NOVAS DEMANDAS AUDIOVISUAIS: a narrativa transmídia entre as novas gerações e as suas histórias

June 1, 2017 | Autor: Valeria Guerra | Categoria: Mídias Digitais, Audiovisual, Narrativas Transmídia, Transformaciones narrativas
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARIA VALERIA ESPINÓS GUERRA MARTINS

NOVAS DEMANDAS AUDIOVISUAIS: a narrativa transmídia entre as novas gerações e as suas histórias

SÃO PAULO 2012

MARIA VALERIA ESPINÓS GUERRA MARTINS

NOVAS DEMANDAS AUDIOVISUAIS: a narrativa transmídia entre as novas gerações e as suas histórias

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração Processos Midiáticos na Cultura Audiovisual, Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Vicente Gosciola.

SÃO PAULO 2012

MARIA VALERIA ESPINÓS GUERRA MARTINS

NOVAS DEMANDAS AUDIOVISUAIS: a narrativa transmídia entre as novas gerações e as suas histórias

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração Processos Midiáticos na Cultura Audiovisual, Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Vicente Gosciola.

Aprovado em _____/_____/_____

_________ Prof. Dr. Vicente Gosciola

___________ _________ Prof. Dra. Maria Ignês Carlos Magno

_________ Prof. Dr. Hermes Renato Hildebrand

Para meus amores João, Paloma e Isabela, pois sempre seguimos em frente, juntos descobrimos

novas

portas

e

maravilhoso, colorido e brilhante.

um

mundo

AGRADECIMENTOS

Existem pessoas especiais que contribuíram muito para que este trabalho pudesse ser realizado. Estas pessoas merecem uma homenagem mais do que justa, pois seu apoio incondicional, seus ensinamentos, sua simples presença colaboraram para que este projeto tomasse corpo. Portanto, agradeço a cada uma delas de forma individual. Primeiro, a minha família, que estava ao meu lado quando tudo parecia ser impossível. Vocês me deram forças para seguir adiante, me apoiando, ajudando e incentivando. Mãe, muito obrigada! Você cuidou de tudo para que eu pudesse me dedicar a ler e pesquisar. João, meu querido marido, amigo, pela ajuda incondicional, pela eterna paciência e, principalmente, por tudo o que vivemos. Minhas filhotas Paloma e Isabela, que souberam dividir o nosso tempo. Pai, com certeza, você teria se orgulhado dessa! Aos meus amigos tão especiais: Fátima Pissara, minha querida fada madrinha, que fez esforços incríveis e moveu o céu e a terra para que eu estivesse aqui. Walther Lang, Samantha Jones, Raquel Espigado, Darlaine Cavalcante e Marcelo Godoy, por seus eternos conselhos, por todas as risadas que demos e por todas as ajudas ao longo destes dois anos. Ao meu Professor Vicente Gosciola, querido mentor, orientador e amigo. Você me ensinou, guiou e orientou nesta trajetória. Nossas conversas estarão presentes na minha memória. A minha querida professora Maria Ignês Carlos Magno, que compartilhou comigo todos os minutos desta jornada. Sua forma simples de explicar o complicado tornou tudo mais fácil.

RESUMO Esta dissertação observa a narrativa transmídia como algo não inteiramente novo. Inicialmente, a interação com o conteúdo era facilmente controlada pelas empresas, mas a web tornou visível a atividade cultural participativa, tornando-se um local de participação do espectador/usuário/interator. As diferentes tecnologias de comunicação (televisão, videogame etc.) possibilitaram diferentes níveis de interatividade. O processo de comunicação passou a ser personalizável conforme as necessidades dos indivíduos que a consomem diariamente através de um simples toque na tela de uma interface online: o celular que se transformou em um elemento de mídia. Para esta dissertação, a segunda tela é hoje uma realidade e está inserida também sob um aspecto social e interativo, a segmentação estratificada do consumo que está implícita nestas estratégias de marketing. A geração net vive e respira a tecnologia. Eles têm uma necessidade vital de participar e fazer parte do processo de comunicação na geração de novos conteúdos. Estes conteúdos são incorporados ao cotidiano e transformados em narrativas transmídia, podendo, assim, transformar o entretenimento e o audiovisual e criando mais engajamento que outros tipos de narrativas mais tradicionais. Sendo assim, esta dissertação se propõe a estudar estas situações e o quanto elas são relevantes para entendermos a nossa contemporaneidade. Acreditamos que ao final desta dissertação, tal estudo tenha reconstruído a nossa compreensão da narrativa transmídia – aqui entendida e decodificada por novos valores desenhados e integrados – como parte de um processo de renovação diária pelas novas tecnologias e novas demandas da sociedade. Palavras-chave: Mídias digitais. Plataformas Audiovisual. Engajamento. Nova geração.

móveis

narrativas

transmídia.

ABSTRACT

This dissertation observes transmedia storytelling as something not entirely new. Initially the interaction with content was easily controlled by companies, but the web has brought visibility to participatory cultural activities, by becoming a place of participation of the spectator/user. The different communication technologies (television, video game, etc.) offer different levels of interactivity. The communication process is now customizable according to the needs of individuals who consume goods daily through a simple touch on the screen of an online interface: the phone that turned into a media instrument. For this dissertation, the second screen is now a reality and is also considered under a social and interactive aspect: the laminate consumption segmentation that is implied in these marketing strategies. The so called net generation lives and breathes technology. They have a vital need to be part of the communication process regarding the generation of new content, which is incorporated into daily routines and transformed into transmedia storytelling, thus changing entertainment and audiovisual and creating more engagement than other more traditional narratives. All aspects considered, this dissertation proposes the study of such situations and their relevance to our understanding of present times. We believe that by the end of this dissertation such study will have rebuilt our comprehension around transmedia storytelling, taken here as a result of newly redrawn and reintegrated values, and also as part of a daily renewal process propelled by new technologies and by new demands from society. Keywords: Digital media. Mobile platforms transmedia storytelling. Audiovisual. Engagement. New generation.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Sistema de celular desenvolvido por Lamarr, em 1942 ............................. 23 Figura 2. Evolução dos celulares.............................................................................. 27 Figura 3. Lançamento do iPhone, em 2007 .............................................................. 28 Figura 4. A nova geração de usuários e seus celulares ........................................... 30 Figura 5. Manifestação nas Filipinas contra a OMC, em 1999 ................................. 31 Figura 6. Wikipédia tirou do ar sua versão em inglês por 24 horas, deixando na página inicial os dizeres “Imagine um mundo sem conhecimento” ........................... 32 Figura 7. Uso de smartphones em conjunto com outras atividades ......................... 33 Figuras 8a-m. Infográficos sobre a evolução dos smartphones ............................... 35 Figura 9. Gary Hayes – Entendendo o comportamento da segunda tela ................. 36 Figura 10. Número de usuários do Facebook no Brasil............................................ 44 Figura 11. Eleições presidenciais dos EUA .............................................................. 46 Figura 12. Página do Club Winx ............................................................................... 47 Figura 13. Página do Programa Infantil Carrossel – SBT ......................................... 48 Figura 14. Página do Monsterhigh............................................................................ 48 Figura 15. Xerazade e as mil e uma noites .............................................................. 52 Figura 16. Personagens do seriado Hannah Montana ............................................. 58 Figura 17. Capas do Game Harry Porter .................................................................. 62 Figura 18. Modelo de Brooke Thompson, fornecendo uma comparação sobre cross-media e transmídia .......................................................................................... 64 Figura 19. Cronologia da narrativa ........................................................................... 65 Figura 20. Cronologia da narrativa do seriado The First .......................................... 65 Figura 21. Evolução da narrativa .............................................................................. 66 Figura 22. Evolução da narrativa transmídia ............................................................ 70 Figura 23. Visão geral do projeto sob a ótica das especificações funcionais ........... 73

Figura 24. Timeline das experiências ....................................................................... 74 Figura 25. Exemplo de wireframe para site de projeto ............................................. 75 Figura 26. Time de projeto transmídia e suas interações ao longo do projeto ......... 76 Figura 27. Galinha Pintadinha – a) Teatro Turnê Oficial; b) Cena de DVD .............. 78 Figura 28. Site do seriado Castle e livros publicados ............................................... 81 Figura 29. Site da Comunidade de Fãs do Seriado Castle, no Brasil ....................... 82 Figura 30. Chamada de Castigo Final – série brasileira apresentada na operadora de celular Oi ............................................................................................. 83

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Utilização de tablets em conjunto com a TV ............................................ 38 Gráfico 2. Taxa de crescimento de usuários do Facebook, em 2012 ....................... 45 Gráfico 3. Distribuição de idades dos usuários do Facebook ................................... 47

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações do Brasil AMPS – Advanced Mobile Phone System CD – Compact Disc DVD – Digital Versatile Disc EDGE – Enhanced Data rates for GSM Evolution EUI – Espectador/Usuário/Interator GPRS – General Packet Radio Services GPS – Global Positioning System GSM – Global System for Mobile Communications IP – Internet Protocol OMC – Organização Mundial do Comércio PDA – Personal Digital Assistant P2P – Person To Person QWERTY – Layout de teclado atualmente mais utilizado em computadores e máquinas de escrever RIM – Research In Motion – empresa canadense que criou o Blackberry SMS – Short Message Service WI-LAN – Wireless Local Area Network

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12 1 DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS ............................................................................ 16 1.1 O MEIO E A MENSAGEM............................................................................... 17 1.2 A EVOLUÇÃO E A IMPORTÂNCIA DOS CELULARES ................................. 22 1.3 ENTENDENDO A SEGUNDA TELA ............................................................... 36 1.4 CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA E AS NOVAS GERAÇÕES .................... 39 2 A ARTE DE CONTAR HISTÓRIA .......................................................................... 50 2.1 SABEMOS CONTAR HISTÓRIAS? ................................................................ 51 2.2 A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO, DA SUBJETIVIDADE E DA IDENTIDADE .................................................................................................. 56 3 PROCESSO DE TRANSMIDIAÇÃO ...................................................................... 61 3.1 CULTURA PARTICIPATIVA ........................................................................... 69 3.2 O CONCEITO DE BÍBLIA TRANSMÍDIA ........................................................ 73 3.3 ENGAJAMENTO DO PÚBLICO-JOVEM ........................................................ 76 3.4 PRODUÇÕES TRANSMIDIÁTICAS BEM SUCEDIDAS ................................. 79 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 84 REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS ........................................................................... 89

12

INTRODUÇÃO

Ao entrar no Mestrado de Comunicação, minha primeira intenção foi realizar alguma produção relacionada à tecnologia móvel, tendo como principal foco o telefone celular e sua utilização audiovisual. Na época, trabalhava na Nokia e estava envolvida com projetos de customização de celulares, personalizando o celular com um objetivo claro – fidelizar usuários às marcas, portanto, as mudanças no produto em favor do mercado poderiam melhorar o lucro da empresa e a aceitação dos usuários. O que eu não previ é que estava prestes a descobrir outros usos ligados ao audiovisual, o que para mim foi uma grande surpresa. Descobri um termo novo: transmídia. Quando ouvi o termo pela primeira vez, na sala de aula, fiquei apaixonada pela definição do Professor Vicente Gosciola, que utiliza a seguinte definição: A narrativa transmídia é uma grande história. O que a diferencia de outras grandes histórias é que ela é dividida em partes. A história principal é complementada por histórias adicionais. Outra característica que a torna mais singular ainda é que cada uma dessas histórias é veiculada por um meio de comunicação diferente, definido por ser aquele que melhor consiga expressá-las (GOSCIOLA & VERSUTI, 2012, p. 2).

De acordo com Jenkins (2009), cada meio conta a história à sua maneira. Acabei percebendo que os novos dispositivos móveis se prestariam muito bem numa nova forma de linguagem audiovisual, através do uso das redes de última geração, provocando experiências únicas nos usuários sedentos por novidades. Um aspecto que me chamou a atenção foi a apropriação das novas gerações de usuários sobre os conteúdos e narrativas. Portanto, o objetivo deste estudo é responder a alguns questionamentos que permeiam o universo tecnológico e o universo ficcional, tais como: 

A narrativa transmídia pode transformar o entretenimento e o audiovisual

através do uso de novas tecnologias? 

A narrativa transmídia pode criar mais engajamento do que os outros tipos de

narrativas mais tradicionais?

13

O conceito de narrativa transmídia não é algo novo. Estudiosos como Christy Dena, Henry Jenkins, Grant McCracken, Carlos Scolari, Vicente Gosciola já realizam estudos sobre este conceito há alguns anos. O ponto comum de todos eles é que a narrativa deve ser atrativa o suficiente para criar engajamento dos usuários e fãs. Diante deste quadro, faço um questionamento: se o conceito não é novo, por que ele ganhou força nos últimos tempos? Trata-se de uma nova onda que pretende capitalizar os investimentos feitos nas produções de audiovisual ou uma tendência que se estabelece a partir da disseminação de novas tecnologias? De acordo com o antropólogo Grant McCracken (2003), a produção de novos conteúdos e a cultura mundial está se tornando cada vez mais rápida. A cultura está se fragmentando e o gosto dos consumidores muda quase que em tempo real, ao mesmo tempo em que culturas muito tradicionais dizem não para as novidades. Temos que pensar um processo de formação que absorva as novidades que surgem o tempo todo, sem abandonar o que as pessoas estão acostumadas a ver e entender (McCRACKEN, 2003, p. 104).

Esta provocação vem ao encontro com o tema da dissertação, pois a sociedade atual está sofrendo uma intensa transformação após a incorporação de alguns artefatos tecnológicos que conhecemos como, por exemplo, os smartphones, tablets e outros dispositivos que hoje estão tão sociais quanto tecnológicos. A falácia da “caixa preta”, tão comentada por Jenkins (2009), dá conta de um “dispositivo mágico” que pode proporcionar acesso às formas de interação com diversos conteúdos, proporcionando certa liberdade do usuário para que possa escolher quando, onde e o que lhe interessa, sob a perspectiva do conteúdo. Esta mesma caixa assume diversas formas, como por exemplo: tablets, o próprio advento do iPhone, TVs conectadas à Internet, consoles e uma infinidade de dispositivos. Ante a esse cenário, o conteúdo que nos remete às narrativas pode tomar diversas formas em diferentes modelos de narrativas, que podem ser modificadas pelos usuários conforme suas experiências e, principalmente, sob o seu ponto de interesse. Neste estudo, serão referenciados autores como McLuhan (1964), em função de sua abordagem iluminadora dos meios de comunicação, através de um olhar especial para axiomas como “aldeia global”, “o meio é a mensagem” e “os meios como extensões do homem”; Castells (1999), por discutir o papel da tecnologia na

14

sociedade e, por fim, os textos de Jenkins (2009), que desenvolve significativos conceitos a respeito de convergência, inteligência coletiva e cultura participativa, atualizando as teorias apresentadas pelos dois autores anteriores. No primeiro capítulo deste estudo, denominado Definições Gerais, procuro estabelecer aspectos importantes sobre o conteúdo e as mídias digitais, pois cada avanço na tecnologia da informação e comunicação trouxe consigo um aumento na sofisticação das nossas narrativas. Várias formas de narrativas estão emergindo como uma importante forma de comunicação, graças às redes sociais e às novas formas de interação que os usuários descobrem a cada dia. Faz-se necessário, então, entender como se dá o processo de criação de uma narrativa e a sua importância no contexto da comunicação contemporânea. Como base conceitual, abordo conceitos do meio e a mensagem, discutidos por McLuhan (1964), trazendo à tona a discussão sobre a construção de novas linguagens audiovisuais e os novos formatos de narrativa, incluindo a narrativa transmídia, e ainda, sobre o processo de transmidiação. Em seguida, procuro elucidar os aspectos tecnológicos, considerando que a configuração em rede é peculiar ao ser humano. Desde os primórdios, quando o homem desenvolve a habilidade de se comunicar e criar, ele passa a se agrupar com seus semelhantes, estabelecendo relações sociais, econômicas e de interesses que se desenvolvem e se modificam ao longo do tempo. Rapidamente, o homem está deixando de ser analógico. Observa-se que as novas gerações incorporaram os meios digitais que hoje estão 100% conectados. Esta mudança de comportamento é notada no cotidiano das novas gerações, que passam a utilizar a rede como forma de compartilhamento de seus pensamentos e de informações traduzidas em conhecimento. Portanto, faz-se necessário abordar a questão da evolução das mídias móveis, a convergência tecnológica e das redes e como as tais plataformas podem ser usadas em projetos transmídia. Busco retomar o conceito de convergência, pois na medida em que o ser humano evolui, mudam suas prioridades e suas conveniências que se refletem na maneira dele se comunicar e de se relacionar com os demais. Com o passar dos anos, a evolução tecnológica experimentada através de adventos como a rádio frequência e a nanotecnologia tornam possível a comunicação em tempo real, o que proporciona uma rápida expansão das redes sociais.

15

Procuro explorar, também, o impacto nas narrativas atuais e sua relação com a segunda tela, demonstrando como se dá o processo de comunicação e engajamento. No segundo capítulo, faço algumas provocações intencionais sobre as narrativas, resgatando algumas questões sobre as formas de perpetuá-las ao longo do tempo, além do ato de “contar histórias”, possibilitando aprendizado, perpetuando a cultura e

criando

novas

abordagens.

Abordo

os

aspectos

da

oralidade

até

o

desenvolvimento de novas formas audiovisuais. A apropriação do conteúdo que é realizado pelas novas gerações e suas formas, procurando traçar um paralelo entre crossmídia e as narrativas transmídia. As narrativas transmídia estão sendo desenvolvidas para uma grande variedade de aplicações, incluindo o próprio entretenimento, a educação, o marketing, o jornalismo e a literatura. O terceiro capítulo está direcionado ao processo de transmidiação propriamente dito. A integração de várias mídias diferentes em uma narrativa coesa e coerente é um grande desafio para os produtores das narrativas transmídia. Um dos maiores desafios é manter o espectador/usuário/interator – EUI (INJU, 2011), uma vez que estes usam seu próprio repertório, experiências, habilidades cognitivas e habilidades psicológicas para interagirem em uma narrativa transmídia (GOSCIOLA, 2011). Ressalta-se que este termo será utilizado em toda a extensão deste estudo. Abordo, ainda, a importância do desenvolvimento das bíblias transmídia, como elemento de planejamento e implantação de uma boa narrativa transmídia. A identificação do EUI com os personagens, com a narrativa e como ocorre o processo de criação da identidade do mesmo é fundamental na criação das narrativas ficcionais transmidiáticas que estão fortemente baseadas nas mídias sociais e nas tecnologias online. Nas conclusões finais deste estudo, respondo alguns questionamentos feitos inicialmente e que permeiam o universo tecnológico e o universo ficcional, mostrando como a narrativa transmídia pode transformar o entretenimento e o audiovisual através do uso de novas tecnologias, criando maior engajamento quando comparada a outros tipos de narrativas mais tradicionais. A narrativa transmídia, ou narrativa espalhada, pode aproximar ou reaproximar as novas gerações no sentido abordado por McLuhan (1964) ou devolver a eles a sociabilidade interrompida?

