Notícias do Sudeste

May 27, 2017 | Autor: Livia Oushiro | Categoria: Sociolinguistics, Brazilian Portuguese, Dialect Contact and Accommodation
Share Embed


Descrição do Produto

Not´ıcias do Sudeste

Livia Oushiro (UNICAMP) Resumo Este trabalho d´ a not´ıcias de um projeto de pesquisa sobre processos de acomoda¸ca ˜o dialetal na fala de migrantes nordestinos residentes no sudeste. Tal t´ opico concerne ` a teoria lingu´ıstica no que diz respeito a ` estabilidade do sistema lingu´ıstico na fala adulta (Lenneberg 1967, apud Nycz 2011), e seu estudo contribui para um quadro mais completo da Teoria da Varia¸c˜ ao e da Mudan¸ca (Weinreich et al., 2006 [1968]), uma vez que o contato dialetal faz parte do cotidiano de milh˜oes de pessoas que habitam as grandes metr´opoles. O objetivo principal ´e problematizar certas quest˜ oes envolvidas no exame da fala de migrantes: (i) o grande n´ umero de vari´ aveis independentes que pode influenciar seus padr˜ oes de fala, para al´em de categorias “cl´ assicas” como sexo/gˆenero e n´ıvel de escolaridade dos informantes; (ii) a ampla varia¸c˜ao entre indiv´ıduos; (iii) m´etodos para “medir” a acomoda¸ca aveis ˜o; e (iv) a possibilidade de que diferentes vari´ sociolingu´ısticas n˜ao sofram os mesmos processos de acomoda¸c˜ao na fala de um mesmo indiv´ıduo. Nesse sentido, este trabalho exp˜ oe os m´etodos empregados na presente pesquisa para abordar algumas dessas problem´ aticas e avalia os primeiros resultados de sua aplica¸ca˜o. Palavras-chave: Varia¸ca˜o lingu´ıstica. Acomoda¸c˜ao dialetal. Variedades do Sudeste. Variedades do Nordeste.

1 Introdu¸ c˜ ao A estabilidade do sistema lingu´ıstico na fala adulta ´e uma quest˜ ao relativamente preterida em pesquisas lingu´ısticas, quando n˜ao tomada como um fato indisputado. Dentro do arcabou¸co da Teoria da Varia¸ca ˜o e da Mudan¸ca (Weinreich et al., 2006 [1968]), um dos construtos centrais otese ´e o de mudan¸ca em tempo aparente (Labov, 2006 [1966], 2001b), que se baseia na hip´ de Lenneberg (1967, apud Nycz 2011) sobre o per´ıodo cr´ıtico de aquisi¸ca ˜o da linguagem, a partir da qual se sup˜ oe que os padr˜ oes de fala de um indiv´ıduo se estabilizam por volta dos primeiros anos da puberdade (e que, portanto, a fala de um adulto reflete um sistema lingu´ıstico de um tempo passado). Nesse sentido, o estudo da fala de migrantes ´e, em geral, ignorado em favor da an´ alise da fala de membros mais “protot´ıpicos” de suas respectivas comunidades – os nativos, preferencialmente filhos ou netos de membros da mesma comunidade –, uma vez que se pressup˜oe tacitamente que o migrante adulto mant´em os padr˜oes sociolingu´ısticos adquiridos em sua regi˜ ao de origem. No entanto, a possibilidade de mudan¸ca na fala adulta individual ´e uma quest˜ao emp´ırica que at´e o momento foi poucas vezes colocada `a prova. Conforme afirma Naro (2004 : 44), “n˜ao sabemos ao certo at´e que ponto a l´ıngua falada pelo indiv´ıduo pode realmente mudar no decorrer dos anos.”

1

Ao lado de trabalhos que examinam a mudan¸ca lingu´ıstica em tempo real (ver, p.ex., Paiva & Duarte 2003, Sankoff & Blondeau 2007) com um mesmo conjunto de indiv´ıduos cuja fala foi registrada em ´epocas distintas, o exame da fala de migrantes que entram em contato com uma nova l´ıngua ou dialeto tamb´em pode lan¸car luz sobre a quest˜ ao da estabilidade do sistema lingu´ıstico na fala adulta. At´e que ponto um indiv´ıduo pode adquirir padr˜ oes de usos caracter´ısticos da nova comunidade em que se encontra? Quais fatores atuam como facilitadores ou inibidores desse processo? A pesquisa em andamento tem como objetivo analisar os mecanismos que presidem processos de acomoda¸c˜ ao dialetal na fala de migrantes nordestinos residentes em metr´ opoles do sudeste, com base em pressupostos te´ oricos e metodol´ ogicos da Sociolingu´ıstica Variacionista (Labov, 2006 [1966], 2001b). Mais especificamente, tem-se analisado a realiza¸ca avel das vogais ˜o vari´ m´edias preto ˆnicas, em palavras como rel´ogio e roseira, que distingue as variedades “do norte e do sul” (Nascentes, 1953 [1922]). A acomoda¸ca ao dos estudos sociolin˜o dialetal apenas recentemente vem recebendo a aten¸c˜ gu´ısticos no pa´ıs e ainda carece de an´alises mais aprofundadas que permitam sistematiza¸c˜oes e generaliza¸co area n˜ ao ´e de todo surpreendente. Uma ˜es. A relativa escassez de trabalhos nessa ´ das principais dificuldades de analisar a fala de migrantes ´e o grande n´ umero de vari´ aveis que pode influenciar seus padr˜oes lingu´ısticos, para al´em daquelas tradicionalmente analisadas, como sexo/gˆenero, faixa et´aria ou n´ıvel de escolaridade; por exemplo: de onde e com que idade certo indiv´ıduo emigrou; tempo de residˆencia na nova localidade; motiva¸c˜ oes para o deslocamento geogr´afico; composi¸ca˜o da nova rede social (se predominantemente composta de outros migrantes ou de nativos); grau de contato com amigos e familiares que n˜ ao migraram; frequˆencia com que volta ao local de origem; interlocutor (se conterrˆ aneo ou n˜ ao); t´ opico de fala; e, em u ´ltima instˆancia, o pr´oprio indiv´ıduo, a depender de suas habilidades lingu´ısticas e de suas atitudes em rela¸ca˜o `as variedades em contato. Trata-se de um tema que levanta desafios de ordem te´orica e metodol´ogica, que s˜ ao discutidos a seguir.

