NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL: Um Estudo Descritivo da Firma sob a ótica dos Custos de Transação

August 10, 2017 | Autor: Camila Josino | Categoria: New Institutionalism
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, ATUÁRIA E CONTABILIDADE

Camila Josino

NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL: Um Estudo Descritivo da Firma sob a ótica dos Custos de Transação

Fortaleza 2014

CAMILA JOSINO

NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL: Um Estudo Descritivo da Firma sob a ótica dos Custos de Transação

Monografia apresentada ao Curso de Ciências Econômicas da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas.

Orientador: Prof. Jair do Amaral Filho

Fortaleza 2014

CAMILA JOSINO

NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL: Um Estudo Descritivo da Firma sob a ótica dos Custos de Transação

Monografia apresentada ao Curso de Ciências Econômicas da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas.

Aprovada em ___/___/______. BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Jair do Amaral Filho, Ph.D. (Orientador) Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________ Profa. Dr. Marcelo de Castro Callado Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________ Profa. Ma. Karla Teixeira Machado da Silva Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS)

A minha mãe e a meu pai, pelo investimento, pela dedicação e por estar ciente de que este pequeno passo lhes representa inestimável felicidade, a cada um de maneira particular.

AGRADECIMENTO

Quaisquer palavras de agradecimento não estariam a altura da estima, do respeito e da enorme gratidão que sinto neste momento. Mas dedico este espaço a fazer menção, mais uma entre muitas de todos que fortuitamente puderam ser seus alunos, em homenagem ao Prof. Marcelo de Castro Callado e ao Prof. Jair do Amaral Filho. Ao professor Callado, cuja breve e encantadora experiencia como sua aluna, agora se lapida com este reencontro. Minha admiração por seu importante exemplo de comprometimento com a universidade e pela a clareza em sua didática somente puderam dar lugar à gratidão a sua generosidade em me conceder uma chance para encerrar meus estudos acadêmicos e tê-lo como avaliador em minha banca. Ao professor Jair do Amaral, responsável por muitas memórias de desafios na construção de conhecimento. Alguns tem a sorte de terem em seu caminho pessoas que lhes tiveram uma confiança maior que elas mesmas tivessem em si. E este papel prof. Jair desempenhou para mim. Tamanha foi minha felicidade quando aceitou me guiar na escolha do tema e moldar, com liberdade criativa, o desenvolvimento desta obra. Também à minha amiga professora Karla Machado, uma economista que segue seus sonhos, agradeço pelo tempo dispendido em participar da banca avaliadora e, mais que nada, ao apoio, aos questionamentos, bem como as repreensões.

“...complexity can and often does serve as an inducement rather than a deterrent.” (Oliver E. Williamson)

RESUMO O presente trabalho mantem o propósito central de esboçar o núcleo teórico da Economia dos Custos de Transação por meio de pesquisa descritiva realizada em sua literatura de base. Sucessivos contrastes com as definições e pressupostos neoclássicos foram amplamente empregados, bem como uma pontual utilização de elementos de outras ciências, a Contabilidade e o Direito, de modo a conferir caráter mais robusto às suas principais proposições. No início, os antecedentes históricos desta Escola serão apresentados juntamente com as premissas fundamentais, estabelecidas por Oliver E. Williamson, sobre a dimensão das instituições para a análise social e econômica. Posteriormente, abordam-se os detalhes da natureza da firma assim como a definição de custos de transação. Segue-se com uma análise da natureza dos indivíduos e das relações que estabelecem entre si no contexto das trocas em economias capitalistas, em outras palavras: o comportamento dos agentes e estruturas de governança nas relações contratuais. A análise será consolidada com a exposição dos principais propulsores e revéses dos esforços de verticalização das firmas como estratégia corporativa.

Palavras-chave: novo institucionalismo - contratos - agentes contratuais - teoria da agência - governança - verticalização

ABSTRACT The present work holds the central purpose of outlining the theoretical core of Transaction Cost Economics by descriptive research carried out throughout its basic literature. Successive contrasts with neoclassical definitions and assumptions have been widely employed, as well as the brief usage of specific elements from other sciences, accounting and law, in order to grant robustness to the main propositions. At the outset, the historical antecedents of this school shall be presented along with its fundamental premises, established by Oliver E. Williamson, about the dimension of institutions for economic and social analysis. Later, we approach the details of the nature of the firm and also the definition of transaction costs. Following with an analysis on the nature of the individuals and the relationships they establish among each other in the context of trade in capitalistic economies, in other terms: the behavior of agents and structures of governance in contractual relations. The analysis gets consolidated with the exposure of the main propellers and setbacks of verticalization efforts of firms as corporate strategy.

Keywords: new institutionalism - transaction costs - contracts - contractual agents theory of agency - governance - verticalization

SUMÁRIO 1

INTRODUÇÃO.........................................................................................................9

2

A ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO: EVOLUÇÃO E PRINCIPAIS CONCEITOS DO NOVO INSTITUCIONALISMO.............................................11

2.1

Antecedentes e Consolidação da Literatura........................................................11

2.1.1 Raízes e Diferenciação do “Velho Institucionalismo”............................................11 2.1.2 Evolução Histórica da Literatura da Economia dos Custos de Transação...........14 2.2

Estrutura Normativa.............................................................................................14

2.2.1 As Quatro Esferas da Análise Social....................................................................16 2.2.2 A Firma.................................................................................................................20 2.2.3

Custos de Transação...........................................................................................24

3

O CONTRATO, O PAPEL DOS AGENTES CONTRATUAIS E AS ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA..............................................................................................27

3.1

Visão Geral de Contratos e Governança das Transações..................................27

3.1.1 Formações de Trocas (Esquema simplificado de Contratos)...............................27 3.1.2

Dimensões dos Contratos....................................................................................31

3.1.2.1 Especificidade de ativos......................................................................................31 3.1.2.2 Incerteza..............................................................................................................35 3.1.2.3 Frequência...........................................................................................................37 3.2

Pressupostos Comportamentais dos Agentes.....................................................37

3.2.1

Racionalidade (Rationality)..................................................................................38

3.2.2

Orientação pelo interesse individual (Self interest orientation)............................39

3.3

Estruturas de governança...................................................................................41

4

INTEGRAÇÃO VERTICAL..................................................................................45

4.1

Interações de mercado e incentivos à verticalização..........................................45

4.1.1

Tratamento instrumental de contratos................................................................45

4.1.2 Modelo heurístico de integração vertical..............................................................49 4.1.3 4.2

Fronteiras de eficiência........................................................................................52 Conflitos principal-agente e contraponto à Agency Theory...................................54

CONCLUSÃO..................................................................................................................58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................60

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INTRODUÇÃO O objetivo central deste trabalho é promover a compreensão detalhada dos principais conceitos da Economia de Custos de Transação. Tratar-se-á de construir este conhecimento acerca da firma, dos agentes, das relações contratuais, abordagem do mercado e estratégias de verticalização das firmas analisando as obras dos autores precurssores desta corrente da Nova Economia Institucional, bem como produções literárias sobre tais publicações, emitidas, inclusive por instituições acadêmicas no Brasil. A base teórica sobre a qual esta pesquisa se debruça encontra-se no artigo The Nature of the Firm de Ronald H. Coase, publicado em 1937, e o livro The Economic Institutions of Capitalism de Oliver E. Williamson, publicado em 1985, sendo que este último, por sua vez, faz do primeiro forte e amiúde referência teórica como marco conceitual. O artigo de Coase causou ruptura na tradição institucionalista (velho institucionalismo) na medida que tratou as instituições como conseqüência da ação individual - indivíduos racionais exercitando suas faculdades em busca da melhor alternativa de consumo; e a firma, por sua vez, como um sistema de organização interna, coordenado pelo empreendedor. No primeiro capítulo, procurar-se-á percorrer os meandros que respondem ao questionamento proposto por Coase sobre a razão de existência da firma: por que haveria a necessidade de uma estrutura para realização de trocas entre agentes e que essas estruturas fossem coordenadas por algum gerente, já que a única força suficiente de coordenação explicativa para o mercado (até então) era o mecanismo de preços? Além disso, nenhum indivíduo pagaria para ter seu trabalho tolhido por outrem por preferência pessoal em ocupar a posição de “subordinado” e própria realidade mostra que tampouco alguém dispenderia dinheiro para exercer tal papel. Por meio da análise de Williamson, serão exploradas as relações que culminam nas formações não convencionais de contratos, suplantando a definição de firma como função de produção, convertendo-a a uma função de governança.

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Mas como são firmadas as relações de governança e qual o grau de complexidade e propensão a conflito entre os agentes que se efetivam parceiros? Na busca por explicar-se este acabouço, surge o conceito de custos de transação. Partindo da ideia de que os empreendedores buscam tomar a melhor decisão para alocação dos recursos da firma, no entanto, não o fazem cientes de toda a informação disponível (bounded rationality). Novamente, cada um dos agentes envolvidos trata de sacar o maior proveito na relação custo-benefício e espera que sua contrapartida mantenha sempre o mesmo propósito. Dessa forma, cada flanco contratual pode se converter em uma oportunidade de ganho individual máximo para um dos agentes em detrimento do maior ganho coletivo possível. Reconhece-se que os agentes são oportunistas e que, portanto, a relação que estabelecem deve refletir um nível de conforto e segurança para que sua respectiva contrapartida não seja estimulada a também buscar a mesma priorização individual. As premissas comportamentais, bem como as dimensões dos contratos e estruturas de governanças resultantes serão tema do capítulo 2. É fácil ver que todo este arcabouço de salvaguardas e transparência, numa palavra: governança, apresenta um custo, o custo de transação. Pelo exposto acima, pode-se constatar que os custos de transação se relacionam intimamente com o fato de a aquisição de insumos ser estabelecida por uma relação entre o vendedor e comprador nas quais cada agente se torna relevante um para outro; a relação é estabelecida em patamar acima da aquisição entre agentes no mercado de fatores. Parte-se dos custos de transação e da estruturação da governança entre os agentes oportunistas, o leitor é confrontado com a inevitável questão de o quanto a firma pode crescer para ter em si mesma as relações produtivas, ou seja, sob suas diretrizes orgacionais e políticas toda a cadeia de produção, quais seriam os limites para o crescimento da firma? Aqui vale a pena deter-se ao fato de que a verticalização, tema do terceiro capítulo, não é explicada pelo monopólio para a Nova Economia Institucional (NEI). Note-se que a unidade básica continua sendo a transação e é reforçado o foco na governança.

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1 A ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO: EVOLUÇÃO E PRINCIPAIS CONCEITOS DO NOVO INSTITUCIONALISMO Modern institutional economics should study man as he is, acting within the constraints imposed by real institutions. Modern institutional economics is economics as it ought to be. (Ronald Coase)

A importância das instituições para a vida individual é cada vez mais evidente o quão mais intenso se faz o convívio em grupo. O ciclo da vida humana em sociedade é circunscrito a limites, tácitos ou estabelecidos por lei, de regras de conduta. Os modos à mesa; as formas de propriedade; os ritos de iniciação à vida adulta; os critérios e rituais para se estabelecer um contrato de trabalho; ou até mesmo um compromisso entre amigos ou familiares (e a maneira como cada espécie de vínculo se distingue marcadamente uma da outra) são manifestações de comportamento que elucidam as instituições de uma determinada sociedade. Formalmente, pode-se estabelecer a definição de instituições como sistemas de parâmetros e comportamentos regulares de uma sociedade, refletindo seus os valores coletivos e objetivos comuns. Douglass North, um dos principais autores da Nova Economia Institucional (NEI) propõe uma definição com linguagem contundente e inovadora para as instituições, a saber: “constrangimentos concebidos humanamente que dão forma à interação humana” (NORTH apud TORRES, 1995, p. 212). Deste conceito, parte-se para mostrar a mais marcante diferença entre o “velho” e o “novo institucionalismo”, sendo, este último, o foco do presente trabalho. Afinal, em que ponto ou argumento uma Escola passa a se distinguir da outra? E quais os pilares conceituais desta corrente de pensamento econômico? 1.1 Antecedentes e Consolidação da Literatura 1.1.1 Raízes e Diferenciação do “Velho Institucionalismo” Os trabalhos de Thorstein Veblen (com a obra The Theory of the Leisure Class, 1899), John R. Commons e Wesley C. Mitchell, na primeira metade do século XX, marcaram o institucionalismo como escola de pensamento em meados de 1920, a qual

