Nova Friburgo: entre o iluminismo português e a gênese bíblica

June 16, 2017 | Autor: Gisele Sanglard | Categoria: History, Cultural History, Social History
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GISELE PORTO SANGLARD

NOVA FRIBURGO: entre o iluminismo português e a gênese bíblica

Dissertação de Mestrado

Departamento de História Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 2000.

GISELE PORTO SANGLARD

NOVA FRIBURGO: entre o iluminismo português e a gênese bíblica

Dissertação apresentada ao Departamento de História da PUC-Rio como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em História.

Departamento de História Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 2000.

A minha família

Agradecimentos:

-

Agradeço ao professor Antônio Edmílson Rodrigues por seu carinho, dedicação e

amizade demonstrados ao longo da confecção deste trabalho.

Suas observações e

indicações foram cruciais para o resultado final. -

ao Departamento de História da PUC-RIO por me ter acolhido, ainda uma vez, em

seus quadros e possibilitado meu desenvolvimento profissional. -

Aos colegas que leram este trabalho e contribuíram para seu engrandecimento.

-

A todos os meus amigos que entenderam, ou não, as minhas ausências no transcurso

de meus estudos e torceram por sua realização. -

A uma pessoa que mesmo de longe se preocupou com este trabalho.

-

Ao CNPq por ter permitido a realização deste trabalho.

Resumo: A presente dissertação pretende analisar o processo de construção da memória da colonização suíça através dos descendentes suíços em Nova Friburgo, a partir da análise da documentação epistolar preservada junto a instituições de pesquisas suíças e publicadas pela imprensa da época, que permitem compreender o momento do encontro destes dois mundos diferentes: o Velho e o Novo Mundo. A leitura destas cartas, confrontadas com o livro Terra! Terra!, escrito mais de um século depois, por um suíço nos permite compreender este processo de culto à memória pelo qual passa tanto a cidade de Nova Friburgo, quanto os descendentes destes imigrantes.

Resumé: Dans ce travail, on esseye de vérifier comment le processus de rédecouvert de la mémoire de la colonization de Nova Fribourgo est en train d'être dévéloppé. Par tant, on va travailler avec la documentation arquivé dans des Instituitions et Archives Publiques Suisses, qui ont été parru à la presse d'ailleurs. L'analyse de ces lettres nous permet d'entendre la rencontre des ces deux mondes ci differents: le Vieux et le Nouveau Monde et, à partir de la confrontation avec le livre Terre! Terre!, ecrit par deux Suisses plus d'un siècle après, nous rend possible de compreendre le développement de ce culte à la mémoire pour le quel la ville de Nova Fribourgo et les descendents des premièrs colons passent.

Sumário:

Introdução

01

Capítulo 1: Nova Friburgo entre dois projetos

08

1.2 O projeto ilustrado português

18

Capítulo 2: De Nova Friburgo a Fribourg através das cartas

27

a. O papel do europeu: trazer civilização ao Brasil

36

b. A civilização entra a barbárie

38

c. Em busca dos sonhos

44

d, Muito a ensinar

46

e. A busca solitária da riqueza

49

f. De primeiras ilusões ã chegada ao Paraíso

55

g. O exílio forçado

58

h. Sua expectativa, próxima a se realizar

61

i. Um longo silêncio é rompido

62

j. A título de conclusões parciais

63

Capítulo 3: Entre a Suíça e o Brasil

66

3.1 Civilização e barbárie em Terra! Terra!

73

3.2 Terra! Terra! como construção da memória da colonização

84

3.2 Terra! Terra!, resumo de uma busca

90

Conclusão

95

Bibliografia e Fontes

100

INTRODUÇÃO:

“Na mesma época, combinaram-se

política imigrantista e medidas restritivas ao tráfico: o freio imposto à entrada de africanos deveria ser acompanhado de medidas estimulando a chegada de europeus.”1

A idéia de se trabalhar o tema da imigração suíça o Brasil, mais especificamente para de Nova Friburgo, surgiu ainda durante a graduação e teve como primeiro resultado a monografia de fim de curso e me levou a um estágio de estudos superiores na Universidade de Fribourg, Suíça, onde pude tomar contato não só com os arquivos locais mas também, conhecer mais de perto o trabalho da Associação Fribourg-Nova Friburgo além de perceber e, também, dimensionar seu papel no que tange tanto sua ação local (Suíça) quanto externa (Nova Friburgo). Durante este processo de aprendizado e aprofundamento no tema, novas questões foram se colocando e Nova Friburgo foi, aos poucos, tomando novos contornos. Algumas certezas, já estavam colocadas antes da partida para a Suíça como a questão da transformação a história desta imigração em uma grande tragédia e seus agentes - os próprios imigrantes - em heróis desta epopéia. Porém sempre me faltava entender como a história de luta do imigrante, qualquer que seja sua nacionalidade, em um mundo estranho, desconhecido, se tornou esta tragédia perpetuada pelos descendentes dos

1

L. F. ALENCASTRO. "Caras e modos...", p. 292.

primeiros imigrantes. Pois a dificuldade de adaptação, que pode ser entendida como o distanciamento do imaginado com o que foi encontrado, me parece uma sorte comum a todos os que se propuseram largar sua pátria natal para povoar o Novo Mundo. Neste processo, alguns foram mais felizes que os outros, mas os infortúnios foram sempre coletivo. "A travessia marítima da Europa para o Brasil, quando todos se achavam misturados no navio anonimamente, despertava no imigrante a sensação de isolamento. Nome, origem, profissão e tudo o mais que até então servia como identificação social e motivo de amor-próprio se diluía nessa nova situação que, aliás, já começava no porto de embarque."2 Foi somente ao vivenciar Martin Nicoulin narrando esta história e me perceber quase em lágrimas ante seu relato, que pude dimensionar o papel exercido por este historiador, para além de seu trabalho acadêmico - La Genèse de Nova Friburgo - no enraizamento de uma noção, de uma determinada leitura, desta história. Muito mais importante que seu livro foram as palestras que ele proferiu, percorrendo os principais territórios que cederam imigrantes para este evento na Suíça e em Nova Friburgo, no Brasil. Pois, nestas palestras, ele exerce plenamente seu papel de narrador, nos envolvendo com sua seleção, buscando o lado mais trágico, jogando com a emoção ou como nos diz Walter Benjamin: "O extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser e, com

2

IBIDEM, idem, p. 317-18.

isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação."3 Com isto, esta história acaba por se tornar parte do leitor ouvinte. Vale ressaltar que boa parte dos leitores ou compradores de La Genèse de Nova Friburgo, aqui no Brasil, não falam nem lêem francês e, estas palestras realizadas em português, constituíram a única forma de acesso a esta informação, tendo em vista o longo tempo de espera para que tivessem acesso a versão em português do livro. E através destas palestras e da atuação de Martin Nicoulin frente à Associação Fribourg-Nova Friburgo, aos poucos Nova Friburgo vai (re-) construindo sua história. Ao trabalharmos com esta (re-) construção da memória deste evento singular, procuramos pensar em dois momentos diferentes: aquele vivido pelo próprio imigrante e sua percepção e aquele que está inseridos este processo de (re-) leitura do passado comum desta cidade realizado pelos descendentes dos primeiros colonos. A arquitetura desta dissertação, trás primeiro capítulo uma problematização da colonização de Nova Friburgo e sua inserção nas políticas vigentes à época. Neste capítulo estaremos discutindo a empresa colonizadora como resultado de dois grandes projetos: o da Coroa portuguesa e o dos próprios imigrantes. No que tange ao projeto da Coroa levamos em consideração a política de interiorização da metrópole, tal qual proposta por Maria Odila da Silva Dias, em seu artigo homônimo e a política de divisão de terras que começa a ser delineada neste período. Ressaltamos a importância do papel da elite ilustrada portuguesa neste processo, sobretudo na construção e consolidação do Império Luso no além-mar, em um momento em que as pressões para o fim do tráfico começam a se intensificar. 3

Walter BENJAMIN. "O narrador", p. 203.

"Preocupados, ao contrário, com o mapa social e cultural do país, a burocracia imperial e a intelectualidade tentavam fazer da imigração um instrumento de "civilização", a qual, na época, referia-se ao embranquecimento do país."4 Foi para atender a este projeto específico que foi acertada a vinda de colonos suíços para o Brasil a fim de se estabelecerem nos arredores da Corte. Por outro lado, o desejo de mudar de vida, de alcançar a prosperidade motivou milhares de pessoas a deixarem sua pátria e tentar a sorte alhures. As viagens foram a forma encontrada por eles para mudarem de vida e, também, a vida. Não somente os grandes cientistas-viajantes eram os detentores deste amuleto, que lhes abriria o caminho para a riqueza, para o reconhecimento e, quem sabe, para a glória. Muitos homens simples, cujas histórias de vida se perderam nas brumas do passado também acreditaram ter este poder – de mudar – e resolveram partir em busca de um sonho de prosperidade. Eram os imigrantes, que singraram os oceanos atrás de seus sonhos, de uma vida melhor... e que traziam em suas bagagens não só sonhos, mas também vivências/experiências que podem ser traduzidas em suas visões de mundo e pelos valores europeus (universalidade, humanidade, etnocentrismo...) bastante diferente do que eles vão encontrar na nova terra. Também, neste primeiro capítulo, estaremos trabalhando algumas questões referentes ao que chamamos Nova Friburgo hoje, onde discutiremos o papel das diversas Associações criadas a partir do lançamento do livro de Martin Nicoulin e de suas reiteradas visitas à cidade. A questão da expectativa dos imigrantes será discutida mais detalhadamente ao longo do capítulo 2, onde serão analisadas algumas cartas enviadas pelos imigrantes aos

4

ALENCANSTRO. op.cit., p. 293.

parentes e amigos que haviam ficado na Suíça. Nesta correspondência eles deixam escapar suas angústias e sua fé na realização de seu desejo último: o encontro com o Paraíso Terrestre. Estes homens eram motivados pelas descrições feitas acerca da América, sempre como um lugar de múltiplas possibilidades e de riqueza infinita. Descrições estas que muitas vezes se transformaram em propagandas eficazes para atrair imigrantes e que forneciam um manancial inesgotável que irrigava e mantinha forte a expectativa na realização de sua motivação, motivação esta quase que escatológica. Para discutimos a questão tanto da experiência do imigrante/imigração quanto da expectativa causada, estaremos nos baseando nos conceitos propostos por R. Kosseleck: l'espace de l'expérience (espaço de experiência) e l'horizon d'expectative (horizonte de expectativa), onde estas duas categorias – experiência e expectativa – estão sendo entendidas como as responsáveis pela relação entre o passado e o futuro. E, por esta relação direta entre o passado vivido e o futuro desejado/esperado, elas não podem ser pensadas separadamente. A primeira, se encontra relacionada com a memória e a manutenção do vivido, mesmo que, no que concerne a memória individual, a lembrança esteja mais vinculada a sensações (medo, prazer, dor, felicidade etc.), onde “fica o que significa”5, ou como diz Koselleck: “Dans l’expérience se rejoint l’élaboration rationelle et des comportements inconscients qui ne sont pas ou plus obligatoirement présents dans notre savoir.”6, enquanto que a segunda, está ligada a esperança de uma vida melhor, a busca incessante do

5

Ecléa BOSI. Memória e sociedade, p. 27. R. KOSELLECK. “Champs d'expérience” et...”, p. 311. "Na experiência se misturam a elaboração racional e comportamentos inconscientes que não se encontram ou não se encontram mais obrigatoriamente em nosso conhecimento." (tradução livre)

6

paraíso terrestre, paraíso este não mais alcançável pelas boas ações praticadas no mundo, mas pelo progresso, muitas vezes confundido, ou mesmo transformado, em sinônimo de enriquecimento. Neste capítulo 2, entretanto, a discussão estará mais centrada na questão da alteridade, da descoberta do eu e do outro levando em consideração que “...já que todos os costumes se equivalem, as diferenças só podem ocorrer do ponto de vista mais ou menos próximo; o bárbaro, é o outro, já que nós, nós somos civilizados, e o outro não se parece conosco.”7 ; e como eles conseguem equacionar a difícil operação da descoberta da alteridade com a expectativa acalentada. O resultado desta equação é a própria trajetória da cidade de Nova Friburgo que vai ser discutido ao longo do capítulo 3, onde a partir da leitura do romance Terra! Terra! iremos trabalhar o processo de (re-) construção da memória desta cidade, que passa por uma re-leitura da expectativa inicial: a expectativa bíblica sede lugar à teoria do fracasso, adiando ad infinitum o alcance da parousia. Por este livro ter sido considerado pelos descendentes dos primeiros imigrantes como obra memorialística da fundação de Nova Friburgo, definindo, assim, o lugar dos heróis desta epopéia e, por outro lado, podendo ser também percebido quase que como um resgate de um papel social esquecido; a memória exerce, neste capítulo, um papel fundamental pois está relacionada à perspectiva dos descendentes destes primeiros colonos e a suas interpretações acerca deste início e à idéia de fracasso advinda desta leitura. Partindo do conceito de memória como seleção e que

“.... il a bien fallu choisir parmi toutes les informations reçues, au nom de certains critères; et ces critères, qu’ils aient été ou nom conscients, serviront aussi, selon toute vraisemblance, à orienter l’utilisation que nous ferons du passé.”8, podemos trabalhar a construção deste conceito entre os descendentes destes primeiros colonos. E é justamente esta utilização do passado pelo presente que torna o papel da memória crucial. Por outro lado, por estarmos nos baseando em um romance que não teve pretensão de ser a memória viva da colonização suíça no Brasil, mas que passou a ser compreendido como a memória coletiva deste evento, estaremos nos detendo um pouco na discussão do conceito de memória e de seu papel histórico, bem como da invenção de uma tradição interpretativa em Nova Friburgo acerca de sua história, que é aceita e reiterada por seus habitantes e pelos descendentes dos primeiros colonos, mesmo aqueles que já se encontram afastados do núcleo original.

7

TODOROV. Nós e os outros...., p. 56. TODOROV, Les abus..., p. 16. "... foi preciso escolher entre todas as informações recebidas, em nome de certos critérios, e estes critérios, sejam eles conscientes ou não, servirão também, segundo toda verossimilhança, para orientar o uso que faremos do passado." (tradução livre)

8

Capítulo 1: Nova Friburgo: entre dois projetos.

"Le 19 janvier 1819. On répète que Jean VI, roi du Portugal, retiré dans ses possessions américianes depuis les guerres de Napoléon en Espagne, a démandé au Canton de Fribourg de lui envoyer au Brésil une centaine de familles catholiques;..."9

Neste capítulo iremos apresentar e discutir a história de Nova Friburgo e sua inserção em projetos tão diferenciados como os da Coroa portuguesa, o do Cantão de Fribourg e também o dos próprios colonos. Estaremos pensando esta cidade como um projeto de vida de cada um destes imigrantes, que singraram os oceanos atrás de seus sonhos, de uma vida melhor... e que traziam em suas bagagens não só sonhos, mas também vivências/experiências que podem ser traduzidas em suas visões de mundo e pelos valores europeus. Nesta história misturam-se a expectativa e a experiência; a descoberta da identidade e da alteridade; o sucesso e o fracasso; progresso e atraso; passado, presente e futuro.... para que o projeto da nouvelle Fribourg pudesse ser concluído. Não só o projeto da cidade, mas o projeto que cada um tinha para si e para sua família, que neste momento se misturava com o projeto maior, que é a própria cidade. 9

Journal de Fronçois-Joseph Guélat (IIeme partie, 1813-24)...., p. 181. "19 de janeiro de 1819. Repetimos que João VI, rei de Portugal, retirado para suas possessões americanas desde as guerras de Napoleão na Espanha, pediu ao Cantão de Fribourg para lhe enviar ao Brasil uma centena de famílias católicas;..." (tradução livre)

A história da colonização suíça no Brasil, mais especificamente da fundação de Nova Friburgo, surge do que os jornais suíços chamam de uma “atitude generosa” daquele compatriota que se encontrava estabelecido no Rio de Janeiro.10 Esta “atitude” é a proposta oferecida por Gachet a D. João VI de formar, não muito longe da capital, uma colônia de suíços que viria a socorrer os pobres habitantes do Cantão de Fribourg. Neste momento se encontram pelo menos três projetos diferentes: o da Coroa portuguesa ao aceitar a proposta, o do Cantão de Fribourg ao encampar a idéia ou ao propola e a dos cidadãos que se inscreveram voluntariamente nesta empresa.

O ponto de

encontro destes projetos está localizado na cidade de Nova Friburgo e apenas nela. As más condições climáticas, os invernos rigorosos e chuvosos levaram, sobretudo, os camponeses a passarem por dificuldades. Este é o quadro da Suíça no período em que antecede as negociações. É certo que o ano de 1817 foi particularmente duro, tendo sido o governo obrigado a importar grãos e as sociedades de caridade pulularam por lá11. Depois de um inverno rigoroso, o ano de 1818 não foi tão catastrófico quanto o anterior. Na Gazette de Lausanne et Journal Suisse, aparentemente o jornal de maior abrangência nas regiões de língua e cultura francesas, foram poucas as notícias ligadas às más condições do campo, fome, mortes etc., exceto às inundações sofridas pela região do Valais - devido ao degelo dos glaciais – mas esta foi uma das regiões que menos forneceu imigrantes para a nouvelle Fribourg. O ano de 1818, foi o ano da reconstrução: refazer a vida, as plantações depois do inverno de 1817. Desta feita, a propaganda da empresa colonial montada por Gachet, chega às comunas no momento em que a situação dos camponeses está crítica e o desejo de mudar aquela situação, de reencontrar a bonança, ou simplesmente ficar rico, leva 10 11

Journal du Jura, 03 octobre. 1818. Gazette de Lausanne et Journal Suisse, vários dias.

muitas pessoas a se inscreverem nesta aventura, motivados pela situação em que vivam ou simplesmente na busca, quem sabe eterna, de prosperidade. A partir de setembro de 1818, a propaganda da empresa migratória patrocinada pelo Cantão de Fribourg e aberta a todos os outros cantões de língua francesa, ganha as páginas dos principais jornais do país12. A descrição das riquezas do Brasil, reascende a vontade de mudança. Gachet não poupa elogios ao clima, “que convém perfeitamente aos europeus”13, à fertilidade do solo, aos animais e à exuberância da vegetação. Esta publicidade finda por conquistar as pessoas e encher seus corações de esperança. O ano de 1819, é para colher os frutos plantados em 1818: seja na esperança da mudança, seja nos campos prontos para a colheita. É o ano da partida dos que resolveram ir para o Brasil, mas também é o ano da recuperação da lavoura. Em um romance baseado na história oral sobre este evento e escrito durante os anos de 1934-36, Paul Ducottered et Robert Loup escrevem que, o fim das dificuldades leva ao fim da necessidade de partir, “No mês de março de 1819 quem, na Gruyère ou noutra parte, sonhava em partir?”14. Por outro lado, não há registros de desistência às vésperas do embarque, logo não foi somente a necessidade que os fez partir, mas sim o sonho e a esperança de uma vida melhor que os impeliu a deixar a velha pátria para traz. Às vésperas do embarque, o Brasil passa a ser assunto principal: são as mais diversas matérias, desde o desejo de D. João VI de contratar soldados mercenários suíços

12

Journal du Jura, Gazette de Lausanne et Journal Suisse e Feiulle d’Avis de la ville et canton de Fribourg, eram os únicos periódicos de língua francesa que circulavam naquela época. Eles se encontram em meu poder, fichados ou fotocopiados.

13

Gazette de Lausanne et Journal Suisse, 06 nov. 1818. Esta mesma matéria se encontra publicada no Journal du Jura do dia 21 novembro. 14

DUCOTTERED, op. cit., p. 28.

até informações dirigidas aos que ficam sobre o que os imigrantes irão encontrar, assim eles poderiam conhecer um pouco do local de destinos de seus irmãos. Há também pessoas que se propõem a dar informações aos colonos, como o ex-marinheiro de Fribourg que coloca um anúncio se oferecendo a fazer/vender "... des hamacs de différentes grossures et façons [...] de sorte qu' il peut garantir leur durée à quatre ans au moins, tandis que ceux qu'on achète dans les ports ne durent guère une anmée...." além de ser "... un plaisir d'enseigner à ses chalands la méthode de se comporter en mer pour éviter les maladies qui y sont les plus communes."15; ou como o vigário de Lausanne que faz um apelo à caridade ao lançar sua campanha para garantir a realização de "Leur [dos imigrantes] bonheur et celui de leur prospérité dépend de leur instruction, de leur attachement à la réligion et à la vertu; leur fournir des bons livres est un moyen de plus propres pour atteindre ce but."16. Por sua vez, Journal du Jura e também a Gazette de Lousanne chegam a publicar grandes matérias sobre o Brasil: “Extrait d’une description du Royaume du Brésil”, no primeiro, tecendo comentários acerca de seu território, elencando seus principais rios, seu clima, sua população, a divisão administrativa, a fertilidade do solo, o comércio etc.; e

15

Feuille d'Avis..., le 14 mai 1819. "... redes de diferentes grossuras e tipos [....] de modo que ele pode garantir a durabilidade delas a pelo menos quatro anos, enquanto que as compradas nos portos no máximo um ano". [....] ".... além de ser um prazer a seus fregueses como se comportar no mar para evitar as doenças mais comuns na travessia." (tradução livre) 16 Feuille d'Avis..., le 30 avril 1819. "Sua felicidade e sua prosperidade dependem de sua instrução, de seu apeg à religião e à virtude; lhes fornecer bons livros é um dos melhores meios de se alcançar tal objetivo." (tradução livre).

informações fornecidas por Gachet na segunda, que termina sua narrativa reforçando a idéia de sucesso e prosperidade no Brasil: "Il y a beaucoup de choses négligées et à faire au Brésil. Malgré cela, ajoute M. Gachet, je puis certifier qu'il n'y a aucun proprietaire des habitations, que j'ai visitées, qui ne soit riche ou très à son aise, et que, lorsqu'ils ont commencé, il y a 30, 20 et même 15 ans, le plus grand nombre d'entr'eux n'avait guerès plus de moyens pécuniaires que beaucoup de suisses qui se rendront au Brésil, pour y profiter des bontés du plus génèreux des souverains."17 Notícias como esta acabaram atraindo muito mais pessoas do que era esperado. E é justamente neste momento que começam os problemas de Nova Friburgo: o contrato de colonização assinado pelo regente D. João VI e, o agora embaixador suíço, Gachet previa um total de cem famílias, de língua francesa e católicas, que deveriam se naturalizar portugueses. Contudo, foram aceitas muito mais do que cem famílias e a população de Nova Friburgo, calculada entorno de 800 almas, tinha, na hora do embarque, mais de 2000, além de terem sido aceitas famílias de protestantes. Aquele homem que fora considerado como generoso em 1818, um ano após não era mais visto tão benevolamente, de sorte que no livro já citado anteriormente de Ducottered, Gachet passa a ser visto com um desorganizado, causador de transtornos além de, intencionalmente, agir contra os colonos. Também Martin Nicoulin em sua tese consagrada ao início de Nova Friburgo, rompe com a idéia primeira em que Gachet estava repleto de boas intenções: 17

