Nova História Política

August 3, 2017 | Autor: Marion Brepohl | Categoria: Political History, Historia Política
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A Nova história Política Apontamentos de aula - Marion Brepohl de Magalhães maio de 2012

A História Política é uma área de especialiazação ainda nova na historiografia, mas evoca temas e métodos que remontam à antiguidade clássica. Desde que a História surgiu como atividade intelectual, ela sempre manteve uma íntima cumplicidade com o poder. Já em Atenas, ser historiador era testemunhar sobre atos notáveis. E mesmo quando, sob a inspiração de movimentos revolucionários, os historiadores concentraram suas atenções nos oprimidos, nos explorados, nas formas solidárias de convívio, não deixava esta de ser uma estratégia em favor da conquista do poder; mais próximo da igualdade, emancipador, democrático, mas sempre um exercício de poder. Conforme o historiador francês René Rémond, a História, cuja finalidade é observar mudanças que afetam a sociedade e que tem por missão propor explicações para elas, não escapa, ela própria, à mudança. Existe

portanto a história da história que carrega o rastro das transformações da sociedade e reflete as grandes oscilações do movimento das idéias1. Esta interação da ciência histórica com a história vivida é, pois, bem mais evidente quando discutimos as relações da História com o poder, posto que existe um estreito vínculo entre o poder enquanto tema de investigação histórica e o poder enquanto experiência social. Um outro aspecto a ser considerado no momento em que pretendemos discorrer sobre a Nova História Política -, diz respeito à diferença entre a política institucional e o poder enquanto relação social. Neste segundo sentido, pode-se compreendê-lo pelo menos em quatro dimensões: o poder que alguém exerce sobre si mesmo (auto domínio), o poder do homem sobre a natureza - a capacidade que ele tem de transformá-la através da técnica; o poder social, que consiste na capacidade de um homem,

ou grupo, determinar o

comportamento de outro homem ou grupo. Tal exercício está diluído em todo o tecido social, desde os ensinamentos mais rudimentares que um pai dá a seu filho, até as atividades de um líder de um partido, de um empresário ou de uma comunidade religiosa. E, finalmente, o poder político - aquele que, à diferença dos demais, é exercido com finalidades previamente definidas, visando sua permanente conservação. Ou seja, enquanto o xamã, o médico ou

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RÉMOND, René. Por uma História política. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/ FGV, 1966. p. 13

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o pai esgota sua função quando exerce poder sobre o outro e chega ao resultado pretendido, o rei ou o governante domina ou, pelo menos, pretende dominar todo o tempo, tendo por objetivo organizar uma determinada ordem2. São estas as dimensões que problematizam a Nova História Política. Mas antes de discorrermos sobre ela, realizemos uma breve retrospectiva sobre esta disciplina ou método de investigação. O termo História Política soaria, até a década de 30 deste século, como uma redundância. A chamada História Tradicional era eminentemente política e visava, salvo raras exceções, sobre a política institucional. Foram marcos decisivos para a sua consolidação, já no início do século XIX, o surgimento da idéia de nação, o sentimento nacionalista e o movimento romântico. O primado da História Política cumpria uma determinada tarefa, que era a de construir uma identidade coletiva, que configurasse o corpo da nação, cuja cabeça era o rei e, mais tarde, os dirigentes da República. Nesta perspectiva, impunha-lhe reconhecer os valores culturais e políticos dum povo pelo estudo do seu passado. Sob o culto da pátria, passava não raras vezes, a legitimação dos regimes3.

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GIL, Poder. in: ENCICLOPÉDIA Einaudi: Estado-guerra. Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1989, p. 58-103. 3 TEIXEIRA, Nuno Severiano. A História política na historiografia contemporânea. LER HISTÓRIA, Lisboa: nº 13, 1988. p. 79.

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Ademais de romântica e idealista, esta disciplina era também episódica e linear, posto que os atos individuais e inusitados determinavam, segundo seus representantes, o destino de comunidades inteiras. Para tanto, elegiam-se dois sujeitos como protagonizadores da história: o herói individual e voluntarista, membro da elite dirigente ou a ela subordinado, e o Estado, agente de toda e qualquer mudança, locus privilegiado do poder. Conseqüentemente, seus veículos de comunicação eram, por excelência, as grandes entidades nacionais e os manuais escolares. A partir de meados do século XX, tanto sob o ponto de vista histórico quanto do ponto de vista epistemológico, a História política sofrerá mudanças de enorme repercussão. Cite-se, primeiramente, o impacto das duas guerras mundiais, em que assume um primeiro plano não mais o herói e suas grandes causas, mas a violência transformada em tecnologia altamente sofisticada, que acaba por ameaçar a existência da própria política4 . O advento dos sistemas totalitários, que colocariam em xeque uma aporia aceita desde Revolução Francesa direita versus esquerda -, em nome de uma outra que com ela interage: democracia versus autoritarismo

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- fenômenos que não podem ser

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THOMPSON, Edward P. Exterminismo e guerra fria. São Paulo: Brasiliense, 1986. Sobre esta divisão, e suas inúmeras mediações, ver: LIPSET, Symour. O homem político. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. 440 p. 5

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considerados simples reflexo da base econômica, mas desdobramento de uma cultura política elaborada no longo prazo. O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa é responsável, por sua vez, pela transformação da opinião pública. Esta não se baseia mais no que é notável segundo a crítica abalizada, e sim no critério de maior ou menor publicidade de um determinado fato. A visibilidade, e não a notariedade é quem passa a conferir relevância a um detrminado acontecimento, para o que torna-se necessário dotá-lo de um caráter espetacular6. Dada a importância dos media, muitas das representações da esfera pública deixam de ser norteadas por um discurso de ordem racional, e passam a se manifestar por expressões passionais - como o fanatismo religioso, a devoção a um líder carismático, a cólera dos homens em multidão, o medo diante de um suposto inimigo coletivo, a prevalência das imagens sobre o ato verbal previamente raciocinado7. Finalmente, mencione-se um processo que se generaliza pelo menos no bloco ocidental: a consolidação da democracia política e social, que implicou a maior repartição do poder. Um dos resultados mais relevantes desta mudança foi a intervenção cada vez mais pronunciada do Estado sobre a

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FERRO, Marc. A manipulação da História no ensino e nos meios de comunicação de massa. São Paulo: IBRASA, 1983. 7 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.

