Novo rico chinês é alvo de campanha contra a ostentação

July 19, 2017 | Autor: Claudia Antunes | Categoria: China, China studies, Contemporary China, Social Inequality
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Novo-rico chinês é alvo de campanha contra a ostentação
Governo teme efeito da desigualdade, que produz focos de contestação, mas
hesita em aumentar seus gastos sociais

CLAUDIA ANTUNES
EM PEQUIM
A glória de enriquecer continua sendo a meta de milhões de chineses, mas a
ostentação de riqueza merece condenação. Ao viajante ainda atordoado com os
neons e os arranha-céus de Xangai, os dirigentes comunistas repetem que
"ainda somos um país em desenvolvimento", enquanto colunas e reportagens
dos jornais oficiais investem contra hábitos dos novos-ricos, como a
"compra" (via pagamento de multa) do segundo ou do terceiro filho.
A campanha é um eco do slogan da "sociedade harmoniosa" lançado há dois
anos pelo atual presidente, Hu Jintao, por sua vez consequência do medo de
que os desequilíbrios sociais e regionais acentuados pela expansão
econômica dos últimos anos ameacem o regime.
As diferenças são visíveis para quem deixa a costeira Xangai, renda per
capita anual de US$ 7.000, e desembarca em Xian, no centro do país,
primeira capital da China unificada (século 3 a.C.) e terra dos guerreiros
de terracota -renda de US$ 1.150. A viagem de avião de duas horas leva de
uma Nova York asiática para um Rio de Janeiro, com os contrastes familiares
aos brasileiros.

"Paradise" 
Em Xian, na Província de Shaanxi, o Sheraton ergue 18 andares lotados de
turistas em uma avenida onde sobrados antigos têm janelas com limo
acumulado e paredes desbotadas. A 500 metros do hotel, um balcão sobre a
calçada serve chá verde engarrafado a chineses que se debruçam sobre um
jogo antigo de tabuleiro.
A meia hora de carro dali, em um subúrbio recém-remodelado, guindastes se
movimentam na construção das "townhouses", com dois andares e sótão, do
novo condomínio "Farong Paradise" (em inglês mesmo).
Os dentes dos chineses são brancos em Xangai, em Pequim. Manchados no
interior, como os dos moradores de uma vila rural em Shaanxi. A agricultora
Liang Hailing, 47 anos, já tinha dois filhos quando se mudou da caverna
escavada na terra em que morava para uma casa no mesmo terreno, em 1987.
Diz que ganha, com a ordenha de sete vacas, 30 mil yuans por ano (US$
3.800): ou exagera ou os números oficiais estão subestimados.
Liang tem a pele queimada de sol como a dos migrantes das áreas rurais que,
em Pequim, apontam para os estrangeiros no carro ao lado e riem. Eles se
espremem em um ônibus da empresa depois de um dia de trabalho na construção
civil.
É sobre os quase 800 milhões de chineses que ainda vivem no campo e os 120
milhões de migrantes que vagam pelas cidades sem registro de moradia (o que
lhes veta o acesso a serviços públicos) de que fala a imprensa oficial. Os
recados são dirigidos a alguns dos próprios dirigentes comunistas, que
muitas vezes se confundem com os novos-ricos -a consultoria Merrill Lynch
estima que há no país 3 milhões de famílias com mais de US$ 100 mil e 300
mil com mais de US$ 1 milhão.
Mas a retórica contra a ostentação é, sobretudo, uma resposta ao crescente
ativismo de grupos independentes que denunciam agressões ao ambiente ou
defendem as pessoas que, até a aprovação da nova lei de propriedade, em
março, podiam ter suas casas sumariamente requisitadas por autoridades
locais, mediante indenização ínfima, para a venda dos terrenos a indústrias
ou construtoras. O sinólogo americano Richard Baum calcula que há mais de
300 mil movimentos desse tipo na China.
"É hora de dar um basta à indignidade de funcionários e celebridades
escaparem do planejamento familiar. Se algumas elites podem ter vida fácil
à custa da maioria, isto levará a um de dois resultados: as pessoas não vão
mais respeitar as políticas públicas, ou não acreditarão mais na unidade e
na coerência de sua sociedade", escreve o colunista "Ma Jong" no "Shanghai
Daily".
No "China Daily", ligado ao Conselho de Estado, um editorial condena a
"obsessão dos novos ricos" por barbatana de tubarão, "um símbolo de riqueza
e classe" que estaria levando à extinção dos animais. "Eles precisam de
comidas caras para abastecer sua autoconfiança", sentencia o jornal. O
mesmo diário registra que o prefeito de Pequim, Wang Qishan, criticou o uso
de adjetivos como "luxuoso" e "exclusivo" nos outdoors de lançamentos
imobiliários, por minarem, diz ele, "o objetivo de manter a harmonia entre
os ricos e os pobres".

