Novas políticas públicas para as novas mídias

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Novas políticas públicas para as novas mídias Lucas Rohan

Artigo de conclusão da disciplina de Políticas e Estratégias Públicas para a Comunicação Social do Mestrado em Novas Mídias e Práticas Web

Maio, 2016

Lucas Rohan, supported by the Erasmus Mundus Action 2 Programme of the European Union.

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Resumo Em um ambiente de profunda transformação no modo como os cidadãos se comunicam, os governos têm se apressado em não perder o bonde da história e promover políticas voltadas para o digital. Grande parte dessas iniciativas subutilizam a Internet como mera extensão de outros canais de comunicação já existentes ou focam na promoção de um ambiente de igualdade de acesso às novas tecnologias, duas vertentes compreensíveis e necessárias, mas não suficientes. Observa-se em Portugal uma série de publicações recentes que tratam do tema, incluindo estudos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre os hábitos de consumo e o enquadramento dos novos media. Esses estudos sugerem a existência de um novo ambiente a ser explorado e apresentamos nesse artigo a exposição dos motivos para comprovar a necessidade de se pensar em políticas públicas para os novos media levando em consideração seu alto potencial de interatividade. A Internet é um vasto campo de experimentação de políticas e uma das vertentes mais facilitadas por essas conexões virtuais é a da abertura da governança para uma maior interferência dos cidadãos através da rede.

Palavras-chave Políticas públicas; comunicação; novos meios; interação.

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As transformações trazidas pela evolução da tecnologia têm afetado praticamente tudo o que fazemos. Desde os pequenos e corriqueiros atos do dia-a-dia até procedimentos mais complexos como a organização e operacionalização da nossa vida financeira não são feitos como antes. Esse “antes”, porém, é flexível, maleável. A rapidez da evolução digital nos apresenta novidades a todo o momento e continua transformando nossos hábitos diários. Quando restringimos um pouco a abrangência do nosso exercício de observação para a comunicação, essa velocidade da evolução das ferramentas digitais aumenta consideravelmente. Talvez a forma como consumimos e transmitimos informação seja a mais afetada por essas transformações tão velozes e, nesse campo, quando nos referimos ao “antes” ao dizer que não temos os mesmos hábitos de antes, ele pode ser breve. A cada ano, novas formas de se comunicar são experimentadas por mais pessoas, num processo comumente chamado de “inclusão digital”. Ela acontece quando são oferecidas aos cidadãos as condições para aderir às novas tecnologias da informação através de políticas públicas que em muitos casos contribuíram para acelerar o já natural processo de digitalização do mundo. A introdução, por exemplo, de uma cobertura total de comunicação digital em redes de banda larga é fator condicionante para as coisas acontecerem dentro de um modelo de redes ou para a transformação virtual ao longo da vida, mas a introdução da tecnologia por si só não assegura nem a produtividade, nem a inovação, nem melhor desenvolvimento humano (CASTELLS, 2006). Os novos usuários dos meios digitais chegam dispostos a experimentar um mundo novo e imediatamente formam sua rede social online. Esse é um processo irreversível – não há registro na história recente de que durante algum período de tempo menos pessoas tenham começado a usar a Internet. O número continua aumentando, consolidando uma nova realidade. Partindo da premissa de que concordamos que a chamada “revolução digital” é irreversível e afeta diversos fatores da vida humana e de que a comunicação está experimentando uma profunda transformação, observamos a necessidade de que as instituições que organizam a sociedade acompanhem esse processo. O governo é a instituição base das sociedades democráticas e um dos primeiros a ser desafiado pelo empoderamento dos cidadãos com as facilidades trazidas ao processo de comunicação pelas novas Tecnologias da