Gazette de Lausanne et Journal Suisse, le 26 novembre 1818. "Tem muita coisa negligenciada e para fazer no Brasil. Apesar disto, acrescenta M. Gachet, posso certificar que não existe nenhum proprietário, nas casas que eu visitei, que não seja rico ou bem a vontade financeiramente, e que, quando começaram há 30, 20 ou mesmo 15 anos, a maior parte dentre eles não tinham maiores condições financeiras que muitos dos suíços que vão partir para o Brasil, para aproveitarem da bondade do mais generoso dos soberanos." (tradução livre)

. “...dès son retour en Suisse, Gachet oubliera volontiers les intentions brésiliennes en matière de nombre et de transport. Il interpretera les deux imprécitions du traité dans un sens conforme à des intérêts personnels et lucratifs.”18 Não nos cabe aqui, julgar as intenções de Gachet, ou a quem cabe a culpa no processo19, o que nos interessa é que, ao chegarem a Nova Friburgo os colonos se depararam com uma outra realidade, bem diferente daquela imaginada: casas insuficientes e terras que não responderiam ao desejo de enriquecimento rápido, acalentado por estes imigrantes e que, nem de longe, lembravam a terra do onde “plantando tudo se colhe”. A cidade encontrada por estas pessoas era formada por um conjunto de cem casas, divididas em três quarteirões, uma praça, um hospital. A casa-grande da antiga fazenda tornou-se a moradia dos dignitários do governo junto a colônia e onde funcionava a escola e estava localizada a Igreja. Havia também dois fornos comunitários, um armazém, um açougue, dois moinhos e um silo 20. As casas construídas no melhor estilo colonial, tal qual as casas destinadas aos agregados e empregados das grandes fazendas, eram constituídas por uma única peça – quatro paredes, teto, portas e janelas - sendo o chão, de terra batida. Este foi o segundo choque destes imigrantes, a primeira vez em que se chocam duas visões de mundo diferentes – o que para eles era estranho enquanto casa, para o Brasil não era

18

NICOULIN, La Genèse..., p. 48. “...desde sua volta à Suíça, Gachet esqueceria de bom grado as intenções brasileiras em matéria de número e de transporte. Ele interpretaria as duas imprecisões do tratado – questão do número de pessoas e o trajeto a ser custeado pelo governo português – atendendo a seus interesses pessoais e financeiros.” (tradução livre) 19

Tschudi, viajante suíço que percorre Nova Friburgo em 1860 com a missão de inspecionar as colônias suíças no Brasil, acusa violentamente o governo português de desleixo e descaso na escolha das terras, sem contudo, absolver Gachet de suas responsabilidades. 20

NICOULIN, op. cit., p. 117.

ruim. A questão das moradias levou de Ducottered duas aspas: uma em “casas” e a outra em “paredes”21. A solução encontrada pelos agentes da Coroa para solucionar o problema do excesso de colonos e o pequeno número de residências, foi a criação do que ficou conhecido como “famílias artificiais”, ou seja, o agrupamento por amizade, por parentesco ou por proteção de diversas famílias, além dos solteiros. Uma outra dificuldade se apresentou para a recém inaugurada vila de S. João Batista de Nova Friburgo: administrar o relacionamento não muito amistoso entre católicos e protestantes. As rivalidades entre os dois grupos já vinham de longa data e os comissários da colonização passaram por cima tanto desta falta de tolerância mútua como da cláusula do contrato que estipulava a vinda somente de católicos. Esta situação gerou desconfiança por parte da própria inspetoria e acaba por motivar, nas palavras de Nicoulin, um espírito cruzadista no administrador da colônia. Espírito este que consegue converter 30 dos protestantes existentes na colônia, mas um número considerável ainda resiste e acaba por conseguir do Regente, o direito de professar sua fé.22 Por outro lado, a política implantada pelo governo ilustrado de D. João VI, centrada no despotismo ministerial e na racionalidade burocrática, causou uma outra decepção: contrariamente a política de doação de sesmarias e abertura de estradas, onde alguns poucos escolhidos tinham acesso a grandes quantidades de terra, o regente acorda um projeto de colonização pautado na pequena propriedade familiar – Nova Friburgo – e sem estradas abertas até lá, logo, um projeto desde o início fadado ao insucesso.

21 22

DUCOTTERED, op. cit., p. 198. NICOULIN, op. cit., p. 183.

No tocante às terras podemos dizer que os projetos da Coroa e dos colonos eram radicalmente diferentes. Ser-lhes-ia impossível alcançar a almejada prosperidade tão distantes da prática industrial brasileira. Mas estes homens vieram atrás de um sonho e muitos não ficaram esperando que ele se realizasse. Havia uma promessa de riqueza e o desejo de alcançá-la. Tão logo chegaram ao Brasil, muitos suíços já começaram a trabalhar para os portugueses como tropeiros e os que tinham algum dinheiro consigo foram logo comprando escravos, como nos exemplos a seguir: “En attendant que la terre soit partagé je gangne toujours d’argent en travaillant pour les Portugais.”23 , tendo sido esta carta escrita ainda a 25 de dezembro de 1819, ou nesta outra, “MM Mandrot de Morges, Graffenried, Scmid, Morell, etc., de Berne, sont ici et se proposent de s’adonner à la culture; ; ils ont acheté à ce effet des nègres, qui leur coutent à-peu-près 1200 fr. La pièce.”24 Estes são dois exemplos de colonos que se inseriram rapidamente na lógica reinante: no primeiro caso, aderiram à profissão que lhes permitiria mais facilmente a ascensão social – tropeiro – enquanto que o segundo caso, ou melhor a segunda narrativa, coloca os colonos como detentores de uma das maiores riquezas: ser proprietário de escravos, só lhes faltava a terra para que o binômio e sinônimo de riqueza se completasse. Mas as terras recebidas não lhes permitiram completar esta equação. O terreno não era fértil e muitos lotes extremamente pedregosos, o que inviabilizava a agricultura. 23

Carta de Jacques Page, Journal du Jura, le 25 decémbre 1819. “Aguardando que a terra seja dividida, ganho sempre dinheiro trabalhando para os portugueses.” (tradução livre) 24 Carta de Pierre Gendre, Journal du Jura, le 20 mars 1820. “Senhores Mandrot de Morges, Granffenried, Schmid, Morell etc. de Berne, se encontram aqui, e se propõem a entregar-se à cultura; eles compraram para este efeito escravos, que custaram a eles mais ou menos 1200 francos a peça” (tradução livre)

A questão das moradias teve uma solução rápida, mesmo que nem de longe a ideal, mas a decepção com as terras, esta foi mais difícil de ser solucionada. O problema só veio a ser equacionado em 1821, com o acordo com o Regente D. Pedro que se comprometeu a doar terras nas proximidades da colônia para os que assim desejassem. Este é o “início do fim” de Nova Friburgo: ao completar um ano de existência vê abandonando-a aqueles que vieram para encontrar nela o tão sonhado Eldorado. Antes mesmos que a vida da cidade estivesse estruturada, uma parte dos colonos foram se fixar em seus arredores formando pequenas comunidades agrário-mercantis, baseadas sobretudo na cultura do café. Os colonos perceberam logo a impossibilidade de venderem seus produtos na Corte, o que a princípio deveria funcionar como um grande atrativo, pois a falta de caminhos dificultava o escoamento da produção, além de que a maneira mais rápida de enriquecer não era através de uma lavoura de subsistência. Era preciso falar a mesma linguagem monetária da Corte e, neste momento, o café já se delineava como a grande moeda brasileira. Mas por que este projeto levado a cabo pela Coroa, tão diferente de toda a prática de doação de sesmarias desenvolvida pelo governo português ao longo dos séculos e intensificada com a vinda da Corte para o Rio de Janeiro? A pista para esta resposta se encontra na política posta em prática pela Coroa portuguesa.

1.2 O projeto ilustrado português

A vinda da Coroa portuguesa para o Brasil em 1808 modificou as relações entre metrópole e colônia e os artífices desta reforma foram, primeiramente, membros da elite

ilustrada portuguesa que teve como seu maior representante, D. Rodrigo de Souza Coutinho, que percebia o Brasil como a “tábua de salvação” de Portugal, com uma política baseada no comércio; e, em segundo lugar, a ilustração luso-brasileira cujo maior expoente foi José Bonifácio, cujo pensamento refletia toda a preocupação da ilustração lusa. Para ele "Como o Brasil começa a civilizar-se no século XIX deve chamar e acolher a todos os estrangeiros, que podem servir de mestres nos ramos de instrução, e economia pública; ..." e que para tal deveria-se criar ".... colônias de europeus para as capitanias do sul e do interior;..."25 logo, a criação da colônia de Nova Friburgo pode ser entendida como a realização deste pensamento ilustrado português. Todo este processo teve como norte os limites do Antigo Sistema Colonial26, já bastante alargado, mas ainda não rompido. Este pensamento ilustrado português também valorizava a “industriosidade”, que para eles era compreendida como a busca de novos métodos que visassem a um maior desenvolvimento da terra. E esta “industriosidade” pode ser também percebida, no tocante a Nova Friburgo, na preocupação expressa pela Coroa portuguesa em procurar trazer para a nova colônia a maior diversidade de profissionais, ditos essenciais (carpinteiros, ferreiros etc.), que teriam além função de suas profissões, deveriam ensinar aos portugueses, pretendendo buscar, assim, uma integração desta colônia à vida no Brasil. Nova Friburgo também teria, entre seus filhos, um médico, um farmacêutico, um cirurgião e um veterinário, além do serviço eclesiástico, que fariam parte dos imigrantes. Esta cláusula do contrato de imigração nos permite ver claramente a tentativa de criar uma cidade onde as necessidades básicas estariam atendidas, criando uma estrutura que tenderia a aglutinar e 25

SILVA. Projetos ...., p. 173.

não a expulsar seus habitantes. Neste sentido, Nova Friburgo responderia a política que começara a se delinear com a vinda da Corte para o Brasil. O processo de “interiorização da metrópole”, como propôs Maria Odila, traz novas preocupações: a necessidade de favorecimento do povoamento, do aumento da agricultura, da abertura de estradas e da doação de sesmarias27. Mas, esta política levada a cabo pela Corte portuguesa, vem contrastar com o contrato de colonização firmado pelo regente D. João e o Cantão de Fribourg. Em nenhum momento estão prevista a doação de sesmarias ou mesmo a melhora dos caminhos. Por outro lado, a instalação da Corte no Rio de Janeiro viria reforçar uma tendência que começara a se delinear no final do século anterior: a necessidade da capitania se afirmar enquanto área produtora, acrescida das funções comerciais e administrativas intensificadas com a transformação política iniciada em 1808. Era preciso estreitar os laços da Corte com o Centro-Sul, onde esta se enraizava. No que se refere ao comércio, esta atividade tomou grandes proporções visto que nela estava não só inserida a circulação de mercadorias (garantida pelo monopólio) como também o abastecimento da Corte de gêneros alimentícios. Esta preocupação se tornou capital para a Corte interiorizada e pode ser percebida na atenção data pelos ministros a esta questão. D. Rodrigo de Souza Coutinho nos traz um bom exemplo desta discussão, já “academizada” do papel agricultura: “Como pode florescer a Agricultura em um Estado, em que a lavoura é conduzida sem plano, nem direção?[...] Elas [as forças políticas portuguesas] mesmo estão oferecendo os mais seguros

26 27

NOVAIS, "O reformismo ilustrado...", p. 118. DIAS, "A interiorização...", p. 181-3.

meios de restabelecer e vigorizar esse consternado, e abatido Corpo de Agricultura.”28 . Até aquele momento, esta era uma preocupação que passava ao largo das decisões metropolitanas. A lavoura de subsistência teve, então, seu estatuto valorizado pela necessidade de alimentar a Corte, alicerçada pelo debate na Academia, e esta necessidade acabaria por orientar “...a política joanina de integração da região”29, mesmo que a princípio esta política estivesse voltada para uma relação entre capitanias, incrementadas pela abertura de novas estradas que facilitariam a escoamento dos mantimentos produzidos. Esta política de abertura de estradas somada à doação de sesmarias – inserida na lógica da produção mercantilista - tornou-se uma dupla infalível de enriquecimento para uma determinada parcela da população. Outro ponto, não menos importante, levantado pela presença da Corte no Rio de Janeiro, era a questão da insegurança interpretada muitas vezes como causada pelo predomínio de negros e mulatos por todo o Brasil, que seria intensificada pelo medo do “haitianismo”, fosse ele na forma de um movimento separatista, ou simplesmente de uma revolta, orquestrada por escravos e homens livres e pobres. Neste cenário, onde a agricultura voltada para o mercado interno passa a ser valorizada, onde a necessidade de povoamento se torna importante, a imigração européia se delineia como um caminho para resolver estas questões e, como conseqüência, acabaria por equilibrar a heterogeneidade étnica da Colônia.

Isto explicaria a importância dada à

escolha da região onde estes futuros imigrantes iriam se instalar.

28

Coutinho, D. Rodrigo de Souza. Nobreza e Mecânica - a respeito da Natureza e da Mecânica em Portugal. Apud Oswaldo MUNTEAL Fo. “Política e natureza....", p. 91. 29 MATTOS, A polícia..., p. 18.

A vastidão de terras parcamente povoadas era uma realidade, mas para realizar os objetivos da política joanina – povoamento, comércio e agricultura para abastecimento da região da Corte – não era interessante instalar, pelo menos em um primeiro momento, imigrantes em locais muito distantes do Rio de Janeiro. Neste sentido, a região serrana próxima a Corte, se tornou o local ideal para a instalação dos colonos europeus, deixando a área mais fértil do curso do rio Paraíba do Sul para a grande lavoura, que respondia às exigências da política agrária-exportadora30. É para responder a esta política que Nova Friburgo surge, e logo é seguida por outras iniciativas na mesma direção: ao mesmo tempo em que promove o povoamento, minimiza a insegurança, pois aumenta a quantidade do elemento branco na região da Corte; é uma colônia pautada na pequena propriedade – logo, poderá aumentar a variedade de gêneros alimentícios para a Corte. Neste sentido o papel do imigrante europeu seria o de “...promover e dilatar a civilização do vasto reino e o crescimento de habitantes afeitos aos com que a agricultura e a indústria costumam remunerar aos Estados que os agasalham diversos gêneros de trabalhos.”31 . Aos olhos da Coroa portuguesa o elemento europeu era um dos caminhos pelos quais se engendrava o processo de interiorização da metrópole cujo objetivo último era a formação de um Império americano. Para alcançar tal fim, a Coroa usou o imigrante – a quem era distribuída terras cuja qualidade não permitia um grande enriquecimento; e do outro lado da moeda estavam aqueles aos quais o rei “imaginava dever favor” – que recebiam as sesmarias, ou de uma outra forma, as melhores terras localizadas no vale do Paraíba fluminense. É por esta razão que o regente D. Pedro, ao aceitar que os colonos

30 31

MATTOS, A polícia..., p. 21. carta régia citada Oberacker Jr., apud MATTOS, A polícia..., p. 21.

suíços deixassem Nova Friburgo ainda em 1821, ofereceu-lhes melhores terras na região circunvizinha à colônia32. Esta era a exigência: eles não poderiam deixar os arredores da Corte. Toda esta situação acabou culminando com a idéia de fracasso disseminada entre os descendentes dos primeiros colonos. Na verdade, as interpretações acerca de sua gênese não levou em consideração a ótica do governo português no que tange ao enriquecimento dos imigrantes. Muitos são os que interpretam, então, como fracasso a empresa colonizadora de Nova Friburgo. Martin Nicoulin diz que a cidade vegeta33, Tschudi, ministro suíço que visitou o Brasil na segunda metade do século passado com a incumbência de vistoriar as colônias de seu país instaladas no Brasil, é bastante cáustico ao analisar a situação de Nova Friburgo: “Não sei a que atribuir a escolha de tão infeliz do local da colônia, se a ignorância ou ao desleixo.

Estou, entretanto,

inclinado a crer que se procedeu de acordo com um frio cálculo e idéias pré-concebidas, que se podem resumir da seguinte maneira: essas terras não têm para nós nenhum valor, mas os pobres colonos suíços tornarão cultiváveis e as aproveitarão, pois a miséria os obrigará a tal.”34. Se pensarmos sob o ponto de vista do núcleo urbano, esta empresa migratória foi um insucesso: a cidade guardou poucas marcas da passagem destes imigrantes e seu 32

cf. TSCHUDI, p. 102-3. “... aqueles que desejassem terras fora da colônia recebê-las-iam do Estado, preferencialmente nas proximidades da colônia e em quantidade correspondente à capacidade de trabalho de cada um.” 33

M. NICOULIN, op. cit., p. 202. "Durant le premièr trimestre de 1821, Nova Friburgo végète". - "Durante o primeiro trimestre de 1821, Nova Friburgo vegeta." (tradução livre) 34 J.J. TSCHUDI. op. cit., p.101.

enriquecimento se deu sob a direção do Barão de Nova Friburgo, que como o título bem indica, se não era português de nascimento, era seu descendente direto. A volta dos descendentes dos primeiros colonos só se intensificou com o desenvolvimento da indústria, na virada do século. Se o olhar estrangeiro percebe o fracasso, tanto do ponto de vista da Coroa portuguesa quanto dos próprios colonos, somos obrigados a discutir esta questão: de um lado, Nova Friburgo preencheu, de uma certa maneira, os interesses da política joanina e, de outro, a vinda para o Brasil trouxe riqueza aos colonos não no tempo imediato divulgado pela propaganda migratória, mas no tempo possível.

A realização da expectativa

acalentada por estes homens se deu tanto fora do tempo esperado quanto do espaço construído, pois a busca de riqueza levou-os para fora do núcleo original – Nova Friburgo, onde eles acabaram por construir novas aglomerações que deram origem aos distritos do atual município de Nova Friburgo e outros municípios dos arredores. Mas, de uma forma geral, ao fim e ao cabo, todos os colonos suíços de Nova Friburgo acabaram realizando o sonho de prosperidade, alcançando o conceito vigente de riqueza: o de ser proprietário de terras e de escravos. Se de um lado é percebido o fracasso e este, como já foi dito, está diretamente relacionado ao afastamento do núcleo principal ou talvez Nova Friburgo não tenha se transformado em uma nouvelle Fribourg e é, justamente, por esta não transformação que esta idéia tenha se perpetuado. Se o plano coletivo falhou, individualmente não podemos dizer o mesmo: Nova Friburgo pode não ter significado para eles a reconstrução de um tempo perdido, de um “tempo de antes” que é aqui entendido, em primeiro lugar, como

“... a propriedade, a barreira das colinas que fecha o seu horizonte, a segurança vigorosa das paredes e dos tetos, a autoridade patriarcal do Pai estendida sobre todo um pedaço de terra.[...] E é ainda a intimidade protetora de um grupo social fechado, solidário, estritamente hierarquizado [...]. Em suma [...] a própria imagem de uma ordem, de uma sociedade, de um tipo de civilização...”35, mas com certeza Nova Friburgo fundou um novo tempo, um novo começo. Uma nova história começava a ser escrita a partir deste momento. Nova Friburgo foi o resultado do encontro destes dois projetos antagônicos: de um lado encontra-se a Coroa portuguesa em seu processo de interiorização, pondo em prática uma nova política de dominação para o Brasil; de outro, os imigrantes suíços que traziam dentro de si a expectativa de reconstruir em terras brasileiras a sua antiga pátria: Fribourg, ou uma nouvelle Fribourg, onde eles veriam realizados seus sonhos de prosperidade, de reencontro com uma vida vivida, mas já perdida; quase a busca de um paraíso perdido. O resultado deste encontro não poderia ter sido outro: a percepção do fracasso para um dos lados ou para ambos os lados. E, neste caso, a decepção ficou para os suíços que não viram, imediatamente, a riqueza esperada e pela necessidade de terem que buscar, alhures, este sonho não permitindo que Nova Friburgo se transformasse em uma nouvelle Fribourg. Ainda podemos falar do projeto do Cantão de Fribourg que negociou ao lado de D. João VI a instalação da colônia suíça em terras brasileiras. Este projeto se realizou no momento da assinatura do Contrato e no embarque dos imigrantes, mesmo que ele não

35

R. GIRARDET. Mitos e ....., p. 97.

tenha alcançado o objetivo inicial: retirar da Suíça os apátridas cujo número crescera bastante com o fim das guerras napoleônicas36. Dividida entre projetos diferentes, a “atitude generosa” que tanto os imigrantes aclamaram, no início, nunca pode ser verificada plenamente, pelo menos no interior do espaço da cidade de Nova Friburgo. Certamente, não podemos falar tal qual Tschudi, que tenha sido uma atitude premeditada do governo português de não permitir o sucesso de Nova Friburgo, também não podemos falar tal qual Nicoulin, que a cidade “vegeta”37 em seus primeiros anos. Ao seguirmos os passos destes imigrantes no Brasil, perceberemos que a cidade que eles vieram fundar aqui jamais se realizou nem para eles e, de uma certa maneira, nem para a Coroa: a cidade ficou, se muito, como uma referência de comércio para aqueles que a abandonaram desde o princípio. Os imigrantes foram depositar suas esperanças em outros lugares, em seus arredores. Para a Coroa não representou o centro de recepção de outros imigrantes e também não formou um centro irradiador de conhecimento com todos os artífices que faziam parte do conjunto de imigrantes, pois a grande maioria preferiu abraçar a agricultura como forma de enriquecimento ou perceberam logo que a única forma de ascensão no Brasil era através da propriedade de terras e de escravos. Porém, no que tange a questão de fixação de brancos nos arredores da Corte, a colonização de Nova Friburgo foi eficaz e, juntamente com os outros núcleos que surgiram posteriormente, transformou a geografia urbana ao redor da cidade do Rio de Janeiro.

36

Cf. Martin NICOULIN, op. cit. Segundo as estatísticas apresentadas por este autor, a maior parte dos imigrantes era formada por cidadãos suíços, poucos foram os heimatlossen, para usar o mesmo termo que ele, que se engajaram nesta aventura ultramarina. 37 M. NICOULIN, op. cit., p. 202.

Foi somente a partir da segunda metade do século XIX, que Nova Friburgo conheceu o crescimento e desenvolvimento urbano, através da cultura do café. Este processo teve como principal artífice um brasileiro: o barão de Nova Friburgo, que com a necessidade de escoar melhor sua produção mandou construir uma ferrovia - a Estrada de Ferro Cantagalo, inaugurada em 1860 – que serviria para levar mais rapidamente as mercadoria da Corte para a serra e dela para a Corte, substituindo as tropas de muar que fizeram a riqueza de muitos dos imigrantes. A ferrovia iria, também, possibilitar a descoberta desta cidade por parte da aristocracia brasileira, transformando-a em um grande centro de lazer onde estes aristocratas para lá se dirigiam em busca de seu clima agradável. Neste mesmo período, Nova Friburgo também ficou conhecida como um centro educacional, que recebia uma boa parte da elite brasileira entre seus alunos. A maior parte destes colégios/internatos eram mantidos por educadores estrangeiros ou ordens religiosas. A arquitetura da cidade deixa transparecer bem o período de fausto vivido pela cidade na segunda metade do século passado e nos permite verificar também que o projeto da Coroa portuguesa acabou por se realizar: Nova Friburgo se transformou em um grande centro irradiador de cultura nos arredores da Corte, mas neste momento as questões que haviam motivado a instalação da colônia por parte da Coroa portuguesa já não estavam mais na ordem do dia, apesar de que a questão da distribuição de terras só viria a ser resolvida mais para o final do período imperial. Neste mesmo tempo a segunda geração de imigrantes já havia encontrado também seu quinhão da fortuna, pelo menos a maioria, também graças ao “ouro negro” que se adaptara tão bem ao clima da região. Estas personagens se encontravam na zona rural da cidade, nos lugarejos que deram início aos distritos do atual município de Nova Friburgo.

