impossível o seu inegável florescimento, como prova a situação paroquial no decurso de cinco séculos após a Suévia, além de outros indícios. Quando sustentei esta doutrina no primeiro estudo (AF 48-53), não utilizei o argumento paroquial, que, portanto, me servirá aqui como confirmação. Com efeito, desde o Ave ao Lima português, havia, no séc. VI, umas quinze paroeciae; mas, cinco séculos depois, são já seiscentas as paróquias, delas originadas. Assim o prova o censual de Braga, da primeira metade do séc. XII, que até foi publicado como sendo do anterior (p. dr. Avelino J. da Costa, ob. cit., I, pp. 62-68, com razões aliás de todo equivocadas). Entre o Ave e o Douro, a situação é análoga, senão mais florescente ainda.  Que poderá significar aquele contraste profundo, quanto a número de paróquias, que reflete o estado do povoamento e o desenvolvimento social, entre as duas épocas, pré e prómuçulmana? Parece bem claro. Se fôssemos a aceitar a tese da repovoação somente desde 868, cairíamos no absurdo de atribuir esse maravilhoso progresso a dois séculos únicos. Nem hoje, talvez, com todo o poder científico e técnico. Pior tratando-se de dois perturbados séculos, cortados de guerras civis e de momentâneas

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entradas de inimigos, por terra e mar. Mouros e Normandos (AF 80-84). Foi esta a razão da decadência de Portugale cidade, naquele período (após 868), enquanto o interior florescia. A sua posição flúvio-marítima (passagem e porto) era arriscadíssima, atraindo todos os invasores, de terra e mar. Por isso mesmo, entre a tomada pelo conde Vímara, naquele ano, e a doação à respetiva sé, já no séc. XII, não temos mais notícia verdadeira dela. Apesar disso, o prof. P. Merêa atribui o seu desenvolvimento precisamente a este período, aludindo ao «vulto que assumira a cidade de Portugale, desde 868 (PM 12). Não há disso qualquer prova direta; e, indiretamente, a única de que a tese se serve é equivocada, como veremos: a extensão territorial, cada vez mais ampla, que o nome da cidade veio a tomar. Já o havia tomado antes, embora se acentuasse na Reconquista, mas por força de uma designação já coronímica, aplicada a todo um territorium – o da circunscrição civil. Para se chegar ao grau de florescimento acusado pelo número de paróquias no decurso de cinco séculos, seria necessária uma organização eclesiástica de normal funcionamento; ora este, por sua vez, se não dependia mesmo do normal funcionamento de uma organização civil e militar, como deve ser, pelo menos, pelo menos torna-o igualmente possível. Não se vê por que razão uma das organizações podia manter-se, e desenvolver-se ao grau apontado, e as outras, que deviam ser o seu sustentáculo, nem sequer manter-se. Não interessa que os bispos residissem ou não em suas sedes. O problema é passível de explicações diferentes daquela a que ainda hoje se anda subme-

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tido, o despovoamento. Nem este se prova, em absoluto, pelos casos de presúria, por vezes violenta e arbitrária (DC 746, para muito depois, piormente então): encobrindo-se nos dois casos – presúria e ausência dos bispos, que, por vezes, praticavam aquela -, havia conveniências ou interesses que exageravam epicamente a obra, pelo próprio exagero da situação. Este segredo histórico será porventura descoberto um dia. O que se diz de Afonso I, ermando as regiões durienses, é uma falsidade patente, se continuar a interpretar-se a frase de uma crónica do ciclo, «christianos secum ad patriam duxit» (depois de eliminados os ocupadores arábicos), da maneira comum: uma forçada migração para o norte, as Astúrias. Quanto a mim, é o contrário (AF 9-14, 68-76), isto é, a restituição, pelo rei, dos refugiados de 716 (?) à pátria, que não era, para eles, ali. (Esta minha heterodoxa opinião, totalmente contrária ao que se tem pensado desde Herculano, parece-me começar a ser seguida. Assim o faz o ilustre investigador dr. A. de Sousa Machado, no seu notável estudo sobre O Portugal Mediévico, p. 104, que acabo de conhecer). Parece-me que a minha interpretação concorda maravilhosamente com a já mostrada permanência e desenvolvimento das populações, e que tem por si, ainda, estas expressivas circunstâncias. a) As indicações sob diversos aspetos, de uma atuação restauradora de Afonso I, a qual deve sobretudo ter assumido aquele caráter: o regresso dos que haviam fugido à invasão.

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De facto, o mesmo cronicão que nos dá aquele informe de migração diz-nos logo ter Afonso I restaurado «a parte marítima da Galiza» (Seb. ES13 484), a região conveniente a Luco, Tude, Bracara, Portugale, o que tem outras confirmações (DC 6, vale do Douro; LF 22, região de Bracara). Outro declara ter ele «alargado o reino dos cristãos» (Alb. ES13 452), o que não se coaduna com um abandono e uma cinta desértica das Astúrias. E outro, que, tendo ocupado as cidades, «consagrou as suas igrejas e nomeou bispos para cada uma» (Sil. ES17 284). b) A razão lógica e natural, porque pátria, para os cristãos dessas cidades, não podia ser o norte asturiano: pátria eram elas e seus territórios. E não nos faltam provas documentais de que assim era: - No séc. XI lembravam-se remotas presúrias junto a Conimbria e a Portugale, do tempo em que «christianos possederunt supradictam patriam» (DC 816 e 817), isto é, quando os cristãos regressaram à «pátria». Podia ser no tempo de Afonso III? Mais naturalmente no de Afonso I, sobretudo quanto a Portugale. - As fábulas lucenses, que neste caso, têm tanto valor como se fossem documentos autênticos (de resto repousando sobre um facto histórico incontestável, a recuperação de Luco, seguida da de Bracara, pelo bispo Oduário e seus companheiros, LF 22, facto aliás nelas versado), revelam os seus protagonistas queixosos de que os conquistadores muçulmanos de 716 (?) «fecerunt nos exules a pátria nostra» (ES40 356).

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Estas duas circunstâncias mostram-nos claramente que Bracara, Portugale e Conimbria eram a pátria dos refugiados no norte. Foi para ela que Afonso I os reconduziu: trucidou os ocupadores árabes, ao mesmo tempo que «christianos secum ad patriam ducens» (Seb ES13 484).  Os limites iniciais de Portugale província mostram-se-nos alterados no séc. X. em todas as direções: é a aceção territorial lata do nome Portugale. O prof. P. Merêa segue a geral opinião de que um tal alargamento provém de ter Portugale cidade sido «centro de uma importante ação de repovoamento», seguida à conquista de 868 pelo conde Vímara (PM 10), mas um facto verificável apenas «desde a segunda metade do séc. X». Esta é excluída, segundo me parece de circunstâncias que o ilustre historiador aponta e de considerações que faz (PM 13, 16, 17 e 19). De qualquer modo, a extensão do nome e a do território concomitantes, relacionar-se-iam, pois, «com o povoamento. Os documentos do rei, sobre o facto, são tendenciosos; e, de resto, é o próprio mestre a dizer que aquela região se manteve povoada, embora em completa desorganização (PM 10, o que enfraquece a sua tese suficientemente. E não só isto, porque, para sua firmeza, tornou-se necessário eliminar

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todas as indicações em contrário, ou seja, as indicações de um Portugale no sentido extenso, antes dos acontecimentos de 868. Essas indicações merecer-nos-ão por isso um breve exame, no conjunto de outras. a) Doc. ES40 Ap. 16, ano 831, 841, 871 e 891 (por suas quatro versões): »Portugalensis provintia» - com «fortes razões para supor que se trata de um documento forjado por falsários do séc. XII ou fins do XI» (PM 12). Um documento falso pode não ser falso nos seus pormenores, sobretudo aqueles que, como esse, não atentam contra a finalidade da falsificação. Pelo contrário, são necessários elementos autênticos, para êxito da mesma. Citarse neste uma «província portucalense» nada tem, necessariamente, com essa finalidade. Pode até «refletir uma tradição verdadeira», como aliás é admitido, sem melhores razões, para o documento da alínea c). De resto, dispor-se-ia, na época, para a falsificação, de dados exatos bem mais numerosos que os que nos ficaram. b) Doc. LF 16, ano 840, aliás, 873, o mais tardar. O documento é genuíno e nele figura o conde Vímara falecido neste ano. Este caso demonstra que a variedade de datas não depõe contra o anterior. Alude-se a «omnes terras et províncias Portugalensis». As «terras» são, sem dúvida, as circunscrições em que as «províncias» se subdividiram. Cada uma daquelas (como cada uma destas) podia ser um commissum, entregue para administração e um comes

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(o que é exemplo documentado o commissum de Refogios de Leza, no séc. X – a «Terra de Refojos de Riba de Ave» dos nossos inícios nacionais). A província tinha à testa um dux, e «dux magnus» se chamava aos condes de Portugale nos séc. X e XI, para os distinguir dos das «terras» (também duces, por imprecisão de designações). As províncias, porém, aí referidas são eclesiásticas – as dioceses da província civil: Portugale, Dumio e parte de Bracara (no que emendo o que exprimi no primeiro estudo, AF 38). E tanto assim que se dá, no diploma, especial relevo ao chefe civil, conde Vímara, e se citam os «comites terre», seus subordinados; e ao chefe eclesiástico, bispo Fredosindo (que nada tem com Rudesindo, ou Dumio), e «coepiscopi eius», subordinados seus. É mesmo possível que a falta de concordância sintática (Portucalensis), naquela expressão, se dava a uma ideia de unidade, subconsciente no espírito do notário: Portugale desde o Douro, pelo menos, ao Lima. c) Sampiro, ES14 442: «Tudae et Portugale comes», título do conde Hermenegildo. Interpolação, ao que se crê, de Paio de Oviedo (séc. XI-XII), mas título e facto real, que prova a existência dos dois condados, separados pelo Lima. O conde Hermenegildo desaparece em 911 e, portanto, a extensão lata de Portugale já se verificava cedo, séc. IX. Como o facto não convém à tese que atribui a sua origem ao repovoamento, iniciado em 868, talvez por ser prematura a extensão lata daqueles princípios, o prof. P. Merêa declara que

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tudo faz supor, «remonte a uma época posterior a 900» (PM 1213). Mas o prof. E. Sáez considera o conde Hermenegildo o imediato sucessor do conde Vímara em Portugale (Los Ascendientes de San Rosendo, pp.21-22 e notas), isto é, logo em 873; e o prof. P. Merêa acha uma tal «hipótese muito bem fundamentada» - o que o não impediu de logo a emendar, dizendo que Hermenegildo governou Portugale «só muito tempo depois do falecimento de Vímara Peres» (PM 20). A discordância, a meu ver, embora, realmente, como vimos, deva considerar-se de permeio o conde Guterre Rodrigues, que os historiadores não citam, revela a preocupação de não se admitir um elemento que mostra Portugale já extenso em 873 e, portanto, muito antes da causa que se atribui a essa extensão, o repovoamento, que mal tivera tempo de começar. d) Doc. DC 7, ano 870: a região vimaranense sita no «territorio Bracarensis urbium Portugalensis» - quanto a Bracara, a diocese, e, quanto a Portugale, a circunscrição civil, considerada a capital (urbs). De facto, está-se ao norte do Ave, já fora da diocese de Portugale: «província portugalense», portanto, e já na extensão lata. Isto dois anos após 868, ainda a repovoação, a bem dizer, recomeçava. O prof. P. Merêa considera a formação das «províncias» de Tude e Portugale, por aquele efeito, um facto paulatino, visto que fala no seu «desenvolvimento» ou evolução territorial (PM 17); e assim se compreende, desde que, como faz, se explique por um ato de repovoamento «centrado», em Tude e Portugale, respetivamente (PM 10). Não era,

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portanto, possível a extensão lata assim rápida, o Lima como subitamente atingido – além de o efeito de um «centro de repovoamento» (PM 10), Portugale, atingir as proximidades do outro centro. Apesar de figurarem o conde Lucídio e o bispo Gomado, não merece dúvidas a tada 870. O bispo não é forçosamente o mesmo que algum dos seus homónimos do séc. IX-XI (de Conímbria ou mesmo Portugale), pela região de que se trata, só deve ser o bracarense, além de poder haver transferências. O conde Lucídio, mesmo a crer-se que foi sucessor de seu pai, que vivia ainda, era então subalterno dele, como já expliquei (AF 27, 30-34 e 90-91): teria o commissum da «terra» em que Guimarães se situava e cujo nome aliás não se saberá (embora nos inícios nacionais se lhe chame «Terra de Guimarães», povoação que só existe desde os meados do séc. X) ou seja, um dos «comites terre» citados com o duque Vímara em 873, no LF 16. Convém notar que, em muitos casos, são os magnates quem, em interesse próprio, procede à presúria, ao mesmo tempo que, por sua proeminência ou categoria social, estão detendo a administração das «terras». Há, em meu ver, alusões ou fórmulas que não iludem a tal respeito: «venit dux cum sliis ducibus qui de suo genere erant» (doc. na Ver. Port. de Hist., III, p. 256); «comites vel forciores de stirpe» (doc em Ferreiro, Hist. de Sant., Ap. p. 137); «atque de stirpe prendiderut» (doc. em S’aez, Los Ascendientes, p. 17) – tudo referente à presúria e, sempre, altas estirpes. Não surpreende que o chefe da estirpe administre a «provincia» e, nas «terras», se lhe subordinem os filhos, - os casos dos condes

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Pedro e Lucídio, filhos do conde Vímara, respetivamente, em vida deste, no território de Bracara e no de Vimaranes. (No meu estudo anterior, AF 89-90, em razão do papel que o ilustre historiador atribui ao conde Lucídio, já em pretensa sucessão paterna, cheguei a dizer que o prof. Torquato Soares, Biblos XVIII1 201, duvida da data 870, como seria coerente com esse papel; mas tal não foi, do que peço desculpa. Verificando-se, pois, em 870, claramente, a aceção lata de Portugale, não me parece aceitável que se lhe dê por causa de um repovoamento começado dois anos antes e centrado em Portugale cidade.  Há naquele doc. DC 7, como no doc. LF 16, uma falta de concordância sintática: em urbium, por urbis; mas pode ser aparente (como no LF 16 vimos)) e, na realidade, uma alusão aos dois Portugales fronteiros, em sua margem do Douro cada qual. Sendo assim, resultaria uma situação que, de resto, não nos deverá surpreender se tivermos em conta o fenómeno de sobreposição ou paralelismo das divisões civis e eclesiásticas: a aceção lata de Portugale verificar-se-ia já nas duas direções norte e sul, pelo menos. Quer dizer: a província portugalense não só ultrapassava já o Ave em 870 para o norte (até ao Lima), como o Douro para o sul (até o Vouga). E talvez algumas indicações mais decorram desse facto.

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a) Um documento do séc. XI, mas referente a situações do anterior e que, neste, não seriam já novas, cita, «ad Portum Durio» (Porto e Gaia, sem qualquer dúvida), uma «villa Sancta Mari(n)a ex alia parte Durio quomodo et hanc parte Durio» (DC 420). Marina, até em documentos latinos, escreve-se Maria (com i nasal). Tratava-se, pois, de uma «villa» bimarginal, chamada também «Sancta Marina de Portugale», ou só «Portugale» (DC 25); doc. no Arq. do Distr. de Aveiro, II, 23), o mesmo que para melhor prova de identificação, «Sancta Marina de Portu Dorii» (Censual do Porto, p. 4). Designações todas, para mais, da mesma ocasião (cerca de 1115). Ainda hoje, é Santa Marinha a freguesia de Vila Nova de Gaia. Ora essa «villa» Portugale, de ambas as margens, é considerada de limites antigos: à unidade dos seus dois núcleos ou partes, pode, muito bem, referir-se o plural «urbium», do DC 7. b) Vigora ainda sobre o Provincial visigótico (séc. VII) o anátema que pesava sobre o Paroquial suevo (séc. VI) antes da sua reabilitação por P. David. Creio-o um documento fidedigno, isto é, nulas as razões contra ele fulminadas por V. de Parga. Ora, no Provincial, as dioceses de Conimbriga e Portugale, ao contrário do que se verifica no Paroquial, já não compartem no Douro, tendo como baliza comum Lora. Se o Douro continuasse a ser o limite, que no séc. VI ainda era, a baliza citada não deveria ser essa, mas Portugale (castrum antiquum), o da margem esquerda, que era, em absoluto, o ponto mais setentrional de Conimbria diocesana. Quer isto

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dizer que o rio havia sido, neste ínterim, ultrapassado pela diocese portugalense e, em tal caso, até ao Vouga, onde ficaria Lora (hoje, certamente, Loure, apesar das suas aparências, modernas e antigas, de um genitivo). Como, em regra, o civil seguia, neste tempo, o eclesiástico, nada mais crível que a ultrapassagem do Douro pela província civil fosse simultânea com a da província eclesiástica, se não foi esta que seguiu aquela. Esta circunstância até pode ser um título de legitimidade do Provincial: não se iri inventar ou forjar um documento, trabalhosíssimo como poucos, principalmente por sua toponímia, para se servir a diocese de Portugale contra a de Conimbria. (Este assunto é debatido no meu estudo Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas, pp.123-133, etc.). c) No colmelo de 934 da herança deixada pelo conde Guterres, filho do já referido conde Hermenegildo ou Mendo Guterres (cit. por PM 15 e Sáez, p. 17, podendo esclarecer-se, em meu ver, pelo DC 12, de data errada), citam-se lugares ao norte do Douro (Labra, Leza, isto é, Lavra e Leça) e, o que mais importa aqui, também ao sul, como Aquilini e Sanguineto (sem a menor dúvida, quanto a mim, Aguim e Sanguedo, c. Vila Nova de Gaia), sendo uns e outros situados aí «in Portugale». Não se deve crer que esta extensão portucalense para o sul é um facto recente. Ou, por outra: aquela expressão deve ser o resultado de uma longa tradição administrativa. Em suma, ainda que concedêssemos que faltam

