Notas sobre a política e as políticas do urbano no Brasil

June 1, 2017 | Autor: Eduardo Marques | Categoria: Cidades, Políticas Urbanas, Política urbana
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TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 018/2016 ISSN 2177-9015

Notas sobre a política e as políticas do urbano no Brasil

Eduardo Cesar Leão Marques

CENTRO DE ESTUDOS DA METRÓPOLE SÉRIE TEXTOS PARA DISCUSSÃO CEM ISSN: 2177-9015 Centro de Estudos da Metrópole Diretora Marta Arretche Conselho Diretor do CEM Adrián Gurza Lavalle Angela Alonso Charles Kirschbaum Eduardo Marques Fernando Limongi Gabriel Feltran José Marcos Pinto da Cunha Marcia Lima Marta Arretche Nadya Araújo Guimarães Renata Bichir Vera Schattan Coelho

Editor de Textos para Discussão CEM Rogerio Schlegel

Publicação online cujo objetivo é divulgar resultados de estudos direta ou indiretamente desenvolvidos como parte da pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole, de forma a favorecer a difusão de informações para pesquisadores, estudantes e profissionais especializados e estabelecer espaço para troca de ideias e sugestões. Os textos desta série estão disponíveis em: www.fflch.usp.br/centrodametropole

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Notas sobre a política e as políticas do urbano no Brasil

Eduardo Cesar Leão Marques Resumo Este artigo trata de um tema de grande importância, mas que curiosamente não foi estudado de forma direta no Brasil – a política (politics) das cidades e em especial das grandes cidades. É até certo ponto surpreendente que o Brasil tenha 84% de sua população vivendo oficialmente em áreas urbanas (em 2010), mas não tenha desenvolvido um debate substantivo dedicado à política das cidades. Esse tema tem sido analisado apenas indiretamente pelos estudos urbanos, como uma dimensão derivada de processos societais, assim como pela ciência política como um assunto menor, derivado de dinâmicas políticas de outras escalas. Esse artigo pretende trazer o tema para o centro da análise, refletindo sobre as especificidades da política do urbano, discutindo criticamente as várias tradições presentes nos debates nacionais e internacionais sobre a política e as políticas urbanas e sugerindo caminhos para a construção de tal enfoque para as cidades brasileiras.

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Notas sobre a política e as políticas do urbano no Brasil 1

Eduardo Cesar Leão Marques2

É bastante surpreendente que não tenhamos desenvolvido um debate brasileiro sobre política do urbano, apesar da maior parte de nossa população viver em cidades – 84% da população habitavam áreas urbanas em 2010 segundo o IBGE e 66% moravam em municípios com mais de 50 mil habitantes. Em termos concretos, trata-se realmente de uma lacuna importante, considerando a relevância dos municípios no federalismo brasileiro e a quantidade de serviços e políticas que são providos pelos níveis locais de governo. Esse silêncio é ainda mais surpreendente se pensarmos que textos clássicos da literatura brasileira sobre política, como “Instituições Políticas Brasileiras”, de Oliveira Vianna, de 1949, e “Coronelismo, Enxada e Voto”, de Victor Nunes Leal, de 1948, tratavam justamente da relação entre o sistema político e o poder local.3 Naquele momento, o local era tratado como uma escala importante no sistema político brasileiro, imprescindível para a compreensão do seu funcionamento. O silêncio das últimas décadas parece considerar que a gradativa redução da importância do coronelismo e do clientelismo a partir daquelas obras clássicas, com a nacionalização dos partidos a partir do período democrático populista e com a centralização política ocorrida durante o regime militar, tirou da escala das cidades todo dinamismo político. De fato, uma observação geral da literatura brasileira que trata de política nas últimas décadas sugere que as cidades são objeto de interesse em especial apenas quando o foco da análise está na participação social, embora de forma muito pouco conectada com as instituições locais e com o funcionamento do sistema político. Mesmo com o desenvolvimento recente de um importante e dinâmico debate sobre federalismo, a dimensão do funcionamento da política do nível local tem permanecido muito pouco tematizada,

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Agradeço a leitura atenta e os comentários detalhados das colegas Renata Bichir e Camila Saraiva a versão anterior deste texto. Uma versão anterior deste texto foi apresentada no Grupo de Políticas Públicas da Anpocs em 2015. 2 Professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole. 3 É interessante notar o paralelismo com a importância dos debates sobre community power nos EUA, como será discutido mais adiante. As diferenças dos deslocamentos da atenção para a escala nacional, entretanto, são notáveis.

5 talvez por acreditar-se que os instrumentos de regulação e as políticas federais tornariam os governos locais meros implementadores “técnicos”, sem espaço para discricionariedade. Embora isto varie entre políticas, certamente não é verdade para as políticas propriamente urbanas, ligadas especificamente à construção do quadro construído e à gestão dos serviços e equipamentos que caracterizam as cidades. Esse artigo pretende iniciar a tarefa de analisar especificamente a política do urbano, refletindo sobre as suas especificidades, discutindo criticamente como as várias tradições presentes nos debates nacionais e internacionais podem nos informar sobre as principais dimensões que marcam a política e as políticas urbanas e sugerindo caminhos para a compreensão da especificidade da política do nosso urbano. Embora esse silêncio dos debates nacionais não se justifique, é até certo ponto compreensível considerando

as

premissas

abraçadas

pelas

duas

principais

comunidades profissionais e acadêmicas que poderiam tratar do assunto. De um lado temos os cientistas políticos, que se debruçam sobre o estudo das instituições e do poder políticos. De outro, temos o campo interdisciplinar dos estudos urbanos, para onde convergem geógrafos, planejadores e sociólogos, entre outros estudiosos das cidades. Em nenhum dos dois casos, os processos e instituições políticos das cidades são considerados como objetos dotados de dinâmicas próprias. A maior parte dos cientistas políticos parte do pressuposto de que não há especificidades na política e nas políticas locais, sendo essas apenas versões regionais dos processos supralocais. Seguindo essa visão, estudar política local (e políticas locais) seria uma atividade menor, por duas premissas (equivocadas). De acordo com a primeira, os processos “realmente” relevantes estariam acontecendo alhures. Não existiria política do urbano, mas apenas o desenrolar da política (politics) no urbano. Para a segunda, o espaço seria apenas um plano onde processos aconteceriam, como uma folha em branco a ser preenchida. Essa visão está presente mesmo na maior parte dos estudos de geografia eleitoral (onde a ciência política mais claramente incorpora o espaço), pois o espaço é usualmente entendido como uma dimensão passiva, sobre a qual se desenrolam os padrões de votação. Ambas as premissas estão erradas. É verdade que a expansão recente da literatura com bons estudos sobre geografia eleitoral, implementação local de políticas e mobilização partidária do eleitorado tem trazido a escala local para o estudo da política no Brasil. Entretanto, uma melhor compreensão da política do urbano depende mais fundamentalmente da incorporação do espaço, e não apenas da escala local, ao estudo da política. Trata-se mais de considerar uma ontologia espacial da política do que de uma escala de análise. É certo que a compreensão da política do urbano deve sempre considerar simultaneamente várias escalas, sendo muitas vezes definida pelos encontros entre

6 esta – local, regional, nacional, internacional (Sellers, 2005). Entretanto, para além de ser simplesmente uma escala de análise, o urbano representa o lócus principal da espacialização dos processos, organizações e atores (John, 2009), o que confere importante especificidade à política do urbano. Nesse sentido, o espaço, entendido tanto como localizações, contiguidades, distâncias e fluxos (criados e constantemente recriados pelos atores do urbano), quanto como conjunto de significados que dão sentido a esses atores, pode influenciar de forma decisiva as disputas políticas, as instituições, a formação e a operação dos governos e suas organizações, a política eleitoral e processos de poder em sentido mais geral. Brincando com a formulação clássica de Lasswel (1936), a política não é apenas sobre “who gets what and how”, mas também “where” (onde). Por outro lado, desde os anos 1970 disseminou-se entre os analistas das cidades a premissa de que o Estado e a política seriam epifenômenos de processos produzidos por atores e processos situados na sociedade, em parte por influência de várias correntes da literatura crítica (Castells, 1980; Harvey, 1982). Nesse sentido, não seria necessário estudá-los, mas apenas focar a atenção em processos societais, observando os seus efeitos sobre as instituições políticas. Como já demonstrou ampla e variada literatura, essa premissa está também equivocada, pois os processos no (e do) Estado e suas instituições, assim como as disputas concretas de poder por elas (e no seu interior), seguem dinâmicas próprias, mesmo que possam estar influenciadas por processos ocorridos na sociedade ou na economia. Assim, a premissa dos dois principais campos de estudo envolvidos potencialmente com o estudo da política do urbano levou a uma completa ausência de diálogo, assim como a uma grande ignorância mútua com relação a suas produções respectivas. Vale acrescentar que apesar dessa lacuna no caso brasileiro ser extrema, os analistas do urbano e da política nacionais não estão sozinhos ao adotar essas posturas. Algo similar acontece internacionalmente, como veremos mais adiante. A ausência de diálogos no debate internacional, entretanto, já foi diagnosticada e criticada, havendo pontes importantes que serão exploradas nesse artigo. Contribuir para reduzir os isolamentos mútuos no debate brasileiro e auxiliar na construção de um arcabouço teórico para o estudo da política e das políticas do urbano são os objetivos desse trabalho. Veremos ao longo do artigo que a política do urbano apresenta especificidades pela sua associação com o espaço urbano definidas por mim como espacialidades, percepções e propinquidade, além da existência de vários atores específicos da cidade com comportamento peculiar. A compreensão dessas dimensões da política passa pela

7 consideração de um conjunto específico de atores historicamente constituídos e especificados – elites políticas e burocracias locais, capitais do urbano e atores da sociedade civil organizada, no interior de redes de relações construídas ao longo das trajetórias dos indivíduos (e dos setores de política pública) e cercados pelas instituições do setor, o que denomino de tecido relacional do Estado. Conceitos recentes como governança podem nos ajudar a compreender essa política, mas apenas se nos debruçarmos sobre os diversos padrões de relação presentes concomitantemente em nível local, e se os entendermos simultaneamente como espaços de ação e dinâmica sociais, e como produtos históricos da formação do Estado brasileiro em nível local. Uma ampla agenda de pesquisas sobre a política do urbano se coloca à frente, mas o avanço do conhecimento depende do desenvolvimento de estudos de caso densos, comparáveis e informados simultaneamente pelos debates dos estudos urbanos e da ciência política. O artigo se desenvolve em quatro seções, além dessa introdução e de uma conclusão. Na seção que segue, analiso a especificidade da política e das políticas do urbano, fundamento último da preocupação deste artigo. Na segunda seção, recupero as tradições do estudo da política da cidade, desde os debates inaugurais entre pluralistas e teóricos das elites, passando por marxistas, pela economia política urbana e pelas coalizões e regimes urbanos. A terceira parte apresenta as discussões contemporâneas sobre governança e sobre as novas institucionalidades de articulação política e de entrega de políticas públicas. A quarta e última seção investiga os principais elementos da política e das políticas nas cidades brasileiras. Dado o grau inicial de amadurecimento do debate, a conclusão do artigo apenas sugere alguns elementos para uma agenda de pesquisas sobre o tema.

1.

A especificidade da política do urbano Antes de tudo, é fundamental definir o que entendo por política e políticas do

urbano, visto que há visões disciplinares distintas sobre essas definições (Davies e Imbroscio, 2009; Judge, Stoker e Wolman, 1995). A política do urbano é entendida aqui como as ações, negociações, alianças e conflitos pelas políticas públicas urbanas e pelo poder das (e nas) instituições políticas da cidade, assim como essas próprias instituições, suas organizações e atores. Em primeiro lugar vale destacar que, embora haja importantes dimensões do poder associados à vida cotidiana e às relações interpessoais, interessam-me aqui centralmente as ligadas às políticas do Estado e às instituições políticas. Seguindo Jobert e Muller (1987), políticas públicas são entendidas como o Estado em ação, mas políticas públicas urbanas incluem em especial as ações do Estado que incidem de

8 forma mais concentrada sobre o nível local. Em última instância, se associam com a construção, funcionamento do espaço e da vida urbanos. Não se deve confundir essa dimensão com os níveis de governo e, embora no caso brasileiro o município esteja mais claramente implicado, políticas estaduais e federais também produzem impactos. A questão está na cidade e a vida urbana serem os objetos das políticas como, por exemplo, nos casos dos serviços urbanos, da construção do próprio ambiente construído, do planejamento e da regulação local de usos, atividades e construções. Evidentemente muitas políticas influem sobre outros processos que ocorrem nas cidades (por exemplo, as políticas de emprego e renda, as políticas econômicas, as políticas migratórias etc). Entretanto, interessa-me aqui entender os processos que cercam a política e as políticas da cidade, ao invés de incluir todas as que ocorrem na cidade. Este artigo parte de premissa da existência de uma especificidade dessa política e dessas políticas urbanas, quando comparadas com a política e as políticas nacionais. Uma dimensão que especifica esse objeto é a sua relação com o espaço urbano entendido como conjunto relacionado (e socialmente construído) de vizinhanças, contiguidades, distâncias e fluxos sobre um dado território urbano. O ponto de partida para entendermos as relações entre política e espaço é a superação de uma visão de espaço como plano cartesiano ou como página em branco, incorporando o espaço como dimensão do social (Lefebvre, 1976) produzida por interações sociais, sempre múltipla e em contínua construção e mudança (Massey, 2005). O espaço é, então, uma dimensão constitutiva da política, visto que, como qualquer outra dimensão do social, a política se localiza no tempo e no espaço. Na verdade, essas duas dimensões constitutivas conformam simultaneamente cada situação social, especificando-a conjuntamente (Massey, 1992). Neste sentido, como não existe política fora do tempo, não é possível pensar política fora do espaço 4. Se pensarmos ontologicamente, portanto, a política envolve sempre dimensões espaciais – espacialidades – assim como temporais –temporalidades. Mais concretamente, isso quer dizer que a política parte de espacialidades e espaços herdados, ao mesmo tempo em que os reconstrói constantemente. Podemos construir uma analogia inicial da interação entre espaço e política com os efeitos das instituições, já amplamente discutidos pelo neoinstitucionalismo (Hall e Taylor, 2003; Immergut, 1998). A exemplo daquelas, o espaço constitui-se em uma

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A importância do tempo, entretanto, tem sentido muito mais estabelecido e intuitivo. É interessante notar até mesmo como usamos correntemente a palavra “dinâmica” no sentido metafórico de transformação ou mudança. Por vezes seria mais correto citar “movimento” ou “deslocamento”, quando se trata de transformações que também acontecem no espaço e não só no tempo.