É nesta região, que circunda a cidade, que encontraremos mais fortemente os traços deixados por estes imigrantes. O resultado do encontro de dois projetos diferentes, foi uma terceira saída que guarda características dos dois, mas que os extrapola radicalmente. A Nova Friburgo que vemos surgir na segunda metade do dezenove é diferente da projetada pelos portugueses e não foi realizada pela engenhosidade dos suíços. Foi produto do desenvolvimento da lavoura cafeeira, inserida na política do segundo reinado. E os imigrantes se tornaram meros coadjuvantes deste jogo de interesses.

Capítulo 2: De Nova Friburgo a Fribourg através das letras

“...Mas quem cantava chorou/ ao ver seu amigo partir/ Mas quem ficou no pensamento voou/ Com seu canto que o outro lembrou/ e quem voou no pensamento ficou/ Com a lembrança que o outro cantou/ Amigo é coisa para se guardar/(...)/ mesmo que o tempo e a distância, digam não// mesmo esquecendo a canção/(...)”.38

Este trecho da música Canção da América de Milton Nascimento e Fernando Brant nos fala de partida, lembrança e esquecimento três substantivos que resumem, de uma certa medida, a trajetória de um imigrante. Ele parte, ele leva e ele deixa uma lembrança, vivendo a dialética do lembrar e do esquecer. Para uma determinada geração de imigrantes, sem dúvida a primeira, a troca de correspondência vem aquecer a lembrança que acabará por se perder nas brumas do tempo e da distância. E é esta troca de correspondência que pretendemos analisar ao longo deste capítulo. É certo que detemos somente uma parte deste acervo epistolar, mais exatamente as cartas de quem partiu, deixando perceber entre respostas, afirmações e informações. o movimento de ir-e-vir das missivas, atravessando de um lado para o outro o oceano, procurando acalmar angústias, desejos e saudades39. São dois blocos diferentes de cartas:

38 39

Canção da América. Milton Nascimento & Fernando Brant. Muitas destas cartas são apenas as primeiras que foram enviadas.

aquelas publicadas no Journal du Jura (notas, fragmentos, extratos e algumas na íntegra) e aquelas publicadas no livro de Martin Nicoulin, La Genèse de Nova Friburgo. Durante o processo migratório a ausência, muitas vezes traduzida pela saudade, é, certamente, o sentimento mais presente entre aqueles que partiram – mesmo que esta partida tenha sido voluntária e, até mesmo, desejada. As notícias que cruzavam os oceanos eram a forma de comunicação entre estes dois mundos – o novo e o velho - e podiam vir na forma de simples informações sobre o país de origem, trazida por um navegante ou um viajante, ou as correspondências trocadas entre aqueles que partiram e aqueles que ficaram, que acabavam por aproximar estes dois mundos separados pela eternidade do oceano. As cartas publicadas nos jornais nos possibilitam pensar nos sentimentos destas pessoas, passado o primeiro impacto:

saudade e esperança. A esperança é respondida pela

expectativa da realização do enriquecimento; já a saudade pode aparecer de várias maneiras: na manutenção de um culto à pátria longínqua, nas trocas de correspondência e no estabelecimento de formas de apoio baseadas nos valores comuns. Com a descoberta do Novo Mundo, houve a necessidade de colonização por parte dos europeus conquistadores, para que assim pudessem garantir o domínio naquela área récem-delimitada e isto significava deslocamento de pessoas. Neste primeiro momento da colonização foram enviados degredados, que poucas chances tinham de sobreviver, quanto mais de reatar a comunicação com o além-mar.

O estabelecimento da empresa

colonizadora portuguesa trouxe para cá a necessidade de se formar núcleos familiares e aos poucos o contato com o velho continente vai se tornando mais corriqueiro, apesar de toda a dificuldade do correio da época.

O século XIX traz uma grande mudança nos rumos da colônia Brasil40: a vinda da Coroa portuguesa e seu subsequente enraizamento em terras brasileiras, ou de uma outra forma, sua interiorização – para usarmos o conceito de Maria Odila da Silva Dias em seu artigo “A interiorização da metrópole”41. E, nestas mudanças promovidas pela Corte no Brasil, Nova Friburgo pode ser percebida como uma das primeiras tentativas de transformação da ex-colônia, agora elevada à categoria de Reino-Unido. Para a realização deste objetivo, como já foi discutido ao longo do primeiro capítulo, foram trazidas famílias suíças que segundo o contrato de imigração deveriam se tornar “súditos do rei de Portugal”42, rompendo desta feita com sua antiga cidadania. Porém, os laços afetivos sejam eles com pessoas ou com lugares não são passíveis de serem rompidos por um simples decreto real e a correspondência trocada entre os dois continentes vem reforçar estes laços, esticados pela distância transoceânica. A necessidade de informação é grande de ambos os lados: os que partiram querem contar que estão bem, que seus sonhos estão prestes a se realizarem e anseiam por saber novidades da antiga vida deixada para trás. Os que ficaram querem saber que os que partiram estão bem.

40

A vinda da Coroa portuguesa marca o fim do chamado período colonial brasileiro. A primeira atitude neste sentido é a Abertura dos Portos, em 1808, logo seguida da elevação a Reino Unido a Portugal e Algarve, em 1815. 1822 vem somente reforçar um processo, sem volta, iniciado em 1808. 41 Maria Odila da Silva DIAS. "A interiorização da Metróple" IN: Carlos Guilherme Motta, 1822 dimensões. 42

O artigo XIII das Conditions pour l’établissement d’une colonie de Suisse dans les Etats du Brésil, diz claramente: “Tous les suisses qui voudront s’y établir, en vertu de cette présente convention seront par le fait, dès leur arrivée, naturalisés Portugais; ils seront soumis aux lois et usages des Etats de Sa Magesté et jouiront, sans exception, de tous les avantages et privilèges accordés et à accorder à Ses sujets des deux hemisphères.” Publicado na íntegra em M. NICOULIN. La Gènese...p. 237-243. “Todos os suíços que quiserem ali se estabelecerem, em virtude desta presente convenção serão pelo feito, desde sua chegada, naturalizados portugueses; serão submetidos as leis e usos dos Estados de Sua Majestade e terão, sem exceção, todas as vantagens e privilégios acordados e a ser acordado a seus súditos dos dois hemisférios.” (tradução livre)

No caso específico da imigração de Nova Friburgo uma grande publicidade tomou conta da Suíça na época da arregimentação e partida dos colonos, tendo nos jornais o seu principal veículo. Outras formas de divulgação também eram empregadas:

canções

populares eram compostas buscando atrair partícipes para a empresa migratória. E o Brasil ia sendo apresentado, fosse através da imprensa ou da canção como a Terra Prometida "... onde haveria ouro como areia, as batatas seriam do tamanho de uma cabeça, o café cresceria em todas as árvores e o verde seria eterno."43 Os jornais da época sempre divulgaram informações sobre os suíços que partiam, pois o assunto imigração era de grande interesse para toda a população: estas informações podiam vir acompanhadas de uma censura, de um aviso e, na maior parte das vezes, de uma advertência; procurando, ou tentando, assim evitar que novas pessoas se debruçassem sobre uma empreitada cujo sucesso era uma quimera. Muitas das cartas e artigos publicados tinham a intenção de tentar diminuir o ímpeto migratório dos candidatos a colonos em toda a América:

os fracassos amplamente

divulgados pelos periódicos procuravam tirar um pouco do brilho da fortuna fácil, que era em suma, a essência da retórica dos propagandistas das diversas empresas migratórias que a toda hora estavam se formando em toda a Europa e estas matérias tinham a função de tentar demover futuras tentativas de partir aos Estados Unidos (destino preferido), ressaltando as dificuldades pelas quais passaram os que tinham partido.

Até onde percebemos, as

migrações anteriores a Nova Friburgo, foram iniciativa particular tanto do indivíduo quanto de empresas que recrutavam imigrantes. 43

F. SÜSSEKIND. O Brasil...., p. 22. Nesta passagem , Flora Süssekind se refere a canções feitas para colonos alemães porém o mesmo serve para os colonos suíços que também ganharam músicas que falam de promessa de um futuro de prosperidade, de colheitas em todas as estações e que deveriam fazer ouvidos moucos a tudo que desdissesse as promessas feitas. Uma destas canções se encontra publicada no livro de M. Nicoulin, na página 132, e tem como título Chant de départ des Fribourgeois pour le Brésil.

Quando surgem as primeiras notícias sobre a colônia de Nova Friburgo, o tom das matérias envolvendo a questão migratória muda: não é mais um empresa de particulares, mas uma empresa gerida e organizada pelo cantão de Fribourg e pela Coroa portuguesa enraizada em terras brasileiras. Esta “oficialidade” faz com que a proposta de Nova Friburgo se concretize nos veículos de comunicação e no quotidiano de cada um dos cidadãos dos Cantões envolvidos e na Igreja, na medida em que ela clama para que os que os fiéis ajudem os que vão partir; um ex-marinheiro se coloca a disposição para conselhos e na fabricação de redes44. A partir deste momento são as notícias acerca desta nova Fribourg que se tornam importantes, outras imigrações deixaram de ser importantes:

todas as

atenções estavam voltadas para este novo país que se descortinava diante destes homens – diferente, por ser desconhecido. Os jornais se transformam, então, no meio de publicidade, por excelência, das riquezas do Brasil quando publicam as impressões acerca da terra escolhida, transformando-a em uma terra de múltiplas possibilidades, bem aos moldes dos viajantesnaturalistas quando se deparam com as terras brasileiras: “...pode-se fazer duas colheitas por ano...” –

a fertilidade de seu solo –

e seus animais relacionadas ao “clima

ameno” da região. Não só Nova Friburgo era o centro das atenções: de uma maneira geral, todo o país estava no foco das atenções. Podia ser a carta da Bahia (para onde se propôs uma empresa colonizadora) narrando as vantagens daquelas paragens, ou mesmo o Rio de Janeiro. Qualquer motivo era suficientemente forte para falar deste lugar para onde se dirigia um grande número de conterrâneos. 44

Feuille d’Avis de la Ville et Canton de Fribourg, le 14 mai 1819. “Annonces: “3. Le Sr. Jean Cretin, demeureant à Fribourg, n. 2 la Grand’-rue, ayant été marin pendant plus de 10 ans, défirant se rendre utile aux colons sur le point de partir pour le Brésil, s’est décidé à fabriquer des hamacs,...” (“Anúncios: “3. O sr. Jean Chretin, habitante de Fribourg, Grand Rue 2, tendo sido marinheiro por dez anos, desejoso de ser útil aos colonos em vias de partir para o Brasil, decidiu-se de fabricar redes,...” – tradução livre).

Estes mesmos jornais que se engajam na empresa migratória da nouvelle Fribourg, divulgando notícias, informações, dicas etc., se preocupam em saber como é que esta se saindo aqueles que resolveram buscar riqueza em outras terras. São publicados, na maior parte das vezes, fragmentos de cartas enviadas de Nova Friburgo para a Suíça onde a certeza do sucesso é companheira de quase todos, mesmo que hajam ressalvas e dificuldades. No caso específico desta colonização os jornais Journal du Jura, Journal Suisse et Gazette de Lausanne & La Feiulle d’Avis de la Ville et Canton de Fribourg têm um duplo papel: ao mesmo tempo em que divulgam a colonização, também, provam que os que partiram, apesar de tudo, conseguiram vencer. Ao publicarem estas cartas particulares acabam socializando as informações ao mesmo tempo que transferem para uma coletividade a angústia de informações, compartilhando com todos os breves momentos de tranqüilidade trazida por uma carta vinda do Brasil ou como eles mesmos dizem ao iniciarem/lançarem a coluna Nouvelles de la Colonie suisse partie pour le Brésil - Notícias da colônia suíça que partiu para o Brasil: “Connaissant l’ extême et bien juste impatience avec laquelle le public attend des nouvelles sur le sort des Colons suisses partis pour le Brésil, nous nous faisons un devoir de porter à sa connaissance les avis suivants, dont l’autencité est garantie”45. Uma outra possibilidade de leitura destas cartas impressas nas páginas dos jornais da época, e que este mesmo trecho deixa transparecer, é a obrigação que a imprensa sente de provar que os que partiram fizeram uma boa escolha, mesmo induzidos pelo que 45

Journal du Jura, 25 março 1820.; “Conhecendo a estrema e bem justa impaciência com a qual o público espera as notícias sobre a sorte dos colonos suíços que partiram para o Brasil, nos sentimos na obrigação de

ouviram falar sobre a fortuna alcançada por outros, através de suas próprias páginas na qualidade de representante oficial dos governos cantonais envolvidos direta e indiretamente neste processo. O olhar do editor, a quem a atestação da veracidade do relato é de importância capital46, é percebido na hora em que edita e no quê ele edita: quanto se trata de uma correspondência oficial (de algum dirigente e/ou responsável pela colônia) ela é editada na íntegra, por outro lado, quando se trata de uma carta de um colono, esta é editada somente na parte em que o colono narra o que é Nova Friburgo e externaliza suas expectativas, que pode ser interpretado como sendo considerada como a informação de maior valor para os que ficaram. Neste caso, ele inicia a coluna resumindo rapidamente a introdução da carta, contextualizando o autor, dizendo que a carta continua da seguinte forma:... para concluir com a seguinte fórmula: “Pour extrait conforme à l’original, qui est entre les mais du Sr. ...., l’atteste, à ....., le..... ./Le directeur de la policie centrale,....”47 As cartas que aparecem neste periódico foram publicadas entre fevereiro e agosto de 1820 (o Journal du Jura tem sua circulação suspensa a partir de agosto de 1820) e tendo sido escritas entre novembro de 1819 e março de 1820, com mais ênfase àquelas escritas ao longo dos últimos meses de 1819, época em que chegou a primeira leva de colonos para Nova Friburgo. Os testemunhos colhidos são tanto de colonos, diretores da

levar ao conhecimento de todos as informações que se seguem, cuja autenticidade é comprovada”. (tradução livre). 46 A atestação da veracidade do relato transcrito aprece como uma tentativa de dar credibilidade a seu jornal, bem como evitar a contestação da informação por parte do leitor: o editor se exime da responsabilidade sobre o relato enquanto, aos olhos do público, a informação se torna duplamente valiosa - pela felicidade trazida pela notícia e por ela ser verdadeira. 47 Segundo fórmula apresentada na carta publicada em 26 de maio de 1820 (Journal du Jura, p. 148-149). “Para extrato conforme o original, que se encontra em poder do Sr. ... , em ..... o atesta, em .... no dia .... . O diretor da polícia central, .... .”

Colônia e de cidadãos suíços já radicados ou que tinham acabado de se instalar na região ou mesmo no Brasil, como um todo. Por outro lado, nosso segundo grupo de cartas foram retiradas de uma publicação contemporânea: o livro de Martin Nicoulin, La Genèse de Nova Friburgo, considerada por alguns como a “Bíblia” de Nova Friburgo. A peculiaridade deste grupo é de fazer parte de um trabalho acadêmico e que, portanto, responde a determinadas questões, ou ilustram estas questões, discutidas pelo autor ao longo de sua tese. São apenas quatro cartas, publicadas na íntegra no Apêndice letra C, com o título de Les Hommes et leur Histoire - Os homens e sua história. O título deste “Apêndice” é, por si só, bastante sugestivo e nos deixa perceber uma tentativa de resumir em quatro cartas, retiradas de arquivos particulares48, toda a história ou trajetória dos primeiros anos desta nouvelle Fribourg. As cartas escolhidas foram escritas nos anos de 1820, 1821 e 1825. Não se sabe a quem foram endereçadas, mas receberam, cada uma delas, subtítulos ainda mais sugestivos: “Les premières illusions”, “La confrontation avec la realité”, “Vers la réussite” et “L’exemple d’un écheque” , que inscrevem esta trajetória numa curva ascendente – ilusão/realidade/sucesso (mesmo que a realidade possa levar tanto ao sucesso quanto ao fracasso) – terminando em uma grande ruptura, representada por um fracasso exemplar, para não dizer uma tragédia. Por que encerrar a história destes homens com a narrativa de um fracasso, narrativa esta feita cinco, seis anos depois? Pendendo ora para o sucesso ora para o binômio fracasso/tragédia, Martin Nicoulin desnuda uma visão bastante peculiar desta história, que culmina com sua prática atual com relação a Nova Friburgo, em seu papel de detentor da história passada de Nova

Friburgo e de bem-feitor de seu presente, através das ações realizadas na Suíça e edificadas aqui como a Queijaria-Escola e sua ampliação.

O fracasso do passado pode ser

“consertado” com a ajuda vinda de fora. Novamente é formada uma Caixa de Socorro para Nova Friburgo... Muito antes destas cartas significarem “primeiras ilusões”, “confrontação com a realidade”, “em direção à realização” ou mesmo ser “o exemplo de um fracasso”, elas nos permitem, juntamente com as que compõe o grupo das publicadas no jornal, perceber e recriar as visões de mundo destes homens e mulheres que decidiram tentar a sorte em outro lugar, como eles perceberam a situação pela qual eles estavam passando, além das expectativas, agora externalizadas destes homens e mulheres que partiram rumo ao desconhecido em busca de uma realização quase que idílica. Estas cartas são, talvez, a única forma de podermos perceber a expectativa que tocava a cada um deles particularmente e como grupo.

A partir do momento em que começam a chegar os imigrantes ao porto do Rio de Janeiro, surgem, publicadas nos jornais, as primeiras informações: tempo de percurso do navio, saúde dos imigrantes etc., notícias estas transmitidas pelo marquês de Marialva49, embaixador português em Paris, que procurava informar seus pares suíços. É um relato

48

Arquivos pertencentes ao acervo da Bibliothèque Cantonale et Universitaire de Fribourg, Suisse. O marquês de Marialva gozava de grande prestígio em Paris, já bem antes deste evento. Os momentos subsequentes ao Congresso de Viena e ao rearranjo, interno, de forças na França impeliu diversos artistas a deixarem a França. Ao mesmo tempo, o conde da Barca propunha a criação de uma academia de Artes aqui no Rio de Janeiro, pois no seu entender ".... as indústrias estavam atrasadíssimas" (apud. TAUNAY, A. E.. A missão artística de 1816. Brasília: UnB; 1983; p. 149). Marialva foi, então, incumbido de contratar os docentes da nova Academia Francesa para fazerem parte de uma colônia artística francesa aqui no Rio de Janeiro. Como resultado foi a vinda do que ficou conhecido como Missão Artística Francesa que trouxe entre outros: Grandjean de Montigny, Debret e os irmãos Taunay. 49

oficial, que foi aprece laconicamente nas páginas do jornal: o aviso do dia da chegada dos navios, seus nomes e só. A edição é de 25 de março de 1820. Esta mesma edição traz publicada uma pequena nota sobre a chegada de alguns suíços que resolveram se estabelecer no Rio de Janeiro, ou nas proximidades da colônia, e a primeira carta particular trazendo notícias sobre a chegada dos imigrantes ao Brasil. Esta nota, feita a partir de uma carta particular não citada, frisa-se a satisfação que sentiram com a acolhida recebida por parte das autoridades locais e que esta seria um bom indício, no entender destes homens, da recepção que os imigrantes de Nova Friburgo iriam receber.

a. O papel do europeu: trazer civilização ao Brasil

O fragmento da carta que se encontra publicada nesta mesma edição do Journal du Jura, foi escrita por uma senhora suíça, radicada no Rio de Janeiro e foi endereçada a seu cunhado na Suíça, no dia 19 de novembro de 181950. Esta é a primeira carta que ela envia à Suíça, desde que aqui chegara? Há quanto tempo sua família aqui chegou? São algumas perguntas as quais não podemos responder a partir deste pequeno texto. Porém, através de suas linhas podemos perceber alguns feitos e algumas características: ela migrou com a família já há algum tempo, tendo ganho da Coroa algum gado (bovino e caprino), começou uma criação, provavelmente nas cercanias da Corte, senão na própria cidade. A família chegou a fornecer manteiga fresca à mesa real – o que nos leva a pensar que esta não era uma família de imigrantes comuns. Sua maior preocupação é narrar o tratamento dispensado aos imigrantes pelos portugueses, ressaltando a vontade desses em agradar àqueles que se tornaram súditos adotivos do rei.