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indicações de Portugale lato antes de Afonso III, o que é forçar a realidade, nem por isso se provaria a sua inexistência. Os documentos daquele período são raríssimos, e os que restam provêm quase todos de arquivos espanhóis, onde a perda foi muito menos grave. Muitos mais, para as nossas terras, deviam eles ter sido em arquivos portugueses. O facto de não termos indicações tais pode ser, e certamente é, uma aparência, resultante da perda documental. De qualquer modo, se, atendendo a essa falta, se nega Portugale no sentido extenso, não menos justificado é afirmar. Ora o que se tem feito tem sido apenas negar, o que não parece cabido enquanto não surgirem documentos anteriores a Afonso III que iniludivelmente revelem a inexistência. Atendendo ao exposto, tanto circunstancial como até documental, eu creio, porém, que esta não é aceitável.  Parece-me inteligível que, dizendo-se a respeito de Portugale cidade que «nada se conhece de positivo cerca do governo civil» e até do seu eclesiástico residencial (PM 10), se afirme que o repovoamento do tempo de D. Afonso III «teve como centro de irradiação» essa mesma cidade (PM 17), depois da «reocupação efetuada em 868 sob o comando de Vímara Peres»; isto é, que «Portugale foi centro de uma importante ação de repovoamento? (PM 10. Se isto se soubesse, muito saberíamos já acerca do seu governo civil, em residência condal e em irradiação de influência administrativa e mesmo, contro polarizador de todo o seu território. Não há,

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porém qualquer prova, e diz-se, simplesmente, que isso «sabe.se» (PM 10), mas creio que de nada consta, nem direta nem mesmo indiretamente. De facto, o aparecimento desta doutrina na nossa historiografia repousa, nitidamente, num círculo vicioso. Concluise que Portugal cidade foi um «centro de repovoamento» em razão da extensão lata progressivamente tomada pelo nome; mas, por outro lado, explica-se esta extensão lata atendendo a que aquela cidade foi um «centro de repovoamento». Ora parece claro que um dos factos pode nada ter com o outro, e até de serem de épocas muito diferentes. Inclusivamente, pode tratarse de uma consequência administrativa em época muito anterior, mesmo que não existissem dos documentos e indícios que já apontei. Além de tais circunstâncias, indícios e até documentos, é possível por a uma tal doutrina outras sérias reservas. Em primeiro lugar, seria necessário definir o que se entende por um «centro de povoamento», sobretudo se se atender a esse fenómeno de «irradiação». A ideia de progressão, do núcleo para a periferia, cada vez mais vasta, é evidente. Por outro lado, há ainda nos propugnadores desta doutrina a ideia de «presor» como dirigente ou coordenador daquela tarefa, na feição de presúria, identificado ao próprio conde de Portugal, como se nota em prof. T. Soares, Biblos XVIII1 201, nota). Esse «centro» seria, pois, a residência do conde principal, o da província; mas não há o mínimo indício do caso com o conde Vímara ou qualquer dos seus sucessores – antes pelo contrário.

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Mesmo a aceitarmos a tese que discuto, ver-nos-íamos, ao invés, obrigados a duvidar de tal residência. Basta reparar que essa mesma tese mostra Portugale, em 868, na última decadência (PM 9-10 e 11-12), da qual se nãose ressarciria em breves anos (aliás em breves séculos). Pior ainda, não falta àquela tese a própria contradição de se entender que a cidade, pela sua arriscada posição, sofreu um abandono progressivo, cedendo o lugar de chefia a Vimaranes (prof. T. Soares, Vímara Peres, pág. 13). Esta ideia foi por mim bastante criticada (AF 8488), embora crente de que Portugale, de facto, longe de se desenvolver, decaiu progressivamente desde 868, sucedendo o contrário no seu território; e isso por Mouros e Normandos, não obstante ser costume não olhar à circunstância. Um centro irradiante pressupõe uma ação casa vez a maior distância dele. É a génese do «desenvolvimento» distrital afirmada pelo prof. P. Merêa (por exemplo para Tude, PM 17): a génese, segundo a tese, da província portugalense. A presúria, pois, deveria ser tanto mais tardia quanto mais longe desse núcleo se praticava. Está longe de ser o que encontramos, mas em pontos dispersos desde logo, - de seguida à reconquista da cidade (868) à segunda efémera dominação arábica: em 870, na região de Guimarães (conde Lucídio subalterno, DC 7); por esse mesmo tempo, na região de Braga (conde subalterno Pedro Vimaraniz, irmão daquele, LF 22); na região de Penafiel (bacia do Sousa, DC 9), na de Basto (DC 304) e até mesmo já no sul do Douro (DC1, data errada). Quer dizer: logo nos primeiros anos de Afonso III

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a presúria se manifesta, não em progressão centrada em Portugale cidade, mas em pontos dispersos e isolados, através de todo o território. Portanto, uma realização dispersiva, o que concorda maravilhosamente com a inexistência do despovoamento, inexistência esta que o próprio prof. P. Merêa admite (PM 10). Se fosse necessário, uma das circunstâncias provaria bem a outra, consoante as necessidades historiográficas. A gente que vinha presurar a par de Bracara, por exemplo, é claro que não partira de Portugale cidade, nem recebera diretivas de conde residente aqui: vinha diretamente de além Minho (doc. em L. Ferreiro, Hist. de Sant., II, Ap. nº 25, etc.). É bem flagrante o caso documental da vinda de altos próceres (duces) para ocupar villas onde pudessem «inter Mineo et Durio», o que fizeram depois da expulsão das «gentes hismaelitarum» (doc. na Rev. Port. de Hist., III, p. 258). O próprio Asfonso III indica o sentido da progressão repovoadora: «de Tudense urbe usque Eminio civitate», até Conímbria (doc. em Ferreiro, II, Ap. nº 15). Os chefes provinciais faziam presúrias por si e para si, e, devendo esperar-se, caso houvesse uma irradiação, as operassem cerca da sede, como primeiros e preferidos a atuar, elas surgem-nos em pontos muito afastados e até em províncias de outro chefe. É o caso do conde que em 878 libertou Conímbria, o conde Hermenegildo sobredito. O prof. E. Sáez (Los Ascendientes, pp. 16-17), referindo-se aos haveres donstantes no colmelo da divisão pelos seus netos, em 934, diz que ele os possuiu «em consequência da ocupação de Coimbra» e, portanto «como

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presor principal». Ora esses casos situavam-se na região de Coimbra, o seu condado; ao norte do Vouga e do Douro (a província do conde Vímara. Portugale, onde, portanto, também pôde presurar) e ainda ao norte do Minho. Aquela expressão «presor principal» nada tem com o administrativo: significa, certamente, o poder e proeminência social, e não reflete uma ideia ligada à de «centro de repovoamento». Basta notar que o prof. E. Sáez, que a usa, é tão contrário à tese portuguesa de uma direção sul-norte ou partida de Portugale (refiro-me ao repovoamento ou presúria), que a critica nos termos mais severos (ob. cit., pp. 16-17). Também eu a desdisse da maneira mais formal (AF 24-27), sem conhecer aquela opinião (como, aliás se verifica em AF 100). Dela vim a saber já depois de publicado o meu trabalho; quando não, nunca teria eu apresentado a linhagem de AF 112. Os condes das províncias (duces magni) e os seus subordinados (comites terrae) presidiam aos apossamentos próprios. No mais das ocasiões, concederiam a insígnia e o alvará em nome do rei, visto que este não poderia atender a todos os casos. Por isso é que, na menção de presúria, não transparece a hierarquia que seria de esperar segundo a tese que critico e sobretudo se «a atividade repovoadora dos presores de Portugale (sic) precisava de ser superiormente coordenada com a de outros presores» como o diz o prof. T. Soares, Biblos XVIII1 201 e 203). O mais que se encontra é a alusão ao rei, quando se refere ao conde, como não podia deixar de ser (DC 7, LF 22). O rei é citado, só ele, por vezes

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(DC 304), o que melhor evidencia a significação da circunstância, mais realçada ainda pelo facto de, se não erro, só muito raramente se mencionar apenas o conde. No geral, nem rei nem conde (DC 6, 9, etc). Estes casos parecem-me significativos.  De toda a exposição feita e em conformidade com o primeiro estudo, considero de aceitar: - «A primitiva província portugalense», criada por certo, não antes da segunda metade do séc. VI, coincidia com a diocese (separada da de Bracara, do mar ao Corgo e do Ave ao Douro); e governava-a um dux ou mesmo um comes. - Paralelamente ou de acordo com a divisão eclesiástica, essa província estendeu-se, na época visigótica, para o sul do Douro, até ao Vouga. Não deixa até de haver probabilidades bastantes de ter-se estendido, também nessa época, para o norte do Ave. O facto de existir um núcleo bimarginal de nome Portugale, estando a sede eclesiástica e civil na margem norte, predispunha à expansão para o sul. Por isso ainda no séc. IX-X existia uma «villa Portugale» cortada pelo Douro, mas unida pela passagem, o Portus Durii. Quanto à extensão para o norte do Ave, poderá ter resultado de Bracara ter perdido a função civil, como adiante refiro. - Sob Afonso I, se antes não foi, essa província civil estendeu-se ao Lima, pela restauração régia do eclesiástico (bispo Oduário) e do civil, sobre as

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populações existentes e com s que regressavam «ad patriam» (Seb. ES13 484). No seu tempo, de facto, Portugale, Bracara, etc., foram repovoadas («eo tempore populantur», Seb. ES13 484), atuando em Bracara o seu bispo refugiado, Oduário, que, diz-se figuradamente, a reergueu «de succo mortuorum» (LF 22). Em 873, inventariaram-se os limites daquela cidade (LF 16) e esta, com seu arredor e por esses limites, foi entregue, ou mesmo restituída (se a posse, como é de crer, vinha de mais longe), ao bispo («cum omni suburbio episcopatui sui», LF 16), sendo Vímara Peres o conde – o de Portugale, que, portanto, compreendia esta região, até o Lima. O feito retira a Braga a função civil, em sede e em território, com o que concorda o facto de nunca mais se revelar nela um indício de tal função. Esta devia, pois, estar noutra parte. (Contra a ideia da sede religiosa simultânea da sede civil em Bracara, ver o meu estudo Ainda Ponte de Lima, pp. 206-211). - Depois da efémera reocupação arábica (866-868, deu-se a reocupação pelo conde Vímara. A ação deste não tem outro sentido: se maior o possuísse, admiraria que só um sucintíssimo epítome (Laurb. PMH Scr. 20) lhe fizesse referência. Nem sequer a Chronica Gothorum, escrita sob um ângulo estritamente portugalense. Ainda que a autenticidade do documento que noticia a reocupação arábica de 866-868 possa dar margem a dúvidas (ES18 312-313), o que restaria discutir, é o facto que os apócrifos são em geral construídos com materiais verdadeiros. Com esta pequena escala a que reduzo a famosa ação do conde Vímara, em 868, concorda não ter

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havido despovoamento suficiente para engrandecer a ação de repovoamento ao grau a que tem sido magnificada. - Depois daquele facto, ao perigo sarraceno juntou-se o cada vez maior perigo normando. São invasões sobre invasões a que se acha exposto o litoral, sobretudo a cidade de Portugal, pela sua arriscada posição de passagem e porto. O conde de Portugal é morto pelos Normandos em 1008; e creio que o seu sucessor teve igual sorte em 1016. A cidade decai progressivamente. Até à sua doação aos bispos, já no séc. XII, nada ocorre que lhe mostre vulto: dir-se-ia existir apenas o sítio – e só depois de acabado o perigo arábico-normando (séc. XI), que não impediu o progresso no interior, é que retomará o curso da existência. Nos meados do séc. XII, a carta do cruzado inglês revela a tradição de um aniquilamento por Mouros ainda na segunda metade do século XI, «desolata ab introito maurorum» (PMH Scr. 393). Por Normandos também. Mas, através de tudo, a Província Portugalense mantevese. O período mais grave poderia ter sido o dos poucos decénios até Afonso I sobrevir. Mas é facto que, de acordo com a restauração da velha província suévico-visigótica, há a notícia de condes nesta província (e, portanto, da sua vigoração) desde aquele rei. Citando-se todos os bispos desde Oduário, em Bracara, referem-se às possessões na cidade e arredor, desde Oduário possuídas «subtus gratia de reges que illa terra imperarunt et in face de illos comites qui illos conmissos tenuerunt» (LF 22),

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- os condes de Portugale, na extensão lata. Não se duvidará pois, da sua existência já antes de Vímara Peres. (A importância que dei à evolução da província portugalense em território, já antes da conquista muçulmana, com aspetos que sou o primeiro a reputar ousadíssimos, mas que nem por isso deixam de me parecer justificados, não pode ser aqui devidamente explanada. É assunto de um estudo que, sob forma de comunicação, apresentei, solicitado, ao Congresso de Portugal Mediévico, realizado no Porto em Junho de 1968 para comemoração do 11º centenário da conquista de Portugale pelo conde Vímara Peres. Como não consigo libertar-me do meu cárcere, creio que pela minha involuntária ausência, não foi lida essa comunicação; mas é natural venha a ser publicada, e então poderá entender-se da justificação dos meus assertos).

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V

PROBLEMAS NOS INÍCIOS HENRIQUINOS (1086-1096)

Revelou-se na última edição autónoma da obra do prof. P. Merêa De «Portucale» (Civitas) e na mais recente edição de Como Nasceu Portugal, do prof. Damião Peres, ambas de 1967, alguma perturbação na posição historiográfica sobre os inícios do governo do conde D. Henrique, devida ao meu estudo Do Porto Veio Portugal (1965). Certos aspetos da minha doutrina foram criticados pelo prof. D. Peres, como o foi comigo, por ter aderido neles ao meu parecer, o prof. P. Merêa; e, ultimamente, tendo o Dr. Rui de Azeredo impugnado, pela primeira vez, quanto à sua data, os três documentos base da minha dissertação, regressou o prof. P. Merêa à sua posição anterior. Dos Estudos Gerais de Angola havia solicitado o prof. T. Soares ao dr. Rui de Azevedo um novo exame aos ditos diplomas, sobre que assentava uma tese tão revolucionária como a minha; e, tendo-o o ilustre diplomatista operado, participou-o a todos, nanja a mim, que estava igualmente interessado e na origem do problema. Estas intercomunicações dos 121

quatro vultos mais representativos da nossa atual historiografia quase me sugerem, assim, uma sorte de união sagrada, para restauração e defesa de uma posição que todos haviam tomado e ficara combatida. Daí a sensacional descoberta; mas, mais do que nunca na minha tão arredada vida, senti-me na solidão e no abandono. Ora, se aquela me apraz, este já não, pelo que significa de privação total de auxílios, que os outros se intercomunicam. Em todo o caso, como nunca na minha vida os tive, não me atemoriza o ter de lutar sozinho. Têm estas novas notas por finalidade verificar até que ponto vale aquela nunca até hoje sonhada conquista diplomática, e observar em que medida baseia a tese que pretende defender ou, pelo contrário, a perturba. Talvez possa dizer que a minha é, ainda, a que responde a todas as dificuldades; mas, se não se aceitar, ao menos será natural pensar que, depois da intromissão que ousei, cada vez estamos menos às claras no problema dos inícios henriquinos, que são, afinal, os de Portugal propriamente dito. Quero lembrar, antes de prosseguir, que, confessando-se o prof. D. Peres grato à minha intervenção sobre DC 834, declara não ter que me agradecer a impertinência que nisso usei. Como sou culpado de palavras que, apesar do procurado comedimento e respeito, mesmo veneração, comprometeram as minhas intenções e até sentimentos, eis aqui uma de desculpa com o ilustre historiador, - o que estendo a outras que igual impertinência possam lembrar nas notas anteriores, palavras essas e até frases que hoje não escreveria se antes hou-

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vesse saído o tomo I de História e Direito (1947), do prof. P. Merêa, e houvesse tido a grata oportunidade, que depois se me apresentou, de aquilatar da nobreza de sentimentos dos dois insignes historiadores comigo. Darei o resumo da minha doutrina, com algumas leves alterações (nada devendo à crítica diplomática sobre os três documentos base que já referi), e apor-lhe-ei as notas necessárias, para se verificar se as novas opiniões podem afetála, no todo ou em parte, ou se, pelo contrário, a deixarão indemne ou mesmo reforçada. É ele como segue: De 1086 para 1087, surge o conde Raimundo, genro de Afonso I, no «governo geral» da Galiza, estendido até ao Douro. Precisamente nessa altura – o que é sintomático de uma relação - , cessa a administração do último vicarius regis ou cônsul portugalense, Paio Guterres, e, como de outro não há mais notícia (sendo certo que aquele sobreviveu à saída), poderá crer-se que, com o referido «governo geral» em Raimundo, foi entregue a tenência de Portugale (Minho-Douro) a seu primo D. Henrique, que lhe ficou subordinado (Notas B e C). Morrendo o cônsul Sisnando (agosto de 1091), foi a sua província, Colimbria, unida àquele governo geral (Nota C); e, em 1093, depois da reconquista, igualmente o viria a ser a nova província de Santarém. Estas extensões favoreciam geograficamente a expansão da autoridade de Henrique para o sul do Douro; e a verdade é que os tenentes raimundinos

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de Conimbria e de Santarém foram arredados de 1093 para 1094 (Nota D). Coincidindo quase com este facto, dá-se outro, não menos importante: toda a referência direta de Raimundo a Portugale (Minho-Douro) cessa dentro de alguns meses, por uma espécie de «estatuto» novo ou diferente para essa província. Pode ele explicar-se apenas pelo senhorio hereditário, com alodialidade, advindo a Henrique por casamento (Nota E e Nota H 2-3). Em fins de 1094 (?), temos dele notícia em Coimbra (Nota F), o que não quer dizer que a obtenção não fosse meses anterior – ao contrário da de Portugale, devendo-se aquela, não a uma concessão régia, mas a um pacto entre dois primos (Nota G). Em concordância, começa Raimundo a intitular-se apenas vagamente para «toda a Galiza» (Nota H 1 e 4). Ainda em 1095 o conde Raimundo inclui em seu título Santarém e Colimbria; mas D. Henrique vai-se-lhe tornando cada vez mais alheio durante 1095-1096, em cujo mês de agosto ocorre a última e naturalmente espaçada referência de Raimundo ao sul do Minho (Colimbria, Nota 1). O obscurecimento raimundino coincide com a exaltação henriquina, plena em 1096-1097. (Abreviaturas: além das já referidas e usadas, utilizarei: HD – História e Direito, tomo I, 1967, pelo prof. P. Merêa; CNP – Como Nasceu Portugal, 6ª edição, pelo prof. D. Peres; ML – Monarquia Lusitana; HS – Historia de la Iglesia de Santiago, por L. Ferreiro.

