Notas para um manual feminista sobre a cidade no corpo e o corpo na cidade

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Festival Feminista – Porto, 30 de Outubro de 2015. Notas para um manual feminista sobre a cidade no corpo e o corpo na cidade Patrícia Santos Pedrosa

Notas introdutórias: esta apresentação é necessariamente especulativa, inconsistente e exploratória. Procura propor um guião, necessariamente desorganizado e incompleto, sobre as questões que são muito mais complexas do que o aqui abordado e que se podem sintetizar numa pergunta: a cidade a quem pertence? Palavras: CORPOS / POLÍTICAS / CIDADES. Do óbvio. A cidade pertence aos corpos que a habitam. Parece-me claro que tudo é política, e assim, o privado é político e o público político será. Os corpos são naturalmente agentes políticos. As acções políticas podem ser, de um modo genérico, TOP->DOWN ou BOTTOM->UP e, acrescentaria, autopolíticas: ou seja, de auto-organização… Assim, as interacções dos corpos definem o modo de funcionamento do verbo: a política. A política enquanto acção, enquanto acontecimento, gesto/movimento no espaço. Tempo e espaço e corpos agidos. Da história do meu corpo. Até ao século XIX ocidental as mulheres e os seus corpos são demonizados, malditos, aqueles cuja existência não se percebe e se configuram dificilmente para a aceitabilidade. O medo do poder do diabólico. Com o Romantismo esta visão desloca-se no sentido da fragilidade, da dependência. Do medo passamos à sujeição, à protecção, ao paternalismo e infantilização inevitável que o que é frágil reclama. Da excessiva autonomização (mesmo se pela negativa) e do medo resultante, passamos à dependência como processo de garante de controlo. As cidades têm histórias plurais e implicam tensões – e tesões – entre o colectivo e o individual. Os colectivos e os individuais. Entre o corpo (de corpos) e os corpos – corpo-em-si e corpo-a-corpo. Entre as narrativas aglutinadoras e uniformizadoras e as tricotadas e imperfeitas narrativas de corpos muitos, um a um, uns com outros, uns nos outros. QUE FAZER QUANDO QUASE NADA ARDE? OU COMO CONTRARIAR A ESTATICIDADE? As cidades – enquanto palcos públicos – foram preguiçosamente e malignamente opostas ao doméstico, caixa onde o privado se encarcera. Ou se protege, dizem-nos. A separação entre o público e o privado é uma das mais violentas opressões invisíveis que habitamos. Não porque não tenhamos o direito a

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construir uma matriz individual organizadora, em nuances e intensidades diversas, do que queremos ser entre o palco e o recato, mas porque, nestas duas esferas – o público e o privado –, organizámos as virtudes e os vícios. O correcto e o errado. O que aceitamos e o que é violentamente rejeitado. O visibilizável e o não. Aqui, volto a chamar as duas heranças históricas da história do olhar sobre as mulheres, que vão encontrar terreno angustiantemente fértil no privado. Diabolizadas ou fragilizadas, os corpos das mulheres ao invisibilizado dizem respeito: são os corpos que caminham fora da linha absurda de alguma suposta normalidade – os corpos de enorme intensidade e força, carregados de autonomia e diabólica existência, por um lado, ou os da fragilidade e da dependência, por outro. As loucuras – intensas e fragilizadoras –, quem se desvia, que permaneça longe dos olhares. De preferência, no interior das caixas domésticas e herméticas das casas e das instituições. À rua, a tomada de posse dos exércitos das normalidades e dos aceites, dos caminhos certos, qual porta-estandarte e construção monumental quotidiana dos corpos adequados.

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CORPOS / POLÍTICAS / CIDADES Face a isto é essencial repensar cidadania, acção urbana, humana, cidadã, de formato uno. A única adequabilidade que urge é construída de dentro dos corpos e contagia, interage, reconfigura-se. Não existem corpos e práticas dos mesmos que sejam adequações públicas ou privadas. Existem espaços que potenciam e se constroem na fluidez dos corpos. Existem práticas políticas – de todas as escalas e de todas as esferas – que os corpos transpiram. Emanações de multiplicidades, gestos e corpos em movimento. Escalas: são todas nossas. Do detalhe de palma da mão à vista aérea do território, ao traço que traçamos sobre/dentro e para a cidade. Esferas: são todas nossas. Do pedaço e do recanto mais privado, cova íntima, a todas as praças públicas alguma vez feitas, pensadas, desejadas. Porto, 30 de Outubro de 2015

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