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Informação (TI’s). O setor público é o ator decisivo para desenvolver e moldar a sociedade em rede, o que inclui a difusão da e-governação (governo eletrônico com a participação dos cidadãos e a tomada de decisões políticas) e a criação de um sistema de regulação dinâmica da indústria de comunicação, adaptando-se aos valores e necessidades da sociedade (CASTELLS, 2006). Por esse caminho, vamos identificar na realidade existente em Portugal oportunidades de evolução das políticas públicas para a comunicação social com atenção aos novos media e buscar a comprovação dessa necessidade em estudos recentes sobre os novos comportamentos dos consumidores de informação. Em 2015, 67% dos portugueses afirmavam ser utilizadores da Internet de acordo com o estudo “Públicos e consumos de media”, elaborado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e que apresenta dados sobre o consumo de notícias através das plataformas digitais em Portugal e em mais dez países. Outros estudos apresentam resultado similar e comprovam que mais da metade dos cidadãos portugueses já estão conectados. Um estudo do Eurostat, gabinete de estatísticas da União Europeia (EU), divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em novembro de 2014 mostrou que 65% dos portugueses têm Internet em casa e destes, 70% usam as redes sociais. Os portugueses conectados são os que mais utilizam as redes sociais entre os países da Europa. A pesquisa apontou também que 57% dos internautas costumam acessar a Internet fora de casa ou do trabalho e 48% já fazem isso a partir de dispositivos móveis. Em casa, a televisão continua sendo uma importante fonte de informação. O estudo da ERC mostra que, quando perguntados sobre quais os medias noticiosos chave usados em casa nos espaços comuns e no ambiente privado, a disputa entre televisão e Internet é acirrada. Enquanto nos espaços comuns a maioria dos entrevistados (95%) disse que utiliza a televisão, deixando a Internet em segundo lugar (84%), quando a questão é sobre o consumo de informação nos espaços privados, os medias noticiosos online são citados por quase todos os entrevistados: 99% dizem que acessam notícias no ambiente privado no computador, no smartphone ou no tablet contra 44% que citaram a televisão. A pesquisa identifica também o consumo de informação em outros ambientes que não em casa (trabalho, local de estudo, transporte público, carro e espaço público) e a Internet é a mais citada em três deles. No trabalho,

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91% dos entrevistados afirmaram usar o computador, o celular ou o tablet para acessar medias noticiosos. No local de estudo, a soma dos três dispositivos para acesso à Internet soma 89% na preferência dos 607 entrevistados e, no transporte público é o celular o dispositivo mais usado. A Internet apenas não é o principal meio para acesso à informação no transporte pessoal (carro, mota etc), por óbvio, e nos espaços públicos, surpreendentemente, no qual 79% disseram ler jornal. Em outras questões do mesmo estudo a televisão continua sendo a mais citada pelos entrevistados. Ela ainda é o recurso mais utilizado pelos utilizadores de Internet para consumir informação, mas é seguida de perto pelos diversos meios digitais (redes sociais, websites, aplicações). Entre os utilizadores de Internet que disseram consumir informação sobre política, as redes sociais são o terceiro recurso mais citado, próxima aos jornais e à televisão e suas respectivas aplicações e websites. Redes sociais, websites, motores de busca e televisão são citados por cerca de dois terços dos entrevistados como os meios mais utilizados para atualização de notícias. Esse novo comportamento do consumidor de notícias fez com que a Entidade Reguladora da Comunicação Social em Portugal elaborasse um documento específico sobre a regulação dos novos media, buscando a redefinição da noção de órgão de comunicação social. O estudo contou com a contribuição de 11 instituições ligadas ao setor, nomeadamente “Autoridade da Concorrência, da MEO/PT, do ICAP, Pedro Jerónimo, Plataforma de Meios Privados, Associação Portuguesa de Rádios, Associação de Rádios de Inspiração Cristã, Som à Letra, Associação Portuguesa de Imprensa, Comissão da Carteira, Sindicato dos Jornalistas”. Ao apresentar a justificação de motivos, o documento lista modificações nos hábitos dos consumidores de informação em Portugal e em outros países da Europa, identifica o crescimento constante do número de publicações periódicas online, serviços de transmissão de vídeo em streaming ou de rádios exclusivamente na Internet e conclui que: As transformações na geografia dos meios em Portugal são inegáveis. Entre 2008 e 2012, verificou-se uma diminuição de 20% do número de publicações registadas na ERC. Paralelamente, assistiuse a uma diminuição dos projetos em papel, ao mesmo tempo que se registou um aumento das publicações exclusivamente online. O advento do online, que atinge hoje já uma expressão considerável, exige ao regulador uma definição mais precisa do conceito de órgão de

6 comunicação social, de modo a situar a fronteira da sua atuação. Problemática, aliás, que tem justificado reflexão e propostas de alterações legislativas no quadro europeu e nacional.

