Notas avulsas em apresentação do livro \"Norberto Bobbio: a tradição europeia da liberdade\'

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Notas avulsas na apresentaç ã o do livro sobre Norberto Bobbio Macau, 16 de Dezembro de 2014 Quero começar por agradecer à Fundaçã o Rui Cunha a simpatia de receber o lançamento deste meu novo livro, o oitavo, entre obras dedicadas ao direito, aos estudos europeus, às relaçõ es internacionais e ao pensamento político. Também o meu reconhecimento pú blico ao Carlos Morais José por ter acolhido, com os braços abertos, esta minha nova aventura no ensaio e no desenhar do perfil de um intelectual europeu a que me ligam referências substanciais. O Carlos é um amigo de muitos anos, proprietá rio de um jornal que nos habituou ao debate das ideias, à boa informaçã o sobre Macau e a China. Se há algo com que me identifico, como intelectual, é esta paixão pelo ensaio, pela cró nica, pelo estudo da histó ria e pela discussã o das ideias, em vá rios contextos culturais, para além dos muros dos dogmatismos e das fidelidades ideoló gicas. Costumo brincar, ao dizer que sou um militante partidá rio incaracterístico, porque quando o meu partido erra, desrespeita os compromissos que assumiu perante o eleitorado, perde as oportunidades, sou o primeiro a criticar, a desmentir, a fazer o contraditó rio. Creio que é a ú nica maneira de se estar, com inteligência, no espaço pú blico e no debate das ideias. É o que procuro fazer - à distâ ncia - como português e patriota. Este meu livro constitui um preito de homenagem a um homem, professor de direito e de ciência política na Universidade de Turim, entre 1935 e 1984, cronista e discreto militante do partido socialista italiano até ao seu desaparecimento quando este partido esteve envolvido no escâ ndalo das ‘mã os limpas’.

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Bobbio nasceu em 18 de Outubro de 1909 e faleceu há dez anos – em 9 de Janeiro de 2004, na sua cidade natal, Turim. Levou uma vida de combate, de afirmaçã o de uma certa maneira de ser-se europeu. Humanista, filó sofo, cruzou tempos importantíssimos na histó ria do século xx, as duas guerras mundiais e o fim da Uniã o Soviética. Quando em 2001 se colocou a questã o que autor escolher para a minha dissertaçã o em ciência política, em Portugal, Bobbio surgiu como escolha natural. Algumas razõ es. primeiro porque é latino, esbracejante como nó s, de língua afiada mas capaz de polemizar sem perder a calma e com aquele aprumo ciceriano que enobrece os aristocratas do pensamento. Segundo, porque viveu sob ditadura e lutou contra ela, como nó s em Portugal. sentiu na pele, em duas detençõ es, a garra totalitá ria do fascismo de Mussolini. Terceiro, porque sonhou que todas as utopias seriam realizá veis com o advento da democracia, em Itá lia, em 25 de Abril de 1945. Exactamente em 25 de Abril, como nó s o viveríamos, com igual ardor e entrega, num outro 25 de Abril, vinte e nove anos depois. Terceiro, porque apesar de os respeitar nunca se deixou encantar pelo canto mavioso dos marxistas e pelas suas promessas de amanhã s cantantes, de igualdades celestiais e de liberdades perfeitas. Soube que em Marx havia essa armadilha totalitá ria debaixo da retó rica da igualdade maximizada. Por isso preferiu a democracia possível, realizá vel em sociedades imperfeitas. Propô s uma concepçã o procedimental de democracia baseada num consenso mínimo em sociedade sobre as regras do jogo politico, regras logo vertidas na constituiçã o e no direito ordiná rio. Rejeitou envolver-se na discussã o da questã o dos fins, a construçã o da sociedade justa. Percebeu que aqueles que a alardeavam, como fim ú ltimo, estavam disponíveis para usar todos os meios possíveis – inclusive a força, a tortura e o assassinato – para o atingir.