Pela empresa 
Mesmo batendo continência para o igualitarismo, o governo chinês não está
nem perto de criar um Estado de bem-estar social. A prioridade ainda é
gerar riqueza por meio do crescimento, e não distribuí-la. Numa fábrica de
sorvete da Província de Shaanxi, um mural avisa, em chinês e inglês: "Não
pergunte o que a empresa pode fazer por você e sim o que você pode fazer
pela empresa".
Na China, a universidade pública é paga e não existe serviço universal de
saúde nem de aposentadoria. Há programas focalizados de investimentos e
complementação de renda para conter a insatisfação dos mais pobres e evitar
o êxodo rural -na aldeia da senhora Liang, o técnico agrícola Wang Jiu Zhou
pesquisa mudas de cultivos mais rentáveis. Há dez dias, foi anunciada uma
reforma gradual do "hukou", o sistema de registro que desde 1958 separa a
população urbana e a rural.
Martin Wolf, colunista do "Financial Times", sugeriu há dias que a China
aumente o seu gasto social, de modo que os chineses poupem menos para o
hospital e a aposentadoria e consumam mais. O mercado interno teria um peso
maior no crescimento -contribuindo, de quebra, para a redução das tensões
comerciais em torno das exportações chinesas.
Essa é a questão que estará no centro do próximo congresso do PC, o 17º, em
outubro. Os chineses não se estendem sobre o assunto. O sinólogo Barry
Naughton, da Universidade da Califórnia, disse em seminário recente da
Brookings Institution (EUA) que o debate poderá definir "o quão sério é o
compromisso da China com uma sociedade mais justa".
Passado alimenta ideologia nacionalista
Explosão do turismo interno na China estimula a recuperação de monumentos
que exaltam feitos de antigas dinastias
Ênfase na continuidade histórica combina com apelo à unidade nacional;
budismo é tolerado, com imagens em ruas e lojas
EM PEQUIM
Os turistas chineses, em grupos familiares que reúnem dos avós ao neto
único paparicado, lotam o teatro do Paraíso Tang, parque recém-inaugurado
em um subúrbio de Xian, para assistir ao musical em cinco atos "Sonho de
Volta às Glórias da Dinastia Tang". Como o nome do parque, o espetáculo faz
alusão a um dos períodos mais prósperos da história chinesa, de abertura
comercial e trocas culturais com o exterior.
O libreto do musical funciona como um resumo de tudo o que o regime chinês
gostaria de ver associado ao país hoje: "força e prestígio militar", "visão
ampla e tolerância", "paz e prosperidade". Talvez não seja coincidência o
fato de "A Maldição da Flor Dourada", último filme do cineasta Zhang Yimou,
responsável pela abertura da Olimpíada de 2008 em Pequim, se passar também
durante a dinastia Tang (séculos 7 a 10).
A China vive um boom do turismo interno e externo (é o quarto destino do
mundo) e os chineses que viajam a Pequim ainda fazem fila para posar sob o
retrato de Mao Tsé-tung que encima os portões da Cidade Proibida, antigo
palácio imperial fechado à plebe. Mas relíquias de tempos mais antigos,
testemunhas da continuidade histórica do país, são restauradas e atraem
multidões, o que combina com o apelo oficial à harmonia e à unidade
nacional.
Em Hangzhou, capital da Província costeira de Zhejiang, centro turístico e
de produção de seda, uma relíquia budista encontrada nos escombros do
pagode Leifeng, reconstruído há cinco anos, é venerada por fiéis com
direito a almofada. Há altares em lojas e imagens de budas em ruas
comerciais.
O governo reprimiu com violência, em 1999, os adeptos do culto Falun Gong,
mas o filósofo Confúcio (551-459 AC) está em processo de reabilitação. Não
há nisso, escreveu o acadêmico chinês Henry Zhao, motivo de estranhamento.
Os ensinamentos confucianos, que enfatizam a ordem e o equilíbrio, já
haviam sido recriados como ideologia oficial por várias dinastias
imperiais.
Em Xangai, o Museu Histórico transmite um quadro surpreendentemente
positivo da trajetória da cidade, apesar das concessões territoriais a
britânicos, alemães e franceses no século 19. Está registrado o aviso
infame de acesso vedado a "cães e chineses", mas a mostra destaca o contato
com o exterior como prova da tradição cosmopolita da metrópole.
Na mansão de Hu Xueyan, em Hangzhou, os quartos do comerciante do século 19
e suas concubinas abrigaram, durante a Revolução Cultural (1966-1976), 30
famílias. Restaurada, a casa foi aberta aos turistas.
Em Pequim, há um movimento para salvar o que resta dos "hutongs", becos em
que moravam gerações de famílias. A maior parte da velha cidade plebéia
abriu caminho para avenidas, já nos anos 50, ou para o boom imobiliário
recente. Hoje, na capital como em Xangai, a hierarquia está na idade dos
edifícios. Os pobres e remediados moram em conjuntos de cinco andares, sem
elevador, da época maoísta. A classe média, em prédios dos anos 1980, com o
acabamento ainda grosseiro. Os muito bem-sucedidos, nos novos condomínios.

