Novos dados sobre a Tróia cristã

July 6, 2017 | Autor: Patrícia Brum | Categoria: Late Antique Archaeology, Early Christianity, History of Archaeology
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Novos dados sobre a Tróia cristã

I n ê s Va z P i n t o 1 | A n a Pat r í c i a M a g a l h ã e s 2 | Pat r í c i a B r u m 3 | João Pedro Almeida4

¹ ² ³ ⁴

CEAACP – Troiaresort Troiaresort Troiaresort UNIARQ / FCT

Introdução Trabalhos desenvolvidos pela equipa de arqueologia do troiaresort, responsável pelas Ruínas Romanas de Tróia desde 2006, revelaram dados novos para a interpretação do edifício conhecido como «basílica paleocristã». Permitiram ainda a identificação de uma pintura cristã que ornamentava a cabeceira de uma sepultura situada na orla do estuário do Sado [fig. 1].

Fig. 1 Localização dos núcleos arqueológicos e sepulturas referidos no texto. Location of archaeological structures and tombs mentioned in the text.

1. A presença do cristianismo em Tróia A chamada basílica paleocristã de Tróia foi descoberta pela primeira vez pelos trabalhos da Sociedade Arqueológica Lusitana (Costa, 1929, p. 171-172) e publicada por Inácio Marques da Costa que 1. Basílica Basilica descreve o edifício e as suas pinturas, reproduzindo 2. Necrópole das sepulturas de mesa Mensa-tomb necropolis o desenho de um crísmon numa parede (Costa, 1933, 3. Necrópole do mausoléu p. 11), hoje desaparecido. Mausoleum necropolis 4. Sepultura paleocristã D. Fernando de Almeida (Almeida e Matos, Early Christian tomb 5. Sepultura da Ponta do Verde 1971, p. 529) completou a escavação do edifício e espaTomb of Ponta do Verde ços anexos e Justino Maciel (1996, p. 193-256) fez o estudo e interpretação do conjunto arquitectónico. De acordo com este estudo, o espaço onde foi implantado o núcleo religioso e funerário foi sujeito a sucessivas transformações. A nordeste ocupou uma zona fabril, assentando sobre tanques abandonados e entulhados. A sudoeste, ocupou uma provável área residencial, como sugerem as paredes do compartimento oeste, decoradas com pinturas em dois momentos, o primeiro em meados do século II e o segundo nos finais do século III. Este autor propõe que, numa primeira fase, o edifício da basílica não tivesse função religiosa mas fosse antes uma aula/basilica, um espaço com funções judiciais e administrativas ou de comércio e de encontro social, tal como as basílicas que existiam junto ao forum das cidades. Numa segunda fase, situada entre meados do século IV e o início do século V, este espaço teria sido convertido ao culto cristão, respeitando o pequeno compartimento a noroeste, que constituiu um dos acessos ao exterior e deixou a cabeceira descentrada. Foram construídas três arcadas que dividiram a igreja em quatro naves transversais e as paredes foram profusamente pintadas. Numa última fase, numa tentativa de implementação dos novos padrões arquitectónicos cristãos e tentando corrigir a assimetria da cabeceira, foi construída uma parede em L no seu lado sudoeste para tornar a cabeceira simétrica com a parede sudoeste do pequeno comparti-