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criticava de forma veemente a teoria neoclássica e sua ideia de equilíbrio estático, e opunha-se à maximização da utilidade como motor da ação individual. Para os antigos institucionalistas, os indivíduos e as instituições guardavam entre si uma relação de influência recíproca, na qual os indivíduos contribuíam para a formação e nas mudanças das instituições ao longo do tempo, ao passo que também por elas eram moldados. Sob a luz evolucionista, a tomada de decisão do indivíduo visando à melhor alocação de recursos era concebida como um processo que se inseria em um todo, ou seja, que carregava na ação individual a “ambição coletiva” de sobrevivência material. Também por meio da obra de Veblen, foi introduzida como instituição a noção de propriedade absenteísta, na qual se admitia que gestão e propriedade pudessem ser exercidas por agentes diferentes. Para Veblen, “a economia deveria ser analisada como uma totalidade e não somente como a soma das partes” (LOPES, 2013, p. 620). O ganho individual guardava um significado social - introduz-se a ideia do lucro simbólico (com legitimação de status social, mas sob visão negativa) - e possuía, ao mesmo tempo, uma dinâmica orgânica com as organizações e com a própria cultura; modificando-as, à proporção que seu comportamento nelas [instituições] era explicado. ...institutions change over time, are not uniformly taken-for-granted, have effects that are particularistic, and are challenged as well as hotly contested. Thus, we acknowledge that although institutions serve both to powerfully drive change and to shape the nature of change across levels and contexts, they also themselves change in character and potency over time. (DACIN et. al., 2002, p. 47)

Neste ponto, é pertinente elucidar o principal marco que diferencia o “velho” do “novo” institucionalismo neste trabalho1. Ainda que North traga de Veblen que: “a aprendizagem, os modelos mentais, as crenças compartilhadas e sua evolução são fundamentais na explicação das instituições” (LOPES, 2013, p. 621); e que os dois modelos teóricos conservem em comum o evolucionismo na relação entre os indivíduos e as instituições; para Veblen, a ação humana, a qual é orientada por hábitos mentais e Para o propósito deste trabalho monográfico, não seria pertinente abordar com profundidade a questão do mecanismo de crescimento econômico explicado por North e a proposta por Veblen. O tema pode ser instrumento de rica comparação entre as duas vertentes, no entanto, o foco desta pesquisa desviado. Neste momento, procura-se demarcar a principal diferença conceitual entre elas, a fim de partir para a análise da Economia de Custos de Transação. 1

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crenças do indivíduo, é influenciada pelas estruturas pré-existentes e as condições de produção vigentes. Já para North, os seres humanos estão inseridos em um ambiente de incerteza, no qual permanecem em constante processo de adaptação e aprendizagem, adotando-se o individualismo metodológico2. Em outras palavras, para o velho institucionalismo, as ações dos indivíduos estão explicadas nas instituições (unidade de análise), enquanto que para a NEI, estas representam modalidades sociais regulares em um universo no qual se introduz a incerteza e ocupam papel secundário na explicação da ação individual. A NEI adota uma perspectiva microanalítica de análise e se divide em duas correntes: a introduzida por Coase (The Nature of the Firm, 1937) e Williamson (1985), corrente precursora que cunhou o termo “novo institucionalismo” e busca explicar a firma sob a perspectiva dos custos de transação. E a de North, autor citado anteriormente, que busca explicar o desenvolvimento macroeconômico e a questão regional a partir do estudo das instituições e do comportamento dos indivíduos. É importante também ressaltar a forte interdisciplinaridade da NEI que, ao aplicar o rigor técnico e empírico em sua metodologia como herança na tradição neoclássica, utiliza-se da pesquisa conjunta com a antropologia, a sociologia, o direito, bem como a teologia e outras disciplinas que tenham como objeto de estudo o comportamento humano e o papel das instituições, para entender os mecanismos econômicos e as estruturas organizacionais. Durante os 30 anos de “latência” de publicações em economia institucional (o que será analisado em mais detalhes a seguir) em benefício do desenvolvimento da aplicação da econometria à teoria neoclássica, crescia em paralelo a atenção dada ao comportamento dos agentes econômicos e à complexidade das organizações. Retomando um traço distintivo da NEI com o “velho institucionalismo”, ressalta-se que a primeira trabalha de maneira crítica à abordagem microeconômica neoclássica, “corrigindo” falhas e aprofundando de forma destemida questões complexas que anteriormente não teriam sido sequer abordadas pelos neoclássicos, de forma a complementá-los antes de contestá-los ou rejeitá-los em suas insuficiências. Lopes (2013) coloca de maneira didática e pertinente que os antigos institucionalistas faziam “Suas preferências são exógenas a qualquer modelo, enquanto que as instituições são explicadas inteiramente em termos cognitivos dos indivíduos.” (Dequech apud Chafim & Krivochein, 2011) 2

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uma crítica por fora do tradicionalismo neoclássico, enquanto que a NEI praticava uma crítica por dentro, “procurando incorporar elementos mais eficientes na explicação dos fenômenos econômicos” (LOPES, 2013, p. 620). No entanto, e especialmente para quando sejam analisadas as diferentes formas de contrato e arbitragem no mercado em detrimento da ótica de monopólio, vale ressaltar o cuidado em reconhecer a crítica intrínseca, advertida pelo próprio Williamson: Given the complexity of the phenomena under review, transaction cost economics should often be used in addition to, rather than to the exclusion of alternative approaches. Not every approach is equally instructive, however, and they are sometimes rival rather than complementary. (WILLIAMSON,1985, p.18).

1.1.2 Evolução Histórica da Literatura da Economia dos Custos de Transação O estudo do papel das organizações ganhava crescente importância a partir de 1930, sob as bases no “velho institucionalismo” que abriram as portas para o enfoque no risco e a importância da ótica comportamental dos agentes na economia. Williamson (1985) cita o trabalho de Frank Knight como precursor desta sinalização em 1922 (em Risk, Uncertainty, and Profit), tendo sido negligenciado por questões de inadequação semântica, ao empregar a palavra risco para introduzir o que o próprio Williamson iria abordar mais tarde como oportunismo. A existência de uma definição formal e técnica para risco moral na área de seguros, termo usado por Knight, acabou por descreditar sua análise comportamental e limitar a repercussão da sua abordagem. O marco inicial para a Economia dos Custos de Transação (ECT) foi o artigo de Coase (1937), mencionado anteriormente. Nele, o autor estabelece o propósito de dar uma definição pragmática e instrumental à pergunta: Por que a firma existe? Apesar do artigo e sua repercussão, o enfoque proposto do estudo econômico não angariou a devida proeminência até a década de 80. A abordagem ortodoxa da microeconomia permaneceu dominante dos anos 40 aos 70. Durante os anos 60, surgiram as primeiras abordagens relevantes. Entretanto, apenas no início dos anos 70, estudos com foco operacional surgiram para trazer luz à verticalização e às estruturas modernas de divisão do trabalho.

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Resumidamente, pode-se enumerar: Quadro 1 - Publicações que marcaram o início da ECT* Ano

Obra (1)

Autor

Ideia central introduzida

1960

COASE

The problem of social cost

Redefinição do conceito de custos sociais

1961

ALCHIAN

Some economics of property

Direito de propriedade

1962

ARROW

Economic Welfare and the Allocation of Resources of Invention

Problemática da economia de propriedade da informação

1971

WILLIAMSON

The vertical integration of production: market failure considerations

Integração vertical: abordagem dos custos transacionais

1971

DOERINGER & PIORE

Internal labor markets and manpower analysis

A "firma clássica capitalista" em termos de organização

1972

ALCHIAN & DEMSETZ

Production, information costs, and economic organization

Organização de equipes na "firma capitalista clássica"

1973

WILLIAMSON

Markets and hierarchies: Some elementary considerations

Integração vertical no contexto de mercados e hierarquias

(1)

Livros e artigos em periódicos

* Elaboração própria

1.2 Estrutura Normativa Uma vez expostos os antecedentes históricos, os conceitos basais da ECT serão analisados em detalhe

Preservando uma continuidade cognitiva, os pilares da

análise institucional serão abordados como foco central para explicar o comportamento econômico dos agentes segundo Williamson. Em seguida, será feito uso da distinção entre a firma definida pela literatura econômica clássica e a concebida sob a ótica de governança da NEI. Sob este direcionamento, serão definidos os custos de transação e suas tendências, destacando-se sua diferenciação dos custos de transformação, e lembrando que aqueles explicam as dimensões da firma e ajudam a entender sua propensão à verticalização (tema da terceira seção).

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1.2.1 As Quatro Esferas da Análise Social Williamson (2000) propõe que, para o estudo do comportamento econômico, a NEI aborda quatro níveis que se distinguem por amplitude de tempo para que ocorram mudanças em sua estrutura e que estariam relacionados ao nível de consciência dos agentes quanto aos elementos delimintados a cada esfera. Aclara-se com uma adaptação da representação gráfica destes níveis elaborada pelo autor3 na Figura 1, cujos componentes enumere-se: Nível 1: Raízes Sociais4. Na revisão de Joskow (2008), este nível ganhou nomenclatura alternativa: “fundações sociais ou culturais”. Neste nível mais abrangente do estudo institucional, estão incluídas as regras informais e convenções que regem determinada sociedade: costumes, tradições, tabus, religião (a qual desempenha um papel de suma importância, enfatizado pelo próprio Williamson), bem como aspectos culturais e cognitivos (incluindo a linguagem). Os mecanismos de origem das formações dessa estrutura têm raízes evolucionistas e espontâneas, porém reconhecidamente carecem de maior estudo sobre sua causalidade bem como a maneira através da qual influem no processo de desenvolvimento econômico. Por força inercial, as convenções são transmitidas entre gerações. Por seu caráter arraigado entre estruturas e esferas institucionais faz com que mudanças adaptativas nos seus componentes requeiram no mínimo um século, podendo chegar à ordem de mil anos. Nível 2: Ambiente Institucional. Neste âmbito, para além das convenções sociais, já se incluem as regras formais e estruturais do sistema social, a saber: constituições, as esferas e instrumentos de atuação do governo, os direitos da pessoa humana e jurídica, portanto, o marco regulatório do direito de propriedade e sistemas financeiros. Este nível reflete o estágio de evolução institucional de uma sociedade e seus elementos são determinantes para o desenvolvimento econômico, uma vez que servem para conferir o grau de segurança regulatória no cenário econômico. Na prática,

Esquema originalmente proposto por Williamson em 1998, no artigo “Transaction Cost Economics: How It Works; Where It is Headed” (De Economist, Vol. 146, No. 3, pp. 23-58). A presente adaptação utilizou o exposto em 2000, em “The New Institutional Economics: Taking Stock, Looking Ahead” (Journal of Economic Literature. Vol XXXVIII, pp. 595-613). 3

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Williamson utiliza o termo “embeddedness”, cuja tradução literal seria enraizamento.

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Figura.1 - Arcabouço do Estudo da Economia das Instituições

Imposição de restrições de base Retroalimentação Fonte: Williamson (2000) - Tradução e adaptação próprias

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pode-se apontar que “os recursos no legado de uma companhia seriam, ao menos em parte, um produto da nação onde o negócio emergiu e operou inicialmente.” (BERGER et al, 2005, p. 279 - tradução própria). Seus elementos, portanto, podem se converter em propulsores ou entraves para a ocorrência de relações contratuais (e.g. o investimento externo). Mudanças cumulativas ocorrem de maneira mais ágil do que no nível 1 - de dez a cem anos, um espectro ainda bastante amplo em virtude de seu caráter path dependent. Movimentos de ruptura tais como colapsos financeiros ou guerras civis, seriam capazes de promover mudanças em seus processos basais, porém tais eventos são concebidos como exceções na vida social, e não regra geral. As ramificações políticas e o direito de propriedade são objeto de estudo deste nível. Reconhece-se que um sistema de propriedade privada não é viável caso as bases e estruturas de reforço do direito de propriedade estejam definidos em um sistema arraigado para que o mercado possa funcionar pelo mecanismo de preços, encontrando respaldo no sistema legal quando da incidência de disputas entre as partes envolvidas em um contrato. Neste ponto, o próprio Williamson aponta a fraqueza crucial da literatura de direitos de propriedade: “it overplayed its hand” (WILLIAMSON, 2000, p. 599), uma vez que este funcionamento parte do pressuposto que o acionamento do aparato legal não possui custos, o que é descartado na NEI. Nível 3: Governança. Conforme assinalado anteriormente, neste nível, é abandonada a segurança do pressuposto da ausência de custos quando da utilização do poder judiciário para arbitragem de conflitos entre as partes envolvidas em uma transação - na verdade, reconhece-se que tal concepção seria irrealista, e vale ressaltar o caráter pragmático e instrumental dos conceitos adotados e conclusões auferidas pela NEI . Este nível enfoca as escolhas feitas como forma de minimização de custos para a execução de transações de forma ordenada, conciliadora e com objetivo central do ganho mútuo. Neste nível, é incorporada a “jogada” (the play of the game), dessa forma, estão incluídas as formas adaptativas de organização e aspectos estruturais das instituições de mercado de trocas (e.g. competição perfeita).