A partir da conclusão de que os novos media modificaram o modo como a informação e o entretenimento são criados e consumidos, o estudo define critérios determinantes e não determinantes para definir um meio online como um órgão de comunicação social e, como tal, estar de acordo com a regulação vigente. São considerados critérios não determinantes o suporte de difusão, o formato dos conteúdos e a estrutura que eventualmente possa alojar o órgão de comunicação social. Para o órgão regulador, o que deve ser levado em conta para essa definição é o trabalho de produção de conteúdo, edição, organização, comunicação para o público externo, a continuidade do projeto, a competência territorial e o fato de ser um serviço. Ao fim, o estudo apresenta três níveis diferentes de regulação aos media (regulação light, regulação gradativa e regulação clássica ou tradicional) e elas são distribuídas entres as diferentes categorias de órgãos de comunicação definidas (televisão, rádio, Web TV, VOD plataforma aberta, Web Rádio, Aplicação, Blogue, VOD plataforma fechada e site). A transformação provocada pelas novas TI’s na forma de produzir e consumir informação por parte dos cidadãos reconhecida pela autoridade de regulação da comunicação social em Portugal é verificada em todo o mundo. O Digital News Report de 2015 do Reuters Institute, ligado à agência de notícias Reuters, aponta que em alguns países os meios online já superaram a televisão, os jornais e o meio social como principal fonte de informação. Em países como Brasil, Estados Unidos, Irlanda, Dinamarca, Austrália e Finlância a Internet já é mais citada do que os demais. Enquanto na França, Alemanha, Japão e Itália, outros países pesquisados, a televisão é a principal fonte fornecedora de informação e a Internet fica em segundo lugar. No Reino Unido e na Espanha, há quase um empate entre televisão e meios online. Essas mudanças também afetam a dimensão política, num processo de “coevolução” da Internet e da sociedade. A Internet possibilita o contato das pessoas em reuniões públicas e, mais do que isso, permite que cada cidadão possa expressar suas demandas e esperanças. Por isso, o controle desse novo ambiente pelo povo é uma das questões fundamentais nessa discussão. Abrir novos canais de modo a ampliar as fontes

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de comunicação e informação pode colaborar com a sua democratização. A flexibilidade e o poder de comunicação da Internet são fatores decisivos na definição da importância da interação social online na organização social do mundo (CASTELLS, 2003). “As redes online, quando se estabilizam em sua prática, podem formar comunidades, comunidades virtuais, diferentes das físicas, mas não necessariamente menos intensas ou menos eficazes na criação de laços e na mobilização”, diz o sociólogo espanhol. A Internet encerra um potencial extraordinário para a expressão dos direitos dos cidadãos e a comunicação de valores humanos. Certamente não pode substituir a mudança social

ou

a

reforma

política.

Contudo,

ao

nivelar

relativamente o terreno da manipulação simbólica, e ao ampliar as fontes de comunicação, contribui de fato para a democratização. A Internet põe as pessoas em contato numa ágora pública, para expressar suas inquietações e partilhar suas esperanças. É por isso que o controle dessa ágora pública pelo povo talvez seja a questão política mais fundamental suscitada pelo seu desenvolvimento. (CASTELLS, 2003, p. 135).