2 Desafios ao estudo da fala de migrantes 2.1 A estabilidade lingu´ıstica da fala adulta Ainda que o construto te´ orico de mudan¸ca em tempo aparente (Labov, 2001b) tenha sido crucial no estudo da varia¸ca ao de padr˜ oes de ˜o e da mudan¸ca lingu´ıstica, atrav´es da compara¸c˜ usos vari´ aveis entre falantes de diferentes faixas et´ arias, uma s´erie de estudos tem come¸cado a investigar mais detalhadamente o pressuposto de que a fala adulta se estabiliza por volta da puberdade e reflete padr˜oes lingu´ısticos passados (Lenneberg 1967, apud Nycz 2011, Sankoff & Blondeau 2007). Estudos sociolingu´ısticos de painel, que se baseiam em amostras coletadas dos mesmos indiv´ıduos em diferentes momentos, apresentam quadros distintos (mas n˜ ao contradit´ orios) sobre a estabilidade de padr˜ oes ao longo do tempo. Paiva & Duarte (2003 : 28), ao resumir e avaliar os resultados das pesquisas que comparam padr˜oes de varia¸ca˜o nas amostras Censo 1980

2

e Censo 2000 do PEUL, constatam grande irregularidade no comportamento dos indiv´ıduos; enquanto alguns demonstram clara estabilidade do sistema lingu´ıstico nesse per´ıodo de 20 anos, outros apresentam mudan¸cas de natureza quantitativa e qualitativa, nem sempre sendo poss´ıvel identificar qual ou quais vari´aveis foram respons´aveis pela altera¸ca˜o (seja a pr´opria idade, sejam outros fatores como o aumento do n´ıvel de escolariza¸c˜ao ou o ingresso no mercado de trabalho). De modo semelhante, Sankoff & Blondeau (2007), em sua an´ alise da pron´ uncia de /r/ como apical [r] ou dorsal [R] no francˆes de 22 habitantes de Montr´eal no in´ıcio das d´ecadas de 1970 e de 1980, constataram mudan¸cas substanciais na fala de 9 de seus informantes, embora tamb´em tenham verificado estabilidade na fala de outros. Ainda que haja fortes evidˆencias contra a hip´ otese de Lenneberg sobre a estabiliza¸c˜ ao do sistema lingu´ıstico ap´os o per´ıodo cr´ıtico de aquisi¸c˜ao, ainda n˜ao se sabem quais fatores levam `a ado¸ca˜o ou a` rejei¸ca˜o de novos padr˜oes por parte de um indiv´ıduo adulto e quais novos padr˜oes s˜ao incorporados.

2.2 M´ ultiplas vari´ aveis independentes Os estudos sobre acomoda¸ca ˜o dialetal no Brasil, que vˆem sendo desenvolvidos principalmente na u ´ltima d´ecada, permitem nomear uma s´erie de vari´aveis que possivelmente se correlacionam com padr˜oes de ado¸ca ˜o de novas variantes lingu´ısticas. Um dos estudos pioneiros sobre o comportamento lingu´ıstico de migrantes ´e a pesquisa de Alves (1979), que se debru¸cou sobre as atitudes de 116 nordestinos (pernambucanos e baianos) residentes na cidade de S˜ ao Paulo, com rela¸ca as variedades nativas e paulistas. A partir de ˜o ` uma amostra estratificada em n´ıvel social (alto ou baixo), procedˆencia (PE ou BA), proveniˆencia (capital ou interior) e tempo de estada em S˜ ao Paulo (rec´em-chegados ou residentes h´ a mais de dois anos), a autora analisou qualitativa e quantitativamente as respostas dos indiv´ıduos a um question´ ario previamente elaborado, por meio do qual constatou que os falantes de n´ıvel socioeconˆ omico baixo tˆem atitudes positivas quanto ` as variedades paulistas, ao passo que os falantes de n´ıvel alto tendem a atitudes mais favor´ aveis quanto ` as variedades nativas. Al´em disso, Alves (1979) aventou a hip´ otese de que os falantes de n´ıvel baixo assumiriam tra¸cos lingu´ısticos de S˜ao Paulo como forma de “camuflar-se linguisticamente”, enquanto os falantes de n´ıvel alto tenderiam a manter os tra¸cos lingu´ısticos nativos; tal quest˜ao, contudo, ficou reservada para estudos futuros. Desde ent˜ao, alguns estudos passaram a analisar n˜ao s´o as atitudes, mas tamb´em a produ¸ca˜o lingu´ıstica de migrantes. A quest˜ao da valoriza¸c˜ao do dialeto de origem ou da nova localidade ´e indiretamente abordada por Chacon (2012) e Hora & Wetzels (2010, 2011) atrav´es da vari´ avel estilo (no sentido laboviano de “grau de aten¸ca˜o `a fala”; ver Labov 2001a). Em sua an´alise sobre a palataliza¸c˜ao de /s/ em coda medial na fala de 10 paulistas residentes em Jo˜ao Pessoa, Chacon (2012) verificou que o estilo de leitura favorece o emprego da realiza¸ca˜o alveolar t´ıpica do estado de S˜ ao Paulo, fato que a autora atribui ao maior prest´ıgio do dialeto nativo dos falantes em rela¸ca a variedade pessoense. De modo semelhante, em uma an´ alise qualitativa da realiza¸c˜ ao ˜o ` de /r/ em coda na fala de 4 paraibanos residentes em S˜ ao Paulo, Hora & Wetzels (2010, 2011)