16

1 DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS

Inicialmente, é necessário realizar algumas definições fundamentais sobre os principais conceitos que serão discutidos nesta dissertação. Tais definições serão dividas em dois blocos fundamentais: 1) meios de comunicação; 2) mensagens. Nos meios de comunicação, destacarei os principais meios utilizados neste estudo e suas definições e impactos na sociedade. Abordarei, ainda, as questões relacionadas à mensagem e suas derivações sob a ótica da necessidade da produção de conteúdo e seu impacto no audiovisual e nas grandes produções transmidiáticas. Meio: de acordo com o dicionário Michaelis, o meio é uma maneira, via aonde se chega a algum fim. O que dá passagem ou serventia, ou serve de comunicação. O termo meio de comunicação, de acordo com o site Wikipédia, refere-se ao instrumento ou à forma de conteúdo utilizada para a realização do processo comunicacional. Quando falamos sobre a comunicação de massa, pode ser considerado sinônimo de mídia; outros meios de comunicação, como o telefone, tablets e computadores são considerados meios individuais ou interpessoais. Os meios de comunicação podem ser divididos em:  Sonoros: rádio, podcast, telefone.  Escritos: diários, cartas, revistas, jornais.  Audiovisuais: TV, cinema.  Novas mídias: vasto campo delimitado pelas tecnologias digitais (GOSCIOLA, 2010).  Hipermídia: meio e linguagem em que esse campo se encontra (GOSCIOLA, 2010). Temos, aqui, a TV conectada, a Internet, os CD-ROMs e DVDs. Para McLuhan (1964), o meio é o canal/tecnologia em que a comunicação se estabelece e não apenas constitui a forma comunicativa, mas determina o próprio conteúdo da comunicação. Mensagem: De acordo com o dicionário Michaelis, mensagem é tudo o que é transmitido

do

emissor

ao

receptor,

pessoalmente,

por

vídeo

ou

por

correspondência. É um conteúdo (palavras com uma definição) enviado para alguém ou algum lugar. Conforme a definição do site Wikipédia, a mensagem é o objeto da

17

comunicação. Dependendo do contexto, o termo pode se aplicar tanto ao conteúdo da informação quanto à sua forma de apresentação. Narrativas: do latim narre, significa dar conhecimento, transmitir informações. Fornecem aos indivíduos uma ferramenta para aprender e ensinar uns aos outros sobre o mundo. Como a narrativa é estudada a partir de uma variedade de perspectivas, suas abordagens podem variar significativamente. Elas podem ser abordadas como um método para produzir, como uma teoria para investigar, como uma prática social, política ou estratégica. Conteúdo: o dicionário Michaelis define conteúdo como assunto, tema, matéria de carta, livro etc.; conjunto dos interesses e valores específicos para os quais convergem as atividades típicas de um grupo social. Estas definições foram colocadas para alinhar o conhecimento e, assim, estabelecer um ponto de partida neste estudo. A partir dos conceitos acima, proponho um diálogo com os principais pensadores da Comunicação, da Antropologia, da Psicologia e da Pedagogia. Considerando que este estudo trata de certa forma da arte de contar histórias, resgato a história e onde tudo começou.

1.1 O MEIO E A MENSAGEM

A narrativa existe desde o tempo em que as primeiras pinturas da Idade das Pedras foram feitas em cavernas e as primeiras histórias foram contadas ao redor do fogo. Uma pessoa pode aprender sobre o passado, eventos atuais e futuro a partir de contos, piadas, novelas, filmes, desenhos, jornais, telejornais, obituários de outras pessoas, entre outros. Seja a narrativa simples ou complexa, os indivíduos precisam ser capazes de entender suas funções para compreender o mundo ao seu redor. “A arte de contar história, por vezes é deixada para segundo plano quando uma nova tecnologia surge” (GOSCIOLA, 2010, p. 2). Por outro lado, as novas tecnologias abrem também muitas possibilidades de contar histórias sob uma nova perspectiva – a do EUI.

18

Desde a era pré-histórica, o homem desenvolveu a habilidade de se comunicar. No início, o homem aprendeu a usar a comunicação através de sinais gráficos que serviam para trocar informações, registrar fatos, expressar ideias e emoções. As tribos longínquas se valiam de sinais de fumaça ou de tambores para se comunicar, alertando sobre perigos ou invasões. Quando o homem passa a fazer sons, se estabelece a comunicação verbal. A linguagem passou a ser uma construção da razão, onde conseguia aproximar-se da realidade. A comunicação oral passou a ser uma representação simbólica do significado dos objetos. A invenção da escrita ocorre como consequência das mudanças profundas nas sociedades, durante o período do surgimento das primeiras cidades e na medida em que o homem continuava sua trajetória evolutiva. Pelo menos quatro sistemas de escrita foram inventados de forma independente em épocas diferentes, por quatro povos distintos, na Mesopotâmia, Egito, China e América Central. Os mais antigos testemunhos escritos encontrados são provenientes da região da Mesopotâmia (atual Iraque), feitos 3.300 anos a.C. Os sumérios, que habitavam a Mesopotâmia, desenvolveram a escrita cuneiforme, pequena ferramenta de entalhe, que gravava símbolos em placas de cerâmica. Os egípcios criaram os hieróglifos, a escrita das pirâmides reservada a uma classe de especialistas, os escribas, que ocupavam uma posição de destaque, pois passavam por um processo de formação especifica, além de ser o elo entre o faraó, outros funcionários do governo, os sacerdotes e o povo. No final da Idade Média, quando foi criada a prensa de tipos móveis metálicos, em 1450, as pessoas comuns ainda não haviam aprendido a ler e escrever, sendo este um privilégio da elite cultural. Desde a Antiguidade, os grandes conquistadores foram obrigados a estabelecer um sistema de mensageiros como uma forma de comunicação, em especial durante as guerras. O processo de evolução do homem e de sua comunicação passa pelo incremento das redes de transportes, durante a Revolução Industrial do século XVIII. Nesta fase, tivemos a evolução da máquina a vapor chegando ao tráfego ferroviário e ao marítimo, utilizado para o transporte de matérias-primas em longas distâncias. Este é o importante marco final do período de1500-1850, onde o mundo de fato passou por uma série de transformações socioculturais, advindas, principalmente, da descoberta dos “novos mundos”.

19

Posteriormente, vieram as invenções do motor à explosão, da aplicação da eletricidade aos transportes e, anos depois, do automóvel e do avião, fruto de grandes

progressos

tecnológicos

que

tiveram

por

objetivo

melhorar

as

acessibilidades e diminuir a distância-tempo e a distância-custo. Faz-se necessário apontar que os grandes avanços tecnológicos da comunicação ocorreram em função de guerras e da evolução da indústria bélica, como forma de segurança nacional e de proteção territorial. Após as guerras, as tecnologias de comunicação passaram a ser massivamente usadas pelas indústrias de bens e serviços e o próprio consumidor final. McLuhan (1964) pondera que o que realmente importa é o meio de comunicação predominante e não o conteúdo transmitido. A luz elétrica é informação pura. É algo assim como um meio sem mensagem, a menos que seja usada para explicitar algum anúncio verbal, ou algum nome. Este fato, característico de todos os veículos, significa que o “conteúdo” de qualquer meio ou veículo é sempre outro meio ou veículo. O conteúdo da escrita é a fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da imprensa e a palavra impressa é o conteúdo do telégrafo. Se alguém perguntar “Qual é o conteúdo da fala?”, necessário se torna dizer: “É um processo de pensamento real, não-verbal em si mesmo”. Uma pintura abstrata representa uma manifestação direta dos processos do pensamento criativo, tais como poderiam comparecer nos desenhos de um computador. Estamos aqui nos referindo, contudo, às consequências psicológicas e sociais dos desenhos e padrões, na medida em que ampliam ou aceleram os processos já existentes. Pois a “mensagem” de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas (MCLUHAN, 1964, p. 22).

A relevância, segundo McLuhan (1964), está no avanço que a tecnologia provoca no cotidiano dos indivíduos inseridos em uma sociedade. O autor destaca o exemplo da estrada de ferro, cuja implantação proporcionou para algumas comunidades, novas oportunidades, gerando uma circulação maior de pessoas, facilitando a locomoção, entre outras transformações. McLuhan (1964, p. 33) afirma: “O efeito de um meio se torna mais forte e intenso justamente porque o seu ‘conteúdo’ é outro meio”. O conteúdo não possui relevância na estruturação das relações humanas, porém, em alguns momentos, ele acaba impedindo que seja possível perceber a verdadeira natureza de cada meio.

20

O teórico esclarece que o conteúdo do filme é o romance, o conteúdo da imprensa é a fala, mas os indivíduos, em sua maioria, não o percebem dessa forma, mantendose, inconscientes frente a esta realidade. Assim, todos os indivíduos passam a ter a possibilidade de adquirir a mesma informação, em qualquer lugar, formando uma unidade, pois para McLuhan (1964), as sociedades sempre foram mais modeladas pela tecnologia da comunicação do que pelos conteúdos dessas mesmas tecnologias. A aceleração de hoje não é uma lenta explosão centrífuga do centro para as margens, mas uma implosão imediata e uma interfusão do espaço e das funções. Nossa civilização especializada e fragmentada, baseada na estrutura centro-margem, subitamente está experimentando uma reunificação instantânea de todas as suas partes mecanizadas num todo orgânico. Este é o mundo novo da aldeia global (MCLUHAN, 1964, p. 112).

A aldeia global anula as noções de tempo e espaço, proporcionando a troca de informações e conhecimento, de uma maneira universal e instantânea. Todos se relacionam tecnologicamente e, dessa forma, os contatos sociais são privilegiados. Mesmo que a tecnologia provoque uma forte segmentação social, os meios promovem uma integração entre os indivíduos, através da criação de um consenso mundial. As narrativas ocorrem independentemente da tecnologia, assim como todas as formas de se contar história. O que mudam são os meios utilizados. Vale lembrar que sempre existirá uma obsolescência tecnológica em curso. Antigos meios de comunicação são substituídos por outros. Em alguns casos, suas funções coexistem por um determinado tempo, até que uma nova tecnologia suprima aos anteriores. Gosciola (2012) comenta em seu artigo “A máquina de narrativa transmídia: transmidiação e literatura fantástica”, que o jogo de forças parece estar equilibrado, pois sempre que há uma obsolescência de tecnologia dos meios de comunicação, as narrativas começam a apresentar novidades e vice-versa. Segundo McLuhan (1964, p. 197), os meios são extensões dos sentidos humanos. “Toda extensão é uma amplificação de um órgão, de um sentido ou de uma função que inspira ao sistema nervoso central um gesto auto-protetor de entorpecimento da área prolongada”. As extensões são usadas pela maioria dos indivíduos, de forma tão constante, como os olhos e os ouvidos, por exemplo. O rádio, segundo McLuhan (1964), é uma extensão da audição e a fotografia é uma extensão da visão.

21

Contemplar, utilizar ou perceber uma extensão de nós mesmos sob a forma tecnológica implica necessariamente em adotá-la. Ouvir rádio ou ler uma página impressa é aceitar essas extensões de nós mesmos e sofrer o “fechamento” ou o deslocamento da percepção, que automaticamente se segue. É a contínua adoção de nossa própria tecnologia no uso diário que nos coloca no papel de Narciso da consciência e do adormecimento subliminar em relação às imagens de nós mesmos (MCLUHAN, 1964, p. 64).

Quando surge algum avanço tecnológico que modifica o meio, as relações dos indivíduos também se alteram. McLuhan (1964) salienta o exemplo do rádio que se modificou profundamente com o desenvolvimento da televisão. O meio teve que buscar outros segmentos para continuar sendo viável economicamente. Neste caso, a solução foi diversificar os serviços, voltando-se para o público regional e buscando atingir as necessidades individuais dos ouvintes. A recepção também deixou de ser coletiva: da família reunida para individualmente nos quartos, nas cozinhas ou até mesmo nos automóveis. Para McLuhan (1964), a necessidade de utilizar os sentidos é tão indispensável quanto respirar, justificando, desse modo, a necessidade que muitos indivíduos possuem em manter a televisão ou o rádio ligado, mesmo sem dispensar uma atenção exclusiva ao meio. O acesso contínuo não está relacionado com o conteúdo, mas ao fato da tecnologia estar integrada ao sistema nervoso central. Para as novas gerações, os meios digitais são como o ar que a geração net respira, como afirma Tapscott (2012), em sua apresentação durante o TEDX 2012. Para as novas gerações, o uso das tecnologias é natural, pois elas nasceram em um ambiente digital. A pedagoga Kishimoto (2007), em seu artigo “Narrativas infantis: um estudo de caso em uma instituição infantil”, comenta que a narrativa ocorre como linguagem articulada oral ou escrita, imagem fixa ou móvel, gesto, mito, lenda, fábula, conto, cinema, entre outros, como forma de discurso que descreve em sequência os fatos do passado, real ou imaginário. A narrativa está presente na conversação, no contar e recontar história, nas brincadeiras e nas ações que resultam da integração entre várias linguagens, dando sentido ao mundo e tornando sua inclusão no mundo infantil. Bruner (1986) valoriza as histórias infantis, do gênero conto de fadas, porque nelas se encontra um formato, uma estrutura prévia, de tipo binário, de situações opostas, típico do

22

processo de categorização. A narrativa, como categorização, “exige discriminar diferentes coisas como equivalentes, agrupar objetos, eventos e povos em classes, em termos de membros de classe” (BRUNER; GOODNOW; AUSTIN, 1956, p. 1). Cada indivíduo constrói um sistema de codificação, uma forma pessoal de agrupar ou relacionar informações sobre o mundo em constante reorganização. O processo de categorização, a mente humana utiliza um sistema binário, similar ao computacional (pertencer ou não à categoria), mas vai além da informação dada, utilizando inferências e indicações do ambiente. Segundo Kishimoto (2007), as situações binárias, como segurança e perigo, coragem e covardia, inteligência e estupidez, esperança e desesperança, bem e mal, são as principais tramas dos contos de fadas. As classificações, como estruturas, auxiliam povos sem escrita a compreenderem seu mundo pela memória. Tais povos observam animais corredores, voadores e rastejadores, viajantes da terra, da água, diurnos e noturnos. O sistema binário, que prevalece nas narrativas, possibilita classificar um ser como voador ou não, noturno ou diurno, com descrições minuciosas, o que também se aplica às crianças, porque a mente infantil também usa tal sistema para a compreensão do mundo.

1.2 A EVOLUÇÃO E A IMPORTÂNCIA DOS CELULARES

Considero relevante, neste estudo, comentar sobre a invenção do celular, pois existe um paralelo interessante entre o cinema, a situação politica mundial e a própria tecnologia: a invenção de Hedy Lamarr. O celular que conhecemos hoje nasceu a partir da comunicação do rádio. Neste contexto, é relevante comentar sobre Hedy Lamarr. Hedy Lamarr é o nome artístico de Hedwig Eva Maria Kiesler (Viena, 9 de novembro de 1913 — Altamonte Springs, 19 de janeiro de 2000). Sua maior contribuição no mundo científico foi a invenção de um sistema de comunicações para as forças armadas americanas, que serviu de base para a atual telefonia celular.

23

Durante a Segunda Guerra Mundial, Lamarr criou um sofisticado aparelho de interferência em rádio para despistar radares nazistas e o patenteou em 1940, usando o seu verdadeiro nome. A ideia surgiu ao lado do compositor George Antheil, em frente a um piano. Eles brincavam de dueto, ela repetindo em outra escala as notas que ele tocava, experimentando o controle dos instrumentos, inclusive com a música para o Ballet Mécanique, originalmente escrita para o filme abstrato de Fernand Léger, em 1924. Ou seja, duas pessoas podem conversar entre si mudando frequentemente

o

canal

de

comunicação,

bastando

que

façam

isso

simultaneamente. Este princípio de comunicação norteou o desenvolvimento das redes de rádio e telefonia celular usados atualmente, em nosso cotidiano, sempre que falamos no celular.

Figura 1. Sistema de celular desenvolvido por Lamarr, em 1942 Fonte: Lamarr (2001).

Um celular é um dispositivo sem fio que se conecta a rede telefonia pública comutada e é oferecido ao público em geral, por uma empresa comum ou de utilidade pública. Além disso, em sua maior parte, a história do celular não é apenas um estudo sobre o telefone ou sobre o aparelho em si, mas um olhar para o sistema sem fio que é conectado.

24

Existem muitas controvérsias sobre a autoria do telefone sem fio. Alguns autores apontam que o primeiro telefone sem fio, o Fotofone, foi inventado por Alexander Graham Bell, em conjunto com sua assistente Sarah Orr, em 1880. O dispositivo permitiu que uma conversa telefônica fosse realizada através da luz. Em junho de 1880, Bell transmitiu a primeira mensagem telefônica usando o seu novo invento. Segundo o site Wikipédia, “Bell patenteou o seu telefone nos Estados Unidos no início de 1876”. Nesta mesma época, Elisha Gray aplicou outra patente do mesmo gênero. Antonio Meucci foi reconhecido, em 2002, como o inventor do telefone. Meucci demonstrou, em 1849, em Havana, Cuba, a transmissão de voz pela corrente elétrica. Nathan Stubblefield também foi intitulado o “Pai da Radiodifusão”. Ele disse ao repórter Mensagem de St. Louis, em 1902, ser capaz de enviar mensagens simultâneas a partir de uma estação central de distribuição sobre um território muito grande. “Eventualmente, ele será usado para a transmissão de notícias gerais de todos os tipos” (SCIENTIFIC AMERICAN, 1902, p. 363). Em dezembro de 1947, os laboratórios Bell, com a ajuda de WR Young, articularam um sistema de rádio real para a telefonia móvel celular em um memorando interno da empresa. No final dos anos 1950, foram realizadas pesquisas e melhorias para o celular, porém sem espectro suficiente para torná-lo economicamente viável. Sem um sistema de alta capacidade, uma rede celular não poderia ser construída nos Estados Unidos. A inevitável movimentação dos usuários entre as células de uma mesma rádio-base deveria ser gerenciada pelo sistema, conceito conhecido como handoff (ou handover1). Quando havia troca de células em que outra rádio-base era envolvida, o termo adotado era roaming2. Em 1967, as empresas finlandesas Finnish Rubber Works e Cable Works fundaram a Nokia. A Nokia expandiu a divisão de eletrônicos para incluir semicondutores e pesquisa. Esses estudos ajudaram, no início dos anos 1970, a Nokia desenvolver uma rede comutada digital para a telefonia fixa. 1

Handover: refere-se ao processo de transferência de uma chamada em curso ou sessão de dados de um canal ligado ao núcleo de rede para outro. 2 Roaming: designa a capacidade de um usuário de uma rede para obter conectividade em áreas fora da localidade geográfica onde está registrado, ou seja, obtendo conectividade através de outra rede onde é visitante. A rede que está sendo visitada pode ou não pertencer à mesma operadora