No entanto há alguns requisitos básicos de uma democracia antes de relacionála com a Internet e de abrir novas formas de comunicação com a cidadania. A disponibilização de informações para que os cidadãos possam tomar decisões mais qualificadas, a participação dos cidadãos nos debates públicos e nos processos de formação da opinião pública, a liberdade política, com meios e oportunidades de participação em instituições democráticas ou em eventos e atividades políticas e as oportunidades para interagir com seu representante e para dele cobrar explicações e prestações de contas no interstício eleitoral são as necessidades que coincidem com uma boa experiência de participação digital (GOMES, 2007). Muitas dessas iniciativas são adotadas por governos ao redor do mundo, no entanto se observa ainda uma frequente insistência no tema da “inclusão digital”. Possibilitar o acesso à Internet aos cidadãos ainda parece ser o objetivo mais perseguido pelos chefes de governo enquanto a busca por experiências de outras políticas públicas relevantes para o ambiente online fica em segundo plano. Verifica-se, ao analisar notícias sobre iniciativas dos governos para os novos media, a compreensão quase que geral de que essas novas ferramentas são complementares e não únicas. Um perfil de uma emissora de televisão pública numa

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rede social, por exemplo, é operado de forma a dar mais visibilidade ao conteúdo que foi trabalhado pela TV. São raras as iniciativas de produção de conteúdo diferenciado partindo dos setores públicos, pensado para a Internet a partir do entendimento de que a rede requer uma linguagem própria. Na sociedade em rede na qual vivemos – um conceito de Manuel Castells – a organização da esfera pública se faz por via dos media mais do que nunca na história. E os novos media têm um poder reconhecido e citado em inúmeros estudos sobre sua eficácia como ferramenta de comunicação, mas são poucas as menções a estratégias operadas a partir de um ambiente de governo para essa nova realidade. Nos “primórdios”, os agentes públicos utilizavam a Internet como um simples quadro de avisos e não como uma ferramenta de natureza dialógica (CASTELLS, 1999). Tal situação vai de encontro à nova realidade, na qual o político não é apenas emissor de informação, mas também receptor, e o cidadão deixou de ser apenas receptor para também desempenhar papel de emissor (STROMER-GALLEY, 2000). A política está intimamente ligada ao governo, pois é a sua personalidade. Sendo assim, sabendo que as sociedades mudam através do conflito e são administradas por políticos, uma vez que a Internet está se tornando um meio essencial de comunicação e organização em todas as esferas de atividade, é óbvio que também os movimentos sociais e o processo político a usem, e o farão cada vez mais, como um instrumento privilegiado para atuar, informar, recrutar, organizar, dominar e contradominar (CASTELLS, 2003). Na Espanha, o recém-criado partido político Podemos se tornou a quarta força no Parlamento local nas eleições gerais de dezembro de 2015; Em Portugal, a “Geração à Rasca” contribuiu para derrubar um governo; no Brasil, milhões de pessoas foram às ruas em junho de 2013 convocados pelas redes sociais para evitar o aumento do preço da passagem do transporte público. São apenas alguns exemplos de fatos recentes nos quais a Internet foi o centro mobilizador. Basta lembrar que o Podemos se tornou, em poucos meses, o partido político espanhol mais seguido nas redes sociais; A manifestação conhecida como “Geração à Rasca” surgiu no Facebook; As jornadas de junho de 2013 no Brasil ganharam força a partir da propagação de imagens da repressão policial nas redes sociais.