3

previram a preferˆencia pelo tepe em estilo de leitura, como modo de se aproximar da variante de prest´ıgio local; no entanto, constataram que tal estilo parece favorecer a manuten¸c˜ ao da forma vernacular fricativa, de modo que os autores concluem que a hip´ otese de monitora¸ca ao se ˜o n˜ confirma. Contudo, diferentemente da interpreta¸c˜ao de Chacon (2012) e Hora & Wetzels (2010, 2011), ´e poss´ıvel que o estilo de leitura provoque a tendˆencia de recorrer n˜ ao ` a forma que os falantes consideram “de prest´ıgio”, mas sim `a forma de seu dialeto de origem. Bortoni-Ricardo (1985), por sua vez, analisou a fala de 33 mineiros estabelecidos em Bras´ılia, com ˆenfase no papel das redes sociais para explicar o desfavorecimento de tra¸cos lingu´ısticos tipicamente “rurais” ou “caipiras” (a vocaliza¸c˜ ao da lateral palatal /L/, monotonga¸c˜ ao de ditongos e a marca zero de concordˆ ancia verbal): aqueles com maior ´ındice de “integra¸c˜ ao” e “urbaniza¸c˜ao” apresentaram maior tendˆencia a empregar formas consideradas padr˜ao. Rodrigues (1987), que analisou a concorda ao Paulo, ˆncia verbal entre moradores de uma favela em S˜ considerou a fala de migrantes juntamente ` a de nativos da cidade. Os provenientes do interior de S˜ao Paulo, do Paran´a e do Nordeste favoreceram a marca zero de concordˆancia em primeira pessoa do plural, e aqueles do norte de Minas Gerais e sul da Bahia favoreceram-na em terceira pessoa do plural; em ambos os casos, os paulistanos foram os que menos tenderam a empregar a forma n˜ao padr˜ ao. Tanto Bortoni-Ricardo (1985) quanto Rodrigues (1987) verificaram, quanto ao sexo/gˆenero, o favorecimento das formas padr˜ao pelos falantes de sexo masculino, algo que as autoras atribuem a press˜oes do mercado de trabalho e `a consequente rede social dos migrantes nas grandes cidades: enquanto os homens geralmente exercem atividades profissionais fora do bairro em que residem e tˆem maior oportunidade de conviver com os moradores nativos, as mulheres costumam exercer atividades dom´esticas (como donas de casa ou faxineiras) e manter maior contato com parentes e vizinhos. Todavia, a manuten¸ca˜o das formas vernaculares pelas mulheres n˜ao ´e uma constante. Cardoso (2009), em estudo sobre a alternˆancia entre a forma imperativa associada ao indicativo (leva, traz, vem) ou ao subjuntivo (leve, traga, venha) em uma amostra de 11 cearenses (e seus descendentes) que vivem em Bras´ılia, constatou o desfavorecimento da forma associada ao subjuntivo, predominante nas localidades nordestinas, por seus informantes do sexo feminino. Alguns trabalhos assinalam o papel da idade ` a ´epoca da migra¸c˜ ao para a assimila¸c˜ ao de novos tra¸cos lingu´ısticos (p.ex., Bortoni-Ricardo 1985; Soares 2009) – quanto mais jovem, maior avel mais analisada ´e a tendˆencia de emprego de formas da nova localidade. Entretanto, a vari´ em estudos sobre a acomoda¸c˜ ao dialetal ´e o tempo de permanˆencia; constataram correla¸c˜ oes significativas as pesquisas de Leite (2004) (sobre a pron´ uncia de /-r/ em coda por 8 estudantes rio-pretenses em Campinas), Marques (2006) (sobre a realiza¸ca onicas ˜o de vogais m´edias pretˆ na fala de 21 paraibanos no Rio de Janeiro), Martins (2008) (sobre a realiza¸c˜ ao alveolar ou palatalizada de /ti/ e /di/ por 7 paraibanos no Rio de Janeiro), Lima & Lucena (2013) (sobre a pron´ uncia alveolar ou palatalizada de /s/ em coda na fala de 7 paraibanos em Recife), Bieler da Silva (2015) (sobre a realiza¸ca˜o de /r/ em coda n˜ao “protot´ıpicos”, tepe ou fricativa, na fala de Itanhandu, comunidade sul-mineira com forte contato e influˆencia dos estados de S˜ ao Paulo e Rio de Janeiro), e o estudo de Chacon (2012) mencionado anteriormente.