Ao exemplificar o tratamento -

testemunhado e vivenciado – o primeiro na qualidade de observadora da chegada dos imigrantes e o segundo, o que sua própria família recebeu ao chegar aqui – Mme. Wasserfall, este era seu nome, chama a atenção para dois movimentos: de um lado, a importância dada ao imigrante europeu neste momento atestado pela mobilização social entorno desta leva de suíços que aqui chegara em 1819 e, de outro lado, a conseqüente facilidade de relacionamento advinda desta relação51. Esta senhora é uma observadora: ela está de fora deste evento, não procura se envolver e se sente feliz em saber que eles estão sendo bem tratados. Porém, ao falar de sua experiência em terras brasileiras deixa transparecer não só um entendimento, parcial que seja, sobre a importância do papel do imigrante naquele contexto sócio-político específico, seja ele um imigrante voluntário ou partícipe de uma empresa migratória – “Le Roi fait grand cas des personnes vennues à leurs frais, et leur donne tous les privilèges accordés aux colons qu’il a fait venir; savoir, terrain en tout propriété, exemption des impôts etc...”52 – seja da potencialidade do trabalho a ser realizado nesta nova colônia. Em suas breves linhas, deixa pouco transparecer sua opinião acerca da nova vida. O outro aparece em dois momentos e de forma bastante distinta: ora é representado como o “anjo” protetor dos imigrantes, ora como pouco civilizado por desconhecer o fabrico da manteiga e como se deve cuidar do gado53. Desta feita, podemos, a partir das categorias propostas por Todorov em seu livro Nous et les autres, entender o 50

Cada carta levava, em média três meses para alcançar seu destino. Como diz Ilmar Mattos em seu livro A polícia e a força policial..., "... o estabelecimento da Corte no Rio de Janeiro incentivou o crescimento da cidade, ela possibilitou também, [...] a ocupação das áreas até então ralamente povoadas" (p. 21) É neste contexto que surge Nova Friburgo: como resposta a uma necessidade de povoamento de áreas pouco povoadas e também de promoção da civilização na região circunvizinha a Corte. 52 Journal du Jura, samedi le 25 mars 1820, p. 91-92. 53 “Comme on ne sait pas fait ici du beure frais, nous aurons les premiers le plaisir et l’honneur d’en présenter au Roi. On fait peu de cas du bétail; les vaches ne sont ni nourris ni soignées, on les fait fort peu.” Journal du Jura, samedi le 25 mars 1820, p. 92. “Como não se sabe fazer manteiga fresca aqui, nós seremos 51

posicionamento desta senhora como o do assimilateur, aquele que “... interprète habittuellement la différence des autres en termes de manque par rapport à son propre idéal.”54 A atitude patriarcal do português com relação ao imigrante não é forte o suficiente para suplantar a atitude pouco civilizada no que tange os hábitos doméstico-industriais considerados como próprios por esta senhora. Seu ideal de civilização é bem claro, bem como o resultado sempre negativo de sua atitude comparativa entre Brasil e Suíça: seu país natal é superior ao país de adoção para onde traz a idéia de que eles, suíços, têm muito a contribuir ao desenvolvimento do Brasil.

b. A civilização encontra a barbárie A segunda carta é datada de 26 de novembro de 1819, já de Nova Friburgo. Seu autor é o cavalheiro de Pourcelet, que se engajara só, aos 43 anos, na imigração e cuja função era, a princípio, o de médico da colônia. Nesta breve introdução já percebemos nele duas grandes diferenças com relação aos outros imigrantes: tem um distintivo de nobreza é um cavalheiro - o que o torna diferente dos outros colonos -, além de médico de formação55. Talvez por estas duas razões ele tenha se tornado diretor-geral da colônia de

os primeiros a ter o prazer de presentear um pouco ao Rei. Faz-se pouco caso do gado; as vacas não são nem nutridas nem cuidadas, faz-s bem pouco.” (tradução livre) 54 T. TODOROV. Nous et les autres..., p. 377 “... interpreta habitualmente a diferença existente no outro como uma ausência relacionada a seu próprio universo”. 55 Outras características podemos anotar sobre este cavalheiro, segundo uma sucinta biografia que aparece nas páginas de Martin Nicoulin: sua família é de origem francesa (da Lorraine) tendo se estabelecido a Fribourg

Nova Friburgo, e por demonstrar extrema racionalidade - percebida através de suas considerações acerca da ausência de caminhos e do atraso do plantio. Escreve a carta ao diretor da Polícia Central, em Berna, explicando-lhe que fora escolhido como diretor-geral56 da colônia de Nova Friburgo. Esta carta, publicada a 03 de junho de 1820 no Journal du Jura, é uma das mais ricas no que tange a idéia de colônia, e sendo Pourcelet um dos poucos que pensa na coletividade e não no sucesso pessoal/individual. Em seu papel de diretor idealiza o que Nova Friburgo deve se tornar: uma nouvelle Fribourg, uma tentativa de se recriar o que a lembrança diz que foi a velha Fribourg, um local quase que paradisíaco. Neste momento memória e expectativa acabam por se fundirem - a velha Fribourg passa a ser entendida como o "espaço de experiência" enquanto a nouvelle Fribourg, como o "horizonte de exspectativas" (ambos os conceitos cunhados por R. Koselleck), já esta última é considerada por Paul Ricouer como sufucientemente vasta para abrigar tanto a esperança quanto a dúvida, o desejo e o querer, a preocupação, o cálculo racional, a curiosidade e todas as outras manifestações, de cunho privado ou não, direcionadas para o futuro57. Podemos acrescentar, com as palavras de Koselleck:

“elle aussi est à la fois liée à l’individu et interindividuelle; elle aussi

s’accomplit dans le présent et est un futur actualisé,...”58, um futuro que se tornará presente nesta nova Fribourg.

na segunda metade do século XVIII. Quando eclode a Revolução Francesa, toma partido do rei e por uma sucessão de eventos vê-se obrigado retornar a sua cidade natal, na Suíça. (La Genèse..., p. 77) 56 Segundo o artigo XV das Conditions, a "colônia" de Nova Friburgo terá um Diretor enquanto espera ser transformada em município (La Genèse, p. 239), portanto um cargo transitório e segundo as palavras de Pourcelet, ele teria sido indicado por Monsenhor Miranda, Inspetor da Coroa na "colônia" para exercer este cargo. 57 Paul RICOUER. “Vers une herméneutique ....”, p. 376. 58 R. KOSELLECK. “Le concept d’histoire”, p. 311 "Ela pode ser também ligada às vezes ao indivíduo e ser interindividual, ela pode também realizar-se no presente e em um futuro atualizado...".

Em sua narrativa simples e objetiva, descreve a viagem desde a Holanda, a espera, a atenção dada pelo governo português, o caminho para Nova Friburgo, a vila de Nova Friburgo, as hortaliças e frutas, buscando sempre uma comparação entre a Suíça e o Brasil, Nova Friburgo e Fribourg, o rio Bengala e Sarine59. Divide sua narrativa/relatório em dois momentos distintos: o primeiro, onde descreve o lugar onde se localiza a vila e o segundo, onde analisa os possíveis obstáculos que devem ser superados. Não poupa nem elogios nem críticas. Talvez pela função exercida, tenha tido maior preocupação com certos aspectos da vida da colônia, deixando aparecer certos medos, fruto tanto do desconhecido como do imaginário.

Comenta, de forma genérica, sobre os animais

selvagens que são encontrados nos arredores de Nova Friburgo bem como os caminhos – fonte de preocupação, pois se liga diretamente a questão do comércio da cidade. A leitura desta carta revela pistas sobre a visão do estrangeiro, não só como diferente de si, mas, sobretudo, como pernicioso ao desenvolvimento do seu “eu” realizador, que neste caso equivale a própria colônia que está sendo formada. Pourcelet se coloca, então, como o próprio assimilateur na medida em que acentua em sua consideração a comparação entre o universo centralizado europeu – universalista e o novo lugar, definido como simples e pequeno, longe e particular. Mas, este outro com o qual ele se depara não é necessariamente o português, por maior que possa ser a diferença entre ambos, mas sim o índio que se encontra nos arredores de Nova Friburgo, ou em suas próprias palavras: “On prétendait aussi que ce local était à grande distance des sauvages; cepaendandt, il n’y a plus de six semaines qu’il en parut 150 armés d’arcs et même de fusils. Ils n’ont, à la verité, fait auncun mal, mais seront-ils toujours doux et sages? Ils nous ont 59

Rio que atravessa a cidade de Fribourg.

apporté des singes, des perroquets et des peleteriés, en echenge des haces, couteuax, ciseuax, mirroirs et eau-de-vie. Ces individus, entièrements nuds, se jettent comme des furieux sur la chaine crue pour la dévorer, et se livrent à leur passion, sans différence de la bête brute, ce qui offre des incouvéniens majeurs pour l’exemple des jeunes gens, si leur visite doit se renouveller souvent.”60

O selvagem de Pourcelet é exótico, sua descrição pouco se difere das primeiras descrições feitas pelos europeus que aqui chegaram no início do século XVI e que povoaram o imaginário acerca de seus homens e animais: como nas palavras de André Thevet, “... esta região era e ainda é habitada por estranhíssimos povos selvagens, sem fé, lei, religião e nem civilização alguma...”61. Segundo Todorov, as teorias sobre o exotismo, onde a cultura e o país são definidos por sua relação com o observador, foram impulsionadas pela “descoberta” da América onde ela se mistura e se funde com o primitivismo 62, e é justamente este primitivismo que Pourcelet teme: o encontro e convívio de duas culturas bem distintas, que poderia ser prejudicial aos civilizados suíços, sobretudo os jovens que seriam educados bem próximo a “selvageria” do outro, pois é bom lembrar 60

Journal du Jura, le 03 juin 1820, p. 164. “Pretendíamos que este local se encontrasse a grande distância dos selvagens; no entanto, há mais de seis semanas que apareceram cerca de 150 armados de arcos e mesmo de fuzis. Eles não fizeram, a bem da verdade, nenhum mal, mas serão eles sempre tão cordatos e sábios? Eles nos trouxeram macacos, papagaios e pelarias em troca de machados, facas, tesouras, espelhos e aguardente. Estes indivíduos, inteiramente nus, se jogam como furiosos sobre a carne crua para devorá-la, se deixam levar pela paixão, sem diferença da besta bruta, o que oferece os maiores inconvenientes para o exemplo dos jovens, se suas visitas se forem constantes.” 61 A. THEVET. As singularidades...., 98. 62 T. TODOROV. op. cit., p. 299. “Mais la manière dont on se trouve amené, dans l’abstrait à définir l’ éxotisme indique qu’l s’agit ici moins d’ une valorisation de l’ autre que d’ une critique de soi; et moins d’une déscription d’ un réel que de la formulation d’ un idéal.” (p. 297)/ “Porém a maneira que somos levados no abstrato a definir o exotismo, indica que parece menos a valorização do outro que uma crítica de si; e menos de uma descrição do real que de uma formulação de um ideal.” Certamente este entendimento do exótico de Todorov, esta diretamente ligado aos primeiros viajantes que por aqui chegaram, ainda imbuídos do ideal mítico-religioso para a interpretação do mundo. Mesmo assim, podemos perceber neste suíço um restício deste tipo de pensamento no que se refere tanto à questão do indígena quanto a da diversidade da terra.

que para estes homens a chegada ao Brasil, não deixa de ser uma descoberta – um encontro com o outro, com outras formas de cultivo, com novos valores, com uma nova paisagem63. Mas a este respeito só o tempo dirá64. O maior temor de Pourcelt é, neste momento, a aculturação. Se pensarmos o conceito de cultura tal qual nos é proposto por Todorov em que ela aparece como uma possibilidade de melhor orientação no mundo, é a memória do passado próprio de uma comunidade, o que implica também haja um código de comportamento no presente e percepção de um conjunto de estratégias para o futuro65. E a estratégia dele é, tentar manter os colonos no papel de assimilateur sem correr o risco de se tornarem assimilé – categoria proposta por Todorov diretamente relacionada ao imigrante, ou aquele que faz apenas a viagem de ida, aquele que “... veut connaître les autres, parce qu’il est amené à vivre parmi eux; il veut leur ressembler, parce qu’il souhaite être accepté par eux.”66, pois o problema se encontra justamente neste ponto: quando o processo de conhecimento e de identificação está suficientemente avançado, o imigrante se torna assimilado: ele passa a ser “como” os outros. Contudo, era preciso fazer os outros parecidos a nós fazer desaparecer a selvageria do globo e não correr o risco de ver os civilizados suíços parecidos com os índios. Este parece ter sido, de certa forma, uma preocupação de todos os que

63

Pourcelet escreve acerca da paisagem: “... ensorte que ce pays est tellement différent, qu’il semble n’ avoir aucune analogie avec ceux que nous avons traversé depuis la capitale jusqu’ici.” Journal du Jura, le 03 juin 1820, p. 163. “... de forma que esta região é totalmente diferente, que parece não ter nenhuma analogia com as que nos atravessamos desde a capital até aqui.” (tradução livre). 64 Quanto a este tema, J.J. Tschudi, viajante suíço que percorreu as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo em 1860, nos diz algumas linhas que nos permite supor que o medo de uma aculturação prejudicial aos suíços (relacionada aos índios) levantado por Pourcelet em sua carta, foi infundado pois este viajante se deparou com uma família de descendentes destes primeiros colonos que viviam afastados de Nova Friburgo mas “... arraigada ainda aos costumes da pátria longínqua”. (tradução livre)Viagem às províncias....., p. 36. 65 T. TODOROV. op. cit., p. 281. 66 T. TODOROV. op. cit., p. 380. “Ele quer conhecer o outro, pois vai viver entre eles; ele quer se parecer com eles, pois quer ser aceito por eles.” (tradução livre).

estavam envolvidos nesta empresa migratória:

o medo da aculturação, que já fora

evidenciado na primeira carta e que aparecerá ainda em outras cartas. De certo, o projeto colonizador acordado por D. João VI previa uma integração destes imigrantes à Coroa portuguesa, na qualidade de súditos tal qual aparece nas Condições, já citadas anteriormente. Sobretudo, esta imigração tinha como objetivo maior civilizar os arredores da Corte, transformando estes imigrantes em participante e agente desta nova cultura que irá se formar, aos moldes europeus. A aculturação que era desejada era entre o imigrante europeu e o português, onde aquele devia ensinar a este ou como no texto des Conditions “Art. VI – Parmi cette quantité de colons que Sa Majesté est intentionée de porter successivement à une nombre plus considérable, il devra y avoir suffisamment d’artisans

les

plus

essentiels,

tel

que

charpentiers,

menusisieurs, maréchaux, serruiers, maçons, ainsi que quelques meuniers, cordoniers, tanneurs, tailleurs, tisserands potiers, tuiliers, etc., lesquels devront enseigner ceux de Portugais qui voudront apprendre.”67 Porém, as preocupações de Pourcelet com relação a sorte da colônia não estão restritas a especulação acerca da periculosidade do contato entre civilizados suíços e selvagens ameríndios.

Seu rol de questionamentos é também direcionado a questões

práticas do modo de organização do homem no espaço e de seus resultados, tais como a ausência de caminhos e o retardo da chegada dos outros navios atrasando o início do 67

M. NICOULIN. op. cit., p. 238, grifo nosso. "Art. VI - Entre esta quantidade de colonos que Sua Majestade está intencionada em trazer em um número considerável, deverá haver suficientemente artesãos dos mais essenciais, tal qual carpinteiros, ferreiro, serralheiro, marceneiro, pedreiro assim como moleiro, sapateiro, curtidor, alfaiate, tecelão, oleiro, telheiro etc., os quais deverão ensinar os portugueses que quererão aprender." (tradução livre).

plantio68, que acarretaria uma safra menor ou a perda total da safra. Uma nota de pé de página do jornal, diz que seus temores tinham fundamento, mas que o governo tinha ampliado os subsídios69 aos colonos. Estes subsídios tinham sido acordados aos colonos nas Conditions (artigo V - dois anos de subsídios), como um incentivo a mais para a vinda das famílias. Todas estas reflexões transformam Pourcelet em uma peça importante, na medida em que deixa transparecer um certo universalismo, aqui entendido como “o horizonte de entendimento entre dois particulares; talvez não seja atingido jamais, mas, apesar disso, é preciso postulá-lo para tornar inteligíveis os particulares existentes.”70 – o europeu e o americano, ao se preocupar com os índios e também com a unidade da “colônia”, de maneira pujante e que se encontra ausente dos outros relatos.

c. Em busca dos sonhos

A correspondência é enviada pelo jovem suíço, de 29 anos, que decide abandonar sua terra natal e partir em busca de grandes sonhos. Só tivemos acesso a uma parte da carta. É sabido, segundo a lista de famílias publicadas no livro de Martin Nicoulin, que 68

Nas palavras de Pourcelet sobre os caminhos: “Il ya beaucoup a faire pour établir une route praticable, et il est douteux si le Roi voudra en supporter l’énorme dépense: sans cela cependant, comme parvenir à la vente de la surabondance de ses dentrées?” e sobre o atraso dos navios: “Il y a plus encore: ce mois étant le dernier du printems de ces cointrées, le moment utile pour semer et planter s’écoulera, et nos Colons n’obtiendront qu’une minime récolte cette année.” Journal du Jura, 03/06/820, p. 165. “Tem-se muito a fazer para abrir uma estrada praticável, e é duvidoso se o Rei quererá assimilar esta enorme despesa: sem ela no entanto, como realizar a venda do excedente desta região? [...] Ainda tem mais: sendo este mês o último da primavera nesta região, o melhor momento para semear e plantar desaparecerá, e nossos colonos obterão somente uma pequena safra este ano.” (tradução livre) 69 Martin Nicoulin não nos oferece nenhuma luz a este respeito.

havia mais uma família com o mesmo sobrenome, além de uma moça solteira, sendo estes dois grupos de uma cidade diferente deste nosso imigrante. Se há alguma ligação entre eles não temos subsídios para dizê-lo. É um dos poucos que externaliza seu sentimento com relação aos agentes da imigração, com ênfase na atuação dos suíços - que será o fio condutor de um romance escrito pouco mais de um século depois:

"Comme nous avons été trompés par nos

conducteurs suisses jusqu'au débarquement, nous avons été tant mieux récompensés par les Portugais à notre arrivée, car nous avons été très bien soignés, et bien vus de tous."71 Esta carta também nos possibilita perceber a expectativa da realização de um desejo comum - a riqueza - localizado agora não em um futuro remoto, mas em um tempo bem próximo: o tempo da realização do esforço individual, que será coroado com o sucesso. Neste momento Nova Friburgo não é um sonho comum, mas a riqueza advinda deste movimento de mudança esta é partilhada igualmente por todos. "Dans quelques années ceux qui ne seront pas pareseux seront hereux. Quand à moi, je ne crains pas n'être pas à mon aise.

En attendent que la terre soi partagée je gagné toujours de l' argent en

travaillant pour les Portugais."72 A segunda frase deste trecho selecionado indica que nem todos os colonos ficaram parados enquanto esperavam a chegada dos outros navios - uma espera que chegou a quase cinco meses (contada a partir da chegada dos primeiros

70

T. TODOROV. Nós e os outros, v. 1, p. 31. Ou no original: “L’universel est l’horizon d’entente entre deux particuliers; qu’on l’atteindra peut-être jamais, mais on a néanmoins besoin de postuler pour rendre intelligibles les particuliers existants.” (p. 30) 71 Journal du Jura, le 26 mars 1820, p. 148. "Como nós fomos enganados por nossos condutores suíços até o desembarque, nós fomos bem melhor recompensados pelos portugueses em nossa chegada, pois fomos todos bem tratados, e bem recebidos." (tradução livre) 72 idem. “Em alguns anos os que não forem preguiçosos, serão felizes. Quanto a mim, não temo não ser capaz de me sustentar. Aguardando que a terra seja dividida, ganho sempre dinheiro trabalhando para os portugueses." (tradução livre)

navios, até a divisão das terras). Se este foi um caso excepcional, não podemos dizer, mas certamente rompe com a teoria da inatividade dos colonos reinante na medida em que nos permite perceber um movimento destes homens na descoberta deste novo país e de uma nova cultura que pode ser entendida como a possibilidade de melhor orientação no mundo, a memória do passado inerente a uma comunidade, que implica também em um código de comportamento no presente, em criar um conjunto de estratégias para o futuro73. E este "conjunto de estratégias" pode ser lido não só como o sonho acalentado, como também o início de uma

troca de experiências entre

portugueses e suíços que será fundamental para a possibilidade de realização do sonho que motivou toda esta mudança. Esta pequena carta nos abre alguns pontos que serão bastante úteis ao longo deste trabalho através das diversas variantes que foram ilustradas até aqui.

d. Muito a ensinar

Publicada nos jornais, esta missiva é uma longa descrição tanto da viagem HolandaRio de Janeiro-Nova Friburgo quanto da vila, arredores e assuntos diretamente ligados a este novo mundo que se descortina diante destas pessoas - descrição das hortaliças, do gado (bovino, suíno etc.), frutas. É uma carta anônima: o jornal diz apenas que é de “Amigos de Berna” que escrevem de Nova Friburgo, no dia 13 de janeiro de 1820 e foi publicada no

73

T. TODOROV. Nous et les autres...., p. 281.

Journal du Jura em duas partes: a primeira na edição de 01 de julho de 1820 e sua continuação na edição seguinte, de 08 de julho de 1820. A forma pela qual é escrita, se colocando como o narrador ausente da cena que esta sendo descrita, não nos permite, a princípio incluí-los em nenhuma das categorias propostas, mas em dois momentos ele (ou eles) nos permite(m)

perceber alguma

expectativa e uma crítica, através da qual constatamos uma recorrência da universalidade: o eu aparece como superior ao outro: “Les

maisons

bâties

presque

toujours

par

six

ensemble, sont couvertes de tuiles creuses, les pavés des chambres en terre glaise, les fenêtres garnies de volets abatans, sans vitre, tout à la mode du pays, très-légèrement, mais mieux que nous l’avions attendu; il n’y a que la pluie contre laquelle nous ne sommes pas assez garantis; chacune des maisons doit loger par la suite seize personnes. (...)

(...) La race des bêtes à cornes est belle et bonne, de haute taille, mais presque sauvage, parce qu’on n" en a tiré aucun parti.

Les vaches, les boeuf, les ânes courent

abandonnés dans les montagnes, quelquefois si loin, qu’il faut les chercher des demi-journées, et même pedant des journées entières. Si l’on veut avoir du lait d’une vache, on prend le veau et on l’enferme, la vache le cherche, on la laisse entrer auprès de lui; mais alors il l’époisise tellement, qu"on en retiretout au plus, un demi pot de lait, ou pas même autant.[...] On attèle ordinariement six à huit boeufs à une voiture, parce qu’elles sont si mal faites, que la moindre charge demande cet attelage. [...] Les chevres sont de mauvaise race et chères. [...] Les moutons

de même ont besoin d’être miux soignés; [...]. Les cheveaux et les ânes courent dans le forêts abandonnés à eux-mêmes; [...]. Les cochons sont de bonne race, facile à engraisser, et se multiplient beuacoup. Il y a beaucoup de poules qui sont plus grandes que chez nous.