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Citamos acima alguns exemplos recentes e poderíamos incluir muitos outros (campanha eleitoral de Obama, Primavera Árabe, Wikileaks, por exemplo), mas o fizemos intencionalmente para focar a discussão no debate sobre o uso dessa nova realidade de comunicação e não nos efeitos espontâneos trazidos por ela, embora estes sejam exemplos frequentemente citados para reforçar o poder de mobilização – entre outros - que carregam. Todos esses casos são atuais, mas não é de hoje que autores se dedicam a identificar como essa nova forma de se comunicar baseada na mediação por computadores poderia afetar a participação política por parte dos cidadãos. Alguns são entusiastas do uso das novas TI’s para melhorar e aumentar a participação, outros dizem que elas podem ser uma barreira entre representantes e representados. A pesquisadora norte-americana Jennifer Stromer-Galley cita, em seu artigo “Interação on-line e porque os candidatos a evitam”, um embate de opiniões que exemplifica essa divisão na realidade dos Estados Unidos no final do século passado. Em março de 1994, o então vice-presidente norte-americano Al Gore defendeu em um discurso público o uso das novas TI’s para criar uma ferramenta de compartilhamento global de informações entre governos e empresas. Para ele, segundo citado pela autora, isso “garantiria o funcionamento da democracia aumentando consideravelmente a participação dos cidadãos nos processos de decisão política”. A fala do vice-presidente foi questionada por James Brook e Iain Boal (autores de “Resisting the Virtual Life: The Culture and Politics of Information” publicado em 1995), para quem “máquinas entrepostas entre cidadãos e instituições governamentais não aumentariam, de forma alguma, a liberdade individual”. Esses dois autores, cita Stromer-Galley, defendem “resistir à vida virtual” argumentando que esse esquema acabaria despolitizando a administração da sociedade. Esse embate de opiniões citado no início do artigo sobre a interação online serve para demonstrar a forte divisão que ainda persiste na academia sobre o tema. No artigo “Political participation and the internet: a field essay“ (Participação política e internet: um estudo de campo), de Eva Anduiza, Marta Cantijoch e Aina Gallego, da Universitat Autònoma de Barcelona as pesquisadoras buscaram vários autores para mostrar que a academia está dividida sobre os efeitos da internet na participação política. Há autores que afirmam que ela poderia reduzir a participação,

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outros que a veem como um meio que pouco pode afetar e terceiros que defendem o entendimento das novas tecnologias da informação como uma ferramenta para incrementar a participação política. “É evidente que a existência de um novo meio permite novas formas de participação política que não existiam anteriormente”, afirmam. O impacto sobre os níveis de participação, dizem as pesquisadoras, vai depender do grau em que os novos canais são utilizados: se o uso é marginal, é improvável que vá produzir uma sociedade mais participativa. As autoras argumentam que os cidadãos descontentes “podem encontrar na internet uma alternativa que constitui um meio de estimular o surgimento de novos modos de participação”. Apesar de ainda não haver trabalho acadêmico que prove, alguns autores consideram que a exposição a uma maior quantidade de informações via Internet produz maior interesse na política e a favorece a participação. No entanto, pondera o estudo, os consumidores de informação na Internet em geral são responsáveis pela seleção dos conteúdos que vão consumir. Assim, são usuários ativos e as consequências para o comportamento político estariam condicionadas apenas aos usuários que têm predisposição a consumir informações sobre política. Por causa disso, as autoras consideram que a Internet promove interesse na política em quem a usa para acessar esse tipo de conteúdo, mas, ao mesmo tempo, reforça a cultura da não-participação daqueles que não são interessados em política e que encontram na Internet uma infinidade de outros conteúdos para consumir. Essa passagem é importante para justificar porque, quando se cria uma estratégia de usar as novas tecnologias para estimular a participação dos cidadãos, também é necessário pensar em como trazer para o grupo dos que participam aqueles que nunca estiveram interessados. A Internet oferece fortes possibilidades de respostas rápidas através das quais, se bem utilizadas, os cidadãos podem interferir na política. No entanto, se não houver disposição dos governantes a responder às demandas dos cidadãos, as iniciativas de participação serão reduzidas a sondagens com o objetivo de detectar mudanças nas opiniões e atitudes políticas. Uma campanha ‘fechada’ é problemática, pois aqueles que pleiteiam um cargo de representação não estão dispostos a se tornarem disponíveis para interagir com aqueles que eles representarão. [...] É evidente que os candidatos estão usando seus websites de modo similar à utilização que fazem da

11 televisão e do rádio, como uma ferramenta de comunicação unidirecional. A natureza bidirecional da Internet, portanto, revela a natureza fechada dessas campanhas (StromerGalley, 2000).