9 estrutura de médio alcance que é constantemente construída e alterada pelos atores, mas que se apresenta para eles em um dado momento como um conjunto de constrangimentos e possibilidades. Os processos políticos são emoldurados por estas estruturas, o que influencia a formação das preferências e visões de mundo dos atores, assim como suas estratégias. Além disso, assim como as instituições, o espaço interfere nos resultados de processos políticos, considerando os espaços herdados e as espacialidades dos demais atores. Entretanto, há também diferenças substantivas com relação ao efeito das instituições. Como já amplamente discutido pelo neoinstitucionalismo, a influência das instituições ocorre basicamente por duas razões associadas entre si: as organizações estatais se configuram potencialmente como importantes atores políticos e as instituições emolduram e moldam a política, no que Skocpol (1986) denominou “caráter tocquevilliano” das instituições. Os efeitos do espaço sobre a política são distintos e podem ser divididos em três dimensões interpenetradas. Em primeiro lugar, o espaço é dimensão constitutiva das instituições e das práticas políticas (usualmente de forma implícita), pois estas apresentam sempre uma dimensão espacial, no que a geografia denomina de espacialidade dos processos. Isso envolve as facetas espaciais das instituições, como, por exemplo, os distritos eleitorais na representação política ou as escalas do federalismo nas políticas públicas e no governo em geral, além, obviamente, dos limites territoriais dos Estados nacionais. As espacialidades também se fazem presentes em práticas políticas, como nas localizações e trajetos das campanhas eleitorais ou no lugar do espaço nas estratégias de mobilização e repertórios de movimentos sociais (Agnew, 1987). Em segundo lugar, o espaço ocupa um importante papel na formação das percepções políticas, pois “a forma que imaginamos o espaço tem consequências” (Massey, 2005, p. 4). O espaço é uma das dimensões a moldar as percepções e preferências sobre política, assim como as estratégias e ações possíveis, gerando percepções espaciais (Di Méo, 1991). Exemplificando essa dimensão, podemos pensar no lugar que a ideia de periferia ocupa nas ações políticas de expressões artísticas de protesto (como o rap), na formação de identidades regionais (e seus separatismos) ou na relação entre certas estruturas urbanas e padrões de segregação residencial com percepções dos diferentes grupos sociais na cidade com relação a justiça social e desigualdades. O terceiro efeito do espaço é mais concreto e diz respeito aos padrões de localizações, contiguidades, distâncias e fluxos, no que John (2005) define como propinquidade. Em certo sentido, a propinquidade (dimensão espacial concreta)

10 representa a cristalização de certas espacialidades (dimensão das práticas), constituindo o que a geografia denomina de formas (Santos, 1988). Incluem-se aqui tanto os efeitos do espaço herdado sobre o qual a política age, quanto os efeitos concretos das ações políticas sobre o espaço. A existência de legados espaciais prévios estabelece um conjunto de constrangimentos e possibilidades, gerando incentivos e desincentivos para certas ações, assim como influenciando fortemente os processos que ocorrem na cidade. Usualmente esse efeito é ligado a localizações pontuais, como, por exemplo, os locais das escolas de melhor qualidade e seus distritos, com consequências para a distribuição das habilidades educacionais e para as estratégias locacionais e de escolha das famílias. Mas os fluxos da política e das políticas existentes também apresentam efeito similar, como, por exemplo, o traçado das linhas de ônibus e de metrô existentes, com efeitos similares sobre estratégias locacionais e sobre decisões cotidianas. As ações políticas, por seu turno, reconstroem esse espaço cotidianamente, reconstituindo tais localizações, fluxos, contiguidades e distâncias. Portanto, desconsiderar o espaço leva a deixar de fora uma das dimensões dos fenômenos políticos estudados. Adicionalmente, o espaço traz também uma potencialidade metodológica, pois a associação espacial (o “onde”) permite inferir associações entre elementos, processos e atores, tornando mais fácil especificar como descreveu classicamente Harold Lasswell “who gets what, when and how”. É evidente, entretanto, que essas dimensões se fazem presentes de forma diferente considerando o fenômeno político que analisarmos, assim como a escala espacial em questão. No caso da cidade, é necessário incorporar o espaço em nível local e de forma desagregada, levando em conta as práticas, percepções, localizações e fluxos intraurbanos. A incorporação dessas dimensões não significa que o estudo da política no local possa prescindir da consideração de processos localizados em escalas de menor detalhe, não apenas nacional, mas internacional. No caso da política do urbano, a questão está em focar e analisar a cidade, mas considerando a maneira pela qual esta é também atravessada por processos situados e originados em outras escalas (Sellers, 2005). Em dimensão de maior detalhe, além disso, a própria estrutura das cidades é produto de vários processos e atores. Nas sociedades de mercado, o acesso às localizações é mediado pela distribuição dos preços da terra, o que constitui espaços segregados por usos e grupos sociais, segundo suas diferentes capacidades de pagar. O Estado intervém em graus variados sobre essa distribuição, reforçando ou combatendo a segregação (Marques, 2005). Isso acontece primeiramente por meio de inúmeros instrumentos de regulação como planos diretores, leis de uso e parcelamento do solo, legislações edilícias e ambientais, que definem e proíbem usos e, ao

11 estabelecer parâmetros, “criam” solo urbano e impactam localizações e preços de diversas formas. Além disso, a ação e os investimentos diretos do Estado influenciam preços e localizações de atividades e grupos sociais de forma direta, assim como indireta, com a produção de estruturas de mobilidade, obras de infraestrutura e conjuntos habitacionais, entre muitos outros equipamentos e políticas. O conjunto desses elementos constitui a configuração urbana de certa cidade em um dado momento, estruturando as relações entre política e espaço com uma razoável inércia e estabilidade. As ações dos atores políticos (inclusive do Estado) se espacializam sobre essas estruturas espaciais herdadas. Sabendo disso, os atores políticos adiantam estrategicamente os efeitos do espaço sobre suas ações, adaptandoas. Além disso, as localizações indicadas acima levam a superposições no espaço, visto que é no espaço que os cidadãos encontram as políticas – policies – (e vice-versa), os políticos encontram os eleitores e onde as estruturas de representação encontram os representados. Como a segregação urbana separa grupos sociais e atividades de formas variadas, gerando desigualdades, os encontros citados envolvem circularidades e contribuem para cristalizar desigualdades (Vetter e Massena, 1981). Adicionalmente, mas não menos importante, uma última dimensão da especificidade da política do urbano decorre da existência de processos e atores próprios das cidades, mesmo que estes guardem intensas conexões com atores e processos de outras escalas (e também possam atuar nestas, mas com lógica diversa da qual operam no urbano). Uma parte deles está associada com a produção do espaço diretamente e inclui o que denomino de capitais do urbano – incorporadores, construtores de infraestruturas, prestadores de serviços urbanos. Estes atores privados têm os seus processos de valorização associados diretamente com a construção, manutenção e operação da própria cidade, sendo, portanto, potencialmente muito importantes para os seus conflitos e processos políticos. A quarta seção retomará este tema, considerando a significativa importância desses capitais no Brasil. Além deles, é importante citar membros da classe política que têm no urbano sua escala de ação e suas formas de reprodução política – os políticos locais, operadores políticos locais de partidos, prefeitos e vereadores, incluindo os de reduto eleitoral, mas também outros atados a eleitores e interesses econômicos que operam na escala da cidade. Outro conjunto de atores tipicamente urbano e cuja importância na produção de políticas já foi tematizado o suficiente para dispensar grande elaboração são as burocracias de nível da rua (Lipsky, 1980). Embora o que caracterize esse tipo de burocracia seja a entrega direta de políticas, e não qualquer dimensão territorial (como sugere o nome que a descreve), a maior parte das políticas é entregue na cidade e dentro dela, tornando o espaço uma dimensão importante da ação desses burocratas.

12 Por fim, mas não menos importantes, devem ser citados os diversos tipos de organizações da sociedade civil que tematizam ou agem em especial nas cidades, específicas por responderem a condições de mobilização muito particulares, por terem contato direto com a base (Gurza Lavalle, Castello e Bichir, 2008). Mas isso tudo pode parecer muito abstrato, em especial para os leitores da ciência política. De que forma, então, essas dimensões impactam concretamente temas clássicos da ciência política? Algumas dimensões são mais evidentes do que outras. Na política eleitoral, os eleitores (e os votos) se localizam no território, assim como o desenho das instituições que regulam as eleições (os distritos), podendo inclusive

produzir

desvios

nos

resultados

eleitorais,

por

vezes

planejados

estrategicamente. O famoso bordão enunciado por Byron Price em 1932 – “all politics is local politics” – captura o lugar dos eleitorados locais na construção dos laços que levam ao sucesso eleitoral. Mas mesmo em sistemas eleitorais proporcionais com magnitude elevada (como no caso brasileiro), que deveriam reduzir esta associação espacial, processos de distritalização informal podem acontecer (Kinzo, Borin e Martins Jr., 2003). Nesses casos, eleitores e representantes apresentam percepções e comportamentos políticos específicos, influenciados diretamente pelos espaços em que se encontram (Kuschnir, 2000). Por outro lado, grande parte das ações dos governos, positivas e negativas, também apresenta espacialidades e cria propinquidades, espacializando-se. Tudo isso leva políticos e partidos a construir estratégias espaciais de mobilização de seus eleitorados e de disputa política considerando as estáveis distribuições dos eleitores e suas preferências (Limongi e Mesquita, 2011), os desenhos das instituições e a distribuição espacial das ações do Estado. Os próprios sistemas partidários nacionais, na verdade, são compostos por composições de estruturas locais, embora nenhuma escala represente apenas um rebatimento das outras, gerando efeitos de composição com consequências políticas importantes (Lima Jr., 1997). Nas políticas públicas, as burocracias e as organizações se espacializam. Uma primeira dimensão mais evidente disto diz respeito ao desenho espacial das organizações estatais, delimitando circunscrições específicas. No caso do Brasil, o grande efeito do federalismo já foi objeto de extensa análise (Arretche, 2012) e o desenvolvimento de estudos detalhados sobre implementação (Faria, 2012) certamente aumentará o nosso conhecimento sobre políticas em nível local. Tanto as políticas em si, quanto as demandas que elas pretendem enfrentar, por outro lado, se localizam espacialmente. Há políticas com influência espacial direta, como a construção de infraestruturas, a prestação de serviços urbanos ou o planejamento urbano. Mas há também a influência espacial de muitas políticas que agem sobre outras dimensões sociais, mas que se localizam e constroem fluxos, como os equipamentos de educação,

13 saúde e assistência. A localização de tais equipamentos e as estratégias de entrega das políticas devem considerar a distribuição de grupos sociais específicos e demandas que devem atender, assim como a presença de outros equipamentos e outras características espaciais das regiões sob intervenção. Por fim, há políticas que poderiam abstrair do espaço na sua implementação, mas que tem sua eficácia acrescida se o incorporam, como as políticas de combate à pobreza (Torres, 2002). O tema tem também relação com os instrumentos e ferramentas de política pública, que muitas vezes incorporam o espaço, com consequências para o resultado das ações do Estado, sobretudo na implementação (Lascoumes e Le Galés, 2007). A incorporação do espaço pode ocultar ou visibilizar temas ou populações em diagnósticos ou planos de ação, inclusive em dimensões muito instrumentais como sistemas de informação (Torres, 2002). Similarmente, os desenhos espaciais da implementação de políticas podem levá-las a alcançar ou não as demandas e os objetivos das políticas, como extensamente documentado na literatura como erros de targeting. Na sociedade civil, organizações e movimentos sociais também se localizam, assim como espacializam suas demandas e estratégias. Isso leva em conta os espaços herdados e as ações do Estado, mas pode também considerar os desenhos espaciais das instituições políticas, atuando nas escalas e pontos específicos de forma a tornar sua ação política mais eficaz. Há uma dimensão espacial nos mecanismos do fit entre organizações sociais e o Estado na construção de suas demandas já tematizado pelo neoinstitucionalismo para mostrar tanto o sucesso de mobilizações coletivas (Skocpol, 1992), como para explicar conformação dos sistemas partidários (Katznelson, 1981). Por outro lado, muito já se escreveu sobre a associação entre processos locais de decisão e participação política partindo de uma premissa tocquevilliana com relação ao funcionamento das instituições perto dos cidadãos ou da defesa normativa de políticas de tipo bottom up (Barrett, 2004). A cultura política, por fim, é especificada no espaço, visto que os grupos sociais se localizam e apresentam comportamentos distintos, moldados inclusive pelos processos políticos que se desenrolam no próprio espaço em que vivem. Isso tem efeitos sobre as dimensões anteriores, na medida em que os comportamentos dos habitantes de cada região da cidade se superpõem com a política eleitoral, com as políticas públicas e com organizações sociais e mobilizações de várias ordens, influenciando os processos políticos.

2.

As tradições do estudo da política da cidade O debate internacional sobre a política do urbano nasceu nos EUA nos anos

1950 e 1960. Embora a cidade seja um objeto evidentemente muito mais antigo, as

14 perspectivas anteriores de análise escassamente trataram de instituições políticas, governo ou políticas, concentrando-se em aspectos macrossociológicos da cidade como em Karl Mark e Max Weber, ou centrando atenção na sociabilidade nos centros urbanos crescentemente importantes, como em Georg Simmel e na Escola da Chicago. Assim, embora as cidades tenham sido objeto de atenção sistemática e maciça pela primeira vez nos estudos da chamada primeira Escola de Chicago, entre os anos 1910 e 1930, sua atenção estava devotada para a sociabilidade dos grupos étnicos, suas identidades e relações de poder. No conjunto dessa tradição, o funcionamento da política local foi mais bem tratado no clássico (e heterodoxo) da antropologia urbana Whyte (1943), no qual a atenção principal também estava voltada para os indivíduos e organizações locais, mas sem descuidar de suas conexões com os políticos, as eleições e o governo local. Apenas alguns anos depois, entretanto, a discussão do que veio a se denominar community power debate se iniciou com a discussão sistemática do poder político na cidade. Esse debate é por demais conhecido para precisar ser resenhado aqui em detalhes (Marques, 2003), mas uma rápida recuperação ajuda a situar os passos posteriores da literatura. Esse debate informou tanto as tradições dos estudos urbanos quanto da ciência política, sendo na verdade o último momento de diálogo intenso entre esses campos (Sapotichne, Jones e Wolfe, 2007). Em 1953, Floyd Hunter publicou seu estudo sobre o poder em Atlanta, sustentando que o poder na cidade era dominado por um grupo limitado de atores políticos de forma continuada no tempo e de forma ampla em várias políticas. Esse argumento sugeria que a democracia representativa norte-americana representava um jogo de cena, levando às mesmas conclusões de estudos como Mills (1956), dando origem a uma segunda geração da teoria das elites. O poder da elite era considerado como oriundo da posição social de seus integrantes, no interior de uma sociedade com grandes desigualdades sociais. A origem do poder da elite era considerada, portanto, como sociológica e potencial, no sentido de não precisar ser analisada em uso (através de disputas políticas concretas ou da operação do governo), e a sua reprodução passaria pela reprodução de toda a sociedade, pela herança de ativos e propriedade, mas também pelo processo de socialização em escolas e universidades de elite, casamentos e amizades e locais de sociabilidade como clubes e associações. Esses processos de reprodução garantiriam os mecanismos de reprodução das posições e, consequentemente, do poder associado a elas constituindo estruturas de poder estáveis na cidade. Contra essa interpretação, autores do que viria a se denominar pluralismo desenvolveram estudos sobre outras cidades, sustentando a vitalidade da democracia