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mento a norte. A cabeceira foi ainda sobrelevada com a construção de um pequeno pódio onde foram feitos múltiplos enterramentos. Ainda de acordo com Justino Maciel, quando a aula/basilica foi convertida em basílica paleocristã, o espaço a sudoeste deu lugar a uma necrópole, dando -se nos séculos IV-V o avanço progressivo da necrópole para o espaço basilical e zona envolvente. Finalmente, foram fechadas duas entradas do edifício, terminando a sua função litúrgica e convertendo -o em basílica funerária. Este autor viu no conjunto das pinturas da basílica «uma carga simbólica que, sobre um léxico tardio, só poderá ter o influxo do Cristianismo» (Maciel, 1996, p. 255) e datou-o de meados do século IV a inícios do século V (Maciel, 1996, p. 233). A reforçar esta datação estão as lápides funerárias sem decoração nem epígrafes inscritas, sabendo -se que as lápides cristãs decoradas e epigrafadas surgem apenas a partir de meados do século V em Mértola e outros locais da Hispania (Maciel, 1996, p. 254). Curiosamente, o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal tem em exposição um fragmento de uma lápide de mármore de Tróia com um crísmon [fig. 2], cujo local exacto de achado é desconhecido mas que comprova a existência de pelo menos uma lápide cristã neste sítio. Rui Pedroso (2001 e 2006) vê na basílica de Tróia um contexto arquitectónico puramente romano, com pinturas de inspiração romana denotando várias influências culturais que se explicam pelas trocas comerciais praticadas com o mundo romano. Os melhores elementos de comparação com estas pinturas, segundo este autor, são dos finais do século IV e o crísmon numa coroa é um argumento decisivo para a atribuição de uma datação tardia a estas obras. Entre 2005 e 2008, um dos signatários (JPA) realizou o estudo da necrópole da Caldeira (Almeida, 2008) escavada entre 1948 e os primeiros anos da década de 60 sob a direcção de Manuel Heleno, que delegou grande parte do empreendimento em Fernando Bandeira Ferreira. Esta necrópole situa-se na área sudoeste do sítio arqueológico e acompanha a linha interior da laguna aí existente, conhecida como lagoa da Caldeira. É com grande probabilidade a grande necrópole do sítio arqueológico, devidamente planeada e instalada num local consagrado para o efeito, sem vestígios conhecidos de utilização anterior. Neste estudo, o autor situa os primeiros enterramentos da área escavada nos meados do século I d.C. (Almeida, 2008, p. 112) que, de certa forma, correspondia à cronologia anteriormente proposta para o arranque do complexo industrial (Étienne, Makaroun e Mayet, 1994, p. 30). Actualmente existem dados novos que fazem recuar esta datação ao reinado de Tibério (Pinto, Magalhães e Brum, 2011), o que permitirá num futuro próximo rever a informação cronológica relativa a esta necrópole. A esta primeira fase, que se estende até aos finais do século II / inícios do século  III d.C., corresponde o ritual de incineração, com cerca de 40 enterramentos efectuados segundo este rito funerário.

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Fig. 2 Lápide de mármore com crísmon depositada no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal. Marble plaque with Chi-Rho, extant at the Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal.

A segunda fase, a das inumações, inicia-se ainda nos finais do século II d.C. e estende-se até ao século V (Almeida 2012, p. 47). Não é claro que todas as inumações (cerca de 100), típicas de ritos funerários orientais, possam ser consideradas cristãs. Alguns destes enterramentos podem estar relacionados com outros cultos orientais que não o Cristianismo, dos quais existem vestígios no local, nomeadamente do Mitraísmo (Almeida, 2012, p. 48). No entanto, a partir da segunda metade do século III d.C. mas com uma expressão muito acentuada a partir do século IV, as orientações ditas cristãs (NO-SE, ou Poente-Nascente) são claramente dominantes. A ausência de materiais relevantes no interior destas sepulturas dificulta não só a datação dos enterramentos, como a interpretação inequívoca da sua filiação cristã, embora existam alguns materiais recolhidos em contextos de frequentação da necrópole da Caldeira com motivos claramente cristãos. Aliás, M. Elisabeth Cabral (1973 e 1975) já tinha publicado um conjunto significativo de lucernas de iconografia cristã de Tróia, algumas das quais desta área. Outra necrópole de Tróia é a chamada necrópole do mausoléu, instalada na área que circunda o mausoléu e de forma mais organizada nas suas traseiras. Mas tal como demonstram os relatórios de campo de F. Bandeira Ferreira (1956 e 1957-58) e a documentação fotográfica das campanhas de M. Farinha dos Santos (1960-63), os enterramentos desta área ter-se-ão prolongado por uma vasta área ocupando o espaço dos edifícios abandonados das oficinas de salga 1 e 2 e das termas. Também aqui se mantém a orientação Poente-Nascente sem que se possa comprovar a conotação religiosa dos enterramentos, embora a cronologia, claramente avançada, remeta muito provavelmente para um universo cristão. 2. Uma necrópole sob a basílica paleocristã Em 2009, aproveitando a remoção temporária da areia que cobre o interior do núcleo da basílica paleocristã para se fazer um levantamento tridimensional, diligenciaram-se duas sondagens no interior da basílica e o levantamento de todo o seu interior [fig. 3]. Uma das sondagens, situada na cabeceira sobrelevada da basílica, pretendia compreender, e, se possível, datar a construção da cabeceira. No entanto, não passou de uma limpeza superficial devido às várias sepulturas que imediatamente ficaram a descoberto, uma delas já escavada, e que não se quiseram desmontar sem um plano prévio de musealização da basílica. A outra sondagem pretendia escavar o enchimento de um dos tanques subjacentes à basílica, tendo em conta que uma vez removida a areia que cobria os pavimentos, eram perceptíveis os tanques da oficina de salga sobre os quais foi instalado o edifício. Pretendia-se conhecer o processo de enchimento do tanque após a sua desactivação e, sobretudo, datar o abandono da parte da oficina 6 que está sob a basílica, para obter um terminus post quem para a sua construção. Devido à cobertura provisória que forma um corredor ao longo das paredes com pintura mural da basílica, e que assenta também no interior do edifício, nenhum dos tanques visíveis estava inteiramente livre para ser escavado na totalidade. Optou-se por fazer uma sondagem