China não pode parar de crescer, diz ministro
EM PEQUIM
Em conversa com um grupo de jornalistas da América do Sul e do Caribe, o
ministro Cai Wu, do Escritório de Informações do Conselho de Estado, disse
que o subdesenvolvimento é um empecilho a eleições diretas em todos os
níveis na China e que o país precisa continuar crescendo para superar suas
contradições. Abaixo, trechos da entrevista. 


CRESCIMENTO
"O desenvolvimento continua sendo nosso grande desafio. Nos últimos dez
anos, crescemos a uma taxa anual de 9,7%, algo sem precedentes, mas foi um
crescimento sobre uma base deprimida e por isso mais fácil. Queremos chegar
a um PIB per capita de US$ 4.000 no ano 2020. Para isso, precisamos manter
taxa de crescimento acima de 7%. Esperamos que nenhum grande conflito
armado aconteça nesse período para que tenhamos um bom ambiente
internacional."

PRESSÃO
"Temos que criar, só nas cidades, 10 milhões de empregos por ano para
atender à pressão dos recém-formados. Há 100 milhões de trabalhadores
rurais de mão-de-obra excedente. Como convertê-los em trabalhadores
urbanos? Nosso sistema de seguridade social está longe de ser perfeito. O
serviço de saúde é um problema, especialmente para os agricultores. Com o
aumento do preço dos imóveis, temos um grande problema na habitação. Como
garantir que todos tenham onde morar? Temos que montar um sistema de
segurança social que garanta, por exemplo, o seguro-desemprego."

NEOLIBERALISMO
"Uma sociedade harmoniosa, segundo nossos critérios, é justa, democrática,
dinâmica, vive sob o império da lei e em harmonia com a natureza. Ainda não
somos uma sociedade harmoniosa, é um objetivo. Nosso objetivo é que todos
os chineses possam gozar de uma vida mais próspera. Essa é a diferença
entre a China e o neoliberalismo praticado pelos países latino-americanos,
que alcançaram algum progresso econômico e abriram suas economias, mas
sofreram polarização social, má distribuição da renda e sacrifício da
soberania econômica."