Quant à la chasse, nous

sommes mal à notre aise: les perroquets et les singes sont presque le seul gibier, et il est dengereux de tirer les derniers, parce qu’ils viennent se défendre en foule. »74 Estas duas citações, bastante longas, e, sobretudo, as duas passagens em negrito nos permitem imaginar quais eram os anseios destes homens: na primeira ao descrever a casa, diz-se claramente, que era melhor que o esperado. Criou-se uma idéia baseada em quê? Em descrições/relatos anteriores? Anteriores a quê? A partida? A chegada à Nova Friburgo? A bem da verdade, estas questões perdem o sentido na medida em que se percebe claramente uma expectativa, mesmo que ela seja negativa. Neste caso podemos perceber que a idéia do outro já estava presente entre estes “Amigos de Berna” e que o “eu” estava sendo valorizado. E nesta valorização do "eu", eles se colocam como agentes civilizadores na medida em que percebem que tem muito a ensinar a estes luso-brasileiros: qual a melhor forma de criar gado, de se construir carros-de-boi; e deste modo transformar

74

Journal du Jura, le 08 julliet, 1820, p. 195-6. “As casas construídas quase sempre em conjunto de seis, são cobertas de telhas fundas , o assoalho dos cômodos em terra batida, as janelas guarnecidas de postigo, sem vidro, a moda do país, bem leves, mas melhor que tínhamos esperado; há somente a chuva contra a qual nós estamos protegidos; cada casa deve alojar dezesseis pessoas. (...) A raça de animais de chifre é bela e boa, de grande altura, porém quase selvagem, pois não se tira nenhum partido delas. As vacas, os bois, os asnos correm abandonados nas montanhas, algumas vezes tão longe, que é preciso os procurar durante meio-dia, quando não durante todo o dia. Se, se quer o leite de uma vaca, prende-se o bezerro e o encarcera, deixa-se a vaca chegar junto a ele; mas então ele a esgota tanto, que não se retira mais que meio pote de leite, quando muito. [...] Atrela-se normalmente seis a oito bois a um carro, pois elas são tão mal feitas, que o menor peso exige esta parelha. [...] As cabras não são de boa raça e caras. [...] As ovelhas também têm necessidade de serem melhor cuidadas; [...] Os cavalos e os asnos correm na floresta abandonados a própria sorte; [...]. Os porcos são de boa raça, fáceis de engordar, e se multiplicam bastante. Há muitas galinhas que são maiores que as nossas. Quanto à caça, nós estamos mau parados: os papagaios e os macacos são quase as únicas caças, e é perigoso de atirar nestes últimos por que eles vêm se defender em bando.” (tradução livre)

em mais próximo este local tão diferente, mesmo que alguns hábitos civilizados tenham que ser deixados de lado, como a caça. Esta carta nos aponta um outro detalhe:

que a imigração para Nova Friburgo

envolveu bem mais pessoas do que as listadas inicialmente. Estes "amigos de Berna" estavam em contato com outros conterrâneos que haviam partido na mesma época, para se instalarem, por conta própria, nas proximidades da colônia. Duas questões nos saltam: a primeira ligada ao processo de seleção de imigrantes - a procura foi muito maior do que a empresa colonizadora podia suportar (mas por outro lado, se veio mais pessoas que o inicialmente acordado, por quê estas pessoas ficaram de fora?); e a segunda ligada as condições sócio-econômicas destes imigrantes. Mas vamos deixar para tentar resolver estas questões mais tarde.

e. A busca solitária da riqueza Escrita a 20 de março de 1820 e publicada a 12 de agosto (com continuação na edição de 19/08), esta missiva vem a afirmar que a busca da riqueza não motivou somente as camadas pobres da sociedade européia. Várias outras figuras anônimas atravessaram isoladamente o Oceano em busca de seu pote de ouro. Nova Friburgo não foi exceção: várias outras pessoas aproveitaram a vaga migratória e acompanhou os imigrantes na busca deste sonho. Estamos recuperando aqui um destes imigrantes solitários que abandonaram tudo, inclusive a família, para buscarem a riqueza no Brasil e, neste caso, bem próximo da "colônia" que esta se formando. Pierre Gendre é uma destas pessoas que decide partir só, mas que no fim não se encontra tão isolado:

tem todos os colonos suíços além de outros conhecidos/

companheiros de viagem que cita ao longo de sua carta. Por tudo isto, sua carta torna-se especial: foi escrita por alguém que não fazia parte da imigração de Nova Friburgo, mas que resolveu vir por conta própria para cá, na mesma época, e se instalar nas suas proximidades. Veio aparentemente só, pois escreve a carta a seus filhos e também sabemos que não era jovem - em um dado momento diz que a subida para Nova Friburgo é um pouco pesada para sua idade75 (terá sido esta a razão dele não ter feito parte de Nova Friburgo? Fora excluído pela idade?). Esta não é sua primeira correspondência com os filhos deixados na Suíça, pois reclama do silêncio. Sua especificidade está além do fato dele não ter feito parte da empresa imigratória de Nova Friburgo e apesar disto ter se decidido instalar-se em suas proximidades e ter dispensado algumas linhas falando dela. Ela concentra sua análise do meio em que circula: Nova Friburgo e Rio de Janeiro. Não sabemos a quanto tempo ele se encontra por aqui e esta resposta influi diretamente na sua percepção de alguns detalhes. É certo que em sua bagagem veio uma boa dose de esperança ou talvez de sonho, tal como qualquer outro imigrante. Diferente dos seus conterrâneos ele não achou casa pronta, teve que ir buscar (logo concluímos que este tinha algumas posses), escolheu onde pretendia morar: « C’ est près de la ville de Macacou, sur le penchat d’une colline, et à peu de distance de la rivière, que je voudrais m’établir, car ici on est à même de vendre extrêmement cher, toutes les productions, surtout lorsqu’elles sont rares. »76

75

Journal du Jura, 12/08/1820, p. 224 Journal du Jura, 19/08/1820, p. 230. "É próximo da vila de Macacu, ao pé da montanha, e a pouca distância do rio que quero me estabelecer, pois aqui as vendas são extremamente caras, todas as produções, sobretudo quando elas são caras". (tradução livre)

76

Já tinha percebido a importância de escoar a safra, pois o preço dos alimentos todos os outros também perceberam bem rápido. Se Pourcelet é, aparentemente, o único a se preocupar com a proximidade dos índios, Pierre Gendre é o único a discorrer sobre o trabalho e comércio escravo. Para este, o outro é o sistema comercial implantado. Se encontrando no limite entre o assimilateur e o assimilé, ao mesmo tempo em que critica, se assusta e se choca com a fácil adoção destes hábitos por seus conterrâneos, mesmo porque estes hábitos não combinavam com o que Flora Süssekind chama de "imagem-só-natureza", que se tinha do Brasil77. « Concernat le commerce des esclaves ou de nègres, je vous dirai qu’on les trouve dans les boutiques au nombre de cinquante et plus. En arrivant d’Afrique ils sont tous nuds, à l’exception d’une petite toile autour des reins, qui ressemble à une ceinture ; ils ne connaissent d’autre langue que leur jargons. Les acheteurs les examinent, comme des cheveux qu’on veut acheter.

Ces

malheureux sont obligés de courrir, de sauter, de danser et la pièce de cette marchandise humaine, coute six à douze cents francs de France ! ! ! !

Malgré ce prix, les nègres sont pourtant moins chers que d’autres ouvriers ; ils apprenent tout ce qu’on veut, si on se donne quelque peine à les instruire, car ils sont intelligens, dociles, obeissans, polis, fort et robustes, ne mangent que des légumes, du manioc et de la viande sec ou du poisson. Ils ne déchirent point d’habits, couchent par terre, ou sur des nattes de jonc, et comnme ils sont la propriété de leur maître, ils ne vont pas courrir de l’un à l’autre pour le trahr.

MM. Mandrot de Morges, Graffenried,

Schmid, Morell, etc., de Berne sont ici, et se proposent de

s’adonner à la culture ; ils ont acheté à cet effet des négres, qui leur coutent à peu-près 1200 fr. la pièce. »78 Este trecho revela o choque da cultura européia, de uma determinada cultura, distanciada das práticas do Antigo Sistema Colonial e o novo Continente, onde as práticas mercantes reinam soberanas. Para além deste choque cultural evidente, há também uma percepção por parte de alguns da única forma de enriquecimento possível naquele momento: a agro-indústria escravista. Este ponto vai de encontro com a própria concepção de Nova Friburgo: pensada como uma colônia voltada para a agricultura familiar, buscando a criação de núcleos urbanos - e centro irradiador de cultura - o projeto de riqueza acalentado individualmente por cada um dos imigrantes jamais se realizaria, por mais promissoras que fossem as avaliações acerca da fertilidade do solo e das possibilidades de enriquecimento percebidas, ou como este imigrante mesmo disse: « Selon moi, une famille de colons, avec le produit du jardin, de la basse-cour, d’une vache et de quelques cochons, non-seulement doit pouvoir vivre, mais gagner encore beaucoup d’argent, tout em défrichant le terrain qui lui 77

SÜSSEKIND, F.. O Brasil... , p. 28. Journal du Jura, 19/08/1820, p. 230. "Em relação ao comércio de escravos ou de negros, eu vos direi que os encontramos em lojas em número de 50 ou mais. Chegando da África, eles estão todos nus, a exceção de uma pequena toalha ao redor dos rins, que lembra um cinto; eles não conhecem outra língua que seus dialetos. Seus compradores os examinam, como cavalos que queremos comprar. Estes infelizes são obrigados a correr, a saltar, a dançar e a peça desta mercadoria humana custa de 600 a 1200 francos franceses!!!!!!!!!!! Apesar deste preço, os negros são mais baratos que os outros empregados; eles aprendem tudo que queremos, se nos damos ao trabalho de os instruir, pois eles são inteligentes, dóceis, obedientes, polidos, fortes e robustos, comem somente legumes, mandioca, carne seca e peixes. Eles não estragam roupas, dormem no chão ou sobre esteiras de junco e como eles são propriedade de seus senhores, eles não vão correr de um a outro para os trair. Os senhores Mandrot de Morges, Graffenried, Schmid, Morell etc. de Berne se encontram aqui, e se propõe adotar a cultura; eles compraram para este efeito negros, que os custou mais ou menos 1200 fr. a peça." (tradução livre) 78

sera assigné pour en faire une belle proprieté.

Ceux qui

aiment le travail ne seront donc pas à plaindre. » 79 A estes, o enriquecimento estava vetado.

Somente a ruptura com a

nouvelle Fribourg possibilitaria este sucesso desejado, acalentado onde, a nãorealização do projeto cuidado por Pourcelet foi a realização, de uma certa medida, do projeto individual de cada um dos imigrantes. E este momento é marcado pela busca de terras apropriadas para o café e na utilização da mão-de-obra escrava e pode ser exemplificado por uma passagem de J.J. Tschudi, viajante suíço que percorre Nova Friburgo com a missão de fazer um relatório a seu governo do estado das colônias suíças no Brasil: “Tratava-se de gente muito simples, arraigada ainda aos costumes da pátria longínqua, e que levava ali, entre seus 70 escravos negros, vida patriarcal.”80 Esta família, Tschudi mesmo diz,

já é a

segunda geração dos colonos de Nova Friburgo, mantém ainda costumes que lhe foram passados pelos pais e se apresenta também adaptada às práticas culturais brasileiras. Este trecho relativamente longo selecionado anteriormente, chama a atenção sobretudo para a questão da escravidão. Porém, a última frase deixa escapar uma forte ligação entre os suíços no Brasil:

ele cita quatro outros

conterrâneos que também vieram buscar fortuna aqui.

Já foi feita duas

referências a este grupo: a primeira na edição de 19 de fevereiro de 1819, onde aparece uma pequena nota anunciando a chegada deles ao Brasil e a segunda, 79

Journal du Jura, 12/08/1820, p. 224. "Segundo penso, uma família de colonos, com o produto da horta, da capoeira, de uma vaca e de alguns porcos, não somente deve poder viver, mas ganhar ainda muito dinheiro, somente desbravando o terreno que lhe será acordado transformando-o em uma bela propriedade. Os que amam o trabalho não estarão a se lastimar." (tradução livre) 80 TSCHUDI, J.J.. Viagem...., p. 36

na carta dos "Amigos de Berna" onde é dito que eles já haviam se encontrado aqui. Estes quatro cidadãos de Berna também não fizeram parte da empresa imigratória de Nova Friburgo e se colocam num grupo de imigrantes bastante especial:

aqueles que tem dinheiro suficiente para iniciar uma boa empresa

agrícola. Certamente estes senhores não foram impelidos pela pobreza, mas sim pelo desejo genuíno de enriquecimento rápido, chance que para eles parecia remota em sua terra natal. Também nos permitem recriar uma teia de contatos e conhecimentos que é redescoberta/recriada em terras brasileiras. Voltando a carta de Pierre Gendre, ele também é o único que nos fornece uma leitura sobre a cidade do Rio de Janeiro (até por que é um dos poucos que esteve na Corte - dos imigrantes, somente uns poucos tiveram a oportunidade de descer no Rio e estes foram os mais representativos de cada navio como Porcelet) e sobre as relações familiares na Corte. Quando fala do Rio de Janeiro deixa que sua expectativa com relação a seu sucesso seja transferida para todo país, mas não deixa de dar sua avaliação do homem: "Je vous ai déjà parlé de Rio-Janeiro, cette ville s'agrandit tous les jours. Elle deviendra une des plus belles et plus grande du nouveau monde, [...]. Ici je n’ai pas encore vu de jardin qui mérite ce nom; tout, comme dans les campagnes, prouve paresses et la négligence. "81

81

Journal du Jura, le 19 août 1820, p. 230-31. "Eu já lhes falei de Rio-Janeiro, esta cidade que cresce todos os dias. Ela se tornará uma das mais belas e maiores do novo mundo, [...]. Aqui eu ainda não vi uma horta que mereça este nome; tudo, como no interior, prova a preguiça e a negligência." (tradução livre)

Talvez este trecho seja mais elucidativo do pensamento europeu dirigido ao outro do que propriamente a passagem ligada ao escravo.

Pierre Gendre é

bastante claro ao dizer o que pensa do homem luso-brasileiro e, neste momento, reforça seu papel de homem civilizado que veio trazer ou mesmo ensinar algo de importante a esta pobre gente.

Nesta passagem, não é ele que tem algo a

receber aqui, muito antes pelo contrário: ele tem mais a dar do que a receber neste processo de aculturação. Percebe também a diferença do relacionamento familiar no campo e na Corte, descrevendo em poucas linhas o cortejo que segue para a missa. Todos estes elementos tornam Pierre Gendre um imigrante único, no universo em que estamos trabalhando. Apesar de não fazer parte do contingente migratório de Nova Friburgo faz questão de conhecê-la, se preocupa em descrevê-la, em poder imaginar sua sorte (bastante positiva, segundo sua análise) e acredita que tem muito a ajudar em seu desenvolvimento, ao mesmo tempo em que percebe as nuances deste lugar chamado Brasil. Sem dúvida, muito de sua percepção é advinda do fato de ser um imigrante autônomo e que lhe permite ações não permitidas aos outros imigrantes, que passam por um período de "confinamento" na colônia de Nova Friburgo enquanto esperam a chegada de todos os navios para poderem receber seu pedaço de terra. Esta sua mobilidade lhe possibilita a conhecer melhor o país e perceber as reais chances de enriquecimento.

f. De primeiras ilusões à chegada ao Paraíso

Fazendo parte de um grupo de quatro cartas publicadas como um dos apêndices do livro La Genèse de Nova Friburgo de Martin Nicoulin, ela é intitulada como "Les premières illusions". Mas serão realmente primeiras ilusões? Das correspondências privadas esta é uma das mais loquaz, escrevendo para os que ficaram na Suíça (irmãos, cunhados entre outros), Jacques-Martin Péclat conta como se deu a instalação dos colonos em Nova Friburgo, como transcorreu a viagem (com maior ênfase a chegada) enfim, descreve o início desta nova vida. Viajou acompanhado da esposa e filhos. Porém, ao longo da narrativa descobrimos que sua família era mais ampla: resolvera imigrar acompanhado da família.

também seu primo Jean Page

Logo os laços fraternos acabam

falando mais alto: seu primo acaba só (sua família morre ao longo da travessia), é preciso então olhar para a lado e perceber a necessidade de estender a mão ao irmão.

Em um projeto que prima pela individualização das expectativas, as

relações familiares parecem ter ocupado um lugar considerável:

seja no que

tange alguns conhecidos, seja aos mais próximos. Em sua carta, Jacques Péclat narra rapidamente a travessia marítima e descreve a vida em Nova Friburgo. Sua maior preocupação é com o cotidiano: o custo de vida, a casa. O aspecto religioso aparece em diversas partes da narrativa: no caráter providencial da viagem, no Deus interventor/julgador.

“Nous sommes si bien que nous ne pouvons pas remercier à Dieu la Dime de ce qu’ il nous a destiné à venir dans ce pays; mais comme Dieu ne permet pas qu’ont soit si content, nous avons par contre toujours à tracasser les uns et les autres avec cette fèvre tremblente; sans cela il nous seroit impossible d’être miuex. [...] j'en remercie la divine providence de m'avoir mis dans cette destination.”82 Este homem, percebe a imigração como resultado da graça divina, que não veio gratuitamente, foi preciso passar por uma provação: as dificuldades da viagem, as perdas, o novo. Somente vencendo este momento é que poderão alcançar o paraíso a que vieram buscar. Estes imigrantes vivem um novo tempo, fundado pela Revolução Francesa que ao romper com o passado acaba por transformar a espera escatológica cristã em progresso. Este progresso não mais se realiza fora do tempo, como a espera do Juízo Final previa, mas no próprio tempo. Neste sentido, o presente passa a ter força somente a partir do momento em que se acredita que ele inaugure um novo tempo, um novo começo. E, este começo, este novo tempo se inicia, para estes imigrantes, com Nova Friburgo. Sua religiosidade, quase que ortodoxa, se manifesta não só na interpretação desta viagem como provação, mas também na importância que atribui a conversão de alguns dos protestantes que para cá vieram: "Il y a même un grand nombre de la secte de Calvin qui se sont fait Catholique..."83, quem sabe resultado da influência da realização da obra Divina, o paraíso, na terra?

82

M. NICOULIN. La Genèse..., p. 290. "Nós nos encontramos tão bem que nem podemos agradecer a Deus a graça de ternos trazido a este país; mas como Deus não permite a felicidade plena, alguns de nós tem que vencer esta febre intermitente; sem isto seria impossível estar melhor. [...] eu tenho que agradecer a Divina Providência de ter me posto neste destino." (tradução livre) 83 Ibidem, idem, p. 290. "Tem um grande número de adeptos da seita de Calvino que se tornaram católicos..." (tradução livre).

Seu estado de encantamento com a "obra Divina" na América se encontra lado a lado com o espanto causado pelo contato com os portugueses – “Ces Portugais se sont pour nous les meilleurs gens du monde que l’on puisse trouver, vous allés vous promener par ces fermes ils vous donnent à boire et à manger il ne vous coute jamais rien.”84 Numa interpretação que varia de anjos do Paraíso a seres estranhos (para tal faltaria uma exclamação ao final da frase), Jacques Péclat se coloca, segundo as categorias propostas por Todorov, mais como um alegorista - "L' image de l'autre chez l'allegoriste ne vient pas de l'observation, mais de l'invertion de traits qu'il trouve chez lui."85 - do que como o assimilador ou o assimilado presentes nas narrativas dos outros imigrantes. Neste caso, ele não está vendo o português, mas analisando seus próprios valores a partir deste encontro. Quando se dedica a analisar a fauna local, é sempre na base da comparação. É claro que todos procedem desta maneira, com a diferença que neste caso o Brasil sai ganhando: se nos outros imigrantes os animais espantam, mesmo decepcionam por não serem interessantes para a caça, neste, os animais encontrados aqui são menos perigosos do que os de lá, por pouco ele não retrata o próprio paraíso em terras tropicais - "... nous n'avons pas vu un seul animal féroce, comme on faisait tant de bruit en Suisse, [....]. Des serpents il y en a quelques une, mais ils sont plus rares qu'en Suisse."86

84

Ibidem, idem, p. 290. "Os portugueses são para nós as melhores pessoas do mundo que poderíamos ter encontrado, ao se passar por suas fazendas eles os oferecem comida e bebida, sem nunca lhes custar nada". 85 T. TODOROV. opus cit., p. 384. "A imagem do outro do alegorista não vem da observação, mas da inversão de traços que ele encontra em seu país." (tradução livre) 86 M. NICOULIN. La Genèse..., p. 289. "...não vimos nenhum animal feroz, como se dizia tanto na Suíça [....]. As serpentes, tem algumas, mas são mais raras do que na Suíça." (tradução livre)

Para que este paraíso se tornasse completo precisava também de viver com certo conforto, por isto aproveitou o que chamou de "tempo de inatividade" (o período entre a chegada e a distribuição de terra) confeccionando móveis para sua casa. Diz que mudou bastante, está mais ambicioso, quer sempre mais dinheiro, pois acha que sempre tem menos do que o necessário. São os ares da terra, afinal, este paraíso não era tão perfeito assim, já tinha sido corrompido - tanto o paraíso quanto o homem, que deixa aflorar a razão de sua mudança: a busca do enriquecimento.

g. O exílio forçado

Intitulada por Martin Nicoulin de A confrontação com a realidade (La confrontation à la réalité), esta correspondência tem uma particularidade: foi escrita por um eclesiástico e responsável pelo conforto espiritual, pelas almas e pelo bom desenvolvimento de todos os colonos, certamente uma das pessoas com maior capacidade crítica dentre as que vieram para cá. Por outro lado, sua adesão ao projeto da nouvelle Fribourg não foi voluntária, como a da grande maioria de colonos, ele foi escolhido pela diocese de Fribourg para acompanhar os colonos tanto na viagem, quanto em Nova Friburgo. O deslumbramento inicial está ausente de seu relato, mas tem, por outro lado, um tom ácido, ferino. Fala de saudade, do medo de ser esquecido pelos que ficaram em Fribourg. Talvez a “desilusão” apresentada por ele, se é que podemos dizer isto, seja advinda do fato da decisão de partir não ter sido voluntária, uma escolha pessoal. Seu tom é de lamúria, não percebe ou mesmo acredita no sucesso, não por que critique a atitude dos empresários desta imigração, mas sobretudo por que não confia plenamente na força de vontade dos colonos, de seu povo:

“...la localité n’est pas de plus agréables, il est surprenant que M. Gachet ayant eu le choix sur tout le Brésil... de préférence choisit un local dont une grande partie est inacessible et incultivable aux belles et immenses pleines des environs de St. Paul... Cepandant ceux qui voudraient travailler et se donner de la peine feront très bien leurs affairs, tandis que les paresseux, seront à la fin des subsides accordés par S.M., plongés dans la plus affreuse indigence ce nombre sera malheureusement très grand. Sourtout la parte allemande de la Suisse peut se flatté d’avoir purgé son pays de mendiants, de vagabonds, d’insoussiants qui étaient à sa charge à la societé.”87 Nesta passagem ele mistura ressentimento, preconceito e outros sentimentos que o distanciam de uma "confrontação" com a "realidade" de Nova Friburgo - até por que quando escreve esta carta (10 junho de 1820), as glebas haviam acabado de serem distribuídas e a esperança em Nova Friburgo permanecia bem viva. Diferentemente de Pourcelet, o abade Joye, um jovem de apenas 29 anos, não demonstra preocupação com a unidade da colônia, antes se ressente dos trabalhos que tem que realizar, das dificuldades encontradas, enfim, do novo. Neste caso ele não se apresenta nem como assimilado nem como assimilador, pelas categorias propostas por Todorov ele se apresentaria mais como o exilado - "... celui qui interpréte sa vie à l'étranger comme une éxpérience de non-appartenence à son milieu,..."88 que termina por impedir uma relação mais estreita com o outro. É certo que, como eclesiástico, ele não pode se furtar de aplicar 87

Ibidem, idem, p. 291. "... a localidade não é das mais agradáveis, é surpreendente que o Sr. Gachet tendo tido a escolha de todo o Brasil... de preferência escolha um local em que uma grande parte é inacesível e incultivável às belas e imensas planícies dos arredores de São Paulo. No entanto, os que quiserem trabalhar e se dedicarem realizarão seu intento, enquanto que os preguiçosos, serão ao final dos subsídios oferecidos por S. M., mergulhados na mais horrível indigência este número será bastante grande. Sobretudo a parte alemão da Suíça pode se gabar de Ter purgado seu país de mendigos, vagabundos, inúteis que viviam às custas da sociedade." (tradução livre)

os sacramentos a todos. E este trabalho realiza bem: converte alguns dos protestantes que para cá se dirigiram, mas por outro lado, reclama das longas distâncias que tem que percorrer para realizar seu trabalho e sente saudade da vida pacata que tinha na sua terra natal. Sua descrição da viagem e da vila é bastante genérica mas por outro lado, se preocupa em comparar seu ofício em ambos os lugares o que o leva a seguinte reflexão: “Que vous êtes heureux Messieurs que de n’avoir que des petites paroisses à conduire.”89 É a saudade, o pesar, que o impele a escrever esta que não foi sua primeira carta. Por não partilhar da expectativa que une os outros imigrantes, abade Joye não consegue ver nada de bom na situação na qual se encontra: desde o envolvimento de cada imigrante a suas funções de eclesiástico, passando pelas condições da terra. Nada escapa de sua avaliação negativa, nem mesmo a atuação de seus colegas luso-brasileiros90, o que o leva a questionar seu próprio futuro. Para ele tudo são incertezas e o futuro, bem diferente do paraíso previsto e desejado por seus fiéis. Com uma visão destas, jamais poderia ter se tornado o grande questionador de Nova Friburgo.

h. Sua expectativa, próxima de se realizar.