A conclusão da análise do uso das novas tecnologias nas campanhas eleitorais dos Estados Unidos em 1996 (presidenciais) e 1998 (estaduais) foi de que os políticos fogem da interação online por três motivos básicos. O primeiro refere-se ao custo dessa operação. O segundo é que colocar em prática um processo de participação e interação real durante a campanha poderia criar uma sobrecarga de comunicação entre os candidatos e os eleitores e acabaria resultando na perda de controle sobre os ambientes de comunicação das campanhas. O terceiro motivo está relacionado à possibilidade de perda da ambiguidade das posições políticas dos candidatos, visto que o diálogo direto com os eleitores os forçaria a tomar posição em assuntos que, muitas vezes, eles preferem permanecer em cima do muro. A pesquisadora observou que, naquela época, os candidatos norte-americanos usaram suas plataformas online apenas para detalhar suas posições, aproveitando a não existência de limite de conteúdo, e para divulgar suas ações, feitos e propostas. Os canais para a interação humana na Internet não são utilizados pelos candidatos por, ao menos, três razões: são onerosos para a campanha, os candidatos correm o risco de perder o controle sobre seus ambientes de comunicação e, consequentemente, eles deixam de preservar a ambiguidade de seus discursos (Stromer-Galley, 2000).

Temos bons exemplos do uso da interação online durante campanhas políticas, sobretudo após 2008, quando a campanha de Barack Obama na Internet se transformou em um divisor de águas nessa área. Não há dúvidas que depois do sucesso da estratégia adotada pela campanha norte-americana “há uma outra Web política” (CÁDIMA, 2010). A interatividade, muito bem aproveitada pela equipe de Obama naquela ocasião, é uma das bases das redes sociais, tanto que é a principal responsável pelas transformações ocorridas ao longo dos anos nessas ferramentas. Os processos dinâmicos das redes são consequência direta dos processos de interação entre os atores (RECUERO, 2008). São inegáveis os efeitos das interações sobre a estrutura de determinadas redes. Esse poder de interação, que diferencia basicamente os novos media dos demais, está transformando o modo de consumo de informações. As pessoas já não consomem

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passivamente os media, mas sim cada vez mais participam ativamente, inclusive na produção – ou seja, também criam conteúdos em diversas escalas e diversas formas para os media. Tudo indica que a cultura da participação online é um fenômeno que continua mudando o modo como os indivíduos se relacionam com os media e, para muitos autores, a tendência é de cada vez mais existir um relacionamento entre emissor e receptor (FERREIRA, 2008). Há um certo ambiente de entusiasmo no ar por parte dos defensores de novas políticas públicas para os novos meios – como este autor – e essa excitação pode provocar algum nível de cegueira para as dificuldades do processo. Primeiro, sempre é bom lembrar que ainda hoje a Internet não chegou a 100% das pessoas e muitas das que já estão conectadas a esse novo mundo não têm intimidade suficiente com as novas ferramentas para se tornar um participante ativo de discussões públicas. Nesse sentido, ainda que a Internet seja importante para a democracia, Carvalho e Casanova (2010) consideram que talvez seja prematuro o entusiasmo com uma eventual renovação da esfera pública através dos novos meios: O alargamento na esfera pública proporcionado por estes novos meios de comunicação poderá ser, sobretudo, para aqueles que já participam e que têm os recursos para uma discussão pública informada, ou seja, para um sector com recursos escolares e socioprofissionais elevados. Os condicionamentos à abertura da esfera pública em Portugal poderão eventualmente ver-se reforçados por fechamentos históricos visíveis na distância dos portugueses ao poder (Cabral, 2000), além de, como refere Eisenstadt (2008), esta ser uma característica cultural e institucional muito presente nos países do sul da Europa (Carvalho; Casanova, 2010).