4

Por outro lado, Cardoso (2009) afirma n˜ ao verificar correla¸ca ˜o evidente entre o tempo de residˆencia em Bras´ılia e os percentuais de emprego da forma imperativa associada ao indicativo; enquanto dois falantes (Viv e Neu) que ali vivem h´ a 15 e 13 anos respectivamente apresentam forte tendˆencia ao emprego dessa forma verbal, outro falante que vive na cidade h´a 24 anos (Jes) a desfavorece fortemente. Em vez disso, a autora considera que o grau de identifica¸c˜ ao com a capital federal ´e preponderante para a preferˆencia pela forma imperativa associada ao indicativo. De fato, quest˜ oes de identidade s˜ ao frequentemente invocadas para explicar o comportamento lingu´ıstico dos migrantes. Entretanto, tais considera¸co ao raro s˜ ao tra¸cadas a partir de ˜es n˜ an´alises qualitativas de trechos de entrevistas, como uma explica¸c˜ao ad hoc para a manuten¸c˜ao de tra¸cos vernaculares por parte de falantes que migraram h´a muitos anos. Juntamente a`s vari´aveis sociais mencionadas, deve-se ressaltar o amplo espectro de varia¸c˜ao individual que normalmente se verifica na fala de migrantes. Mendes (2011), por exemplo, em an´ alise univariada sobre a pron´ uncia de /-r/ na fala de paraibanos em S˜ ao Paulo, reporta que as taxas de manuten¸ca ˜o da variante aspirada – em m´edia, 75% – variam individualmente de 56% (peso relativo .47) a 95% (P.R. .91). No estudo de Martins (2008), a m´edia de 64% de palataliza¸ca ˜o de /ti/ e /di/ na fala de seus 7 informantes paraibanos no Rio de Janeiro inclui taxas que v˜ ao de 33% (P.R. .10) ` a acomoda¸c˜ ao quase categ´ orica (98%, P.R. .95). Al´em desses autores, Bieler da Silva (2015) documenta tanto a manuten¸ca˜o categ´orica de retroflexos quanto o emprego quase categ´orico de fricativas (94%) na fala de diferentes informantes que emigraram de Itanhandu. A ausˆencia de consenso sobre o papel das vari´aveis classe social, estilo, sexo/gˆenero, idade de migra¸c˜ao, tempo de permanˆencia, identifica¸c˜ao, indiv´ıduo sinaliza a importˆancia de novos estudos que se dediquem a testar tais quest˜ oes sistematicamente, sobretudo em corpora com um maior n´ umero de falantes. Tal varia¸ca˜o certamente decorre da longa lista de vari´aveis que podem atuar no processo de acomoda¸c˜ ao dialetal; no entanto, o controle de todas elas atrav´es dos m´etodos tradicionais de estratifica¸ca atico. ˜o de amostras em estudos sociolingu´ısticos torna-se problem´ Tome-se como exemplo um estudo que se baseie em uma amostra estratificada em sexo/gˆenero, trˆes faixas et´ arias e dois n´ıveis de escolaridade, o que resulta em 12 perfis sociolingu´ısticos. As boas pr´ aticas da an´ alise variacionista recomendariam a obten¸c˜ ao de amostras com pelo menos 3 a 5 falantes por perfil social, a fim de garantir a ortogonalidade entre essas vari´ aveis,1 sua representatividade da comunidade sob estudo e a validade dos resultados de an´alises estat´ısticas (ver, p.ex., Guy & Zilles 2007; Tagliamonte 2011). Tal estudo, portanto, requereria uma amostra com no m´ınimo 36 informantes (3 falantes x 12 perfis). Controlar rigidamente um n´ umero maior de vari´ aveis (tempo de permanˆencia, identifica¸c˜ ao com local de origem, classe social, proveniˆencia rural ou urbana etc.) atrav´es desse m´etodo aumentaria o n´ umero m´ınimo de informantes geometricamente o que, em certa medida, acabaria inviabilizando a execu¸ca ˜o de pesquisas. 1

Duas vari´ aveis s˜ ao ortogonais quando suas variantes coocorrem livremente, ou seja, quando cada fator n˜ ao representa uma subcategoria de outro fator em outra vari´ avel. Por exemplo, uma amostra hipot´etica em que todos os homens tivessem menos de 25 anos e todas as mulheres mais de 30 anos n˜ ao permitiria verificar adequadamente o papel das vari´ aveis Sexo/Gˆenero e Faixa Et´ aria. Ver Guy & Zilles (2007 : 52–57).

5

Desse modo, a considera¸ca ultiplas vari´ aveis sociais, por um lado, ´e algo que parece ˜o de m´ imprescind´ıvel no estudo da fala de migrantes; no entanto, isso traz consigo a dificuldade em determinar se os padr˜oes de varia¸ca˜o observados se devem de fato a`s vari´aveis inclu´ıdas na an´alise estat´ıstica ou se podem ser mais propriamente atribu´ıdos a` contribui¸c˜ao de falantes individuais espec´ıficos (seja pela atua¸c˜ao de vari´aveis n˜ao controladas na estratifica¸c˜ao da amostra, seja por idiossincrasias).

2.3 M´ ultiplas vari´ aveis dependentes A maioria dos estudos sobre acomoda¸ca˜o dialetal, como se viu na subse¸c˜ao anterior, dedica-se a uma u ´nica vari´avel sociolingu´ıstica. No entanto, o fato de que um indiv´ıduo tenha se acomodado a um tra¸co caracter´ıstico da comunidade anfitri˜a n˜ao necessariamente implica que tenha ocorrido um processo global de acomoda¸ca ˜o. Um exemplo desse cen´ ario ´e dado pelo estudo de Nycz (2011), que analisou a fala de 17 canadenses que residem na regi˜ao da cidade de Nova Iorque. Esse estudo se debru¸ca sobre duas vari´ aveis cujas variantes distinguem os dialetos: a realiza¸ca ˜o de palavras como cot ‘ber¸co’ e caught (forma pret´erita do verbo catch ‘pegar, prender’), hom´ ofonas na variedade canadense mas distintas no inglˆes de Nova Iorque ([A] vs. [O], respectivamente); e o chamado ‘al¸camento canadense’ do ditongo /aw/, em palavras como house ‘casa’, tipicamente realizado de modo centralizado no Canad´ a [@w]. Nycz (2011) constatou que a maioria dos falantes adquiriu a distin¸ca uncia mais abaixada do n´ ucleo de /aw/; no entanto, ˜o entre cot/caught e uma pron´ quanto a avel, itens lexicais espec´ıficos como out e about – estereot´ıpicos para fazer `u ´ltima vari´ referˆencia `a pron´ uncia canadense – revelam maior resistˆencia `a acomoda¸c˜ao. Ademais, verificou que os falantes que apresentaram maior grau de acomoda¸c˜ ao quanto ` a distin¸c˜ ao cot/caught s˜ ao tamb´em aqueles que menos se acomodaram ao abaixamento de /aw/. A autora interpreta que os falantes podem “manipular” (conscientemente ou n˜ ao) certas vari´ aveis lingu´ısticas para sinalizar uma identidade distinta, sobretudo atrav´es de certos itens lexicais, ao mesmo tempo que se acomodam a outros tantos tra¸cos lingu´ısticos da nova comunidade. Deve-se questionar, portanto, se diferentes vari´ aveis passam por um mesmo processo de acomoda¸ca˜o, ou se h´a tra¸cos mais propensos `a assimila¸c˜ao dialetal em rela¸c˜ao a outros. Se este for o caso, cabe examinar se h´ a uma tipologia de vari´ aveis – que podem se diferenciar quanto ao grau de consciˆencia dos falantes, quanto ` a dire¸c˜ ao da regra vari´ avel etc. – que propiciam ou inibem a mudan¸ca na fala individual, bem como se diferentes falantes tendem a exibir os mesmos processos de acomoda¸ca ultiplas vari´aveis dependentes. ˜o com rela¸c˜ao a m´ At´e o momento, a presente pesquisa tem se debru¸cado sobre a an´alise da realiza¸c˜ao vari´avel de vogais m´edias pretˆ onicas, em palavras como rel´ ogio e roseira. Entretanto, j´ a se prevˆe a necessidade de que se desenvolvam futuramente estudos sobre outras vari´aveis–p.ex., a pron´ uncia vari´avel de /r/ em coda sil´abica, como em porta e mulher ; a palataliza¸ca˜o de /ti/ e /di/, como em tia e dia; a concordˆancia nominal, como em as casas vs. as casa; a alternˆancia entre a forma derivada do indicativo ou do subjuntivo para a express˜ao do modo imperativo, como em traz vs. traga; entre outras.