88

T. TODOROV. opus cit., p. 382. "... aquele que interpreta sua vida no exterior como uma experiência de não-pertencimento ao seu meio...". (tradução livre) 89 M. NICOULIN opus cit, p. 292. "Que sois felizes senhores de ter somente pequenas paróquias para conduzirem." (tradução lvre) 90 Em uma outra passagem ele diz: "Les prêtres vont de ferme en ferme, les plus éloignés pour faire les paques et y dire la messe, le pécepte y est observé au pied de la lettre et nom plus ultra; si toutes ois le pasteur parait dans les habitations vouz devez jugé par là de l’instruction réligieuse qui règne chez um grand nombre.” (p. 292) - "Os padres vão de fazenda em fazenda, as mais afastadas para oficializar a comunhão e rezar a missa, o preceito é ali observado ao pé da letra e não além; se todos os pastores se portam assim nas casas vós podeis julgar a partir disto a instrução religiosa que reina na maior parte deles." Sem dúvida neste ponto há o encontro de duas ortodoxias religiosas diferentes e talvez seja este o ponto em que ele se coloque mais como o assimilador de Todorov; quando compara a prática religiosa dos dois países.

Tendo sido escrita em dezembro de 1821, quando Nova Friburgo já tinha mais de um ano de existência e a imigração, dois; e quando muitos percalços já tinham sido vencidos por estes imigrantes, agora transformados em brasileiros. Esta carta nos fala de um outro tempo, diferente daquele narrado anteriormente. A passagem do tempo permitiu a este colono uma maior e melhor análise de todas as circunstâncias e do destino de Nova Friburgo; "... la Colonie n'a pas assez prosperé [...]; le but qu'on s'était proposé en attirant cette colonie au Brésil a été manqué, pour avor été mal dirigé, de sorte qu' à l'heure qu' il est la pluspart des colons ont abandonné leurs terres que le roi leur avait données, les uns pour s'en procurer de meilleurs tels que nous, et la majeure partie pour aller à Rio Janeiro pour travailler de leur état ou pour se placer dans différentes conditions."91 Apesar de tudo, o sonho não acabou para estes imigrantes: Nova Friburgo pode já não mais significar nada, mas o desejo de uma vida melhor continua impulsionado estes homens na busca da riqueza atrás de melhores terras, sobretudo para a cafeicultura. A experiência não foi negativa, tanto que ele estimula a vinda de seus parentes, dá dicas de como proceder, se oferece para ajudar financeiramente já que acredita ser improvável o recebimento de dotações governamentais, tendo em vista o resultado do projeto original. A saudade é grande e é diminuída pela troca sistemática de correspondências, como pudemos perceber ao longo desta carta e, como ele mesmo diz, para que a felicidade fosse completa, bastaria que seus familiares viessem para cá. Em nenhum momento ele pensa em

91

M. NICOULIN opus cit., p. 293. "... a colônia não prosperou a contento [...] o objetivo inicial ao criar esta colônia no Brasil foi esquecido, por ter sido mau dirigida, de forma que neste momento a maior parte dos colonos abandonaram as terras que o rei os havia oferecido, uns para procurarem outras melhores como nós, e

retorno: seu lugar agora é este. Neste ponto, apesar de não termos tido acesso as suas outras cartas, ele se apresenta como um assimilado, já inserido na lógica econômica vigente na época e certo de que a prosperidade já é uma realidade92. Pode-se dizer que para Joseph Crelier a "espera escatológica" se realizou: ele encontrou a prosperidade que buscava. Uma realização material em uma busca terrena, secular.

i. Um longo silêncio é rompido

Escrita por uma mulher - Marie Ruffieux - em setembro de 1825, constitui o primeiro contato com seu país natal, mesmo tendo se passado quase seis anos desde a partida da Suíça. Recebeu de Nicoulin o título de "O exemplo de um fracasso". Na verdade, narra em poucas linhas sua trajetória e de sua família, a morte dos pais e irmãos, ficando sós ela e as irmãs. Esta carta não nos permite perceber nenhum sentimento seja de revolta pela perda de seus entes queridos e a distância da pátria ou mesmo de angústia pelo futuro. Apenas a resignação de uma alma ante os desígnios divinos. É a mais informativa das cartas que fazem parte do conjunto analisado e a que menos nos permite perceber a visão desta imigrante da colonização de Nova Friburgo até pelo tempo que transcorreu desde que os eventos aconteceram a sua narração.

a maior parte para ir ao Rio Janeiro para trabalharem por si próprios ou se ligarem a alguma coisa." (tradução livre) 92 "... Ainsi c’est vous dire que je ne suis pas dans la misère. (...) Ainsi mes bons parents l’avenir n’offre que de la prospérité..." (ibidem, idem, p. 294) "... Assim, vos direi que não estou na miséria. (...) Desta forma, meus bons parentes o futuro oferece somente a prosperidade..." (tradução livre)

j. A título de conclusão próxima Iniciamos este capítulo com uma epígrafe que nos fala de três conceitos capitais para nosso trabalho, sejam eles: partida, lembrança e esquecimento. A eles juntam-se outros três, diretamente relacionados a estas cartas referentes à colonização de Nova Friburgo - o binômio civilização x barbárie, a saudade e a expectativa. Como já dissemos anteriormente, Nova Friburgo tem uma singularidade que vai se refletir diretamente na postura de seus fundadores: eles não se consideram como um imigrante qualquer, para eles seu papel está bastante definido, o de trazer civilização para o Brasil. Neste ponto, estão de acordo com um dos propósitos da Coroa portuguesa ao permitir e patrocinar a vinda destas famílias. O choque com o outro, ou com a barbárie, se processou de diversas formas - com maior ou menor força e esta foi percebida pela freqüência com que aparecia nas correspondências. Este contato com o outro foi absorvido e suplantado de diversas formas: a aceitação, o medo, a resignação, revolta entre outros sentimentos que nossos missivistas nos deixaram perceber a longo de suas linhas. A expectativa, esta eles tem a certeza de encontrarem mesmo acreditando que tenham sido enganados, sabem que o "pote de ouro" os está aguardando bem próximo.

Através de suas palavras, tivemos a oportunidade de perceber que para eles, o Brasil encontrado, não se diferia muito das paisagens retratadas pelos primeiros cronistas: um lugar de múltiplas possibilidades, o Paraíso na Terra e eles se percebem como os bemaventurados, os escolhidos para alcançarem esta graça entendida como o ouro negro - o café que lhes trouxe prosperidade.

A saudade está, por sua vez, relacionada com a lembrança, lembrança de um tempo distante, que se escolheu deixar para trás. Mas sobretudo de pessoas que foram e são importantes e de lugares que lhes deram identidade. É justamente esta identidade que está sendo construída por estas pessoas que se vêem como o "eu", num espaço que lhes é desconhecido, que não lhes é próprio. Neste caso é um novo "eu" que está surgindo: não são mais os imigrantes suíços, mas os moradores da região de Nova Friburgo, brasileiros93 que aos poucos vão descobrindo o caminho para a tão sonhada riqueza. A dificuldade em aceitar esta passagem, mostrada pelo abade pode ser entendida como uma não aceitação desta nova realidade, por isto seu “... olhar dirigido para o passado parece fazer-se um tanto mais insistente, tanto mais carregado também de emoção ou de paixão, quanto se volta para os modos de vida desaparecidos ou em via de desaparecimento."94 De um modo geral, podemos dizer que para estes colonos Nova Friburgo é somente a forma encontrada para alcançar a riqueza. Em nenhum momento ela é o fim, até por isto que eles encontram facilidade de abandoná-la, pois partem novamente em busca do objetivo da viagem, que abrirá caminho para uma nova vida. É neste momento que se percebe um desejo comum:

o de uma espera escatológica, absolutamente laicizada,

mundana, mas uma espera que transcende o trabalho individual. A onde ela vai se realizar: no Brasil, mas não necessariamente em Nova Friburgo.

93

Com a independência, todos os estrangeiros que moravam no Brasil foram automaticamente transformados em brasileiros, logo, juridicamente podemos falar em brasileiros, mesmo que este conceito tenha que ser relativizado. 94 GIRARDET, R. op. cit., p. 133.

Capítulo 3:

Entre a Suíça e o Brasil

"Je voudrais voir l'histoire étroitement alliée à la literature, afin que soit préservée et rendue vivante et active cette mémoire collective, sans laquelle nos désirs demeurent inconsistants et nos vies cruellement plates". (Jacqueline de ROMILLY)95

Este capítulo pretende analisar o romance Terra! Terra! que foi concebido a partir das lembranças relativas à imigração suíça ao Brasil, do que foi dito e ouvido através das gerações sobre a sorte dos imigrantes e tem como enredo a “trajetória” de dois jovens suíços cujos destinos se cruzam na viagem e que passam a ser um só, no “novo mundo”. O romance aparece, primeiramente, sob forma de novela, aparecendo semanalmente em um jornal local - Le Paysan Fribourgeois96, para, posteriormente, ser editado no formato livro. Ele nos fala de saudade, de expectativa individual e de encontro entre a civilização e a barbárie, temas estes que estavam presentes nas cartas que atravessaram o oceano mais de 95

Jacqueline de ROMILLY. " L'histoire entre la mémoire individuelle et la mémoire collective " IN: Pourquoi se souvenir?...., p. 55. "Gostaria de ver a história estreitamente ligada à literatura, afim de que seja preservada e tornada viva e ativa esta memória coletiva, sem a qual nos desejos se tornam inconsistentes e nossas vidas cruelmente morna." 96 Foi publicado entre 1936 e 1937, em forma de rodapé neste jornal, que não circula mais no cantão de Fribourg. Em 1939, foi publicado em outro jornal também já extinto - Les Courieux - acompanhado das ilustrações que compõe o livro. No ano seguinte, 1940, é feita uma adaptação radiofônica da narrativa que

um século antes, buscando aplacar a angústia dos que ficaram e diminuir a distância, que o tempo levava para longe. Este livro, que teve sua publicação em português apenas em 1998, por iniciativa de alguns descendentes dos primeiros colonos, narra as aventuras e desventuras de um “casal de imigrantes” desde a partida da terra natal, passando pelos percalços da viagem, pelo período difícil de adaptação vivido em Nova Friburgo; pela fé na expectativa mesmo acreditando terem adiado a realização da tão sonhada riqueza ao se sujeitarem ao trabalho em fazendas da região, até o reencontro com a esperança e a fortuna – encontrada através das tropas de muar e, posteriormente, do café. De certa forma, o sucesso deste casal pode ser entendido como o desejo de todos os colonos que, fora de Nova Friburgo, realizaram o sonho da prosperidade. A trama deste romance aproxima-se de um modelo típico de relato bíblico de um mundo de descobertas, onde o reino da bem-aventurança só é alcançado através do sofrimento. E isto eles têm bastante. Além da esperança, da certeza da realização da expectativa num futuro próximo a descrição do sofrimento como que faz pensar e reanima associar-se ao relato bíblico. Nesta dissertação onde evocamos as palavras dos mortos, deixadas/enraizadas tanto nos arquivos quando na transmissão oral, a literatura exerce um papel fundamental, pois é através desta arte que a presença dos eventos significativos se torna mais viva: [nossa] "...conscience se communique plus aisément par les textes ou les oeuvres d'art."97. A arte

durou cerca de 40 minutos, o que para época foi considerado um tempo record. Conf. DUCOTTERD. Terra! Terra!, p. VIII. 97 Conf. Jacqueline de ROMILLY. "L'histoire entre la mémoire individuelle et la mémoire collective" IN: Pourquoi se souvenir?...., p. 54. "... nossa consciência se comunica mais à vontade através dos textos e das obras de arte." (tradução livre)

está aqui representada por um romance que tem a pretensão de salvaguardar este evento do esquecimento, que é a antítese da memória, ao mesmo tempo, que é inseparável dela. Se conceituarmos a memória não como lembrança de algo passado, vivido e apreendido e portanto morto, sujeito a dialética do lembrar e esquecer e a cada lembrança uma re-leitura do que se passou, mas a entendermos como "... la part qui continue de vivre en nous est toujours tributaire des représentations et des préoccupations du présent."98, podemos compreender o prefácio do livro, escrito por Paul Ducotterd, filho de um dos autores, em 1981. Nele há a contextualização do momento da lançamento do livro como um tempo bastante especial: a Segunda Guerra, que transforma a vida do cidadão comum, fazendo-o repensar seus valores.

E a "preocupação com o presente" é marcada pelo

andamento da Segunda Guerra, que marca o momento de apogeu dos grandes regimes totalitários do século XX que deixaram revelar, segundo Todorov em Les abus de la mémoire, "... l'existence d'un danger insupçonné auparavant: celui de l'effacement de la mémoire."99 e que vem reforçar a validade da preocupação de Ducotterd ao escrever o livro. Este presente desarticulado, ao mesmo tempo que ameaçador, é a razão pela qual Todorov acredita vir a motivação de um culto ao passado, a memória seria vista como uma fuga do presente, “On préfére parler du passé pour ne pas penser aux problémes du présent [...] Au passé on peut trouver um rôle glorifiant, pendant que le présent est très difficile à digerir”100. Nesta fuga do presente, a epopéia101 marcada pela coragem, pelo

98

Henri ROUSSO. "Le statu de l'oubli" IN: Pourquoi se souvenir?...., p. 109. "... a parte que continua viva em nós é sempre tributária das representações e das preocupações do presente". 99 TODOROV. op. cit., p. 9. "... a existência de um perigo até então não percebido: o do apagar a memória." (tradução livre) 100 TODOROV, entrevista à Radio Suisse Romande II, 05 novembro 1995. "Preferimos falar do passado para não pensarmos nos problemas do presente. No passado podemos encontrar um papel glorificante, enquanto que o presente é bastante difícil de ser digerido." (tradução livre)

sofrimento desta brava gente suíça que se lançou na aventura da colonização no além-mar, seria percebida como uma fonte de força e esperança para seus contemporâneos, ou como nas palavras de Todorov: “La mémoire est partie du présent, ce sont les morts qu’ aideint les vivants et pas le contraire”102, que os ajudaria a vencer as incertezas do presente e, quem sabe, acreditar num futuro melhor, o que vem ao encontro da proposição feita por Paul Ducotterd, de que este livro teve o papel de resgatar um eu fribourgeois adormecido ou mesmo soterrado pelo contexto social em que estavam vivendo. Paul Ducotterd ao comentar que, na época, o livro fora comparado na imprensa à canção típica das montanhas, Le Vieux Chalet, música que fala da vida de um pequeno chalé da montanha e de sua luta para se manter em pé, resistindo às mudanças, destaca que o papel representado pela canção é o mesmo do livro, que teve, segundo ele, uma boa recepção por parte da imprensa quando de sua publicação no Curieux. Sem dúvida, sua publicação em forma de novela semanal na imprensa, muito corroborou para manter vivo o interesse pela trama, num momento em que a mensagem de esperança construída através da narrativa se sobrepujava à falta de perspectivas dos anos de guerra. Este sentimento foi exacerbado a partir da emissão de sua adaptação radiofônica, em plena guerra (1940), que permitiu uma socialização em torno dos aparelhos de rádios para o acompanhamento da novela, durante seus 40 minutos de transmissão103. Além de ser uma mensagem de esperança, era também um momento em que se esquecia os horrores da guerra realizada ao redor de suas fronteiras.

101

conf. P. RICOUER. Temps..... v. 3, p. 342. Ao trabalhar a questão da epopéia, Paul Ricoeur nos diz: "En fusionant ainsi avec l'histoire, la ficction amène celle-ci à leur origine commune dans l'épopée." ("Fusionando assim com a história, a ficção a leva para a origem comum na epopéia." - tradução livre) 102 TODOROV. Idem. "A memória é parte do presente são os mortos que ajudam os vivos e não o contrário." (tradução livre) 103 Conferir nota 2.

Contudo, o chalé da canção tradicional, representa muito mais do que do que uma "velha casa de montanha", é a luta do povo em manter vivas suas tradições e, sendo comparado a esta canção, Terra! Terra! pode ser também percebido como um "olhar para dentro de si mesmo", uma interiorização, a busca de um sentimento do qual se tenha orgulho, num mundo cuja ordem se encontra desmantelada, e este sentimento foi interpretado como sendo a liberdade. Neste sentido, este livro pode ser lido como um marco importante da busca de uma identidade e de um ser, de um ethos fribourgeois. Não é somente o fio que liga ao evento - neste caso a própria imigração - que "periga em se romper"104, mas outros fios, mais difíceis de serem por nós percebidos que estão em jogo. Sendo assim representado, o romance nos fala prioritariamente de um povo sofrido, de expulsão, mas também de esperança e de sucesso, da saga do povo suíço e mantém a relação entre homem natureza e estado. Esperança e sucesso, são dois sentimentos que não estão dirigidos nem aos que partiram nem aos "familiares" dos que ficaram, mas a todos que lá vivem, ao povo suíço de uma maneira geral. A mensagem deste livro está dirigida a todos os suíços que estão enfrentando as intempéries dos tempos de guerra: a força para vencer este momento foi encontrada em um evento há muito distanciado do cotidiano dos suíços do entre guerras. A última frase de Paul Ducotterd em seu artigo, transcrito como prefácio na edição brasileira, nos deixa perceber o papel maior exercido, naquele momento específico, pelo livro: "Não sei não, mas para mim os passageiros do "Urania" e dos outros navios da expedição, os primeiros colonos de Nova Friburgo, permanecem o exemplo do que homem humildes e heróicos podem realizar quando, no fundo de sua alma perturbada 104

No Aviso ao leitor os autores escrevem: "O fio ininterrupto que nos liga aos personagens da grande aventura torna-se cada vez mais tênue. Apressemo-nos, antes que se rompa, em fazer reviver as figuras

pelos golpes reiterados do destino, os quais se acrescentam os dos transviados e velhacos de sempre, domina a sensação que caracteriza o friburguense, a de um orgulho fundamental: o do homem livre, encontre-se onde se encontrar."105

Se, por um lado, podemos entender este livro como uma mensagem de esperança e força para os contemporâneos do autor, por outro lado ele foi percebido e recebido como obra memorialística de um evento singular ou como aparece no Prefácio à tradução brasileira: "Acreditamos proporcionará

a

que

a

tradução

oportunidade

de

para leitores

o

português brasileiros

acompanharem, passo a passo, e sob a atraente forma de romance, a epopéia de 2 000 emigrantes, desde os preparativos preliminares na Suíça até a chegada à região de Cantagalo, onde fundaram o que hoje conhecemos como Nova Friburgo."106

Para os que se propuseram a fazer a tradução e a impressão do livro em português, ele representa a memória, salvaguardada, do início, da gênese de Nova Friburgo107. E para nós, o livro estará nos servindo como fonte ou guia, a partir do qual poderemos responder a algumas das hipóteses propostas no início da dissertação. O destaque que será dado ao romance só tem sentido quando se combina livro e cartas. Em primeiro lugar, pela ênfase em certos conceitos como os de civilização & barbárie; lembrar & esquecer encontram-se subliminados ao longo da narrativa, enquanto que a expectativa, a riqueza encontram-se fortalecidos pelo construção/desenrolar da trama. épicas de gente nossa,...." (p. 6) G. DUCOTTERD. Terra! Terra!, p. IX. Este artigo foi publicado no jornal A Voz da Serra, de Nova Friburgo, nas edições de 9 e 16 de outubro de 1981.

105

A forma de construção do romance é tradicional. A trama, para obter dramaticidade, coloca em campos opostos personagens: mocinhos e bandidos. Na primeira categoria encontram-se todos os imigrantes – homens humildes que se tornam heróis desta epopéia – e, especialmente, o casal principal. Na segunda, estão localizados todos os representantes dos governos português e suíço junto à Colônia que estava sendo formada. E é a partir dessa dualidade que o romance é escrito. Esse maniqueísmo é necessário para que as personagens sejam percebidas por uns como tendo as características intrínsecas do povo de Fribourg, capaz de superar a tudo e a todos; e por outros como heróis, que se lançaram numa aventura rumo ao desconhecido e foram capazes de vencer os percalços do caminho e deixaram, como maior legado, a cidade de Nova Friburgo. Mo início e no fim, como imagem num espelho estão duas cidades: Fribourg e Nova Friburgo. Em seu papel de tentar resgatar ou, talvez, lembrar um sentimento aos seus pares, Georges Ducotterd et Robert Loup transformaram-se em "escribas" da memória de um grupo determinado de brasileiros, pois constróem uma singularidade que mantém o encontro em uma origem comum histórica e um lugar desejado e construído.

Neste

aspecto, apresenta o sucesso como resultado da perseverança e da força da razão. resultado é o produto da interpretação humana, logo uma memória construída.....

106 107

IBIDDEM, idem, p. II. Faço uma alusão clara ao título de livro de Martin Nicoulin, La genèse de Nova Friburgo.

O

3.1 Civilização & barbárie em Terra! Terra!

Quando trabalhamos as correspondências expedidas por estes imigrantes e que foram publicadas ou na imprensa ou na Genèse de Nova Friburgo. Estávamos trabalhando, em alguns casos, com um determinado nível de expectativas criadas pelos próprios agentes da ação, enquanto que outras cartas traziam avaliações da situação em que eles se encontravam. Porém em Terra! Terra, por ser um romance e estar se dirigindo a seus conterrâneos e não aos brasileiros, estas expectativas se encontram em uma esfera diferente daquela observada junto as cartas analisadas no capítulo precedente. Desta feita, o Brasil como país não parece interessar a este narrador, o país é retratado apenas como o lugar, indefinido, onde eles encontrarão a riqueza. Os perigos a que eles estão sujeitos se encontram na travessia: piratas, tormentas e outros perigos ligados à permanência no mar, quaisquer outros problemas que porventura pudessem vir a encontrar logo era resolvido na tentativa/crença de pintar as cores do sucesso futuro, como nesta passagem em que dois colonos discutem o Brasil no momento em que estão recebendo as últimas informações sobre a partida e as credenciais de colono: " Quanto à comida, o único preço a pagar é o trabalho de comer. Basta abaixar ou levantar o braço para colher todas as espécies de frutas que substituem o pão, a carne, o leite. O açúcar é como areia em torno de nossas casas; até se pisa em cima. O café é tão abundante que até apodrece em camadas grossas debaixo dos cafeeiros."108 O país de múltiplas possibilidades, de fauna e flora exuberantes e povoado de selvagens pouco aparece como perigo ao longo da preparação e arregimentação dos colonos. O

encontro com o outro seja ele o índio ou mesmo um outro país aparece indiretamente no relato. O choque cultural não é o foco da narrativa, o que vem a valorizar o feito destes homens não é a vida em Nova Friburgo, mas todo o processo, desde a decisão de partir até a realização do sonho, da riqueza - como desígnio divino e não como realização humana, ou como nos diz Raoul Girardet: “De maneira mais ou menos clara, os horizontes esperados de um outro tempo tendem, contudo, a confundir-se com as imagens de um aqui desaparecido, a procura do alhures com a busca de outrora, o desterro no exotismo com a recuperação da história...”109, mesmo que este exotismo se encontre sublimado e que os tempos estejam misturados. Quando Nova Friburgo surge no relato de Ducotterd, estamos caminhando para o encerramento da narrativa, o que mais uma vez mostra a pouca importância dada a este evento na construção do livro, ficamos na expectativa de que o país se descortine diante destas pessoas, mas este momento não existe: Nova Friburgo é representada pela decepção ante as casas encontradas, "De tanto preparar o espírito para esse momento, o último da terrível viagem, eles haviam excitado a imaginação, como os cruzados ao ver de longe a branca Jerusalém [....]. Ficaram paralisados. Ninguém esboçou os gestos previstos. Ninguém se pôs de joelhos para agradecer a divina Providência. Ficaram mudos, sem alegria, somente curiosos.