Joskow (2008, p. 8 -

tradução própria) enumera: “as estruturas verticais e horizontais das empresas, e as fronteiras entre transações mediadas internamente e as que sejam conciliadas pelo mercado”. Também nesta ordem estão incluídas as instituições de regulamentação

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financeira, governança corporativa (e.g. a Lei Sorbanes-Oxley - “SOX”) e mecanismos de acesso ao crédito e financiamento. Modificações nas estruturas de governança em geral acompanham a renovação de contratos ou de ativos físicos, com uma amplitude de um a 10 anos. Nível 4: Alocação de recursos (no curto prazo). Retomando a abordagem da “crítica por dentro” da economia neoclássica. Williamson reconhece que para este nível, pode-se aplicar a teoria neoclássica de mercado, com a otimização da alocação dos recursos por meio do mecanismo de preços (de maneira contínua, referindo-se à tomada de decisão diária), bem como a análise marginal. Entretanto, sinaliza sua insuficiência da por não contemplar neste âmbito os aspectos que são, por sua vez, abordados pela teoria da agência - a ser explorada na seção 2 - a saber, multi-tasking e incentivos ex ante nas transações contratuais, considerando a noção do risco de maneira realista e efetiva para fins de antecipação de conflitos. Em suma, este nível engloba decisões, mecanismos e impactos contratuais acerca dos recursos empregados pela empresa no que tange preços, capital humano, custo de transformação, os quais sofrem influência do nível exatamente anterior, mais especificamente, das imperfeições de mercado. A divisão exposta apresenta de fato certo grau de arbitrariedade de seu autor e abre espaço para questionamentos válidos. O próprio Joskow (2008) em sua leitura, discorda da alocação da teoria da agência e alinhamentos de incentivos entre empresas no nível 4, propondo-a como parte do nível 3 uma vez que demonstra o estágio de desenvolvimento que estudo das formas de governança e mudanças institucionais passou a ter no mainstream acadêmico, ou na pesquisa econômica convencional. Também poder-se-ía apontar a carência de exemplos pragmáticos no sistema originalmente proposto, os quais ajudariam a elucidar e demarcar cada nível. Ainda assim, a divisão é uma importante e válida ferramenta para entender o grau de profundidade do estudo social da NEI e para que se possa dar início à abordagem da ECT. Especialmente, quando se contempla também a importante consideração que faz o autor para a inovação tecnológica perfazendo o modelo, ao estabelecer que ela trabalha em conjunto com a inovação organizacional, ainda que esta última tenha sido tratada em segundo plano, senão completamente negligenciada: “Inasmuch as these two work in tandem, we need to find ways to treat technical and organizational innovation in a

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combined manner” (WILLIAMSON, 2000, p.600). 1.2.2 A Firma A evolução das diversas definições da firma na literatura econômica acompanha os pressupostos e refletem o propósito de cada Escola na microeconomia. Um ponto marcante da ECT é a definição da firma como função de governança, em contraponto à restrição conceitual encerrada pelos neoclássicos da firma como função de produção, o que refletia foco na busca pela otimização dos recursos. Pode-seiniciar a percorrer rapidamente a evolução histórica da definição da firma a partir de Marshall em seu Principles of economics (1920), que se caracteriza por forte historicismo, enfoque no aspecto legal e na separação entre propriedade e controle. Para Marshall, a firma não se limitava a uma mera unidade representativa da combinação do capital, trabalho e matéria-prima, pois enfatizava o papel do conhecimento e da gestão na coordenação dos recursos, bem como a propagação das capacitações organizacionais entre as firmas. Situava-a dessa forma como parte de um contexto: “a firma é vista como um agente que interfere no meio onde atua e é afetada por ele” (FEIJÓ; VALENTE, 2004, p. 353). A perspectiva marshalliana trata da organização em âmbito privado das firmas, pela divisão interna do trabalho: hierarquia, gerência sobre as operações; da validação jurídica do papel do gestor por meio da distinção dos agentes de controle e detentores de propriedade, além da inovação e compartilhamento de conhecimento adquirido internamente. Este próprio movimento interno à organização estende-se a sua interação com o mercado “através de padrões institucionalizados de relacionamento entre agentes, que incluem tanto competição como cooperação” (KERSTENETZKY, 2004, p. 6), em outras palavras, admite-se a transmissão de conhecimento e inovações nos relacionamentos

inter-setoriais,

seja

na

interação

fornecedor-cliente

ou

entre

concorrentes. Importante ressaltar o papel que Marshall confere ao Estado e às instituições de maneira a proporcionar tais trocas de conhecimento. Aplicando-se a ótica de Williamson descrita na subseção anterior, os elementos e entidades dos níveis 1 e 2 entram em cena para atuar sobre o desenvolvimento do ambiente de negócios.

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A teoria de Marshall subscrevia, portanto, o potencial de crescimento da firma ao próprio mercado, mas também o fazia com relação às potencialidades empreendedoras do gestor, aquele quem se ocupa com a divisão interna do trabalho, a quem Adam Smith chama de undertaker. ...he is related to the much larger economic specialization, of which he himself is merely one specialized unit. Here, he plays his part as a single cell in a larger organism, mainly unconscious of the wider role he fills. (DOBB apud COASE, 1937, p. 389)

O empreendedor é o agente de mudanças e, mais do que uma postura reativa ao mecanismo de preços, possui habilidades para direcionar o negócio em um ambiente de incerteza. Para Marshall, a decadência da firma e a limitação ao seu crescimento (conforme posto anteriormente) acompanham a decadência do empresário, quem adquire, segundo a crítica de Feijó (1980) desempenha papel com ênfase “exagerada”. Após a morte de Marshall em 1924, a ênfase à aplicação dos modelos matemáticos à microeconomia limitou a firma à função de produção e o consumidor, por sua vez, à função utilidade. Sob a ótica neoclássica, ela passou a ser precisamente o que Marshall havia buscado combater com o caráter “expansivo” de sua definição, tornando-se uma mera unidade de transformação, em bens e serviços, da tríade de fatores de produção tradicional (capital, trabalho e recursos naturais) combinados sob a tecnologia disponível. Estas unidades exercem o papel da oferta em um sistema econômico governado pelo mecanismo de preços, enquanto os indivíduos perfeitamente capazes de identificar as propriedades dos produtos disponíveis e buscam ter o maior grau possível de precisão em conjecturas sobre cenários futuros ao exercerem suas escolhas, sempre almejando e crendo optar pela melhor alternativa possível. O comportamento dos agentes do lado da oferta também é racional e não propenso a desvios de caráter no ambiente de negócios (numa palavra, oportunismo conceito que será explorado mais a fundo na próxima seção). A firma está inserida idealmente em contexto de concorrência perfeita no qual não há entraves institucionais na verdade as instituições são dadas como pressupostos ou pré-condições - que impliquem ônus extraordinário que não os custos de transformação dos recursos em produtos finais. Quando da existência dos mesmos, tais elementos são percebidos como

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distorções de mercado, sob a ótica do monopólio. Uma vez que, no contexto ideal, não há diferenciação de produto, apenas melhorias marginais que não prejudiquem o perfeito grau de substituição da infinidade disponível fabricada por uma miríade de unidades produtivas que se diferenciam entre si por sua “estrutura de custos e produtos, apenas” (FEIJÓ; VALENTE, 2004, p. 354). Vale a pena evidenciar que se a firma de Marshall se equivoca em dar ao empresário demasiada soberania, a firma neoclássica ignora o caráter idiossincrático dos gestores e a própria hierarquia interna das empresas. As decisões possuem apenas um motor: a minimização dos custos de produção, e não há limitações para as informações a disposição da alocação dos recursos, portanto, não dada a regateio ou desvios por falha humana (leniência, cisões políticas dentro da organização etc.). A organização interna, o “quarto fator de produção” de Marshall inexiste. Neste ponto, propõe-se o questionamento: uma vez que o próprio mecanismo de preços direciona o funcionamento interno da firma, regulando a produção, por que razão as trocas não são realizadas entre agentes autônomos cuja produção individual exceda sua capacidade de consumo próprio e cujas habilidades de longe são exíguas para atender totalmente as suas necessidades básicas como consumidor? Por que existem unidades especializadas em entregar bens à sociedade? Por que existe a firma? Esta é a pergunta no cerne do artigo seminal de Coase (1937), que se preocupa em estabelecer uma definição pragmática da firma, nos seus próprios termos, “tratável e realista”. O autor estuda as razões e em que instâncias a regulação pelo mecanismo de preços é suplantado pela coordenação inerente à existência da organização que seria, em suma: a unidade produtora de bens e serviços cuja organização interna é coordenada pelo empreendedor, detentor da capacidade de antecipação a cenários futuros em um contexto de incerteza no qual opera através do mecanismo de preços ao iniciar novos contratos no mercado de trocas, em lugar de tão somente reagir ao mesmo no direcionamento dos recursos sob seu controle. Coase contempla que há um custo envolvido para utilizar-se do mecanismo de preços no organismo social5. Acessar a informação disponível, leia-se: descobrir o “preço relevante” praticável no mercado; bem como negociar um contrato para cada “An economist thinks of the economic system as being co-ordinated by the price mechanism and society becomes not an organisation but an organism.” (KEYNES apud COASE, 1937, p. 387). 5

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relação de troca, são processos que requerem conhecimento especializado e acarretam esforços e custos para serem praticados. O grau em que a coordenação pela dinâmica de preços de mercado é suplantada pela praticada dentro da organização varia de acordo com a indústria (tipo de atividade), bem como o tamanho da unidade. Entretanto, também a dimensão da firma tem por guia o princípio da marginalidade para os custos de acionamento da rede de preços e mecanismos do mercado de trocas. Em sua preocupação por trabalhar com um conceito que corresponda com a realidade, o autor destaca a essência da relação legal: “empregador e empregado”. Não seria uma razão de existência da firma a propensão ou desejo humano de ser governado por outrem, nem muito menos de pagar para exercer o papel inverso (o de gestor), quando o faz senão para auferir proventos por desempenhar tal função sobre a sua propriedade, ou sobre a de outro indivíduo (ou grupo de pessoas). Em seus aspectos essenciais, estabelece-se um contrato no qual o empregado concorda em ceder o direito de controle dos seus serviços ao empregador em troca de remuneração (fixa ou variável), ponto marcante que distingue esta relação com a de subcontratação, na qual somente o produto final (dadas as especificidades requeridas pelo cliente) são objeto de aquisição e interface com o comprador final. Na relação de emprego, o mestre adquire a capacidade de interferir em aspectos tais como a quantidade de horas a serem trabalhadas pelo empregado, a definição exata do produto esperado e a maneira como ele deverá ser produzido. Expostos estes argumentos, é fácil ver que o conceito traduz com clareza a firma capitalista, na realidade: produtora de determinado bem ou serviço, por processo coordenado por políticas internas que balizam as relações laborais e o próprio produto final a ser distribuído ao consumidor. Retomando a noção da marginalidade dos custos de utilização do mecanismo de preços, para que se consolide a ideia central de Coase, uma firma emerge em casos nos quais as relações de troca entre agentes conhecidos se tornam passível à recorrência. O dispêndio associado ao estabelecimento de uma série de contratos dá lugar aos custos associados a firmar um contrato de prazo estendido, por meio do qual os agentes irão selar uma relação de longo prazo na qual tentariam minimizar o risco, comprometendo-se a atuar sob termos específicos e tolhidos por limites às atitudes dos indivíduos envolvidos. Antecipa-se a teoria da agencia pelo fato

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de reconhecer que, nesse âmbito, surge a figura do indivíduo especializado no conhecimento e instrumentalização das relações de troca; um agente sem vínculos com a produção, mas cuja atuação pode ser determinante em seu curso. Afinal, “good judgment is generally associated with confidence in one’s judgment” (Coase, 1937, p. 400). Para a ECT, os problemas da organização econômica da firma capitalista traduzem-se em disfunções de cunho contratual. A transação é a unidade de análise e os custos associados ao estabelecimento e ajustes adaptativos de contratos (estruturas de governança), numa palavra, os custos de transação são a medida econômica para entender a estrutura interna e ramificações de negócios da firma com outras unidades. 1.2.3 Custos de Transação Antecipados por Coase, os custos de transação constituem parte da atividade central do empreendedor: o estabelecimento de contratos e os esforços para a coordenação mais efetiva dos recursos da firma associados ao mecanismo de preços. Williamson (1985) propõe que os custos de transação estão para a Economia, assim como o atrito está para a Física. E assim como a abstração da ausência desta força induz a pressupostos invalidados pela realidade, a desconsideração dos custos de transação na economia (e o mesmo ocorre quanto ao tratamento das instituições) implicaria conclusões tendenciosas, e que refletissem apenas parte do problema abordado, bem como a cenários de baixo grau de utilidade na prática. Isso explica a tendência da literatura em abordar formações de mercado não convencionais com o approach do monopólio e a ênfase nos custos de transformação, em virtude do alto grau de complexidade e dificuldade de mensuração imediata (no curto prazo) envolvidos com os custos de transação. Abordar este conceito implicaria abandonar pressupostos basais do mainstream, distanciando-se de condições mais amigáveis para esboçar modelos e estabelecer pressupostos que retratassem com precisão um aspecto da firma em condições determinadas. No entanto, estudar os custos de transação da firma faz-se tão necessário para entender o mercado e caminhos estratégicos quanto o próprio estudo dos custos