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- Nota A. O opúsculo do prof. T. Soares A Presúria de Portugale (Porto) em 868, publicado, como as referidas obras dos prof. D. Peres e P. Merêa, em 1967, embora não contenha qualquer alusão a doutrina minha, interessa igualmente que elas a estas notas, pela sua divergência do meu parecer (expresso em AF 920, 40-53, 68-88, etc.) Nada surge de novo, pelo menos com poder de apoio à tese do ermamento e de repovoação levada de sul para norte (Biblos XVIII1 187-208): trata-se de considerações dedutivas unicamente. 1. – Depois de arquitetada aquela tese, poderosos desmentidos sugiram para ela. Contra eles, embaterão inutilmente todas as tentativas de a salvar. O argumento da paroquialidade (e não o da «hagiotoponímia», como o e a entendeu o prof. P. David.) é suficiente para a derrubar sem remissão, diga-se o que se disser. a) Dispõe precisamente a região do «ermamento» - a interamnense -, contra tal doutrina, dos dados do Censual de Braga, de um dos primeiros decénios do séc. XII (embora erroneamente considerado do XI): centenares de freguesias em funcionamento pleno, revelando um vasto e remoto povoamento. O seu número condiz com o da atualidade, o que, evidentemente, não quer dizer que o montante da população seja o mesmo; mas é mais que bastante para se julgar de obra de muitos século, impossível a partir de 868, como se quer.

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A esta conclusão inconfundível procura opor-se uma ideia de que, tendo o «ermamento» durado século e meio («desde a segunda metade do séc. VIII até aos fins do século seguinte»), a repovoação ficava facilitada pelo facto de bastar reconstruir igrejas e suas casa em volta, apenas arruinadas como estavam, e de ser breve a recuperação dos terrenos outrora cultivados. Mas pouco tempo basta a uma casa abandonada para cair em total ruina, dela restando apenas o acervo de pedras – e não eram estas o que facilitava por demais a reconstrução (pedra sendo o que menos faltava, mesmo que já não partida) – e para um campo ficar completamente arruinado para o cultivo, por abandono às intempéries e à vegetação, pelo menos. De resto, a alegação deve assentar no ilogismo de se entender que o estado anterior era análogo ao resultante, tratando-se, por outras palavras, de repor um estado de progresso. Mas é que tudo se haveria modificado, em geral, se tal calamidade se desse. A direção de repovoamento irradiado de Portugale veio opor-se à velha e exata doutrina da proveniência nortenha. Notese que não dou vulto a tal proveniência, por isso que descreio da ermação como no-la pintam; mas – escusado dizê-lo – alguma que houve, aqui e além, mesmo com certa frequência, remediou-se no norte, - sobretudo pelo retorno de refugiados «ad patriam» e também por certos elementos novos. Nunca, porém, exageradamente. Exemplos de presúria sobre terras e igrejas encobrem, muitas vezes, escandalosas extorsões ou arbítrios. Por que razão não produziu noutra parte a

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conquista muçulmana e ação cristã consequente efeito tão extenso e tão profundo? O grande problema eclesiástico BragaLugo, ainda não solucionado, creio-o no âmago da explicação. Se do norte não vinha essa vaga de presores (ou, na maior parte das vezes, ladrões verdadeiros, que é o que eram, se foi como se alega), donde vinha ela, pois? O prof. T. Soares apela para a Beira atual, por ser «região profundamente arcaizante». A frase não poderá constituir explicação; e também o não é a ideia de que há menos contraste entre as populações interamnenses, nessa época, e as «beiroas» (prova pretensa da transfusão), do que entre aquelas e as norte-minhotas. Nada o prova, nem étnica nem linguisticamente; nem mesmo na história. A união sul-duriense foi, em todos os aspetos, um resultado da expansão por conquista e política (como sucedeu com as populações alentejanas). Era o seu sentido natural. Se Portugal o tivesse para o norte, o resultado seria outro. Mas suficientemente alheio a maiores afinidades. Nem se compreende como podia uma região que Afonso I também «ermara» e abandonara (até Viseu, e, deve concluir-se, Coimbra, logo, no entanto, restaurada, sob a égide muçulmana) fornecer população à interamnense. E, quando a «Beira», em breve, houve de ser «repovoada», de onde lhe adveio a população? O topónimo Coimbrões, perto do Porto, que, para o prof. T. Soares, é indicação de que de Coimbra, ermada antes da «presúria» de Portugale, veio gente ali repovoar, pode e deve corresponder a outra época, mas, ainda a ser desta, não o provaria.

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O ilustre historiador postula um despovoamento do vasto distrito conimbricense por garantia para o repovoamento do Norte – uma nova «cinta desértica» como a de que, outrora, lançara mão Afonso I para proteger o núcleo asturiano. Para mim, é sempre um conceito derivado da errónea interpretação corrente de uma frase do crónicon Sebastiani acerca do regresso «ad patriam». Em tempo algum se deixou de garantir uma defesa na «extrema» por castelos, populações e guarnições. O contrário não era proteger, mas dar campo aberto: mesmo despovoado, ou até melhor por isso, não era um areal seco e infértil, porque havia águas, havia frutos, havia casas, mesmo arruinadas (nunca a devastação poderia alcançar todas as fontes e nascentes, os edifícios todos, o total das árvores frutíferas, etc.), e, portanto, garantia-se uma passagem fácil às invasões. Se essa tese do ermamento de Coimbra fosse verdadeiro como proteção de Portugale, teria de se supor, dez anos depois, o ermamento de Santarém e Lisboa para proteger Coimbra. De onde consta? O ermo da alta Estremadura ainda no século XII é utópico. Também não é natural que, passados dez anos, o povoamento de Portugale tivesse produzido efeitos tão maravilhosos, num ermamento tão profundo, que, logo de seguida, se dispensasse a tal proteção desértica; e de onde veio a população para repovoar Coimbra, desde 868? Nada vale o topónimo Coimbrões, mesmo a significar o que pretende o prof. T. Soares (população repovoadora vinda do sul para o norte), perante tantos exemplos toponímicos igualmente remotos, de

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uma proveniência do norte. Juntá-los-ei aqui aos casos documentais dessa proveniência que, ao contrário destes, alinhei no primeiro estudo (AF 25-27): Galegos, Limões (Limianos), Minhãos (Minianos), Esturãos (Asturianos), Bretões (que nos lembram os Britones da Galécia no Paroquial Suevo), Vasconha (que nos recorda, do séc. X para o XI, o «comes de Vascones», os quais são «Vascones Galleciae»também, ES 40 410-411), Guimarães junta a Coimbra (bairro de Celas) e junto a Trancoso (tão ligado a Guimarães no séc. X, DC 61 e 420), parecendo-me topónimo de importação, Vasconcelos (de Vasconços), Guimarancinhos (Vimarancinos), Bobeses ou Bubeses, de origem em Buvalenses (gente que veio de Buval, comisso galego do séc. X e já paroécia sueva de Orense, no s+ec. VI), etc., quase tudo na Beira, mas também em Trás-osMontes e na região interamnense, e sempre muito anteriores à Nacionalidade. Mas, mesmo com estes, é reduzido o número de casos, em confronto com a vastidão que se alega para o ermamento e repovoação. A toponímia genitiva antroponímica não se pode garantir para os «presores» da Reconquista, como se diz. Certamente que é muito anterior. Então, já se não usavam genitivos, nem mesmo tradicionalmente. As fontes dessa toponímia não dão a menor ideia de recentidade: pelo contrário; e se nelas se fala de presores denominados, nunca os locais da sua presúria recebem os seus nomes. Escusado dizer mais do muito que havia a este respeito.

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b) O caso paroquial é tão flagrante, relacionado como é, sempre com o montante populacional e o progresso das populações, que podemos, por estudo feito, estabelecer duas expressivas razões entre o número de paroeciae suevas (séc. VI) e o de paróquias dos séculos XI e XII, respetivamente para uma região hoje e então muito e outra hoje e então pouco povoada, e formar, com elas, uma proporção manifesta:

sendo p e p’, respetivamente, o «pouco» do séc. VI e do séc. XI, e P e P’, igualmente para o «muito» de ambos os séculos e de todo análogo ao de hoje, - e isto em qualquer região. A constante é um facto, na sua expressiva aproximação e sem embargo de uma outra desigualdade local ou mesmo regional restrita. Resulta que nunca houve a calamidade social que se aponta, e a comparação do Paroquial suevo com aquele estado nos inícios nacionais é relevantíssima, sobretudo na região distrital do Porto. Com uma fórmula matemática, não quero ironizar; mas prevejo que o fará quem seguir a tese oposta, a qual, tendo cada vez menos com que se defender, por isso mesmo resistirá a todas as quase evidências. 2. – O ermamento conimbricense como cobertura da repovoação portugalense do conde Vímara Peres não resiste às suas próprias incongruências;

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tão-pouco se firma mas pretensas bases documentais, como o epitáfio do bispo Nausto (de que cuido ter dito o bastante em AF 16-17), inscrição essa que continua a ser explorada. O vulto de Portugale (Porto) depois da famosa «presúria» de 868 é outra utopia, porque é precisamente desde então que tudo nos falha para esta cidade, a qual só passados alguns dois séculos começa a ser falada no insignificante estado de um burguete que a rainha D. Teresa não pôs grande questão em alienar da sua «hereditas» portugalense a favor da sé, aí reinstaurada. Depois do conde Vímara, não há, de facto, uma palavra claramente respeitante ao lugar de Portugale – e seria matéria de discussão se, na alusão do epítome laurbanense, se não trata de um corónimo. Não quero, porém, insistir nesta particularidade, por assentar na minha tese portugalense prémuçulmana e não me parece curial tomar uma tese minha, com todo o seu condicionado natural, para base de discussões. A ligação persistente de Guimarães ao conde Vímara, resultante de um equívoco bastante embaraçoso (AF 54-55), sobre um passo de LF 16 (de 873?), é um teste de resistência a todo o custo. E não só essa ligação, mas a de outra, não menos embaraçosa, a de Vama a Vimaranes (Guimarães). O conde Vímara tem tanto de Guimarães como com outros Guimarães ou topónimos de sua família no País e com o topónimo de Guimbra, de certa frequência: há nas origem um Vímara; mas quem pode asseverar ser o conde? Tudo, aliás, quanto ao possessivo, indica o contrário.

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O epítome laurbanense diz que aquele conde morreu em Vama, e logo se passou a julgar que Vama e Vimaranes se correspondiam. Se à morte dele ainda se dizia Vama não era depois que se mudaria para Vimaranis «villa», um possessivo retroativo sem sentido e que seria caso inédito na história toponímica. Esta observação mesma eu já a fiz (AF 86); ora passou-se a ligar o nome Vama ao dilatado outeiro sobre Guimarães, onde o castelo se ergueu. Mas o seu nome era «monte Latito», já nesse tempo: e a localidade, mais ou menos, tinha então três nomes, Vimaranes, Vama, mons Latitus? O facto de Vimaranense aparecer na descendência do conde Vimara nada indica a favor deste: procede nela do marido da condessa Mumadona, bisneta do conde, como mostrei (AF 87 88). Quanto a Vama, era uma «villa» cerca de Compostela – uma «villa» do rei Afonso III e da rainha D. Ximena, sua mulher (doc. cit. pelo prof. E. Sáez, Los Ascendientes, pp. 25 e 53): aí tinham, naturalmente, um paço, e aí se dirigiram em 873, depois da assembleia de Braga (LF 16), ocorrendo aí a morte do nosso conde, o restaurador do condado portucalense, o qual havia seguido para aí integrado no séquito régio. Não regridamos às historietas toponímicas dos séc. XVIIXVIII: Vímara, Vimaranis, Vama são coincidências gráficas e sónicas sem qualquer significado naquela direção. - Nota B. 1. – Extinto o condado portucalense em 1044, ficou a província sob administração triunviral até

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Círculos cheios: as paróquias suevas. (Não se assinalam as de Bonzoaste, Curmiano, Tongobriga, Villa Gomedei e Cepis). Linha tracejada: os limites da diocese sueva. Linha ponteada: limites do atual distrito do Porto. Letras isoladas: iniciais dos nomes das atuais sedes de concelho.

1065, em que se iniciou um regime vicarial ou consular, que duraria até 1086-1087. Foi esta a minha doutrina, à parte um encurtamento de tempo para Portugale consular. Às objeções parece-me ter respondido; mas não são inúteis novas considerações. Em CNP 52, relativamente à redução de autonomia que Fernando Magno imprimiu à administração portugalense, lê-se que o prof. P. Merêa pôde «impugnar recente doutrina» minha. De facto, assim foi; mas parece-me em vias de reconsideração, além de se ter servido de infundadas opiniões de outro autor (dr. P. Avelino Costa). Convém lembrar esse parecer: em razão dos docs. LF 98 e 99 (e LF 544 também), de 1073, supostamente relativos a Chaves (o outro é-o a Montene-

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gro), Paio Guterres mandaria aí e era, pois, um «simples representante de Afonso VI na diocese de Braga». O prof. P. Merêa, certamente com apoio do prof. D. Peres (CNP 52), aceitou aquilo, contra a minha tese de Paio Guterres vicarius regis em todo o Portugale (Minho-Douro) e, portanto, de regime vicarial ou consular. Creio, porém, ter provado que esses documentos de 1073 respeitam a Braga, - o bastante para derrubar a oposição. Mas há outro facto que, só por si, a desfaz e que só agora aponto: é que, naquele ano, como antes e depois, quem governa em Chaves não é Paio Guterres, mas Fernando Mendes, o primeiro Braganção do nome: «princeps terre Ferrandus Menendi… in Flavias» (LF 359 e 400, etc.), em 1072. Mais que bastante. Também a errada interpretação dada pelo dito autor a um diploma triunviral e que já explanei, poderia mostrar-se ainda muito simplesmente. Seria, por exemplo, incompreensível que o bispo de Compostela requeresse ao rei, o mesmo que aos poderes públicos, a repressão de um caso do foro particular da catedral, já que, segundo se alega, se tratava dos seus «representantes». Seria isso quebrar privilégios que procurava defender. Mas tudo é claro: eles são os «magnae diginitatis viri gubernantes terram portugalensem». Quanto à aludida impugnação da minha tese triunviral, deve notar-se que o prof. P. Merêa, que a fez, acrescenta-lhe agora: «no entanto, a aproximação dos docs. 376, 387 e 421 dos DC e nº 23 do Liber Fidei parece favorecer aquela ideia» (HD 197). À exceção de um, foi com eles que eu construí a minha doutrina. De facto, os DC 376 e 421 abo-

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nam o triunvirato Gomes Eicaz – Mendo Gonçalves – Godinho Viegas; e o LF 23, o triunvirato Godinho Viegas – Eirigo Espasandes – Martinho Sandines (como em AF 154 deduzi, embora o mestre me não refira). O triunvirato Diogo Troitosendes – Sisnando Anes – Tedo Teles (DC 437) era o único tido em vista. Mas o DC 387, que o mestre também considera para o caso, nada tem, em meu ver, com ele. Figura aí, é certo, um membro do triunvirato de então, Mendo Gonçalves, mas há-de ser a título de mandante da «terra» da Maia, cuja administração foi de seus antepassados, sua e de seus descendentes diretos (DC 273, PMH-S 10; DC 366, etc). Para melhor evidência da evolução do insigne historiador na apreciação destas figuras magnáticas, deve notar-se que ele, em tempos, considerava aquele prócer num pleito – precisamente para o caso de DC 387 – como um simples árbitro ou indivíduo nomeado «ad hoc» (Portugale XIII 44). 2. – Além do que já expus sobre administração consular – tempo da sua instauração em Portugale ou da sua concomitância com a de Colimbria - , há o contraste que se deve estabelecer entre DC 549 e os restantes documentos referentes ao cônsul Sisnando. Basta confrontar dois que versem matéria judicial e administrativa idêntica. Assim: - DC 549, referente a 1064, Coimbra já era cristã. É o rei quem intervém: manda um chefe da província (Portugale) e, por este, ao do distrito (Santa Maria) «exquirisent» e julguem certa causa. Não há cônsul; não há poder consular, tanto em Portugale