15 norte-americana a partir do local. O principal deles foi o clássico estudo de Dahl (1961), que analisou a política na cidade de New Haven em perspectiva histórica. Nesse caso, poder político não era pensado como potencial e posicional, mas como a capacidade de certo grupo de agir sobre terceiros para fazer prevalecer seus interesses na formação dos governos e na consecução de políticas. As dinâmicas da política seriam originadas dos grupos de interesse presentes no interior dos partidos e das demais organizações, representando as verdadeiras unidades de ação política. Dahl sustentou que apesar da presença de intensas desigualdades na sociedade norte-americana, essas não seriam cumulativas pela presença de uma sociedade de mercado com governo representativo democrático (diferentemente em uma sociedade estamental). Na própria história norteamericana seria possível observar-se a passagem de um regime representativo oligárquico (quando da independência) a um sistema político crescentemente competitivo e inclusivo ao longo do século XIX e que alcançaria uma democracia de massas em meados do século XX. Essa transformação teria sido operada no século XIX pela industrialização e migração rural-urbana, pelo aumento paulatino do sufrágio para grupos sociais cada vez mais diferentes das elites originalmente dotadas de direitos políticos, pelo surgimento de uma classe política profissional e pela massificação da política ocorrida no século XX. Essa trajetória histórica teria contribuído para uma pluralização da sociedade e da política, não havendo grupos capazes de controlar a política de forma ampla tematicamente e sustentada no tempo, embora em alguns momentos pudessem se observar a presença de coalizões relativamente estáveis, mas que depois se dissolveriam. A perspectiva pluralista continuou influenciando intensamente os debates urbanos. Nos anos 1960 e 1970, um terceiro corpo teórico entra em cena, e o campo dos estudos urbanos foi impactado fortemente por interpretações do marxismo sobre a cidade. Também este debate é por demais conhecido e analisado para precisar ser resenhado aqui. Mas é importante recuperar rapidamente as contribuições que nos ajudam a entender como a perspectiva marxista enquadrou a política e as instituições na cidade. São várias a linhas de análise, mas, para os objetivos desse artigo, ao menos três perspectivas devem ser diferenciadas, associadas respectivamente a Henri Lefebvre, à sociologia estruturalista (Manuel Castells e Jean Lojkine) e à geografia crítica, principalmente de David Harvey. Em nenhum desses autores as instituições políticas ou a política foram objeto de atenção particular, e na maioria dessas perspectivas não haveria muito espaço para a contingência que marca o campo da política. O primeiro autor marxista a se debruçar sobre a cidade foi Lefebvre (1969). Lefebvre estudou a cidade na sua maturidade, interessado em compreender a lugar do

16 urbano na sociedade capitalista contemporânea. Analisou a cidade e suas características em vários momentos históricos e suas relações com o campo. A cidade representaria uma dimensão central da sociedade capitalista, visto que seria o lócus de reprodução de toda a sociedade em seus aspectos econômicos, sociais e políticos, constituindo uma sociedade urbana. A política diria respeito às disputas de poder ligadas a essa reprodução. O poder, portanto, seria central para Lefebvre, mas as instituições políticas estão ausentes da sua obra. Uma possível exceção a isso é a referência indireta ao Estado na sua crítica às políticas de planejamento e construção de cidades, influenciadas em especial pelo modernismo então hegemônico no urbanismo. Este estaria construindo lugares sem urbanidade e marcados por sociabilidade empobrecida. Uma parte importante de seus estudos foi orientada para analisar os elementos associados a essa sociabilidade cotidiana, na qual dimensões de poder se faziam presentes, mas de forma pouco conectada com as instituições políticas. No que diz respeito ao Estado, os mais influentes trabalhos da sociologia marxista foram sem dúvida Castells (1983) e Lojkine (1977), marcados por forte estruturalismo. Talvez o legado mais duradouro do trabalho de Castells tenha sido a afirmação enfática da cidade contemporânea como um produto social específico da sociedade capitalista, recusando os pontos de partida epistemológicos da Escola de Chicago e da economia urbana. Informado por um quadro conceitual derivado dos trabalhos de Nicos Poulantzas sobre o Estado (e, portanto, do estruturalismo althusseriano), Castells (1983 [1972])5 considerava as políticas públicas, as instituições e a política representativa como rebatimentos sobre a esfera jurídico-política dos processos de acumulação e da luta de classes. A cidade era entendida como o espaço do consumo na sociedade capitalista, entendido como o fornecimento das condições ampliadas de reprodução da força de trabalho. Esta não seria dada apenas pela provisão de consumo pessoal dos trabalhadores (na cidade), mas, também e de forma mais importante, pelo fornecimento dos bens de consumo coletivo necessários para a reprodução social da classe trabalhadora. Os movimentos sociais seriam simples respostas à existência de patamares muito baixos dessa reprodução. O Estado, por fim, era entendido como o conjunto de instituições responsáveis pela provisão de tais condições, assim como pela legitimação da dominação ou pela repressão, quando esta legitimação não funcionasse. Sua natureza capturada estruturalmente é que explicaria suas ações, em última instância, deixando pouco espaço para a política entendida de forma mais ampla.

5

É importante notar que “A questão urbana” é baseada no primeiro Poulantzas, representado pelo livro “Poder Político e Classes Sociais”, de 1968, mas publicado no Brasil em 1977.

17 Alguns anos mais tarde, Lojkine (1977) definiria a cidade, em contraposição a Castells, como o lócus da produção e da circulação que permitiriam a constituição das relações sociais de produção, baseadas no consumo coletivo e nos equipamentos a ele associados para a reprodução do próprio processo produtivo. Nesse caso, havia uma ênfase na dimensão de cooperação ampliada propiciada pela cidade, análoga à cooperação entre os trabalhadores no interior da fábrica, potencializando os processos de acumulação. O Estado, entretanto, permanecia como um conjunto distante e homogêneo de organizações, definidas pelas suas funções de auxílio à acumulação – gerando as condições gerais de produção – e de legitimação – provendo bens e serviços que, por sua natureza e volume, não colocassem em xeque o modo de produção. Assim como em Castells, os movimentos sociais urbanos seriam respostas a baixos patamares de reprodução dos trabalhadores, dadas as necessidades (sistêmicas) de apoio à acumulação. Como nesse caso a cidade ocuparia um lugar central na reprodução do sistema

capitalista, entretanto,

os movimentos

sociais

teriam

características

potencialmente revolucionárias. Assim, também nesse caso as dinâmicas políticas (inclusive as vindas de baixo) seriam derivadas de processos econômico e/ou outros ocorridos na sociedade. Embora o Estado estivesse no centro da análise, portanto, pouco se aprendia sobre o funcionamento das organizações e instituições políticas da cidade. Mais tarde, em obra mais distante da influência estruturalista – Cidade, democracia e socialismo (1980 [1975]) –, Castells inclui a questão dos regimes políticos na sua análise, visto que o livro trata principalmente do papel dos movimentos sociais urbanos na transição espanhola. Mas os regimes permanecem como uma dimensão de fundo, sendo influenciada por processos e atores societais. As dinâmicas internas aos Estados e às instituições ficam completamente fora da análise, voltada aos processos políticos situados na sociedade. Outro autor que se dedicou a reconstruir o campo teórico marxista incluindo o espaço e as cidades foi David Harvey. Como geógrafo, uma parte de suas preocupações disse respeito aos processos de urbanização e à constituição do espaço à feição do capital na sociedade capitalista, composto de fixos e de fluxos que gradativamente foram potencializando a acumulação, historicamente, tanto no que diz respeito ao capital quanto ao trabalho. Analisando os processos de segregação residencial e de produção do espaço urbano, Harvey refletiu sobre os conflitos entre atores sociais. O autor delimitou a presença de quatro “interessados” nas políticas urbanas em constante conflito pela apropriação dos benefícios da produção e do uso do ambiente construído, o que permitiria uma análise mais arguta da política do que os autores anteriores (Harvey, 1980 e 1982). Esses atores seriam o capital em geral, os

18 proprietários fundiários, os capitais da produção do ambiente construído e a classe trabalhadora. Entretanto, apesar de discutir os conflitos e estratégias ali presentes, Harvey afirmou que, como o capital em geral necessita do ambiente construído, o Estado não permite que este seja decidido pelo jogo de força entre os atores e joga o seu peso a favor da reprodução social capitalista (Harvey, 1982, p. 12). Portanto, também aqui é o caráter capturado do Estado que o faz agir no interesse dos capitalistas, silenciando sobre os mecanismos através dos quais isso se daria e deixando muito pouco espaço para analisar a contingência que marca o jogo político.6 Curiosamente, uma parte significativa das análises construídas a partir dessa tradição foca as lutas urbanas7, embora contraditoriamente as possibilidades de vitória política real dessas lutas sejam realmente restritas, se o modelo teórico for aplicado exatamente como prescrito. Para toda essa literatura, portanto, o poder era oriundo das estruturas sociais, entendidas como estrutura de classe, em associação com os processos de acumulação. Essa visão, portanto, levava a uma leitura mais estrita (e econômica) dos constrangimentos estruturais do que no caso da teoria das elites, também interessada nas estruturas de poder, mas considerando-as de forma mais multifacetada e mutável. O poder político “em exercício” no funcionamento das instituições políticas, na formação de governo e na produção de políticas era entendido como um rebatimento de processos ocorridos na sociedade, sendo menos relevante como objeto de estudo do que as próprias dinâmicas societais que supostamente o dirigiam. É ainda importante destacar algumas contribuições da literatura marxista dos anos 1970 que focaram elementos mais localizados do estudo do urbano, mas que serão relevantes mais adiante nesse artigo. Ao menos duas merecem menção aqui. Em primeiro lugar, é necessário destacar as contribuições a respeito dos capitais do urbano, em especial do capital imobiliário. Em nenhum outro momento se acumulou tanto conhecimento teórico sobre a economia política da incorporação do que com o trabalho de Topalov (1973). Por outro lado, os padrões de segregação na cidade, entendidos como a distribuição da estrutura social no espaço e a sua associação com distribuição dos equipamentos urbanos tiveram o seu ápice nos precisos trabalhos de Preteceille, em especial Pinços-Charlot, Preteceille e Rendu (1979). Embora não dissessem respeito ao Estado e às instituições políticas do urbano, os avanços nessas duas linhas

6

Sobre a questão das explicações ou mecanismos de captura no marxismo comparados com outras literaturas sobre o Estado, ver Marques (1997). 7 Essa parece ser ainda a visão da geografia crítica, para quem a política do urbano envolve principalmente as lutas sócio-espaciais, em especial em torno das desigualdades (Martin, 2011).

19 de análise apresentaram aprendizados muito importantes para o que discutiremos mais adiante sobre a política nas cidades brasileiras. Vale dizer que a sociologia urbana brasileira se inicia nesse momento, em paralelo a essa literatura, mas em grande parte sem dialogar diretamente com ela. Os diálogos aconteceriam apenas alguns anos mais tarde, já nos anos 1980. As obras que marcam o início das preocupações sistemáticas das ciências sociais brasileiras com a cidade foram Brandt (1976) e Kowarick (1979). Em ambos os casos, o interesse analítico era demonstrar como o modelo econômico brasileiro implantado pela ditadura militar havia produzido crescimento econômico em grande escala, mas também pobreza, desigualdade e destituição social. Obras anteriores do debate nacional já haviam estabelecido as características do capitalismo nacional, especificando a centralidade dos baixos salários e do trabalho informal em nossas grandes cidades na posição dependente e periférica do país na divisão internacional do trabalho. Os trabalhos citados inovaram, em especial Kowarick, pois conectaram essas dimensões mais gerais com as condições urbanas concretas. Os padrões de exploração vigentes encontrariam nas grandes metrópoles outras formas de espoliação, associadas diretamente ao cotidiano da classe trabalhadora. Kowarick (1979) foi mais longe ao conectar essas dimensões econômicas com o político, introduzindo os regimes políticos no modelo teórico e afirmando que apenas sob os regimes autoritários então vigentes na América Latina padrões similares de exploração podiam ser tolerados. A produção das periferias baseada em autoconstrução em loteamentos irregulares ou em favelas, com escassa presença estatal, passou a ser objeto de preocupação principal da literatura a partir de então, levando à constituição de uma fecunda tradição de estudos urbanos que produziu inúmeros desdobramentos analíticos ao longo da década seguinte (Maricato, 1982; Chinelli, 1980; Santos, 1980; Bonduki e Rolnik, 1982; Machado da Silva, 1985). Apesar da enorme importância dessa tradição e da sua substancial contribuição para o entendimento de nossas cidades, poucas foram as pistas deixadas por ela para o entendimento da política do urbano, dada a sua concentração na produção do espaço e em dimensões econômicas, justificáveis pela pequena importância relativa da política local na época. Os anos 1970 assistiram ainda ao surgimento de uma nova linha de estudos sobre política na cidade. Pode-se dizer que essa nova linhagem sofria certa influência do marxismo, mas na realidade representava uma nova leitura de economia política do urbano, com importante nuances que incluíam a recuperação de elementos importantes do pluralismo. São duas as contribuições principais – as máquinas de crescimento e os regimes urbanos, embora uma terceira perspectiva baseada nas coalizões de poder também tenha sido importante.

20 A ideia das máquinas de crescimento, ou growth machines na formulação original, teve origem nos trabalhos de Moloch (1976). Partindo da análise da política em cidades norte-americanas, o autor sustentou que as características do federalismo fiscal norte-americano criariam uma situação praticamente inexorável para as cidades. O financiamento dos governos locais nos EUA basicamente deixaria as localidades sem fontes próprias de financiamento, ao mesmo tempo em que não forneceria repasses sistemáticos de outros níveis de governo (estaduais e federais). Isso levaria as cidades a depender fundamentalmente dos investidores privados para desenvolver as políticas. As coalizões urbanas, portanto, buscariam construir ciclos de crescimento (baseados principalmente na renovação urbana e na promoção imobiliária), associando sempre elites políticas locais aos interesses da terra, em especial os da promoção da incorporação. Essas seriam as raízes de fundo que explicariam a existência tão disseminada do que o autor denominou de máquinas de crescimento na construção de coalizões. Embora esse modelo de interpretação tenha sido imensamente influente desde então, autores como Harding (1997) mostraram como ele apresenta dificuldades para “viajar” para outros contextos além do norte-americano. Analisando as cidades europeias, Harding sugere que as elites políticas locais são muito menos dependentes dos capitais do urbano para suas iniciativas, pela presença de ao menos duas diferenças fundamentais nas instituições políticas. Em primeiro lugar, os governos locais da Europa dispõem de fontes próprias de financiamento, assim como repasses dos governos centrais. Por outro lado, a distribuição da propriedade da terra é fundamentalmente diferente do caso norte-americano, sendo o Estado também um grande proprietário na Europa, tanto por dimensões históricas de mais longo curso (como no caso francês) quanto pelas políticas habitacionais implementadas no segundo pós-guerra baseadas em aluguel social (como na França, na Inglaterra, na Holanda e na Alemanha, entre outros). Adicionalmente, estudos como Schneider e Teske (1993) mostraram que mesmo que apresentando uma ampla geração de coalizões de crescimento, a política norte-americana em cidades também inclui outros tipos de coalizões, inclusive anticrescimento, dadas as consequências de ao menos uma parte das experiências de promoção de crescimento, levando a perda do apoio eleitoral desse tipo de articulação. Voltarei a esses pontos quando discutir o caso brasileiro, mas observações similares associadas a especificidades devem ser feitas com relação ao Brasil. Outro modelo explicativo se forjou também nos EUA no início dos 1980, mas com um diálogo mais claro (e crítico) com a tradição pluralista. Em primeiro lugar é importante destacar o trabalho de Elkin (1985), que forjou a ideia de regimes urbanos.