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de transformação, no qual recaiu com mais ênfase a economia neoclássica. North e Wallis (1994) os diferenciam com clareza ao enunciar que: Changing the physical attributes of a good or service is the transformation function. Changing the property right attributes of a good or service is the transaction function. Transformation costs are the costs of the land, labor, capital, and entrepreneurial skill required to physically transform inputs into outputs. Transaction costs are the costs of the land, labor, capital, and entrepreneurial skill required to transfer property rights from one person to another (NORTH; WALLIS, 1994, p. 612)

Os esforços da firma que podem ser englobados nos custos de transação incluem operações contratuais do tipo ex ante e ex post. A prospecção de fornecedores que vendem determinado insumo / clientes interessados em comprar determinado bem ou serviço, a negociação de preço e volume, despesas e investimentos para viabilizar trocas no mercado, controle e monitoramento da produção são exemplos de eventos que podem ser enumerados como geradores de custos transacionais. Vale ressaltar a convergência com a teoria da agência (que será objeto de estudo da próxima seção) com emergência da classe especializada em articular e desenhar estas relações, antecipada pelo próprio Coase. Afinal, “good judgment is generally associated with confidence in one’s judgment” (COASE, 1937, p. 400). Todo e qualquer esforço conciliador dos interesses das partes envolvidas no estabelecimento de um contrato são categorizados como custos transacionais ex ante. O contrato firmado pode ser um documento complexo, com contingentes para problemas futuros e diretrizes adaptativas, já que: “capacity to simulate the future in imagination... [that saves] us from the worst consequences of the blind replicators” (DAWKINS apud WILLIAMSON, 2000, p. 601). A própria rede de salvaguardas presentes em um contrato pode obedecer a uma finalidade maior que a precaução para cenários críveis, a de sinalizar comprometimento e conferir integridade ao vínculo selado entre as partes, por meio da prudência em substituição ao voto de “parceria” vã e temerosa. Em contrapartida, os agentes contratuais podem optar por um documento mais simples, protofônico. Em lugar de tentar antecipar as diversas combinações de eventos, somente as circunstâncias que se mostram possíveis com o transcorrer do tempo são ajustados à estrutura de base. Em outras palavras, a complexidade dos

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custos ex ante é substituída pela flexibilidade que acarretam maiores custos ex post, que podem ser traduzidos em: custos gerados por adaptações a cláusulas não específicas ao princípio para as quais a realidade das relações demonstra desalinhamentos operacionais (e.g.: preço, padrões de produto final) ou estratégicos (e.g.: relação com fornecedores dirigidos que pedem falência, especialmente na indústria), as próprias concessões que serão feitas na re-negociação, bem como os ajustes que se mostrem necessários à estrutura de governança estabelecida uma vez operando em conjunto. Mais claramente: Thus suppose that the contract stipulates x but, with the benefit of hindsight (or in the fullness of knowledge), the parties discern that they should have done y. Getting from x to y however, may not be easy. (...) Complex, strategic behavior may be elicited. (...) An incomplete adaptation will be realized if, as a consequence of efforts onf both kinds, the parties move not to y but to y’. (WILLIAMSON, 1985, p.21)

No entanto, os custos ex ante e ex post devem ser analisados de maneira simultânea e por uma abordagem comparativa, ou seja, para a análise dos custos de transação, a diferença marginal é a medida relevante, e não sua magnitude absoluta. Os custos industriais concebidos pela ECT abrangem os custos de transformação e os de transação, com a noção do custo de oportunidade associada à ideia geral da melhor escolha por parte dos agentes contratuais. O próprio design do produto final é fator crucial e passível de decisão mútua em uma operação entre empresas que, do lado da oferta, atuam para fornecer bens e serviços ao consumidor, o qual está inserido em determinado contexto institucional e cujo comportamento procura-se inferir. Dessa forma, o design constitui não somente um fator que pode influenciar o comportamento da demanda, mas também a estrutura e a magnitude dos custos, argumento que encontra respaldo na busca pela eficiência entre concorrentes.

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2 O CONTRATO, O PAPEL DOS AGENTES CONTRATUAIS E AS ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA ...governance is an effort to craft order, thereby to mitigate conflict and realize mutual gains. (Oliver Williamson)

Como foi visto, o contrato está na base do estudo dos custos de transação na NEI. Para Williamson, o universo das relações contratuais engloba (1) planejamento, (2) promessa, (3) competição e (4) governança; momentos que se diferenciam não somente pelos objetivos parciais, como pelo grau de manifestação de cada premissa comportamental dos agentes, as quais serão abordados adiante: racionalidade limitada, oportunismo, bem como especificidade de ativos, sendo esta última uma dimensão de contratos, tópico que também serão vistos em detalhe na presente seção. Os contratos como instrumentos de análise dos custos transacionais devem ser concebidos como o conjunto de medidas contingentes ex ante e esforços ex post de adaptação a imperfeições e insuficiências para o que se revela não contemplado uma vez iniciadas as operações negociadas. Neste ponto da análise, já se pode de reconhecer mais nitidamente as instituições como fator crucial para o grau de segurança de um contrato e consistência dos próprios mecanismos de governança, como enuncia Brousseau (2008): “When it comes to contract the institutional environment therefore affects the nature and level of hazards agents have to deal with”. Prosseguri-se-á, portanto, com fluidez ao estudo do comportamento dos agentes e atribuições de regulamentação de um contrato. 2.1 Visão Geral de Contratos e Governança das Transações 2.1.1 Formações de Trocas (Esquema simplificado de Contratos) Na exposição interpretativa transcrita na figura 2 a seguir, leia-se h como sendo os riscos contratuais e s representando as salvaguardas6. A análise partindo do ponto A em direção ao D deve ser entendida como aumento em complexidade de 6

Do inglês: “hazards” e “safeguards”, respectivamente.

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governança, implicado, por sua vez, pela graduação de especificidade dos investimentos (ou de ativos) e aspectos comportamentais dos agentes, já que para a ECT o comportamento dos mesmos é altamente inclinado ao oportunismo e “intendedly rational, but only limitedly so.” (SIMON apud WILLIAMSON, 1985, p. 30 - grifos do autor). Figura. 2 - Esquema Simplificado de Contratos

Fonte: Williamson (2000) - Tradução própria

O primeiro contexto exposto (ponto A) trata das transações de trocas no mercado de fatores, o “estado ideal” de uma transação do ponto de vista legal e econômico, “there being an absence of dependency, governance is accomplished through competition and, in the event of disputes, by court awarded damages”. (WILLIAMSON, 2007, p. 20). Compradores e vendedores são “anônimos”, pois não é estabelecido qualquer vínculo formal, nem duradouro. As trocas são orientadas pelo mecanismo de preços, ou concorrência, sem quaisquer limitações de ordem qualitativa (não há relação entre as partes submetida a termos específicos). A especialização é a maior vantagem deste formato de relacionamento, que resulta ser conveniente e observado com maior frequência para produtos padronizados, ou de tecnologia com amplo espectro de aplicabilidade: o agente irá adquirir o insumo desejado de um entre muitos fornecedores que o oferecem no mercado competitivo. O ponto A traduz o que Williamson (1985) expõe Modelo Clássico de Lei Contratual, em suma:

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In an organized market the participants trade a standardized contract such that each unit of the contract is a perfect substitute for any other unit. The identities of the parties in any mutually agreeable transaction do not affect the terms of exchange. The organized market itself or some other institution deliberately creates a homogeneous good that can be traded anonymously by the participants or their agents. (TESLER apud WILLIAMSON, 1985, p.69)

O ponto B retrata transações em que as partes envolvidas são identificadas, mas não estabelecem vínculos formais entre si (s =0). Em virtude da existência de certo grau de especificidade nos ativos ou nas determinações do produto a ser negociado, admite-se risco (h > 0). Entretanto, trata-se de relações esporádicas de baixa frequência (e recorrência zero), no melhor conceito fly-by-night, que se caracterizam pela elevada possibilidade de ruptura sem notificação por parte do agente que deixa de operar, afinal este tipo de transação é, em geral, estabelecida por agentes novos no mercado ou interessados em elevados ganhos em prazo muito curto. Na prática: The main problem faced by many internet users is trust: whom to trust, when to trust and to what extent to trust. The problem is that the internet is open to a variety of interactions with complete strangers, having no records of previous transactions. After a customer has paid for a product, the seller may never deliver, may deliver with considerable delay, or may an inferior quality product. The number of customer complaints about fly-by-night Internet scams is continuously growing, thereby destroying consumers’ trust in online business. (BIDGOLI et. al., 2006, p.67 - grifos próprios)

No ponto C, aumenta-se a necessidade e o grau de confiança entre os agentes uma vez que são estabelecidas regras formais em termos especificados para a realização das trocas: “Branding in combination with reputation effects and product warranties appear” (WILLIAMSON, 2000, p. 604). Numa palavra, surgem os contratos, instrumentos custosos e necessariamente incompletos. Vale ressaltar que, neste tipo de trocas, a tecnologia caracteriza-se por maior grau de especificidade - investimentos são direcionados a cumprir um conjunto de propriedades de determinado produto final. Serão explorados mais adiante o grau de complexidade das relações de governança estabelecidas e principais aspectos que constituem a formação retratada em C, para a qual Williamson propõe a aplicabilidade da Lei Neoclássica de Contratos, contexto que contempla os problemas de antecipação a adaptações necessárias à estrutura inicial dos contratos, bem como as disputas verticais que podem surgir no transcorrer da

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operação conjunta, dada a propensão ao oportunismo das partes envolvidas. O modelo own-supply do ponto D, ponto máximo de coordenação interna é exposto pelo próprio Williamson como um “conjunto quase vazio”. Poucas formações se encaixam nesse formato, enumerem-se: a firma verticalizada7; as sociedades cooperativas de consumo8 e determinados escritórios governamentais, quando o governo, por razões políticas ou de regulamentação, deve fornecer determinados serviços por meio de órgãos estatais. Os grandes entraves para a formação integrada retratada neste ponto do esquema, com a produção interna de insumos, seriam as economias de escala e os ganhos com a especialização, mais precisamente pelo fato de a empresa deixar de obtê-los. Com o surgimento da preocupação em gerenciar a produção de insumos para si mesma, a empresa incorre a um aumento dos custos burocráticos internos e, além disso, pode-se recordar a ideia proposta por Coase (1937), da “perda de eficiência do gerente”, como fator limitante da dimensão da firma. Em um esboço anterior do mesmo mapa cognitivo de contratos9 proposto por Williamson (1985), o ponto D não figurava no esquema; a variável risco (h) recebia outra tratativa, sendo uma medida especificidade de ativos (esp. a tecnologia), e era representada pela letra k; no entanto, era feita uma análise abordando os preços de equilíbrio (breakeven) associados a cada um dos pontos A, B e C, onde:

p1 

breakeven em A

p pˆ 

breakeven em B



p  pˆ

breakeven em C

Com isso, o autor expunha de maneira clara o peso das salvaguardas (ou, em outra linguagem, da aversão ao risco) e especificidade de ativos na magnitude dos custos de transação, já que o agente em C deveria aceitar quaisquer condições contanto 7

Em WILLIAMSON (2007), o ponto D é denominado “Internal organization/Firm”

No Brasil, dentre as características que distinguem as Sociedades Cooperativas (presentes na Lei nº 5.764, de 1971, art. 4º) ressalte-se o item “d”: inacessibilidade das quotas partes do capital à terceiros, estranhos à sociedade. Ademais, vale elucidar que os atos cooperativos não implicam operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria. (vide: Parágrafo único - art. 79º da Lei n o 5.764, de 1971) 8

9

Ver: Williamson, 1985, p. 33 (FIGURE 1-2 A Simple Contracting Schema)

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que um preço de equilíbrio pudesse ser projetado: The node C contract also employs the special purpose technology. But since the ˆ, buyer [...] provides the supplier with a safeguard, (s > 0), the breakeven price, p at node C is less than

p . (WILLIAMSON, 1985, p.33)