CHÁVEZ E FIDEL
"Amigos latino-americanos, de direita e esquerda, acham que mercado e
socialismo são incompatíveis, mas podemos afirmar que uma coisa funciona
quando a testamos na prática. Hugo Chávez disse que Fidel Castro deveria
prestar atenção na experiência chinesa. E ele está prestando atenção na
economia socialista de mercado."

MODELO CHINÊS
"O elemento fundamental do sucesso da China foi a adoção de um caminho de
desenvolvimento sob as condições chinesas. Esse é o segredo. Não aceitamos
imposições nem imitamos outros países. Os países latino-americanos podem
seguir esse caminho."

REGIME POLÍTICO
"Temos que desenvolver e melhorar a democracia e o sistema legal. Já
criamos o quadro institucional fundamental. O regime não é nem de partido
único nem pluripartidário segundo o modelo ocidental, mas de
multipartidarismo sob a liderança do Partido Comunista. O PC é o partido
governante, mas outros participam da política como seus parceiros. Queremos
construir uma democracia de base. Nas aldeias, agricultores têm autonomia
para eleger dirigentes. Nas cidades, isso acontece nos bairros e distritos.
Não temos condições ainda de realizar eleições diretas em todos os níveis e
em todas as regiões do país. Faltam condições de desenvolvimento, cultura e
educação."

CULTURA
"Temos que combinar o mercado com a preservação da cultura tradicional.
Enquanto nos abrimos para o mundo, temos que nos proteger das más
influências e zelar pela cultura chinesa. Deng Xiaoping dizia que, se você
abrir uma janela, terá ar fresco, mas também entrarão insetos. Temos que
usar uma rede para filtrar isso. Os jovens gostam mais de rock do que de
música chinesa, mais de Natal do que da Festa da Primavera, mais do
McDonald's do que da comida chinesa."
Censura tenta competir com tecnologia
EM PEQUIM
Assim que o locutor da CNN falou "na China", a tela escureceu. Passou-se
cerca de um minuto antes que as transmissões em Pequim da rede de TV
americana voltassem ao normal.
O episódio de censura explícita aconteceu na manhã do último dia 24, depois
de o jornal de Hong Kong "South China Morning Post" ter noticiado mortes
durante protestos contra a política do filho único numa região rural do sul
do país. A imprensa oficial chinesa só falou dos protestos na semana
passada, sem mencionar vítimas.
Além da TV e dos jornais, a rede de controle da informação do autoritarismo
chinês atinge a internet (a página da BBC é uma das mais censuradas) e as
mensagens de texto por celular. Há registro de blogueiros presos.
Mas é difícil competir com a disseminação das novas tecnologias e com a
ampliação do contato dos chineses com estrangeiros. Há no país 140 milhões
de usuários de internet e 450 milhões de celulares. Redes de internautas
usam mecanismos de conexão indireta (proxy) para entrar em páginas
proibidas.
O caso recente da mulher que resistiu à demolição de sua casa em Chongqing
(centro do país) chegou à mídia controlada depois de uma pressão intensa de
blogs. Num bar de Pequim, é possível encontrar exemplares em inglês de
livros como "Mao, uma História Desconhecida", biografia virulenta do
dirigente comunista.
O controle também é dificultado pela competição entre os meios, mesmo que
todos sejam ligados a instituições oficiais. A imprensa estatal foi
descentralizada e hoje há milhares de revistas, canais de TV, rádios e
diários de alcance local ou provincial. A maioria tem que se sustentar com
anúncios. A TV central, com 16 canais abertos, faz pesquisas com
telespectadores. Há uma longa lista de assuntos, entretanto, que nunca saem
do script, entre eles Taiwan e o "papel dirigente" do PC.
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