21 Para ele, a ideia de máquina de crescimento simplifica uma situação histórica que teve importantes nuances na divisão de trabalho entre Estado e mercado nas cidades norteamericanas ao longo da história. O argumento é construído em três momentos. Primeiramente, Elkin concorda que grande parte das decisões se encontra nas mãos de proprietários privados, sendo, portanto, a produção de bem-estar dependente da construção de alianças relativamente estáveis com o setor privado, em especial com o que denomina de “land interests”. Mas os políticos também precisam construir vitórias eleitorais estáveis, o que nem sempre se alinha simplesmente com os interesses do crescimento. Além disso, essas duas dimensões dependem da presença de burocracias funcionais, que possam entregar os serviços necessários para o desenvolvimento econômico e as reeleições. Se isso leva a uma dispersão de esforços que poderiam ser usados para o crescimento, por outro lado constrói um conjunto de atores burocráticos potencialmente autônomos. No século XX, foram três os regimes urbanos nos EUA. Até os anos 1930 operavam os regimes privatistas, orientados para o crescimento dos negócios com mínima interferência do governo, exceto pela contratação de empresas para maximizar a expansão dos negócios. Os políticos, além de não atrapalhar as decisões privadas (que financiavam suas máquinas partidárias), integravam as classes trabalhadoras em expansão. Nesse regime, construtoras e promotores de serviços eram centrais, assim como o comércio dos centros urbanos. A burocracia era ocupada por membros dos partidos e a política envolvia várias práticas, inclusive fraude, sendo excluídos os imigrantes recentes e os negros. As décadas seguintes assistem a uma desarticulação desses regimes entre a grande depressão e a segunda grande guerra, criando o período denominado pelo autor de interregno. Os interesses da terra declinaram fortemente, mas dessa vez com recursos federais presentes para alívio à pobreza, embora usados principalmente para revitalizar as máquinas políticas. Os sindicatos locais se tornaram atores importantes. Começaram neste momento as tentativas de gerar crescimento econômico local que desembocariam nos regimes pluralistas. Entre 1950 e 1960, existiram os regimes pluralistas, analisados pela literatura de mesmo nome. Eram compostos por interesses da terra dominantes, mas com burocracias funcionais mais autônomas e processos de decisão menos visíveis e permeáveis do que sugerido pelos pluralistas. Os mais importantes atores eram os políticos eleitos e os promotores imobiliários e investidores dos centros das cidades. Líderes partidários participavam da coalizão e eram responsáveis pela distribuição de patronagem, viabilizada pela burocracia. O regime tinha apoio das classes médias e altas proprietárias de habitações, sendo o maior preço pago pelos mais pobres e

22 minorias, mas que apesar disso também aportavam apoio votando em partidos ligados às renovações urbanas. Elkin sugere ainda a construção de um quarto regime nos 1970 – os regimes federalistas, com maior presença federal após os conflitos políticos dos anos 1960, maior importância de burocracias de nível da rua e sindicatos de trabalhadores municipais. A continuidade desse regime, entretanto, dependeria de recursos federais (e efetivamente não ocorreu com os cortes do governo Reagan). A construção de um modelo analítico dos regimes urbanos foi continuada por Stone (1993), retornando ao estudo da política em Atlanta entre 1946 e 1988 (cidade analisada por Floyd Hunter). O resultado é talvez o modelo recente mais influente sobre a política do urbano. Stone partiu de uma absorção crítica de elementos do pluralismo, rejeitando o pressuposto de que os grupos teriam igual poder e destacando o poder dos atores econômicos. Este destaque encontra paralelo com as literaturas marxista e da teoria das elites, embora naqueles casos o poder seja considerado estrutural (na primeira literatura, do capitalismo e na segunda, da estrutura social). Stone discordou dessa visão sobre o poder, sustentando a existência de quatro tipos de poder, especificados por duas classificações binárias – situacional X intencional e direto X indireto. O poder intencional e direto foi o teorizado pelo pluralismo, enquanto o situacional e direto foi o sustentado pelo marxismo, e o intencional e indireto disse respeito às non-decisions de Barach e Baratz (1962). O tipo de poder situacional e indireto corresponderia ao que ele chama de poder sistêmico, caracterizado como a capacidade de fazer, reconhecida pelos demais atores (Davies, 2001). Portanto, para ele, os interesses dos negócios prevaleceriam muitas vezes (como destacado pelas growth machines), pois isso seria do interesse dos agentes estatais, considerando a sua capacidade de realizar ações e políticas. O Estado em nível local poderia por vezes impor sua vontade, mas como as capacidades estão nas mãos do setor privado, o mais comum seria que ele se ativesse a coordenar. Governos seriam levados a cooperar, pois precisariam dos atores privados para criar e implementar políticas. Para Stone, portanto, poder não representa algo sobre outros agentes, mas a capacidade de realizar, deslocando a ideia de poder de controle para produção (Davies, 2001). Em outras palavras, os atores estatais seriam autônomos (como no pluralismo), mas os empresários teriam uma posição privilegiada (como no marxismo, na teoria das elites e nas máquinas de crescimento). A exemplo do já destacado Elkin (1985), dinâmicas eleitorais e a composição do eleitorado seriam centrais, assim como os processos associados às burocracias e atores estatais, o que poderia levar a vários resultados em termos de composição das coalizões. Como consequência, regimes urbanos seriam arranjos informais entre agentes públicos e privados (políticos eleitos,

23 empresas privadas, comunidades profissionais e funcionários do Estado) que operariam conjuntamente para tomar decisões públicas e realizar ações. Os elementos mais importantes estariam na política interna de construção e manutenção das coalizões. Stone, portanto, abre espaço para a explicação da variabilidade empírica e de diferenciações entre tipos de regimes, embora se pressuponha a existência de um único regime para um dado local em certo período. Um terceiro modelo de explicação da política local também foi originado de um debate crítico com marxismo e principalmente o pluralismo. Trata-se do estudo de Mollenkopf (1992) sobre a política em Nova Iorque durante os mandatos sucessivos de Ed Koch (1978-89). O autor construiu um modelo de análise que tentou recuperar elementos tanto do pluralismo quanto do marxismo para as análises do poder na cidade. Em primeiro lugar, destacou um elemento trazido do pluralismo: os políticos profissionais que interagem tanto com os eleitores quanto com os interesses econômicos e com o mercado. Por outro lado, o autor afirma que líderes políticos que almejem controlar a política da cidade devem lidar ainda com os interesses produzidos no interior do próprio setor público. Para ele, a complexidade da política vem justamente do fato de que tanto os interesses dos eleitores quanto do setor privado são fragmentados e contraditórios. A compreensão da política deve vir então da análise da coalizão política dominante – uma aliança tática entre interesses diferentes que consegue ganhar as eleições para o Executivo e estabelecer e manter a cooperação com outros centros de poder privado e público necessários para governar. Essas coalizões podem ser duradouras e abrangentes, mantendo o poder sobre uma ampla gama de setores/assuntos de política por períodos relativamente longos. Para Mollenkopf, a derrocada de uma coalizão ocorre geralmente por crises ou intensas mudanças sociais e econômicas (choques externos).

3.

O debate contemporâneo No início dos anos 1990, portanto, o estudo do poder na cidade contava

principalmente com as tradições pluralista, elitista e marxista, assim como com os modelos da máquina de crescimento, dos regimes e das coalizões urbanas. Uma parte significativa dos deslocamentos posteriores da literatura disse respeito menos aos movimentos dos próprios debates e mais a fortes transformações concretas vivenciadas pelas próprias políticas em vários países no período. Dada a concentração da literatura na língua inglesa, assim como a capacidade de influência das políticas implantadas nos EUA e na Grã-Bretanha, as transformações verificadas nesses países são de especial interesse, embora estivessem igualmente presentes em países como a França, assim como em diversas políticas construídas com apoio da União Europeia (Le Galés, 1995,

24 2001a e 2001b). Observar tais transformações ajuda a compreender os deslocamentos operados na literatura. Já vimos que as cidades norte-americanas sempre foram marcadas por pequena presença federal, tanto na regulação quanto no financiamento de políticas locais (origem das máquinas de crescimento). O declínio econômico das áreas centrais e a fuga para os subúrbios dos grupos sociais mais ricos, em parte produto de políticas federais como o “Housing Act”, de 1949, e o “Federal Highway Act”, de 1956, intensificaram os problemas. Como consequência, as grandes cidades concentravam principalmente problemas sociais, atividades econômicas declinantes e fraca base fiscal. Esta realidade começou a mudar a partir das políticas de combate à pobreza impulsionadas pelo movimento de direitos civis nos anos 1960 no interior do esforço mais amplo do “Great Society and War on Poverty”, marcando o período conhecido como Progressive Era – a criação do “Office of Economic Opportunity” (OEO), da “Economic Development Agency” (EDA) e do “Department of Housing and Urban Development” (HUD), todos em 1965, assim como as “Community Development Block Grants” (CDBG), de 1974, e as “American Urban Development Action Grants” (UDAG), de 1977, todas formuladas e implementadas em administrações democratas (IEDC, 2008) A guinada conservadora republicana em nível federal a partir da eleição de Reagan em 1980 inverteu essa tendência. Não apenas os repasses de recursos foram reduzidos de forma expressiva, como os formatos de prestação de serviços foram alterados, aumentando a presença privada em parcerias público-privadas, organizações de propósito específico, business improvement districts e outros formatos, incentivados pelo estrangulamento de financiamento para renovação urbana nos anos 1980 e 1990. A retomada do poder federal pelo Partido Democrata em 1992 não mudou substancialmente o quadro, com a permanência de formatos institucionais com elevada presença privada na implementação das políticas, quando não também nos processos de decisão, assim como elevada dependência privada no financiamento. A comparação com o caso britânico é interessante pelas diferenças e semelhanças. A tradição britânica era na verdade inversa à norte-americana, com baixa presença privada, planejamento estatal significativo e presença nacional forte, tanto no financiamento quanto na promoção de políticas e na regulação das iniciativas. Apesar da pequena autonomia decisória dos governos locais sobre políticas, esses foram construídos

historicamente

como

escala

dotada

de

substancial

capacidade

administrativa e de planejamento (John, 2014). Embora o planejamento fosse central na Inglaterra desde antes do século XX, com o fim da segunda guerra mundial as políticas urbanas seguiram dois caminhos – combater o declínio de áreas industriais declinantes e dispersar a população na

25 Inglaterra (Hill, 2000). Isso foi feito pelo sistema de planejamento estabelecido em 1947 pelo “Town and Country Planning Act”, em paralelo com a constituição do Welfare State, sendo os governos locais responsáveis pela entrega dos serviços (Hill, 2000). A construção maciça de habitação em nível local era uma prioridade, dado o déficit provocado pela guerra e pela intensa migração produzida pela descolonização. Nos anos 1960 e 1970 essas tendências foram reforçadas após as rebeliões em várias grandes cidades, com políticas redistributivas (e habitacionais), denominadas localmente de “socialismo municipal” (Davies, 2001). Após 1979, o governo conservador de Thatcher colocou em xeque tanto o modelo de planejamento tradicional quanto as premissas redistributivas dos governos do pós-guerra. Para além do estrangulamento do financiamento, verificaram-se também intensas mudanças nos formatos de entrega de políticas com desregulamentação, soluções privadas e novas agências com vários tipos de desenho, em especial os denominados Quangos (Quasi-autonomous non-governmental organisations), além de privatização e parcerias público-privadas para a entrega de serviços (Hill, 2000). Assim como no caso norte-americano, partia-se da premissa de que os serviços públicos de prestação privados funcionariam melhor por não terem influência da política. 8 Nesse contexto, o Quango London Docklands Development Corporation, criado com controle privado para a renovação da antiga área portuária de Londres, se tornou um ícone (Fainstein, 1994). O papel dos governos locais foi diminuído nos sistemas de planejamento, na tentativa de empoderar atores privados locais. Adicionalmente, mudanças institucionais de grande escala foram introduzidas para reduzir a oposição política local (onde o partido trabalhista era mais forte), sendo a mais emblemática a abolição de todos os Councils metropolitanos, inclusive o Greater London Council em 1986. Serviços de interesse comum passaram a ser geridos por empresas de propósito específico e as políticas mais locais foram redistribuídos para níveis mais baixos (os London boroughs), deixando as metrópoles sem ferramentas de coordenação territorial. É interessante notar que esse arranjo institucional é bastante similar ao vigente nas metrópoles brasileiras, descontando as diferenças do federalismo fiscal, como discutirei mais adiante. Os trabalhistas inicialmente resistiram nos governos locais, mas foram gradativamente deslocados ou se renderam aos conteúdos de políticas dos conservadores. Assim, com o retorno dos trabalhistas ao poder nacional em 1997,

8

Vale reportar os resultados do estudo de Hening et al. (2003) sobre as charter schools americanas. Os autores mostraram que os agentes privados também recorrem à política quando as condições permitem e os interesses apontam para isso, sugerindo que a premissa normativa do Novo Gerencialismo está simplesmente errada.

