Notas de um ignorante sobre a arte e sua história.

July 19, 2017 | Autor: I. Costa | Categoria: Historia del Arte, História da arte, Historia Da Arte
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NOTAS DE UM IGNORANTE SOBRE A ARTE E SUA HISTÓRIA







Iraci del Nero da Costa


São Paulo, julho de 2007









1. A evolução, o belo e o feio.

A relação entre o processo evolutivo e os conceitos de belo e feio
parece-me das mais complexas. Acho que para enfrentá-la teríamos de
destacar alguns planos distintos. Vinculado imediatamente ao processo
evolutivo talvez estejam a repulsão do desagradável ou maléfico para o
indivíduo e para a espécie e a apreensão, o aproximar-se ou o tomar para si
do agradável ou benéfico. Com base nesses elementos de ordem material,
digamos, devem ter-se desenvolvido já imersas num caldo cultural as noções
de "belo" e "feio". Esses últimos elementos estariam só mediatamente
vinculados à evolução; para mim é como se o agradável/desagradável
estivesse situado no plano do cerebral e o belo/feio na esfera da mente. O
agradável estaria na órbita do material e o belo na do real.

Também entendo que o "novo" ou "exótico" cria novos circuitos neurais
(sinapses) e isso "chama" nossa atenção, se esse novo for tido como "belo"
ou pelo menos "neutro" o novo circuito deve ser percebido como algo
agradável, já o "feio", ao causar repugnância deve aparecer como uma
"sensação" desagradável.




2. A "descoberta" de novas fronteiras cerebrais e mentais.

Um processo dos mais interessantes está no de fato de, no correr do
tempo, a humanidade ir, a pouco e pouco, descobrindo novas fronteiras de
nosso próprio cérebro (e de nossa mente). Assim, o homem primitivo deve ter
começado a fazer as pinturas rupestres como uma extensão de sua atividade
cotidiana, como se fosse levado por uma força inercial (ele caçava, caçava,
caçava... quando parava continuava a ação de caçar desenhando a caça);
talvez não houvesse num primeiro momento qualquer sentido estético naquela
ação, no entanto, ao desenvolver sua capacidade de reproduzir
pictoricamente o mundo, o homem passou a "ocupar" um lugar que estava
disponível em seu cérebro/mente e descobriu o mundo estético. Enfim, as
artes, que talvez inicialmente fossem apenas a continuidade de ações
"práticas" ganharam uma dimensão nova e se desprenderam de suas bases
imediatamente materiais, passando a ocupar "espaço próprio" em nosso mundo
mental.




3. Música e "estruturas mentais".

Quanto à música (ou ao ritmo poético) chego a imaginar que exista uma
espécie de correspondência entre o que é ouvido e determinadas estruturas
mentais (não faço idéia de como "chegaram" ao nosso cérebro) de tal sorte
que o conjunto sonoro ouvido "ressoa" como algo agradável por corresponder
a tal estrutura (é como se recebêssemos um afago em nossa mente), daí a
sensação de intenso prazer que a música (determinadas músicas) nos
proporcionam; é como se cada um de nós portasse determinadas estruturas que
em seu todo seriam finitas, daí um determinado grupo de pessoas gostar
desse autor e não apreciar um outro compositor.

A relação estabelecida entre a música e seu apreciador sugere um
paralelo com o fenômeno da ressonância estudado pela física. Como sabido,
tal fenômeno implica um processo de transferência de energia de um sistema,
que oscila numa dada freqüência, para outro que oscila com a mesma
freqüência. No caso da música, dar-se-ia a transferência (ainda que
meramente virtual) da "energia" derivada dos sons, mediante a intermediação
do cérebro, para a mente do espectador, a qual deteria elementos
(estruturas específicas) que a fazem estar em sintonia com o conjunto
sonoro em causa.

Evidentemente tais estruturas seriam passíveis de mudança no correr da
vida de cada um. Lembro que aos vinte/trinta anos odiava a música de Wagner
e certo músico da Orquestra Municipal disse-me que, com o tempo, eu
aprenderia a apreciar Wagner, e, de fato, isso ocorreu. De outra parte,
ficamos como que dependentes de certos compositores; assim, por exemplo, se
eu ouço Mahler (que não me satisfaz completamente) logo em seguida ponho-me
a ouvir Wagner, é como se ouvindo Mahler ficasse faltando alguma coisa para
"fechar" aquelas estruturas cerebrais e eu tivesse de ouvir Wagner para
conseguir o prazer que só é lembrado por Mahler, mas só é alcançado
plenamente com a música de Wagner.




4. Uma "história" da pintura.

Creio ser possível estabelecer-se uma espécie de "linha de
aprofundamento no real" quando contemplamos o desenvolvimento das artes
plásticas. Para a pintura, formulei algumas especulações absolutamente
descompromissadas.

Num primeiro momento houve, como avançado, apenas um movimento
inercial de reproduzir "nas cavernas" o que se fazia durante as caçadas e a
pesca. O interessante aqui é que já se nota a presença de dois elementos
importantíssimos para as artes: a reprodução do vivido ou visto ou da coisa
em si, e a existência do fato "ideológico". Assim, enquanto os animais são
reproduzidos com apuro, a figura humana só está presente na forma de
figuras pouco definidas. Os teóricos dizem que esta ausência de
"autenticidade" da figura humana deve-se ao fato de que para aqueles homens
a reprodução da figura emprestava poder sobre o objeto retratado; como era
"proibido" aos homens exercerem poder sobre outros homens, eles evitavam
reproduzir uma figura humana perfeita, daí só usarem uma menção pouco clara
sobre humanos. Não sei se essa última explicação corresponde à maneira de
pensar daqueles homens primitivos, mas, de toda sorte, a figura humana
discrepa em muito da dos animais e aí se pode "ver" a presença de "algo
ideológico".