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como em Colimbria: realmente, o chefe provincial era-o triunviral ainda (Diogo Troitosendes). - DC 888: já é o chefe da província (Colimbria) a ordenar ao do distrito (Lamego) seja «exquisita» e julgada outra causa. O rei não intervém: há o cônsul (Sisnando), dispondo de um poder que ele mesmo define: «fazer quanto eu entenda por bem» (DC 699). Esta diferença deveria ser, na aparência, um resultado da inexistência de Portugale consular; mas é que também Colimbria consular n ão existe ainda (DC 549), visto Portugale possuir ainda Santa Maria (ao sul do Douro, extensão contrária a Colimbria consular, DC 699). São, assim, várias as razões por que, hoje, considero eretas as duas províncias consulares à roda de março de 1065. Embora o assunto me haja levado já, num dos capítulos anteriores, a um desenvolvimento um tanto prolixo, mas que entendi necessário, não hesito em apresentar aqui a suma dessas razões: - Pela combinação dos ditos DC 549 e 888, por um lado, e de DC 437 e 699, por outro; - Não haver declaração documental peremptória da criação de Colimbria consular logo após a conquista da cidade.«; - Serem Sisnando e Mendo Gonçalves apresentados pelos coevos ou por si próprios, como de iguais poderes (DC 699, PMH-S 10); - Ter a remodelação territorial afectado as duas províncias, facto correlativo da sua instituição em regime novo e da investidura dos seus chefes;

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- Parecer datar de então entre nós o uso do título «cônsul», expresso em casos de semelhantes funções: conde D. Henrique (talvez porque o havia sido, em minha tese, antes de 1094), o conde Fernando Peres e, no tempo da autonomia de D. Henrique, os seus substitutos D. Teresa e Soeiro Mendes (Hist. Comp. I c. 8; ML III 9 c.; DP3 112). 3.- As ligações familiares influenciavam poderosamente a obtenção. Nem aos monarcas era possível ou conveniente ignorá-las. É bem sabido que o sucessor do cônsul Sisnando em Coimbra (subordinado logo a Raimundo) foi um seu genro, Martim Moniz (DC 641), e melhor diríamos que sua filha D. Elvira (DC 793). A influência desta dona, revertendo ao marido, não provinha apenas do pai, mas de descender directamente dos condes de Portugale, por sua mãe, que era neta paterna de último conde (LF 173 e 202). Avô de D. Elvira foi, de facto, Nuno Mendes, que tinha, honorificamente o título de conde e, quanto a mim, sucedeu, sem dúvida, àquele primeiro cônsul, Mendo Gonçalves. Pela estirpe a que pertencia, sobrepunha-se ele a outro qualquer nesta sucessão, sob a égide do rei Garcia, embora fosse de esperar na família do falecido. Assim aconteceu, em meu entender. Logo que Nuno Mendes morreu (em combate pela libertação portugalense), passou o cargo a Paio Guterres, genro que fora o primeiro cônsul. (Casara, de facto, com a filha deste, Doroteia: LF 98 e 122, PMH-S 180. Dordia ou Dordea é a forma romance de Dorotea).

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Seu cunhado, Soeiro Mendes, embora chefe da linhagem maiata, talvez ainda se não considerasse de idade suficiente para tal sucessão; mas poderia destinar-se a tê-la se a influência cluniacense se não se impusesse ao rei numa primeira forma de autoridade para D. Henrique: o governo da província de Portugale (Minho-Douro), exonerado dele Paio Guterres. Este, de facto, não governou sempre, pois aparece ainda uns dez anos depois (DC 866). É de crer que esta nomeação régia coincidiria com a criação do governo geral da Galiza para Raimundo, genro do monarca: assim ficaria Henrique tenens de seu primo em Portugale. Talvez por isso mesmo não tivesse chegado a haver uma vassalagem prestada a Afonso VI, contrariedade que à minha doutrina da subordinação me tem sido posta pelos ilustres historiadores. Diz um deles que, «sem documentos não há história» (CNP 73). Foi a minha preocupação de sempre; mas, além de não haver construtor de história que não tire ilações, o jogo das circunstâncias e até indícios não podem ser invalidados pela falta de um documento direto. Se assim não fosse, nunca surgiriam doutrinas atendíveis e que tanto podem divergir. Quando a posição de Henrique se tornou mais isenta, ascendeu Soeiro Mendes aos mais altos destinos que à morte do pai deveriam esperá-lo – agora em situação diferente, pois que as circunstâncias também se haviam alterado. Para mim, aquela sua «honor magna» que ele mesmo declara em 1100 ter de «multis temporibus» sob patrocínio de D. Henrique, é, em nome deste, um verdadeiro consulado em boa

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parte de Portugale (Minho-Douro) (DC 914). Aliás, nas ausências do patrono, como «cônsul» o substituía em todo o país (DP 112); e ao norte do Douro o temos declarado «prepotens et nobillissimus omnium Portugalensium» (ADB Gav. dos Arc. N. 26). (Os nossos atuais historiadores não parecem ter a ideia exata do que foi a «honor magna», pois chamam-lhe Penafiel de Faria: PM 44, CNP 71. São duas na sua «terra multa», por ele confiadas a um único maiorino. O prof. P. Merêa emendou em HD1 204). Aquele título do «prepotens» Soeiro Mendes é o de seu pai (apenas direto ao rei no caso deste), «vir illustris et magnae potentiae in toto Portugalli» (PMH-S 10). Ainda que não ocorram para eles expressões tais, o mesmo nos será permitido pensar do «imperator» Paio Guterres, «Portugale vicarius regis» LF 108 e 607), e do «comes» Nuno Mendes, «Portugalensium caput» (PMH-S 10). D. Henrique, portanto, nunca poderia ter começado por menos. - Nota C. Na última edição autónoma de De «Portucale» (Civitas) (1967), ainda o prof. P. Merêa manifestava a opinião corrente de se ter realizado em 1093 a entrada de Raimundo no «governo superior de toda a Galiza, com inclusão de Portugale e Colimbria» (PM 43). Era o mesmo que afirmar a independência de Martim Moniz nesta última província.

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Com a publicação de HD1 203-204, passou o insigne historiador a ter uma opinião próxima da minha, se não igual: - Quanto à data, Raimundo teria começado «talvez em 1092» nesse «governo geral». Logo acrescenta todavia que esse governo « se estendia para o sul do Douro, tendo passado, depois da morte de Sisnando, a abranger o distrito de Coimbra, com Martim Moniz como seu subordinado» - o que refere a documentos (HD 203). Ora Sisnando morreu em agosto de 1091 (PMH-S 11). Raimundo e Henrique estão na Península, parece que definitivamente, em 1085, segundo memórias da época (AF 169170), e em Março de 1087 já o primeiro tem o governo geral galego: «tenente Gallecia per iussa illius regis generum eius commite Raimundus» (cit. HD 204). Não há qualquer razão válida contra a data. Ora é em Janeiro de 1086 a última notícia do «imperator» (em Portugale, como até se colhe no contexto) Paio Guterres (LF 607). Isso indica que pouco tempo mais administrou. Parece-me uma coincidência muito notável e cujo significado merece investigação. Para mim, deve ser a criação do «governo geral» da Galiza para Raimundo, com a nomeação de Henrique para Portugale, como seu tenens – até porque a individualidade portugalense, que resistira ao próprio reformador Fernando Magno, subsistia e teria de ser considerada. (Essa mesma individualidade manifesta-se posteriormente com títulos – prova de que sem sob o conde D. Henrique, D. Teresa e D. Afonso Henri-

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ques deixara de permanecer. E tanto assim que daí partiu a independência). No princípio destas notas, afirmei que «não há qualquer razão para se crer que a sua administração (de Raimundo), se iniciou em 1093», e mostrei-o precisamente com documentos, como agora faz o prof. P. Merêa, embora este me não refira na alteração; e, no estudo anterior, estabeleci a subalternidade de Martim Moniz e outros prepósitos, como agora também o mestre faz (AF 183-187). - Quanto ao território que Martim Moniz ficou a governar, falecido o sogro, parece que o ilustre historiador, cujas expressões não são claras nesse sentido, entende ser o «distrito de Coimbra» ou mais restrito do que o sisnandino (do Douro ao sul, DC 699). Não há razão alguma para não admitir o mesmo; a própria euforia e o orgulho de Martim Moniz o mostram (DC 807, 815, 899, etc.). Antes de mim, afirmara Gama Barros a sucessão imediata de Raimundo a Sisnando em Coimbra, por um único docu., DC 802. Não pouco ou só por isso o refutou o prof. T. Soares (Hist. da Admin. XI 75 e 446-447). Quando exprimi a minha maneira de ver, desconhecia eu aquela opinião: não só me servi de muitos mais documentos, mas também, tendo o mesmo parecer quanto a data, dele divergi na extensão territorial, que G. Barros diz não ser a mesma. Respeitei sempre as prioridades que conheço, mesmo quando, sem esse conhecimento, atinjo os mesmos resultados. Tanto Raimundo como Martim Moniz se declararam os imediatos sucessores de D. Sisnando: Martim Moniz em DC 641, e D. Raimundo em DC 802,

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815, 817, 852, 899 e ainda 888 (por si e seus coevos). A única maneira de resolver a incompatibilidade não é descrer das afirmações, mas concluir uma subordinação, aliás já presumível. Parece-me que assim mesmo se torna mais clara a inteira probabilidade de, não depois de 1094, ter havido uma convenção entre Raimundo e Henrique, em que este recebeu as tenências de Colimbria e Santarém daquele, sendo deslocados por isso os tenentes que aí estavam, - Martim Moniz, altamente desagradado, para Ribadouro (de Lamego a Arouca, onde já o temos em agosto de 1094, DC 810, e ainda DC 888), Soeiro Mendes, para Portugale ou sua referida honor magna (DC 914). A ofensiva muçulmana contra Lisboa explica a presença de Raimundo em Coimbra em novembro daquele ano (DC 813), a caminho daquele extremo, onde iria sofrer grave derrota. Aí o rodeiam quase só magnates galegos: o facto pode indicar que Henrique e seus próceres atuavam já ao sul, onde se lhes iria reunir, como «totius Galletie dominus», título com que nesta emergência se apresenta no sul da «Galiza». (Não deixarei de observar que, tendo Sisnando morrido em agosto de 1091, a primeira notícia de Raimundo em Coimbra vem passados três anos exatos, DC 810; e, como por outro lado aparece aí em abril de 1093 sem indicar autoridade, deixando que o faça ao seu lado Martim Moniz, DC 641, tem-se deduzido que só então principiou a dominar, o que, por outro lado, significa a independência de Martim Moniz. Sem embargo, não se pode duvidar da sucessão raimundina, ali, imediata a Sisnando; e o caso

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daquele mandante tem outro significado, que a seguir tento explicar). - Nota D.

Em dezembro de 1092 e abril de 1093, ainda de Martim Moniz temos notícias em Coimbra (CD 790 e 641); mas em fevereiro de 1094, já se não cita (DC 810). Este silêncio, que noutras circunstâncias não teria especial significado, tem-no aqui, certamente, por estas razões: após a morte de Sisnando, todos os documentos de Coimbra providos de cláusula histórica podem calar o mando de D. Raimundo, mas não de Martim Moniz; em agosto de 1094 (DC 810), de acordo com a falta seis meses antes, já o encontramos, passageiramente (notícia única), na tenência de Ribadouro (Arouca-Lamego). Considera-o o prof. M. Pidal um revoltado por tal transferência, o que o prof. D. Peres não aceita (CNP 63). Defendi esse desagrado no estudo anterior (AF 186-188) e noutro que se lhe seguiu (Arouca na Idade Média, pp. 252-254); mas posso apresentar mais indícios desse melindre. Martim Moniz sempre se revelou extremamente orgulhoso da sua qualidade: sogro de um quase soberano, ou espécie de vice-rei; casado com a representante da linhagem dos condes de Portugale, da estirpe de Mumadona; ele mesmo se intitulando (ou mandando intitular) conde (DC 790); declarando-se imediato sucessor do sogro, como se o superior não existisse (DC 641); apresentando-se, com a esposa, para a maior exaltação abaixo do rei (ambos «exaltentur», DC 793),

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tudo isto define a sua megalomania. O facto de em abril de 1093 estar Raimundo em Coimbra e não se declarar mandante, enquanto ele, à sua face, o faz (DC 641), é uma atenção do conde à sua triste psicologia. Sair para Aragão (depois de, para se preparar, contemporizar com a transferência, na verdade demasiado subalterna, a Ribadouro), para nunca mais regressar à pátria, tira toda a dúvida de que o fez despeitado. Ora parece-me fora de questão que alguma circunstância poderosa levou ao facto, demais sendo conhecido o seu caráter. Para mim, enquanto não se provar devidamente o contrário, trata-se de um efeito de pacto entre Raimundo e Henrique, realizado de 1093 para 1094 e com que o segundo viu ampliados os seus domínios administrativos para o sul do Douro, até ao Tejo. É que, na realidade, ocorre também uma circunstância especial com Soeiro Mendes, o tenens raimundino de Santarém: a sua própria declaração de 1100 de possuir honor magna em Portugale de mão de D. Henrique já de «multibus temporibus» (DC 914), tendo desaparecido já daquela província. Não posso pensar que mais ou menos seis anos de facto, naquela data, - o bastante para o levar a 1093-1094 -, sejam demasia de apreciação; e, assim, ligo os casos de Martins Moniz e de Soeiro Mendes numa mesma ocasião, por uma mesma causa e para uma igual finalidade: a respetiva transferência, por um convénio entre os dois primos, certamente sob a égide cluniacense, para entrada de Henrique nas duas províncias.

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O prof. D. Peres, a cuja tese esta minha ideia, que suponho razoável no recuo que exige (uns seis anos, cuja pouqueza há corrigiria a ênfase da expressão «multis temporibus»), a que esta minha ideia, repito, não convém, declara que a frase «não obriga» a crer que se refere a antes de 1095. Não obriga, certamente, mas sem dúvida o permite (tanto mais que o mestre dia que o seu sentido é, «na realidade, vago». E justifica a sua contrariedade alegando que eu «forcei» à expressão o sentido; mas aqui não é assim, porque quem lhe deu toda a força foi o notário. Pois que quereria ele significar com ela, senão muitos anos? E cinco para seis estão longe de ser muitos. (Ver CNP 71 e 73). Como já sabemos, o prof. P. Merêa aceitou a minha interpretação da frase para «bastante antes de 1095» (PM 44); mas, em resultado das descobertas diplomáticas do dr. Rui de Azevedo, passou a negar essa interpretação: «isto só poderia admitir-se, se o teor do documento não resultasse que foi já como senhor hereditário da Terra Portugalense que D. Henrique beneficiou o seu patrocinado» (HD 205), isto é, já tinha hereditas quando deu a honor magna ao norte do Douro a Soeiro Mendes, o mesmo que, na minha tese, quando este prócer foi transferido de Santarém para Portugale. Mas é que o diploma não permite resultar isso: ali se referem situações que podem ser e são simultâneas ao tempo do documento, como a hereditas quando deu a honor magna ao norte do Douro a Soeiro Mendes, o mesmo que , na minha tese, quando este prócer foi transferido de Santarém para Portugale. Mas é que o diploma não permite resultar isso: ali se referem situações que podem ser e são simultâneas ao tempo do documento, como o «patrocinio ipsius comes» àquele prócer ou tenência de «honor magna», etc., mas podiam não ser concomitantes no passado. Na minha tese, tendo D. Henrique já Portugale antes

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da ampliação para o sul, o caso explicar-se-ia perfeitamente. Muito já eu disse a respeito da natural não coetaneidade absoluta das diversas situações (hereditas, tenência, patrocínio), no primeiro estudo (AF 189-191), o que ainda não foi refutado, pelo menos convincentemente (limitando-se, por exemplo, o prof, D. Peres a transcrever, CNP 78-79, depois de resumir). Não parece muito compreensível houvesse visto um defeito que primeiro se lhe não apresentou. Além do que ficou dito, sobre o DC 914, no primeiro estudo, à sua apreciação voltarei adiante, para outro desiderato.

- Nota E.