26 pouca coisa mudou. Os governos da chamada 3ª Via implantaram políticas que mantiveram as soluções anteriores privatizadas e orientadas para a demanda, embora com a reintrodução de parte do sistema de planejamento. A criação da “Great London Authority”, em 2000, com um prefeito e uma assembleia eleitos, que se posicionam acima dos governos dos 32 London boroughs (mais a City Corporation, responsável pelo coração do centro histórico) foi talvez a mais emblemática iniciativa nessa direção. Por outro lado, autores como Davies (2001) sustentam que a maioria das iniciativas representou apenas a continuidade das políticas anteriores, embora formuladas como promotoras da participação local. Após 2009, com o retorno dos conservadores ao governo central, uma política de forte austeridade fiscal tem estrangulado os governos locais, que tem resistido e se adaptado às novas condições (John, 2014; Gardner, 2014), embora seja cedo para determinar o padrão resultante. Como resultado desses deslocamentos, os debates sobre poder e políticas urbanas se deslocaram fortemente das composições políticas na cidade em si para a discussão de formas de governança, assim como para analisar parcerias, empresas de propósito específico e outros formatos recentes de desenvolvimento de políticas urbanas. Essa rica literatura avança na compreensão das várias configurações dos padrões atuais de produção de políticas, assim como suas consequências. O conceito geral que engloba esses deslocamentos é governança. Foge aos objetivos deste artigo discuti-lo detalhadamente.9 Embora o conceito seja polissêmico (excessivamente, para alguns10), as definições mais correntes e aceitas utilizam a palavra para designar conjuntos complexos de organizações estatais e não estatais, conectadas por redes auto-governadas (Stoker, 1998ª; Rhodes, 2006), levando a formas de organização do governo em que as fronteiras entre organizações e entre os setores público e privado se tornaram permeáveis, envolvendo interdependência de organizações. Para defensores do modelo, como Pierre (1998), Peters (2000) e Stoker (1998a), a governança representou uma resposta ao aumento histórico da complexidade das sociedades, dada a impossibilidade de as organizações estatais enfrentarem os desafios da entrega de políticas em sociedades crescentemente complexas. Para críticos como Davies (2001) e Imbrosco (2000), por outro lado, foi o produto combinado da crise do fordismo, da ascensão da nova direita e do neoliberalismo. Segundo essa visão, as premissas do Novo Gerencialismo (New Public

9

Em Marques (2013) discuto o assunto com detalhes, tanto resenhando criticamente os usos do conceito no Brasil e propondo um conceito alternativo, quanto mapeando preliminarmente os padrões de governança presentes na metrópole paulistana. 10 Rhodes (1997) afirma que governança é usada com seis sentidos internacionalmente: Estado mínimo, governança corporativa, new public management, boa governança, sistemas sócio-cibernéticos e redes auto-organizadas. Para uma tipologia, ver também Stoker (1998b).

27 Management) estariam erradas, tanto por considerar que a prestação de serviços privados é por princípio superior à pública, quanto por negativizar o campo da política, supostamente apenas mobilizada por atores públicos.11 De forma mais nuançada, Stoker (2000) sustentou que os estudos da política do urbano sempre deixaram de fora os detalhes do funcionamento da política e das políticas, cercadas por complexidade, fragmentação institucional e dependência de poder entre atores. Para o autor, o foco inicial na formação de coalizões como mecanismo para a produção de coordenação foi sucedido pela análise de outros, pois a formação de coalizões pró-crescimento era demasiadamente centrada nos EUA. No resto do mundo, as coalizões se mostraram muito fracas ou inexistentes, sendo quase sempre o Estado decisivo nas iniciativas. Na Europa, inclusive no Reino Unido, a coordenação política local para promover projetos urbanos foi produto de ação governamental (central) deliberada, que conduziu à coordenação e à ação coletiva dos atores privados. Assim, o deslocamento analítico para a governança resultou da conclusão de que a produção de ação coletiva nos assuntos públicos em certas condições pode não recorrer à autoridade única do Estado, mas tampouco pode prescindir dele, como nos estudos de coalizões. Resultariam então diferentes formatos de governança, dependendo das condições e decisões locais (Pierre, 2011). Parece-me que o mais importante desse debate diz respeito ao deslocamento analítico proposto no estudo de políticas na direção dos atores e arenas relevantes (Marques, 1998), independentemente de sua localização no Estado ou fora dele (Marques, 2000 e 2003). O ponto de partida mais apropriado me parece ser focar em quem governa o que (e como), assim como quem governa o que o Estado não governa (Le Galés, 2011). Os estudos se desdobram, nesse sentido, em análises não normativas sobre os diferentes conjuntos de atores envolvidos, suas conexões e as instituições que os cercam (Marques, 2013). Embora seja necessário ter em mente que uma parte substancial do Estado em todos os países continua a funcionar no regime anterior (Levi-Faur, 2005), com a prestação de diversos serviços diretamente por agências estatais variadas, parece inegável que ocorreram mudanças substanciais na divisão de tarefas entre Estado e mercado em certas políticas importantes, independentemente da posição que tomemos em relação a tais transformações. A mais profícua contribuição para entendermos as consequências mais gerais desses deslocamentos denomina de capitalismo regulatório o período contemporâneo (Levi-Faur, 2005). Segundo essa visão, após um período curto de hegemonia de ideias neoliberais baseadas em redução do Estado e

11

Diferentemente do que encontrado por Henig et al. (2003).

28 privatização, constituiu-se e estabilizou-se uma recomposição das responsabilidades do Estado e do mercado na produção e na regulação da economia e de serviços. O resultado não seria menos Estado (como sustentaria uma perspectiva neoliberal), visto que por vezes os aparelhos construídos para a regulação teriam porte significativo (com até maiores gastos), mas um Estado diferente. No capitalismo competitivo do século XIX, o setor privado se encarregava tanto de produzir – capturado pela metáfora de remar (row) – quanto conduzir ou guiar (steer), como definido em Stoker (1998b). Entretanto, as transformações do fordismokeynesianismo teriam dado ao Estado substanciais capacidades tanto de produção quando de condução no período denominado por Levi-Faur de capitalismo de Welfare. As transformações desde os 1970 teriam alterado a situação, com o Estado se concentrando hoje na regulação (steer) da produção concreta (row), realizada pelo setor privado. O autor deixa claro, entretanto, que a mudança não representa a substituição completa dos padrões anteriores, além de apresentar grande variação entre países. Como sempre acontece com os processos históricos, o capitalismo regulatório não substituiu completamente estruturas anteriores dos Estados nacionais, mas se imbricou a elas, mudando a lógica de funcionamento das economias e dos sistemas políticos (visto que se transformaram as relações entre política e economia). A expansão da regulação também introduziu um conjunto novo e diversificado de instrumentos crescentemente sofisticados que influenciam as políticas em si e passam a ser um objeto privilegiado de pesquisa (Lascoumes e Le Galés, 2008)12, expandindo-se mundialmente13. Exatamente pela importância de todas essas dimensões de funcionamento das políticas, Lowndes (2001) defende ser mais do que central a incorporação das contribuições do neoinstitucionalismo no estudo da política do urbano. É interessante notar que, apesar de representar hoje quase uma ortodoxia na ciência política, a presença do neoinstitucionalismo nos estudos urbanos é praticamente inexistente. Para Lowndes, as razões para isso são históricas – a literatura de política do urbano foi construída por pluralistas e elitistas como contraponto às análises institucionais tradicionais, focadas em comparações estáticas de arcabouços e estruturas institucionais de cidades. A trajetória do campo passou pelo marxismo e depois pela economia política das máquinas de crescimento e dos regimes, mas sempre de forma distante das instituições. Para a autora, a perspectiva pluralista que embasa a maior

12

Há aqui um possível diálogo com o planejamento diretamente, para quem a política do urbano é um conjunto de práticas, associadas politicamente a um conjunto de técnicas não neutras (Miraftab, 2011). 13 Vale destacar sobre isso o interessante trabalho de Jordana e Levi-Faur (2005) sobre a disseminação de estruturas de regulação na América Latina depois de 1979.

29 parte do debate internacional sobre política do urbano não pode ser aplicada para grande parte das situações em outros países fora dos Estudos Unidos, inclusive na GrãBretanha. Por essa razão, faz-se urgente incorporar a perspectiva mais flexível do neoinstitucionalismo, que deixa espaço para as instituições, assim como para diversos processos e atores informais. Nesse sentido, as instituições incluem as regras do jogo, as organizações e demais atores e processos construídos e reconstruídos continuamente. Incorporam valores, mas não valores submersos e hipostasiados como no behaviorismo. A escolha de instrumentos e a construção de políticas, por outro lado, não é neutra, mas imersa em política, incorporando relações de poder inseridas no social em diversos sentidos. Para a autora, as mudanças recentes na produção de políticas enquadradas pelo conceito de governança podem ter mudado as instituições e as burocracias, mas com a manutenção seletiva e não linear dos padrões anteriores. Sob esse ponto de vista, os regimes urbanos são também plenos de instituições e organizações atravessadas por vínculos formais e informais em constante reconstrução por atores diversos. A incorporação dos aprendizados do neoinstitucionalismo, portanto, pode auxiliar sobremaneira a investigação da política do urbano. Embora as sugestões de Lowndes ainda estejam por incorporar de forma mais intensa aos debates urbanos, a literatura internacional sobre política do urbano tem efetivamente analisado vários dos formatos institucionais introduzidos desde os anos 1990, suas relações com os atores do urbano e suas dinâmicas de poder. Estes variam intensamente no tempo e mesmo entre países distintos, para um mesmo instrumento. É ilustrativo acompanhar essa literatura, inclusive, pois vários desses formatos estão alcançando as administrações locais no Brasil no momento, embora ainda sejam escassamente analisados entre nós. Diferentemente dos regimes, prevalentes nos EUA e marcados por muito mais informalidade com redes de contatos entre organizações, a maior parte dos formatos recentes em outros países ocorreu através de parceiras, com a criação de empresas de propósito específico ou com a constituição de jurisdições territoriais reguladas por legislações próprias, para além da simples privatização de serviços. Nesses arranjos, podem

estar

incluídas

tanto

empresas

privadas

quanto

organizações

não

governamentais não lucrativas ou mesmo associações comunitárias, que dependendo do caso podem incluir moradores ou principalmente comerciantes locais (em áreas centrais, tipicamente). Nesses casos importa compreender não apenas quais os atores envolvidos, mas as instituições que os cercam e estruturam os jogos políticos, assim como as influências de cada tipo de ator na produção das políticas.

30 As parcerias se disseminaram a partir das experiências inglesas, embora ainda seja objeto de polêmica se por processos de mobilidade de políticas (Ward, 2006) ou de exportação conduzida por atores específicos (Davies, 2007). Davies (2001) propõe a existência de três tipos: público-público; contratos comprador-fornecedor (de entrega, que podem envolver simplesmente a contração de serviços privados); e parcerias estratégicas com agentes privados, que passam a gozar de delegação de poder de decisão sobre ao menos parte das políticas. Evidentemente esse último tipo levanta problemas maiores de controle público sobre as iniciativas. No final dos anos 1970 as parcerias envolviam apenas agentes públicos entre níveis de governo, como forma de resposta integrada à crise urbana dos anos 1960 (“Inner City Partnerships” – ICP), expressando a visão dos governos trabalhistas. Nos anos 1980 e 1990, ocorreu uma guinada para parcerias com o setor privado, mesmo em áreas degradas com recursos das “Urban Development Grants” (UDG), mas também em áreas ricas nas “Urban Development Corporation” (UDC), dominadas por interesses privados e marginalizando os governos locais. Pequena mudança se evidenciou com o retorno dos trabalhistas ao poder em 1997, embora a participação local tenha se tornado um discurso recorrente na última década. Para Davies (2007), entretanto, a forma como a participação comunitária aconteceu nas “Community Planning Partnerships” (CPPs) ou nas “Local Strategic Partnerships” (LSP) apenas acobertou o gerencialismo. Dentre os casos estudados por ele em que houve participação, acabaram acontecendo conflitos e as comunidades foram ao final alijadas do processo, pois os interesses do governo central, promotores últimos das iniciativas, se identificavam com a promoção econômica. As parcerias diferem dos regimes urbanos, pois as empresas privadas têm pequeno papel na formulação das políticas, assim como estruturas burocratizadas promovidas por iniciativa e com controle do governo central. Apesar de terem sido constituídas copiando iniciativas dos EUA, o governo centralizado do Reino Unido imprimiu um ritmo completamente distinto, tendo o setor privado pouco interesse em participar, pois percebia que teria pouco poder de decisão (Davies, 2003). Diversas propostas de reforma institucional defendem as parcerias como modos de coordenação, sugerindo que funcionam em redes horizontalizadas, considerando que as redes representam cooperação, em oposição a competição (mercados) e hierarquias (burocracias). Estudos existentes indicam, diferentemente, que não se devem confundir parcerias como desenho de políticas de parceria como forma de coordenação. Lowndes e Skelcher (1998) mostraram que no interior de parcerias urbanas várias formas de coordenação podem estar presentes, dependendo do estágio da construção da parceria. Tipicamente, na construção da parceria opera colaboração

31 em redes com muita informalidade, enquanto a criação e consolidação da parceria é baseada em hierarquias com a formalização das redes anteriores, a formatação de projetos, a requisição de recursos e o alijamento da comunidade do processo. A entrega ou implementação da parceria, por fim, envolve mecanismos de mercado ou quasemercado com a competição por recursos, colocando em risco a confiança construída na primeira fase. Embora disseminadas, as parcerias representaram um formato tão importante quanto as empresas de propósito específico. Segundo Judd e Smith (2007), essas deveriam ter mais atenção das análises, considerando que têm muitas vezes substituído ou sobrepujado as instituições locais eleitas. Em muitos lugares, autoridades desse tipo assumiram a responsabilidade de infraestruturas de transportes (estradas, pontes, túneis, aeroportos, portos, transporte de massa), abastecimento de água e esgotamento (coleta e disposição de resíduos), assim como equipamentos de turismo e lazer. Em muitos casos, as novas agências recebem subsídios e transferências obrigatórias governamentais, mas não são obrigadas a conduzir audiências públicas ou quaisquer outras formas de publicização de informação, nem precisam se incomodar com eleitores. Na verdade, a questão da oposição local a projetos urbanos se transformou em uma grande questão a partir dos anos 1980 (Dewey e Davis, 2013) e há razões para concluir que a constituição de agências de propósito específico em muitos casos tem exatamente por objetivo reduzir a responsabilização, além de obter receita sem ter que aumentar os impostos, embora ao final seja quase sempre o fundo público que as financia (Judd e Smith, 2007; Smith, 2010; Raco, 2014). Outra estratégia para reduzir as resistências a projetos de renovação e grandes projetos urbanos tem envolvido formatar os projetos previamente de maneira a escapar de resistências previsíveis (Smith, 2010; Dewey e Davis, 2013), embora a transferência de iniciativas para o controle de níveis superiores de governo também tenha sido mobilizada (Smith, 2010). No caso dos Estados Unidos, esse formato deu origem também a distritos especiais, que podem inclusive coletar impostos, além de executar serviços. A migração desde modelo para o Reino Unido foi analisada por Ward (2006) nos chamados distritos de renovação de negócios (Business improvement districts – BID). A ideia surgiu em Toronto, no Canadá (Business improvement areas – BIAs), mas se disseminou pelos EUA nas décadas seguintes. As iniciativas não envolvem grandes projetos de renovação, mas a prestação de algum tipo de serviço urbano e de zeladoria – coleta de lixo, consertos em logradouros, polícia, por exemplo, que passam a ser feitas por instituições específicas com participação da comunidade, mas que no caso envolvem principalmente os comerciantes e empresários locais. As iniciativas são financiadas