Para nós, do ocidente, um segundo momento importante na pintura
estaria nas iluminuras e na arte medieval em geral. Segundo os
especialistas, a falta de perspectiva e o fato de as figuras olharem para
algo que está além do espectador dever-se-ia à ideia de que os pintores da
época estavam preocupados em reproduzir o mundo penetrado pela presença de
Deus. Assim, a figura dirige-se ao mundo celestial, procurando olhar para
Deus que está "além" de quem aprecia a obra, as figuras são "descarnadas"
(e sem profundidade) na medida em que se está a pensar no mundo espiritual
e não mundanamente. Assim, a falta de fidelidade não se deve à ignorância
dos pintores (o homem primitivo desenhava com "realismo" as figuras dos
animais), mas ao fato de eles estarem pintando o "real" (presença do
ideológico) e não o "material".

Este segundo momento foi rompido com a emergência dos Clássicos e do
humanismo. Desenvolve-se, de modo rigoroso, a perspectiva e as figuras
tornam-se de carne e osso, mundanas, elas encaram os espectadores e não
dirigem mais o olhar para algo que está além do observador postado à sua
frente. Ademais, retrata-se não só a vida sagrada (de maneira "humana",
Cristo e os Santos são "homens de verdade"), mas também a vida cotidiana
das pessoas, das vilas e aldeias etc. etc. Enfim, o desenvolvimento da
visão humanista tornou a pintura mais próxima da vida das pessoas comuns e,
de certa forma, contribuiu para o desenvolvimento das técnicas na medida em
que desenvolveu a perspectiva "científica".

Seguiu-se, em termos lógicos, o impressionismo. Agora a apreensão do
que está ali, da coisa em si, refina-se. Pretende-se incorporar a própria
existência do ar que está entre o representado e o pintor, daí a fluidez, a
falta de nitidez própria dos clássicos que não consideravam o ar. Mais
ainda, a luz e as sombras, tornam-se uma preocupação sempre presente, esta
preocupação chega ao máximo com o pontilhismo, agora as próprias cores são
decompostas na tela para recompor-se no cérebro do espectador. Vale dizer,
o estudo das cores e da sua decomposição passa para as telas, pretende-se
chegar ao que está posto à nossa frente com o maior "realismo" possível.

Mais ainda, como não vemos as coisas de um só ângulo – pois as vemos
de frente, de costas, de cima, do lado, por dentro etc. etc. –, impunha-se
para "captá-las de verdade" reproduzi-las segundo todas estas formas de
abordá-las. Daí o cubismo. Assim, segundo penso, o cubismo é uma tentativa
de captar o que se põe à nossa frente de uma maneira mais "real", mais
efetiva!

Com o cubismo chega-se a um limite. Aquilo que se coloca à nossa
frente, "fora de nós" já foi dominado. Agora é preciso penetrar uma outra
realidade, qual seja, a que está dentro de nós. É preciso percorrer nosso
cérebro por dentro dele, é preciso captar o inconsciente. Esta tarefa vai
ser desempenhada pelos surrealistas. Eles pretendem aprofundar ainda mais a
apreensão da "realidade humana", querem surpreender a mente por dentro dela
mesma. Por isso pintam uma realidade que está muito longe do mundo que está
fora de nós, eles pintam um mundo que está dentro de nós!

Afora o inconsciente existe todo um universos de tensões, medos,
angústias etc. que também mereceram a atenção dos pintores, coube ao
expressionismo buscar esses elementos nos desvãos da mente. De certa forma
impressionismo e expressionismo se complementam e, nessa medida, levam o
realismo a outro limite. Agora já dominamos o que está fora e o que está
dentro de nós.

Mas a caminhada não pára aí. Ao percorrer todo esse caminho, os
pintores descobriram existir, além do mundo situado fora de nós e do nosso
mundo inconsciente, uma outra criação absolutamente original da mente, qual
seja: a pura forma, a forma que se volta sobre si mesma, que não se refere
nem ao mundo de fora, nem ao mundo do inconsciente, mas é uma criação pura
da mente e que se refere a si mesma (a forma ela mesma, a forma pela
forma). Assim, esse mergulho "realista" chega a uma dimensão nova da mente:
a arte abstrata. Nela vejo um novo limite alcançado nesta penetração da
"realidade".

De certa forma os pintores cobriram todo o campo disponível, novos
passos virão, mas ainda não podemos imaginar quais serão. Por outro lado, a
arte torna-se democrática, isso porque todos os gêneros e todas as visões
podem ser retomadas e coexistir numa mesma época. Este parece ser o aspecto
bom do momento ora vivido, a face desconfortável é dada por essa sensação
de que o mundo das artes plásticas parece encontrar-se esgotado, pois não
nos é possível, como avançado, divisar o que nos reserva o futuro.

Esta visão da "história" da pintura é notoriamente reducionista, mas
entendo ser ela apenas uma das perspectivas a considerar em demanda do
entendimento da arte e das mudanças por que passou. Essa via tem de ser
complementada por outras capazes de lançar luz sobre as demais vertentes do
desenvolvimento de nossa sensibilidade artística. Podemos pensar, por
exemplo, num movimento não programado dos homens em busca de sua essência,
daí terem ido do mundo da caça ao mundo da pura abstração formal; como se
caminhassem da realidade dada (do mundo externo) para uma supra-realidade,
para a meta-realidade (para nossa interioridade). Enfim, não existe apenas
uma via analítica, mas um grande número delas.
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