25

Outro fator que ajudou os finlandeses foi o livre comércio de equipamentos de telecomunicações. O desenvolvimento posterior do celular da Nokia foi bastante reforçado pelo fundo de capital e as suas primeiras pesquisas. Em 1978, foi ativado um sistema de testes a mercado em Chicago, objetivando demonstrar as reais possibilidades do sistema AMPS3. O AMPS finalmente entrou em operação comercial em 1983. O sistema AMPS teve o grande mérito de programar soluções que consolidaram o padrão de telefonia móvel até hoje empregado. Um passo intermediário foi a utilização dos chamados bag phones, que consistia em uma bolsa ou pequena pasta, com um transceptor de potência média e uma bateria, que era carregada por meio de um acendedor de cigarros do veículo, podendo ser transportada. Devido ao sucesso do sistema AMPS, mesmo sendo um serviço inicialmente caro, a procura se tornou imensa. Mesmo a adoção das faixas de extensão mostrou que também haveria uma saturação. Por outro lado, havia a questão dos serviços. O sistema móvel celular foi inicialmente concebido com vistas ao serviço básico de voz. Outros serviços poderiam ser acrescentados, não só com possibilidade de demanda, como dados, fax e SMS, entre outros, como também como fonte de renda adicional nos serviços. Isso exigiria mais recursos do sistema, praticamente impossíveis de serem implantados como nas redes analógicas. Rapidamente, concluiu-se que a saída estaria na digitalização das redes, inerentemente com mais capacidade para agregar esses serviços suplementares. Em 15 de agosto de 1996, a Nokia introduziu o Communicator, primeiro telefone celular GSM4 com um computador portátil, teclado QWERTY5 e processamento de texto e programas de calendário e agenda. Além de enviar e receber faxes, era possível verificar e-mails e acessar a Internet, ainda de forma limitada, uma vez que redes de telefonia celular foram desenhadas para voz, e não para dados. Em meados dos anos 1990, no entanto, houve um grande progresso nas redes, ajustando-as através da compactação da voz. O serviço de voz continuou a ser o serviço essencial para a grande maioria dos telefones móveis, mas os serviços de AMPS – Advanced Mobile Phone System: foi a primeira geração de sistemas celulares formada por sistemas analógicos. 4 GSM: tecnologia móvel e padrão mais popular para telefones celulares do mundo. 5 QWERTY: layout de teclado atualmente mais utilizado em computadores e máquinas de escrever. O nome vem das primeiras seis letras “QWERTY” da primeira linha do teclado. 3

26

dados passaram a entrar no mapa de prioridades, uma vez que novas funcionalidades eram adicionadas aos equipamentos de recepção. No início dos anos 1990, o mundo experimentou o primeiro grande salto da Internet, com o advento dos browsers gráficos, como Mosaic6 e Netscape7. O crescimento da base de usuário da Internet competia com o crescimento das redes de telefonia celular, entre 1995 e 2000. A rede móvel se aproximou da Internet funcionando com o mesmo princípio de tecnologia, o IP8, uma técnica de comutação de pacotes que rapidamente foi incorporada pelos operadores de rede celular. As redes sofreram atualizações, overlays e as tecnologias evoluem para suportar os serviços de dados, iniciando, assim, as gerações de serviços: 2,5G ou conhecido como GPRS9 às redes 3G ou EDGE10, além da incorporação de redes de curto alcance sem fio, como Bluetooth11, que empregam IP. No final dos anos 1990, o celular diminuiu e ficou mais leve. Incorporou-se ao dispositivo: teclados mais completos, visores ainda pequenos. Novos circuitos, como micro chips, foram incorporados, ampliando, assim, a capacidade de processamento do celular, aproximando-os dos laptops e PDAs12. A empresa canadense RIM apropriou-se do conceito de transmissão de radiofrequência e criou o Blackberry13, obrigando-nos a repensar o conceito do telefone celular. O equipamento agregou os serviços de mensageria instantânea, um teclado acoplado permitindo a produção de conteúdo em qualquer lugar. A fabricante provocou com isso a evolução dos aparelhos que passaram a fornecer uma variedade de serviços, tais como toques, captura de imagens, mensagens de texto, jogos e assim por diante.

6

Mosaic: conhecido por muitos como o primeiro Navegador www. Netscape: empresa de serviços de computadores nos EUA, mais conhecida pelo seu navegador web. 8 IP – Internet Protocol: de forma genérica, é uma identificação de um dispositivo (computador, impressora etc.) em uma rede local ou pública. Cada computador na Internet possui um IP único, que é o meio em que as máquinas usam para se comunicarem na Internet. 9 GPRS: General Packet Radio é uma tecnologia que aumenta as taxas de transferência de dados nas redes GSM existentes 10 EDGE – Enhanced Data Rates for GSM Evolution: tecnologia digital para telefonia celular que permite melhorar a transmissão de dados. 11 Bluetooth: provê uma maneira de conectar e trocar informações entre dispositivos como telefones celulares, notebooks, computadores, impressoras, câmeras digitais e consoles de videogames digitais através de uma frequência de rádio de curto alcance, globalmente licenciada e segura. 12 PDAS – Personal Digital Assistants: assistente pessoal digital 13 Blackberry: linha de smartphones e tablets criada pela empresa canadense BlackBerry, antiga RIM – Research in Motion. 7

27

Figura 2. Evolução dos celulares Fonte: Obra de arte do britânico Kyle Bean, que mistura matrioskas14 com a evolução dos telefones celulares.

Para Lemos (2007), o que conhecemos como telefone celular é um dispositivo híbrido, já que agrega função de telefone, computador, máquina fotográfica, câmera de vídeo, processador de texto, GPS15, entre outras; móvel, isto é, portátil e conectado em mobilidade funcionando por redes sem fio digitais, ou seja, de conexão; e múltiplas redes, como Bluetooth e infravermelho, para conexões de curto alcance, entre outros dispositivos. Em 2007, a fabricante americana Apple16 desenvolveu o iPhone. Os custos estimados do desenvolvimento da colaboração foram de 150.000 mil dólares ao longo de um período de trinta meses. A Apple vendeu 6,1 milhões de unidades do iPhone original ao longo de cinco trimestres. O projeto chama a atenção, pois combina três dispositivos: celular, iPod widescreen17 e dispositivo de Internet. Com um design inovador, possui uma interface multi-touch18, que permite fazer chamadas com apenas um toque em um nome ou número da lista de contatos, e o correio de voz visual permite que você selecione e escute as mensagens na ordem que desejar, da mesma forma que o serviço de e-mail.

14

Matrioskas: tradicionais bonecas russas que se encaixam uma dentro da outra. GPS – Global Positioning System: sistema de posicionamento global, usado para geo-localização. 16 APPLE: empresa multinacional norte-americana que tem o objetivo de projetar e comercializar produtos eletrônicos de consumo, software de computador e computadores pessoais. 17 Widescreen: tela panorâmica. 18 Multi-touch: refere-se a uma superfície de detecção de toque – touchscreen. Possui a capacidade de reconhecer a presença de dois ou mais pontos de contato com a superfície da tela. 15

28

Figura 3. Lançamento do iPhone, em 2007 Fonte: OBAOBA (2013).

A Apple vendeu 3,8 milhões de unidades do iPhone 3G no segundo trimestre de 2009, que terminou em março de 2009, e 12,6 milhões de iPhones 3G e 3GS, totalizando 33,7 milhões de iPhones vendidos naquele ano. No segundo trimestre de 2012, esse número saltou para 959 milhões de aparelhos, chegando a 1,038 bilhão no período de julho a setembro (DRSKA, 2012). O projeto do telefone é marcado pela interação feita através de uma tela sensível ao toque, permitindo ao usuário uma troca infinita de informações, sendo que estas possuem as mais variadas extensões de arquivo. O design é inovador, sem teclas – as tarefas são acionadas e imagens são aumentadas ao simples toque dos dedos na tela. A rigor, a Apple não inventou as novidades tecnológicas embargadas no produto, mas fez-se revolução com a convergência de tudo que estava perdido por aí. Assim como o iPod virou sinônimo de tocador de música em formato MP319, o iPhone é ícone de Internet móvel, fenômeno de futuro que começa a ganhar vida agora (REVISTA VEJA, 2008).

O grande feito de Steve Jobs não foi a invenção do aparelho celular, ou do tocador de MP3, ou ainda do famoso tablet iPad. Analisando a história, e este é o motivo de ter dedicado um capítulo inteiro sobre o desenvolvimento de celulares, o feito de Jobs foi juntar as coisas: ele reuniu em um único equipamento diversas tecnologias 19

MP3 é um dos primeiros tipos de compressão de áudio, com perdas quase imperceptíveis ao ouvido humano.

29

bem sucedidas, promovendo uma experiência diferenciada e exclusiva para o usuário. Jobs era obcecado pelo controle do ambiente e por controlar as situações adversas. Em sua bibliografia, por várias vezes este ponto fica claro. Não era uma questão de inventar, e sim de melhorar o que já existia. Em 2002, Jobs tinha se irritado com um engenheiro da Microsoft e seu proselitismo sobre o software para um tablet que ele tinha desenvolvido e que permitia aos usuários entrar com informações na tela usando uma caneta stylus. Naquele ano, alguns fabricantes lançaram tablets usando o software, mas nenhum deixou sua marca no universo. Jobs estava a fim de mostrar como fazer a coisa direito – nada de stylus! – mas quando ouviu a tecnologia multi-toque que a Apple estava desenvolvendo, decidiu usá-la antes para produzir o iPhone (ISAACSON, 2012, p. 508).

O telefone celular fortalece os laços sociais entre os familiares e amigos. Através do celular, temos acesso imediato e permanente com amigos e familiares, independentemente de onde eles estejam. Ficamos mais envolvidos com o celular do que com as pessoas que estão ao nosso redor, no mesmo espaço que nos estamos. Ling (2007) ponderou que, atualmente, quase todas as relações interpessoais devem ser analisadas como processos híbridos de multimídia que combinam relacionamentos pessoais (face-a-face), com chamadas de telefônicas, SMS e MMS. Tomamos decisões usando mensagens instantâneas, streaming de vídeo ou outras formas de comunicação, conforme a situação específica que vivemos, buscando satisfazer a todos os nossos interlocutores. Estudos recentes mostram que usuários de smartphones ficam tão viciados e tão conectados aos seus dispositivos que agora ouvem “vibrações fantasmas”. Os resultados destes estudos foram apresentados pela Divisão da Sociedade Britânica de Psicologia, na Conferência Psicologia do Trabalho, em Chester20, no ano de 2012. A liberdade que se ganha por poder contatar qualquer pessoa em qualquer altura é contrariada, pelo menos parcialmente, pela obrigação crescente de responder a chamadas recebidas e a manterse em contato com a família e os amigos que esperam ser contatados (GESER, 2004, p. 16).

Ling (2007), em seu artigo “Mobile communication and mediated ritual”, defende que os modelos teóricos de substituição da mídia também contradizem os “modelos

O estudo sobre as “vibrações fantasmas” pode ser visto em: . 20

30

aditivos”, que assumem que as novas mídias digitais contribuem para um aumento linear na quantidade e diversidade de comunicação bilateral. Porque escrever uma carta quando podemos enviar um e-mail ou simplesmente um SMS? Por que investir tempo de viagem para compromissos quando até mesmo problemas de alta complexidade podem ser discutidos ao telefone? Para Castells (1999), o que distingue a configuração do novo paradigma tecnológico é a sua capacidade

de

reconfiguração,

um

aspecto

decisivo

em

uma

sociedade

caracterizada por constante mudança e fluidez organizacional. “(...) Porém, a flexibilidade tanto pode ser uma força libertadora como também uma tendência repressiva, se os redefinidores das regras forem sempre os poderes constituídos” (CASTELLS, 1999, p. 78). Tais considerações são adequadas quando a tarefa é apenas corrigir um acordo ou para transmitir uma quantidade específica de informação, como é o caso de muitos ajustes formalizados burocrática ou profissionalmente. No caso das relações interpessoais, no entanto, o “modelo binário – zeros e uns” de comunicação é falho, pois ignoram que todas as comunicações em um nível podem gerar necessidades adicionais que reforçam o uso de outros canais. Por exemplo, um simples SMS “reunião” pode muito bem dar origem a longas conversas à noite, no telefone fixo, para discutir as novas perspectivas de vida implícita por este evento.

Figura 4. A nova geração de usuários e seus celulares Fonte: Banco de Imagens.

Rheingold (2003) sugere que os smart mobs emergem quando as tecnologias de comunicação e computação ampliam os talentos humanos para a cooperação. As tecnologias que estão começando a fazer smart mobs possíveis são dispositivas de

31

comunicação móveis e computação ubíqua – microprocessadores de baixo custo embutido em objetos do cotidiano e ambiente. Este autor cita o caso das Filipinas, em 1999, onde manifestantes de rua realizaram protestos contra a OMC (Organização Mundial do Comércio), utilizando sites atualizados dinamicamente e telefones celulares que derrubaram o presidente através de manifestações públicas organizadas por meio de mensagens de texto salvas.

Figura 5. Manifestação nas Filipinas contra a OMC, em 1999 Fonte: BOL Fotos (2013).

As pessoas cooperam de maneira nunca antes possível, porque carregam dispositivos que possuem as duas capacidades: de comunicação e computação. O que podemos observar é que os cartéis de mídia e as agências governamentais estão buscando voltar a impor o regime da época de difusão em que os usuários da tecnologia serão privados do poder de criar, ficando apenas com o poder de consumir. Presenciamos, recentemente, esta situação, quando o governo americano tentou impingir regras sobre a pirataria e a propriedade intelectual. Imediatamente, sites como a enciclopédia eletrônica Wikipédia tirou do ar sua versão em inglês por 24 horas, deixando na página inicial os dizeres: “Imagine um mundo sem conhecimento”. O Google não saiu do ar, mas inicialmente colocou uma tarja preta na homepage de seu site americano; depois, postou, abaixo da linha de busca, o link “Diga ao Congresso: por favor, não censure a Internet!”. Fica, então, um questionamento: será que os consumidores serão impedidos de inovação e trancados em modelos de tecnologia e de negócios dos interesses mais poderosos?

32

Figura 6. Wikipédia tirou do ar sua versão em inglês por 24 horas, deixando na página inicial os dizeres “Imagine um mundo sem conhecimento” Fonte: IstoÉ Dinheiro (2012).

Os jovens fazem uma apropriação muito própria da tecnologia da comunicação móvel com os usos e símbolos específicos, dando azo à “emergência de uma identidade coletiva”. Um segundo aspecto realçado por Castells (2007), é o reforço da autonomia, nomeadamente de movimentos, que o celular traz aos jovens. Ao mesmo tempo em que permite uma maior vigilância dos pais sobre os filhos, estes conquistam tempos e espaços que lhes eram interditos antes do celular. A segurança e, não menos importante, o sentimento de segurança que o aparelho confere a pais e filhos, é uma moeda de duas faces, tendo de um lado uma maior vigilância paterna e do outro lado uma maior liberdade de movimentos por parte dos jovens. De todas as maneiras, o celular abre novas possibilidades aos jovens e emancipa-os da proximidade e do confinamento do espaço familiar e respectivas regras. De acordo com a pesquisa divulgada pelo Google, em maio de 2012, os smartphones se tornaram indispensáveis para nosso cotidiano.  A difusão dos smartphones atinge 14% da população, sendo que os seus proprietários dependem cada vez mais de seus dispositivos, 73% acessam a Internet todos os dias no próprio smartphone e muitos nunca saem de casa sem ele.

33

 Os usuários de smartphones estão usando suas mídias para a realização de várias tarefas, e 88% usam o telefone durante outras atividades, como assistir TV (46%).

Figura 7. Uso de smartphones em conjunto com outras atividades Fonte: IPSOS OTC Media Ct – Estudo encomendado pelo Google, em maio de 2012 – intitulado Our Mobile Planet Brazil ptbr.

O número de telefones celulares no Brasil atingiu o patamar de 261.775.433 no final de 2012, o que representa 132,69 cel.100 hab., de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. O infográfico a seguir, elaborado pela empresa HTC, mostra a evolução dos smartphones e que já não há mais distinção entre o offline e o online. Atualmente, hoje nós somos online, conectados o tempo todo e em todos os lugares possíveis. De acordo com a revista Forbes, em uma escala global, os smartphones serão a porta de entrada na Internet para a maioria das pessoas já nos próximos anos. No Brasil, fechamos o ano de 2012 com mais de 250 milhões de celulares e com uma previsão de 36 bilhões de aplicativos baixados em 2013, no mundo. A seguir, serão apresentados os infográficos da HTC sobre a evolução dos smartphones.

34

Figura 8a

Figura 8b

Figura 8c

Figura 8d

Figura 8e

Figura 8f

Figura 8g

35

Figura 8h

Figura 8i

Figura 8j

Figura 8k

Figura 8l

Figura 8m

Figuras 8a-m. Infográficos sobre a evolução dos smartphones Fonte: PhoneArena.com (2012).

A popularização dos meios de comunicação móvel, em especial dos smartphones e tablets, trás consigo um novo fenômeno: a sua utilização simultânea com outros meios de comunicação tradicionais com a TV, o Cinema e o rádio. Este novo modo de se conectar ficou conhecido como “segunda tela”. A tecnologia abandonou os laboratórios e invadiu o mundo, em um curto espaço de tempo. As máquinas invadiram o nosso cotidiano e, rapidamente, transformamos a nossa maneira de consumir os meios e as mensagens. Para Scolari (2013), estamos atravessando um momento de transição, uma passagem do que antes era novo e, portanto, visível para todos na década de 1980-1990, para uma época onde a tecnologia e as máquinas tornam-se invisíveis, passando a serem simplesmente chamadas de digitais.

36

1.3 ENTENDENDO A SEGUNDA TELA

Hayes (2012) menciona em seu blog que, atualmente, três quartos dos telespectadores estão consumindo a segunda tela simultaneamente, ou seja, assistem TV e interagem com o seu tablet em tempo real. É possível transformar este comportamento da segunda tela paralela em uma oportunidade.

Figura 9. Gary Hayes – Entendendo o comportamento da segunda tela Fonte: Understanding Cross platform Consumer Behavior. Google Research (2012).

O comportamento do telespectador ao utilizar a segunda tela tem chamado a atenção dos Institutos de Pesquisa como, por exemplo, o Instituto Nielsen, que publicou, no início de 2013, a seguinte análise do mercado brasileiro:  74% dos usuários conectados em 56 países assistem vídeos em PCs, tablets e celulares;  80% dizem que o consumo de vídeos na televisão e nos Gadgets acontece com a mesma frequência;  200 milhões de TVs com acesso à Internet estão em uso no mundo. Em 2017, serão 600 milhões, estima a consultoria inglesa Digital TV;  43% dos brasileiros conectados navegam na web enquanto assistem TV. Desses, 70% buscam mais informações sobre o que estão vendo, diz o Ibope (2012).

37

De acordo com o Portal Info (2013), este tipo de relação intensa entre a Internet e o EUI deverá modificar o modelo de negócios das TVs. De fato, dos serviços de streaming do mundo, segundo a empresa especializada em redes Sandvine, 60% dos bites enviados e recebidos nos Estados Unidos no horário nobre são de entretenimento em tempo real, com o consumo de filmes e música. Só o Netflix responde por 33% do tráfego de música e vídeo, seguido pelo YouTube, com quase 15%, afirma a empresa. Com base nestas informações, a empresa Netflix21, desenvolveu um sistema que analisa o comportamento do usuário e, a partir dos hábitos de consumo, realiza sugestões sobre a programação. Joris Evers, atual diretor de Comunicação da Netflix, afirma: “Sabemos quando as pessoas assistem só metade de um episódio ou quando gostam tanto que emendam sequências sem parar. Esse é o tipo de informação que a transmissão tradicional não dá às emissoras de TV”. O Ibope, que faz as medições brasileiras, deverá lançar nos próximos meses uma ferramenta para medir um mesmo conteúdo em diferentes horários e plataformas. Atualmente, já existem empresas, como a Bluefin Labs, que se especializaram na análise dos hábitos de consumo e comentários realizados nas redes sociais. Destaco o comentário do artigo do Portal Info (2013): “(...) se os usuários utilizam várias plataformas simultaneamente, a solução é marcar presença nelas. Uma das formas de fazer isso é com a narrativa transmídia”. Possivelmente, este é um dos fatores para que as narrativas transmídia ganhassem forças nos últimos tempos. Apenas para mencionar, o potencial de mercado da segunda tela é enorme. Diversos aplicativos para as plataformas móveis, incluindo tablets e smartphones, foram criados a exemplo do Shazam, exibindo páginas com conteúdo extra, perfil dos atores nas redes e notícias relacionadas aos programas. Famoso por identificar músicas, o Shazam passou a investir em TVs, que possuem mais de 250 milhões de usuários, dos quais 10 milhões no Brasil. Outro aplicativo popular é o Zeebox, que funciona como um guia de programação baseado no que os amigos assistem ou comentam.