32 privadamente, embora recursos sejam arrecadados pelo governo local e repassados para o controle privado. A migração da iniciativa para o Reino Unido levou a algo substancialmente diverso pelas diferenças de regimes de Welfare, divisões de poder entre escalas de governo e trajetórias políticas e econômicas nas cidades nos dois países. A exemplo do já afirmado por Davies (2003) com relação às parcerias, os negócios locais e os proprietários e os promotores imobiliários não aderiram às iniciativas como nos EUA, resultando em experiências com presença governamental (central) muito mais forte. O modelo de produção de políticas com intensa participação privada encontra especial desenvolvimento, por fim, na produção de iniciativas de renovação e grandes projetos urbanos. No caso da experiência inglesa, o ápice disso foi alcançado com a preparação dos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Esses envolveram a renovação de uma vasta região a leste na capital inglesa, a última ainda com valores da terra relativamente baixos. O tema foi pesquisado por Raco (2014), investigando os arranjos institucionais responsáveis pela preparação dos Jogos, um exemplo extremo de produção de políticas no marco recente do capitalismo regulatório. Neste, o Estado (em seus vários níveis) se retirou da produção concreta dos vários elementos associados ao evento, contratando tudo com a iniciativa privada, mas montando um amplo sistema para regular as atividades privadas contratadas, com custos globais certamente superiores. O exemplo mostra como uma política orientada para a “entrega” de políticas se converteu em uma série de estruturas regulatórias controladas por contratos, permitindo uma privatização conduzida pelo Estado em que fundos e objetivos públicos foram convertidos em programas de gestão e entrega (delivery) privada. Uma das dimensões desse processo é o insulamento das estruturas de implementação de demandas democráticas, entendidas como um risco ao futuro das iniciativas. A escala de contratações e subcontratações para a produção dos mais variados serviços foi efetivamente imensa (43.000 contratos no total) ao custo total de 10 bilhões de libras britânicas. Para a sua gestão foi constituída em 2006 uma autoridade – “Olympic Delivery Authority” (ODA) –, uma quango com poderes específicos. Essa agência por sua vez contratou inúmeras empresas para as mais diversas atividades, em especial a CLM (consórcio de multinacionais da gestão de projetos), a quem a gestão de todo o processo foi delegada. Há fortes semelhanças entre este caso e a implantação do Porto Maravilha no Rio de Janeiro, explicada pela mobilidade desses instrumentos de políticas (Silvestre, 2013), mas também pelos processos e escolhas locais (Saruê, 2014). A maior parte da literatura brasileira sobre grandes projetos, como Vainer (2012), entretanto, tem focado sua atenção na inserção dos empreendimentos no planejamento das cidades – o

33 planejamento estratégico urbano, ou nos pressupostos que orientam tal planejamento, com a implantação da lógica empresarial (Vainer, 2002). Permanecem em grande parte não exploradas as dimensões institucionais que cercam as iniciativas, nem mesmo as dinâmicas políticas associadas à aprovação ou à implementação dos projetos.

***

Esta recuperação teórica demonstrou que a já citada distância entre estudos urbanos e ciência política presente não é exclusividade do debate brasileiro. Se nos anos 1950 e 1960 havia intenso diálogo internacional entre os dois campos, a partir dos anos 1970 os estudos sobre política e sobre o urbano se desenvolveram como duas linhas completamente distintas. No debate internacional, entretanto, há uma discussão sobre as razões desse apartamento. Essas podem ser lidas como acusações mútuas motivadas por disputa pelo domínio do campo entre cientistas políticos que estudam a política (e o Estado) do urbano, e estudiosos do urbano que discutem política e políticas na cidade. Mas é possível também considerar que o debate encerra argumentos interessantes para pensarmos, tanto o que seria necessário desenvolver para construir pontes entre esses campos, quanto o que estamos perdendo por não dispor delas. Também internacionalmente, o estudo da política do urbano é considerado um assunto menor na ciência política, quando comparado com a política nacional, segundo Wolman e Goldsmith (1992). Os autores usam a metáfora de um jogo da segunda divisão, quando o que realmente importa está se jogando em outro lugar. Similarmente, Stone (2010) afirma que para o mainstream da ciência política, a política do urbano é sobre “educação e coleta de lixo”. Com esta visão a ciência política perde ferramentas teóricas e de método para compreender a lógica distributivista da política, visto que o espaço, ao alocar processos e atores (“o onde”), influencia fortemente “quem ganha o que”. As possíveis dimensões da baixa conexão entre as áreas são analisadas de forma mais sistemática por Sapotichne, Jones e Wolfe (2007), utilizando citação cruzada de textos clássicos das várias áreas da ciência política –pluralismo, escolha pública e de ação coletiva, políticas públicas, marxismo e economia política, assim como de estudos urbanos. Os resultados indicam que cada subárea cita mais os seus próprios clássicos, embora alguns títulos consigam ultrapassar fronteiras, como Dahl. Entretanto, o mais importante é o grande isolamento dos estudos urbanos, absorvendo outras subáreas, mas não sendo citados ou lidos fora das suas fronteiras. A presença do neomarxismo também é muito mais expressiva nos estudos urbanos.

34 Judd (2005) construiu uma arguta (mas ácida) crítica às ênfases dos estudos urbanos sobre política e políticas. O autor sustenta que a área de estudos urbanos é desconsiderada pelo mainstream da ciência política por três posturas dos estudiosos do urbano: desde os 1960 estiveram dedicados a salvar as cidades (ponto de partida normativo que dificulta a pesquisa); continuam expressando as já citadas tradições reformistas da Progressive Era a partir dos anos 1960; e tem adotado uma retórica excessiva ao descrever a questão urbana. Na origem dos estudos de comunidade e debates entre pluralismo e teoria das elites, havia conexões fortes entre as áreas, mas essas se perderam entre os anos 1960 e 1970. Nem mesmo com o surgimento dos modelos das máquinas de crescimento e dos regimes urbanos, ambos muito úteis para o estudo da política nacional, ocorreu convergência. Para Judd, as razões desse apartamento estão mutuamente na captura dos estudos urbanos pela política dos 1960 e 1970, e da ciência política pela revolução behaviorista. Essas trajetórias divergentes foram dificultando a comunicação, sendo agravadas por modismo intelectual14 e certo consenso ideológico e retórico. O campo do urbano seria ainda marcado por um pessimismo com relação à própria cidade que para Judd desembocou no que denomina de tríptico noir: tragédia, grande drama e futuro desastroso. O autor discorda frontalmente desse diagnóstico, o que não significa sustentar que as grandes cidades globalizadas não contenham espaços muito ruins sob diversos aspectos – pobreza, vigilância, bolhas turísticas, enclaves fortificados – ou mesmo que a desigualdade não tenha crescido nas últimas décadas. O que o autor sustenta é que essas cidades contêm lugares como esses, mas não são assim em seu conjunto, inclusive por serem marcadas por tecidos sociais e urbano complexos e variados. O erro de uma parte expressiva dos estudos urbanos, portanto, estaria em tomar a descrição do todo pelas partes. Para o autor, essa distopia é uma nostalgia de algo que não existiu, um bairro operário da solidariedade ou a comunidade de pequeno porte com relações de poder horizontalizadas.

14

Isso pode ser entendido como uma consequência do caráter interdisciplinar da área, o que faz com que receba influências de várias disciplinas e paradigmas continuamente. Mas é efetivamente impressionante a capacidade da área de estudos urbanos de gerar novos conceitos chave, totalizações explicativas que acabam por declinar após alguns anos. Algumas dizem respeito a fenômenos realmente novos e resistem melhor ao tempo, embora de forma nuançada, como gentrificação e cidades globais, mas outros desaparecem como as megacidades. Os exemplos mais recentes incluem a mobilidade de políticas (Peck e Theodore, 2010) e as urban assemblages (McFarlane, 2011), ambas focando processos já discutidos por outras disciplinas em detalhes com outras categorias, mas ressignificados recentemente. Para excelentes críticas que sugerem a necessidade de ancorar os novos conceitos nas tradições e debates já realizados de forma a escapar do objetivismo ingênuo ver Brenner, Maddne e Wachsmuth (2011) e Storper e Scott (2014).

35 A consequência coletiva essa postura é um convite mais forte a pregar para os convertidos do que para debater argumentos oriundos de pesquisa com os não convertidos, de forma a acumular conhecimento coletivamente. Stone (2010), diferentemente, sustenta que os estudos urbanos desenvolveramse de forma relativamente isolada, pois o mainstream da ciência política, partindo de premissas pluralistas, sustenta três pontos de vista muito complicados para o estudo do poder na cidade: separou política e economia, silenciou sobre a questão da desigualdade e acreditou que mandato e autorização legislativas seriam equivalentes à produção de políticas, desconsiderando a sua implementação. Por fim, usualmente se desconsiderou que as políticas seriam resultado dos encontros entre as ações dos governos e as reações dos cidadãos. Respondendo à crítica de Judd (2005), Imbroscio (2010) segue a mesma linha de Stone, sustentando que a distância existente entre os campos é saudável, pois a ciência política em geral apresentaria uma visão muito empobrecida de poder, oriunda no pluralismo, além de sustentar uma separação entre Estado e mercado e se recusar a ser impactada pela literatura crítica. Além disso, o autor sustenta que o mainstream da ciência política continua dominado pelo behaviorismo e mais recentemente pela escolha racional, rejeitando o pluralismo metodológico interdisciplinar necessário para se estudar a cidade. Por fim, afirma que o mainstream não teria neutralidade científica e seria celebratório da ordem, contrariamente com o seu próprio discurso. Curioso imaginar se Imbroscio (2010) considera sua própria análise neutra cientificamente. Tenho que dizer que concordo parcialmente com argumentos de ambos os lados desse debate. Por um lado, a ciência política tradicional vem a algumas décadas desprezando os debates urbanos, inclusive os que poderiam trazer uma melhor compreensão teórica dos processos políticos ou empírica da política em escalas não urbanas. Por outro lado, a área de estudos urbanos tem lido muito pouco o que se produz sobre política e políticas, desconsiderando contribuições por preconceito ideológico ou começando do zero caminhos já trilhados, como no caso das discussões sobre mobilidade de políticas (Peck e Theodore, 2010), que desconsideram a ampla literatura sobre a importância das ideias em políticas públicas. Um elemento adicional deve ser adicionado, considerando a produção brasileira. Parece ser prevalente em vários campos de estudo uma tendência nacional a abraçar teorias, métodos ou autores de forma única, pura, levando a dimensões quase identitárias. Isso tem duas consequências, ambas negativas para a produção do conhecimento. Por um lado, leva a um esforço de aplicar o autor, o método ou a teoria de preferência a qualquer objeto, ou então a escolher os objetos de forma a poder aplicar a teoria, e não o inverso. De outro lado, leva a uma recusa ao diálogo com qualquer

36 outra tradição analítica, mesmo que seja mais apropriada aos temas em questão. Pode parecer óbvio, mas é necessário para os nossos debates reafirmar que devemos conhecer o máximo possível dos vários debates (e métodos) existentes e fazer dialogar tradições ou mobilizar métodos e autores, sempre que isso for profícuo (Marques e Faria, 2012). 4.

As cidades brasileiras e as configurações da política do urbano no Brasil Embora as dimensões discutidas nas seções anteriores também caracterizem a

política do urbano nas cidades brasileiras, algumas importantes dimensões locais especificam o caso do Brasil. Essas especificidades dizem respeito aos atores presentes na cena urbana e suas importâncias relativas, às instituições da política e da cidade, assim como aos legados de políticas prévias. Por um lado, as instituições estatais sempre se fizeram presentes, embora com graves fragilidades em termos tanto de insulamento quanto de capacitação. A presença de atores estatais, adicionalmente, desde cedo incluiu agências e instituições de vários níveis de governo simultaneamente, dada a importância do federalismo, em especial em período recente. Por outro lado, o setor privado associado à produção do urbano sempre teve uma importância muito grande, embora com especificidades com relação aos tipos de atividades em que se envolveu, assim como aos padrões de interpenetração com as instituições responsáveis pelas políticas. Assim, esta seção se inicia por recuperar o percurso histórico da produção de políticas urbanas no Brasil, o que nos ajuda a entender os legados e as configurações de atores existentes. A trajetória dos serviços e políticas urbanas no país apresentou um padrão geral relativamente claro, associado ao desenvolvimento do Estado e da economia no Brasil (Rangel, 1987), dando origem a quatro períodos com características claras e distintas no que diz respeito à forma de organização de políticas e serviços e ao tipo de prestação existente. A ação do Estado iniciou-se na segunda metade do século XIX, ainda sob o efeito do paradigma miasmático, embora a disseminação do higienismo a partir de então tenha impulsionado ainda mais essa presença (Marques, 1995). Embora essa expansão não tenha se dado de forma substancialmente distinta da ocorrida nos países centrais, foi aqui marcada por fragilidades operacionais nas instituições públicas e no setor privado nacional. Em várias cidades repetiu-se uma mesma situação, envolvendo a contratação inicial dos serviços a empresas privadas nacionais, que após um curto período de operação acabaram por repassar os serviços a empresas estrangeiras. Rangel (1987) sugeriu que isso se deveu à inexistência de técnicas, insumos e materiais

37 nacionais, além da baixa capitalização das empresas nacionais, todos associados com o estágio da economia nacional. As primeiras iniciativas na segunda metade do século XIX visavam produção e adução de água, drenagem e dessecamento de áreas alagadas, todos contratados com o setor privado. Em quase todos os casos, comissões de especialistas decidiram por determinadas obras, para as quais foram contratados projetos e obras diretamente com engenheiros, nacionais ou estrangeiros. Algumas décadas mais tarde, disseminou-se a contratação da prestação de serviços com empresas privadas nacionais, com concessões para abastecimento de água, esgotamento sanitário, bondes a tração animal, iluminação pública a gás (Marques, 1995; Telles, 1994). Em quase todos os casos, os serviços foram repassados a empresas privadas estrangeiras, após apenas alguns poucos anos de operação. A chegada do novo século acrescentou à lista iluminação pública a eletricidade e bondes a tração elétrica, boa parte deles já nascidos em

concessões

a

empresas

estrangeiras.