Para que o esquema exposto possa ser utilizado como instrumento para aprofundar a compreensão das dimensões dos contratos e a natureza comportamental dos agentes, é preciso reconhecer que (e este seria o substrato do próprio esquema): tecnologia, garantias (ou salvaguardas, ou ainda estrutura adaptada de governança) e preço interagem intimamente no que diz respeito ao dimensionamento da firma e na magnitude dos custos transacionais. 2.1.2 Dimensões dos Contratos 2.1.2.1 Especificidade de ativos Para entender a dimensão reconhecida por Williamson como a que mais diferencia o tratamento econômico dado pela ECT a contratos com relação às outras escolas, propõe-se parte-se da noção conceitual de ativos na contabilidade. O International Accounting Standards Board - IASB10 trabalha com a definição vigente: “um ativo é um recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados”, e acrescente-se que: “um recurso econômico é um direito, ou outra fonte de valor, que é capaz de produzir benefícios econômicos.” Essencialmente, portanto, trata-se de investimentos executados pela firma que, na prática se convertam em instrumentos de geração de propriedade. O que caracteriza um ativo específico é o investimento especializado, que pode-se definir como uma despesa necessária para a realização de determinada troca e que, uma vez executada, possui pouco ou nenhum uso alternativo. Afinal, “Asset specificity has reference to the degree to which an asset can be redeployed to alternative O IASB atua por meio de publicações conhecidas como International Accounting Financial Standards IFRS adotadas no Brasil como Normas Internacionais de Contabilidade emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade, por meio das publicações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). 10

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uses or alternative users without sacrifice of production value” (WILLIAMSON, 1991, p. 281). Comumente observável quando do desenvolvimento de novos produtos ou programas para inovações marginais de produto, os investimentos especializados caracterizam-se por sua natureza irreparável, por esse fato, será visto como acarretam custos de transação em uma relação de troca de relacionamento específico, aquela que ocorre somente se os mesmos são efetivados pelos agentes. Em casos no qual o investimento seja desigual para uma das partes, ou no qual não se verifique troca específica, mas a realização de investimento irreparável por parte de somente um dos agentes, os contratos seriam o instrumento de mitigação do risco de abandono da relação por uma das partes. Esse instrumento deve ser a resposta para o trade-off que uma relação contratual representa se comparada ao mercado de fatores, a saber: “Do the prospective cost savings afforded by the special purpose technology justify the strategic hazards that arise as a consequence of their nonsalvageable character?” (WILLIAMSON, 1985, p. 54). Com isso, pode-se contemplar alguns problemas inerentes ao investimento especializado: a barganha custosa, o subinvestimento e o aprisionamento. A barganha custosa é evidente como momento inicial do estabelecimento do contrato - custo ex ante - especialmente ao reconhecer que a necessidade de investimento especializado surge quando uma das partes não está totalmente apta para atuar na relação de troca. Em geral, não existirá um “preço de mercado” para o insumo, dessa forma a negociação focada na recuperação dos custos e na garantia de margem comercial dos agentes deverá ser crucial. Vale ressaltar que o processo torna-se especialmente oneroso quando agentes terceiros são contratados para desempenhar o papel de negociação. Vale a pena recorrer ao artigo de Coase e retomar a explicação de custos transacionais detalhada em: The most obvious cost of “organising” production through the price mechanism is that of discovering what the relevant prices are. This cost may be reduced but will not be eliminated by the emergence of specialists who will sell this information. The costs of negotiating and concluding a separate contract for each exchange transaction which takes place on a market must also be taken into account. (COASE, 1937, p. 391)

Claramente, a citação traz como foco uma explicação para a existência e

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dimensão da firma e é mais específica em relações para as quais existe um preço de mercado estabelecido, porém não se limita a esse contexto e aborda de maneira simplificada as bases para a análise os custos ex ante. É interessante, no entanto, e especialmente para relações de longo prazo, conceber os custos de barganha que emergem por conta de investimentos especializados após a operacionalização, ou seja, os custos ex post uma vez que as partes se sintam estimuladas a aumentar suas posições na troca (retome-se a ideia da margem comercial, agora para relações contínuas que se renovam a cada ano, por exemplo). Baye (2010, p. 209) exemplifica um forma de comportamento induzido quando coloca que: “o comprador pode recusar-se a aceitar a entrega para forçar o vendedor a oferecer um preço menor”, do outro lado, o comportamento do fornecedor também pode apresentar a mesma motivação, provocando atrasos em entregas, problemas de qualidade, entre outros mecanismos que poderão vir a acarretar conflitos ao longo da cadeia produtiva, havendo a necessidade do acionamento da justiça e para os quais o grau de concorrência também deve ser levado em consideração. Problemas de subinvestimento na economia podem apresentar diferentes origens, para o caso do investimento especializado concebe-se que; “Quando investimentos especializados para facilitar trocas, o nível desse investimento com frequência é mais baixo que o considerado ótimo.” (Baye, 2010, p. 209), especialmente para casos de investimento em capital humano. Quando do requerimento da renovação de um parque industrial ou aquisição de determinado aparato estrutural (ferramental ou máquinas novas) para a produção de um produto em específico, a empresa “investidora” poderá utilizar fabricantes de menor qualidade, comprada de um fornecedor similar (por menor preço que o melhor exemplar do disponível no mercado). Uma alternativa, que incorre a custos transacionais, é o repasse de custos quando esta possibilidade for aventada. Nesse último caso, adentra-se no problema de barganha novamente, no qual um dos agentes deveria estar disposto a compartilhar do risco inerente ao investimento. A questão do aprisionamento está intimamente ligada ao oportunismo, que será analisado na próxima sub-seção. Entretanto, vale mencionar que para o contexto dos investimentos especializados, em particular, a despesa é condicional para a relação de troca e pode servir como obstáculo ao estabelecimento de um contrato (e as partes

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se tornarão relutantes quanto mais específico for o ativo), uma vez que um dos elementos da cadeia produtiva poderá adotar comportamento indolente, por exemplo, ou tomar vantagem da natureza irreparável da despesa para a contraparte, valendo-se da mentalidade de que o outro agente irá abrir mão de uma disputa pontual a perder todo o investimento. Este último encontra-se, portanto, aprisionado nem tão somente à expectativa do retorno, quanto ao receio da perda, em virtude do ônus do seu investimento especializado. A classificação de ativos proposta por Williamson (1985) compreende: i.

Especificidade do local (site specificity): ocorre quando vendedor e comprador de um insumo devem estabelecer unidades próximas ou geograficamente integradas para que as trocas sejam realizadas. As maiores vantagens reconhecidas pelo próprio autor seriam os custos com frete e manutenção de inventário - acrescente-se o controle desse último.

ii.

Especificidade de ativos físicos (physical asset specificity): características como o design assim como outras propriedades funcionais de determinado bem de capital necessários à produção de um insumo específico diminuiriam o valor de um ativo, na medida em que sua utilização alternativa iria requerer adaptações à estrutura da máquina,

já que foi inicialmente projetada para

atender uma necessidade ou conjunto de requerimentos em particular. iii. Especificidade de ativos dedicados (dedicated assets): ocorre no caso de uma venda ou condição de lucro condicionada, ou seja, o investimento ocorre somente em razão de uma determinada venda, caso contrário, não seria feito. Como exemplo, podería ser citado o fornecimento de autopeças para determinado progama de uma montadora, ou investimentos ligados a uma nova linha de produção direcionada para atender uma venda em larga escala a uma empresa estatal. iv. Especificidade de capital humano (human asset specificity): essencialmente, trata do acúmulo de conhecimento ao exercer uma função particular e se caracteriza pelo alto grau de dificuldade de transferência entre trabalhadores. Trata-se das habilidades desenvolvidas com a prática em determinado setor,

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numa palavra: learning-by-doing. Em publicação posterior, Williamson (1991, p. 281) expande: v.

Especificidade de marca (brand name capital): diz respeito à consolidação de uma marca, especialmente relevante no caso de franquias e em processos de fusões e aquisições. Contabilmente, pode ser associada ao conceito de goodwill (ou patrimônio de marca). Categorizado como ativo intangível, representa a diferença entre o valor da empresa e o seu patrimônio líquido avaliado a valores de mercado.

vi. Especificidade temporal (temporal specificity): intimamente relacionada à integridade do ativo11 também poderia ser concebida como um tipo específico para qual a empregabilidade por parte de um agente é essencial. Dessa forma, o valor de uma transação dependeria vitalmente do tempo na qual ela fosse realizada, “sendo especialmente relevante no caso da negociação de produtos perecíveis” (FARINA apud POHLMANN et al, 2004, p. 28) 2.1.2.2 Incerteza A incerteza acerca dos cenários futuros do mercado está na essência da formação do contrato. Ao analisar o papel das instituições no estudo social para a ECT, já se pode adiantar a importância do grau de segurança nas formações econômicas (no âmbito das trocas) e nas atitudes individuais. A proposição básica para abordar a relevância da incerteza para os custos transacionais seria no estabelecimento de um alicerce e ferramentas adaptativas que viabilizem a tomada de decisão contínua em resposta a perturbações de caráter externo à relação contratual, bem como desvios ao posicionamento inicial acordado por parte de algum dos agentes, a estes últimos, Williamson denomina “incerteza comportamental”. Em outras palavras, o resultado e o próprio processo de formação da estrutura de governança (a rapidez com a que se dá 11

Williamson (op. Cit., p.281) refere-se a technological nonseparability.

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este processo) entre duas partes está intimamente ligado à incerteza presumida pelas mesmas. Os desvios à estrutura inicial de contratos, em outras palavras, as causas de incerteza, podem emergir por duas motivações: a primeira delas seriam as contingências de mercado que estariam associadas a circunstâncias igualmente indefinidas e difíceis de estipular para ambos os agentes, cite-se o comportamento do consumidor por exemplo. O segundo tipo estaria relacionado ao comportamento dos agentes. É importante salientar que a incerteza não estaria sempre necessariamente associada ao oportunismo, mas, por exemplo, por falhas na própria base estrutural da relação e o próprio pressuposto da racionalidade limitada, cite-se no contexto no qual um dos agentes falha em comunicar sua expectativa acerca do comportamento dos concorrentes, por exemplo, e portanto motivação para ações futuras - que poderá ser imediato - por conta da falta do canal apropriado de comunicação ou por falhas na estrutura organizacional que dificulte a interação, ou quaisquer outros impedimentos não provocados. Entretanto, será enfatizado o que Williamson trata como “behavioral uncertainty” estritamente, aquele que se dá por força do comportamento estratégico (ou deliberado) de um dos agentes por artifícios tais como o fornecimento incompleto de informações pertinentes ao contrato, ou até mesmo de dados falsos. Acrescente a este conceito a imprevisibilidade do comportamento humano. Ora, ainda que contingências sejam realizadas, tão como não será capaz de projetar todos os possíveis cenários adversos com os quais será confrontado, o conjunto das melhores respostas remediadoras tampouco poderão ser conhecidos pelos agentes antecipadamente. Ainda que se espere, de forma paradoxal, haver estabelecido uma relação com um agente não propenso a oportunismo extraordinário: …ranges of possible messages, offers, threats, etc., which can be given during the process, including the timing of moves, are hard to delimit. Imagination and ability to surprise the opponents may be important points, and ‘very often’ the agenda will be expanded during the process. (JOHANSEN apud WILLIAMSON, 1985, p.59).

Nesse sentido, torna-se fácil concordar que o papel da incerteza como condição subjacente, ou basal, para as relações de troca seria o de desafiar as partes a

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contemplarem a flexibilidade de maneira estratégica nos contratos, provendo amplitude de ação para que os agentes possam ajustar o comportamento mútuo com foco nos objetivos iniciais, bem como construir os caminhos, ou melhor, montar as bases para termos de negociação, para mecanismos de remediação ou punitivos do comportamento oportunista possam emergir com a mesma facilidade na qual as possibilidades para o ganho excedente se evidencie ao longo da operação conjunta; ressalte-se a eficiência destes mecanismos, em termos de custos ou de tempo. 2.1.2.3 Frequência Dimensão cujo conceito estaria intimamente relacionado ao tamanho dos mercados, trata do efeito da recorrência de trocas sobre os custos transacionais do contrato. Tautologicamente,

mercados

mais

amplos

deverão

apresentar

mais

possibilidades de trocas, os compradores estariam menos motivados a relações sob termos limitantes de trocas o quão mais esporádicas estas fossem. A construção de uma estrutura de governança especializada é custosa e para que os agentes estejam motivados a prosseguir com investimentos nesse sentido, a frequência com que ocorrem as transações é um fator crucial. É importante salientar que tanto o grau de utilização dos mecanismos construídos, como a magnitude relativa do benefício, de outra forma, o que se deixa de ganhar em termos de economia de custos de transação e de transformação na ausência destes, deve ser analisado em conjunto à recorrência. 2.2 Pressupostos Comportamentais dos Agentes Para abordar as duas premissas básicas acerca do comportamento dos agentes, será feito uso da comparação com a economia neoclássica e utilizar-se-ão três graus de manifestação em cada uma delas, a saber: inexistente, detectado12 e forte. O esquema da figura 3 (na próxima página) resume visualmente o confronto dos dois cenários sob esta abordagem. Os agentes contratuais na economia neoclássica seriam dotados de grau máximo de 12

A tratativa de Williamson nomeia o grau mediano de “semi-forte”.