21

A Netflix é uma empresa norte-americana que distribui filmes pela plataforma digital através de consoles de games, aplicativos para tablets e smartphones.

38

A empresa GetGlue desenvolveu uma espécie de Foursquare dos seriados, realizando parceria com vários canais para permitir que usuários façam check-in e mostrem o que estão assistindo. Em função do meu contato estreito com fabricantes de equipamentos aqui no Brasil, ficou notória a mudança de paradigma. Os fabricantes de TVs deixaram de se preocupar somente com a qualidade da imagem e passaram a se preocupar também com o conteúdo a ser disponibilizado para os EUI. A própria Microsoft entrou no jogo do conteúdo através do console de jogos – o Kinect22, permitindo que o usuário possa controlar o enredo do episodio de TV dentro do aplicativo. O teste foi feito com um aplicativo do programa Vila Sésamo, o qual permite que crianças interajam com os personagens. A TV que conhecemos hoje está sofrendo uma grande transformação e num futuro próximo deverá se tornar um equipamento híbrido: a chamada TV interativa e sem grade fixa de programação, em que tablets e smartphones complementam os programas com extras atraentes.

Gráfico 1. Utilização de tablets em conjunto com a TV Fonte: Institute Forrester – The Tablet TV Connection (2012).

22

Kinect é um sensor de movimentos capaz de permitir aos jogadores interagir com os jogos eletrônicos sem a necessidade de ter em mãos um controle/joystick.

39

Segundo o portal IDG, no Brasil, 70% do público que faz uso simultâneo de Internet e TV navegam na Internet, influenciados pela TV, enquanto 80% assistem na TV conteúdos que descobriram ou foram comentados na Internet. Existe uma relação muito forte entre esses dois mundos e as pesquisas comprovam que a segunda tela influencia o telespectador a assistir mais TV ao vivo. Transcrevo, a seguir, as principais conclusões da pesquisa realizada pelo Instituto Forrester (2012), sobre o uso da segunda tela nos Estados Unidos:  85% dos donos de tablets americanos usam seus equipamentos enquanto assistem TV, e de acordo com o Nielsen (2013), 30% do tempo total dos tablets foi utilizado enquanto os usuários assistiam TV. A natureza complementar do tablet para a TV da sala dá uma razão de ser a “segunda tela”;  18% dos americanos entrevistados dizem que conectam seus tablets em suas TVs através de cabos via HDMI ou VGA (os iPads de segunda e terceira geração podem fazer isso, bem como muitos tablets Android). Na realidade, os consumidores com tablets acreditam que os equipamentos são ainda mais inteligentes, e pelo menos uma parte do tempo preferem assistir o conteúdo através de seu dispositivo pequeno projetado na tela grande, conforme cita o estudo. Conclusão: os consumidores estão usando tablets como TVs pessoais, com a vantagem de levá-los a qualquer parte: a cozinha, banheiro e aeroportos, por exemplo. O estudo da segunda tela merece destaque e ser alvo de um novo estudo detalhado.

1.4 CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA E AS NOVAS GERAÇÕES

A questão da convergência deve ser refletida, uma vez que a televisão está deixando de ser o meio central para fazer parte de um sistema integrado, como comentei no capítulo anterior. Alguns produtores, atualmente, consideram esse trânsito essencial, criando conteúdos destinados para a televisão, mas que possuem complementos voltados para a Internet, games etc. A multiplicidade na forma de acesso ao conteúdo acaba envolvendo o usuário e apresentando resultados efetivos

40

de consumo. Tanto os produtores, quanto os publicitários, tendem a investir no formato convergente. Mas por que a Internet é tão relevante? É necessário fazer uma análise fundamental: afinal o que está acontecendo? O mundo contemporâneo sofreu transformações drásticas nos últimos anos. Estamos observando que alguns valores mudaram e velhos processos estão sendo retomados. Boa parte do que vivemos hoje na sociedade atual, já havia sido comentado ou estudado por alguns estudiosos/filósofos, nas décadas passadas. Aqui, me refiro às particularidades do mundo contemporâneo comparado ao chamado século passado. Pode parecer estranho, mas quando me refiro ao século passado, estou me remetendo há 40 anos. Lembre-se que naquela época as interações midiáticas e sociais eram completamente diferentes. O fenômeno das redes sociais, apesar de previsto e de certa forma premunidos, ainda não existiam de fato. Estas particularidades podem ser observadas quando resgatamos os ensinamentos de McLuhan (1964), no que se refere ao meio e a mensagem e mesmo a “Aldeia Global”, já discutido no capítulo anterior, no que tange ao nosso comportamento quando postamos um vídeo no YouTube, ou ainda, escrevemos no Twitter. Modificamos drasticamente a forma do conteúdo e a nossa própria forma de contar a história, portanto, é fundamental dizer que sim, o meio modifica a mensagem. É verdade que quando McLuhan (1964) comentou sobre o meio e a mensagem referia-se ao advento da TV. O psicólogo Lev Vygotsky (1987) converge para o tema da criação da cultura, onde propôs modificar a própria estrutura da educação clássica, partindo do princípio que as crianças deveriam aprender a partir de suas relações sociais e de suas experiências, e assim explorar o mundo fascinante das oportunidades do aprendizado. Esta teoria ficou conhecida como socioconstrutivismo. Quando recorremos ao Google para pesquisar, ou ainda ao YouTube, consumimos conteúdos que se baseiam nas nossas experiências e interesses sociais. O mesmo fenômeno ocorre quando vamos procurar narrativas ou, ainda, pesquisar sobre determinados personagens. Castells (1999) cita que “culturas são formadas por processos de comunicação e todas as formas de comunicação são baseadas na produção e consumo de sinais”, não havendo, portanto, separação entre “realidade” e representação simbólica.

41

Jenkins (2009) possui relevância no contexto deste trabalho, por agrupar alguns conceitos importantes da comunicação e da convergência, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento de tecnologias, como a Internet. Ao invés da substituição de um meio por outro, o autor registra que as mídias convergirão, completando-se com dados adicionais, ampliando o fluxo e a troca de informações entre os usuários. Em alguns casos, a convergência poderá ocorrer através de um único aparelho, facilitando as atividades cotidianas e promovendo formas inovadoras de consumo, tanto de produtos, quanto de conteúdos. O que chama a atenção é que muito se fala na popular falácia da caixa preta. Ao analisarmos a obra de Jenkins (2009), notamos que o autor se apropria de um conceito que, posteriormente, ele mesmo discute, pois o equipamento (hardware) não é convergente, mas sim o conteúdo. As diversas formas de comunidades virtuais, a estratégia P2P (Person to Person), as comunidades móveis, a explosão dos blogs e wikis, a recente febre do Orkut e do Facebook, são prova de que o ciberespaço constitui um fator crucial no incremento do capital social e cultural disponíveis. Esta compreensão, na verdade, vem se consolidando gradativamente, desde o início da década de 1990. Rheingold (1996, p. 142) já percebia, naquele momento, que as comunidades virtuais não eram apenas lugares onde as pessoas se encontravam, mas também um meio para se atingir diversos fins, e antecipou que “as mentes coletivas populares e seu impacto no mundo material podem tornar-se uma das questões tecnológicas mais surpreendentes da próxima década”. A fronteira entre o real e o virtual é cada vez mais irrelevante. O conceito da comunicação está se modificando: para “falar” com alguém, não é necessário estar na frente dele. Você pode falar pelo Facebook, por SMS, usando o telefone, o Skype. Os nativos digitais, ou seja, a geração net se comunica assim. Isso não significa que as relações sociais não são importantes, conforme abordaremos no próximo capítulo, onde postulo os pensamentos de Tapscott (2010). Rheingold (1996), não só constatou a emergência das comunidades virtuais, como viu nelas uma relação mais profunda, motivada pela questão do excesso de informação que já caracterizava a jovem web. Este autor já detectava a existência de “contratos sociais entre grupos humanos – imensamente mais sofisticados, embora informais – que nos permitem agir como agentes inteligentes uns para os

42

outros”. O autor lembra que as comunidades virtuais abrigam um grande número de profissionais que lidam diretamente com o conhecimento, o que faz delas um instrumento prático potencial. As comunidades virtuais funcionam como verdadeiros filtros humanos inteligentes. Atualmente, são várias as análises de redes sociais que se valem da Internet para realizar mapeamentos e pesquisas. Lévy (2002) defende a participação em comunidades virtuais como um estímulo à formação de inteligências coletivas, onde os indivíduos podem recorrer para trocar informações e conhecimentos. O autor argumenta que o papel das comunidades poderia funcionar como filtros inteligentes que nos ajudam a lidar com o excesso de informação. Uma rede de pessoas interessadas pelos mesmos temas é não só mais eficiente do que qualquer mecanismo de busca (...) mas, sobretudo, do que a intermediação cultural tradicional, que sempre filtra demais, sem conhecer no detalhe as situações e necessidades de cada um (LÉVY, 2002, p.101).

Lévy (2002), está profundamente convencido de que uma comunidade virtual, quando convenientemente organizada, representa uma importante riqueza em termos de conhecimento distribuído, de capacidade de ação e de potência cooperativa. O ciberespaço pode ser compreendido como uma dimensão da sociedade em rede, onde os fluxos definem novas formas de relações sociais. A Internet é muito mais que uma tecnologia. É um meio de comunicação, de interação e de organização social. A Internet passou a ser tratada como espinha dorsal da comunicação global mediada por computadores nos anos 90 (CASTELLS, 1999, p. 490).

A tecnologia digital permitiu a compactação de todos os tipos de mensagens, inclusive sons e imagens, formou-se uma rede capaz de comunicar todos os símbolos, sem o uso de centros de controle. Hoje, existem milhares e milhares de micro redes no mundo, abrangendo todo o espectro da comunicação humana, de política e religião, a sexo e pesquisa. Na década de 90, as empresas perceberam o extraordinário potencial da web e, em pouco tempo, o www (world wide web) tomou a forma de uma rede flexível, formada por redes onde instituições, empresas, associações e pessoas físicas criam seus próprios sites, blogs e redes sociais. Este fenômeno é conhecido, hoje, como Web 2.0.

43

Atualmente, é comum encontrarmos relatos sobre crianças com seis anos programando TVs, consoles de games, vídeos e decodificadores, após algumas tentativas frustradas dos pais. As novas gerações são a autoridade neste quesito, pois dominam os novos meios tecnológicos, enquanto os adultos tentam não ser ultrapassados por eles. Em países como os Estados Unidos da América, o Japão, a Suécia e a Finlândia, a geração nascida a partir de 1979 cresceu em um ambiente em que a mídia digital é parte integrante de suas vidas. Para esta geração, é algo tão natural como a própria vida: eles brincam, aprendem, se comunicam, trabalham e se entretêm consumindo as mídias digitais, fortemente calcadas pela Internet. Tapscott (1997), em seu livro Growing Up Digital, os apelidou de “geração net”. Segundo este autor: (...) a nova geração tem um ponto forte que a outra jamais teve – esta nasceu e cresceu no meio da emergência de um meio de comunicação tão revolucionário como não havia memória desde a invenção da imprensa escrita. Enquanto as novas gerações, particularmente as crianças, assimilam e incorporam rapidamente os novos meios de comunicação, os adultos simplesmente se acomodam, exigindo deles um esforço de adaptação. Esta convivência íntima com as tecnologias confere a esta nova geração características culturais diferenciadas de outrora (TAPSCOTT, 1997, p. 91).

Quando Tapscott (1997) escreveu este livro, não existiam ferramentas sofisticadas como o Google, o Facebook ou mesmo o Twitter, mas já existia uma primeira versão da Internet, ainda muito incipiente Ele observou o comportamento dos jovens em relação às novas tecnologias e como eles já, naquela época, se sentiam confortáveis para criar novos conteúdos, participaram de maneira interativa, deixando de ter atitudes passivas em relação ao meio. Uma década depois, continuamos a viver em um ambiente onde, graças à banda larga, os jovens conseguem consumir, simultaneamente, vários meios, focando sua atenção naquilo que lhe parece interessante, naquele momento. Através de seus smartphones, eles compartilham fotos em redes sociais, enquanto assistem TV e ouvem música. Temos, portanto, um novo comportamento no público jovem: eles navegam de tela em tela, várias vezes, em uma única hora. Esta informação passa a ser importante do ponto de vista do produtor de conteúdos, pois existe uma necessidade latente de se criar histórias para diferentes mídias e, assim, manter o interesse da audiência que a todo o momento se dispersa. Através do computador, dos smartphones e até

44

mesmo dos tablets, as novas gerações jogam, descobrem e criam comunidades virtuais – grupos de jovens de todo o mundo estão ligados entre si não por uma relação de proximidade geográfica, mas por uma afinidade de interesses. Para o educador Paulo Freire (1996, p. 34), “o exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca da perfelização do objeto ou do achado de sua razão de ser”. De acordo com Tapscott (1997), a “geração net” mostra os seus trabalhos a uma ampla audiência, e dada a natureza do meio onde está exposta, o seu trabalho, a sua vida e as suas “vidas online” estão abertas à critica. Na Internet, a expressão pessoal passa a ser uma prioridade. Neste contexto, destaco o uso do Facebook no Brasil, que fechou o ano de 2012 com 65 milhões de seguidores, tornando o país a segunda maior comunidade ativa da empresa.

Figura 10. Número de usuários do Facebook no Brasil Fonte: SocialBakers (2012).

No gráfico a seguir, demostrarei a taxa de crescimento da rede Facebook no último ano, em relação a outros países.

45

Gráfico 2. Taxa de crescimento de usuários do Facebook, em 2012 Fonte: SocialBakers (2012).

De acordo com Tapscott (1997), a “geração net” encoraja a passar-se de uma orientação local ou nacional, para global. Os laços afetivos dos membros desta geração não excluem as comunidades físicas. A “geração net” acredita na tolerância pela diversidade, beneficiando a sua afirmação individual. A Internet lhes deu a liberdade de escolher o que comprar, onde trabalhar ou conversar com amigos, e até mesmo quem eles querem ser. Políticos, como Barack Obama, têm se aproveitado disso fazendo uma linha icônica de Obama. “Sim, nós podemos”, que gerou um vídeo de música, conforme mostra a Figura 11, além de várias paródias positivas que se tornaram virais. Essas três palavras: “Sim, nós podemos”, mostram a crença da geração net, que pode fazer qualquer coisa, que ninguém pode dizer não. “Sim, nós podemos” foi perfeitamente sintonizado com esta geração, assim como o símbolo da paz foi para a minha geração. Eles estão em uma busca de liberdade, criando expectativas que podem surpreender e enfurecer os mais velhos.

46

Figura 11. Eleições presidenciais dos EUA Fonte: Youtube (2013).

Tapscott (1997) aponta que a “geração net” é a nova controlada de informação. Dado o grande número de informações na Web, para não mencionar informações confiáveis de spam, phishing23, imprecisões, fraudes, golpes, estes jovens têm a capacidade de distinguir entre fato e ficção. Eles parecem ter alto nível de conhecimento sobre o mundo à sua volta e querem saber mais sobre o que está acontecendo. Eles usam as tecnologias digitais para descobrir o que está realmente acontecendo. Imagine o que aconteceria nos dias atuais, se Orson Welles narrasse a versão de rádio de Guerra dos Mundos, como o fez em 1938, quando causou o pânico generalizado em muitos ouvintes: “acredita que os marcianos de fato, desembarcaram”. Em um par de cliques, a nova geração iria descobrir que era pura ficção. É uma questão de afirmação da maturidade. A “geração net” quer ser reconhecida como mais madura. Existe um forte sentimento de independência e autonomia, o que resulta em um papel ativo que os seus membros desempenham enquanto investigadores de informação e não meros receptores passivos. O uso das mídias digitais permite a esta geração falar para os adultos de igual para igual. “Quando estou a utilizar o computador, ninguém sabe se sou ou não adulta. A partir da primeira impressão, já posso dizer-lhes que tenho 14 anos. Assim sou muito mais respeitada”, afirma Eric Mandela, uma das adolescentes consultadas por 23

Em computação, phishing, termo oriundo do inglês fishing, quer dizer pesca, é uma forma de fraude eletrônica, caracterizada por tentativas de adquirir dados pessoais de diversos tipos: senhas, dados financeiros como número de cartões de crédito e outros dados pessoais.

47

Tapscott (1997). Se observarmos as estatísticas demográficas do Facebook, no Brasil, verifica-se que esta informação se confirma, pois o maior grupo de idade é, atualmente, de 18 a 24 anos, com um total de 20.963.140 usuários, seguido pelos usuários na faixa etária de 25-34.

Gráfico 3. Distribuição de idades dos usuários do Facebook Fonte: Socialbakers (2012)

É interessante observar que as crianças com idade menor que 13 anos, por política da empresa, não podem ter perfil aberto, mas na prática, esta informação não é verdadeira. As novas gerações modificam os seus perfis para estar na rede social e podem interagir entre si. Existem algumas páginas de conteúdo exclusivamente infantis como, por exemplo, os fã-clubes de desenhos animados, como o Club Winx, Carrossel, Monsterhigh, entre outros.

Figura 12. Página do Club Winx Fonte: Facebook-Brasil.

48

Figura 13. Página do Programa Infantil Carrossel – SBT Fonte: Facebook-Brasil.

Figura 14. Página do Monsterhigh Fonte: Facebook-Brasil.

A cultura da “geração net” caracteriza-se por um forte espírito de curiosidade, de investigação e de poder de alterar coisas. Para esta geração, não é suficiente ser capaz de utilizar os links, os jovens querem ser capazes de criar seus próprios links e seu próprio conteúdo, de acordo com as suas convicções. A Internet deu à “geração net” muitas oportunidades para se divertir online. Para esta geração, a Web é a ferramenta divertida de escolhas. Nela, é possível se atualizar sobre notícias, fazer buscas no Google, verificar e-mails e mensagens instantâneas nas redes sociais.

49

Há entretenimento de todo o mundo a partir de sites, conversando com amigos na rede e com jogos online. Há nicho de entretenimento que atende aos seus interesses, como HollywoodStockExchange. com para os cinéfilos, ou StyleDiary.net para os fashionistas. Muitos jovens da “geração net” maximizam suas interações envolvendo-se em vários netivities simultaneamente, como conversar com amigos no MSN enquanto sua música toca e navegar na Internet. O canal YouTube aumenta o nível de entretenimento interativo. Os usuários carregam centenas de milhares de vídeos diários, trechos de programas de televisão que eles gostam ou conteúdos que eles criaram e convidam outros usuários a votar e comentar sobre as submissões (TAPSCOTT,1997, p. 99).