Durante

esse

período,

estavam

completamente ausentes políticas habitacionais para baixa renda, marcadas em especial pela habitação precária em cortiços. Similarmente, as taxas de cobertura eram muito baixas e inexistiam iniciativas de planejamento ou políticas de controle sobre uso e ocupação do solo. A exceção fica por conta dos projetos de embelezamento de áreas centrais, executados na maior parte das vezes com a participação de arquitetos estrangeiros e orientados para expurgar o caráter colonial de nossas cidades, aburguesando-as como nos casos da Reforma Passos no Rio de Janeiro e nas intervenções de Antônio Prado em São Paulo. O segundo período se iniciou nos anos 1910 e 1920 com a criação de instituições estatais da administração direta que encamparam os serviços privados e os mantiveram até o final dos anos 1950. Para Rangel (1987) e Marques (1995), a passagem para esse período se explica pelo desenvolvimento de setores nacionais de materiais e obras, assim como de comunidades profissionais que pressionavam pela a expansão desse mercado para os profissionais e empresas nacionais. Essas pressões foram reforçadas nas décadas seguintes pelas crescentes dificuldades de contratação de empresas estrangeiras e a importação de insumos, inicialmente pela primeira guerra mundial e depois pela Grande Depressão. No caso do abastecimento de água e do esgotamento sanitário, a entrada do setor público ocorreu tipicamente entre as décadas de 1910 e 1930.15 Nesse segundo período, o Estado executaria e operaria diretamente os serviços

15

A Inspetoria de Águas e Esgotos IAE se tornou operadora dos novos sistemas no Rio de Janeiro em 1922 e os governos estaduais assumiram os serviços em Recife em 1900 e em Florianópolis em 1910, embora a Repartição de Águas e Esgotos (RAE) já operassem os sistemas em São Paulo desde 1893. Em alguns casos, instituições estatais coexistiram com as concessões privadas anteriores até a década de 1940, como

38 a partir de órgãos da administração direta, sem maiores preocupações com recuperação tarifária. No que diz respeito ao planejamento, os primeiros planos de conjunto foram introduzidos nesse momento, como o proposto por Alfred Agache no Rio de Janeiro em 1930 e o zoneamento funcional de São Paulo em 1934. Ao longo do período, embora tenha ocorrido expansão dos serviços, a oferta foi quase sempre inferior à demanda. O mesmo se pode dizer no diz respeito às políticas de habitação. O período marca, na verdade, o início da produção pública para baixa renda, com a construção dos conjuntos dos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs (Bonduki, 2004). O acesso a estes estava sujeito aos mecanismos da cidadania regulada brasileira (Santos, 1979)16, e a produção acabou por apresentar dimensões muito pouco expressivas. O terceiro período se iniciou no final dos anos 1950 e início dos 1960, com a constituição de empresas públicas organizadas empresarialmente e com preocupações de retorno econômico-financeiro. Isso viabilizou padrões de maior eficiência e permitiu mudanças na escala dos sistemas e serviços construídos com a obtenção de empréstimos17, mas acabou por limitar as expansões das coberturas, considerando a população a atender. As instituições e os sistemas federais de políticas constituídos após o golpe militar de 196418 consolidaram e expandiram esse padrão. Estes incentivaram a formação de instituições estaduais para implementar as políticas, sob forte normatização e regulação federal19. Em várias áreas de política pública, a produção foi massificada, como nos casos da habitação, da energia elétrica e do saneamento, mas com graves problemas de qualidade, focalização, gigantismo e corrupção (Draibe, 1989). Apesar das crescentes escalas de produção, a demanda continuou sendo superior à oferta nos mais variados serviços, e a precariedade habitacional e urbana continuou a crescer, sob o peso da passagem da população urbana brasileira de 20 milhões de habitantes em 1950 para 80 milhões em 1980. Ao longo desse terceiro período, o setor privado estava afastado da prestação dos serviços, mas operava no caso da City carioca que se extinguiu em 1947 e a Light em São Paulo, que foi encapada apenas em 1956, embora os serviços de bonde já tivessem sido encampados em 1941. O caso da limpeza urbana segue um percurso similar (Ralize, 2015). 16 Em análise fundadora, Santos (1979) sugeriu que a cidadania no Brasil funda-se desde o final do século XIX e mais intensamente a partir da década de 1930, associada ao mundo do trabalho formal urbano e a certas ocupações elegidas pelo Estado como estratégicas para suas estratégias de desenvolvimento. Essa dimensão de regulação (pelo Estado, considerando a estrutura ocupacional) de nossa cidadania gerou particularismo, fragmentação e seletividade. 17 O modelo pioneiro talvez tenha sido o da Superintendência de Saneamento e Urbanização (Sursan) na Guanabara em 1957. 18 Entre eles, o Banco Nacional da Habitação, os Sistemas Financeiros da Habitação e do Saneamento, o Planasa - Plano Nacional de Saneamento, Empresa Brasileira de Transportes Urbanos etc. 19 As Companhias Estaduais de Saneamento, as empresas estaduais de energia elétrica, as empresas dos Metropolitanos e as Companhias de Habitação são bons exemplos disso.

39 intensamente como contratista de obras, serviços e equipamentos, fornecendo uma parte importante do esforço de produção de políticas20. No caso do planejamento, esse período representou o auge do planejamento integrado e de conjunto, embora com relativamente poucas consequências práticas, visto que ocorreu desacompanhado da construção de capacidades estatais em nível local que pudessem efetivamente gerir a produção do território no médio prazo. Em parte isso se deveu a uma crônica dificuldade de se constituírem políticas de gestão ativa do território de nossas cidades, por razões políticas, dados os traços redistributivos desse tipo de iniciativa, como discutirei mais adiante. O retorno da democracia desde os anos 1980 introduziu poucas alterações imediatas nesse padrão, mas o período posterior construiu uma lenta transição para uma quarta fase na prestação de serviços e políticas urbanas no país. Embora os processos migratórios e as taxas de fecundidade tenham declinado fortemente desde 1980, a população urbana continuou crescendo fortemente, dada a escala alcançada pelas cidades, pulando de 80 para 161 milhões de habitantes entre 1980 e 2010. Mais uma vez, portanto, como produto da combinação entre políticas insuficientes e crescimento urbano, a precariedade habitacional expandiu-se ainda mais. O declínio das políticas do regime militar no final dos 1970 e início dos 1980 foi levou a uma intensa desagregação das instituições nacionais do setor. Os órgãos locais criados no período precedente, entretanto, continuaram existindo e buscando formas de operar e produzir suas políticas. Embora processos de privatização e concessão de serviços tenham ocorrido, especialmente após os anos 1990, impactaram apenas lateralmente as políticas urbanas. Marco para as políticas de saúde, assistência e previdência social, a Constituição Federal de 1988 mudou relativamente pouco o panorama das cidades, assim como das políticas a elas orientadas, apesar de toda a pressão de mobilizações prévias como os movimentos de reforma urbana e orientados para outras reformas setoriais. A Constituição incluiu a questão urbana em apenas dois artigos com instrumentos de democratização da terra urbana, mas que necessitavam de regulamentação. Esta veio apenas com o chamado Estatuto das Cidades, transformado em lei apenas em 2001. As principais transformações no cenário das cidades brasileiras ocorreram, na verdade, por lento deslocamento da agenda de políticas provocada pelo ativismo de

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Uma importante exceção foram os serviços de transporte público sobre pneus, desde sempre concedidos ou contratados com empresas privadas de ônibus em todo o país, mesmo que acompanhados de prestação pública em variados graus. No caso de São Paulo, mesmo havendo desde 1947 uma empresa pública devotada a expandir o serviço e retirar o setor privado do setor, a participação privada só cresceu (Requena, 2014).

40 inúmeros governos locais, que desenvolveram autonomamente ao longo das décadas de 1980 e 1990 políticas inovadoras como urbanização de favelas, regularização de loteamentos, zoneamentos especiais, tarifas sociais de serviços, diversas formas de mutirão autogerido ou com intensa participação dos moradores, locação social etc. A lenta disseminação horizontal nessas políticas desde o fim dos 1980 produziu deslocamentos na comunidade de políticas urbanas em direção a iniciativas mais redistributivas e inovadoras em termos de desenho. Esse processo culminou em programas durante os governos Fernando Henrique Cardoso como Habitar Brasil e Prosanear. Esta mesma administração deu início a um lento e gradual processo de reforma do setor habitacional, com a reforma incremental de inúmeras regras, inclusive da produção privada, que produziram impactos de médio prazo na oferta habitacional (Dias, 2012). Esse processo ganhou uma outra escala posteriormente com a criação do Ministério das Cidades no início do governo Lula, em 2003, que federalizou ou estabeleceu incentivos federais para o desenvolvimento local de diversas das políticas constituídas localmente na década anterior. Os anos seguintes viram

os

vários

setores

de

políticas

urbanas

se

adensarem

com

novas

institucionalidades federais21, embora obviamente sem superar os impasses mais gerais colocados para o sistema político brasileiro (Rolnik, 2009). Assistiu-se também ao desenvolvimento de maiores capacidades nos governos locais, em parte por incentivo federal, mas também por aprendizados locais, embora estas ainda sejam bastante baixas, em média. A maior parte dos serviços continuou sendo prestada por entidades públicas, principalmente da administração indireta, com a contratação de empresas privadas para a execução das mais variadas tarefas. Em alguns casos, entidades regulatórias foram constituídas22, mas introduzindo pequenas diferenças com relação à situação existente. Em alguns poucos casos ocorreu a concessão inteira de serviços para o setor privado. Na maioria das políticas e cidades, entretanto, continua ocorrendo a prestação das políticas por autarquias ou empresas públicas dos governos locais, com contratação do setor privado para a execução de tarefas diretamente. As experiências de concessão,

21

Dentre eles vale citar o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), com seu Fundo e seu Conselho, as Políticas Nacionais de Habitação, Saneamento e Resíduos Sólidos, o Código Nacional de Trânsito, a Lei dos Consórcios Públicos, as Conferências Nacionais das Cidades e programas para incentivo a projetos de recuperação de áreas centrais, ao desenvolvimento de capacidades locais relativas a planejamento, áreas de risco e regularização fundiária. 22 Como, por exemplo, nos casos na transformação da CMTC em SPTrans nos serviços de ônibus em São Paulo (Campos, 2015) e na criação da Amlurb na limpeza urbana, também ambos em São Paulo (Ralize, 2015).

41 entretanto, têm aumentado, sugerindo uma tendência de participação ainda maior do setor privado na prestação de serviços, para além da construção.23 Outra importante novidade no cenário do desenvolvimento de políticas recentemente disse respeito ao massivo programa habitacional federal Minha Casa Minha Vida. Após anos de quase completa ausência de recursos federais no setor habitacional, o governo federal lançou o programa em 2009, com a meta ambiciosa de construir 1 milhão de unidades habitacionais em 4 anos para três faixas de renda – inferior a 3 salários mínimos, entre 3 e 5 e superior a 5 salários. A esta meta foram acrescidos mais 2 milhões de unidades na segunda fase, lançada em 2011 24. O aspecto mais importante do programa para este artigo, entretanto, diz respeito ao seu arranjo de implementação, que aumentou a presença privada na implementação das políticas. O programa conta com subsídio quase total para a primeira faixa (quase nunca atendida por programas anteriores) e parcial para a segunda. O agente operador do programa, a exemplo das políticas anteriores, é a Caixa Econômica Federal, mas nesse caso as empreiteiras contratam diretamente com a CEF a execução das unidades da faixa 1, deslocando os governos locais. Cabe a esses últimos obter os terrenos e organizar a fila de beneficiários finais para a faixa 1, enquanto nas faixas 2 e 3 o agente privado opera diretamente como incorporador dos empreendimentos. Embora uma parte substancial dos autores nacionais tenha considerado as atribuições públicas locais irrelevantes, é razoável considerar que encerram elos decisórios importantes para a política. A regulação do programa, portanto, é federal (CEF e Ministério das Cidades), mas quase toda a implementação da faixa 1 está nas mãos das empresas privadas, restando aos governos locais as escolhas relativas à localização dos conjuntos e à escolha dos mutuários (Rodrigues, 2015). No campo planejamento urbano também têm ocorrido alterações importantes, considerando o tema principal deste artigo. Se o quarto período continuou marcado pela ausência de gestão ativa do território das cidades, mesmo nos casos em que ocorreram esforços de construção institucional (Hoyler, 2014), apresentou também a disseminação de iniciativas de reforma ou revitalização pontuais, associadas a grandes projetos urbanos. Sob o ponto de vista dos arranjos de produção de políticas, novos formatos institucionais com crescente participação privada foram introduzidos. Ao menos três

23

Um bom exemplo dessa tendência é o metrô de São Paulo. Em 2010 foi inaugurada a linha 4 (amarela), primeira linha construída por concessão a um consórcio privado da construção e operação. Todas as demais linhas em construção no momento seguem o mesmo esquema, mas as 3 linhas originais construídas desde os anos 1970 continuam sendo geridas e operadas pela empresa pública, embora a construção tenha sido contratada com empresas privadas. 24 A terceira fase foi lançada em 2014.

42 tipos de mudanças devem ser destacados, associados a instrumentos de política específicos desenvolvidos em três conjuntos de projetos urbanos de grande porte. Em primeiro lugar, foram realizadas várias experiências de Operações Interligadas e Urbanas desde os anos 1980 em São Paulo (em especial na Operação Faria Lima) e depois em várias outras cidades, delimitando áreas da cidade onde a legislação urbanística poderia ser negociada e potencial construtivo adicional poderia ser transacionado. Essa experiência deu origem aos Certificados de potencial adicional de construção (Cepacs), título financeiro transacionado em bolsa e, portanto, com elevada liquidez e passível de especulação sobre futuras valorizações. Uma segunda inovação institucional também teve início em São Paulo, mais especificamente no projeto Nova Luz. Após anos de frustradas tentativas de fazer este projeto ter início ao longo de toda a gestão Serra e quase toda a gestão Kassab, o governo local tentou aplicar um novo dispositivo – a chamada concessão urbanística, delegando diversas prerrogativas legais do poder público, inclusive desapropriações, ao agente concessionário privado responsável pela renovação de uma região da cidade (Souza, 2011). O projeto acabou barrado na Justiça e nunca se efetivou, ao menos como originalmente formulado, mas introduziu uma inovação que permanece como alternativa para iniciativas futuras. Por fim, vale destacar a constituição do projeto do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro (primeiro projeto nacional a efetivamente merecer o qualificativo de Grande Projeto). O projeto inaugurou um formato novo de prestação de serviços urbanos (Saruê, 2015), baseado na concessão de todos os serviços e políticas em uma região determinada da cidade a um agente privado por um longo período, contratado por outro agente de caráter misto, em um formato que guarda relações com o descrito por Raco (2014) para os Jogos Olímpicos de Londres.