6

3 M´ etodos propostos Diante das quest˜oes expostas acima, a presente pesquisa tem empregado os respectivos m´etodos para abord´ a-los:

3.1 Grande n´ umero de vari´ aveis independentes e ampla varia¸c˜ ao entre indiv´ıduos O modelo de regress˜ao log´ıstica utilizado no programa Varbrul (Robinson et al., 2001) requer a ortogonalidade entre os grupos de fatores para que se possa confiar nos resultados das an´ alises estat´ısticas, o que dificulta a verifica¸ca˜o adequada do papel de cada vari´avel inclu´ıda no modelo. Al´em disso, a ampla variabilidade entre falantes traz o questionamento sobre se os resultados das an´ alises foram enviesados pela contribui¸ca ˜o de um ou poucos indiv´ıduos com comportamento idiossincr´atico. Tais tipos de dados podem ser mais bem analisados atrav´es de modelos de efeitos mistos (Baayen, 2008; Johnson, 2009; Tagliamonte, 2011; Oushiro, 2015) na plataforma R (R Core Team, 2015), que permitem a inclus˜ ao de dois tipos de vari´ aveis no modelo estat´ıstico: efeitos fixos e efeitos aleat´ orios. Os primeiros s˜ ao vari´ aveis cujos exemplares da amostra s˜ ao representativos da popula¸ca˜o amostrada, como o sexo, o n´ıvel de escolaridade do informante, ou a classe morfol´ogica da palavra. Tais vari´aveis e seus respectivos fatores podem ser replicados em outros estudos. J´ a os efeitos aleat´ orios referem-se a vari´ aveis espec´ıficas da amostra analisada, como, por exemplo, os indiv´ıduos que foram aleatoriamente selecionados. A inclus˜ao de efeitos aleat´orios no modelo estat´ıstico permite verificar se as correla¸c˜oes observadas se devem aos efeitos fixos ou se possivelmente se devem a` contribui¸c˜ao casual de certos indiv´ıduos que eventualmente se comportam de modo distinto da popula¸c˜ ao em geral. Assim, a constata¸c˜ ao de correla¸c˜ ao com uma vari´ avel independente dentro de um modelo de efeitos mistos permite concluir, de modo relativamente mais confi´ avel, que tal vari´ avel de fato tem um papel na varia¸ca ˜o, o que gera modelos mais apropriados da acomoda¸c˜ao dialetal.

3.2 An´ alise de vari´ aveis cont´ınuas A realiza¸ca onicas ´e normalmente analisada como uma vari´ avel bin´ aria ˜o das vogais m´edias pretˆ ou tern´ aria (vogal m´edia alta [e, o], vogal al¸cada [i, u], vogal abaixada [E, O]), codificada de oitiva pelo pesquisador. Tal pr´ atica se deve a uma limita¸ca ˜o do programa Varbrul, que requer que as vari´aveis (dependente ou independentes) sejam codificadas em fatores (A, B, C etc.), ou seja, como vari´ aveis nominais, como se fossem discretas. No entanto, em situa¸ca ˜o de contato dialetal, ´e poss´ıvel imaginar que um migrante nordestino no sudeste passe a produzir vogais m´edias relativamente mais altas do que as de seu dialeto de origem, ainda que relativamente mais baixas do que as dos falantes da comunidade anfitri˜ a. De experiˆencias cotidianas, n˜ ao ´e raro ouvir casos de migrantes que dizem ter sido admoestados por conterrˆaneos pelo fato de ter “mudado seu modo de falar” mas que, para os ouvidos da nova comunidade, ainda tˆem “um forte sotaque”. A altura das vogais constitui, na realidade, uma vari´ avel cont´ınua (definida principalmente pelas medidas do primeiro e do segundo formante em Hertz), com uma s´erie

7

de graus intermedi´ arios entre as vogais protot´ıpicas do portuguˆes. Uma an´ alise que considere as medidas dos formantes em vez de uma classifica¸c˜ ao tern´ aria das vogais pode refletir mais adequadamente diferentes graus de acomoda¸ca˜o dialetal. Para tanto, esta pesquisa tem utilizado scripts no programa Praat (Boersma & Weenink, 2014) para medi¸c˜ao e extra¸c˜ao autom´atica de formantes das vogais m´edias pretˆ onicas, a t´ecnica de normaliza¸c˜ ao de vogais desenvolvida por Lobanov (1971) (a fim de que o espa¸co voc´ alico de diferentes falantes possa ser comparado), e a plataforma R (R Core Team, 2015) para a realiza¸ca alises estat´ısticas com vari´ aveis ˜o de an´ cont´ınuas.