Alguns dos pontos abordados por Tapscott (1997) merecem atenção dos produtores de conteúdos e da sociedade civil como um todo. A “geração net” mudou este jogo. Eles não vão aceitar uma abordagem só de ida, ou seja, passivamente, pois eles foram imersos num mundo em que a comunicação de duas vias existe desde a infância. Esta geração é imune à publicidade ou aos conteúdos enlatados. Eles desejam participar e criar outras versões das histórias. “Eles somente darão atenção ao que acrescentar algum tipo de valor”, afirma Rheingold (1996, p. 6). Castells (1999), enfatizou o papel dos movimentos sociais na transformação da paisagem urbana com a introdução do conceito de “Consumo Coletivo” e o abandono das estruturas marxistas que sustentava, tentando justificar o papel das novas tecnologias de informação e comunicação em meio à reestruturação econômica. O autor utiliza as teorias de McLuhan (1964), que explicam o porquê da grande aceitação da televisão como mídia de massa: “lei do mínimo esforço” e “impacto social binário”. Todos precisam ter acesso à Internet para que uma “sociedade em rede”, que inclui possibilidade de participação e interação democrática entre governos e cidadãos, venha a concretizar as premissas da web. Redes constituem a nova morfologia de nossa sociedade se a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social (CASTELLS, 1999, p. 497).

50

2 A ARTE DE CONTAR HISTÓRIA

O estudo da narrativa se perde no tempo da história. Aristóteles deixou um texto principal, que continua a ser útil na compreensão de como construir uma história: a poética. As histórias que se expressam em histórias orais, romances, histórias, filmes, séries de TV, quadrinhos e até mesmo nos jogos de vídeo. Para o psicólogo Bruner24 (1960), existem duas maneiras de dar sentido ao mundo que nos rodeia: uma maneira lógica formal, baseada em argumentos, e outra narrativa, baseada nas histórias. São duas formas diferentes de pensar e entender o que está acontecendo ao nosso redor. Isso se elucida no livro de Scolari (2013), quando cita que Hélios, na mitologia grega, era a personificação do Sol, um deus que cruzou o céu a cada dia com sua carruagem de fogo; por outro lado, Copérnico comprometeu-se a encontrar uma explicação lógica para o movimento da Terra em torno de sua estrela. Para Scolari (2013), a narrativa transmídia é um fenômeno que cruza de um lado ao outro da indústria cultural: ela interessa, ou deveria interessar, os jornalistas, os publicitários e os cineastas. O autor defende que quando se refere às narrativas transmídia, não está falando de uma adaptação de uma linguagem para outra (por exemplo, do livro em um filme), mas sim de uma estratégia que vai muito além, e que desenvolve um mundo narrativo que se estende por diferentes meios e linguagens. Assim, a história se expande a partir de novos personagens ou situações que cruzam as fronteiras do universo de ficção. Esta dispersão da narrativa textual possui uma rede de personagens e situações que compõem um mundo bastante complexo. Nos últimos 50 anos, vivemos uma mudança importante de paradigma. Os meios de comunicação tradicionais reproduziam conteúdos desenvolvidos por grandes conglomerados de comunicação e os indivíduos os consumiam passivamente. No ambiente digital, temos um novo cenário onde a nova geração está acostumada a navegar pelas diversas tecnologias e a produzir e consumir seus próprios conteúdos, que são produzidos a partir da colaboração de outros indivíduos e compartilhados através das redes sociais. Ou seja, o formato narrativo vem sofrendo 24

No livro Actual Minds, Possible Words, Bruner (1960) desenvolve uma síntese da psicologia, antropologia, sociologia e filosofia contemporâneas, abordando o papel da narrativa no processo de aprendizagem e a relação entre o construtivismo cognitivo e a educação.

51

uma grande transformação, misturando-se a ficção com a realidade, criando histórias intermediárias. Em sua apresentação durante o EDTED (Encontro de Design e Tecnologia Digital), de 2012, o Prof. Dr. Luli Radfarer comentou sobre a transmídia colaborativa, citando como exemplo, o livro. O formato tradicional do livro vem sofrendo transformações, as quais acabam modificando a forma de consumo do livro, o que não quer dizer, necessariamente, que o livro irá desaparecer, mas que os novos formatos midiáticos poderão modificar, sim, o formato que o conteúdo do livro é consumido, modelando as narrativas. Em sua palestra, ele cita o caso de Harry Porter, que enquanto narrativa terminou. Mas defende que o Universo Ficcional Hogwarts é perene e deverá sobreviver por muito tempo, pois possibilita aos fãs se apropriarem da riqueza de detalhes e criarem, a partir daí, novas histórias. Ele faz, ainda, um paralelo com a Disney, referindo-se à Cidade de Patópolis, pois este universo cognitivo faz toda a diferença na audiência, que se apropria dos detalhes da cidade nos dias atuais.

2.1 SABEMOS CONTAR HISTÓRIAS?

Novamente, me submeto à experiência de fazer esta dissertação. No começo, me pareceu simples tratar sobre o assunto, mas observando algumas situações cotidianas, senti a necessidade de me amparar em algumas outras áreas de conhecimento, como a Psicologia, a Pedagogia e a própria história das comunicações. Uma das falas que ficaram registradas em minha trajetória profissional foi a questão da relevância e da simplicidade. Contamos e reproduzimos, à nossa maneira, aquilo que é relevante para a nossa vida. Guardamos em nossas memórias os contos de fadas pela sua simplicidade narrativa. No mundo das comunicações, a nossa maneira de contar as histórias mudou. No início do cinema, as narrativas eram simples e tratavam do cotidiano. Ao longo do tempo, passamos a sofisticar estas narrativas, adicionando efeitos especiais e incorporando novas tecnologias. Hoje, é praticamente impossível pensar no mundo sem a tal tecnologia. Conseguimos viver sem água um dia, quase não

52

sentimos o efeito de uma manutenção de emergência na rede de saneamento, porém, não podemos pensar em ficar sem a conexão da Internet por cinco segundos, sem esbravejar aos quatro cantos do mundo sobre as péssimas condições da rede de comunicação. Fico pensando na época feudal, quando os indivíduos tinham pouco acesso à informação e a vida era, essencialmente, baseada na agricultura. É bem verdade que naquela época, o indivíduo tinha pouco poder em suas mãos, afinal, o Estado supria tal necessidade. Após a invenção da prensa de Gutemberg, o cenário mudou: os papéis foram repensados na sociedade, colocando em cheque a própria existência do feudalismo. Veio a Era Industrial e, com ela, as mudanças passaram a ser mais rápidas. Mas de certa forma, o cotidiano mantinha um ar de simplicidade. As histórias dos indivíduos continuavam a seguir uma narrativa relativamente simples. Sim, os livros eram mais rebuscados e com termos mais complicados, a exemplo da narrativa organizada por Antoine Galland, sobre as “Mil e uma noites de Xerazade”25. Pensando bem, possivelmente se esta história fosse contada nos dias atuais, seria uma autêntica narrativa transmídia.

Figura 15. Xerazade e as mil e uma noites Fonte: Maranos Filosofia Portuguesa (2007).

O pesquisador Diólia de Carvalho Graziano desenvolveu um amplo estudo sobre o antropólogo Villen Flusser (2007), Graziano ressalta que o mundo codificado é aquele cujo significado geral da vida em si mudou sob o impacto da revolução na comunicação. Onde quer que se descubram códigos, pode-se deduzir algo sobre a humanidade. O mundo codificado que não significa mais processos, não conta história e em que viver nele não significa agir criou uma crise de valores na medida em que nós ainda continuamos sendo programados por textos. 25

Xerazade é a narradora dos contos das Mil e Uma Noites.

53

Segundo Graziano, as novas gerações já são programadas pelas imagens eletrônicas que nos circundam. Portanto, existe ainda em nós uma ignorância quanto aos novos códigos. Villen Flusser (2007, p. 137) defende: (...) senão seremos condenados a prolongar uma existência sem sentido em um mundo que se tornou codificado pela imaginação tecnológica. A decadência e a queda do alfabeto significam o fim da história, no sentido estrito da palavra.

Os estudos pedagógicos atuais propõem que as crianças, na condição de protagonistas, modifiquem a história, dialoguem com outras histórias, incluindo situações e vivências do cotidiano, tornando as narrativas relevantes e promovendo, assim, o desenvolvimento do pensamento infantil. Contar histórias pressupõe certo preparo cognitivo e habilidades de oralidade, além de sequência lógica, raciocínio linguístico, habilidades interpessoais e intrapessoais. Desta forma, entendo que é necessário mencionar a teoria de Gardner (1995) sobre as inteligências múltiplas, pois cada uma destas inteligências está relacionada com a forma do indivíduo perceber o mundo e se apropriar das histórias, criando um repertório rico a partir destas inteligências e, assim, desenvolver novas narrativas. É importante ressaltar que, para Gardner (1995), a inteligência é a capacidade de solucionar problemas ou elaborar produtos que são importantes em um determinado ambiente ou comunidade cultural. A capacidade de resolver problemas permite às pessoas abordar situações, atingir objetivos e localizar caminhos adequados a esse objetivo. A criação de um produto cultural torna-se crucial nessa função, na medida em que captura e transmite o conhecimento ou expressa as opiniões ou sentimentos da pessoa. Os problemas a serem resolvidos são os mais diversos, indo desde uma teoria científica até uma composição poética ou musical. A teoria de Gardner (1995) classifica as inteligências em sete tipos diferentes, a saber: Inteligência linguística: o indivíduo possui uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem. Esta habilidade é usada para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Gardner (1995) indica que é a habilidade exibida na sua maior intensidade pelos poetas. Em crianças, esta habilidade se manifesta através da

54

capacidade para contar histórias originais ou para relatar, com precisão, experiências vividas. Neste ponto, faço a minha primeira consideração: as crianças de hoje estão sendo incentivadas a relatar os fatos ou, ainda, a manifestar suas experiências? Acredito que este papel pertence aos pais e à escola, que devem estimular a produção de conteúdos, incentivando o hábito da leitura e da posterior discussão e entendimento do que foi apresentado, de forma lúdica e divertida, se valendo inclusive de artefatos tecnológicos para tal. De certa forma, faço um parêntese confortavelmente, pois alguns escritores e estudiosos, observando o seu cotidiano familiar, colhem informações e inspirações para os seus estudos. No final do ano passado, tive a oportunidade de presenciar uma das cenas mais interessantes da minha vida: a minha filha mais velha, com então nove anos, participou de um concurso na escola para novos escritores. A ideia do concurso era promover a releitura de contos clássicos e adaptá-los aos dias atuais pelos alunos. A minha filha, apaixonada pelo conto da Rapunzel, realizou a atividade, colocando a Rapunzel como uma jogadora habilidosa que havia sido trancada pela madrasta para ganhar um campeonato de Nintendo DS26. Sim, ela foi uma das 25 crianças ganhadoras do concurso, como melhor comédia. Um ponto merece destaque: ela também criou uma página no Facebook para compartilhar as suas histórias com seus amigos. Inteligência musical: é a habilidade para apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical. Inclui discriminação de sons, habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre, e habilidade para produzir e/ou reproduzir música. A criança pequena, com habilidade musical especial, percebe desde cedo diferentes sons no seu ambiente e, frequentemente, canta para si mesma. Esta habilidade é fundamental no aprendizado de outros idiomas. Inteligência lógico-matemática: é a habilidade para explorar relações, categorias e padrões, através da manipulação de objetos ou símbolos, e para experimentar de forma controlada. É a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer problemas e resolvê-los. A criança com aptidão nesta inteligência demonstra facilidade para contar e fazer cálculos matemáticos e para criar notações práticas de seu raciocínio. Para criar histórias, é necessário o encadeamento lógico dos fatos e acontecimentos. 26

Nintendo DS: tipo de videogame portátil, desenvolvido pela Nintendo, em 2004.

55

Inteligência espacial: é a habilidade para manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais, criar tensão, equilíbrio e composição, numa representação visual ou espacial. É a inteligência dos artistas plásticos, dos engenheiros e dos arquitetos. Nas crianças, o potencial é percebido através da habilidade para quebra-cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a detalhes visuais. Esta habilidade é fundamental para a criação de roteiros e storyboards. Inteligência cinestésica: é a habilidade para usar a coordenação grossa ou fina para artes cênicas ou plásticas no controle dos movimentos do corpo e na manipulação de objetos com destreza. A criança se move com graça e expressão, a partir de estímulos musicais ou verbais, demonstrando uma grande habilidade atlética ou uma coordenação fina apurada. Inteligência interpessoal: esta inteligência pode ser descrita como uma habilidade para entender e responder adequadamente a humores, motivações e desejos de outras pessoas. Em sua forma mais primitiva, a inteligência interpessoal se manifesta em crianças como a habilidade para distinguir pessoas, e na sua forma mais avançada, como a habilidade para perceber intenções e desejos de outras pessoas e para reagir apropriadamente a partir dessa percepção. Inteligência intrapessoal: esta inteligência é o correlativo interno da inteligência interpessoal, isto é, a habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. Esta inteligência é percebida através dos sistemas simbólicos das outras inteligências, ou seja, através de manifestações linguísticas, musicais ou cinestésicas. Novamente, a percepção cognitiva surge como um aliado nas criações de novas histórias. A juventude deve ampliar suas competências requeridas e não deixar de lado as antigas habilidades para dar espaço para o novo. De acordo com Jenkins (2009), para que as crianças consigam se envolver com a nova cultura participativa, elas devem ser capazes de ler e escrever. No processo de construção das narrativas, um indivíduo pode decidir se vai empregar a inteligência linguística como escritor, advogado, vendedor, poeta ou orador. No entanto, as culturas podem favorecer ou impedir a possibilidade de usos

56

artísticos da inteligência. As crianças em diferentes idades possuem necessidades diferentes, respondem a diferentes formas de informação cultural e assimilam conteúdos com diferentes estruturas motivacionais e cognitivas. Logo, os tipos de regimes educacionais planejados pelos educadores precisam levar em conta esses fatores do desenvolvimento. Os tipos de modelos educacionais que são oferecidos às crianças podem demonstrar a direção que elas poderão tomar, podendo ser encorajadas ou não para a perícia, criatividade etc. Em nossa sociedade pode haver modelos contrastantes sobre os usos do talento e as maneiras pelas quais ele pode ser desenvolvido.

2.2 A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO, DA SUBJETIVIDADE E DA IDENTIDADE

Há diferenças entre a narrativa infantil e a dos mitos, mas ambas se desenvolvem na forma de histórias. No mito, a narrativa é carregada de sagrado, enquanto a da criança é marcada pelo contato com o cotidiano e suas histórias. No mito e nas narrativas infantis, há elementos organizadores binários como medo/segurança, morte/vida. A psicóloga Kishimoto (2007), em seu artigo “Narrativas Infantis: um estudo de caso em uma instituição infantil”, mostra que os personagens típicos dos contos de fadas são os mediadores da narrativa. As tramas dos contos de fadas são baseadas em conceitos

como

segurança

e

perigo,

coragem

e

covardia,

esperança

e

desesperança, bem e mal, possibilitando, assim, o uso do conhecimento disponível do universo infantil, suas vivências para a compreensão do personagem, não por associação, mas por substituição metafórica, porque a mente infantil também usa tal sistema para a compreensão do mundo. Para Bruner (1986), pensar é categorizar e resolver problemas. No processo de categorização, a mente humana utiliza um sistema binário, similar ao computacional (pertencer ou não à categoria), mas vai além da informação dada, utilizando inferências e indicações do ambiente. Cada indivíduo constrói um sistema de codificação, ou seja, uma forma pessoal para agrupar ou relacionar informações sobre o mundo em constante reorganização.

57

Scolari (2013) comenta que uma das coisas que chamaram a atenção de Jenkins (2009) é que na criação das narrativas transmídia, os personagens e mundos, além de saltar de um meio para outro, muitas vezes caem nas mãos dos consumidores para continuar expandindo a partir de um meio para outro. O público de cinema, da TV, bem como os leitores tradicionais de quadrinhos ou romances, colecionam produtos de seus heróis favoritos e, no melhor dos casos, têm a esperança de montar um fã clube. Como mencionei anteriormente, alguma coisa mudou nas últimas décadas. Scolari (2013) comenta que a convergência tecnológica auxiliou os novos consumidores que passaram a se tornar prosumers (produtores + consumidores). Eles apropriam-se de seus personagens favoritos e expandem seus mundos narrativos. De acordo com Jenkins (2009), esta é outra característica que define a narrativa transmídia: usuários cooperam ativamente no processo de expansão de transmídia, quer seja escrevendo uma ficção e estando no fanfiction 27, ou ainda, escrevendo uma paródia e realizando um upload para o YouTube. Os prosumers do século XXI são membros ativos das narrativas por paixão. Segundo Morin (1989), o fã se identifica com seu ídolo e ao mesmo tempo se projeta nele, a partir dos seus desejos, do que ele gostaria de ter ou ser. Assim, uma pessoa de vida monótona se projeta em personagem que vive em meio à ação e ao mistério. Conhecendo as necessidades do público jovem, os estúdios Disney produziram a série Hanna Montana. Miley Ray Stewart é a personagem central de do seriado Hannah Montana, caracterizada por Miley Cyrus. Miley é uma adolescente normal, cujo alter ego é Hannah Montana. Secretamente, vive uma vida dupla como uma pop star famosa pelo mundo. Eles criaram uma identidade para Miley Stewart. O núcleo familiar dela consistiu dos seus pais, Robby e Susan Stewart, e de um irmão mais velho chamado Jackson. Miley decidiu participar da escola pública para ser uma criança normal, uma decisão que, às vezes, ela se vê regredindo. Por causa da sua vida dupla, ela fica em posições ruins e é forçada a mentir para manter o seu segredo. No filme, Miley se vê no dilema de terminar ou não com a identidade de Hannah Montana, por acreditar que sua vida dupla está causando alguns problemas em sua vida pessoal. Amedrontada pela imprensa, o

27

Fanfiction é a ficção criada por fãs.

58

filme retrata o momento em que a personagem revela o seu segredo aos fãs de sua cidade natal durante um show.

Figura 16. Personagens do seriado Hannah Montana Fonte: Disney Channel.