***

Como vimos, a teoria do capitalismo regulatório sugere a existência de uma particularidade no momento presente do capitalismo mundial, na qual o Estado se afastaria da produção direta (row) de diversos serviços (embora não de todos), ocupando, entretanto, mais fortemente atividades de regulação (steer) do que no período anterior. A recuperação histórica precedente indica que o Estado brasileiro historicamente já vinha participando diretamente das políticas (row) desde a passagem do primeiro para o segundo período da produção de serviços urbanos, no início do século XX. Mesmo que não conseguisse guiar (steer) completamente os processos, estava presente desde o primeiro período na regulação de contratos privados. Ao mesmo tempo, também sempre houve participação ativa do setor privado (row). Ela

43 ocorreu de forma direta no primeiro período, através da contratação da construção e de compra de serviços, materiais e equipamentos no segundo e terceiro períodos, e novamente na provisão direta de alguns serviços no quarto período. A entrada do setor privado na prestação de serviços recentemente foi acompanhada por uma tentativa de aumentar as capacidades regulatórias do Estado (steer), com sucesso ainda parcial. Entre as atividades de steer desenvolvidas recentemente, ao menos no caso das políticas urbanas, se incluem atividades bastante diversas, desde o monitoramento e controle da prestação de serviços públicos por empresas privadas até a normatização e padronização de produção privada de bens e serviços (como na incorporação imobiliária, por exemplo), passando pelo desenvolvimento de atividades de controle do próprio Estado, diretamente ou com contratação do setor privado (Marques, 2015). No momento atual, portanto, o Estado está ainda envolvido com a maior parte da prestação direta, embora sempre com intensa participação privada nas obras e serviços. Em algumas políticas e cidades específicas, o setor privado aparece pela primeira vez em quase 100 anos na prestação direta como concessionário, embora seja necessário destacar que estes representam casos extremos e que o aumento da participação privada cresce muito mais em outros arranjos de promoção de políticas urbanas desenvolvidos recentemente. Outra dimensão central a considerar no caso brasileiro se relaciona com os diferentes papéis dos vários níveis de governo para a provisão de serviços e políticas. Essa divisão é específica de cada política e muda ao longo do tempo, mas deve ser entendida no bojo das recentes discussões sobre o federalismo na produção de políticas (Arretche, 2012). Embora as políticas urbanas sejam atribuição dos governos locais por preceito constitucional, os legados de políticas prévias (como a existência de empresas estaduais ou de fundos e sistemas de financiamento federais), assim como políticas de nível superiores de governo (por exemplo, o programa Minha Casa Minha Vida) influenciam intensamente as políticas desenvolvidas nas cidades. Para além dessas dimensões específicas por políticas, entretanto, o desenho geral do federalismo brasileiro impacta em geral a política do urbano, pois diferencia o ambiente que cerca a política do urbano no país da situação descrita pelas máquinas de crescimento de Moloch (1976). No caso brasileiro, os níveis locais de poder têm acesso a um conjunto significativo de recursos financeiros através de repasses automáticos (via Fundo de Participação dos Municípios), assim como de repasses condicionados, mas especificados por política (como saúde, educação, segurança pública e assistência). Assim, a relação das elites políticas locais com os interesses econômicos não é marcada pelo mesmo tipo de jogo de dependência, ao menos para desenvolver as políticas locais. Como será destacado abaixo, a associação entre esses atores parece

44 ser muito mais de natureza política do que ligada à promoção das políticas públicas locais. Outro conjunto de questões que especifica a política do urbano no Brasil é derivado da forma como público e privado se relacionam e se conectam no país, não apenas nos arranjos formais, mas nos informais e na operação das políticas (Marques, 2000 e 2003). Embora o Estado esteja muito presente nas mais diversas esferas sociais, muitas vezes não apresenta condições de insulamento e capacidade para a formulação e implementação de políticas. Alguns autores mobilizaram a ideia de privatização do Estado para descrever as conexões entre público-privado, enfatizando a exploração do público pelo privado no Brasil (Grau e Beluzzo, 1995). Cardoso (1971), por outro lado, desenvolveu a ideia de anéis burocráticos do poder em uma contribuição clássica – círculos de interessados que conectariam setores do Estado com agentes privados interessados nesses setores. Esta ideia foi desenvolvida inicialmente para descrever o período democrático populista, mas foi aplicada posteriormente para analisar políticas durante o regime militar. O conceito nos ajuda a pensar a forma de intermediação de interesses presente no país, quando comparada com o lobby norte-americano e o corporatismo europeu. Entretanto, pouco contribui para especificar os detalhes desses padrões, além de sugerir principalmente intencionalidade dos vínculos e baixa inércia. Para contribuir nessa direção, desenvolvi as ideias de tecido relacional do Estado e permeabilidade do Estado, dialogando mais claramente com teorias do Estado elitista e neoinstitucionalista e mobilizando a análise de redes como método (Marques, 2000 e 2003). O primeiro conceito expressa os padrões de conexão entre atores estatais e não estatais em redes baseadas em relações formais e informais de diversos tipos que estruturam o Estado internamente e o conectam com o ambiente político mais amplo que o cerca. A permeabilidade, por sua vez, diz respeito especificamente às conexões do setor privado com atores do Estado. Essas ideias tentam dar conta de padrões mais inerciais e menos associados a vínculos intencionais do que os descritos pelos anéis burocráticos. O tecido relacional do Estado foi historicamente construído ao longo dos processos de produção dos vários setores de políticas. O conceito dá ênfase ao caráter interligado, mas contínuo e não inteiramente intencional das relações entre Estado e sociedade, conectadas por múltiplos vínculos de vários tipos, construídos em diversas situações. Considerando essa dimensão, é possível compreender melhor porque o Estado é muito presente na produção de políticas, mas tende a ser pouco insulado e interpenetrado com agentes privados. A questão é especialmente relevante para as políticas urbanas, pela especificidade dos atores políticos e econômicos presentes nas cidades. Lessa e Dain (1982) sugeriram a existência de uma tríplice aliança na construção do capitalismo no

45 Brasil, com o Estado se encarregando da produção de infraestruturas e bens intermediários, o setor privado estrangeiro concentrando-se na indústria de transformação moderna e o setor privado nacional especializando-se nos setores bancário e comercial e na construção civil. O setor de construção foi em parte uma produção do Estado brasileiro, visto que foram suas contratações que capitalizaram e especializaram o setor (Camargos, 1993) desde os anos 1950. O regime militar só fortaleceu essa especialização, muito pouco alterada nos primeiros anos do período democrático recente. As transformações da economia brasileira nos anos 1990 introduziram mudanças na estrutura de propriedade, mas alteraram essa divisão apenas lateralmente. As privatizações reduziram a presença do Estado no setor de bens intermediários e de infraestrutura (este último, mediante concessão) e uma parte substancial do setor bancário e comercial foi aberta aos capitais internacionais. Entretanto, o setor de construção civil, incluindo tanto as empreiteiras de obras públicas quanto as empresas construtoras de edificações, só se fortaleceram. Na verdade, essas foram em grande parte as beneficiadas pelos processos de privatização de ativos ligados a bens intermediários (cimento e refino de petróleo), assim como de concessão de obras de infraestrutura. No bojo desse processo, diversificaram seus portfolios e caminharam para se transformar em empresas multinacionais, com obras em diversos países do mundo. Além disso, mantiveram o seu lugar como contratadas para construções, tanto de infraestruturas, quanto de edificações. O retorno dos investimentos federais em infraestrutura e em obras urbanas de porte na última década em muito beneficiou essas empresas. Como resultado disso, as empresas construtoras estão hoje entre os principais capitais nacionais, junto com empresas financeiras e grupos industriais de bens intermediários e do agronegócio. Daí deriva a sua destacadíssima importância política, mas, à diferença desses dois outros setores, as empresas construtoras vivem em grande parte de contratos com o Estado em seus níveis e em diversos setores de política. Por esta razão, o setor de construção tem muitos interesses em construir e manter vínculos com governos e com as agências do Estado. Não por outra razão, estão sempre entre os mais importantes financiadores de campanhas eleitorais. Tampouco por outra razão, estão envolvidas em diversos escândalos de corrupção recentes. No caso das cidades, a importância desses atores é ainda maior e diversificada, pois envolve também outros tipos de capitais do urbano, incluindo pelo menos os prestadores de serviços urbanos (empresas de ônibus e limpeza urbana), as construtoras de obras públicas e as diversas especialidades de incorporadores (Marques, 2013). Embora inexistam estudos sistemáticos sobre o tema, é provável que

46 a inexistência de políticas de gestão ativa dos territórios de nossas cidades se deva ao lugar ocupado pela terra urbana na riqueza em nível local. Isso porque, por um lado, as elites políticas e econômicas locais no Brasil apresentam grande interpenetração com os capitais envolvidos com a promoção e a incorporação imobiliárias, que como vimos se destacam pela pujança econômica. Por outro, dada a disseminação da propriedade como forma de acesso à habitação (inclusive entre os mais pobres), a terra e sua valorização são centrais para distintos grupos sociais. Como consequência, para além dos múltiplos canais concretos que podem produzir influência do setor privado sobre as políticas (Hoyler, 2014), os jogos de imposição de perdas associados à regulação da terra tendem a ser muito custosos politicamente para as lideranças políticas locais, mesmo para as situadas mais à esquerda. Vale acrescentar, por fim, que o período recente também assistiu à consolidação da importância de outros atores, como o Ministério Público, que têm contribuído para abrir os processos decisórios relativos às políticas urbanas ou a aumentar a sua responsabilização. Ao mesmo tempo, tem ocorrido no Brasil da democracia recente uma intensa disseminação de novas institucionalidades participativas em políticas públicas, muitas delas obrigatórias. Essas representam hoje novos canais para a presença e a ação de movimentos sociais que já vinham caracterizando a cena urbana desde o final dos anos 1970. A combinação da presença desses novos atores e instituições tem produzido efeitos sobre as políticas e a política do urbano, como no caso do projeto Nova Luz em São Paulo. Como já referido, após anos de dificuldades de implementação, o governo municipal decidiu desenvolver o projeto através de uma forma de concessão que dotava a empresa privada concessionária de grandes prerrogativas. A ausência do cumprimento de ritos obrigatórios relativos a consultas públicas, entretanto, permitiu aos opositores do projeto (basicamente todos os atores locais, dos comerciantes ao movimento de habitação) bloquear o projeto no Judiciário.

Ao invés de concluir, apontando para uma agenda. Nessa última seção retomo aos principais elementos destacados ao longo do artigo e discuto alguns pontos de uma agenda de pesquisas sobre a política do urbano no Brasil. Como vimos, os debates internacionais apresentam uma sólida trajetória que teve origem no chamado community power debate, foi influenciada pela sociologia marxista francesa e pelos deslocamentos da literatura sobre políticas públicas, passou pelos regimes e coalizões urbanos e mais recentemente focou os variados arranjos de governança com participação pública e privada desenvolvidos nas últimas décadas, assim como nos formatos institucionais que regularam esses novos padrões. As últimas

47 décadas consolidaram (infelizmente) uma divisão de campos distintos para a compreensão das cidades e da política, sendo esta tendência ainda mais forte na literatura nacional. A construção de pontes entre esses dois ricos campos de pesquisa será possível apenas se considerarmos o espaço triplamente como uma dimensão constitutiva da política (e das ações do Estado), seu pressuposto (pelo legado espacial herdado) e resultado destas mesmas práticas políticas. Por outro lado (e simultaneamente), este exercício pressupõe a consideração do Estado e das instituições políticas como lócus de dinâmicas e processos em si a serem analisados, e não apenas como mero rebatimento de processos produzidos fora deles. A política e as instituições, assim como o espaço, importam. Vimos também que temos um arranjo peculiar de provimento de serviços e políticas nas cidades brasileiras, no qual o Estado sempre esteve presente, mas com formas variadas de intensa participação privada. Esses arranjos foram regulados não apenas por instituições formais, mas também por padrões de permeabilidade, onde empresas privadas envolvidas com a produção direta do quadro construído urbano tinham (e têm) grande importância. A influência dos diversos níveis de governo sobre as políticas locais também tem que ser considerada centralmente. Entretanto, os governos locais apresentam no Brasil menores constrangimentos estruturais ao desenvolvimento de políticas do que em países como os Estados Unidos. Os capitais envolvidos diretamente com a produção das cidades, por outro lado, apresentam grande influência e a produção de políticas de regulação da terra urbana apresenta maiores dificuldades do que na Europa. Como poderíamos então resumir uma agenda de pesquisa necessária entre nós para a construção de pontes entre os estudos da política e das cidades, criando as condições para o melhor entendimento da política das cidades? Acredito que ao menos três grandes campos de análise precisariam ser explorados nos próximos anos para que possamos melhor compreender a política do urbano no Brasil. Em primeiro lugar, e ouso dizer o mais premente, está o desenvolvimento de estudos sobre políticas públicas locais, agências e burocracias locais e sobre os padrões de governança ali presentes, considerando as diferentes configurações de atores e instituições. A literatura brasileira tem assistido a uma saudável expansão de estudos sobre implementação de políticas que incorporam o nível local (os artigos contidos em Faria, 2012, por exemplo). Entretanto, há uma considerável lacuna de estudos sobre políticas que influenciam diretamente na construção do quadro construído urbano. Na verdade, até há estudos sobre o tema, mas a grande maioria deles reproduz quase perfeitamente os problemas advindos da dissociação entre as literaturas urbana e da ciência política, já amplamente discutidos ao longo deste artigo.

48 A urgência aqui assinalada diz respeito ao desenvolvimento de estudos informados por ambas as tradições, de forma a levar em conta simultaneamente o espaço e a política como fontes de dinâmicas e lócus de processos. Essa tarefa está em parte associada a outra, ligada ao estudo detalhado e empiricamente embasado dos diversos atores do setor privado presente nas cidades, em especial os chamados diversos capitais do urbano, envolvidos com a produção concreta da cidade. Novamente, existem pesquisas recentes que destacam tais atores, mas grande parte delas é informada por quadros conceituais abstratos e pouco precisos sobre as características e processos em jogo, falhando na especificação dos mecanismos envolvidos (Marques, 2007). Em terceiro lugar, é necessário adensar o conhecimento sobre

as

especificidades das dinâmicas eleitorais locais, assim como sobre formação de governo em nível municipal. Dentre os três temas listados, esse é o único em que o debate local já apresenta densidade crescente pelo lado da ciência política brasileira, com estudos de geografia eleitoral, sobre a associação entre elites políticas e bairros ou sobre mobilização partidária de eleitores. Entretanto, essa produção ocorre de forma quase completamente desconectada dos estudos sobre as cidades em si, gerando pouco acúmulo coletivo sobre o funcionamento da política do urbano. Finalizo esse artigo com uma rápida nota sobre método e desenho de pesquisa. A política do urbano envolve a análise de diferentes configurações de atores, conectados por diversos padrões de relações e cercados de instituições e legados de políticas e espaços prévios. Essas características sugerem que o tema deve ser analisado primordialmente por estudos de caso detalhados, mas com orientação teórica e metodológica comparável, de modo a especificar as condições presentes, assim como a sua ordem e combinação, no que Ragin (1987) denominou de causação conjuntural múltipla. Tal estratégia metodológica não pressupõe abdicar da construção de generalizações, mas aponta para certa lógica para a construção de afirmações teóricas mais abrangentes. Esta envolve a realização de diversos estudos de forma a cobrir a completa variação do fenômeno (Tilly, 1992), transitando continuamente entre teoria e análise empírica e constantemente informando a primeira a partir da segunda. Assim, o avanço de nosso conhecimento sobre a política do urbano pressupõe um gesto comparativo (Robinson, 2011), tanto nacional, quanto internacional, realizável apenas a partir de estudos de caso desenhados de forma aberta ao diálogo entre cidades, perspectivas e abordagens. Exatamente o contrário do que tem sido feito até agora pela maior parte do debate nacional.

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