1.- Em agosto de 1094, condizendo com estes factos, ocorre a última referência de D. Raimundo a Portugale (DC 810), continuando as alusivas a Coimbra e Santarém, ao que dei a significação de uma situação diferente entre estas e aquela província. Essa significação é a da concessão de alodialidade ou hereditas em toda ela a D. Henrique, por motivo do seu casamento, com a bastarda real Teresa. E persisto em dá-la, propondo-me examinar as razões que possam opor-se-lheO prof. D. Peres, procurando declaradamente o que chama as «brechas» da minha construção, que não crê «tão sólida que nela se não vislumbrem algumas» (CNP 72), diz, contra aquela minha circunstância, tendo achado três (que passo a expor e refutar), o seguinte:

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- Se depois de agosto de 1094 se não sabe de documento em que Raimundo se ligue a Portugale, como eu alego, também se não sabe de documentos de Henrique em Coimbra antes de dezembro de 1095. Não é a mesma coisa o respeitante a uma província que à outra: pelo contrário, eu pretendia diferenciar a situação em ambas, - na de Portugale, com a hereditas, ou concessão régia; na outra, com a ampliação, por convénio entre os primos (e, claro está, sem hereditas), sensivelmente ante dessa data, que não seria ousadia fazer recuar um pouco, pois que nada se lhe opunha, antes as circunstâncias o permitiam.

- Se eu alego (continua o prof. D. Peres) que a falta de diplomas henriquinos antes de dezembro de 1095 pode explicarse pela perda, «também razão idêntica pode ser invocada para abalar o fundamento de terem cessado após 10 de agosto de 1094 as referências ao governo de Raimundo em Portucale» (CNP 72-73). Mas o caso em Portugale é muito diferente, porque o caráter de hereditas que lhe liguei era, e é, uma explicação suficiente: D. Raimundo não intervinha aí, exatamente como o não fazia sequer o rei. A única notícia, algo ostensiva, da autoridade de Afonso VI é a de 1097, - a sua confirmação de uma doação por D. Henrique, a Soeiro Mendes (DC 864, DR 4). Podia fazê-lo e evitava-o, o que era ainda mais natural da parte de Raimundo. Ora com Colimbria não se dava o mesmo, embora nos não ocorram documentos numerosos; mas há dois, que bastam para provar que Afonso VI procedia ao sul do Douro como ao norte do Minho

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(fora de Portugale), em que se entremisturam documentos do monarca a diplomas de Raimundo (porque a Galiza não era hereditas deste). Um deles é o foral de Santarém, de novembro de 1095, dado pelo próprio rei e, o que é mais, sem haver intervenção, ou sequer citação, de Raimundo, que aí mandava, que aí mandava, desde 1093 (PMH-S 11), ainda pouco antes (agosto, ES40 189); e nada prova – pelo contrário – que cessasse. Outro é a carta régia respeitante à «villa» Gulpilhares, sem data mas posterior a agosto de 1091, ano da morte de Sisnando, em cujos domínios, onde nunca o rei interveio, se incluía, - portanto, ao mesmo tempo em que já Raimundo aqui administrava.

2. – Outra «brecha» da minha construção encontrou-a o prof. P. Merêa em eu haver dito «ter Henrique recebido o governo da terra portucalense por ocasião do seu casamento com a filha de Afonso VI, Teresa, e que deste poder crer-se celebrado já nos fins de 1094, ou, quando muito, nos começos de 1095» (CNP 71). Antes de mencionar o que o ilustre historiador diz contra isso, convém declarar que não afirmei ter D. Henrique recebido o governo de Portugale por ocasião do casamento. Pelo contrário: faço vir a sua autoridade de muito antes deste facto, como tenens do rei, ou melhor, de seu primo (AF 172-176 e 183). O que eu disse lhe veio com o casamento foi a hereditariedade dos alódios e, em consequência, também a da autoridade na província (AF 187-194). De qualquer maneira, são de examinar as razões

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do referido mestre contra mm (embora aquilo as elimine):

- São «um tanto posteriores» ao caso as crónicas que dizem ter Henrique recebido a terra portugalense por ocasião do casamento (CNP 73). Também eu concordo que possam ter-se confundido, já que o que Henrique pode ter recebido então foi a hereditas, possuindo já a autoridade. Não falam elas nesta, é certo; mas era uma circunstância que eu admitia ter-lhes escapado pelo seu carater «um tanto posterior». No entanto, devo dizer que não dou grande importância a tal caráter, tão vizinhas são elas do sucesso. O próprio prof. P. Merêa declara que, tendo antes admitido que a concessão da terra portugalense se fizera meses depois do casamento, veio a mudar de parecer, «depois que refletiu sobre as considerações feitas por mim, embora discorde da minha tese» - fazendo imediatamente estas perguntas: «De facto, não é crível que o casamento de D. Teresa não fosse acompanhado de avultado dote (tomada esta expressão no sentido de dádiva paterna ou axuar), e, sendo assim, por que motivo se há-de pôr em dúvida que ele fosse constituído pela Terra Portugalense, como dizem a Chronica Adef. Imperatoris e a Crónica 1ª de Sahagún? Que razão poderia haver para que entre o casamento e a dotação mediasse tanto tempo?» (HD 208-209). Aqui está pelo menos uma opinião muito diferente, sobre o valor factual das duas crónicas. E isto mesmo me deu o mestre, depois, a honra de mo confirmar em carta, muito espontaneamente.

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- Alega ainda o prof. D. Peres que, em 13 de fevereiro de 1095 (doc. de Servando, que passo, depois desta explicação, a examinar), há uma contraposição de Raimundo a Henrique, porque enquanto este se apresenta apenas como gener regis, aquele fá-lo como «totius Gallecie comes» (CNP 73). Isto significaria que, apesar de estar casado, D. Henrique ainda não possuía Portugale. A isto, parece-me possível opor o seguinte:

Precisamente porque Raimundo se manifestava assim ostensivamente como dominante de toda a «Galiza» é que Henrique, governando ao sul do Minho, calaria a sua qualidade administrativa, pois teria de manifestá-la subalterna, em razão daquele «toda», significando a inclusão das províncias ao sul do dito rio. A subalternidade desagradou-lhe sempre, e nunca se intitula em documentos onde o faça o primo, ao menos nestes primeiros anos. A própria confirmação da carta de couto à sé de Tui, dois dias antes daquele documento, é lançada sem título expresso de autoridade por D. Henrique e D. Teresa (diz-se que mais tarde, e suponhamos), porque nela se manifestava a de D. Raimundo, o concessor. O mesmo caso, embora ao inverso, se observa na confirmação dos foros de Coimbra em abril de 1093: D. Raimundo, que já aí manda, nada declara do facto e permite-o ao seu subordinado, Martim Moniz (DC 641). Enfim, visto que se pretende provar que o referido diploma (de S. Servando) é de 1099, a objeção do prof. D. Peres (que aceitou tal «prova») deixaria

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de valer, porque D. Henrique e D. Teresa já então, desde antes, dominavam do Minho ao Tejo e, no entanto, calavam o título administrativo. Verdade se diga que não creio naquela data, que só agora aparece entre nós.

3. – Doc. de S. Servando, 13 de Fevereiro de 1095 (DR I1 p. XVIII). Até hoje, autor português algum pôs qualquer dúvida na data deste documento, que era, assim, considerado o testemunho mais antigo do casamento de D. Henrique e D. Teresa. Passados agora mais de sessenta anos é que o dr. Rui de Azevedo notou que já o Fidel Fita havia mostrado que não se trata de 1095, mas 1099; e assim o participou logo aos três notáveis historiadores que tenho referido, publicando o prof. P. Merêa a sua exposição sobre o diploma, em HD 215-217. Vejamos o que vale.

a) O método de absoluta fé em terceiros, que podem terse equivocado, não é aconselhável. A história do nosso DC 834 é bem expressiva a tal respeito. Num caso destes, necessita-se de exame direto, tanto mais que há danos, como adiante se diz.

b) O documento não existe original, mas em cópia num cartulário do séc. XIII – e, o que agrava a questão, com viciação no elemento essencial para o nosso caso, a data. Não são possíveis conclusões sem se conhecer o móbile da depravação.

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Depreendo que tudo gira à volta do nome Garcia, bispo de Burgos que confirma o diploma, o qual só o foi depois de 1097. Notada a incompatibilidade, tentou remediá-la, o que oferecia dois meios: conservar o nome e emendar a era, ou conservar esta e emendar aquele. Claro está que só o primeiro caso. Errados ambos ou ambos certos, nome e data, são casos, de facto, a por de lado, como aquele. Se se considerava errada a era, por que se não desfez, com a sua emenda, a incompatibilidade com o nome? A resposta parece ser que o erro estaria no nome do bispo. No original teria sido indicado pela inicial, que o apógrafo desenvolveu em Garcia. Ora o nome do seu antecessor tinha a mesma inicial (Gomes) – além de que os dois nomes podem mostrar certas semelhanças paleográficas. Segundo Rui de Azevedo, para dizer 1099 a data, teria F. Fita alegado outros elementos «de ordem objetiva», mas tão sem valor que nem os refere. Melhor depoimento seria a confirmação dada a outro diploma de fevereiro de 1099 pelo conde D. Henrique, D. Teresa e vários indivíduos que o fazem no de S. Servando; mas, num período de quatro anos, não podia dar-se sensível alteração magnática – o que firma a possibilidade de simples coincidência.

c) Nem Yepes nem Flórez, escrupulosos publicadores do diploma, puseram reparo ou dúvida na data. Tal não sucederia se nela se notassem intromissões, como acontece no apógrafo. Para se alegar que a viciação pode ser-lhes posterior, seria precisa prova, sendo muito mais crível terem-se servido do original.

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d) Se fôssemos a dar valor ao facto de, neste documento, D. Henrique se não intitular senão «gener regis», enquanto D. Raimundo o faz para «tota Gallecia», como o quer o prof. D. Peres, teríamos nisso um elemento contra 1099, em que D. Henrique se afirma no domínio do Minho ao Tejo e conde Portugalense (já em 1097: DC 866, 849, etc.). E temo-lo, realmente; porque, se tal não podemos julgar para os primeiros anos, devido à sua fuga a exprimir subalternidade, julgá-lo-emos desde 1097, em que a sua autonomia é indubitável. Eis, parece-me, o que vale a crítica que leva o documento de S. Servando de 1095 para 1099. Quanto a mim, carece da mínima plausibilidade; mas, ainda que assim não fosse, a alteração da data poderia provocar certas alterações na minha doutrina, mas nunca a anularia.

4. – Dois dias antes da data daquele diploma, ou seja, em 11 de fevereiro de 1095, passou o conde Raimundo carta de couto à sé de Tui, na qual, pelo notário próprio e os sinais próprios, - o que dignifica o exercício de autoridade -, foi lançada a corroboração de D. Henrique e D. Teresa. Se este lançamento fosse feito, aproximadamente, então, aqui, teríamos nova prova do casamento, a juntar à do diploma de S. Servando. O dr. Rui de Azevedo, sobretudo porque a data não condiz com a sua ideia de que D. Henrique ainda não governava, mas só desde fins de 1095, opinou que a sua confirmação é posterior a este ano (DR I1 p. XVIII). Se a minha ligação de casamento, hereditas e autoridade simultâneos está, como creio,

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certa (aceitou-a o prof. P. Merêa), essa objeção deixaria de ter valor, desde que admitida (como aliás era ao tempo daquela mesma objeção – o que não pouco a anula) a data do diploma de S. Servando. (Deve notar-se que uma zona do couto pertencia ao domínio de D. Henrique, margem esquerda do Minho. Tornavase necessária a sua confirmação, mesmo como subalterno, até como detentores, ele e a esposa, da hereditas). Assim, essa carta de couto, se não prova casamento e autoridade, nessa data, também não os não nega. O diploma resulta, ao menos, indiferente, para o caso, não obstante os mestres o considerarem doutra maneira (HD 208; CNP, folha apensa entre as pp. 74 e 75). Se estes dois documentos de Toledo e Tui não provassem, de facto, o casamento em 1095, mas em data posterior, adviria daí um apoio documental à minha tese de autoridade henriquina pré-matrimonial, visto que D. Henrique aparece em Coimbra em fins de 1095 (aceitando-se essa data, como todos fazem, o que tem que tem que discutir). Certo é que restringi a autoridade inicial a entre Minho e Douro, mas também é certo que presumi a aquisição ao sul do Douro por efeito de pacto, seja ele ou não o famoso «pacto sucessório». Eu creio que o é, e não ponho em dúvida em dizê-lo.

- Nota F.

Doc. de Arouca, 18 de dezembro de 1094 (Brandão ML III8 c. 8).

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A primeira dúvida que à data deste diploma, considerada 1095, se pôs, até mui recentemente, foi a do prof. P. Merêa (PM 48 e 49), em razão de ter aceitado a minha reabilitação sobre DC 834, não seguindo a minha doutrina de subordinação. Regressado, em breve, o mestre, à sua posição anterior, em razão da descoberta de Rui de Azevedo, a objeção contra ele persistiu, mas noutro sentido – aquele que o ilustre diplomatista lhe transmitiu (publicado em HD 217-223): aquele diploma não é senão o já publicado em DC 889, de 15 de dezembro de 1098, segundo entende. Recebendo esta informação o prof. D. Peres, in extremis da divulgação do seu trabalho, pôs-lhe muita reserva, embora aceitasse sem nenhuma o respeitante aos documentos de S. Servando e DC 834, conveniente como era à sua doutrina, - o que já não sucedia com aquele. Muito há a opor à conquista do dr. Rui de Azevedo, em lógica e, por estranho que pareça, em diplomática e até arquivística:

a) Com o empenho e cuidado que já disso podem deduzir-se, buscou Brandão pelos arquivos aquilo que ele chama «a primeira memória, neste reino, do conde D. Henrique» - e achou-a neste documento. Devia, pois, ter prestado uma excecional atenção ao ano. Por outro lado, nunca poderão «estar em causa a sua competência paleográfica e probidade» (HD 220). Em razão do que buscava, exprimo eu aquela dúvida a um equívoco seu no ano. Quanto ao dia, põe-na o prof. D. Peres (achando, aliás, que «é

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aceitável» a confusão da era «lendo apressadamente», - pressa esta impossível de admitir): «é insólita a confusão de XV com XVIII» - confessando quanto o «impressionou o facto de que Brandão tenha podido enganar-se tanto».

b) Quanto ao dia, supôs Rui de Azevedo que Brandão, «no seu apontamento, teria escrito a data textual e, logo a seguir, a mesma atualizada – 18 kal. Jan. (15 dez.)»; e, ao escrever a sua crónica, distraiu-se e leu mal os números, trocando o das calendas com o do mês (HD 219). Para tão imaginosa conjetura, procedeu-se a priori; conhecido o DC 889, tudo se buscou pare lhe identificar o diploma. Devia mostrar-se o apontamento. Competência, prática e cuidado, notórios no cronista, com especial empenho na «primeira memória» henriquina, não permitiam um tal descuido (aliás o ano ficaria logo decorado): olhar para o primeiro número e não para o segundo – levar os olhos do primeiro elemento (18) para o último (dez.).

c) A desatenção de Brandão não pararia nisso: lendo bem a era no original, foi lê-la mal no seu apontamento. Certamente que este absurdo é o que o ilustre diplomatista quer dizer ao chamar a atenção para o facto de o cronista usar escrever com j a última unidade da era, formando um grupo enganoso com o i ou ii anteriores, de modo que, onde apontara uj (vj), foi ler iij. Brandão devia conhecer bem os riscos do seu sistema de escrita e prevenir-se contra eles. Também eu acho impressionante que o cronista «tenha podido enganar-se tanto».