Os fãs fazem de seus ídolos a razão de viver e, muitas vezes, interferem até mesmo em seu cotidiano. No filme Hannah Montana é o alter ego de Miley Stewart. Hannah existe como uma identidade secreta, uma influente artista e cantora de música pop. Extremamente populares e muitos fãs de Hannah, não sabem que ela é uma garota adolescente normal. Miley tenta manter suas duas vidas separadas. O ídolo é sempre um referencial para seu fã. Ele se encontra acima dos mortais em um Olimpo de perfeição e beleza. Mas projeção não é suficiente. Os mitos precisam ser humanos para que o seu público possa se identificar com eles. No passado, os mitos eram criados através de histórias e narrativas orais, passadas de pais para filhos. Com o desenvolvimento da sociedade de massa, este tipo de encontro para contar história passou a ser uma raridade. As pessoas simplesmente não têm tempo de contar histórias. Os mitos, então, encontram outras formas de se difundir, como por exemplo, pelos meios de comunicação de massa. Hoje, os mitos podem ser encontrados em filmes, novelas, histórias em quadrinhos e até mesmo na web. De acordo com Morin (1989), ao redor das estrelas se instala um culto, da mesma forma como havia os cultos aos Deuses antigos. Hollywood é o novo Olimpo. O culto aos atores toma, às vezes, caráter de religião. Existem papas que são presidentes de fãs clube e até cerimônias em que os fiéis entram em estado de êxtase, como se estivessem, de fato, num ambiente religioso. Basta lembrar a histeria dos fãs no início da série de TV de Hannah Montana. Escosteguy (2001) explica que os meios massivos acabaram unificando os padrões de consumo e proporcionando uma visão nacional. Desta forma, os indivíduos

59

passaram a ser subjetivados pela produção de massa e modelados de acordo com a subjetivação disposta a eles, ditando modos de se vestir, agir e se comportar, serializando diversas atividades. As mensagens da cultura da mídia ajudam a estabelecer identidades e a formar grupos dentro da sociedade, produzindo representações que levam o sujeito a determinadas posições socioculturais, agindo através de um processo de familiarização dos textos culturais, naturalizando tais conceitos. Morin (1989) comenta que os mitos são realidades psicológicas que vivem em nosso inconsciente coletivo. São como vírus de computadores. Da mesma forma que um vírus, para sobreviver, precisa infectar outros computadores através da Internet ou de outros dispositivos, os mitos precisam passar de uma pessoa para a outra para continuarem existindo. O desenvolvimento pessoal e a emergente consciência do ego servem para criar um sentido de identidade que ajuda o indivíduo a entender quem são e qual é o seu lugar na sociedade. Segundo Morin (1989), a indústria cultural se aproveita da necessidade do homem de se projetar em mitos e transforma isso em mercadoria. A Estrela-mercadoria. A Estrela vende tudo que tenha seu nome. A começar pela pelo próprio produto no qual ela está. Um filme com Tom Hanks é sucesso garantido de bilheteria. Além disso, a Estrela vende qualquer coisa que se associe a ela. A partir dos ícones da cultura de mídia são produzidas e reproduzidas identidades e ideologias, das quais o público se apropria e reproduz, de acordo com a sua história e sua vivência. Escosteguy (2001) diz, em seu livro: “Hoje não existem somente culturas diferentes, mas também maneiras desiguais com que os grupos se apropriam de elementos de várias sociedades, combinando-as e transformando-as”. A desapropriação dos discursos, e não só a sua simples reprodução, são indícios claros que o receptor está predisposto a participar do processo de mediação e ressignificação do que lhe é oferecido pela mídia. Na TV, o EUI tenta se igualar, ao menos no seu imaginário, com a narrativa, buscando breves momentos e certa aproximação com o seu ideal, atribuindo a ela os seus sentidos e significados, incluindo-os em seu cotidiano. Neste processo de recepção e uso, o EUI torna-se proprietário deste significado e se apropria deles da forma que lhe parece melhor. Para Morin (1989, p. 8):

60

(....) a compreensão humana é o tipo de conhecimento que necessita de uma relação subjetiva com o outro, de simpatia, o que é favorecido, talvez, pela projeção, pela identificação, como ocorre quando vamos ao cinema ou lemos um romance e simpatizamos com o personagem.

As representações e os significados não são definitivos, são também temporários. Os mitos representam uma maneira poderosa, e ainda não explorada, de retratar e comunicar a essência humana. Os símbolos são uma poderosa forma de comunicação. Jung (2002) acreditava que todo o material simbólico emanava das camadas mais profundas do inconsciente coletivo, que “fala conosco” através de imagens arquetípicas. Bachofen (1992, p. 17) salienta o poder do símbolo: “a maneira do inconsciente é diferente. Os símbolos se acumulam em volta da coisa a ser explicada, compreendida, interpretada (...)”. Mesmo diante da participação da indústria cultural com relação aos processos de construção de significados, sabe-se que os roteiros não são algo fixo, mas sim em constante mutação. Desta forma, as representações e significados também não são definitivos, mas temporários. Hall (2004, p. 26) explica esta ideia: “(...) na medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e mutável de identidades possíveis, com as quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente”.

61

3 PROCESSO DE TRANSMIDIAÇÃO

Ao analisar o caso da consagrada saga de Harry Porter, à primeira vista a intenção era tratar a narrativa como mais um caso de uma adaptação bem sucedida. Livros transformaram-se em filmes. O que não estava previsto foi a imediata adoração dos fãs, que se apropriaram do universo da escritora inglesa J. K. Rowling, de uma maneira tão dramática. O sucesso da saga rendeu, em 2011, cerca de 500 milhões de cópias de livros, traduzidas em 67 idiomas. Os filmes não estão muito atrás, pois foram consideradas uma das maiores de bilheterias na história do cinema, apresentando cerca de oito milhões de dólares em receitas, em 2011. Em 2012, foram lançados 10 jogos para console de games, também baseados em episódios do livro. Como exemplo, podemos citar: “Harry Potter: copa mundial de quadribol”, no Playstation, em 2003, baseada no evento esportivo clássico que acontece no livro e na tela grande; os dois jogos da série Lego Harry Potter, resgata situações de quatro filmes integrando-os em um ambiente único jogo. “Universo do menino bruxo”, de transmídia que também inclui “O mundo mágico de Harry Potter”, uma área temática dentro do parque temático Universal, em Orlando (Flórida). Harry Porter não nasceu com a intenção de ser um projeto transmídia., haja vista que a narrativa do seu mundo, aparentemente, não sofreu grandes expansões. Por outro lado, analisando o conteúdo gerado pelo usuário, o quadro mostra-se totalmente diferente: os usuários criaram diversos fanfictions com mais de meio milhão de histórias que expandem suas aventuras. No primeiro, J. K. Rowling tentou frear as expansões não oficiais pelos leitores, mas esta estratégia mostrou-se contraproducente para o valor da marca Harry Potter. Em 2011, J. K. Rowling lançou a plataforma oficial online para comercializar versões eletrônicas de Pottermore, introduzindo novos produtos e criando uma comunidade de fãs para manter o mundo da narrativa de Hogwarts, complementando com livros impressos e filmes. A riqueza de detalhes criados na narrativa de Rowling pode despertar o imaginário do fãs por várias gerações, a exemplo do que aconteceu com Start Trek.

62

Figura 17. Capas do Game Harry Porter Fonte: CAPASDEFILMES (2013).

As novas tecnologias de comunicação, ou novas mídias, abriram-se também para as possibilidades de contar histórias, que hoje passam a ser contadas de maneiras mais complexas. Ainda existe muita confusão nos conceitos e alguns acreditam que formas de adaptações das narrativas, que utilizam alguns recursos tecnológicos, são projetos transmídia. Para elucidar este equívoco, trago alguns conceitos relevantes sobre o assunto. Adaptação pode ser entendida como recontar a mesma história em diferentes tipos de mídia, não implicando num processo de transmidiação, mas de adaptação. Diferentemente da abordagem transmídia, uma adaptação não é um projeto desenvolvido, simultaneamente, em diversas mídias, e não se destina a funcionar como uma abordagem narrativa em conjunto com outra mídia. Uma adaptação não espalha várias facetas de uma história em vários meios. Em vez disso, ela simplesmente reconta a mesma história de uma plataforma para outra. O crossmídia28 é a distribuição de serviços, produtos e experiências por meio das diversas mídias e plataformas de comunicação existentes no mundo digital e offline. É um conceito dos anos 90, envolvendo publicidade em múltiplos meios, como por exemplo o desenho animado da fada Tinker Bell, produzido pelos estúdios da Disney e que utiliza uma estratégia de marketing tradicional para desenvolver a mesma história em diferentes mídias e linguagens, criando, assim, a oportunidade

28

Crossmídia: também conhecido como cross media ou cross-media.

63

de rentabilizar a produção a cada relançamento, em novos formatos. Pode-se dizer que se trata de uma atualização de mídias: do cinema para o videocassete, depois transformada em DVD, com a inclusão de alguns complementos incorporados sob a forma de bônus, e mais recentemente, no formato Blu-ray Disc. O processo de crossmídia pressupõe uma grande exigência: é um conhecimento de estruturas de narração – o que pode ser contado melhor em texto, áudio, vídeo ou infográfico. O processo de multimídia é a combinação controlada por computador, de pelo menos um tipo de mídia estática (texto, fotografia, gráfico), com pelo menos um tipo de mídia dinâmica (vídeo, áudio, animação). Quando se afirma que a apresentação ou recuperação da informação se faz de maneira multissensorial, pretende-se dizer que mais de um sentido humano está envolvido no processo, fato que pode exigir a utilização de meios de comunicação que, até há pouco tempo, raramente eram empregados de maneira coordenada, a saber:  Som (voz humana, música, efeitos especiais).  Fotografia (imagem estática).  Vídeo (imagens em pleno movimento).  Animação (desenho animado).  Gráficos.  Textos (incluindo números, tabelas etc.) O termo multimídia refere-se, portanto, às tecnologias com suporte digital para criar, manipular, armazenar e pesquisar conteúdos. Os conteúdos multimídia estão associados, normalmente, a um computador pessoal que inclui suportes para grandes volumes de dados, os discos ópticos como os CDs (CD-ROM, MINI-CD, CARD) e DVDs. É a convergência na web usando técnicas de crossmídia.

64

Figura 18. Modelo de Brooke Thompson, fornecendo uma comparação sobre cross-media e transmídia Fonte: Grupo ESPM – Era transmídia (2012).

Um dos teóricos de produção transmídia é Pratten (2010). A partir da análise de uma palestra de Dena (2006), também teórica em transmídia, Pratten (2010) identificou alguns requisitos-chaves para documentar uma narrativa transmídia:  Indicar qual parte da história é contada por qual mídia.  Indicar o timing de cada elemento.  Indicar a forma como a audiência percorre as mídias.  Indicar o que a audiência realmente vê e faz.  Considerar a possibilidade de “transversalidade não-linear” na história.  Assegurar a continuidade entre os desenvolvedores (que podem estar trabalhando em diferentes tipos de mídia). A solução proposta por Pratten (2010), é separar a narrativa da história da experiência gerada por ela. Assim, temos duas linhas cronológicas: uma para a história e outra para a experiência. As histórias transmídias não-lineares podem ser apresentadas, graficamente, em caminhos lineares, separando a narrativa (caminho da história) da experiência da narrativa. A escala cinza indica o “tempo de experiência” da audiência: quando e quanto. A cor preta indica a revelação dos primeiros elementos da história, e a cor branca significa futuro indefinido/possível.

65

Figura 19. Cronologia da narrativa Fonte: Pratten (2010).

Na série policial da A&E, The First 48, os detetives têm 48 horas para salvar a cidade. Esta narrativa é contada em três meses. A experiência sempre se inicia com o final das últimas 48 horas e mostra as decisões feitas pelo detetive 24 horas antes. A história, então, retraça como o dia começou. Assim, temos os seguintes diagramas:

Figura 20. Cronologia da narrativa do seriado The First 48 Fonte: Pratten (2010).

O diagrama mostra a história recortando entre o final e o meio das 48 horas, com a maior quantidade de tempo dedicada às últimas horas, antes de o caso estar encerrado (final que já é conhecido pela audiência). Levando essa ideia adiante, Pratten (2010) separa as mídias em linhas temporais diferentes, de forma que seja possível ver qual mídia está sendo usada. Utilizando o exemplo acima, temos:

66

Figura 21. Evolução da narrativa Fonte: Pratten (2010).

O diagrama mostra que a audiência inicia a experiência com jogos online, mas encontra, desbloqueia ou obtém conteúdos adicionais através da Internet e celulares. Na medida em que a experiência progride para o próximo nível, vídeos na Internet tornam a mídia dominante. Com isso, sobreposicionando as mídias, ainda nos restam muitos espaços em branco, o que nos leva à conclusão de que não estão sendo utilizadas mídias suficientes para transmitir a história e a experiência. Para Jenkins (2009), a definição para a narrativa transmídia é: histórias que se desenrolam em múltiplas plataformas de mídia, cada uma delas contribuindo de forma distinta para nossa compreensão do universo; uma abordagem mais integrada do desenvolvimento de uma franquia do que os modelos baseados em textos originais e produtos acessórios. Cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa (JENKINS, 2009, p. 29).

Podemos dizer que a narrativa transmídia é uma estrutura narrativa que se expande por diversas linguagens (verbal, não-verbal e misto) e mídias (cinema, quadrinhos, videogames, televisão). É importante considerar que a simples transposição da história não garante um caráter transmidiático à narrativa, uma vez que a história

67

contada em um meio (quadrinhos) não deve ser a mesma daquela contada em outro (televisão ou cinema). Neste caso, histórias recontadas em outros meios não passam de adaptações, enquanto a utilização de múltiplas mídias para completar uma única história caracteriza-a como uma transmidiação. A teórica Dena (2006), utiliza os termos “entretenimento crossmídia” e “transficção” para referir-se às histórias distribuídas em mais de um meio. Diferentemente da “narrativa transmídia” de Jenkins (2009), em que cada acesso à franquia possui sua autonomia, de modo que não é necessário ver o filme para jogar o videogame e vice-versa, na “transficção” de Dena (2006), a compreensão de uma história depende de todos os textos espalhados por diferente meios, de forma que um único segmento nunca seria suficiente. No seu artigo “Do You Have a Big Stick?”, Dena (2006, p. 3) defende que “transmídia não é sinônimo de mídia digital, pois muitas vezes envolve ambas as mídias digitais e não digitais”. Segundo ela, um roteiro transmídia pressupõe a continuação de uma história em toda a mídia: um filme, um programa de TV, um livro, um jogo e assim por diante. Neste contexto, é importante observar que podem existir, na concepção do projeto, vários núcleos criativos, como o próprio escritor e outras equipes especializadas, que criam a partir do roteiro original outras formas de interação. Assim, teremos como um produto final uma franquia de uma história. A franquia pressupõe a existência de controles de qualidade e continuidade que blindam o conteúdo, não permitindo, portanto, a interação da audiência, mas a sua simples participação. Um criador pode ser bem versado em escrever romances e roteiros, mas não necessariamente hábil em escrever histórias que começam em uma novela e continuam em um filme, na retórica necessária para guiar seu leitor a se tornar parte da história, e até mesmo na compreensão do esforço combinado das várias plataformas de mídia (...) (DENA, 2006, p. 5).

Na opinião de Dena (2006), um projeto deve ser pensado desde o início – o que ela chama de transmídia proativa. Neste caso, a habilidade e a criatividade do escritor serão testadas, pois novos elementos deverão ser pensados estrategicamente a partir da sua concepção. Neste tipo de roteiro, pressupõe-se a criação de um documento de desenvolvimento, que dará conta de cobrir detalhes como a criação

68

do personagem, tipos de cenários, meios de comunicação e estratégias de engajamento. Jenkins (2009) esclarece que a cultura da convergência está sendo impulsionada pelo desenvolvimento e pela aplicação da estratégia transmídia. Esse novo modelo de narrativa inclui material adicional, produzido especificamente para meios complementares. O desafio dos produtores está em expandir as histórias para continuar atraindo fãs e estimulando o desejo pelo consumo. A relação do telespectador com outros meios continua sendo opcional. Por isso, os produtores intensificam as estratégias para realizar a conquista do consumidor, oferecendo múltiplas oportunidades de participação. Tal conduta tem apresentado resultados positivos ao gerar um aumento significativo no envolvimento dos usuários com produtos segmentados, constata Jenkins (2009). Os fãs foram os pioneiros a se adaptarem ao modelo transmídia, segundo o autor, por possuírem um perfil diferenciado e de não aceitarem o que recebem dos meios, sem questionamentos ou reflexão. Por isso, eles buscam constantemente participar, contribuir e compartilhar informações. Na medida em que adotam esse posicionamento, os fãs acabam apropriando-se do conteúdo e reformulando a indústria midiática. Os diversos meios usados em uma narrativa transmídia desafiam a capacidade dos EUI a compreender o significado da narrativa. Por exemplo, “uma pessoa familiarizada com a leitura de um livro pode não estar familiarizada com a leitura usando um computador” (DENA, 2006, p. 5). Manter os EUIs interessados em uma narrativa espalhada por vários meios de comunicação passa a ser uma preocupação crítica aos desenvolvedores da transmídia: quais plataformas tecnológicas devem ser adotadas e, principalmente, qual é o nível de conhecimento e apropriação tecnológica que os EUIs têm? A narrativa deve ser entendida sob a ótica de saber contar as histórias. Os roteiros devem capturar a imaginação, a atenção e, principalmente, devem ser o fio condutor entre a vida real e o universo imaginário. Se a narrativa não for consistente nesses pontos, não existirá nenhuma estratégia de transmídia que possa reparar o dano. Em “Os sete mitos da transmídia”, Jenkins (2011) defende que as abordagens inovadoras de transmídia respondem a um ambiente de mídia onde o público é recompensado em todos os lugares, proporcionando aos fãs a chance de se aprofundar nas histórias que eles amam da maneira mais conveniente. O processo

69

de criação de uma história coerente ou um conjunto de histórias através de vários meios de comunicação é importante. Um problema significativo e persistente é a criação de histórias autênticas nas narrativas transmídia. Hayes (2011) argumenta que arcos de história natural e pontes devem levar você para frente através de uma longa experiência no formato de multiplataforma.

3.1 CULTURA PARTICIPATIVA

Jenkins (2009) esclarece que a cultura da convergência está sendo impulsionada pelo desenvolvimento e pela aplicação da estratégia transmídia. Este novo modelo de narrativa inclui material adicional, produzido especificamente para os meios complementares. O desafio dos produtores está em expandir as histórias para continuar atraindo fãs e estimulando o desejo pelo consumo. Para o autor, cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game e vice-versa. Pratten (2010) toma a abordagem de que a progressão da experiência (e, portanto, o desbloqueio ou revelação de mídias que informam outra parte da história) ocorre através de duas formas de controle, denominando-as de gatilho e dependências. Assim, cada etapa ou “estado” da experiência é representado por uma série de mídias que são desbloqueadas por um gatilho e colocadas à disposição do público participante, se ele/ela conhece e satisfaz as dependências (idade, localização, tempo, rede etc.). São exemplos de gatilhos e dependências:  Tempo – mídia lançada de acordo com um calendário ou bloqueada/ desbloqueada em horários determinados (por exemplo, conteúdo disponível somente entre as 15h e 16 h).  Localização – mídia lançada somente para aqueles que estão em determinada área geográfica.  Dispositivo/Plataforma – mídia disponível apenas em celulares ou apenas em redes de telefonia patrocinadoras ou, ainda, apenas na televisão.  Conhecimento – mídia liberada somente se o participante experimentou outros

70

conteúdos primeiro.  Números de audiência – mídia liberada quando um número suficiente de pessoas estiver jogando.  Idade: maiores de 16 anos. Cada mídia desbloqueada deve ser descrita nos seguintes termos:  Tipo de mídia (áudio, vídeo, imagem, textos, interativo).  Implementação de dispositivos e dependências (áudio disponível somente através do celular).  O conhecimento da história revelado (informações, personagens, tramas, cenários, locais).

Figura 22. Evolução da narrativa transmídia Fonte: Pratten (2010).

Os EUIs estão aprendendo a utilizar as ferramentas sociais para participar ativamente da cultura da mídia, tornando-se capazes de fazer valer seu poder de escolha através de discussões em fóruns sociais e comunidades, experimentando, assim, novas formas de sociabilidade marcadas por um vinculo de pertencimento social diferente dos que foram experimentados nas mídias tradicionais do passado.

71

Lévy (2002, p. 2) afirma que esses laços sociais criados “suscitam coletivos inteligentes e valorizam ao máximo a diversidade das qualidades humanas”. O número de pessoas que assiste a série é muito maior do que o das que fazem os testes; o número de candidatos que fazem teste é muito maior do que os que vão ao ar; o número daqueles que vão ao ar é muito maior do que os que se tornam finalistas. Mas, em cada passo ao longo do caminho, os espectadores são convidados a imaginar que “poderia ser eu, ou alguém que eu conheço”. A partir daí, a votação semanal aumenta o envolvimento dos espectadores, construindo uma forte lealdade a determinados candidatos. Quando os discos são lançados, muitos dos consumidores já apoiaram os candidatos e os fã-clubes já estão envolvidos em marketing alternativo (JENKINS, 2008, p.106).