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dentro do tanque 8, no seu comprimento total nordeste - sudoeste, de 3,20 m, mas encostada à sua parede sudeste e com apenas 1,20 m de largura [fig. 3]. O tanque era visível porque a parte do pavimento da basílica que o cobria estava levemente descaída e no lado sudoeste o pavimento estava abatido, e tinha partes em falta, certamente sobre uma zona de vácuo, numa área com cerca de 1,20 m de largura [fig. 4]. O primeiro passo foi retirar o pavimento da basílica, constituído por uma argamassa de cal bastante grosseira, com seixos de cor e dimensão variável, que foi designado por u. e. (unidade estratigráfica) [611]. O pavimento assentava sobre uma fina camada de areia solta esbranquiçada, u.e. [612], que corresponde ao nivelamento e preparação do pavimento superior. Por sua vez, este estrato arenoso assentava sobre uma placa de opus signinum, u.e. [613] [figs. 5 e 6], que parecia ser um pavimento mais antigo. No canto sudoeste a placa estava muito fracturada e abatida, mas cobria toda a superfície, selando os contextos inferiores [fig. 6]. A verificação de que esta placa estava adossada às

Fig. 3 Localização das sondagens e designação dos compartimentos do núcleo da basílica. Location of the soundings and designation of the names of the basilica area rooms.

Fig. 4 Aspecto do tanque visível sob o pavimento da basílica antes da abertura da sondagem. View of the vat visible under the basilica pavement, before the sounding.

Fig. 5 Aspecto da placa de opus signinum sob o pavimento da basílica. View of the plate in opus signinum below the basilica pavement.

Fig. 6 Perfil estratigráfico N-NE – S-SW no meio da sondagem. Stratigraphic profile N-NE – S-SW at the middle of the sounding.

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Fig. 7 Sondagem com sepulturas e murete à vista. Sounding with tombs and small wall at sight.

paredes nordeste e sudoeste do tanque revelou que não se tratava de um pavimento mas sim da cobertura do próprio tanque. Sob a placa de opus signinum (u.e. [613]) e o seu embasamento (u.e. [614]), constituído por pedras de dimensão variável ligadas por argamassa branca, ficou visível, a nordeste, parte da tampa de uma sepultura, designada por sepultura 1. Na parte central da sondagem, sob um depósito de sedimento castanho (u.e. [616]), ficou à vista parte de outra sepultura, a sepultura 2, e um murete mal conservado (u.e. [618]). A sudoeste, a um nível inferior e sob um sedimento arenoso (u.e. [617]), apareceu parte de uma terceira sepultura, a sepultura 3. O abatimento do pavimento da basílica e da placa de opus signinum nesta área significa um espaço vazio, derivado provavelmente do seu prévio enchimento com material perecível que se terá desintegrado, e do qual não se registou qualquer vestígio. As três sepulturas, só parcialmente a descoberto, estão alinhadas com as paredes do tanque no sentido noroeste – sudeste [fig. 7]. A sepultura 1, a um nível superior ao das outras, e a primeira a ser descoberta, tem um comprimento visível de 1,04 m e 0,80 m de largura. As suas paredes foram feitas com pequenos blocos de calcário e ocasionalmente de arenito e com fragmentos de cerâmica de construção ligados por uma argamassa esbranquiçada e granular. Está coberta por uma tampa feita de tijolos de pasta alaranjada ligados por uma argamassa igualmente granular e esbranquiçada. Esta sepultura está encostada à sepultura 2 e à parede nordeste do tanque, mas a sudeste estende-se para além da parede do tanque, que para esse efeito foi cortada até uma profundidade indeterminada. Trata-se da última sepultura que foi construída neste espaço. A sepultura 2 estava a um nível levemente inferior ao da sepultura 1 e tem diferenças na construção. Tem 0,96 m de largura e apenas 1 m de comprimento a descoberto. Só estão visíveis as últimas três fiadas horizontais de tijolos, dispostos de forma escalonada e ligados por uma argamassa esbranquiçada arenosa. Tudo indica que a fiada inferior constitua o topo das paredes da sepultura e que as outras duas formem a tampa escalonada. A última fiada, com os tijolos dispostos na largura, fechou a sepultura. Os tijolos utilizados nesta sepultura eram inteiros, não se notando reutilização de materiais, à excepção do extremo sudeste da sepultura, onde já não houve espaço para uma tijoleira inteira e foi posta uma partida, do mesmo tipo, encostada à parede do tanque e rematada com três fragmentos de tijoleira ligados por argamassa. A sepultura 2 encosta à parede sudeste do tanque e apoia a sepultura 1, que no canto sul parece cobri-la um pouco. A relação estratigráfica com o murete [618] não é nítida, não se