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racionalidade (em contexto de concorrência perfeita sem quaisquer manifestações de assimetria de informação) e movidos pela simples busca por maximização do ganho individual, sem fazer uso de práticas maliciosas ou que de alguma forma acarretassem dano à contrapartida envolvida. Todas as possíveis conjunturas uma vez iniciadas as operações são antecipadas ex ante e o contrato seria, portanto, completo e seguro, especialmente ao se considerar que: “the role of institutions is suppressed in favor of the view that firms are production functions, ...and optimizing is ubiquitous.” (DEALESSI apud WILLIAMSON, 1985, p. 45). Figura. 3 - Premissas comportamentais dos agentes (EN x ECT)

Elaboração própria

2.2.1 Racionalidade (Rationality) Retomando a caracterização de que a racionalidade é de fato existente: sendo intencional, porém limitada, encontra-se na própria base do indivíduo social (conforme exposto na seção 1), o respaldo para entender que na ECT, o indivíduo possui capacidade cognitiva limitada ainda que consumidores e produtores sejam aptos: “[to] exercise foresight and choose between alternatives” (COASE, 1937, p. 387). De acordo com Herbert A. Simon (1976)13 e sua abordagem de procedural rationality as pessoas se encontram inseridas em um ambiente permeado por Simon se autoproclamou o “profeta da racionalidade imitada”. Ver BARROS (2010, p. 256):” Simon along his long lasting career, would advance much towards specifying his conception of ratioonality. One of the most important steps in this direction was the concept of procedural rationality …”, em que BARROS cita o artigo de Simon “From Substantive to procedural rationality” (1976). 13

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ambiguidade e incerteza, realizam buscas incompletas e são confrontados com tradeoffs que forçadamente as levarão a incorrer a sacrifícios de valores para alcançar o estado “satisfatório”. Citem-se as características fundamentais que um indivíduo (“organismo”) dotado do que Simon qualifica como racionalidade satisfatória: (1) limitações para planejar uma sequência longa de ações e comportamentos, (2) tendência a estabelecer aspirações para cada um dos múltiplos objetivos ou cenários possíveis, (3) tendência a operar sob objetivos sequenciais e não simultâneos14; e por último, (4) preferência pelo fim satisfatório em detrimento do resultado ótimo. As repercussões para os custos de transação desta premissa sobre a racionalidade teriam influência sobre o custo do processo decisório e na montagem e emprego da estrutura de governança mais eficaz. Adicionalmente à fase de planejamento, à medida que a realidade revela consequências que demandam ajustes, os agentes deverão ser dotados de ferramentas suficientes para tomar a decisão mais acertada e preferencialmente menos custosa acerca das adaptações necessárias. Sua aplicabilidade, tanto quanto o grau de eficiência estariam implicados pelas bases de governança que os agentes tenham sido capazes de constituir. O nível mais baixo de racionalidade seria a racionalidade orgânica. Usualmente associado a abordagens evolucionárias modernas, cite-se a Escola Austríaca para determinados processos genéricos, “the institutions of money, markets, aspects of property rights and the law being examples” (WILLIAMSON, 1985, p.47) bem como ao abordar níveis institucionais basais, caracteriza o comportamento não planejado dos agentes, possui baixo grau de tratabilidade econômica, é útil à NEI como abordagem complementar à ótica dos custos de transação. 2.2.2 Orientação pelo interesse individual (Self interest orientation) A próxima característica determinante do indivíduo na ECT é a busca pelo ganho individual em seu mais elevado grau: os agentes contratuais são altamente propensos ao oportunismo. Por este conceito, Williamson procura delinear a busca por ganho individual por meio de práticas enganosas, desde sua manifestação em Cuja causa o autor atribui à dificuldade de memória persistente, que remonte a eventos em um passado distante, o “bottleneck of short-term memory” (SIMON apud JONES, 1999, p. 301) 14

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mecanismos mais brandos e de uso corriqueiro a formas mais complexas e danosas de abordagem maliciosa. Mentira, roubo ou trapaça ativa, bem como a complacência ou viabilização de tais comportamentos, executados ex ante ou ex post. Este mesmo conceito é popularmente tratado na literatura de seguros como risco moral. Uma importante e comum manifestação de oportunismo ex ante é a omissão de informações pertinentes às trocas, bem como a transmissão de informações incorretas ou distorcidas. As atribuições de um contrato desenhado sob estas condições resultarão em uma estrutura de governança incompleta que se converterá em um ambiente propício a práticas oportunistas ex post em busca da maximização do lucro e para as quais, adaptações serão custosas e pouco ágeis de serem processadas. Plainly, were it not for opportunism, all behavior could be rule governed. This need not moreover, require comprehensive preplanning. Unanticipated events could be dealt with by general rules. (WILLIAMSON, 1985, p. 48)

Os agentes da economia neoclássica, por sua vez, não agem com astúcia, ao buscar a simples maximização do ganho individual. Ambas as partes compartilham toda a informação disponível e pertinente à relação a ser firmada, de modo que as contingências e cenários futuros possam ser projetados com clareza e resultem em uma estrutura consistente, pois, além de as bases apropriadas de governança serem construídas , não haverá surpresas no futuro. A forma mais branda de orientação individual seria a obediência. De cunho instrumental mais específico, esta última premissa está associada à engenharia social, recorrente em literaturas sobre utopia e temas relacionados, bem como para o estudo dos efeitos do patrimonialismo sobre a governança de uma sociedade, como utiliza Jacometti (2012) para analisar a evolução da governança corporativa no Brasil: Mas, em geral, cabe observar o seguinte: o fundamento de toda dominação, portanto, de toda obediência, é uma crença: a crença no "prestígio" do dominador ou dos dominadores. Raramente esta é absolutamente inequívoca. Na dominação "legal" nunca é puramente legal: a crença na legalidade é um "hábito", condicionado, portanto, pela tradição — o rompimento desta é capaz de aniquilá-la (WEBER apud JACOMETTI, 2012, p. 767)

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2.3 Estruturas de governança Uma vez expostas as dimensões dos contratos, pode-se analisar os cenários de governança efetiva pelo esquema proposto por Williamson (ver adaptação na figura 4). Para tanto, é necessário partir dos pressupostos que: (1) intenção de continuidade, por parte de ambos fornecedores e compradores, (2) conjunto numeroso de fornecedores potenciais no mercado - descarta-se o monopólio, (3) a frequência se refere à atividade do lado da compra, enquanto que (4) os investimentos contemplam as atividades por parte dos fornecedores. Anteriormente, foram abordadas as formações mais tradicionais das leis de contrato, a definição Clássica (que prezam pela formalidade, com agentes de identidade irrelevante) e o formato Neoclássico (a qual contempla relações de longo prazo, com necessidade, e capacidade, adaptativa e para a qual os agentes podem utilizar-se de serviços de arbitragem). Para a ECT, também se contempla uma forma mais orgânica de relação contratual, na qual o acordo entre as partes é desenvolvido ao longo do tempo. A noção de discrição dos agentes e formalização de termos de troca é abandonada. A parceria toma forma de uma “minisociedade”, como propõe Ian R. Macneil com sua Theory of Relational Contracting, cuja ideia central pode ser encontrada em: “Freedom of contract” in the utopian vision requires a social order in which people possess the practical ability to connect with each other to find meaning in their lives through common endeavour, a freedom that denies the life and death power of distant corporate managers over workers and their town. “Expectation” and “reliance” are not principles for delimiting “reciprocal measured exchange[s];” (...) “contractual obligation” is not parceled out grudgingly as compensation for a wrong committed; it represents instead the free assumption by social beings of the responsibilities for others with whom they interact. (FEINMAN apud MACNEIL, 1985, p. 515)

Faça-se uso das três definições para compreender cada estrutura de governança que concerne as formações esboçadas no esquema adaptado a seguir. O investimento não específico (lembrando que: executado por fornecedores), independente da frequência com a qual as relações de compra se concretizem, conforme exposto em (1). Retrata a estrutura de governança mais simples na qual os agentes executam uma relação de compra e venda, em lugar de um contrato, uma vez

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que não seria custosa a troca de agentes já que não há investimento especializado. Em contextos como esse, portanto, a identidade de cada agente é irrelevante e a própria experiência de mercado de cada um ditará a reincidência da relação entre eles

Figura. 4 - Governança Eficiente

Fonte: Williamson (1985) - Tradução e adaptação próprias

. Em (2a), abordam-se as transações ocasionais que reflitam compra de equipamentos especializados (característica do investimento misto), e algumas trocas das relações que impliquem a construção de uma planta ou unidade fabril (grau máximo de investimento especializado. Neste ponto, passa-se a analisar um contexto carregado de maior comprometimento, no qual os agentes estabelecem contratos e mecanismos de incentivos que assegurem sua execução, sendo capazes de mitigar o risco de que um deles abandone a relação. Ao contrário de (1), o mercado não oferece alternativas de novas relações, cada agente incorreria a um elevado custo caso esse movimento tivesse que ser executado. Uma das características inerentes ao modelo neoclássico é a arbitragem, recurso utilizado para assegurar a melhor arquitetura possível que se possa desenhar para o contrato, seja por conhecimento especializado neste procedimento, seja porque é executado por uma entidade alheia à relação. Em detalhe, reforça-se os termos de negociação na arquitetura do contrato, englobando neste processo os custos transacionais na qual a avaliação de toda a

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performance operacional futura entra em jogo. A terceirização do estabelecimento dos termos de troca terá como dever a neutralidade e como desafio a complexidade da governança operacional. Observe-se o exemplo dos contratos de adesão segundo o Código de Defesa do Consumidor no Brasil, que conceitua o contrato de adesão como sendo "cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo." No cenário do investimento especializado, este tipo de estrutura contratual não é verificado, uma vez que parte-se do pressuposto que na ECT o aparato legal representará ônus adicional ao custo de oportunidade por força da ruptura da relação estabelecida. Busca-se, de forma diametralmente oposta, um agente externo capaz de antecipar contingências evitando que este recurso seja acionado. Relações que se caracterizem por investimentos de natureza mista ou altamente específica e sejam ocasionadas pela compra de material customizado estão retratadas em (3). A recorrência deste tipo de transação é essencial para recuperar o investimento especializado. Nesta modalidade se encaixam dois tipos de transações: as estruturas bilaterais (ou relações de trocas específicas - já abordadas anteriormente) nas quais a autonomia das partes é mantida, bem como as estruturas unificadas, nas quais se verifica verticalização, ou seja, quando uma transação é incorporada à firma em substituição à troca realizada no mercado. Os problemas mais comuns para o caso de trocas realizadas no mercado seriam também observados nos custos de transação para o design contratual e a criação de uma estrutura de incentivos. No entanto, as partes estariam mais intensamente interessadas em adaptabilidade e negociações contínuas, dado o maior grau de especialização do investimento. Williamson enfatiza os processos de negociação de preços e quantidades em contexto de continuidade das relações: a estratégia e dificuldades subjacentes a cada um, os mecanismos e o alcance tático que cada parte pode dispor, uma vez que a empregabilidade alternativa dos recursos de ambos é nula ou demasiadamente custosa. Portanto, é fácil concordar que “Incentives for trading weaken as transactions become progressively more idiosyncratic” (WILLIAMSON, 1985, p. 78). Em (2b), os

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incentivos à verticalização aparecem com os ganhos de escala emergentes e com quão mais especializados se tornem os investimentos. Mudanças adaptativas são organizadas internamente e de maneira contínua.