3.3 Como medir o grau de acomoda¸c˜ ao dialetal Sabendo-se que o sistema lingu´ıstico ´e inerentemente vari´ avel (Weinreich et al., 2006 [1968]) entre comunidades, entre indiv´ıduos e na fala de uma mesma pessoa, a simples presen¸ca de certas variantes lingu´ısticas n˜ao ´e suficiente para medir a acomoda¸c˜ao dialetal. Como parˆametros para avaliar o grau de acomoda¸ca a realiza¸c˜ ao de vogais m´edias pretˆ onicas, tˆem sido ˜o quanto ` utilizadas cartas dialetol´ogicas do Projeto Atlas Lingu´ıstico do Brasil (Cardoso & Mota, 2012), descri¸co avel (Pereira, 1997, 2010) e padr˜ oes de varia¸ca ˜es sociolingu´ısticas sobre essa vari´ ˜o encontrados nas variedades das comunidades anfitri˜ as (ver Yacovenco 1993; Marques 2006 e se¸ca˜o 4).

3.4 O encaixamento simultˆ aneo de m´ ultiplas vari´ aveis dependentes Conforme se indicou anteriormente, ´e poss´ıvel que o processo de acomoda¸c˜ ao dialetal ocorra diferentemente a depender da pr´opria vari´avel sociolingu´ıstica sob investiga¸c˜ao. O encaixamento simultˆaneo de diferentes vari´aveis ser´a futuramente examinado atrav´es de an´alises de covaria¸c˜ao, baseando-se em m´etodos desenvolvidos por Guy (2013) e Oushiro (2015, 2016b). Diferentemente de an´alises de correla¸c˜ao entre uma vari´avel dependente e um conjunto de vari´aveis independentes, a an´alise de covaria¸ca˜o examina rela¸c˜oes entre vari´aveis dependentes. Isso permitir´a vislumbrar se os falantes tendem a manter tra¸cos lingu´ısticos da regi˜ ao de origem conjuntamente (p.ex., a realiza¸ca onicas, a realiza¸c˜ ao fricativa de /r/, a pron´ uncia ˜o mais baixa de vogais m´edias pretˆ oclusiva de /ti/ e /di/, taxas relativamente mais baixas de concorda ˆncia nominal e mais altas da forma derivada do subjuntivo para expressar o modo imperativo), ou se tais vari´aveis passam por processos distintos de acomoda¸ca a avaliar quais fatores ˜o. Se o caso for este u ´ltimo, caber´ lingu´ısticos e sociais condicionam a manuten¸c˜ao ou o afastamento de certos tra¸cos lingu´ısticos.

4 Resultados iniciais da aplica¸c˜ ao dos m´ etodos At´e o momento, analisou-se a realiza¸ca onicas na fala de seis migrantes ˜o de vogais m´edias pretˆ paraibanos residentes no Rio de Janeiro e seis paraibanos residentes em S˜ ao Paulo, em compara¸ca oes de fala de um mesmo n´ umero de indiv´ıduos nativos e com perfis sociais ˜o com padr˜

8

semelhantes (sobretudo quanto ao grau de escolariza¸ca˜o e faixa et´aria).2 Trata-se de um estudo piloto que permitiu sistematizar procedimentos e fazer uma primeira avalia¸c˜ ao dos m´etodos propostos. O Quadro 1 resume as informa¸co onimo, ˜es sobre os participantes paraibanos: seu pseudˆ sexo/gˆenero, idade, grau de escolaridade, idade no momento da migra¸c˜ ao e h´ a quantos anos vivem nas respectivas capitais do sudeste. As grava¸co˜es com migrantes paraibanos na cidade de S˜ ao Paulo foram coletadas em 2009 pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Sociolingu´ıstica da USP (Amostra PBSP), e aquelas com migrantes residentes no Rio de Janeiro foram coletadas pela autora em 2015. PBRJ

PBSP

Informante RosalindaF JoanaA TatianeE RonaldoS Jo˜ aoC MartaS JosaneV MarinalvaS Josu´eO Jo˜ aoS HenriqueA PedroC

Sexo F F F M M F F F M M M M

Idade 43 41 29 31 42 32 37 39 30 31 42 36

Escolaridade Fundamental I Fundamental I analfabeta Fundamental II Fundamental I Fundamental I M´edio Fundamental I M´edio Fundamental I M´edio Fundamental I

Migra¸ c˜ ao 25 12 19 16 17 18 21 18 15 14 17 13

Anos no SE 18 29 10 15 25 14 16 21 15 17 25 23

Quadro 1: Informantes paraibanos das amostras PBRJ e PBSP O conjunto de grava¸co a ˜es com falantes nativos foi organizado a partir das amostras j´ 3 dispon´ıveis do PEUL, coletadas no in´ıcio dos anos 2000 (Paiva & Duarte, 2003), e do Projeto SP2010, cuja coleta ocorreu no biˆenio 2012–2013 (Mendes & Oushiro, 2012).4 As grava¸c˜ oes 5 selecionadas se encontram no Quadro 2. Desse modo, a amostra analisada se constitui de 25 informantes (13 nativos e 12 paraibanos), balanceados quanto ao sexo/gˆenero (12 mulheres e 13 homens) e com perfis sociais semelhantes: idade de 30 a 49 anos e escolaridade at´e, no m´aximo, o Ensino M´edio. Sabendo-se que certas vogais m´edias pretˆ onicas tamb´em podem ser realizadas com o tra¸co [+alto] na variedade paraibana (p.ex. [mi."ni.nU]), o envelope de varia¸c˜ ao desta an´ alise se delimitou pelos contextos em que h´a maior tendˆencia `a realiza¸c˜ao [-alta] dessas vogais, de acordo com o estudo de Pereira (2010) sobre a fala pessoense: vogais em s´ılabas pretˆonicas cuja s´ılaba seguinte cont´em uma vogal oral [-alta] /a, E, O/ (como em rel´ ogio, moradia), um ditongo oral /aw, Ew, Ow/ (como em geral, totalmente), uma vogal nasal ou nasalizada [-alta] /˜a, ˜e, ˜o/ (como 2