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O primeiro cuidado de quem vê um documento é buscarlhe a data: e aqui queria ele a «primeira memória». Se ele apontava mês e dia e fazia imediata conversão, como não faria, com mais razão, o mesmo ao ano? Assim, onde, convertendo, escreveu 1098, não iria ler 1095 (diga-se o que se disser da semelhança de 5 e 8 nesse tempo, contra a qual ele devia estar bem prevenido). Se leu 1095 (sic), é que assim tinha; e assim «era».

d) De resto, é coisa ociosa a discussão assente em 1095, porque o que Brandão traz é 1094. (Foi J. P. Ribeiro quem «emendou» para 1095, por aquele ano se não harmonizar com as suas ideias acerca do tempo em que surgiu em Portugal D. Henrique, - e nunca mais autor algum considerou 1094). Portanto, o tal imaginado apontamento o que poderia conter era ij (e não iij), pelo que desaparece a ideia de que viria a ler iij em vez de vj. Que Brandão possa, como toda a gente, ter-se enganado, uma vez ou outra, numa data, não surpreende. Surpreenderia num caso como este; e, além disso, tais enganos seus são extrema minoria na multidão exata de datas que usou (Ver o final de f) ).

e) Desprezando o dr. Rui de Azevedo a única data que o cronista porpôs, 1094, desprezou também a sua declaração de ser um original: chama-lhe «pretenso original» em razão de DC 889 o ser (HD 222 e 219), como se o não pudessem ser ambos. A ideia proveio do apriorismo da identificação de um ao outro. Em prol dessa identificação, alega não ter «conhecimento de, posteriormente a Brandã, ter o

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cartório de Arouca «sofrido perdas» (HD 218). Como DC 889 existe e do outro se não sabe, trata-se de um só, concluiu. Deve dizer-se que os cronistas falam de diplomas de Arouca que hoje não constam; mas o que importa é que nunca se admitirá que, em trezentos para quatrocentos anos (passando pela crise de 1834), não tivesse havido perdas. Para se dizer que não houve estas, seria necessário conhecer todos os documentos do tempo de Brandão e comparar com os de hoje: e de onde são eles conhecidos, se nenhum cronista os citou a todos, se deles se não fez publicação? Os diplomas são idênticos, ou como tais (aliás o mesmo) os toma o dr. Rui de Azevedo. Por isso mesmo não admiraria que o organizador posterior dos maços, reputando-os iguais ou duplicado, emaçasse um e pusesse o outro de parte, o mesmo que arriscálo à perda ou destruição.

f) A razão por que julga tratar-se de DC 889 é serem os mesmos os outorgantes e idêntica a cláusula histórica (a qual difere mesmo na escrita de dois nomes próprios). A única coisa que do diploma de Brandão se conhece são esses outorgantes a essa cláusula. O teor podia ser muito diferente, e, sem se saber dele, como é possível asseverar, já não a identidade, mas muito mais do que isso – a própria igualdade, visto que se assegura serem eles o mesmo e um só? Bastava a diferença no local dos haveres que por essas escrituras se doam: e quem pode afirmar que o local é o mesmo? Nem quando o fosse poderia garantir-se tratar-se de um só diploma. À minha

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frente tenho três documentos (de um cartulário do séc. XIII, Liv. das Doações de Tarouca, fls. 16. V. 17 e 18), com os mesmos outorgantes (mosteiro de Tarouca e uma «domna» Ovaia), bens no mesmo local (que ainda hoje é habitado) e a mesma redação, dois de 1204 (abril e maio) e o outro de 1200, diferindo apenas o nome do abade, no preço da venda, na robora, em parte das testemunhas e no nome do notário. Assim, se hoje se conhecessem deles apenas os outorgantes (mosteiro e «domna») e uma cláusula idêntica, ir-se-ia descrer que as suas datas fossem exatas e afirmar tratar-se de um só? - Até agora, visto que a data 1095 me bastava e a de 1094 exigiria um debate (com alongamentos que receei proibitivos nas condições desta publicação – meu inconveniente de sempre), aceitei o diploma de Brandão como de 1095. Agora é que não hesito em o considerar na sua verdadeira data, 1094, - não tanto por condizer maravilhosamente com a minha tese sobre os inícios henriquinos, como porque tão probo, atento e competente cronista a assevera. (Convém acentuar que se lê em Brandão «15 das calendas de janeiro da era de 1133, que vem a ser a 18 de dezembro de 1094». Pela atenção que, na procura da «primeira memória», devia o cronista ter dado ao resultado da conversão da era, é mais natural o defeito no apontamento desta, - possibilidade que o dr. Rui de Azevedo nem sequer aventa -, além de que, noutra possibilidade, um manuscrito defeituoso no 2 da era podia ser tomado por 3 no trabalho tipográfico. De resto, mesmo que haja de se julgar como exato o resultado 1095, a minha doutrina nem por isso fica prejudicada. Finalmente,

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acentuo que me não servi deste dado, «1094», para construir a minha tese: fi-lo com elementos muito diferentes deste, do qual me limito a dizer que tem entre eles cabimento ou, por eles, a sua grande possibilidade.

- Nota G.

No primeiro estudo, procurei uma explicação para a extensão do domínio de D. Henrique para o sul do Douro em razão do meu parecer de que, inicialmente, apenas governou Portugale – Minho – Douro – e de que foi esta província a única hereditas em casamento, do que pouco adiante voltarei a tratar; e fui levado a deduzir um convénio nesse sentido entre os dois primos (AF 177). Não tive em vista o famoso «pacto sucessório», que somente mais tarde me ocorreu pudesse ser, como exprimo no primeiro capítulo destas notas. Realmente, colocado de 1093 para 1094 (destas datas tenho dado, creio eu, mais que justificadas ou documentadas abonações), coadunar-se-ia perfeitamente com as circunstâncias e explicaria muitas dificuldades que aos nossos historiadores se têm apresentado. Precisamente por isso, tendo-o eu obtido e não usado, isto é, sendo uma consequência doutrinária e não um meio dedutivo, não hesitei, apenas da ousadia, em coloca-la nesta ocasião. Melhor que ninguém ainda, defendeu Carvalho Portugal aquelas datas (Mem. da Acad. I 269-292), e, no entanto, com argumentação diferente da minha. As razões principais da divergência posterior são a obrigação em que se sentem os historiadores de não

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poderem entender o pacto sucessório senão relativamente ao infante D. Sancho, não nos princípios da sua vida, o que seria indicado, mas nos finais; e relativamente ainda a um título que D. Henrique deveria possuir como condição pactual, fosse casamento dinástico, fosse já autoridade ou fossem ambas as coisas juntas. Parecem-me, salva a ousadia, outros tantos prejuízos a embaraçarem os movimentos do investigador; mas nem estes deviam sê-lo, porque podem resolver-se em 1093-1094, e não doze ou mais anos depois. A vinda dos dois primos à Península foi um resultado de uma intenção secreta de Cluny, e o casamento de Raimundo a primeira realização dessa esperança; outra, a tenência de Henrique em Portugale, que apenas se satisfaria com um novo consórcio na família real leonesa. O nascimento do infante D. Sancho o mais tardar em 1093 devia ser o bastante para Cluny promover o pacto entre os seus dois protegidos, pois não há a mínima dúvida de que esse convénio foi uma iniciativa cluniacense, que, para melhor, era nessa ocasião mais garantida, por uma maior influência, do que nunca. Por isso mesmo, o pacto ficou secreto e o respetivo documento foi levado para Cluny. Até mesmo Rui de Azevedo se viu ultimamente conduzido a escrever: «A verdade é que os planos de Afonso VI sobre a sucessão poderiam ter germinado no seu espírito logo que veio ao mundo esse seu filho bastardo, sucesso de que se não conhece ainda a data certa. As cautelas e receios dos condes, seus genros» (aquele autor apenas compreende o pacto

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com Henrique já casado, o que entendia desde 1095), «ou dos seus mentores de Cluny, poderiam tê-los induzido à efetivação do pacto logo aos primeiros indícios da causa adversa aos seus interesses e ambições políticas (assim pensou já Carvalho Portugal na citada memória), tanto mais que esse ato, pelo seu caráter secreto e meramente preventivo, não implicava para nenhum deles quaisquer riscos ou ações imediatas de natureza guerreira. Como lhes seria possível prever o momento ideal para um acordo dessa natureza?» (DR I2 p. 551). Esta pergunta dá, afinal, liberdade para poder considerar o pacto em todo o período da existência de D. Sancho, que findou na batalha de Uclés, em 1108. De maneira alguma é possível supor (apesar do que a esse respeito forçam os que seguem a tese contrária (CNP 88), que o infante tivesse menos de 15 anos então – e, se os tinha, pelo menos, seria de 1093 o seu nascimento, tanto mais que as relações do rei com sua mãe, Zaida, são já de dois anos antes, sabidamente. De resto, podia o pacto dever-se ao simples receio de vir Afonso VI a ter sucessão, pelo menos desde que ligado à princesa muçulmana. Quanto à autoridade de Henrique, não parece crível que ele, tanto se tendo esforçado por se tornar autónomo em relação a Raimundo, o que já tinha conseguido em 1097 (e, se lhe não esteve nunca subordinado, tanto melhor para este meu ponto de vista), viesse, já tão tarde, a recair nessa situação, ou a criá-la, quando tanto a abominava. O facto compreender-se-ia, por isso, melhor em 1093-1094). A minha tese, se nada pode estabelecer, em tal data, quanto a casamento como título pactual, tem-

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-no na autoridade na Terra Portugalense (Minho-Douro),; mas creio que tal título se dispensava, pois que Henrique se não adorna de nenhum (a não ser o honorífico «conde»). Foi mesmo esta a razão por que Gonzaga de Azevedo marcou o pacto para antes de ele ser conde de Portugal, - o que Rui de Azevedo refuta, dizendo que «quem percorrer a série dos diplomas henriquinos, rapidamente verificará a irregularidade do emprego deste título no governo do condado» (DR I2 p. 550). Precisamente G. de Azevedo se coloca antes desse tempo; e claro está, que o documento deste pacto não o é desse governo. Para mim, d’Achery, quando publicou, dando-o a conhecer, este documento e lhe pôs a data 1093, certamente que não acertou por acaso: 1093-1094. A única dificuldade parece-me ser a de Dalmácio Geret, o representante de Cluny no pacto, aparecer apenas alguns anos depois; mas é muito relativa, porque já existia e seria monge cluniacense que poderia andar em missões sucessivas fora do seu mosteiro, seu delegado itinerante. De algum modo se propagou Cluny tão vastamente.

- Nota H

1. – Para melhor compreensão do pacto, de 1093 para 1094, pois que uma das minhas bases é ter sido do Minho ao Douro (Portugale) o único domínio inicial de Henrique e, depois, hereditas obtida em casamento, o que interessa também à compreensão do sentido do título raimundino sobre «toda a Galiza», convêm algumas palavras que provem aquela limitação territorial, além do que ficou dito no primeiro estudo.

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Resume-se o meu intento numa simples questão toponímica: Henrique, dizem as fontes, recebeu (pelo axuar de sua esposa, como define o prof. P. Merêa) a Terra Portugalense ou Portugale (a qual, quanto a mim, já era de antes tenência sua) – e que «terra» é essa? Os depoimentos nesse sentido são quatro: Henrique recebeu a «Portugalensis terra» (ES21 347, juntando-se ao anónimo de Sahagun), a «terra de Portugal» (DC 914, de 1100), ou o «territorium Portugalense» (DC 864, de 1097). Pelas restrições que no primeiro estudo que fiz a este último caso (AF 188), não o considerarei. Também me não firmarei, em absoluto, no primeiro (as duas crónicas), por escrúpulo – aliás escusado – de serem «um tanto posteriores». No entanto, até pela caraterística que uniformiza os três exemplos – o jus hereditarium -, não posso deixar de atribuirlhes, toponimicamente, o mesmo valor, pois que aos contemporâneos não impressionaria mais aquele caráter do que a extensão territorial a que respeitava. Mas, evidentemente, não precisavam de defini-la, tão conhecida era. Aquelas fontes e, nomeadamente, o segundo caso, sobre que mais incido, são de um tempo em que Portugale aparece ainda contraposto a Colimbria, na aceção provincial, e também à Galiza (sentido restrito). Ora a «terra Portugalense» ou Portugale, desde a criação da província consular sisnandina (e não direi também a consular portugalense, porque dispenso para aqui a minha tese), não mais ultrapassou o Douro para o sul (algum caso que surja ou é tradicional ou, melhor ainda, diocesano):

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a perda sofrida em 1095 do território entre o Douro e o Vouga (Santa Maria), neste aspeto administrativo (provincial), foi definitiva. A questão torna-se impressiva documentadamente. Para D. Henrique: - 1098: «in Colimbria… et in Portugale» (DC 884); - 1098: «in Colimbria» (DC 889); - 1100: «in Colimbria» (DC 931) e «in Portugale et in Sanctaren» (doc. cit. pelo prof. T. Soares, Relexões, I, p. 17). - 1103: «dominante Portugale et Colimbria» (DP 112). - 1104: «in Colimbria et in Sancta Aren et in Portugal» (cit. Refle. I 17); - 1105 e 1106: «in Colimbria» (DP 199 e 213). Para D. Teresa: - 1115: «in Colimbria» (DP 506). Para Fernando Peres e outro caso: - 1121: «dominante Colimbria et Portugalli» (ML III9 c. 2); - 1132: «Portugali comes Rodericus» (DR 127).

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É bem claro que, quando se cita uma ou duas das três províncias e se não refere Portugale, esta fica implicitamente tão distinta como se mencionada. Outras circunstâncias poderiam alegar-se, para esta limitação coronímica a entre Minho e Douro. Em 1097, é confirmado um diploma para junto do Lima pelos que «ibi sunt de Portucali» (entre eles, o antigo vicarius portugalense, Paio Guterres), todos da região interamnense; e, no entanto, D. Henrique, que o concede, apresenta-se nele como dominante de «omnis portugalensis provintia» (DC 866). Este «omnis» dá à expressão o sentido lato – do Minho ao Tejo (DC 849, do mesmo ano), mas não se trata ainda de Portugale. Ou, pelo menos, há um Portugale – o antigo – de sentido restrito, começando a esboçar-se a consideração de um Portugale em sentido lato. O mesmo sucedia com a Galiza ainda nessa altura; e é já para notar que aquele «omnis» do título henriquino, naquele ano (Portugale em aceção lata), tem sentido análogo ao de «omnis» ou «tota» no título raimundino, destes mesmos tempos, como o veremos. Também não deixa de ser relevante, como indício da permanência de uma tradição de Portugale limitado naqueles rios, a alusão de 1059 a «illos infanzones qui erant in Portugale» (DC 42\ - embora Portugale ainda nesse tempo possuísse

Santa Maria (Douro-Vouga) – alusão essa que também um século depois (1153) se faz, exatamente para um conjunto de magnates da região (doc. cit. ML III9 c. 2). Trata-se do mesmo que, em 1122, «barones portugalenses» (Ib. III8 c. 5).

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Referem-se estes dados à alta nobreza, e não admira mencionar-se aqui aquela província, porque essa nobreza existia sobretudo aí, onde tinha influência relevante (viria a ser uma das fortes bases da atuação pela independência, desde pelo menos as invasões arábicas de retorno (séc. IX-XI), em que a maior parte da sul-duriense se estabeleceu nela. Outro indício de Portugale apenas do Minho ao Douro é a sua contraposição a Bregância (de Senabria ao Douro): do foro de Salamanca, sabe-se que, naquele tempo foram fundadas muitas paróquias pelos seguintes grupos étnicos: Borgonheses, Castelhanos, Asturianos, Leoneses, Bregancianos e Portugalenses (cit., sem aludir a este problema, por G. Barros, Hist. da Adm. XI 115). A par de Bregancia e Portugale contrapostos, sublinhe-se a Borgonha, para evocação dos dois primos borgonheses, quase o mesmo que conduzir o facto a esta época.

2. – Quanto a mim, não pode haver dúvida de que à região interamnense se limitava o primitivo domínio do conde D. Henrique e a sua hereditas por «axuar» da esposa: essa é que era a Terra Portugalense, então. Resulta que a posse das províncias do sul, Colimbria e Santarém, corresponde a uma ampliação, sob outras circunstâncias: para mim ainda, o pacto sucessório – ou outro. A este respeito assume a maior importância o conjunto de informações que iniciam DC 914, de 1100. (Nos DC, a data é 1099, «erro» em que, por isso, incorri. Anota-se em PM 44 e HD 204, e emenda-se, com sublinhado, em CNP 71: «aliás 1100=. Claro que não tive a intenção, antecipando a data,

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de recuar melhor de 1095, em favor da minha tese: processos tais nunca os eu adotei). O facto de Soeiro Mendes se dizer aí, então, detentor, desde largo tempo («multis temporibus»), de uma «honore magna», composta de «terra multa», ao norte do Douro, «sub patrocinio» de D. Henrique serviu-me para deduzir, ou, talvez melhor, confirmar a autoridade dele aí, sensivelmente antes de 1095 (AF 189-191). Anuindo, considerou-a por isso o prof. P. Merêa de «bastante antes» (PM 44), aceitando, pois, a consequência que tirei do facto: uma tenência henriquina na sujeição de Raimundo. Pelo menos é o que o mestre pouco depois afirmou ter feito, em razão das minhas declarações: «(1º) que anteriormente a 1095 D. Henrique tivesse sido um simples tenens do primo e (2º) que o governo de D. Henrique, mesmo depois de 1095, se tivesse limitado, até certa altura, à região entre o Minho e o Douro» (HD 273). Quanto ao primeiro caso, não entendi que o mestre assim tivesse visto, já que nunca aceitou a subalternidade (PM 47); quanto ao segundo, a data não servia ao meu parecer, em razão de Henrique aparecer já em Coimbra em fins desse ano. Isto, porém, não importa agora muito, dado que, em consequência das descobertas diplomáticas do dr. Rui de Azevedo (que parecem enganosas, como em dois casos já mostrei, fazendo-o adiante para o terceiro), passou o ilustre historiador a discordar: «isso só poderia admitir-se se do teor do documento (DC 914) não resultasse que foi já como senhor hereditário da Terra Portucalense que D. Henrique beneficiou o patrocinado» (HD 204-205). Mas, como

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mostrei no primeiro estudo e o relembrei aqui (Nota C), nada nos indica que o diploma faça tal afirmação, porquanto reúne, para efeitos na sua data, situações e circunstâncias de datas diferentes e que somente desde certa altura ficaram sendo concomitantes. Pelo menos, seria preciso provar que assim não é, o que me afigura incerto e aleatório. Pelo exame a esse documento, não pretendi recuar muito de 1094.1095: bastava-me 1093-1094. Aí se exprime a hereditariedade e alodialidade na concessão, facto que liguei ao casamento, o que até então se não fazia; além de que figuram nele D. Henrique e D. Teresa casados. Para recuar para além daquele tempo o governo henriquino servindo-me deste diploma, seria preciso entender também o casamento para lá dele, e isso nunca o eu fiz. Ao contrário, baseado no diploma de S. Servando, o muito a que me aventurei foi a marcar esse casamento na segunda metade de 1094 (AF 188 e 193). Esta continua a ser a minha opinião. As alegações do prof. D. Peres contra a minha exploração de DC 914, carecem, como pude mostrar (Nota C), de realidade (CNP 73). Quanto às novas alegações do Prof. P. Merêa para regressar à sua anterior doutrina (HD 204-205), direi que o facto de em DC 914 figurarem casados D. Henrique e D. Teresa nunca poderia ter-me passado despercebido. O que fiz foi não concluir necessariamente daí que o casamento já existisse ao tempo da entrega por D. Henrique a Soeiro Mendes da honor norteduriense. O próprio magnate não envolve no caso o nome de D. Teresa, nessa entrega, o que está a meu favor, embora não decisivo.