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Fig. 8 Fragmento de pintura mural (N.º Inv. 9262) recolhido na u.e. [617]. Fragment of wall painting (Inv. No. 9262) collected in U.S. [617].

Fig. 9 Ânfora da forma Sado 1, variante B (N.º Inv. 6706) recolhida na u. e. [618]. Sado  variant B amphora (Inv. No. ) collected in U.S. [].

sabendo se essa estrutura foi construída antes ou depois da sepultura e se pertenceu a outra sepultura ou foi um elemento divisório de distintos espaços funerários. A sepultura 3 estava a um nível inferior e incompleta, já sem tampa, mas, à semelhança das sepulturas anteriores, não se escavou o seu interior por não estar toda à vista. Tem 0,90 m de largura e 1,05 m de comprimento visível. Na sua parede sudoeste é visível numa fiada de tijoleiras de pasta alaranjada e dimensões irregulares ajustadas à parede do tanque à qual encostam, e usando um ligante amarelado com nódulos de cal. A sua parede nordeste é constituída por blocos de pedra, essencialmente brecha da Arrábida, de pequena dimensão e ligados pelo mesmo tipo de ligante arenoso visível na outra parede. A ausência de cobertura sugere que a sepultura tenha sido violada no passado, mas fica por explicar o espaço vazio deixado entre esta realidade e a cobertura do tanque. Os níveis escavados eram praticamente estéreis de material, e só no murete [618] se recolheu um fragmento de pintura mural com um motivo vegetalista [fig. 8], diferente de qualquer das pinturas deste núcleo, e um fragmento de ânfora da forma Sado 1, variante B [fig. 9], datável de meados do século IV até à primeira metade do século V (Mayet e Silva, 1998). Não sendo possível pôr à vista as sepulturas completas, por não ser possível prolongar a sondagem para noroeste, foi interrompida a escavação nesta sondagem, esperando -se que possa ser prosseguida quando a actual cobertura provisória for substituída por uma cobertura definitiva. O desenho das partes visíveis dos tanques permitiu reconstituir o seu traçado no interior da basílica. 3. Uma nova leitura do núcleo da basílica paleocristã O principal objectivo da abertura da sondagem dentro de um tanque de salga subjacente à basílica, que era a datação da construção deste edifício, não foi plenamente conseguido. A única peça datável recolhida no tanque escavado revela apenas que o fecho desse tanque não é anterior à segunda metade do século IV e que, consequentemente, a basílica também não é anterior a esse período. No entanto, se a datação desta peça constitui um terminus post quem, não oferece uma datação muito precisa.

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Fig. 10 Sepultura 4 sob o pavimento da basílica. Tomb 4 beneath the basilica pavement.

Fig. 11 Sepulturas do compartimento D. Tombs in room D.

Fig. 12 Sepultura 49 sob o pilar incorporado na parede sudoeste da basílica. Tomb  under the pillar incorporated in the Southwest wall of the basilica.

Fig. 13 Sepultura 69 do compartimento E. Tomb  in room E.