Novas aplicações tecnológicas, independentemente de favorecerem ou dificultarem a participação democrática devem ser pensadas em articulação com os elementos sócio-históricos próprios dos atores sociais que as irão utilizar (FERREIRA, 2012). Assim, é natural que o objetivo de que a tecnologia possa ter um uso efetivo ao serviço de uma sociedade mais participativa e, por consequência, deliberativa no ambiente online, tenha sido conquistado aos poucos. Essa necessidade de articulação entre a capacidade dos atores sociais, os elementos e situações que o envolvem no coletivo e no particular, justificam as já mencionadas inúmeras ações de políticas públicas para a inclusão digital patrocinadas pelos governos.

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Em recentes estudos sobre deliberação, Internet e jornalismo, Ferreira (2012) ocupa boa parte de sua discussão falando sobre as promessas do futuro digital. Para isso, o autor usa a expressão “democracia digital”, entre aspas, que denota um grande entusiasmo dos estudiosos com o que as novas comunicações podem fazer pela democracia. Sem dúvida esse entusiasmo, que outras vezes aparece na expressão “revolução digital” – já usada nesse artigo, inclusive -, possa encontrar justificativa em fatos mais recentes. Em artigo recente publicado no portal Quartz, o professor norteamericano Robert Epstein argumenta que no futuro, o Big Data (imenso volume de dados disponível na Internet) pode tornar o atual sistema de voto obsoleto. No artigo, o professor questiona se o Google, pelas diversas ferramentas de Internet que comanda, pode prever o voto do cidadão a partir de suas pesquisas, troca de mensagens, sites acessados ou até – pensando em uma clara invasão da privacidade do usuário - em troca de e-mails. Para Epstein a resposta provavelmente é sim, mas ninguém sabe de certeza. “O Google certamente parece saber muito mais sobre nós – incluindo precisamente como a maioria das pessoas vai votar – do que nós sabemos sobre o Google”, diz Epstein. Num ambiente como o descrito pelo professor norte-americano, falar em “revolução” ou “democracia digital” não parece excesso de entusiasmo. Um dos elementos centrais dessa definição é a esperança de que a Internet permita condições livres e iguais para a participação política (FERREIRA, 2012). …os precursores deste ideal olhavam os meios de comunicação digital como um instrumento pleno de potencial para enfrentar os crescentes níveis de desinteresse político dos cidadãos comuns e a concomitante atrofia da vida cívica. A partir da sua acção, e em termos mais gerais, os media digitais contribuiriam para substituir a visão negativa acerca do cidadão comum, promovida pelos modelos elitistas de democracia, por uma visão positiva, que sublimasse os benefícios sociais e morais presentes na oportunidade de participar – ainda que de forma relativa - na vida política (Ferreira, 2012).

Os novos media precisam de novas políticas públicas voltadas para suas especificidades, características únicas, linguagem própria e público alvo. Nesse sentido, o estudo feito em Portugal pela Entidade Reguladora da Comunicação Social descrito em parte no início deste artigo e que buscou enquadrar os diferentes tipos de novos meios de comunicação social surgidos a partir do uso das novas tecnologias constitui-se em um bom ponto inicial nesse sentido. A partir dele, com o reconhecimento específico