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3 INTEGRAÇÃO VERTICAL Somehow, the centipede needs a hundred legs to move. (R. Gopalakrishnan)

O tema abordado neste capítulo há sido um desafio para a economia. Historicamente, a verticalização tem sido abordada com reservas à prática de monopólio. Dessa forma, será analisada brevemente a abordagem da ECT dos objetivos de mercado para os quais são empregadas diferentes formações de trocas, portanto, será retomada a noção básica de contratos como instrumento de análise com o mapa cognitivo proposto por Williamson (1985, p. 24). Prosseguir-se-á com uma análise geral dos incentivos e principais aspectos da verticalização. Elementos da teoria da agência e mecanismos de incentivos serão utilizados. 3.1 Interações de mercado e incentivos à verticalização 3.1.1 Tratamento instrumental de contratos A figura 5 a seguir retrata as distintas óticas pelas quais os contratos em organizações industriais são analisados. Basicamente, as relações contratuais, e consequentemente o esforço das firmas à verticalização, podem ser abordados por múltiplos pontos de vista de acordo com o propósito ao qual buscam servir, o que vem representado na abordagem esquemática em dois braços: o de monopólio, que compreende mecanismos praticados em detrimento do poder de escolha dos compradores, de um lado, e práticas danosas sobre rivais do outro; e a vertente da eficiência, sob o qual se agrupam os mecanismos de incentivos, bem como as práticas orientadas pelos custos de transação. A primeira abordagem, monopólio de influência ou leverage theory, sustenta que formas alternativas de relações contratuais são mantidas para estender o poder original de monopólio para outros mercados. A discriminação de preços caracteriza-se pela valoração diferenciada de mercadorias a distintos consumidores, a qual Williamson aponta qualifica como: “merely a means by which latent monopoly power is actualized” (WILLIAMSON, 1985, p. 25). Por meio de formações como as compras em elevado

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volume, o block booking15; outro exemplo seria a venda condicionada entre bens complementares - no Brasil, conhecido como venda casada16.

Figura.5 - Mapa Cognitivo de Contratos

Onde, FP = Função de produção Fonte: Williamson (1985) - Tradução própria

A vertente de artifícios de monopólio sobre as rivais inclui práticas Originalmente, o termo block booking se refere ao mecanismo na indústria cinematográfica utilizado nos anos 1920-30, até que a Corte Suprema nos Estados Unidos definisse esta prática como inconstitucional. Por meio do block booking os grandes estúdios vendiam compulsoriamente um conjunto “fechado” de filmes às casas de exibição indepententes, incluindo películas não solicitadas e de fato completamente desconhecidas: “ in order to get access to a studio's attractive A pictures, many theaters were obliged to rent the company's entire output for a season.” (SCHATZ, 1998, p. 74). Com isso, procuravam assegurar ganhos de distribuição e realizar a difusão de filmes de menor conceito junto a películas com melhor avaliação e prospecto de bilheteria, os blockbusters. 15

A Lei 8.884 / 94, artigo 21º, XXIII, define a venda casada como infração de ordem econômica. A prática de venda casada configura-se sempre que alguém condicionar, subordinar ou sujeitar a venda de um bem ou utilização de um serviço à aquisição de outro bem ou ao uso de determinado serviço. 16

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relacionadas à opressão da concorrência pela dimensão das firmas estabelecidas pelo mercado, por meio de barreiras à entrada (criticada na ECT por sua noção estática) e pelo comportamento estratégico. Este último de literatura posterior introduz proposições acerca da assimetria de informação e investimento, e considera efeitos de reputação dos agentes. Sob este conceito, o uso de formações não convencionais de contratos é contemplada como um meio com elevada probabilidade de elevar os custos de rivais. A literatura do comportamento estratégico é reconhecida por Williamson como a mais alinhada à vertente da governança, vide o corte no esquema pela curva FP (função de produção). As demais estariam alinhadas à literatura neoclássica. No braço de eficiência, na qual estaria delineada a NEI, a literatura de alinhamentos de incentivos estaria focada nos mecanismos ex ante da relação contratual, pela teoria da agência (que será abordada na próxima sub-seção) e na ótica dos direitos de propriedade. Na tentativa de suplantar dificuldades do direito de propriedade tradicional, formas renovadas desta literatura aprofundam o conceito de posse, passando a reconhecer nesta o direito de usar determinado ativo, o de apropriar-se de retornos auferidos de seu emprego, bem como o de modificá-lo. Termos de propriedade incompletos e desalinhados estariam na base de alocações ineficazes de recursos. A explicação para a incorporação de processos, ou mesmo como justificativa para determinadas relações de troca seria, sob esta luz, a de que: ...discrete market contracting is supplanted by more complex form of contracting, because that is the way residual rights to control can be placed in the hands of those rights most productively. (WILLIAMSON, 1985, p.27)

No ramo da ECT, aborda-se a governança, analisada na seção anterior, que como foi visto, enfoca nos papéis delineados para cada parte e no desenho da arena para adaptações eficientes ao longo do caminho para relações de troca. Os conceitos são interdependentes, entretanto a mensuração está voltada para eficiência no desempenho e contradições que passem a surgir no fornecimento de um serviço ou produção de um bem, preocupando-se com a relação entre propriedade e recompensas. É fácil ver que apesar das diferenças de enfoque dos dois ramos da ECT, a existência de oportunismo e limitações na capacidade cognitiva dos agentes está na essência de ambos; em outras palavras, na ausência destas condições as relações contratuais não

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apresentariam quaisquer problemas de governança, tampouco de mensuração de recompensas. A partir das diferentes óticas de mercado, foram constatadas divergências em enxergar determinadas estratégias tais como o block booking e a própria verticalização pela lente dos custos de transação em vez de concebê-las como práticas de monopólio, principal preocupação observável nas políticas de defesa da concorrência. Para as políticas antitruste, a integração vertical deve ser tratada com reservas ao aumento das barreiras à entrada, como forma de estender o poder de mercado detido por uma empresa em sua atividade de origem para outros ramos e com antecipação ao surgimento de foreclosure (situações nas quais uma empresa impede que outras tenham acesso ao seu mercado). Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que tais consequências dependem primordialmente da existência de poder de mercado pela empresa envolvida no processo de verticalização. Esta seria condição necessária, mas não suficiente. Para que sejam constatadas barreiras à entrada, também deve haver o bloqueio deliberado dos canais de distribuição por parte da empresa verticalizada, por meio dos quais a empresa impeça que compradores de bens ou serviços possam adquirir artigos não produzidos por ela. Somente caso estas restrições se observem em conjunto, pode-se reconhecer um caso de barreiras à entrada como efeito da verticalização. Para estender poder de mercado, a empresa deve partir de uma condição de influência já existente no campo no qual atua. Para maior clareza, utilize-se do exemplo com um único fabricante de máquinas e poucas empresas distribuidoras destas máquinas no mercado. Caso o fornecedor decida pela estratégia de integração vertical para frente, passando a atuar na distribuição destas máquinas, acarretará a aniquilação das firmas distribuidoras inevitavelmente. O surgimento de foreclosure subjacente ao processo de verticalização, à semelhança do caso descrito no parágrafo anterior, parte da verificação de monopólio existente como condição necessária - o que nos leva a concordar que a integração vertical não seria responsável pela concentração de mercado e, portanto, não deve ser analisada sob esta ótica per se. Refutado o argumento de monopólio, admite-se que a tecnologia seria um fator crucial para a verticalização, por meio da qual seria executado o seguinte

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movimento: “joining fungible inputs to yield outputs according to the engineering specifications” (WILLIAMSON, 1985, p.86). Entretanto, esta é uma razão que ainda considera a firma como uma função de produção, Williamson combate a visão do determinismo tecnológico para abordar as vantagens da integração vertical sobre os custos transacionais pela vertente da governança, como será visto a seguir. 3.1.2 Modelo heurístico de integração vertical Pela ótica de custos operacionais, com vistas à complexidade dos sistemas produtivos, é de geral consenso que uma firma integrada seria preferível a estruturas de coordenação de mercado fragmentadas. Contextos específicos que seriam exceções a essa concepção “lugar comum” ocorrem quando se observam amplas economias de escala (ou de escopo) ou quando haja detenção de patentes por parte de fornecedores. Sob essa luz, vale ressaltar que: “Vertical and lateral integration are usefully thought of as organization forms of last resort, to be employed when all else fails. That is because markets are a “marvel’ in adaptation […] respects.” (WILLIAMSON, 1991, p. 279).17 Já tendo, portanto, contemplado um caso no qual a tecnologia seria fator chave nas relações contratuais e na arquitetura interna da firma. Pode-se estender que ela seria fator determinístico à estrutura organizacional caso existisse uma tecnologia específica que fosse comprovadamente superior às demais disponíveis no mercado, ou quando características específicas da tecnologia empregada demandassem, por sua vez, uma estrutura específica de mercado ou da firma (internamente). Convém analisar estas premissas pelo esquema de contratos exposto na figura 2 (na segunda seção). À medida que a tecnologia se torna mais complexa, demandando investimentos cada vez mais específicos, o mercado se aprofunda em um ambiente arriscado, burocrático e ineficiente para atender aos requisitos de oferta para determinado produto. The high-powered incentives of markets manifest themselves in both respects: They favor tighter production cost control but, as the bilateral dependency of the Enquanto a verticalização compreende os processos incorporação de diferentes estágios da produção para trás (aquisição de subsidiárias que produzem insumos) ou para frente (observada quando o movimento se executa no sentido da venda ou distribuição); a integração horizontal (ou lateral) ocorre quando as aquisições incorporam o mesmo estágio de produção, o fornecimento de componentes. 17

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relation between the parties builds up, they impede the ease of adaptation. The latter effect is a consequence of the fundamental transformation that occurs as a condition of asset specificity deepens. (WILLIAMSON, 1985, p. 91)

E é sob a ótica da eficiência das estruturas de governança e considerando a especificidade de ativos que se pode analisar o modelo proposto por Williamson (1985, p. 91) para a tomada de decisão entre comprar versus produzir, na figura abaixo. Para compreensão o gráfico, leia-se  k  como os custos com a burocracia de governança interna, M k  os custos correspondentes à governança de mercado, e onde k seja um índice de especificidade de ativos. Em virtude do percurso de eficiência descrito acima, é coerente assume-se que  0   M 0  , no entanto M      k , sendo esta última consequência da insuficiência progressiva do mercado no que tange adaptabilidade. Por G   k   M k  , tem-se, portanto: Figura 6 - Custo de Governança Comparativa

Fonte: Williamson (1985)

O modelo reforça, por outro caminho, a proposta do esquema simplificado no qual as trocas de mercado (e a governança unilateral) são o cenário mais eficaz quando é baixo o grau de especialização dos investimentos, em virtude dos custos operacionais inerentes ao controle interno da organização integrada. No entanto, torna-se inadequado à proporção que a tecnologia se torna mais restrita, o que, por sua vez, acarreta elevado grau de interdependência e cuja estrutura de adaptabilidade se torna também mais

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onerosa e menos dinâmica quando há mais de um agente envolvido. No ponto em que a diferença cruza o eixo das abcissas ( k ), observa-se um cenário no qual escolha entre a produção interna e aquisição no mercado é indiferente. O modelo acima presumia que economias de escala e escopo não eram relevantes, o que não seria um pressuposto muito realista para grande parte dos mercados. Brevemente, para Williamson (1985), mantendo constante o nível de produção, é também possivel admitir que: i.

A perda com o aumento de custos é bastante elevada ao incorrer à

produção interna quando os investimentos sejam genéricos e as transações estandarizadas, cenário no qual os ganhos com a agregação de mercados (escala e escopo) se mostram altos. O que pode ser verificado também na ótica de governança (remonte-se ao binômio “hazards e safeguards”). ii.

A organização interna, por sua vez, apresenta elevada vantagem sobre

trocas de mercado sempre que a especialização atinja níveis substanciais e, neste caso, além de se evitar o problema do aprisionamento (o qual já foi abordado), economias por agregação são pouco verificáveis. iii.

Para graus intermediários de especificidade de ativos, as formações não

convencionais / formais de contratos serão altamente aplicáveis, uma vez que as diferenças de custos não se manifestem de maneira uniforme. Há casos nos quais compensará “produzir em vez de comprar”, ou que o inverso poderá ser verificado. É importante salientar que os agentes conservam certo grau de autonomia: poderão lançar mão da arbitragem interna, bem como recorrer ao mercado para laços mais vantajosos. iv.

De maneira mais genérica e tautológica, firmas maiores são mais

propensas à verticalização e custos de transformação, isoladamente, não serão a única motivação para que a firma opte por esta estratégia - uma vez que, para este quesito, se verifica desvantagem com relação ao mercado na maior parte dos casos. Em outras palavras: “Only when contracting difficulties intrude does the firm and market comparison support vertical integration.” (WILLIAMSON, 1985, p. 94).