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Por isso a queda do muro de Berlim em 1989 surgiu para Bobbio como a oportunidade para a uniã o da Europa e a reconciliaçã o dos europeus, divididos por ideologias opostas e submetidos à chantagem infame da ameaça das armas nucleares. Vislumbrou nesses eventos do Inverno de 1989 e em Gorbachov a possibilidade de uma aglutinaçã o da esquerda em redor do programa do socialismo democrá tico. Esse desígnio nã o se viria a concretizar porque a Rú ssia regressaria ao antigo abraço do despotismo e do autoritarismo que marca a sua histó ria secular. Bobbio viu na Uniã o da Europa a ocasiã o de realizaçã o do projecto federalista que admirava em kant, no seu ‘Projecto para uma Paz Perpétua’, um tempo em que se poderia ultrapassar a condiçã o estrutural de anarquia da vida internacional, através da aboliçã o da política da força e da expansã o do soberanismo estreito e vesgo. Pode-se ler Bobbio de vá rias perspectivas. Tantas quanto as á reas sobre que lançou o olhar perspicaz, à procura de respostas para os problemas da sociedade humana: direito humanístico e constitucional, relaçõ es internacionais, teoria da guerra e da paz, pensamento político e histó ria das ideias, ética e moral republicana sã o alguns dos domínios em que deixou obras exemplares Lembro aqui ‘Teoria Geral da Política’, ‘Estado, Governo e Sociedade’, ‘A Era dos Direitos’, ‘Direita e Esquerda’, ‘Positivismo Jurídico’, ‘Os Intelectuais e o Poder’, ‘Dicioná rio da Política’, ‘O Futuro da Democracia’, ‘Do Fascismo à Democracia’, ‘Depois da Eueda’ e vários outros. Foi um homem marcado pela política mas indisponível para a ‘pequena politica’ partidá ria. No seu livro ‘Os intelectuais e o Poder’, ainda referência do papel dos intelectuais na sociedade contemporâ nea, afirma: a tarefa dos intelectuais é a de agitar as ideias, levantar problemas, elaborar programas ou apenas teorias gerais. a tarefa do politico e tomar decisõ es.

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É difícil enquadrar o seu pensamento nas principais correntes do pensamento europeu do século xx. Nã o foi comunista mas também nã o foi um socialista tradicional do tipo de Má rio Soares, de Willy Brandt ou de François Mitterand. Foi na sua juventude - na década de 1930 - um liberal-socialista membro fundador de um pequeno partido – o ‘Partito d’Azione’ – que unia os intelectuais que combateram Mussolini e que acreditaram poder combinar, programaticamente, a exigência dos direitos sociais reivindicados pelos socialistas - com o exercício pleno dos direitos de liberdade exigidos pelos liberais. Esse pequeno partido fracassaria nas primeiras eleiçõ es gerais em Itá lia e desapareceria. Militaria, por algum tempo, no Partido Socialista Italiano mas afastar-se-ia em razã o de uma relaçã o tempestuosa com Betino Craxi, o secretá rio-geral. Em 18 de Julho de 1984 foi nomeado senador vitalício da Repú blica italiana pelo presidente Sandro Pertini. Era um laico, como era tradicional aos antifascistas da sua geraçã o: Sesare Pavese, Carlo Levi, Giulio Einaudi, Leone Ginsburg, Vittorio Foa ou Piero Gobetti. Foi um opositor implacá vel do primeiro-ministro Sílvio Berlusconi que considerou a expressã o mais pobre e vazia da demagogia política e do oportunismo político. No seu livro mais tardio ‘Elogio da serenidade e outros escritos morais’ (1994) elabora à volta do conceito de ‘mitteza’ (também traduzível por ‘brandura) e sobre o papel da tolerâ ncia no diálogo entre uma ética laica, firmada na razã o e uma ética religiosa, firmada na fé e sobre a questã o perene da luta entre o bem e o mal. Sobre ele escreveu Franco Fortini: nele a energia das convicçõ es só tem a fraqueza de se exprimir, precisamente como energia. sente-se que ele tem bem consciência das virtudes da ordem, da tenacidade, da sobriedade mental e da honestidade intelectual. é profundamente conservador. é-o em ter conseguido chegar a uma idade da razã o e da precisão em que se tornam vá lidas as virtudes dos avó s e dos bisavó s, o laconismo, a clareza e o decoro.

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Este é o meu preito de homenagem ao mestre da escrita, ao filó sofo mas sobretudo ao pensador da política. Formulo votos que com a leitura do meu livro se apaixonem, como eu, pelo seu olhar incomum, pairando no espaço acima das coisas comuns e banais. E que ele entreabre uma avenida para as suas obras já editadas em portuguê s. Estou grato por estarem aqui hoje. Agradecimentos também ao Dr. Rui Cunha e à sua Fundaçã o por me receberem aqui com aquela simpatia dos momentos felizes. Mais uma vez reconhecido ao Carlos Morais José pela ousadia de publicar este meu livro.

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