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sociedade. À medida

que governo

passa a regulamentar, subvencionar,

controlar a produção, a construção de moradias, a assistência social, a saúde pública, a educação e a difusão da cultura (atividades que não estavam até então a seu alcance), a linha divisória entre sociedade civil e sociedade política vai se tornando cada vez mais difusa, um problema que sugere, desde o seu início, um novo tema para a História Política. No plano teórico e metodológico, outras mudanças

também

contribuíram para uma reorientação radical desta disciplina: as reflexões de Freud, que revelaram o papel do inconsciente sobre as atividades humanas. A partir desta dimensão, e aliada ao estudo das mentalidades coletivas, diversos historiadores passaram a analisar a força do imaginário (sentimentos, paixões, inconsciente individual e coletivo) sobre a experiência política8. Mesmo a escola marxista, que de início elidiu a História Política de seu campo de análise, encontrará em Antonio Gramsci um conjunto de sugestões interessantes para os

estudos a respeito do poder: com ele, diversos

historiadores deslocaram a noção de primado do Estado para o da sociedade civil, e do indivíduo aos grupos organizados (do soberano ao príncipe

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ANSART, Pierre. La gestion des passions politiques. Lausanne: L’Âge d’Homme, 1983. 201 p.

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coletivo). Temas como o movimento operário, a rebeldia e a própria revolução encontrarão abrigo principalmente na historiografia inglesa9. A percepção do poder enquanto relação social, e não como um aparato em posse de alguns indivíduos, elucidou diveresos estudos, levando à constatação de que este não é exercido necessariamente de cima para baixo ou de forma unilateral. Está disperso em todas as instâncias da sociedade e estabelece diversas relações de reciprocidade. Em sua circulação, tal relação constitui uma rede de micro-poderes, na qual as fronteiras entre o institucional e o informal, a elite e os subalternos, a resistência, oposição, consentimento e obediência só são visíveis no momento mesmo de suas práticas. Por esta razão, o estado é visto como mais um elo por onde circulam os poderes, e não como seu habitat natural. Esta percepção devemos a Michel Foucault10 Da confluência entre as principais mudanças ocorridas no século XX e as de caráter epistemológico, as quais procuramos aqui sintetizar, observa-se, principalmente a partir de 1968 (data, aliás, muito sugestiva) a emergência da Nova História Política, que postula abandonar o estudo do institucional como

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A exemplo, mencionem-se: HILL, Christopher. O mundo de ponta cabeça . São Paulo: Cia. das Letras, 1989; HOBSBAWM, Eric. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1975; HOBSBAWM, Eric. Rebeldes primitivos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970; THOMPSON, Edward P. Tradición, revuelta y consciencia de clase. Barcelona: Crítica, 1984 e, THOMPSON, Edward P. Formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 (3 vol). 10 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984 e, Vigiar e punir. Rio de Janeiro: Vozes, 1986.

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paradigma dominante em favor de uma história social do poder 11 . Daí a importância atribuída à imagética e aos sentimentos na formação das vontades coletivas, o aspecto subjetivo destas mesmas vontades, o poder e a política como fenômenos integrantes das mentalidades coletivas, as interfaces entre a religião e a política, a tensão sempre presente entre o racional e o irracional. Como fruto destes fecundos debates, os leitores da História poderão encontrar temas bastante diversificados, como, por exemplo, as travessuras de um moleiro rebelde do século XVI a contestar os dogmas da Igreja católica12 o que nos faz lembrar os estudantes de 1968 pedindo o impossível; a vestimenta sagrada de que se revestiu o governo Vargas13; a demonização dos índios pelos europeus à época da colonização14; a fascinação exercida pelo nazismo devido à propaganda e às artes15. Ainda, o deslocamento da figura do herói da esfera pública institucional para as esferas públicas não políticas, como é o caso, no Brasil, do celebrado personagem Ayrton Senna. Esta nova História não é só instigante, inovadora ou curiosa: ela é também (talvez, em primeiro plano), programática. Atende a uma antiga exigência, de que a História, dentro de um Estado democrático deve fomentar

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TEIXEIRA, Nuno Severiano. A História política na historiografia contemporânea. LER HISTÓRIA, Lisboa: nº 13, 1988. p. 96. 12 13 14 15

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Cia. das Letras, 1987. 281 p. LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas: Papirus/ Editora da UNICAMP, 1986. RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização. São Paulo: EDUSP/ FAPESP/ ZAHAR, 1996. REICHEL, Peter. La fascination du nazisme. Paris: Odille Jakob, 1993.

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a ação democrática; (...) uma história aplicável, engajada, com a ajuda da qual se possa intervir nas disputas políticas e sociais do nosso tempo 16 . Enfim, uma História Política nos dosi sentidos do termo.

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TENFELDE, Klaus. Dificuldades com o cotidiano. HISTÓRIA: Questões e debates. Curitiba: v.13(24) p. 32. jul/dez 1996.

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