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3.1.3 Fronteiras de eficiência Um exercício interessante para entender a propensão e a aplicabilidade da integração vertical seria submeter todos os estágios de produção à avaliação make or buy. Por meio de um modelo altamente simplificado, a proposta é contemplar os cenários nos quais se verifique a possibilidade de integração como uma saída factível e quando seja vantajosa para o produtor, em uma estrutura a qual será denominada fronteira de eficiência, onde: “The efficient boundary is the inclusive set of core plus additional stages for which own supply can be shown to be the efficient choice.” (WILLIAMSON, 1985, p.98) Utilize-se uma empresa que, por razões de especificidade de local, (1) executa três estágios distintos de produção; (2) a matéria-prima é adquirida de um fornecedor externo (terceiro); (3) o processo de produção se desdobra em: transformação física da matéria-prima e acoplagem de componentes à estrutura principal (mainframe) e que, por último, (4) a firma contemple a possibilidade de terceirizar sua distribuição, bem como a de executá-la por si mesma. Figura 7 - Fronteira de Eficiência

Fonte: Williamson (1985)

Na figura: R corresponde ao fornecimento da matéria-prima; S1, S2 e S3 são os estágios de produção nucleares; C1-B, C2-B e C3-B representam a oferta de

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componentes quando compradas de fornecedores, enquanto que C1-0, C2-0 e C3-0 indicariam os casos nos quais os componentes fossem produzidos pela própria firma. Por sua vez, D-0 representa os casos em que a distribuição é realizada por terceiros, enquanto que em D-B, este processo seria executado pela própria firma. A escolha arbitrária do desenho da figura deve ser lida como: estágios S1 a S3 são invariavelmente produzidos internamente e também a matéria-prima só pode ser adquirida por um produtor anterior à organização na cadeia, ambos por conta de determinações que dizem respeito à tecnologia a ser empregada no núcleo de cada processo, uma premissa bastante realista. Em contrapartida, os estágios C1 a C3 (produção de componentes) e D (distribuição), estão passíveis ao processo de subcontratação. No exemplo delineado acima, a firma opta pela produção do componente ou linha C2-0, que acarreta distribuição também com os próprios recursos; neste caso, vale esclarecer que C1 e C3, assim como R, são comprados no mercado de fatores. Para a produção do componente 2, na conjuntura na qual a decisão foi tomada, observa-se a fronteira de eficiência de produção delineada na figura. Ratificando-se que a escolha pelo componente tenha sido aleatória, o que se procura enfatizar com o esquema é o de que, para estruturas produtivas complexas ainda que sujeitas a limitações de ordem técnica ou de especificidade de qualquer tipo em determinado grau, a integração vertical é um processo de coordenação dinâmica, especialmente se contempla-se uma firma que trabalhe com fornecedores off-shore. Em nossa figura, poder-se-ía indagar: “por que não optar pela produção in house do componente C1, em vez de C2?”. Um método proposto para delinear a fronteira de eficiência da firma deve responder aos questionamentos abaixo18: A. Aspectos de Produção 1. Economias de escala em potencial seriam esgotadas caso a firma optasse por produção interna de componentes para sua produção? 2. Economias de escopo são suficientemente significativas e de fato podem ser realizadas pela firma? B. Design e Aspectos sobre os Ativos 18

Ver OUCHI apud WILLIAMNSON, 1985, p. 97

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1. O item em questão possui propriedades especiais de desenho? Ou deveria apresentá-las? 2. Na condição de equilíbrio, são incorridas economias ao produzir o item com o uso de tecnologia específica? C. Aspectos Contratuais 1. As partes contratuais estariam potencialmente presas em uma relação de troca bilateral? 2. Há necessidade de adaptações frequentes de adaptação à relação de troca por conta de perturbações externas? Essencialmente, por uma terceira via, – após analisar a verticalização sob a governança e pelas economias de escala e escopo – consolida-se pela eficiência que para alguns estágios de propriedade comum, a decisão pela produção em lugar da aquisição é dispensável, o que, no modelo, é representado pelo determinismo por conta da especificidade de ativos sobre alguns estágios da produção; enquanto que haveria estágios nos quais a produção interna seria de extrema desvantagem ou tecnicamente impraticável, no entanto, a conclusão mais importante que se pode depreender seria a de que pode haver para determinado conjunto de etapas produtivas a possibilidade de produzir internamente ou adquirir no mercado, uma vez que sejam contemplados ambos os custos de transformação e os de transação. 3.2 Conflitos principal-agente e contraponto à Agency Theory Neste ponto da análise, já se pode de concordar que o sucesso de uma organização estaria essencialmente ligado à conciliação de interesses potencialmente conflitantes no transcorrer de sua operação em espectros de onde possam surgir antagonismos desde o estabelecimento do contrato às relações de trabalho, passando pela gestão dos recursos e partindo, no entanto, da condição de que propriedade e controle são exercidos por agentes diferentes, um cenário observado com elevada frequência nas organizações atuais. Retomando o mapa cognitivo de contratos da figura 5, a teoria da agência

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(inspirada na economia da informação), desenvolveu-se sobre duas principais vertentes. A primeira, teoria positivista do agenciamento possui viés mais pragmático e está preocupada em identificar as situações na qual o principal e o agente possivelmente irão apresentar conflitos de objetivos. A estrutura de capital da empresa, o grau de especialização dos seus ativos, os custos de informação e os mercados de fatores de produção, são reconhecidas como variáveis que influenciam as relações contratuais e a necessidade do sistema de informação contábil e de governança. A teoria positivista, portanto é favorável à concepção de que a seleção natural de alternativas é eficaz. A segunda vertente seria a do agente-principal que procura através de uma abordagem matemática o efeito dos três fatores que integram os contratos entre o principal e o agente: (1) estrutura de preferência das partes contratantes, (2) natureza da incerteza e (3) estrutura de informações da organização e do seu ambiente institucional. O foco principal estaria voltado para a divisão dos resultados, que impõe desde o princípio riscos de alinhamento de incentivos; as soluções de equilíbrio seriam encontradas mediante o cálculo de utilidades entre as diferentes estruturas de informações e seus custos; partindo do princípio de que ambas as partes irão ter plena compreensão ex ante de barganha e de que a mediação de conflitos por mecanismos legais é efetiva. Um dos pressupostos úteis a nossa análise de contratos seria a seleção adversa a qual supõe que, em virtude da própria assimetria de informação disponível, o principal pode não ser capaz de determinar a informação da qual irá dispor o agente. Na realidade, o agente e o principal podem possuir informações provenientes de diversas fontes distintas, por exemplo: “because within the division of labor they each specialize in different economic activities” (OTÁHAL, 2012, p. 18). A teoria do agenciamento, no entanto, mostra-se mais uma vez deficiente sob a ótica da ECT por não antever problemas sobre propriedade residual e as noções de posse tratadas pela literatura de property rights, todas as obrigações são tratadas ex ante, sem fricções futuras: “ since each party’s obligation to the other is completely specified for every state of nature, there are no residual rights of control over assets to be allocated” (GROSSMAN e HART apud WILLIAMSON, 1985, p.28). Já foi abordada anteriormente a visão de Coase (1937) na diferenciação entre um contrato comercial de um contrato laboral, como essencialmente o controle sobre o

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processo, o tempo e o resultado do produto a ser desenvolvido. Deve-se ter em mente que o proprietário se beneficia da redução de custos transacionais com a criação da firma, no entanto, o problema do principal-gente surge em diferentes esferas a partir do momento em que posse e controle estão separadas: se o proprietário não estiver presente para monitorar o gerente, como poderá se certificar de este último esteja zelando pela maximização dos lucros e não atuando com leniência sobre seus subordinados e afazeres diários ou leviandade sobre seus indicadores? Na realidade, a governança corporativa inerente às relações contratuais contempla as relações laborais, com fornecedores e introduz-se a figura do board of directors. Remontado-nos ao esquema da figura 2, resumidamente, pode-se contemplar os principais contextos de conflitos apontados por Williamson para os agentes contratuais. No ponto A (1), recorde-se que não há necessidade de suporte de governança, sejam os agente ligados por um conselho ou não. Mediação no mercado é suficiente para ambas as partes. Já no ponto C (2), onde se verifica governança bilateral alinhada às necessidade idiossincráticas da própria transação, constata-se a necessidade da interveção do board of directors somente por ocasião de falhas na estrutura de governança. Ainda para este cenário: “Labor may sometimes qualify, especially when a firm is experiencing difficulties and is asking for givebacks.” (WILLIAMSON, 1985, p. 324). Para as relações contratuais no ponto B (3), apresentam o maior grau de necessidade por governança de caráter remediador, pela própria natureza de seus contratos. Deverá ser montada uma rede de monitoramento possibilitando até mesmo a substituição da gerência quando se observe comprometimento do patrimônio da empresa. “For that reason the board of directors should be regarded principally as a governance instrument of the shareholders” (WILLIAMSON, 1985,p.324). A literatura contemporânea admite três mecanismos ou forças disciplinadoras de gerentes: (1) contratos de incentivos: tipicamente, CEOs recebem elevados bônus e opçao acionária19, a exorbitante remuneração de algumas empresas é tema de manchetes de revistas internacionais e há correntes que questionam um nível tão alto de pagamentos, no entanto, deve ser considerada também a estrutura de bônus sobre performance vigente na organização e a pergunta: o desempenho da empresa declinaria 19

Na verdade, este benefício que pode ser concedido a cargos de alta gerência em posição hierárquica abaixo de CEOs, dependendo da estrutura de graduações salariais da empresa.

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caso os CEOs deixassem de receber compensações equivalentes aos detentores de propriedades, os acionistas? Esta no entanto é uma abordagem de aspectos internos à firma, contemple-se também os incentivos externos: (2) reputação e (3) aquisições. Gerentes aumentam sua mobilidade quando sinalizam participação em projetos bem sucedidos, sob este conceito, empregariam esforços em construir uma boa reputação sinalizando que detém habilidades para gerar lucros para empresas - incorrendo a custos de treinamento e horas exaustivas de trabalho, as quais seriam de benefício direto e presente à empresa que emprega o gerente que visa ocupar cargo mais elevado em outra organização no futuro. Diametralmente oposta à coragem do salto de mudança, os gerentes podem por força de receio de aquisições investirem em melhorias do próprio desempenho. Seu valor aumentaria junto com o valor da empresa, diminuindo sua possibilidade de ser adquirida por outra, ou este fator trabalharia em favor da manutenção do gerente como peça- chave de transição, de alto valor agregado caso se dê um evento de fusão ou aquisição. A reengenharia advinda com o novo parceiro ou proprietário representaria promoção e não eliminação de seu cargo.

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CONCLUSÃO Chega-se ao final de uma análise balizada pelo objetivo central de consolidar com clareza os conceitos da ECT. É inevitável reconhecer o grau de pragmatismo e interdisciplinaridade desta Escola de pensamento, que se consolidou em meio à tradição neoclássica abordando o homem como um ser multi-dimensional e contemplando todos os matizes que o convívio social pudesse refletir nas relaçoes econômicas que os indivíduos estabelecem entre si. A importância das instituições para a NEI traduz-se em perceber que a base do caráter humano deve ser abordada em sua vida social (e não alheia a ele) num ambiente que arma as bases sobre as quais os indivíduos irão se desenvolver para, em última instância, estas mesmas bases estenderem-se nos questionamentos que resultem em rupturas de paradigmas ou mudanças orgânicas e graduais em suas formas e ritos, dentre os quais as trocas, nosso foco. E nelas o homem deve ser tratado com fidelidade aos aspectos mais mundanos e sombrios de seu caráter: limitado em suas faculdades cognitivas e meios informativos, bem como inclinado à mais ínfima oportunidade em que a vantagem individual possa se concretizar, numa palavra, o oportunismo. Características as quais serão, entre outros (cite-se a tecnologia requerida), elementos determinantes sobre os instrumentos dos quais irão lançar mão para celar laços de comprometimento entre si. Se da amplitude da necessidade social emerge a firma, sua dimensão se limita por quão mais específicas se torne o que buscam os indivíduos. Em termos instrumentais desenvolvidos em nossa leitura, a especialização do investimento e interdependência crescente entre as diversas unidades da cadeia produtiva para atender à demanda influirá fortemente na duração dos contratos e nas estruturas de governança montadas para mitigar o risco de descontinuidade na relação estabelecida entre partes contratuais. Estas, por sua vez, podem lançar mão de agentes alheios à relação de troca, que tratem de zelar pela clareza, consistência e antever a adaptabilidade operacional necessária aos termos de compromisso. Foi visto, no entanto que as vulnerabilidades de uma parceria podem, sob circunstâncias específicas, serem suplantadas pelo instrumento de integração lateral ou

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vertical. Basicamente, uma firma transumta em seus, problemas dos quais dependia de um, ou mais de um, agente alheiro a sua estrutura. Ao incorporar a tentativa por soluções mais eficientes, novos desafios surgem na economia interna da organização. No entanto, e novamente ressalte-se o caráter pragmático da ECT, a firma é um organismo dinâmico, que seguirá interagindo por várias interfaces com outras firmas, e não comportar-se como uma peça maciça e impenetrável no contexto econômico. É interessante retomar a importância do indivíduo, como realmente é, dado ao oportunismo e a limitações de racionalidade, para contemplar que estes organismos (as firmas) serão o ambiente nos quais estes seres sociais deverão diariamente empregar suas faculdades com vistas a conhecer e executar o melhor desenho para maximizar os ganhos da firma, que em certo grau, encontram-se na mesma direção d seu interesse individual, até o momento em que não o estejam.

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