Os resultados que seguem s˜ ao fruto do est´ agio de p´ os-doutorado, realizado pela autora entre junho/2015 a fevereiro/2016 no Departamento de Lingu´ıstica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com bolsa do Programa Nacional de P´ os-Doutorado da CAPES, sob supervis˜ ao da professora Christina A. Gomes. Na continuidade dessa pesquisa, a autora tem trabalhado com novos materiais coletados na Grande S˜ ao Paulo e Grande Campinas. 3 ´ Dispon´ıvel em http://www.letras.ufrj.br/peul/censo%202000.html. Ultimo acesso em 14/04/2016. 4 ´ Dispon´ıvel em http://projetosp2010.fflch.usp.br/corpus. Ultimo acesso em 14/04/2016. 5 Nas grava¸c˜ oes do PEUL, os informantes s˜ ao identificados pelo n´ umero da grava¸c˜ ao e as iniciais de seus nomes; na amostra SP2010, os falantes s˜ ao identificados por pseudˆ onimos.

9

PEUL

SP2010

Informante 16-Car 17-Sim 18-Luc 19-Jor 20-Rei 22-Ana AliceM AnaS RenataC RobsonF NelsonF MauricioB LucianoT

Sexo M F F M M F F F F M M M M

Idade 48 27 49 37 47 34 30 32 35 31 37 36 39

Escolaridade Fundamental II Fundamental II Fundamental II M´edio Fundamental II M´edio M´edio M´edio M´edio M´edio M´edio M´edio M´edio

Quadro 2: Informantes nativos das amostras PEUL e SP2010 em sessenta, problema) ou um ditongo nasal /˜ aw/ ˜ (como em impress˜ ao, port˜ ao). De modo similar a Pereira (2010), inclu´ıram-se apenas vogais em s´ılabas com ataque sil´abico (CV, CVC, CCV, CCVC) – ou seja, n˜ao se incluem dados como o primeiro /e/ de “elefante” –, e tampouco se inclu´ıram vogais em hiatos (p.ex. realmente), em prefixos (p.ex. refazer ), e em nomes pr´ oprios de pessoas (p.ex. Renato, mas se mantiveram dados como Pernambuco e Nordeste). Evitou-se tamb´em recolhˆe-las quando seguidas de consoantes nasais (p.ex. rem´edio), contexto que desfavorece o tra¸co [-alto], embora algumas dessas ocorrˆencias tenham sido extra´ıdas a fim de garantir um n´ umero m´ınimo de dados por falantes. Para cada um dos 25 informantes, marcaram-se 50 ocorrˆencias de vogais /e/ e /o/ pretˆ onicas ou o m´ aximo poss´ıvel de dados que cumpriam os crit´erios acima (ver Tabela 1; alguns falantes tˆem um menor n´ umero de ocorrˆencias). Al´em das vogais m´edias, tamb´em foram marcados e extra´ıdos 30 dados (ou tantos quanto de fato ocorreram na grava¸ca˜o) de cada uma das vogais /a/, /i/ e /u/ em posi¸c˜ao pretˆonica, para cada um dos informantes, com o intuito de estabelecer um quadro de seus respectivos espa¸cos voc´ alicos nessa posi¸ca ao apenas o crit´erio ˜o acentual. Para essas vogais, levou-se em considera¸c˜ de que houvessem ocorrido em s´ılaba com ataque sil´abico e fora de hiato. A partir desses crit´erios, analisa-se um total de 4.683 ocorrˆencias de vogais pretˆ onicas, das quais 2.449 s˜ ao de vogais m´edias /e/ e /o/. As medidas de F1 e F2 foram utilizadas para calcular a posi¸ca ˜o m´edia de cada vogal por falante e por amostra (ver figuras adiante). Como vari´avel dependente, utilizou-se a medida de F1 (altura) no ponto m´edio (50%) da vogal. As an´alises multivariadas inclu´ıram as vari´aveis lingu´ısticas (i) Contexto Fˆonico Precedente (codificada, seguindo Pereira 2010, de acordo com o ponto de articula¸c˜ao dental-alveolar, labial, velar, palatal, sibilante6 e vibrante posterior); (ii) Contexto Fˆonico Seguinte (tamb´em codificada de acordo com ponto de articula¸c˜ao); (iii) F1 da Vogal da S´ılaba Seguinte (em Hz);7 (iv) Vogal 6

Pode-se questionar a separa¸c˜ ao de sibilantes /s/ e /z/ das demais consoantes dental-alveolares; para este estudo, no entanto, ´e prefer´ıvel manter a comparabilidade dos resultados com os de Pereira (2010). 7 Note-se que, diferentemente de estudos pr´evios que se debru¸caram sobre “Vogal da S´ılaba Seguinte” (/a/, /E/, /O/ etc.), esta pesquisa analisa essa vari´ avel de modo cont´ınuo.

10

Tabela 1: Total de dados analisados Amostra PBRJ

PBSP

PEUL

SP2010

Total

Informante JoanaA JoaoC RonaldoS RosalindaF TatianeE HenriqueA JoaoS JosaneV JosueO MarinalvaS MartaS PedroC AnaCristina Carlos Jorge Lucia Reinaldo Simone AliceM AnaS LucianoT MauricioB NelsonF RenataC RobsonF

(a) 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 750

(e) 49 50 50 51 50 46 51 50 50 50 51 50 49 51 49 51 50 50 50 50 50 50 50 50 50 1248

(i) 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 750

(o) 49 50 50 51 50 18 42 43 50 50 50 49 49 50 50 50 50 50 51 51 50 49 49 50 50 1201

(u) 30 30 30 30 30 14 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 30 734

Total 188 190 190 192 190 138 183 183 190 190 191 189 188 191 189 191 190 190 191 191 190 189 189 190 190 4683