O que é uma evidência, e uma novidade, e permite uma releitura da evolução do edifício, é que o tanque 8 foi transformado em sepulcro colectivo, cujo fecho não aconteceu antes de meados do século iv, e que o pavimento da basílica foi assentar directamente sobre a sua cobertura, sem qualquer nível de abandono intercalar. Estando todo o interior da basílica a descoberto durante a sondagem, constatou-se que no canto norte do corpo da igreja estava à vista outra sepultura inequivocamente sob o pavimento da basílica, a sepultura 4 [fig. 10]. Ficou claro que a basílica assenta numa necrópole mais antiga. Por outro lado, a cobertura do tanque 8/sepulcro, com 3,20 m de comprimento, lembrava de sobremaneira as grandes coberturas de opus signinum das áreas de necrópole situadas nos compartimentos B, C e D da suposta área residencial imediatamente a sudoeste da basílica [figs. 3 e 11]. Analisando -as de novo, constatou-se que um pilar incorporado na parede sudoeste da basílica assenta na sepultura 49 [fig. 12]. Deduzimos, por conseguinte, que a necrópole com sepulturas cobertas de opus signinum situada nos compartimentos a sudoeste da basílica é igualmente anterior à basílica. De um segundo momento é certamente o conjunto de sepulturas do espaço F, incluindo uma sepultura de mesa em sigma (n.º 69) [fig. 13], construído neste compartimento certamente sobre um nível de sepulturas mais antigo, tendo em conta que a parede noroeste foi construída sobre a sepultura 64. Sem qualquer pretensão de dar uma explicação exaustiva e definitiva sobre este núcleo, quando muito está ainda por compreender, propomos três fases de ocupação principais que podem compreender vários momentos de construção:

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· Primeira fase: oficina de salga (A) convivendo com um edifício residencial a sudoeste (B -C-D-E) [fig. 14]. · Segunda fase: transformação da parte sudoeste da oficina de salga (A) e da área residencial (B -C-D-E) em recintos funerários com múltiplas sepulturas. O espaço F surge num segundo momento [fig. 15]. · Terceira fase: construção de uma basílica cristã sobre a necrópole instalada na oficina de salga (A) e no espaço a noroeste (G), articulada com um compartimento a norte (H) [fig. 19]. Primeira fase Da primeira fase será o traçado original da oficina de salga 6 (A), do qual se conservam os tanques, em parte escondidos pelas construções posteriores, e talvez parte das paredes-mestras a noroeste do tanque 7 e a sudoeste do tanque 9. As restantes paredes vieram a ser substituídas ou demolidas aquando da adaptação do edifício a recinto funerário e basílica. A sudoeste da oficina de salga (A) situava-se uma área residencial, que ocuparia os espaços B, C, D e E, e que se prolongaria para sudoeste e sudeste, reduzida na actualidade pela construção da casa aí situada, conhecida como Palácio Sottomayor. A um primeiro momento de construção pertencerão as paredes do compartimento B e também as paredes sudoeste e sudeste do espaço D. De um segundo momento serão as paredes noroeste, nordeste (a noroeste da entrada) e sudeste do compartimento C, tendo em conta que a parede noroeste do compartimento C está adossada à parede noroeste do compartimento B. Por outro lado, o desalinhamento das duas paredes nordeste do compartimento C, que ladeiam uma entrada, poderá explicar-se por a parede a sudoeste do tanque 9 pertencer originalmente à oficina de salga. O carácter residencial deste edifício é sugerido pela pintura mural que se conserva nas paredes noroeste e sudeste do compartimento B. Que datação atribuir à primeira fase? Justino Maciel (1996, p. 237) data a primeira camada da pintura da parede noroeste do compartimento B de meados ou segunda metade do século II e não há, por agora, outro elemento de datação.

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Fig. 14 Planta da 1.ª fase. Plan of Phase One.

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Fig. 15 Planta da 2.ª fase. Plan of Phase Two.

Fig. 16 Sepultura identificada na Ponta do Verde. Tomb identified at Ponta do Verde.