 É isto a Nova Friburgo?."110, 108

DUCOTTERD. op. cit., p. 29-30. R. GIRARDET. op. cit., 102. 110 DUCOTTERD. op. cit., p. 198. 109

ela se encerra/se reduz no/ao povoado, não significando muito mais além daquela centena de casas. Este tema aliás, é bastante recorrente nas cartas analisadas no capítulo anterior. Em todas as correspondências a que tivemos acesso a descrição das casas está sempre presente, como nesta carta: “... où nous fûmes bien ravi de voir les jolis maisons que Sa Majesté nous avait préparé, faites par règlement jusqu’au toit, bien couvertes à tuilles, il en a fait cent portant tout chacun leur numéro et chaque numéro a 4 chambres. Alors elles n’ont point de plancher parce que les planches y sont très chers, (...) elles n’ont point de fenêtres parce dans ce pays on n’a que des contrevents parce qu’il n’y fait pas froid.” 111 A descrição feita no livro não difere muito desta que acabamos de citar: "A casa, uma caixa térrea sem janelas, com paredes de argila trincada, continha uma única peça, grande o bastante para abrigar umas vinte pessoas.

A porta abria para o nascente e

permitia ver, do lado de fora, o fogão feito de pedras, colocado sob um alpendre sem paredes."112 De uma maneira geral não há diferenças substanciais nas descrições das moradias de Nova Friburgo porém, nestes dois exemplos há a mudança do tom e com isto uma outra

111

Carta de Jacques Péclat, 14 mai 1820 IN: M. NICOULIN. op. cit., p. 288. "... estávamos bem contentes de vermos a belas casas que Sua Majestade nos mandou preparar, feitas por regulamento até o telhado, bem cobertas de telha, ele fez cem cada uma tendo seu próprio número com quatro quartos. Elas não tem assoalho, pois ele é muito caro aqui (...), elas não têm janelas porque neste país só se tem contraventos, pois não faz tanto frio." (tradução livre) 112 DUCOTTERD, op. cit., p. 198. Nestas duas passagens a que fizemos referência dá-se a entender que as casas da colônia de Nova Friburgo eram desprovidas de janelas, porém segundo uma outra carta já citada no capítulo anterior, elas tinham janelas, metade de veneziana e a outra parte vidro (superior), que não existia. Logo neste caso podemos dizer que "janela" está substituindo "vidro" nestas duas passagens.

valoração é dada. Em Terra! Terra! percebemos um juízo de valor em que Nova Friburgo e o Brasil foram julgados a partir destas casas.

No caso do livro, a barbárie está

representada na moradia e não em outro aspecto. Neste momento o selvagem não está representado por sua característica de vida natural, mas por um outro tipo de selvageria: a do próprio homem branco. Novamente, como em algumas cartas citadas no capítulo anterior, vemos o outro sendo representado como o português. É certo que o ideal de civilização que eles trazem dentro de si, se refere ao tipo de vida e de moradia que eles tinham na Suíça: com paredes revestidas, forração no chão, isolamento do teto e vidro na janela. Mas como já nos disseram os próprios colonos no capítulo anterior - como les Amis du Jura "... tout à la mode du pays [...] il m'y a que la pluis contre laquelle nous sommes assez garantis..."113 - ou mesmo na carta de Jacques Péclat citada acima, que justifica a ausência de acabamento pelo preço do produto. No transcorrer da trama, os autores buscam dar mais credibilidade ao relato recorrendo à publicação de duas cartas, "escritas" por colonos114, que por não trazer nenhuma referência a Arquivos, não podemos atestar sua autenticidade. O romance é composto por personagens reais, pessoas que cujas histórias de vida estiveram ligadas à colonização de Nova Friburgo, como é o caso de Gachet, do marquês de Marialva, do conde de Brémond, do próprio D. João VI e do cavaleiro de Pourcelet, que ganham cores e sentimentos na pena do romancista; e por personagens ficcionais criados pois, "Como os

113

Journal du Jura, le 13 janvrier 1820. "... feita à moda do país [...] temos somente a chuva, contra a qual estamos bastante garantidos.". 114 Por mais que os autores tenham realizado pesquisas em arquivos e jornais para complementar a tradição/memória oral, não consideramos a carta de Porcelet como autêntica, mas sim como forma de externalizar o pensamento dos autores.

emigrantes deixaram parentes e descendentes no velho país, pareceu-nos conveniente modificar certos nomes de pessoas e de lugares"115 Se pegarmos o exemplo de Pourcelet, uma personagem real que ganha "vida" nas páginas do romance e acaba evidenciando as contradições entre ficção e história, já que "... à la différence du roman, les constructions de l'historien visent à être des reconstituitions du passé."116 Enquanto que tanto o romance quanto a epopéia misturam lugares e personagens históricos, acontecimentos datáveis ou datados com situações e personagens existentes somente na imaginação do autor. Isto porque nos dois momentos onde podemos perceber seus pensamentos, sua postura é bastante distinta: na carta se mostra bastante preocupado com os desígnios da colônia, procurando enviar informações detalhadas de todo o transcorrer da "fundação" de Nova Friburgo, desde a partida até a instalação propriamente dita. Já no livro, é retratado como um homem preocupado apenas com seus interesses pessoais. Desta forma, os assuntos que o preocuparam em sua carta oficial, neste momento não parecem tão relevantes assim: está mais preocupado em descrever o Brasil, como um país de múltiplas possibilidades, do que pensar o destino da colônia como um todo. Para "ele", no momento em que escreve, Nova Friburgo já é passado, logo suas preocupações estão mais voltadas para seu futuro, individual, na Corte. A realização de sua expectativa, segundo o livro, teria se dado não na vila, mas na Corte. Por outro lado, a barbárie tropical que tanto preocupou a este colono especial, aparece em momentos bem claros e pontuais no texto: no encontro com os animais selvagens existentes na mata que circunda Nova Friburgo e, sobretudo, no momento em 115

G. DUCOTTERD . opus cit. , p. 6-7.

que aparecem os índios. Mas este encontro com uma tribo inteira é descrito como uma visita cortês - de negócios - mas que deixa transparecer a diferença:

seus hábitos

alimentares (comer carne crua) é percebido como ato de selvageria: "Antes que o animal estivesse morto, toda a tribo se lançou sobre ele. Eles o despedaçaram, devorando a carne quente, ainda palpitante."117 Novamente podemos perceber o mesmo tipo de reação de um viajante do século XVI, mas estes suíços são apenas figurantes na paisagem descrita neste livro e este encontro responde apenas a uma necessidade da prosa de mostrar o encontro do novo com o velho, da civilização com a barbárie. A escravidão, que tanto chocara Pierre Gendre, quase não é citada ao longo do romance, em uma das poucas vezes em que aparece, não trás o juízo de valor que percebemos na carta do imigrante suíço, mas sim percebemos uma aceitação clara por parte de Pourcelet ao tecer seus comentários sobre esta instituição tão cara a sociedade lusobrasileira da época: "Os negros fazem todos os trabalhos do campo. Não há outros empregados além deles. Pode-se alimentá-lo ao custo de três centavos por dia. Seus hábitos são muito corrompidos"118. Novamente percebemos um juízo de valor, só que neste caso seu sentido não está muito claro, pois não há nenhuma evidência de uma valoração do eu suíço. Por outro lado, este desejo de trazer civilização aos trópicos aprece, no livro, como um desejo expresso de D. João VI, nem tanto pela questão do branqueamento do entorno da Corte, mas sim por uma indicação de um processo de substituição de mão-de-obra, que foi um pouco adiantado pelos autores:

116

RICOEUR, P. Temps...., p. 253. "com diferença do romance, as construções do historiador visam ser reconstruções do passado." (tradução livre) 117 G. DUCOTTERD . opus cit , p. 226. 118 IBBIDEM , idem, P. 206.

"  Vejam-nos, estes agricultores do velho mundo. Eles serão os primeiros a enobrecer o Brasil com seu trabalho agrícola, aviltado pela escravatura.

Homens livres, em vez de negros

esfarrapados e tratados aos açoites."119 Para além dos equívocos históricos com relação à História do Brasil, esta passagem torna-se interessante pois procura valorizar a presença suíça no país - através da inauguração de um novo tempo, o da ausência da escravidão - ao mesmo tempo que transfere para outrem, no caso D. João VI, um sentimento característico dos imigrantes: o de ter muito a ensinar. Além de que, a escravidão que parece chocar tanto aos autores, passa a ser aspiração e concretização de/em muitos colonos. Afinal, esta era um dos termômetros da riqueza no Brasil, desde os grandes engenhos de açúcar. Ao transferir para o Regente o desejo expresso do "ter muito a ensinar", os autores se apoiam nos versos do Chant de départ des Fribourgeois pour le Brèsil (1819), composto para ser entoado no momento da partida dos imigrantes do Cantão de Fribourg que diz que: "Le monarque du Brèsil, pour peupler cet endroit,/A préféré les Suisses, surtout les Fribourgeois."120 O desejo de povoar o entorno da corte foi uma das motivações da Coroa portuguesa ao assinar o Tratado de Imigração que garantiu um grande contingente de homens brancos e livres, para minimizar o contraste populacional existente no Brasil onde uma maioria negra e escrava circundava a Corte européia civilizada. Este ato do regente se encontra localizado na política de doação de terras desenvolvida pela Coroa visando agraciar àqueles a quem D. João acreditava “dever favor”, as grandes quantidades de terra, de um lado, e de outro

119 120

IBBIDEM, idem. p. 196. Chant de départ des Fribourgeois pour le Brèsil (1819), apud NICOULIN, Martin. Aventures des..., p. 8.

contrastando com as medidas de povoamento levadas a cabo pelo regente, onde Nova Friburgo aparece como o primeiro exemplo. "A heterogeneidade étnica da Colônia e as dificuldades de recrutamento militar reforçavam a sensação de insegurança vivida pela corte [...] e a imigração européia se constituía no modo de "promover e dilatar a civilização do vasto reino e o crescimento de habitantes afeitos aos diversos gêneros de trabalhos com que a agricultura e a indústria costumam remunerar aos Estados que a agasalham"."121

Muito mais que "ensinar", as colônias formadas por imigrantes europeus foram criadas nos arredores da Corte, vieram para realizar um papel crucial e bem definido: o de minimizar os efeitos da heterogeneidade étnica da Colônia e de projetar o ideal europeu de civilização. Por outro lado, alguns dos imigrantes percebiam-se em um papel de ter algo "a ensinar" como já mostramos no capítulo anterior. Estes viveram com mais intensidade o que Todorov chamou de experiência exótica, onde o papel do "assimilador" exerce uma força maior do que a do "assimilado" - mesmo que a passagem do tempo, do que se refere ao caso de Nova Friburgo, o "assimilador" acabasse por se tornar "assimilado", única forma de alcançar a tão sonhada prosperidade, ou como nos diz Todorov "L’expérience commune part de l'étrangeté et se termine dans la familiarité. L’expérience spécifique de l'exote commence là où s'arrête l'autre - dans la familiarité - , et conduit vers l'etrangeté."122

121

Ilmar MATTOS. A polícia..., p. 20-1, citando a carta régia. T. TODOROV. op. cit., p. 363. "A experiência comum começa na estranheza e termina na familiaridade. A experiência específica do exótico começa onde termina a outra - na familiaridade -, e que conduz à estranheza." (tradução livre) 122

Estando localizados neste limite entre o próximo e o exótico, nossas testemunhas se assim podemos chamar os autores das cartas que analisamos - transmitem seus sentimentos, sua surpresa e sua estranheza em suas linhas. Para muitos o período de adaptação é difícil: são costumes diferentes que tem que se compreendidos e o processo da aprendizagem é longo e doloroso. Aos poucos vão compreendendo a lógica reinante e o que a princípio parecia estranho, como o comércio de escravos - a marchandise humaine123 como disse Pierre Gendre - se descortina como a possibilidade para que a expectativa se tornasse realidade, para que a riqueza deixasse de ser uma busca, para se tornarsse concreta. Já os heróis da epopéia narrada por Ducotterd e Loup estariam mais para os assimilados, onde a necessidade de aderir aos hábitos e às práticas brasileiras se mostrava mais premente, ou seja, que a escravatura e a cultura do café se tornasse suas metas e suas realizações: "  [...] "Na fazenda das Planches tudo prospera... eles vendem cinqüenta mulas a cada ano... têm uma tropa de animas de carga para transportar café." [...] Foi numa plantação de café, [...], que começamos a compreender o Brasil. Então procuramos terras altas, estas mesmas onde estamos agora. Num dia de vento forte, e de uma só vez, queimamos todo o planalto até as colinas. Depois,

ano

após

ano,

destocamos

e

amainamos

nossa

queimada."124

Se por um lado a riqueza se mostra possível através de um afastamento de um conhecimento anterior e de assumir certas características da colonização portuguesa na 123

conf. Cap. 2, letra C - A busca solitária da riqueza. Para este colono o comércio de escravo é tão bárbaro quanto foram as cenas de canibalismo para os viajantes do século XVI a travarem conhecimento com estas

América, por outro lado certos aspectos de um ser estrangeiro se reforça, a proximidade com o outro acaba por marcar mais fortemente a diferença. A manutenção da língua natal, o sentimento de ser estrangeiro e sobretudo de ser suíço vêm a reforçar a questão da identidade, e se tornam os únicos símbolos que marcam este pertencimento anterior, onde o visitante, no romance, já não os percebe mais como suíços enquanto que eles não se sentem como brasileiros:

" - [...] Fale-nos mais de nossa pátria! - Vocês não esqueceram? O Brasil é a pátria de vocês! - Para as crianças, não para nós!....."125

Esta passagem nos faz pensar a J.J. Tschudi, o cônsul suíço que percorre a região de Nova Friburgo para analisar os resultados desta empresa. Em sua narrativa percebemos o eu e o outro do imigrante se misturam e se fundem. Nem tanto nos modos e hábitos, porém mais presente na percepção: "Tratava-se de gente muito simples, arraigada ainda aos costumes da pátria longínqua e que levava ali, entre seus 70 escravos negros, vida patriarcal. [...] O pai destes Heckendorn fora um daqueles suíços que imigraram para o Brasil em 1819, por iniciativa de D. João VI, e que fundaram Nova Friburgo."126

práticas, tão comum entre nossos índios. DUCOTTERD. op. cit., p. 236-237. 125 IBIDEM, idem. p. 240. 126 TSCHUDI. Viagem às províncias..., p. 36. 124

Entre os "costumes da pátria antiga" e os escravos, os filhos destes imigrantes se tornam brasileiros na forma e na ação, mas preservando ainda algum traço da antiga pátria de seus pais.

Neste momento em que o eu e o outro deixaram de ser categorias

antagônicas, estes homens puderam alcançar e realizar, enfim, a expectativa inicial. Por ter sido um livro escrito por um suíço e dirigido a um público também suíço, os temas que surgiram ao longo da leitura das cartas, perdem seu sentido na leitura do livro. A chegada a Nova Friburgo e a colônia propriamente dita, não são o foco de atenção do autor, mas sim a própria Suíça, daí a maior importância dada aos antecedentes, à preparação e a viagem propriamente dita do que a fixação em Nova Friburgo.

Esta pouca atenção

dispensada à cidade que tanto interesse despertou nos suíços pode ser interpretado como o fato dos imigrantes não terem encontrado o sucesso desejo no núcleo original, por esta espera ter se realizado somente a partir da dispersão e, neste caso, a referência Nova Friburgo significar somente um entreposto comercial. É este o significado que os autores passam sobre a cidade: um lugar de passagem. Quando os imigrantes chegam a Nova Friburgo o livro se encaminha para o final, logo os autores se preocupam em direcionar a narrativa para o encerramento, que, como em todo romance, vem sempre acompanhado de um final feliz, que neste caso é representado pelo sucesso, apesar de todas as dificuldades, deste casal, que não deixa de ser a mensagem para todos seus leitores. Mensagem de fé e esperança, tal qual aqueles homens que havia um século haviam atravessado o oceano em busca de um sonho:

o da riqueza,

independente da situação que se estava vivendo: "No mês de março de 1819 quem, na Gruyère127 ou noutra parte, sonhava em partir?"128, apesar do excelente inverno e da

127 128

Região do Cantão de Fribourg. DUCOTTERD. op. cit., p. 28.

promessa de boa colheita, muitos foram os que se inscreveram na empresa colonizadora de Nova Friburgo, atrás de uma única idéia "Sabes por que Jean-Antoine se alistou para emigrar? Para ganhar dinheiro, para virar milionário!"129 , pois todos tinham a certeza de que "... Nova Friburgo seria um oásis de paz, de trabalho, de oração."130

3.2 Terra! Terra como construção da memória da colonização

Partindo do entendimento que "La mémoire, présence vive du passé, n'est pas l'histoire, au sens de la narration du devenir collectif."131, pois a memória não pressupõe a interpretar o passado - esta, uma atividade concernente ao trabalho do historiador - , este romance, que foi chamado de "histórico", põe à luz a trajetória destes imigrantes não com o intuito, como já foi dito anteriormente, de enobrecê-los mas sim de transmitir uma mensagem de fé e de esperança, de que onde quer que se encontre serão sempre fribourgeois. Este processo de revitalização da memória deste evento tem uma dupla direção: ao mesmo tempo em que percebe o passado como glorioso, remetendo-o a história dos grandes homens; interpreta este começo como negativo. E esta memória, seja ela coletiva ou individual, está ligada aos eventos do passado, dos quais somos herdeiros direto. Neste sentido a memória é sempre retorno ao passado, não o tempo do eterno retorno, pois no caso da operação da memória, a cada volta ao evento lembrado processa-se uma re-leitura 129

IBIDEM, idem, p. 176. IBIDEM, idem, p. 110. Apesar do verbo ter sido conjugado no condicional o momento em que esta frase foi "proferida", antecede a partida dos colonos do Continente europeu. Estavam ainda acampados na Holanda esperando o embarque e como faz parte das prédicas do padre, refere-se aos acontecimentos do acampamento. 130

pois a memória é tributária do presente, dos valores e da visão de mundo de quem lembra. Este mesmo entendimento pode ser feito para a tradição e, sobretudo, para esta tradição de interpretação que vemos surgir nos últimos 20 anos sobre o processo de colonização de Nova Friburgo: "Avant d'être un dêpot inerte, la tradition est une opération qui comprend que dialectiquement dans l'échange entre le passé interprété et le présent intérprenant."132 Ao ser traduzido para o português, este romance foi interpretado como um canto de louvor a este evento e de mensagem para os suíços da IIa Guerra Mundial, torna-se sacralização desta epopéia através da preservação, para uns - como Ducotterd - e resgate da memória, para outros - como os descendentes destes homens e mulheres que se propuseram a patrocinar a edição deste livro ".... no afã de resgatar a memória de seus antepassados."133. Mas ao se falar em "resgate" está-se afirmando que a lembrança deste evento possa estar perdida. Segundo Henry Rousso em seu texto "Le statu de l'oubli", são dois os casos de esquecimento coletivo: um causado por uma má transmissão (ou sua ausência) e o outro, rechaçado por ter sido traumático e neste caso o evento não está esquecido, só não é comentado ou não está consciente, ou ainda ignorado pelos homens134. Nestes casos, cabe à história o papel de trazer à luz estes acontecimentos, assim esquecidos pois, somente ela é capaz de fazer as ligações e interpretar as diferenças existentes entre os dois tempos: o de antes e o de agora, "En d' autres termes, la relation au passé ne se décline pas seulement en termes de souvenirs et d'oublis, car on ne peut ni souvenir, ni oublier ce que l'on ne

131

ROUSSO. op. cit., 110. "A memória, presença viva do passado, não é história, no sentido da narrativa do futuro coletivo." (tradução livre) 132 RICOEUR, opus cit., p. 400. "Antes de ser um depósito inerte, a tradição é uma operação que se compreende dialeticamente na troca entre o passado interpretado e o presente interpretante." (tradução livre) 133 DUCOTTERD. op. cit., p. II. 134 ROUSSO. op. cit., 110.

connaît pas."135. E neste caso a gênese de Nova Friburgo não pode ter sido esquecida, pois do contrário não poderia estar sendo lembrada ou resgatada pelos diversos movimentos que buscam eternizar este momento inicial.