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Mas são ainda necessárias algumas considerações sobre o já tão discutido e ainda não convincentemente estudado diploma.

3. – Lê-se no prólogo de DC 914: «suo nomine (imperatóris) gener verum suus comes Anrichus sedente cum filiam Tarasia et tenente de illo terra de Portugal pro sua hereditas», e três problemas principais se nos deparam:

- Saber a qual dos verbos sedere e tenere se liga a expressão suo nomine; - Saber se há rigor em ligar a expressão pro sua hereditas às circunstâncias antes dela expressas; - Saber qual o grau de compatibilidade que possa haver entre pro sua hereditas e tenente de illo. Farei breves considerações a respeito de cada problema, confessando desde já a minha incapacidade na respetiva solução.

a) De qual dos verbos sedere e tenere é complemento suo nomine? Duas opiniões surgiram: a do prof. Albornoz e a do dr. Gomes da Silva (admitido, neste ponto, pelo prof. P. Merêa), o primeiro para tenere e o segundo para sedere. Da ligação a tenere, resulta possuir-se em nome de outro aquilo que tinha sido doado, o que é incongruente. Perante o facto, podendo o prof. Albornoz ter preferido sedere, não o fez, para tirar a conclusão da incongruência: D. Henrique era, inicialmente, um simples tenens, sem qualquer here-

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ditariedade, tendo-se esta ligado à tenência, mais tarde, por prática de inspiração feudal. Esta segunda conclusão não é, evidentemente, aceitável, não só pela incompatibilidade entre a feudalidade e a hereditariedade, mas porque esta foi consequência de concessão régia, para casamento. (Entre parênteses e como confirmação da minha doutrina da dádiva para casamento, efetuada por progenitor de nubente, à qual, no caso de D. Teresa, aderiu o prof. P. Merêa, como tantas vezes tenho dito, é de chamar a atenção para um caso cujo caráter explícito abona, em meu ver, o daquela infanta, como eu o interpretei: «michi dedit pater meus in casamento medietate integra villa», etc., DC 296, de 1037. Devo declarar que só muito depois de ter arquitetado a minha doutrina sobre o caso de D. Teresa, reparei neste). Mas nem por isso a primeira conclusão deixa de coincidir com aquela que eu havia, por outras vias, atingido: D. Henrique um tenens do rei ou, melhor, primo, desde a criação, para este, do «governo geral» da Galiza» (até o Douro, pois ao sul governava ainda Sisnando), de 1086 para 1088 (ver a nota B) – embora eu, no primeiro estudo, levasse o caso a um tanto depois. Esta conclusão, independente da do prof. Albornoz, mas no mesmo sentido, reforça-se, pois, com a justa dedução do historiador espanhol nesse ponto. O próprio prof. P. Merêa aceitou essa minha conclusão; e, se a pôs de lado, isso deve-se apenas a ter surgido o dr. Rui de Azevedo com os seus meros pressupostos, sem base legítima ou satisfatória, sobre três diplomas capitais.

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Para rebater o prof. Albornoz, apareceu a opinião de que suo nomine é complemento de sedere; mas, como aquele historiador não deixa de ter razão (embora não na totalidade do caso), deixa este novo parecer de a ter toda. O mais natural é que suo nomine afete, afinal, simultaneamente, os dois verbos, - e não o digo apenas por isso, que seria demasiado matemático, mas porque são aproximadamente sinónimos: com sedere, a autoridade «residenciada» de D. Henrique e D. Teresa (portanto em tempo de consórcio), e, com tenere, essa mesma autoridade efetiva, mas amovível. Quer dizer, antes do casamento, apenas tenere de illo; depois, apenas tenere, mas com sedere. O consórcio, de facto, trouxera a estabilidade da tenência pela hereditariedade, a que a aloalidade se juntou por «axuar» de D. Teresa (para usar a designação do prof. P. Merêa). Ao mesmo tempo, ficaria explicado o caso de Soeiro Mendes como patrocinado de D. Henrique «multis temporibus» antes de 1100, porque aquele conde podia nomear tenentes subalternos para as «terras» da sua província (tais as que Soeiro Mendes teve: Maia, Faria, Penafiel e outras, do Douro ao Cávado), antes como depois do casamento. Além disso, nada prova que, afinal, não tivesse Henrique, com a tenência ou autoridade, o prestimonium (que, com o casamento, passasse a hereditas); mas desta circunstância não se necessita na explicação. Com a ligação simultânea de suo nomine a sedere e a tenere, estabelecer-se-ia a necessária ligação das situações (que ambas a haviam de ter) à pessoa do imperador: suo nomine sedente e suo nomine tenente. Reparo, claro está, na redundância

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da expressão plena «suo nomine tenente de illo»; mas o pleonasmo, além de necessário por estar longe a expressão suo nomine, explica-se pelo próprio facto de a escritura não ser um modelo de redação.

b) O segundo problema tem uma solução proposta no meu anterior trabalho: nada nos permite ligar necessariamente a expressão «pro sua hereditas» às circunstâncias antes dela expressas, ao longo de todos aqueles «multa tempora». Do meu parecer se ocuparam os prof. D. Peres e P. Merêa. Este passou a não admitir, concluindo que a minha construção «é sem dúvida engenhosa, mas implica uma sujeição de Henrique a Raimundo, que hoje, com os dados que possuímos, não pode ser aceita» (HD (274). Esses dados são as opiniões ultimamente emitidas pelo dr. Rui de Azevedo. Para essa objeção desaparecer, bastaria introduzir na minha tese este elemento: Henrique esteve subordinado antes da concessão da hereditas e alodialidade, e ficou autónomo depois; mas não creio seja preciso tal hipótese – que, aliás, teria muita plausibilidade. Quanto ao prof. D. Peres, referindo-se à minha opinião, como de todas a mais recente, limita-se a comentar: «A discussão sobre este assunto decerto não terminou ainda, pois só o aparecimento do respetivo documento régio a faria cessar» (CNP 79). Limitar-me-ei agora a transcrever estas minhas conclusões do trabalho anterior, (o que também o prof. D. Peres fez): «É natural, pois, crer que a expressão tenente de illo terra de Portuga pro sua hereditas, demais num documento particular e anos

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posterior ao início do governo henriquino, amalgama dois factos de natureza diferente e não necessariamente estabelecidos numa mesma ocasião: a administração ou tenência da terra e a posse dos alódios ou haveres da coroa nela. Até já vimos como o documento reúne os dois factos para definir uma realidade de então, uma simultaneidade atual; e ao que de tudo nos parece, a circunstância primeiro estabelecida foi a tenência, vindo a darse um pouco mais tarde a posse hereditária dos haveres reais, efeito de casamento» (AF 189-192).

c) O terceiro problema está na incompatibilidade entre «tenente de illo» (que eu reputo o mesmo que «suo nomine tenente») e «pro sua hereditas», com toda a razão estabelecida pelo prof. Verlinden: a primeira expressão significa a precariedade, e a segunda a hereditariedade. A única maneira de resolver o conflito era concluir por uma concessão de tipo feudal. Por outra incongruência chegou, como vimos, a idêntica conclusão o prof. Albornoz. O prof. P. Merêa, para negar, com razão, tal caráter, deu primazia à expressão «pro sua hereditas», e claro está que, para contrariar o referido medievalista, não pode deixar de a considerar real ao longo de todos os «multa tempora»alegados. A primazia refere-se a definir à concessão a hereditariedade e, sobretudo, a alodialidade; mas, com o devido respeito, não parece inteligível que se dê menos valor ao depoimento de «tenere de illo» (o mesmo que «suo nomine tenente», como tenho dito), porque, com efeito, não se afigura tenha menos valor considerar a autoridade que a propriedade.

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Creio que, a ter de se dar primazia, a mereceria aquela. De qualquer modo, a colisão existe, e, para mim, se não se quiser concluir por feudalidade, que realmente se torna incompreensível, não há outro recurso que considerar duas épocas de autoridade: antes do casamento (Henrique simples tenens ou, quando muito, ainda um prestamarius) e depois do casamento (Henrique um tenens, mas senhor e mandante hereditário. Eis como, à vista do que escrevi no primeiro trabalho e já nestas notas, em que me não tenho servido destes dados, eles jogam a favor da minha tese, - se é que não bastariam para a fundar, se já por outras razões o não houvesse feito.

4. – Um fator existe cujo lugar verdadeiro está após as considerações feitas e que os nossos historiadores quase põem de parte. Trata-se de um pesado tropeço nas suas teses: a insistência de Raimundo em declarar titularmente os seus direitos de domínio em «toda a Galiza». Claro está que este «toda» tem um só significado: o sentido lato de «Galiza», ou seja, a extensão galaica ao sul do Minho (até ao Tejo, atingido desde 1093). De outro modo se não compreendendo, convém alinhar os casos dessa insistência. - 1093, Novembro: «comes et totius Gallecie dominus» (DC 813). Em dezembro seguinte, temos Henrique em Coimbra (o que significa a ampliação dos seus domínios para o sul do Douro), porque esta é, e não 1095, a data do documento de Brandão (ML III8 c. 8),

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contra cuja genuinidade nada podem a pseudo-correção da data por J. P. Ribeiro e a pretensa identificação a DC 889. - 1095, fevereiro: «totius Galletie comes» (DR I1 p. XVIII). Se se quiser transferir este documento para 1099, como fez Fidei Fita e agora se descobriu entre nós, o que não me parece aceitável, o caso presentemente discutido torna-se mais flagrante ainda. - 1095, dezembro: «totius Calletie senior et dominus» (HS III 7). Se o ML III8 c. 8 atrás citado, fosse, como se tem pretendido, desta data, os sintomas de uma subalternidade inegável aumentavam até à certeza. - 1096 e depois: Não conhecendo eu outros casos, já que não fiz investigação nesse sentido, basta-me garantir o prof. P. Merêa a continuação de tal título para um tempo «em que a autonomia de Henrique não pode ser posta em dúvida» (PM 46). - 1097 e depois: A garantia é agora de Herculano, que diz que, a partir deste ano, «tinham desaparecido todos os vestígios da autoridade de Raimundo, embora ele se continue a chamar nos seus diplomas «senhor de toda a Galiza» (Hist, II8 238). - 1105 e 1106: Como no primeiro capítulo destas notas já mostrei, os docs. DP 197 e 223 afirmam que «ipsa terra (Portugal) imperabat Raimundus gener regis», ao qual nada mais acrescento. Os historiadores não me parecem terem atentado neste caso. Acha o prof. P. Merêa, por uma alusão acidental, que este título é «pouco demonstrativo (PM 46) «só por si» (HD 207). É evidente não convir à tese

de autonomia henriquina. De resto, ele não atua «só por si», mas em ligação com numerosas e pesadas circunstâncias que, até 176

por aqui, por isto mesmo, tenho alegado. Denuncia-se uma intenção, e, ao mesmo tempo, um facto velado, que a não permitia exprimir-se, discriminadamente, no título. E a que podiam respeitar senão às províncias que, ao sul do Minho, completavam «tota Gallecia», a saber, Portugale (com seu especial estatuto), Colimbria e Santarém? Que outra intenção podia ser senão a de ele se não mostrar olvidado ou abdicar de um direito anterior, em toda essa extensão, e que outro caso senão aquele que, de facto ou praticamente, o havia privado desse mesmo direito? A causa não foi, por tudo o que sabemos, a doação régia ao primo entre Minho e Douro (e mais não); mas um pacto, como o sucessório, com seu segredo e depósito imediato em Cluny, de 1093 para 1094, impediria Raimundo de fazer valer e exprimir mais ostensivamente o seu direito, iludido ou postergado pela ambição do primo, que nunca se bom grado se lhe sujeitaria. Precisamente num diploma onde Raimundo se diz «totius Galletie senior et dominus» (HS III 7), dezembro de 1095, confirma o bispo conimbricence D. Crescónio, «o que parece inculcar que este prelado estava politicamente subordinado àquela autoridade» «o que parece inculcar que este prelado estava politicamente subordinado àquela autoridade» (com toda a sua diocese, já se vê) – creem o prof. P. Merêa (HD 207) e o

dr. Rui de Azevedo. Certamente que outros bispos de ao sul do Minho estariam na mesma sujeição, se então os houvesse; mas era aquele o único: a sé de Braga, vacante (ou S. Geraldo não se apresentara ainda: LF 231 e 610),

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a do Porto, administrada por Braga, e as de Viseu e Lamego, administradas por Coimbra. Quando não, os seus bispos também surgiriam na mesma subordinação. Se D. Henrique já então governava, como tudo indica, é evidente que ainda mais decerto se subordinaria. -Depois da morte de Raimundo (1109), findo o referido «governo geral» galego, nem por isso deixa de se mostrar, ainda com D. Henrique, a subordinação à Galiza, de direito, embora não de facto. É que os nossos documentos, logo após a morte de Afonso VI, passam a considerar o «reinado» do infante Afonso Raimundes (futuro imperador Afonso VII), e não o de D. Urraca. Assim, em janeiro de 1110, sem se referir o mando de D. Henrique ou D. Teresa, temos «regnante Alfonsus rex» (DP 347). Falecido D. Henrique, continuam as coisas, não se citando D. Teresa: dezembro de 1113, in «in diebus Adefonsi regis» (DP 462), e, em agosto de 1114, «temporibus Adefonsi regis» (DP 482). Era natural que se citasse D. Urraca, tanto mais que a aclamação de Afonso Raimundes não passou de uma série de tentativas que nunca a rainha, apesar do que se dizia ter sido a vontade do pai ou dela, reconheceu; de sorte que a legalidade devia levar a citá-la. Mas a essa legalidade contrapunha-se outra, que bem mais nos interessa: Portugale-Colimbria eram partes da «Galiza» - o que só pode explicar-se, nessas circunstâncias separatistas dos Portugueses, pela consideração do pouco anterior «governo geral» galego. Naquelas circunstâncias, poderia repugnar citar-se D. Raimundo (aliás fazem-no

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dois documentos de 1105 e 1106 do scriptorium bracarense – o que lucra nova admissibilidade com isto), porque sobrava a subordinação de D. Henrique à pessoa real; agora, não, porque o «rei» era Afonso Raimundes. Não me consta historiador algum que haja atentado naqueles documentos da autoridade de D. Raimundo em Portugale até à sua morte (1107); nem nesses da autoridade, aqui, de seu filho, o «rei» Afonso Raimundes, logo após a morte do avô D. Afonso VI, dois anos depois. Parecem-me, no entanto, documentos primaciais nestas questões. É de notar que os diplomas que citam este «rei» são todos do scriptorium de Pendorada: há neste mosteiro um evidente escrúpulo de legalidade – não de contrariedade aos governantes Henrique e Teresa. E este limitado notarial surge paralelo ao vago do título «geral» galego da autoridade, raimundino. O seu «tota Gallecia» é, para mim, bem demonstrativo da subalternidade de Henrique, segundo o direito, embora iludida no facto. Acode-me, neste ponto, o que entendeu escrever o prof. D. Peres, acabando de examinar a minha doutrina da subordinação: «Mas, havendo, como há, no secular corpo da história nacional tantos problemas a desafiarem a capacidade investigadora e construtiva dos historiadores, valerá a pena perder tempo e esforço numa porfiada testilha de tão pequena influência na vida nacional? A submissão ou não submissão de Henrique a Raimundo é problema insignificante» (CNP 73-74). Com o maior respeito pelo ilustre historiador, admiramme as suas palavras, não apenas porque

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também ele dá grande relevo a questões secundárias ou que, como esta, o aparentam ser (como se D. Teresa foi amante ou esposa do conde de Trava, CNP 112-115), mas, sobretudo , porque aquele caso não é uma simples questão historiográfica sem consequências, antes a base historiográfica de que dependem vários problemas. Basta ter em atenção o desfecho da crítica feita à minha tese pelo Prof. P. Merêa (em HD 274)

- Nota I.

Doc. de Arouca, 3 (?) de agosto de 1096 (DC 834). É este o diploma contra o qual apresentara o prof. D. Peres duas razões – uma, negando-lhe a data, a outra, a genuinidade contextual, o que eu mostrei ser equivocado (AF 181-183). O motivo da rejeição em que andava este documento está em que a sua indicação de autoridade de D. Raimundo em Coimbra se não coadunava com a doutrina corrente da sua concessão durante 1095. Eliminados os pretensos defeitos que lhe eram apontados, devia o diploma ficar reintegrado no seu verdadeiro valor; mas tal não sucedeu, porque novos defeitos, onde nunca haviam sido procurados, se lhe assacam agora. São autores das novas objeções o prof. D. Peres e o dr. Rui de Azevedo. Vejamos se DC 834 resiste ou não à crítica de cada um dos dois historiadores – o segundo tendo informado o prof. P. Merêa, que, apenas por isso, deixou de aquiescer à minha doutrina, para regressar como tenho dito, à sua anterior.