Em seu blog, Lemos (2009) argumenta que a expressão “cultura participativa” serve para caracterizar o comportamento do consumidor midiático contemporâneo, cada vez mais distante da condição receptor-passivo. São pessoas que interagem com um sistema complexo de regras, criado para ser dominado de forma coletiva. Lévy (2002, p. 32) afirma que “esses laços sociais criados suscitam coletivos inteligentes e valorizam ao máximo a diversidade das qualidades humanas”. Nosso local de trabalho tornou-se mais cooperativo; nosso processo político tornou-se mais descentralizado; estamos vivendo cada vez mais no interior de culturas baseadas na inteligência coletiva. Nossas escolas não estão mais ensinando o que significa viver e trabalhar em tais comunidades de conhecimento, mas a cultura popular talvez esteja (JENKINS, 2009, p. 178).

Jenkins (2009), em seu artigo “Confronting the Challenges of Participatory Culture”, parte do pressuposto que a cultura participativa é uma cultura com barreiras de entrada relativamente baixa para expressão artística e para o engajamento cívico. A cultura participativa pode ter um forte apoio para criar e compartilhar criações, através do qual os participantes experientes transmitem conhecimento para os novos. Na cultura participativa, membros acreditam que as suas contribuições importam e sentem algum grau de conexão social um com o outro (pelo menos, o cuidado com os outros membros e com as opiniões sobre o que eles criaram). O autor destaca alguns pontos fundamentais para que este processo aconteça: a) Afiliação: o indivíduo precisa fazer parte de sociedades formais e informais, além de comunidades on-line, centrado em torno de várias formas de mídia, como por exemplo, Facebook e MySpace.

72

b) Forma de expressões: o indivíduo produz novos formatos como: vídeos de fãs, fan fiction ou mash-ups. c) Resolução cooperativa de problemas: o indivíduo parte da premissa do trabalho em equipe, formal e informal, para concluir tarefas e desenvolver novos conhecimentos, como por exemplo, através do site Wikipedia, ou ainda, através dos jogos de realidade alternativa d) Circulação de informação: o indivíduo molda o fluxo de mídia, como o podcasting ou blogs. O grande argumento de Jenkins (2009) é que a cultura participativa nasce com as crianças nas escolas. O autor defende que as crianças aprendem brincando e se apropriam dos conhecimentos desta maneira. Através da brincadeira, as crianças experimentam papéis, manipulam recursos em seus ambientes imediatos e aprendem a explorar. Os jogos e brincadeiras facilitam a aprendizagem. Por isso, os jovens tendem a ter mais facilidade em compreender narrativas transmídia que usam os ARGS como parte da estratégia de engajamento. As crianças têm maior facilidade para se apropriar dos conteúdos, pois dominam este processo em seu cotidiano. Em uma “Era de Convergência”, os EUI se tornam caçadores e coletores de informação, reunindo várias fontes para formar uma nova síntese. Ainda de acordo com o autor, “no presente momento, as histórias mais significativas tendem a fluir em múltiplas plataformas” (JENKINS, 2009, p. 59). O processo de navegação de uma narrativa transmídia assume um formato mais abrangente. Se no passado trabalhávamos com a palavra escrita, ou falada, como a principal forma de comunicação, hoje é necessário entender a importância audiovisual e das tecnologias como um todo, pois estas ferramentas estão entrelaçadas com a cultura dos jovens. Na sociedade contemporânea, os indivíduos vivem e trabalham em um mundo visualmente sofisticado, por isso, as narrativas precisam ser sofisticadas no uso de todas as formas de comunicação, não apenas da palavra escrita.

73

3.2 O CONCEITO DE BÍBLIA TRANSMÍDIA

De acordo com Hayes (2012), a produção de uma bíblia transmídia é, acima de tudo, um documento que contém os elementos da narrativa e design chave sobre propriedades intelectuais, as regras de engajamento, os recursos e técnicas através de múltiplas plataformas e uma visão geral do plano de marketing e de negócios. O principal objetivo da bíblia transmídia é proporcionar uma visão focada nas histórias e revelar os principais pontos da narrativa e/ou os arcos de serviço em uma linguagem simples. O foco deve estar na descrição de uma história ou uma experiência envolvente. Para isso, deve-se levar em conta os seguintes pontos: Narrativa: Procura-se explorar o universo narrativo, seu contexto e principais argumentos da trama, aspectos psicológicos, núcleo de personagens, argumentos que permitam as interações dos EUIs, criação de scripts. Especificações funcionais: Muitas vezes, esta seção está escrita conjuntamente entre o produtor e a experiência de designer. Ela detalha o projeto e as interações que os EUIs irão experimentar ao longo da narrativa, além de definir elementos de interface e construir uma estrutura mais rígida em torno da história ou do serviço. Um ponto importante a ser destacado nesta fase do projeto são as normas de engajamentos que se desejam, quais as plataformas tecnológicas que suportarão tais interações e os cronogramas do projeto. As regras de usabilidade e engajamento, além dos aspectos de construção de interfaces, devem ser feitos sob a ótica do EUI.

Figura 23. Visão geral do projeto sob a ótica das especificações funcionais Fonte: Hayes (2012).

74

A viagem do EUI deve ser preparada minuciosamente. Esta viagem é um diagrama que reflete as rotas que podem ser feitas pelo espectador/usuário através da narrativa. Portanto, mostra uma experiência múltipla em uma plataforma multicanal. O diagrama abaixo mostra como estas interações são pensadas.

Figura 24. Timeline das experiências Fonte: Hayes (2012).

A Figura 24 enfatiza o call to action29 dos usuários em relação aos personagens, os gatilhos que serão disparados em termos de plataforma técnica dentro do enredo e os tempos que cada uma das ações será mostrada ao longo da narrativa transmídia. Especificações de design: Nesta etapa, são definidos wireframes30, storieboards31, guias de cores, componentes funcionais do projeto em termos de tecnologia e suporte tecnológico.

29

Call to action refere-se a uma técnica que mostra como conseguir mais interação com os EUIs. O produtor precisa pedir o que ele quer que os EUIs façam para aumentar a interação e o engajamento. 30 Um wireframe é um guia visual básico usado em design de interface para sugerir a estrutura de um site e relacionamentos entre suas páginas. 31 Storyboard são organizadores gráficos, tais como uma série de ilustrações arranjadas em sequência com o propósito de pré-visualizar um filme, animação ou gráfico animado, incluindo elementos interativos.

75

Especificações técnicas: Existe uma constante preocupação nesta etapa do projeto em função das constantes mudanças tecnológicas. A presença de um arquiteto de sistemas é fundamental para garantir a integridade técnica do projeto, assim como a arquitetura dos sistemas, a definição das plataformas e a implantação de uma boa infraestrutura para a gestão de usuários e conteúdos.

Figura 25. Exemplo de wireframe para site de projeto Fonte: Hayes (2012).

Plano de marketing: O plano de marketing deve contemplar público-alvo, formas de engajar a audiência e estratégias de ativação, modelos de negócio, projeções de orçamentos, cronogramas etc. A Figura, a seguir, ilustra a integração do plano de marketing com as demais etapas do projeto.

76

Figura 26. Time de projeto transmídia e suas interações ao longo do projeto Fonte: Hayes (2011).

Muitas vezes, os planos de negócios e marketing é um caminho natural para acabar com a produção da Bíblia, a partir da perspectiva da produção de documentos.

3.3 ENGAJAMENTO DO PÚBLICO-JOVEM Jenkins (2009) considera que a cultura participativa está emergindo como uma cultura que absorve e responde à explosão de novas tecnologias redesenhando o conteúdo em maneiras novas e poderosas. Um foco em expansão do acesso às novas tecnologias nos leva a promover as habilidades e conhecimentos culturais necessárias para implantar essas ferramentas para nossos próprios fins. Para Jenkins (2009, p. 46), “os consumidores estão lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura”: são ativos, migratórios, mais conectados socialmente, barulhentos e públicos.

77

Esse “consumidor” analisado por Jenkins (2009) é tanto o espectador de Survivor, American Idol ou Matrix, como o cineasta Quentin Tarantino, o usuário de Photoshop e o leitor de Harry Potter, como também pode ser um cidadão que frequenta a ópera ou lê histórias em quadrinhos. A convergência de mídias permitiu que estes consumidores pudessem “arquivar e comentar conteúdos, apropriar-se deles e colocá-los de volta em circulação de novas e poderosas formas” (JENKINS, 2009, p. 44). Já se sabe que as audiências mais jovens foram as primeiras a adotar novas tecnologias e novos dispositivos interativos, desde o CD-ROM interativo do final dos anos 90, até as aplicações infantis e jogos disponíveis para plataformas iPhone e tablets. As novas gerações parecem preferir experiências interativas sobre atividades passivas, como o velho hábito de sentar-se e assistir TV. A razão para isso é que, quando as crianças estão on line, preferem encontrar os personagens já conhecidos e marcas que eles assistem na TV A cultura de fã está no centro da transformação dos meios, incorporando a convergência tecnológica, principalmente no uso paralelo da televisão e da Internet, e, assim, remodelando as práticas do público. A cultura de fã estaria configurando uma audiência futura, em que toda prática receptiva estaria previamente associada a uma resposta. A hipermidialidade e a interatividade, possíveis através da convergência midiática estão no eixo dessa transformação como “fanificação” (MUNARI, 2011, p. 131).

Nuno Bernardo, em uma entrevista realizada no final de 2012, sugere que o sucesso de uma estratégia transmídia para as novas gerações, com foco especial para projetos infantis, deve considerar a TV como centro da estratégia de implantação. Ele comenta que a TV ainda é um meio de comunicação chave para criar exposição e estabelecer credibilidade para a sua marca, mas a combinação de TV com experiências online e móvel permite aos produtores ampliar a exposição de sua marca. O Club Penguin, da Disney, foi capaz de criar uma marca de entretenimento para o público jovem, sem a necessidade de um programa de TV. Bernardo (2011) alerta que a maioria das crianças não vai para a Internet para pesquisar e encontrar conteúdo, como os adultos fazem. Eles vão a lugares que eles já conhecem. Na maioria das vezes, aos websites, sua emissora favorita. Construir o reconhecimento da marca de uma propriedade transmídia infantil é muito mais difícil do que construir uma base de fãs de adolescentes ou jovens adultos. Bernardo

78

(2011) argumenta que um episódio de 11 minutos na TV pode levar as crianças para o ambiente online, onde poderão jogar, fazer parte de uma comunidade online ou participar de serviço baseado em envolver-se numa experiência interativa para 20 ou 30 minutos. A exposição na TV permite que o produtor de conteúdo transmídia construa uma comunidade de fãs. Outro desafio que deve ser vencido, quando falamos do público infantil, é a necessidade de convencimentos dos pais, pois eles são os únicos que estão habilitados a “comprar” o conteúdo. Ou seja, é necessário conquistar e ganhar a confiança dos pais. Uma boa estratégia é utilizar o apelo educacional para fazer com que estes comprem a ideia do conteúdo e ajam como promotores, como é o caso do sucesso brasileiro “Galinha Pintadinha”, que resgata em seu ecossistema cantigas e músicas do folclore brasileiro. A franquia, hoje, possui além das músicas, DVDs, aplicativos para o celular, tablets e uma vasta gama de produtos que vão de bonecos até a produção teatral. Acredito que o caso da “Galinha Pintadinha”, apesar de ser um enorme sucesso junto ao público infantil, ainda não seja um caso de narrativa transmídia e sim de adaptação de conteúdos.

Figura 27. Galinha Pintadinha – a) Teatro Turnê Oficial; b) Cena de DVD Fonte: Site da Galinha Pintadinha (2012).

Por outro lado, as emissoras locais e especializadas em conteúdos infantis, bem como os grandes conglomerados como Cartoon Network, Disney ou Nickelodeon, sabem que para competir no mundo online é necessário desenvolver sites e jogos interativos. São gastos, anualmente, milhões de dólares com jogos interessantes e experiências interativas. Estes conglomerados seguem procurando por provedores de conteúdos para agregar valor à sua estratégia. Portanto, os produtores de transmídia podem oferecer um programa de TV com o conteúdo online adicional e uma experiência totalmente imersiva transmídia, criando, assim, uma marca de

79

entretenimento que possa gerar receitas em diferentes plataformas. Jenkins (2009), em seu livro Confronting the Challenges of Participatory Culture, define que a cultura participativa, neste momento, está baseada em alguns pilares culturais onde não existem barreiras. Nem todos os membros devem contribuir, mas todos devem acreditar que são livres para contribuir e que o que eles contribuem será adequadamente valorizado. Enquanto que para os adultos a Internet significa, principalmente, a world wide web, para as crianças significa bate-papo, e-mail e jogos. Aqui, as crianças já são produtoras de conteúdo. Muitas vezes negligenciada, exceto como uma fonte de risco, estas atividades de entretenimento focadas em comunicação estão dirigindo emergente alfabetização mediática. Através de tais usos, as crianças são mais engajadas, realizam várias atividades simultâneas, tornando-se proficientes em navegação, a julgar pela sua participação e de outros. Em um mundo assim, alguns usuários deverão apenas observar, outros irão estudar e outros, ainda, vão dominar as habilidades que são mais valorizadas dentro da comunidade. A própria comunidade, no entanto, fornece fortes incentivos para a expressão criativa e participação ativa. “A cultura participativa muda o foco da alfabetização de indivíduo expressão para o envolvimento da comunidade” (JENKINS, 2009, p. 7).

3.4 PRODUÇÕES TRANSMIDIÁTICAS BEM SUCEDIDAS

A televisão, ao longo de sua história, passou por uma série de modificações em termos tecnológicos que alteraram a relação dos telespectadores com o meio. Desde a implantação em preto e branco até o desenvolvimento da cor, o uso do controle remoto, o videocassete e, atualmente, as transmissões digitais foram necessárias mudanças na postura do receptor em relação à televisão. A narrativa transmídia tornou-se uma estratégia comum na ampliação da presença de produções televisivas norte-americanas, principalmente porque as audiências têm procurado cada vez mais por entretenimentos adicionais. A premissa básica da narrativa transmídia é que, ao invés de se utilizar múltiplos canais de mídia

80

simplesmente para recontar a mesma história, utilizam-se estes canais, suas comunidades e suas funções para comunicar diferentes elementos de uma mesma história. Seu sucesso reside na fragmentação da narrativa de forma que cada plataforma faça o que faz de melhor. Quando empresas como a Fox, a Disney e a ABC decidem apostar na narrativa transmídia, elas não estão apenas criando novos produtos, mas acrescentando-lhes conteúdo e permitindo que o consumidor interfira nessa produção, através da abertura de canais com seu público. Foi assim com o seriado Heroes, cuja narrativa foi transposta, quase que simultaneamente à sua exibição na tevê, para histórias em quadrinhos e Internet, provocando a criação de inúmeras comunidades na rede que demandavam outras formas de estar em contato com a narrativa. Um dos primeiros websites a inventar uma extensão fictícia profunda de um programa televisivo foi criado em 1996, para a série dramática da ABC, The Practice, sobre uma empresa de advocacia de Boston. Em 2005, a ABC lançou o seriado Lost, que foi aclamado como um dos shows mais inovadores e emocionantes na televisão. De muitas maneiras, Lost também foi inovador na “era da convergência”, abrangendo as novas tecnologias como ferramentas para a descoberta, em vez de ameaças à propriedade intelectual. Em 2005, a Disney criou um novo precedente, oferecendo downloads de Lost no iTunes. Dentro de um ano, a série vendeu mais de seis milhões de dólares de downloads e também foi transmitida a partir do site da ABC. Os fãs foram os pioneiros a adaptarem-se ao modelo transmídia, pois possuem um perfil diferenciado e não aceitam o que recebem dos meios sem questionamentos ou reflexão. Portanto, eles buscam, constantemente, participar, contribuir e compartilhar informações. Na medida em que adotam este posicionamento, os fãs acabam apropriando-se do conteúdo e reformulando a indústria midiática. A cultura de fã está no centro da transformação dos meios, incorporando a convergência tecnológica, principalmente no uso paralelo da televisão e da Internet, e, assim, remodelando as práticas do público. Hoje, o EUI de uma série é tão dono da história quanto seus criadores. Diante disso, cada canal e/ou cada programa cria uma forma de “fisgar” a atenção do público. Um bom exemplo disto é o seriado Castle, que conta com um personagem rico, que facilmente transpõe suas experiências em outras mídias como os livros, o website e

81

as redes sociais. Todos os elementos foram desenvolvidos com o intuito de recompensar e agradar o fã, e fazer dele o maior e mais fiel defensor do reality. Os produtores do reality notaram a necessidade de conquistar o espectador no final da primeira temporada e, hoje, colecionam uma das comunidades de fãs mais fiéis da TV americana. Castle é uma série de televisão americana da comédia-drama transmitida pela ABC e produzida pela ABC Studios. Nathan Fillion interpreta “Rick Castle”, que é um escritor de livros policiais e que foi atormentado com bloqueio de escritor após matar seu personagem principal popular. Ele, então, viu-se envolvido em um caso de um assassino copy-cat, recriando cenas dos assassinatos de seus romances, investigado por NYPD Detetive Kate Beckett. Castle descobre uma nova fonte de inspiração para ele e logo se infiltra nas investigações de Kate Beckett, proporcionando-lhe a oportunidade de usar seu conhecimento e habilidades para ajudar a resolver assassinatos.

Figura 28. Site do seriado Castle e livros publicados Fonte: CASTLE & BECKETT BRASIL (2012).

No final da primeira temporada, ele acaba criando o livro Naked Heat, inspirado em Beckett. O livro de Castle – Naked Heart, escrito durante a primeira temporada do seriado, foi lançado como uma narrativa-chave no curso do arco histórico do seriado e, ao mesmo tempo, como um livro real, publicado pela editora Hyperion. O livro entrou na lista dos mais vendidos, de acordo com o jornal The New York Times. A ABC divulgou, em seu site, a primeira metade do romance em incrementos. O romance completo foi publicado em setembro de 2009 como uma capa dura, estreando em 26º lugar como Best Seller do The New York Times. Na sua quarta semana, Heat Wave entrou na lista Top 10, ocupando o 6º Lugar. Naked Heat, a

82

sequência de Heat Wave, foi lançado em 28 de setembro de 2010. Naked Heat estreou em 7º lugar na lista do jornal The New York Times como Best Seller, usando a mesma estratégia de Heat Wave. A TV ABC lançou, então, uma série de primeiros capítulos online, como uma ferramenta promocional. Um terceiro romance intitulado Heat Rises foi programado para ser lançado em setembro de 2011. Durante a terceira temporada, a ABC introduziu uma graphic novel baseada no personagem Castle – Richard Castle's Deadly Storm, que foi publicada pela Marvel Comics, em 2011. A série, atualmente, conta com uma audiência superior a 100 milhões de EUIs no horário nobre, sendo uma das maiores audiências da ABC nos últimos 14 anos. Castle possui uma série de fanpages, além de uma página no Twitter com mais de 200 mil seguidores, mantendo o seu público a par de seu dia-a-dia, bem como coisas que ele acha interessante no personagem.