Pode-se dizer, talvez, que o desejo dos que

publicaram a edição brasileira de Terra! Terra! busca evitar que "O fio ininterrupto que nos liga aos personagens da grande aventura [...] se rompa...."136. Se a memória existe, a não ser que este evento tenha passado às gerações como algo traumático e, portanto, não digno de ser citado, entrando no "esquecimento coletivo" da não-palavra; porquê falar em resgate? Por que neste momento esta se escrevendo uma "nova" história para a gênese de Nova Friburgo.... pois, "... l'exigence de recouvrer le passé, de se souvenir, ne nous dit pas encore quel sera l'usage qu'on en fera; chacun de ces actes a ses propres caractéristiques et paradoxes."137 E qual o resultado deste "uso" da memória? Podemos perceber alguns movimentos que surgiram a partir desta busca do passado e de traços do passado:

a invenção de uma tradição bastante específica - a

interpretação de sua história como uma sucessão de equívocos, que transforma seus agentes em heróis. É a partir desta visão que são pensadas as ações em torno deste evento: seja no que se refere as publicações seja na abertura de lugares de memória por excelência - os museus, "Puisque la mémoire est sélection, il a bien fallu choisir parmi toutes les informations reçues, au nom de certains critères; et ces critères, qu'ils aient été ou nom conscients, serviront aussi,

135

IBIDEM, idem, p. 111. "Em outros termos, a relação com o passado não diminui somente termos de lembranças e esquecimentos, pois não podemos nem lembrar, nem esquecer o que não se conhece." (tradução livre, grifo nosso) 136 conf. nota 6. 137 TODOROV. op. cit., p. 15. "... a exigência de redescobrir o passado, de se lembrar, não nos diz qual será o uso que faremos dela; cada um destes atos tem suas próprias características e paradoxos." (tradução livre)

selon toute vraisemblance, à orienter l'utilisation que nous ferons du passé."138 E esta escolha foi feita: para os descendentes o que há de mais relevante foi o fracasso da colônia de Nova Friburgo, mesmo que, individualmente, seus antepassados tenham alcançado a riqueza desejada e nesta escolha o sucesso ou insucesso dos imigrantes ficou restrito aos limites da cidade, enquanto que estes foram além de Nova Friburgo, depositando alhures seus sonhos e esperança. A idealização do passado139, neste caso uma oposição direta ao presente sentido enquanto decadência, vem acompanhada da criação de um mito de origem. Este tempo mítico se encontra liberto da sucessão dos séculos, mas repleto de sonhos e de expectativa. É o tempo do Paraíso Perdido a que todos buscam reencontrar. Este tempo pode ser percebido, como diz R. Girardet na narrativa dos viajantes/naturalistas que descreveram a América a partir do século XVI, como o lugar onde o tempo parece ter parado em uma associação direta com o “Paraíso Perdido”, que ainda é percebida no século XIX. Neste momento – século XIX, os candidatos a imigrante se defrontam com uma narrativa do Brasil, como a terra da prosperidade140 e, que por se encontrar ainda em formação, lhes 138

IBIDEM, idem, p. 16. "... Visto que a memória é seleção, foi preciso escolher entre todas as informações recebidas, em nome de certos critérios; e estes critérios, tenham sido eles conscientes ou não, servirão também, segundo toda verosimilhança, a orientar o uso que faremos do passado." (tradução livre) 139 Não necessariamente uma idealização do passado pode ser lida em termos maniqueístas, mas no caso específico da leitura realizada pelos descendentes dos primeiros colonos houve uma percepção de fracasso do momento inicial seguida da criação de heróis. 140 Como já foi dito anteriormente, há várias referências nos jornais da época em que o Brasil aparece descrito como a terra prometida. As primeiras cartas recebidas dos que partiram encontram-se diversas vezes esta idéia de riqueza sem fim. Na primeira publicação oficial sobre a colônia da “nouvelle Fribourg”, Gachet escreve: “Ce pays ... est couvert des forêts vierges. [...]. La terre est d’une étonnante fertilité. Tout y viens de bouture. Des branches d’arbres, coupées et mises par terre, prennent spontanément.” (Journal du Jura, 21 nov. 1818 - "Este país... é coberto de florestas virgens. [...] A terra é de uma fertilidade deslumbrante. Tudo cresce rapidamente. Galhos de árvores cortados e largados por terra, brotam espontaneamente." - tradução livre) ou ainda uma Description du Royaume du Brèsil, publicada a 14 de agosto de 1819, que diz: “Le sol extrêmement fértile de toutes ces contrées n’a besoin que d’ une plus forte population pour fournir de riches productions [....].”. ("O solo, extremamente fértil de toda esta região tem necessidade somentede uma população forte, para fornecer uma rica produção." - tradução livre)

conferiria um papel bastante importante neste desenvolvimento – eles teriam a possibilidade de intervir no processo. Esta idéia de mito de origem é bem mais presente entre os descendentes dos primeiros colonos, onde a epopéia representa o papel fundamental de amálgama desta memória e é ela, a epopéia, que em última instância, dá o tom a esta memória: “A partida dos emigrantes para um país tão longínquo e desconhecido, como era o Brasil na época, e principalmente as dolorosas circunstâncias da dolorosa viagem transoceânica, deixaram marcas de sofrimento que perduraram por mais de um século, transmitindo-se de geração em geração.”141. Não importa se a tradução desta epopéia transforme suas personagens em heróis ou vítimas pois, em ambos os casos, é bastante glorificante poder dizer-se descendentes destas pessoas, além disto, como diz Jean-Pierre Vernant, o mito continua presente nas consciências apesar do tempo decorrido na forma de um passado exemplar ou ainda como diz Raoul Girardet, a memória acaba por transformar em lenda alguns acontecimentos privilegiados e o passo subsequente a esta “legendificação”, para usar um termo próprio deste autor, é a fixação desta memória no sagrado. Por outro lado, para os descendentes destes imigrantes este livro está sendo considerado como um “lugar de memória”, na medida em que está sendo percebido como vestígio desta memória, por viver somente “...sous le régard d’une histoire réconstitué”142. História reconstituída ou história vivida, o certo é que No próprio livro Terra! Terra! a narrativa do primeiro encontro dos imigrantes com os índios reforça esta idéia, não é só choque de cultura, estranhamento pela alteridade, mas também idealização, de uma vida selvagem, de um modo de vida anterior. 141 DUCOTTERED, op. cit., prefácio, p. i. 142 NORA, p. XXIII. R. Girardet diz na mesma direção: “O tempo perdido, uma vez evocado, é necessariamente um tempo que já se redescobriu”. (tradução livre, p. 137)

“Cette époée en quelque sorte négative préserve la mémoire de la soufrance, à l’échelle des peuples, comme l’épée et l’histoire à ses débuts avaient transformé la gloire éphémere des héros en rénomée durable. Dans les deux cas, la fiction se met au service de l’inoubliable. mémoire.”

Elle permet à l’historigraphie de s’ égaler à la

143

No que tange a questão da epopéia e da legendificação dos antepassados, este livro passa a representar um papel importante junto a seus leitores brasileiros: não só transformar seus antepassados em heróis, mas, permitir-lhes através da memória encontrar uma identidade, a de descendentes de imigrantes que partiram em busca do paraíso na terra, o local da riqueza abundante, o ser colono.

143

RICOEUR, p. 342 . "Esta epopéia, em alguns pontos negativa, preserva a memória do sofrimento, na escala dos povos, como a espada e a história em seus primórdios tinha transformado a glória efêmera dos heróis em algo perpétuo. Nos dois casos, a ficção se põe a serviço do inusitado. Ela permite à historiografia de se aproximar da memória." (tradução livre)

3. 3 Terra! Terra! resumo de uma busca

Todorov nos diz que estamos vivendo, de forma obcecada, um culto à memória motivada pela “...réunion de ces deux conditions – le besoin d’identité collective, la destruction des identités traditionnelles – est responsable, en partie, du nouveau culte de la mémoire: c’est en se constituant un passé commun qu’on pourra bénéficier de la reconnaissance due au groupe.”144. A valoração que Terra! Terra! ganhou ao ser traduzido para o português, pode ser inserida nesta afirmativa de Todorov, sobretudo por este livro ter ganho, na edição brasileira, o subtítulo de Romance Histórico da Imigração Suíça ao Brasil de 1819. Este subtítulo nos permite entendê-lo como uma tradição inventada: ele deixa de se dirigir a seus conterrâneos para falar a um povo que passa ao largo da narrativa, os brasileiros. Desta feita, seu papel se torna ainda maior: se ele foi concebido, a princípio, como uma possibilidade de se descobrir um eu fribourgeois que corre o risco de desaparecer nos anos conturbados da guerra, ele passa a ter a função de construir e de eternizar heróis cuja construção está sendo forjada e lapidada vagarosamente. Por outro lado, se entendermos esta afirmativa válida para o caso específico de Nova Friburgo se pensarmos no papel das Associações nesta busca de uma identidade/identificação com o passado da cidade, que seria, em última instância, o projeto destes indivíduos-sujeito, tal como proposto por Gilberto Velho, que são todos os “filhos” de Nova Friburgo. Este raciocínio se torna ainda mais válido pensado a partir de uma

afirmativa de Philippe Joutard que nos diz que, o sucesso recente das questões relativas à memória se dá com relação à redescoberta dos pequenos grupos de pertencimento, cuja motivação é reencontrar ou mesmo de salvaguardar sua identidade, reforçando o comum. E o papel primordial destas Associações é o estreitamento de laços sociais, onde a união se dá pela existência de um passado comum.

Onde a possibilidade de união do passado

individual vivido e do passado histórico reconstruído tem como resultado a identificação do grupo com um ideal maior que os diferencia dos outros – o “ser suíço”, a descoberta de uma outra ligação, que os diferenciaria dos outros que habitam Nova Friburgo – e que os liga aos aventureiros, humildes e valentes que venceram toda sorte de problemas para construírem, com sucesso, esta nouvelle Fribourg. O tempo desta narrativa é linear e progressivo, e foi tão caro aos oitocentistas, se fecha perfeitamente na epopéia destas pessoas retiradas do esquecimento, da névoa da história e, de repente, transformadas em heróis. “Un temps suspens est sans doute requis pour que les visées du futur aient la force de réactiver les potentialités inaccomplies du passé, et que l’histoire de l’efficience soit portée par des traditions encore vivantes.”145 Se as tradições no que se refere a este grupo se encontrou, durante um tempo, enfraquecida e se estão sendo inventadas novas tradições, por outro lado, o horizonte de expectativas continua presente e com força para levar a diante o desejo e a esperança de um futuro melhor e na busca de uma prosperidade perdida e isto é válido tanto para os contemporâneos de Duccottered como para os que hoje se debruçam sobre suas páginas

144

TODOROV, p. 53-4. "... reunião destas duas condições - a necessidade coletiva, a destruição das identidades tradicionais - é responsável, em parte, pelo novo culto da memória: é constituindo um passado comum que poderemos nos beneficiar do reconhecimento dado ao grupo." (tradução livre) 145 RICOEUR. Opus cit., p. 489. "Um tempo suspenso é sem dúvida requisito para que os olhares sobre o futuro tenham força de reativar as potencialidades incompreendidas do passado, é que a história da eficiência seja levada por tradições ainda vivas." (tradução livre)

para glorificarem a memória de seus antepassados em uma identificação com as personagens só possível através do romance. “O tempo perdido, uma vez evocado, é necessariamente um tempo que já se redescobriu”146, que já foi repensado, reinterpretado. Uma memória que se tentou salvar das brumas do esquecimento, por um lado, que se acredita ter sido reencontrada do outro, mas cuja vitalidade se perdeu ao se tornar objeto de culto, veneração, onde as imagens do passado servem para legitimar a ordem social do presente. Uma ordem social que está sendo remontada sob os auspícios das diversas Associações, sobretudo as diretamente ligadas à Suíça, onde o que deve ser lembrado já está dito: é a epopéia e é também a realização da expectativa – o sonho que os fez atravessar o oceano – no espaço de Nova Friburgo, uma cidade que os abrigou por pouco tempo, onde poucas marcas ficaram mas um espaço onde seus descendentes se esforçam por deixar marcas, para transformar em “Lugar de Memória”: um monumento na praça principal, um museu. O resultado desta tentativa deixa transparecer uma invenção – a de uma nouvelle Fribourg dos sonhos de seus antepassados. Neste processo de construção da nouvelle Fribourg as cerimônias comemorativas desempenham um papel fundamental juntamente com os vários encontros: lembrar uma ligação transalpina, onde o livro Terra! Terra!, em seu duplo papel de memória e história, vem divulgar ao mesmo tempo que contar e lembrar a epopéia destes emigrantes, de tornála acessível a um número maior de pessoas. O papel e a caneta vêm, neste caso, substituir a tradição oral perdida no decorrer do tempo mas que, a partir de sua reconstrução, possibilita ao grupo descobrir seu pertencimento, sua identidade.

146

GIRARDET. op. cit., p. 137.

A busca incansável pela preservação/resgate da memória da colonização em Nova Friburgo, teve seu ápice com a inauguração do que foi chamado de Maison Suisse, um complexo que além da Queijaria-escola, passou a abrigar: um "Museu", uma Biblioteca e uma Chocolateria-escola, que podemos chamar, parafraseando Pierre Nora, de lugar de memória da colonização. A concepção original do Museu, previa não só a apresentação da gênese de Nova Friburgo, como também discussões pontuais acerca de outros aspectos do desenvolvimento da cidade. Deste projeto só foi realizado a primeira parte, logo, a ênfase dada foi à colonização da cidade ou seja, este Museu se tornou um lugar de memória da colonização. Segundo a acepção clássica de Pierre Nora, os lugares de memória "... naissent et vivent du sentiment qu'il n'y a pas de mémoire spontanée, qu'il faut créer des archives, mantenir des aniversaires [....] parce que ces operations ne sont pas naturelles."147 Em nosso caso não estaremos trabalhando com esta idéia, mas sim que este Museu foi criado para atender/reforçar a uma certa interpretação ou mesmo percepção do que foi a criação de Nova Friburgo. Muito mais significativo é a brochura feita por ocasião da inauguração da exposição Aventures des Suisses à Nova Friburgo, realizada no segundo semestre de 1996 (logo após a inauguração da Maison Suisse em Nova Friburgo) na Bibliothèque Cantonale et Universitaire de Fribourg com o intuito de que "... le public de chez nous puisse lire les textes, regarder les images, sentir l'émotion qui se trouvent maintenant dans l'espace culturel de Nova Friburgo."148, cujos títulos dos textos são bem sugestivos sobretudo se 147

NORA. "Entre mémoire...", p. XXIV. "... nascem e vivem do sentimento de que não há mais memória espontânea, que é preciso se criar arquivos, que é preciso manter os aniversários [...] porque estas operações não são naturais." (tradução livre) 148 NICOULIN. Aventures..., Edito. "... o público daqui possa ler os textos, ver as imagens, sentir a emoção que se encontra agora no espaço cultura em Nova Friburgo." (tradução livre, grifo nosso) Tanto a

levarmos em consideração à lógica que foi seguida para a arrumação dos capítulos/módulos desta exposição: La Suisse terre de misère; A Fribourg, l'espoir s'appelle Brèsil; Deux mille Suisses en quête d'Eldorado; La fièvre du voyage sans retour; Rio et le bilan de cette tragique odyssée; La montée vers la terre promise; Entre la vie et la mort; Le café sauve Nova Fribourg149; entre outras. No forjar de uma identidade, este livro - Terra! Terra! - se torna o Gêneses da história de Nova Friburgo na medida em que a fundação desta cidade marca o início de um novo tempo, diferente do anterior, com renovação da esperança/expectativa, onde o mito está presente através da glorificação do passado e se fixa dos espaços concebidos para louvarem este evento. O fato de ser literatura faz a identificação com as personagens ficar ainda maior e isto este romance consegue realizar com perfeição.

Memória

congelada/fixada ou mutante, esta discussão torna-se irrelevante face a glória do passado revisitado/reconstituído e também inventado, onde a velha Fribourg se encontra com a Nova Friburgo.

brochura quanto a exposição foram organizadas e realizadas por Martin Nicoulin, diretor da Bibliothèque Cantonale et Universitaire de Fribourg e presidente da Association Fribourg-Nova Friburgo, responsável pela criação e manutenção da Maison Suisse em Nova Friburgo. 149 A Suíça, terra da miséria; Em Fribourg, a esperança se chama Brasil; Dois mil suíços em busca do Eldorado; A febre da viagem sem retorno; Rio e o balanço desta trágica odisséia; A subida à terra prometida; Entre a vida e a morte; O café salva Nova Friburgo. (tradução livre)

Conclusão:

".... o estudo dessas tradições [inventadas] esclarece bastante as relações humanas com o passado [...]. Isto porque toda tradição inventada, na medida do possível, utiliza a história como legitimadora das ações e como cimento da coesão grupal."150 (Eric Hobsbawm)

Ao longo dos capítulos pensamos Nova Friburgo como resultado, ou ponto de encontro, de projetos distintos tanto na forma como no objetivo; de uma expectativa, quase que bíblica e de uma construção que vem sendo forjada ao longo destes vinte últimos anos. Nossas hipóteses iniciais estavam centradas na discussão de Nova Friburgo ter se tornado um lugar de memória para os descendentes dos colonos, ou uma nouvelle Fribourg, além da questão do caráter inaugural, de um novo tempo em Nova Friburgo. Ao longo desta dissertação outros caminhos foram se apresentando: se por um lado a percepção de Nova Friburgo, por parte dos colonos, como o início de um novo tempo, uma vinculação bíblica foi reforçada; por outro lado, sua transformação em uma nouvelle Fribourg tanto dentro do espaço inicial quanto fora dele, perde seu sentido. Por outro lado, passamos a perceber pensar o movimento de (re-) conhecimento que circula na cidade como uma tradição que está sendo inventada, construída, lapidada aos poucos, pois

150

E. HOBSBAWM. op. cit., p. 21.

como nos diz Eric Hobsbawn na epígrafe desta conclusão:

toda tradição inventada

necessita da história para dar-lhe sustentáculo. O processo da descoberta ou mesmo reconstrução da memória em Nova Friburgo passa, como já levantamos no capítulo três, pela criação de símbolos que terão como função lembrar este evento primordial: são as diversas Associações que foram criadas com o objetivo maior de reforçar laços de amizade internos - reagrupando os descendentes de algumas famílias - ou mesmo ligando Fribourg a Nova Friburgo. Toda esta movimentação tem como ponto inicial a tese de Martin Nicoulin - La Genèse de Nova Friburgo - e, sobretudo, a publicidade que se segue ao seu lançamento. São realizadas uma série de conferências tanto na Suíça quanto no Brasil e seu resultado foi a "descoberta" desta imigração. Na brochura que faz parte da exposição realizada em Fribourg, no ano de 1996, diz que "Ce livre réveille à Fribourg, dans le Jura et en Suisse, le souvenir de l'émigration. La presse en parle abondamment, celle de Rio de Janeiro aussi". 151 Porém se formos comparar com os depoimentos colhidos durante minha permanência na Suíça, perceberemos que muito mais importante do que a publicação do livro foi a presença da mídia e as palestras realizadas com o intuito de divulgar a obra. Foi a partir destas palestras que muitas pessoas tomaram contato com toda esta história e, para outros ainda, este primeiro contato só se deu efetivamente em 1985 por ocasião do primeiro grande encontro Fribourg-Nova Friburgo, ou seja, bem depois do lançamento do livro. Para além deste evento inicial, podemos perceber uma crítica por parte de cidadãos suíços com relação aos usos feitos pelas Associações, sobretudo a Fribourg-Nova Friburgo,

151

M. NICOULIN. Aventures...., p. 26. "Este livro revela a Fribourg, no Jura e na Suíça, a lembrança da emigração. A imprensa fala abundantemente dela, e a do Rio de Janeiro também." (tradução livre)

presidida por Martin Nicoulin, onde o papel do dinheiro, das doações pessoais para a construções monumentais em Nova Friburgo é bastante questionado. Para os críticos, estes eventos servem unicamente para projetarem seu organizador na mídia. Sejam quais forem as motivações atrás de cada ação destas Associações, o certo é que elas contribuem enormemente para a preservação da memória da colonização, ao reinterpretarem seu passado e, neste processo, evidenciam um aspecto em detrimento de outros transformando a história desta colonização em um fracasso, mesmo que os próprios imigrantes não o tenham percebido, pois, individualmente, eles alcançaram a riqueza esperada - nos moldes vigentes à época152 -, inaugurando um novo tempo: não a partir da chegada à Nova Friburgo, mas sim depois de deixá-la. Nova Friburgo não se tornou um ponto axial para a fundação de um novo tempo e, este projeto em particular, não foi, de todo, bem sucedido mesmo tendo permitido que para além dele seus "filhos" encontrassem o que buscavam. Assim, a cidade não representou o encontro imediato com o paraíso, foi mais um degrau, desafio ou provação para ascender a ele. O reino dos bem-aventurados não está franqueado a todos, somente aqueles que praticaram boas ações durante sua vida. A cidade hoje representa o ponto de encontro da memória deste evento, para onde converge as esperanças e expectativas presentes, é também o local onde um número considerável de pessoas espalhadas pelo território brasileiro encontra sua identidade, o início de sua história familiar. "Réduites à l'état de collection d'exemples, les histoires du passé sont dépouillées de la temporalité originale qui les 152

Se verificarmos os inventários da região até, por volta de 1870, perceberemos entre os imigrantes e seus descendentes a presença de escravos e terras entre os bens a serem divididos.

differencie, elles sont seulement l'occasion d'une appropriation éducative qui les actualise dans le présent. A ce prix, les exemples deviennt des enseigements, des monuments. Par leur pérénité, ils sont à la fois le symptôme et la caution de la continuté entre le passé et le futur."153

E Nova Friburgo representa hoje, sobretudo, para os descendentes destes imigrantes que continuaram lá, esta continuidade entre estes dois tempos: o de antes e o de amanhã, a realização da expectativa e sua renovação. Em sua "atualização no presente", sua memória é recriada, desenvolvendo um certo aspecto de sua história, que a transforma em uma tragédia humana, fruto da ação de homens que não pensaram nos "pobres" imigrantes. Terão sido eles tão infelizes? Se pensarmos que eles incentivavam a vinda de familiares para cá, como vimos através da leitura das cartas, podemos responder que não. Ao longo deste processo busca-se uma aproximação, não somente sentimental, entre as duas cidades. Esta aproximação é também física – percebe-se na cidade de Nova Friburgo sinais que a ligam à velha Fribourg: praças, escolas, o sabor da culinária; com isto a fronteira entre estas duas cidades ficam mais tênues ou como nos diz Martin Nicoulin:

153

P. RICOEUR. op. cit., p. 380-1, nota 2. "Reduzidos ao estado de coleção de exemplos, as histórias do passado são esvaziadas de temporalidade original que as diferencia, elas são somente a apropriação educativa que as atualiza no presente. Neste preço, os exemplos se tornam ensinamentos, monumentos. Por sua perenidade, eles são ao mesmo tempo o sintoma e a garantia da continuidade entre o passado e o presente." (tradução livre)

“Fribourg-Nova Friburgo: une belle histoire et surtout un beau futur, si Dieu le veut... et si la jeunesse, de part et d’autre de l’Atlantique, continue cette aventure, pacifique, solidaire, cette histoire d’amour unique et exemplaire entre deux villes et entre deux pays de l’Ancien et du Nouveau Monde”154.

154

M. NICOULIN. Aventures..., p. 29 “Fribourg- Nova Friburgo: uma bela história et sobretudo um belo futuro, se Deus quiser... e também a juventude, de uma parte e de outra do Atlântico, continue esta aventura, pacífica, solidária, esta história de amor única e exemplar entre duas cidades e entre dois países do antigo e do novo Mundo. (tradução livre)

Fontes Impressas: Pesquisa realizada entre julho de 1995 e julho de 1996, nas seguintes instituições suíças: Biblioteca Nacional (Berna), Biblioteca Cantonal e Universitária (Fribourg) e Arquivos do Antigo Arcebispado de Bâle (Porrentruy); onde foram levantados os periódicos que se seguem: 1. Feiulle d´Avis de la Ville et du Canton de Fribourg. Período: janeiro 1819 à julho 1819. (fichado) 2. Gazette de Lausanne et Journal Suisse. Período: setembro 1816 à novembro 1819. (fichado) 3. Journal du Jura (período de circulação: de 1818 à 1820). Período: maio 1818 à agosto 1820. (fichado e cópias) Contendo: !

Cartas de imigrantes, narrando sua adaptação na colônia .

!

Artigos relativos a formação da colônia de Nova Friburgo, a saída dos imigrantes e a chegada deles ao Brasil.

Fontes Orais: !

Registro e análise da entrevista de T. TODOROV na Radio Suisse Romande sobre o tema “Mémoire et Histoire”, nov. 95.

!

Entrevistas realizadas com suíços tendo como tema a imigração para o Brasil e a lembrança que ficou, ou não.

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