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1. – a) Principia o prof. D. Peres por apresentar, para insistir na condenação, uma alternativa (que, por o ser, enfraquece para a história, que exige uma coisa ou outra decidida): «ou o copista errou a data» lendo 1134 a 34q, em vez de 1133 (1095), ou a menção de Raimundo «foi em qualquer ocasião interpolada» (CNP 67). Mas é evidente que isto não passa de meras conjeturas, sem qualquer base que chegue a autorizá-las, a não ser a convicção prévia de não ser verdade aquilo que por elas se quer contestar ao diploma. Bem mais interessa a este propósito a justificação que o prof. P. Merêa encontra para a criação do domínio henriquino: «devia ter tido lugar como recompensa dos serviços prestados contra os almorávidas, pouco mais ou menos na altura em que Afonso VI deu foral a Santarém, novembro de 1095 (PM 49). O ilustre mestre, porém, pelos novos dados sobre os três documentos capitais da minha tese, passou a perfilhar a opinião de Herculano de que «a causa próxima tenha sido o desbarato de Raimundo junto a Lisboa», facto ocorrido, na melhor das razões (passagem de Raimundo por Coimbra, DC 813), em novembro de 1095 (HD 210). Ora também é esta a opinião do prof. D. Peres: «razões de ordem política e militar que a Afonso VI indicavam a conveniência de entregar a mãos mais aptas a defesa das terras austrais, onde em 1095 Raimundo sofrera sensacional derrota» (CNP, folha apensa a pp. 74-75). Encurtar em um terço a extensão de um governo geral», como o de Henrique, de norte a sul,

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não favorecia por demais a situação defensiva; nem há razão para dizer que as mãos de um eram mais aptas para ela do que as de outro; e quantos casos de tal fenómeno se deram na Península, por desbaratos análogos? Raimundo ainda se diz «in Sanctarem» em agosto de 1095 (ES40 189). Surpreende, tenha-se ou não se tenha perdido Santarém, como sucedeu a Lisboa, e por isso recuperado ou não, conforme o caso, que o «governo geral» henriquino sofresse essa delonga de quase um ano, se a razão foi a referida. Pior ainda: se, como segue o prof. P. Merêa, segundo os novos dados (do dr. Rui de Azevedo), Henrique não governa senão em 1096, esse governo geral tardou cerca de ano e meio. O foral de Santarém, em novembro de 1095, é indiferente para a questão, porque é certo não citar Raimundo, mas também não cita Henrique. É o rei em pessoa que o concede, e isso, quanto a mim, apenas pode revelar que o território ao sul do Douro (Colimbria-Santarém) estava na situação do território ao norte do Minho, onde o monarca entremeia os seus documentos com os do genro. Ora isso nunca sucede com Portugale, - porque era hereditas de D. Henrique. Claro está que, pelo exame ao documento, não deixo de crer um facto essa hereditas já nesse tempo (DC 914, ML III8 c. 8, etc). Quanto a uma interpolação – fenómeno devido sempre a interesses materiais ou de autoridade de parte da entidade que a promove ou perpetra -, não se vislumbra um móbil, nem o pode haver. Até o ilustre historiador alega uma «ocasião qualquer» para ela, o que afirma o que digo; e, de facto, não

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era também qualquer ocasião, mas uma só – a da cópia, pois que outro texto se não conhece, de onde a menção pudesse provir, a não ser o original.

b) Alega ainda o prof. D. Peres ser estranho, que em dois diplomas, como DC 834 e 832, intervalados de um mês e lavrados pelo mesmo notário, este se lembrasse de mencionar Raimundo apenas em um. Trata-se de outra simples conjetura, a que se pode por equivalente. O notário, claro está, não lavrou apenas essas escrituras: quem há-de, pois, asseverar que, chegadas até nós outras, não veríamos em algumas a menção de Raimundo? Neste caso, estaria reforçada a validade desta menção, e, ao mesmo tempo, explicada a arbitrariedade do escriba quanto ao caso. Repito que um reparo vale pelo menos o outro, e, quando o meu deixe de ter valor, não resta mais para o oposto. De resto, são abundantes os diplomas de Arouca que neste período não incluem a menção de imperante; por outro lado, o respetivo scriptorium, como adiante veremos, primava como nenhum na cláusula histórica, - o que não quer dizer uma regra absoluta sua a sua introdução. Mas se esta se fazia, mais ou menos completamente (e quase completa é a de DC 834, obedecendo à normativa orientação desse scriptorium), temos de acatá-la como digna de toda a confiança. É preciso, de contrário, apontarlhe o primeiro defeito. Por sua vez, se num caso se não introduziu, a falta deve-se naturalmente a brevidade do escriba, como em tantos casos.

c) «Em agosto de 1096 já S. Geraldo era arcebispo de Braga, e na sua eleição não tivera interfe-

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rência Raimundo, mas sim Henrique» - alega mais o prof. D. Peres. Esta razão não pode prejudicar uma doutrina como a minha que assenta na subalternidade de D. Henrique antes de 1095-1096. Mas não quero basear-me nisso, bastando apontar que se Raimundo não interveio na eleição daquele bispo, também não influiu na do eleito anterior, o arcediago Rodrigo Vermudes, que ainda em novembro de 1095 se considerava «qui est electus» (LF 610). Esta eleiçãodeveuse ao rei, o que mostra que, fosse qual fosse o âmbito da concessão a um ou a outro dos dois primos, o monarca pusera em reserva o padroado, pelo menos no episcopal. Nas eleições, podia delegar ou não no seu tenens.

d) Apenas porque errou o dia, escrevendo «VIº nonas Agustas» (entendo que «IIIº», considera o prof. D. Peres o copista «notoriamente desatento» (CNP 66), como uma razão mais para afirmar que o seu apógrafo «não merece fé» (CNP 66), como uma razão mais para afirmar que o seu apógrafo «não merece fé» (CNP 70. A introdução do nome e tenência de Raimundo não pode ser produto de desatenção do copista: este lia do original. Para se notar a desorientação que lavra neste complicado -, e, afinal, simples – assunto, basta notar que o prof. D. Peres inculpa o copista como desatento, enquanto que o dr. Rui de Azevedo responsabiliza antes o notário, coimando-o de ignorante. É do que passo a tratar.

2.- As razões do Prof. D. Peres foram apenas referidas vagamente pelo prof. P. Merêa (HD 206), que deu toda a relevância e pleno crédito às do

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dr. Rui de Azevedo (HD 215-231). Vejamos como são tão novas e essenciais razões. Inicia este ilustre diplomatista o seu exame pela observação de que o DC 834 arquiva um dado de grande interesse histórico», constituído pelos nomes do rei, do «prócere ou conde que dominava no território de Coimbra» (Raimundo), do bispo, de «quem senhoreava ou mandava em terra de Arouca» e dos «funcionários que desempenhavam aí as principais magistraturas» (HD 227). Assim é, exceto quanto ao mandante de Arouca: não consta, mas o juiz (falta singular que procurei explicar no meu estudo Arouca na Idade Média, p. 267). Esse juiz aparece noutros diplomas com o tenens (DC 889, 939, 940). A crítica do dr. Rui de Azevedo incide unicamente nos seguintes particulares: a) Reconhece a exatidão da data ou, pelo menos, que nada se lhe poder opor pela sua grande «plausibilidade» (HD 225). O prof. P. Merêa resumiu as informações do douto diplomatista: «observou-me argutamente que talvez a data seja fruto da ignorância de quem escreveu o documento acerca da transformação política recém-operada» (HD 211). O insigne mestre quereria dizer, não «data», mas «nome», o de Raimundo, porque é deste que se duvida, e não do ano, no diploma. Veremos adiante se é crível uma tal ignorância. b) Aceita sem «matéria de controvérsia» Raimundo em Coimbra «ainda em 1094 e parte de 1095» (HD 229).

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Este dado é muito importante para a crítica subsequente, sobretudo porque o prof. P. Merêa di-lo mesmo «ainda em fins de 1095» (HD 211). Note-se ter passado pelo menos um ano após o desbarato de Lisboa. c) Declara que em agosto de 1096 (data de DC 834) Henrique «poderia já estar investido» não só em Portugale, mas – o que mais interessa para o caso – em Coimbra, sendo apenas que «a sua presença em Coimbra ainda se não efetivara» (HD 229). Como se vê, usa-se o facto a demonstrar (a referida presença de Henrique em Coimbra) como fator da demonstração (de que Raimundo não podia aí estar). Este apriorismo agrava-se com a opinião de que a presença de Henrique ali «ainda se não efetivara ou, pelo menos, não se encontra demonstrada». Pode convir à referida tese (se pode, porque há um elemento negativo na segunda alternativa), mas não adianta no seu sentido. d) Depois disto, procura o dr. Rui de Azevedo, com o que chama «uma boa crítica diplomática», explicar a menção de Raimundo em DC 834: o notário andava «habituado a tratar ou ver tratado o conde Raimundo como dominante em Coimbra» - e por isso o nomeou, senão copiou mesmo de outro documento (HD 229-230). A crítica e a objeção são apenas isto. A alegação parece-me totalmente inverosímil. Para hábito requeria-se longo e frequente o uso desse nome nas escrituras; e, durante todo esse tempo, não se desfaria o equívoco? Repare-se nestas mesmas palavras do dr. Rui

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de Azevedo, a propósito de DC 834: «os documentos emanados do scriptorium de Arouca durante o último quartel do séc. XI e princípios do séc. XII» oferecem uma caraterística muito notável, «excecional nos fundos documentais portugueses do período referido, a qual aguarda ainda um estudo atento nos aspetos diplomático e históricojurídico» (HD 227): uma cláusula histórica completa e pontual, como em parte nenhuma, desde o grau mais elevado (o rei) até ao funcionário inferior (o saião). Como é possível, pois, assacar ao notário essa tão crassa ignorância de quem estava em Coimbra, e compreender que, em Arouca (e claro está, Portugale-Colimbria), «o conde D. Henrique poderia ainda ser personagem desconhecida»? Tratava-se de ignorância de pelo menos um ano, já que o dr. Rui de Azevedo considera Raimundo em Coimbra apenas, como vimos, até «parte de 1095» (HD 229); e, mesmo tratando-se de «fins de 1095» no parecer do prof. P. Merêa, o espaço de tempo – pouco inferior a um ano – não facilitava mais essa ignorância. Nós somente compreenderíamos um tal desconhecimento com uma saída recente de Raimundo, isto é, pouco antes de agosto de 1095; mas isto, numa questão de tempo, que é o que se discute, equivalia à sua própria menção de agosto, e o dado de DC 834 resultava no mesmo valor. Noutro aspeto, se D. Henrique não tinha ainda o mando efetivo, embora já investido, em Coimbra, quem o detinha provisório? Mas a inverosimilhança da grande questão contra DC 834 – a ignorância do notário – avulta mais ainda:

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- num scriptorium que, como se sabe, primava como nenhum mais no rigor e discriminação da cláusula histórica, que exigia uma boa informação permanente, o que, partindo dele, assume hoje o aspeto de verdadeiro reconhecimento notarial dos nossos dias; - onde existia um dos mais notáveis mosteiros beneditinos do País, cujo convento não podia andar alheio à evolução política e à identificação e mutação dos respetivos figurantes e autoridades; - onde mandava um tenens (pois aqui estava a cabeça da «terra» de Arouca), o qual, quase sempre, aí residia, - o que é caraterística desta circunscrição, neste período (ver o meu estudo Arouca na Idade Média, pp. 243-300); - onde funcionava um judex, daqui mesmo natural, (como se mostra no meu referido estudo) e que recebia, a cada passo, ordens da sede provincial ou do mandante de Coimbra; - num scriptorium que não tinha apenas um notário (DC 831 e 832 diferem vinte dias e são de notários diversos, Arias e Egas, este o mesmo de DC 834), pois se conhecem escrituras de vários, nesse mesmo ano de 1096 (como, além dos citados, os DC 827, 828). Mesmo a aceitar-se a ignorância de um, não era ela possível em todos, o bastante para lha desfazer. Toda esta gente da religião, da administração, da política e da burocracia não podia ignorar o que se passara, desconhecer quem era o seu chefe provincial. Que nada ignorariam prova-o o facto de não aludirem em DC 834 a Henrique (na minha doutrina da sujeição dele, a este tempo), mas a Raimundo, como superior. Na cláusula, o respeitante a Coimbra

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ficava preenchido com a alusão a este. Referir aquele era escusada declaração da sua própria subalternidade. No sentido inverso, corresponde ao silêncio raimundino com respeito a Portugale-Colimbria-Santarém, depois de agosto de 1094, no seu título vago e geral sobre «tota Gallecia». A crítica do dr. Rui de Azevedo nada mais apresenta contra DC 834: como, para o diploma de Brandão (ML III8 c. 8) de dezembro de 1095 (sic), a distração do cronista na data, para o DC 834, a ignorância do notário, - eis os fatores da sua crítica diplomática. E vai mais longe: embora com um «talvez» e confessando ser «arriscado», o ilustre diplomatista procura em DC 827, de Fevereiro do mesmo ano de 1096, um apoio, pelo facto de apenas se nomear nele o rei: «De tal silêncio poderia talvez inferir-se que Raimundo abandonara o governo de Coimbra e que o notário da escritura desconheceria quem à data da mesma representava ali o rei» (HD 230). Há outros diplomas no mesmo caso, e não pode julgar-se com eles tal ignorância: porque excetuar este? A ser como diz, teríamos mais um notário ignorante, nesse scriptorium, tão timbroso na exatidão e na informação; e, de resto, se ignorava o mandante de Coimbra, não podia ignorar o tenens, o judex e os maiorini de Arouca, que a cláusula, neste scriptorium, em geral cita, e o caso é que a nenhum inscreveu. E não foi porque lhe não agradasse uma cláusula incompleta, visto que a cumpriu da maneira mais reduzida, citando apenas o rei: bastava fazer como o notário do DC 834, que não citou o tenens

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(certamente porque, como era uso dizer, a «terra» «vacabat de rico homine» então). Não deve esquecer-se que esta alegação sobre 827 enfraquece a alegação contra o diploma de Brandão ML III8 c. 8, de dezembro anterior, - apenas uns dois meses antes. De facto, se do silêncio de DC 827 se pretende deduzir a saída de Raimundo já em fevereiro de 1096, o que equivale à investidura de D. Henrique aí, não repugna crer que essa saída era um facto já nesse dezembro anterior, em que se cita Henrique. Para que, pois, demolir o diploma de Brandão? (Note-se que parto do princípio de que a data é 1095, como se pretende). De toda esta crítica, sai DC 834 incólume; e até o prof. P. Merêa, mesmo sem isto, teve de o reconhecer: «O único óbice sério é o doc. DC 834… contra o qual não se aponta uma razão decisiva de ordem diplomática» (HD 211). Ao que se me afigura, nem para nenhum dos outros dois. E, com isto, creio poder dar por encerrado o meu assunto, até que novos problemas surjam.

Aditamento: Não devo deixar de aludir a dois pontos de crítica que não coloquei nos lugares convenientes, para não dispersar os raciocínios. É um deles do prof. P. Merêa: ter eu aproximado o sentido de «de patre meo», etc., em DR 40, do de «pro mea hereditate», em DC 864. Nunca eu podia deixar de ter reparado no «uso corrente» da primeira destas expressões; mas, aqui, em razão do que eu havia assentado, independentemente, quanto à segunda (e só isso – nunca isoladamente),

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entendi, na primeira, um significado que poderia ligar-se ao da outra. (HD 274). É outro a denúncia que o dr. Rui de Azevedo fez de eu ter considerado a data 1080, de certo documento, em outro estudo meu, o que constituiu nele uma «falsa base» (HD 227). Ora o que se deu foi o contrário: essa data suspeitei-a de errada – o que o ilustre diplomatista veio a reconhecer, em aditamento (HD 310). (Não é, infelizmente, esta a única vez que os meus propostos são tomados ao invés, por leituras superficiais e apressadas). E também se surpreende de eu não ter notado a duplicação dos três DC 576 (925), 592 (946) e 705 (873). O facto explica-se por simples apontamento, destinado ao meu referido estudo, porque nunca alcancei o respetivo fascículo. Daí a falta no confronto, - falta essa que, de resto, não tem qualquer importância para as teses aqui discutidas. Ainda sobre 1, a) da Nota I: Conforme eu entendi o erro VI do copista de DC 834 em vez de III, no dia, assim poderá entender-se nas unidades da era o erro IIII, em vez de III, alega o prof. D. Peres (CNP 67). Claro que seriam erros demasiados; e o segundo, até, paleograficamente, muito improvável. Sobre 1, b): O facto de DC 834 possuir cláusula histórica e 832 não, esclarece o problema: preocupações diferentes no escriba – num caso, a minúcia e, no outro, a brevidade. Isto significa cuidado e informação, em vez de distração. (D. Peres) ou ignorância (R. de Azevedo). Para se duvidar da menção de Raimundo em DC 834, não teria de duvidar-se da dos restantes personagens da cláusula?

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O Conde Vímara Peres

Será transcrito logo que possível. O autor esclarece que foi um estudo solicitado para a revista «O Tripeiro», em junho de 1968 (11º centenário da conquista pelo conde Vímara).

Achei o estudo feito por A. de Almeida Fernandes empolgante.

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ÍNDICE

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ÍNDICE Págs. Justificação

9

Restauração de Portugale condal (1094)

13

Portugale triunviral e «consular» (1044-1094)

41

Sucessão dos condes de Portugale (868-1044)

67

Portugale até à conquista definitiva (868)

93

Problemas nos inícios henriquinos (1086-1096)

121

Nota A

125

Nota B

132

Nota C

139

Nota D

143

Nota E

146

Nota F

154

Nota G

160

Nota H

163

Nota I

180

Vímara Peres

(A concluir logo que possível)

195

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