Figura 29. Site da Comunidade de Fãs do Seriado Castle, no Brasil Fonte: CASTLE & BECKETT BRASIL (2012).

Outra série de sucesso que foi lançada no Brasil é “Castigo Final”. Trata-se do primeiro seriado interativo transmitido para um celular. A narrativa conta a história da luta de oito desconhecidas para sobreviverem dentro dos muros sombrios de um presídio. Beth (38), Carmen (35), Rose (47), Márcia (32), Dalva (30), Kátia (29) e Selma (18), todas condenadas por crimes violentos, compartilham uma ala no Presídio Feminino de Segurança Máxima Ivo de Kermartin. Considerado o presídio do futuro, todo o sistema de vigilância e controle interno é informatizado, não deixando espaço para falhas ou possibilidades de fuga. Lá, as sete detentas pagam

83

suas penas em uma rotina normal, até que dá entrada ao presídio a oitava detenta: Tânia (43), ex-policial, presa por violência e abuso de autoridade. Depois de conquistar a primeira nomeação brasileira para o Digital Emmy Wards/2009 e de uma nomeação para um Rose d’ Or/2009, a série “Castigo Final” foi produzida pela beActive para a Oi TV, conquistando o prémio “Best Internacional Format Awards” na categoria de melhor formato multiplataforma, em Cannes/2010.

Figura30. Chamada de Castigo Final – série brasileira apresentada na operadora de celular Oi Fonte: Rabelo (2013).

Os conteúdos audiovisuais apresentados no celular eram vídeos de 38 segundos, tempo estabelecido pela operadora Oi para ter uma maior cobertura de aparelhos capazes de suportar estes vídeos. Foram produzidos oito vídeos para o celular com uma edição dinâmica, rápida e focados, cada um deles, em uma determinada personagem. Tratavam-se de flashs de imagens que davam uma noção de quem eram as personagens, de várias cenas ao longo dos episódios, ao longo da história toda. Tinham uma função de complementar a narrativa, pois apresentavam cada uma das personagens em breves flashs das suas histórias, vidas e fichas pessoais. Também funcionavam como uma forma de atrair o público que via os vídeos pelo celular para assistir aos episódios na TV e acessar o site do seriado.

84

CONCLUSÃO

As experiências transmídias não são algo particularmente novo. Considere uma ópera, um musical, uma saga de Hollywood ou um parque de diversões. Todos eles fornecem uma experiência formada através das múltiplas mídias: visão e sons, movimento e emoção. No entanto, todos eles envolvem um responsável pela transmissão dessa experiência e uma audiência passiva. A criação não é algo novo. Artistas e artesãos criam. Artistas amadores e músicos criam. Jogadores de videogames criam. Mas em todas essas atividades, ainda existem criadores e receptores. Além disso, a criatividade é, frequentemente, limitada pelo desejo do criador. Atualmente, quando os programas televisivos demonstram aspirações transmídias, eles são, na maioria das vezes, produzidos pela divisão de marketing de uma rede. Os realitys shows foram um dos primeiros formatos a experimentarem a narrativa transmídia. Por exemplo, a edição de 2001 do Big Brother do Reino Unido foi disseminada em nove plataformas diferentes: difusão territorial; televisão digital interativa; Internet; celulares; telefones fixos; áudio; vídeo; varejos de livros e tablóides. As narrativas transmídias já ultrapassaram a fase experimental e podem ser encontradas em qualquer gênero, desde ficção científica (The Matrix), a comédia (High School Musical), thriller (24), terror (A Bruxa de Blair) e fantasia (Senhor dos Anéis). Inicialmente, a interação com o conteúdo das mídias era facilmente controlada pelas empresas, mas ao se tornar um local de participação do consumidor, a web transformou-se em visível para a atividade cultural participativa, obrigando as indústrias a enfrentar as implicações em seus interesses comerciais (JENKINS, 2009). As novas tecnologias permitem uma ampliação da criatividade, seja por motivos fúteis ou sublimes. Mensagens de texto no celular ou curtas-metragens são qualificadas como produções, independentemente do seu valor. Este novo movimento gira em torno da participação e criação, sendo a participação um dos elementos procurados nas experiências transmídias. Nesse sentindo, é relevante pontuarmos a diferença entre os termos “interatividade” e “participação”. O telefone celular remete a comunicação bidirecional e recíproca.

85

Sendo assim, para falar com alguém precisaríamos chegar à sua presença. Isso implica superar distâncias – a pé ou por meio de transporte. Significa, também, uma coordenação temporal – precisamos estar onde o outro está no mesmo momento. Estamos diante de um fenômeno que nos força a pensar diferentemente a maneira como nos organizamos em grupos e comunidades. Os usuários, cada vez mais conectados, exigem novos meios, como a Internet, telefones celulares e outros tipos de dispositivos com velocidade e disponibilidade ao acesso de informações em tempo real. Existe uma enorme necessidade de se criar um alter ego – avatares como identidade própria, que vão além de soluções inovadoras para atender as suas necessidades. O nosso é um mundo inteiramente novo de simultaneidades. O “tempo” cessou, o “espaço” sumiu. Vivemos agora numa aldeia global, num acontecer simultâneo. Estamos de volta ao espaço acústico. Recomeçamos a estruturar o sentimento primordial, as emoções tribais das quais fomos separados por alguns séculos de comunicação escrita (McLUHAN, 1964). As diferentes tecnologias de comunicação (televisão, videogame etc) possibilitam diferentes graus de interatividade, no entanto, as restrições de interatividade são também tecnológicas. A TV digital, por exemplo, mudou nossa interação com a televisão. A interatividade, vista como potencial de mídia para responder ao feedback do consumidor, é controlada pelos produtores de mídia, sendo previamente determinada por um designer. Já a participação, vista como forma de engajamento do público, é mais ilimitada, sendo moldada pelos próprios consumidores de mídia, devidos protocolos sociais e culturais. Interagir com as mídias em circunstâncias controladas não é o mesmo que participar na produção e distribuição autorizadas de bens culturais. Uma das formas de interatividade controlada pelas mídias é o jogo de realidade alternativa (ARG). De acordo com Jenkins (2009), a utilização desse tipo de jogo é uma das estratégias transmídia mais comuns, como acontece em Heroes, Lost e Torchwood. Os jogos também não são uma novidade da narrativa transmídia, podendo existir separadamente a qualquer produção televisiva ou cinematográfica, porém, é o seu caráter de interatividade que o torna tão importante para uma franquia. Os jogos de realidade alternativa são chamados também de “narrativa interativa”. Jeff Gomes (2012) comentou durante o seu seminário no Fóorum Era Transmídia, que a

86

“transmídia pode estender-se socialmente aos mais profundos objetivos: a transmídia nos dá uma nova maneira de vender coisas”, admitiu, “mas também nos dá uma nova maneira de controlar o que queremos dizer”. É interessante verificar que nos últimos meses, diversos meios de comunicação, no Brasil e em outros países do mundo, estão tratando de conceituar na prática o que é transmídia. De acordo com a empresa Seize The Media, transmídia é “o” formato dos formatos. É uma abordagem para a entregar histórias que agregam audiências fragmentadas, adaptando produções para novos modos de apresentação e integração social. A execução de uma produção transmídia entrelaça histórias diversas, através de múltiplos canais, como partes de uma estrutura narrativa abrangente. Estes elementos são distribuídos em pontos tradicionais e novos meios de comunicação. Os componentes online exploram as convenções e locais sociais da Internet. Esta definição faz sentido e de certa forma sumariza de maneira objetiva o conceito. Um contraponto a esta definição traz à tona outra questão: nós sabemos contar histórias? Sem dúvida, este processo narrativo deverá ser melhor explorado e de certa forma desmistificado. Na minha opinião, embora existam alguns laboratórios com experiências bem sucedidas, ainda há um vasto campo a ser explorado Estamos em uma fase de semeadura, cujo processo precisa ser amadurecido e melhor compreendido. Métricas precisam ser melhoradas, orçamentos devem ser repensados. O processo de comunicação passou a ser personalizável, conforme as necessidades dos indivíduos que a consomem diariamente, através de um simples toque na tela de uma interface online: o celular que se transformou em um elemento de mídia. O celular está inserido também sob um aspecto social e interativo, a segmentação estratificada do consumo, que está implícita nestas estratégias de marketing. Ao compartilhar conteúdos, os usuários também auxiliarão a divulgar as marcas que estão vinculadas. A privacidade e liberdade na Internet são termos conflitantes no âmbito do ciberespaço. Faz-se necessária uma redefinição do conceito de privacidade e liberdade no âmbito da Internet e das redes sociais, pois tais conceitos, nos dias atuais, simplesmente não existem.

87

Há que se considerar que a Internet e as redes sociais possibilitam a criação de relacionamentos ou laços frágeis que se mantêm por um período e que, dificilmente, se manteriam no mundo real. As pessoas se sentem muito mais confortáveis para postar comentários ofensivos anonimamente. Pessoas sentem-se confortáveis em tornar-se “amigo íntimo” de desconhecidos. Os comportamentos do mundo real não são replicados da mesma maneira e com a mesma virtuosidade que ocorrem no mundo virtual. A explosão das comunidades virtuais parece ter se tornado um verdadeiro desafio para a nossa compreensão. Na Internet, os usuários, habituados com a tecnologia digital e sua linguagem específica, revelam preferências e tendências de consumo. Desta forma, a Internet apresenta a possibilidade de testar opções que poderão, no futuro, serem adequadas até mesmo aos meios tradicionais, como a televisão e ao cinema. Há muito ainda a se aprender sobre a formação de redes sociais, a afluência de ideias e informações por meio de associações humanas no ciberespaço. É necessário entender o que está acontecendo! É preciso entender o contexto. De fato, a falta do nosso entendimento sobre o contexto faz com que tenhamos a percepção de estar vivendo algo novo. Algumas situações vividas nos dias de hoje não são novas, mas sim releituras de análises complexas feitas a partir de uma visita ao passado, como McLuhan (1964) e outros grandes pensadores citam. Neste contexto, as narrativas transmídia podem ser entendidas como novos valores a serem desenhados ou um processo que está sendo retomado e modificado ante as novas tecnologias? O primeiro passo desta trajetória é voltar alguns passos para trás e revisitar “velhos” conceitos de valores como, por exemplo, a própria forma de contar histórias. Devemos ensinar as novas gerações a contar as histórias e incentivá-las a fazer isto, entendendo que estas gerações são nativos digitais, ao contrário da minha geração, de imigrantes digitais, que aprendem a “duras penas” a compreender o processo da comunicação digital. Novas linguagens foram criadas e rapidamente adotadas pelas novas gerações, que já não encontram mais as barreiras de adoção vividas por nós no passado. Surge a necessidade de repensar o modelo da comunicação massiva de mídia, de marcas e produtos que sejam relevantes e convenientes sob a ótica de quem as consome. É hora de propor modificações de formatos e expandir as possibilidades, ou seja, de “pescar fora do aquário”. Podemos nos apropriar das tecnologias

88

vigentes e pensar em novos formatos que explorem as potencialidades da tecnologia e surpreendam aos EUIs. As narrativas transmídia podem e devem ser entendidas como uma forma de apropriação do conteúdo, na tentativa de repensar o mercado de conteúdos, explorando, assim, novos formatos e novas possibilidades. Por último, faço uma constatação: McLuhan (1964) estava certo: sim, o meio muda totalmente a mensagem e a nossa forma de lidar com ela. Apesar de não ser especialista em Psicologia, e me apropriando do aprendizado que fiz durante esta investigação, alguns formatos que tangem a educação e a forma de aprendizado também estão sofrendo o mesmo processo de contextualização. As observações de Gardner (1995) são similares às feitas por Tapscott (2012; 2010; 1997), ao explorar as múltiplas inteligências, as apropriações das novas gerações e ao adotar o uso das tecnologias. Em última análise, isto vem sendo discutido desde o começo do século passado por Bruner (1960) e a sua teoria construtivista. Esta linha construtivista parte do pressuposto que o aprendizado consistente parte da apropriação do conteúdo aprendido, fazendo com que as novas gerações tornem-se engajadas do seu aprendizado. Quando observamos situações como as citadas neste estudo, que aconteceram com a minha filha, fica notório que existe uma forte preocupação na formação do indivíduo consciente e que a partir de seu repertório passa a desenvolver novas narrativas. A natureza ativa e social do engajamento da juventude nas novas mídias defende uma abordagem etnográfica que analisa não apenas o conteúdo dos meios de comunicação, mas também as práticas sociais e contextos em que o engajamento da mídia está incorporado.

89

REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

BACHOFEN, J. J. Myth, religion and mother rights, select writings of JJ Bachofen. Nova Jersey. Universitty Press, 1992. BERNARDO, N. Como financiar um projeto transmídia, 2012. Vídeo. Disponível em: . Acesso em: 22 jan. 2013, 16h20. ________. The Producer's Guide to Transmedia: how to Develop, Fund, Produce and Distribute Compelling Stories Across Multiple Platforms, BeActive Books. Lisboa, 2011. ________. Transmídia infantil, 2011. Disponível em: . Acesso em: 26 fev. 2013, 14h35. BOL FOTOS. Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2013, 23h. BRUNER, J. B. Acts of meaning. Jerusalem, Harvard Lectures, 1986. ________. The process of education. Cambridge: Harvard University Press, 1960. BRUNER, J. B.; GOODNOW, J. J.; AUSTIN, G. A. A study of thinking. New York: John Wiley & Sons, 1956. CAPASDEFILMES. Harry Potter for Kinect, 2013. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2013, 19h20. CASTELLS, M. A sociedade em rede: a era da informação – economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ________. Entrevista, 2007. Disponível em: . Acesso em: 13 jan. 2012, 10h15. CASTLE & BECKETT BRASIL, 2012. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2013, 19h54. CASTLE. Série TV Twiter e Castle. Disponível em: . Acesso em: 07 ago. 2011, 18h58. DENA, C. “How the Internet is Holding the Centre of Conjured Universes”. Paper presented at Internet Research 7.0: Internet Convergences, Association of Internet Researchers. Brisbane, Queensland, 27-30 September 2006. DISNEYCHANNEL. Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2012, 20h30. DRSKA, M. Base mundial de smartphones supera 1 bilhão de unidades. Jornal Valor Econômico, 17 out. 2012. Disponível em:

90

. Acesso em: 17 out., 19h21. EDWARDS, P. Miley Cyrus: eu & você – a estrela de Hannah Montana. São Paulo: Novo Conceito, 2008. ESCOSTEGUY, A. C. Cartografias dos estudos culturais: uma versão latinoamericana. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. FLUSSER, V. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. Trad. Raquel Abi-Sâmara. São Paulo: Cosac Naify, 2007. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica da educação. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Trad. Maria Adriana Verissimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 1995. GESER, H. Patterns of multi-channel communication among older tens, 2004. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2012, 8h. GOMES, J. Entrevista, 2012. Disponível em: . Acesso em: 26 jun. 2011, 13h45. GOOGLE MOBILE LEADS. Gráficos sobre uso de tablets. Disponível em: . Acesso em 27 jan. 2013, 19h. GOOGLE RESEARCH. Understanding Cross platform Consumer Behavior, 2012. Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2012, 10h24. GOSCIOLA, V. A máquina de narrativa transmídia: transmidiação e literatura fantástica. Rev. Comunicación, n.10, v.1, año 2012, pp.131-139. ________. Roteiro para as novas mídias: do cinema as mídias interativas. São Paulo: SENAC, 2003. ________. Narrativa transmídia: a presença de sistemas de narrativas integradas e complementares na comunicação e na educação. IV Encontro Nacional de Hipertexto e Tecnologias Educacionais. Universidade de Sorocaba, 26 e 27 set./2011. Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2013, 19h. GOSCIOLA, V.; VERSUTI, A. Narrativa transmídia e sua potencialidade na educação aberta. In: OKADA, A. Open Educational Resources and Social Networks: Co-Learning and Professional Development. London: Scholio Educational Research & Publishing, 2012. Disponível em: . Acesso em: 02 jan. 2013, 14h35. GRAZIANO, D. C. Flusser, seu mundo codificado e o design. Disponível em: . Acesso em: 27 jan. 2013, 20h37. GRUPO ESPM. Era transmídia. Disponível em: . Acesso em: 02 jan. 2013, 14h35. GUIAR, M. E. As ideias de Bruner: “De La Revolución Cognitiva” A La “Revolución Cultural”. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2012, 16h54. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. HAYES, G. E-Book Cómo escribir una Biblia Transmedia Una plantilla para productores multiplataforma. Traducción de Eduardo Prádanos Grijalvo a partir del documento original de Gary P Hayes, diciembre 2012. Disponível em: . Acesso em: 02 jan. 2013, 18h44. ________. Gráfico, 2011. Disponível em: . Acesso em: 24 jan. 2013, 17h09. INJU, K. L. Transmedia, 2011. Disponível em: . Acesso em: 13 jan. 2013, 23h. INSTITUTE FORRESTER. The tablet-TV connection, 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2012, 16h55. INSTITUTO NIELSEN. Disponível em: . Acesso em: 23 dez. 2012, 14h19. IPSOS OTC Media Ct. Estudo encomendado pelo Google em maio de 2012, intitulado Our Mobile Planet Brazil ptbr. Disponível em: . Acesso em: 27 jan. 2013, 18h34. ISAACSON, W. Steve Jobs. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ISTOÉDINHEIRO. Apagão na web: sites ficam fora do ar em protesto, 2012. Disponível em: . Acesso em 27 jan. 2013, 18h. JENKINS, H. Confronting the Challenges of a Participatory Culture, 2006. Disponível em: . Acesso em: 03 jan. 2013, 21h05.

92

JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Vozes, 2002. KISHIMOTO, T.; SANTOS, M. L.; BASILIO, D. Narrativas infantis: um estudo de caso em uma instituição infantil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, n.3, p. 427-444, set./dez. 2007. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2012, 10h20. LAMARR, H Sistema de celular desenvolvido por Lamarr, 2001. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2011, 11h51. ________. Bibliografia. Disponível em: e . Acesso em: 20 mai. 2011, 11h21. LEMOS, A. A convergência midiática na visão de Henry Jenkins, 2007. Disponível em: . Acesso em 26 jul. 2012, 19h39. ________. Ciberespaço e tecnologias móveis: processos de territorialização e desterritorialização na cibercultura. In: MÉDOLA, A. S.; ARAÚJO, D.; BRUNO, F. (orgs.). Imagem, visibilidade e cultura midiática. Porto Alegre: Sulina, 2009 LÉVY, P. Cyberdemocratie. Paris: Odile Jacob, 2002. LING, R. Mobile communication and mediate ritual. In: Communications in the 21st Century, Budapest: K. Nyiri, 2007. MARANOS FILOSOFIA PORTUGUESA. As mil e uma noites de Dinarzade, 2007. Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2013, 13h50. McCRACKEN, G. Cultura & consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Trad. Fernanda Eugenio. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003. ________. Vídeo. Disponível em: e . Acesso em: 27 nov. 2012, 20h09. McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1964. MORIN, E. As estrelas: mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989. MUNARI, A. P. Do leitor invisível ao hiperleitor, 2011. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2012, 14h18.

93

OBAOBA. IPhone, 2013. Disponível em: . Acesso em: 04 jan. 2013, 16h25. PHONEARENA.COM. Infográficos sobre a evolução dos smartphones. Disponível em: . Acesso em: 28 jan. 2013, 18h39. PORTAL INFO, 2013. Dados coletados do Portal Info. Disponível em:
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.