Toˆnica; (v) Distaˆncia da Vogal Toˆnica (de 1 a 5 s´ılabas);8 e (vi) Estrutura da S´ılaba Pretoˆnica (CV, CVC, CCV, CCVC). Nos modelos em que se analisou a fala de paraibanos (amostras PBRJ ou PBSP), inclu´ıram-se as vari´aveis sociais Sexo/Gˆenero, Idade de Chegada e Anos na Capital; nos modelos que inclu´ıram as amostras PEUL ou SP2010, manteve-se apenas Sexo/Gˆenero e exclu´ıram-se, evidentemente, as vari´ aveis que se aplicam apenas a paraibanos. No entanto, apenas as vari´aveis F1 da Vogal da S´ılaba Seguinte e Contexto Fˆonico Precedente se mostraram significativamente correlacionadas com a altura das vogais m´edias pretˆ onicas nessas amostras, diferentemente do que verificaram estudos pr´evios (p.ex., Yacovenco 1993; Marques 2006; Pereira 2010). Desse modo, a an´ alise reportada adiante se concentra nos resultados das compara¸co ˜es 9 globais entre as amostras e dos padr˜ oes de cada indiv´ıduo.

4.1 An´ alises globais: compara¸co ˜es entre amostras A Figura 1 apresenta a posi¸ca ˜o m´edia das cinco vogais preto ˆnicas em cada uma das quatro amostras – PEUL, SP2010, PBRJ e PBSP –, representadas, respectivamente, pelas cores preta, 8

Tamb´em analisada como vari´ avel cont´ınua. Para uma an´ alise mais detalhada, incluindo os resultados para vari´ aveis lingu´ısticas e sociais, ver Oushiro (2016a). 9

11

azul, vermelha e verde. O eixo y se refere `as medidas de F1 e o eixo x a`s medidas de F2, e ambos tˆem seus valores invertidos (valores menores acima e ` a direita) para refletir adequadamente o posicionamento relativo de cada vogal de acordo com conven¸ca ˜o do IPA (p.ex., a vogal [+alta, -anterior] /u/, que tende a valores mais baixos de F1 e de F2, apresenta-se no canto superior ` esquerda se encontra o quadro voc´alico com vogais n˜ao normalizadas (i.e., com suas direito). A medidas brutas de F1 e F2), e a ` direita se apresenta o mesmo quadro em que as medidas dos dois formantes foram normalizadas de acordo com o m´etodo de Lobanov (1971).

Figura 1: Compara¸c˜ao de m´edias de F1/F2 de vogais pretˆonicas nas quatro amostras (esq.: vogais n˜ ao normalizadas; dir.: vogais normalizadas)

Note-se que a diferen¸ca entre a posi¸ca ˜o m´edia das vogais ´e muito maior no quadro em que as vogais n˜ ao foram normalizadas. No quadro a ` esquerda, as vogais /e/ e /o/ apresentam-se “mais acima” para as amostras PEUL e SP2010, com valores mais baixos de F1 (pr´oximos a 500 Hz), em compara¸ca ˜o com as amostras de paraibanos, em que as medidas de F1 se aproximam de 600 Hz. Isso est´ a de acordo com a expectativa de que os paraibanos produzam vogais m´edias relativamente mais baixas do que os nativos do sudeste. Tais diferen¸cas, no entanto, s˜ao parcialmente neutralizadas quando se aplica a normaliza¸ca ˜o de Lobanov. Enquanto as vogais /e/ e /o/ dos cariocas parecem se juntar `a dos paraibanos, essas vogais permanecem com valores mais baixos de F1 para os paulistanos. Contudo, cabe examinar se tais diferen¸cas s˜ ao significativas. Realizaram-se, desse modo, quatro an´ alises iniciais em que se testou se o valor m´edio de F1 para cada amostra difere para as vogais /e/ e /o/, quando normalizadas ou n˜ao. A Tabela 4 apresenta os resultados do modelo de regress˜ ao linear para a vogal pretˆ onica /e/, que incluiu a vari´ avel Amostra como efeito fixo e as vari´ aveis Informante e Item Lexical como efeitos aleat´ orios. Como se trata de modelo ainda pouco usual na Sociolingu´ıstica brasileira, cabem inicialmente algumas considera¸co˜es sobre sua leitura e interpreta¸c˜ ao. A tabela apresenta, em sua primeira coluna, os n´ıveis da vari´ avel independente fixa; o valor de Intercept se refere ao n´ıvel de referˆencia que, nesta an´ alise, foi estabelecido como “PEUL”. A segunda coluna apresenta as medidas estimadas para a vari´ avel 12

dependente (valores de F1), em sua unidade de an´alise (Hz). Desse modo, a estimativa de valor m´edio de F1 da vogal /e/ para os cariocas ´e de 497,2 Hz. Os demais valores de estimativas devem ser lidos com referˆencia ao intercept; para os paulistanos, a estimativa de valor m´edio de F1 da vogal /e/ ´e 12,4 Hz abaixo da estimativa para os cariocas, ou seja, 497,2 – 12,4 = 484,8 Hz. A apresenta¸c˜ ao de resultados na forma de diferen¸cas em rela¸c˜ ao ao intercept em vez dos valores estimados em si permite verificar, rapidamente, o quanto tal valor difere de zero: se a estimativa for nula (ou pr´oxima dela), isso significa que as estimativas s˜ao praticamente idˆenticas `a do intercept; ou, visto de outro modo, que provavelmente n˜ao h´a diferen¸ca significativa. Tabela 2: Estimativas (em Hz) de valores de F1 para vogais /e/ pretˆonicas nas quatro amostras (N = 1.248)

(Intercept) SP2010 PBRJ PBSP

Estimativa 497,216 -12,382 67,896 87,151

Erro padr˜ao 81,157 114,715 89,111 86,909

Valor de t 6,127 -0,108 0,762 1,003

Significˆancia (p)
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.