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dos novos canais de comunicação existentes, os governos podem traçar estratégias direcionadas para esse ambiente. Também o é um bom ponto de referência o estudo elaborado pela mesma entidade – também descrito acima – que identificou uma mudança no comportamento de consumo e troca de informação nos portugueses. Fomentar a inclusão digital para fazer com que mais pessoas tenham oportunidade de acesso e conhecimento para conectar-se à Internet também foi um começo. De forma lenta e gradual, com diversas variantes de incentivos à compra de equipamentos e à qualificação para o uso das novas tecnologias, tem crescido o uso de computadores pessoais, por exemplo. No Brasil, o governo costuma citar esse dado como resultado prático dessa ação. Certamente uma boa política de inclusão digital faz com que mais pessoas comprem computadores e passem a usar a Internet, mas mais do que isso o “conjunto da obra” do mundo atual é digital e, no fundo, os governos estão correndo atrás do tempo perdido, muito aquém da velocidade da evolução dos novos meios de comunicação, para tentar suprir uma necessidade que aparece naturalmente nos cidadãos. A fase de incluir já deveria estar superada, mas não é o que acontece. Em alguns países, o número de usuários diários de Internet não chega nem à metade da população. É preciso garantir, tão cedo seja possível, as mesmas condições de digitalização da cidadania. Não é só a partir de concluído o processo de inclusão que os governos devem pensar formas de usar os media digitais em benefício da comunicação e da democracia. Embora ainda haja excluídos digitais, em muitos países como Portugal e Brasil os incluídos já representam uma parte significativa da população. E, mais do que isso, costumam gastar mais tempo nessas novas formas de comunicação do que usualmente gastavam nas formas tradicionais. Alguém que tinha por costume assistir três horas de televisão por dia certamente gasta muito mais tempo atualmente olhando para a tela do celular. A partir do ponto de vista de que há necessidade urgente de atualização das políticas públicas para a comunicação social dos governos passamos a pensar como seria essa comunicação. A forma como a nossa sociedade está conectada em rede e o poder já demonstrado pela Internet e suas facilidades de conexões via redes sociais beneficia

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infinitas estratégias públicas para a comunicação social, com ênfase na possibilidade de interação. Os governos podem encontrar na Internet um vasto campo de experimentação de políticas que vão desde o incentivo ao surgimento de novos meios de comunicação direcionados ou locais até propostas de abertura da governança para uma maior interferência dos cidadãos através da rede. A criação de novas políticas públicas para os novos meios trará benefícios para a comunicação pública e a democracia.

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Referências bibliográficas ANDUIZA, Eva, CANTIJOCH, Marta; GALLEGO, Aina. Political participation and the Internet: A field essay. Information, Communication & Society. Barcelona: Universitat Autònoma de Barcelona. CÁDIMA, F. Rui (2013), “Política, Net e Cultura Participativa”, Media&Jornalismo. Lisboa. CASTELLS, Manuel (2003). A Galáxia Internet - Reflexões sobre Internet, Negócios e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. CASTELLS, Manuel (1999). A Sociedade em rede. 3ª Edição. V.1. São Paulo: Paz e Terra. CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo, (2006). A Sociedade em Rede: Do Conhecimento à Acção Política. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda. CARVALHO, Tiago; CASANOVA, José Luís (2010). “Esfera pública, democracia e internet: os bloggers em Portugal”. Observatorio Journal, vol.4 - nº2. FERREIRA, Gil Baptista (2012). Novos Media e Vida Cívica, Estudos sobre deliberação, internet e jornalismo. Lisboa: LabCom. FERREIRA, Paulo Jorge Quaresma (2008). “Alvo em Movimento. Audiências e Novos Media”. FCSH: DCC - Dissertações de Mestrado. MARQUES, Francisco Paulo Jamil Almeida; SAMPAIO, Rafael Cardoso; AGGIO, Camilo (org), (2013). Do clique à urna: internet, redes sociais e eleições no Brasil. Salvador: EDUFBA. RECUERO, Raquel (2008), Redes sociais na Internet, Editora Sulina, Porto Alegre. STROMER-GALLEY, Jennifer (2013). Interação online e porque os candidates a evitam. In: MARQUES, Francisco Paulo Jamil Almeida; SAMPAIO, Rafael Cardoso; AGGIO, Camilo (org). Do clique à urna: internet, redes sociais e eleições no Brasil. Salvador: EDUFBA.

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Fontes consultadas Robert Epsteins (2016). Google Knows: In the future, Big Data will make actual voting obsolete (Consultado em 03/05/2016 em http://qz.com/669983/maybe-we-should-letgoogle-vote-for-us/) ERC (2015). Públicos e Consumos de Media: o consumo de notícias e as plataformas digitais em Portugal e em mais dez países (Consultado em 04/05/2016 em http://www.erc.pt/) Deliberação ERC (2015). Novos Media: Sobre a redefinição da noção de órgão de comunicação social (Consultado em 04/05/2016 em http://www.erc.pt/)

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