Segunda fase Nesta fase [fig. 15], é demolida a parede que dividia os espaços B e C e nesse grande compartimento, tal como nos compartimentos D e E, é instalada uma necrópole com sepulturas com cobertura em opus signinum, por vezes com uma placa de mármore inserta. As sepulturas do espaço E prolongar-se-iam para sudeste, hoje ocultas pelas sepulturas do compartimento F, de um segundo momento e num plano superior. Na parte sudoeste da oficina 6 (A), no espaço da futura basílica, terão sido instaladas igualmente sepulturas com cobertura em opus signinum [fig. 10] e um dos tanques, pelo menos, como acima foi demonstrado, foi utilizado de forma intensiva e continuada para vários enterramentos. A disposição das sepulturas em vários níveis, construídas em vários momentos, e o tanque/sepulcro a certo momento selado por uma cobertura única sugerem uma gestão do espaço funerário com alguma complexidade, talvez a cargo de uma associação ou colégio funerário. Não havendo sinais de sepulturas no compartimento G, presume-se que este recinto funerário ocupasse apenas o espaço do compartimento A. Algumas das coberturas dos espaços B/C e D são de grandes dimensões, com um comprimento entre 3,70 m e 2,60 m, e uma largura entre 1,60 m e 2,50 m. Serão sepulcros com várias sepulturas, como acontece no tanque 8 da oficina 6? A recente escavação de uma sepultura danificada pelas marés na Ponta do Verde [fig. 1] revelou uma sepultura com uma cobertura em opus signinum com 3,10 m de comprimento e uma largura reconstituída de cerca de 2,30 m. Esta grande placa cobria uma única sepultura rectangular, em tijolo, com a tampa escalonada [fig. 16], mostrando que uma grande cobertura não esconde forçosamente várias sepulturas. No entanto, a sepultura da Ponta do Verde tem uma placa de mármore inserta, como acontece em várias sepulturas individuais da necrópole a sudoeste da futura basílica, enquanto as grandes coberturas nesses espaços não têm

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qualquer placa de mármore. De qualquer forma, manda a prudência que, até prova em contrário, cada cobertura seja considerada uma sepultura. No espaço B/C eram visíveis 16 sepulturas, duas delas de grandes dimensões (n.º 39 e 40) e sete com uma placa de mármore inserta. No espaço D há 15 sepulturas, algumas delas grandes, em especial a n.º 51, e duas com placa de mármore, enquanto no espaço E há uma sepultura grande, com 3,10 m de comprimento e mais de 2,10 de largura. Uma singularidade desta primeira necrópole, em qualquer das áreas, é que as sepulturas foram feitas e cobertas de modo a manter um chão liso, sem qualquer obstáculo, onde se podia circular perfeitamente, se não mesmo utilizar o espaço para outros efeitos, eventualmente para banquetes funerários, com mobiliário móvel, ou outras celebrações. Num segundo momento, foi entaipada a entrada na parede sudoeste do espaço D e construída a parede noroeste do compartimento F sobre a grande sepultura 64 [fig. 17], formando -se um pequeno mausoléu com sepulturas construídas em altura e sobrepostas, igualmente com coberturas em opus signinum, uma delas a referida sepultura de mesa em sigma. É possível que este segundo conjunto de sepulturas seja contemporâneo da basílica, mas não havendo uma ligação física entre os dois espaços, é impossível sabê-lo, e preferimos considerá-lo como um segundo momento da mesma necrópole, da segunda fase de ocupação do núcleo em estudo. Quando se terá dado a conversão dos espaços habitacional e fabril em necrópole? A segunda e última fase da pintura das paredes noroeste e sudoeste do compartimento B, que pertenciam certamente a uma casa de habitação, é datada por Justino Maciel da época da Tetrarquia (293-313) (1996, p. 239), ou seja, não anterior a finais do século III, o que sugere que esse espaço era ainda de habitação nessa altura. Por outro lado, a escavação efectuada em 2007 no tanque 3 da oficina de salga 6 apontou para um abandono da produção de salgas de peixe nessa oficina na primeira metade do século IV, possivelmente ainda no primeiro quartel desse século (Silveira et al., 2014). Embora o tanque 3 esteja fora da área convertida em necrópole, é provável que a conversão dos espaços fabril e de habitação em espaços funerários coincida com a data da desactivação da oficina. Por conseguinte, parece-nos que a necrópole de sepulturas com cobertura em opus signinum que ocupou os compartimentos deste núcleo possa ter começado no segundo quartel ou em meados do século IV, e que tenha sido utilizada, pelo menos, durante a segunda metade dessa centúria. Terceira fase A terceira fase deste núcleo consiste na transformação do recinto funerário A, acrescido do compartimento G, num edifício com 21,7 m por 11,5 m de dimensão interna máxima (Maciel,

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Fig. 17 Parede sobre a sepultura 64. Wall over tomb .

Fig. 18 Parede nordeste da basílica. Northeast wall of the basilica.

Fig. 19 Planta da 3.ª fase. Plan of Phase Three.

1996, p. 229), dividido em quatro naves transversais por três arcadas [figs. 18 e 19]. A nave mais ocidental ficou reduzida por um compartimento situado no canto norte (H), com uma entrada para o edifício. É evidente que esta construção foi afectada por constrangimentos decorrentes da ocupação prévia do espaço, não só da oficina de salga e da necrópole mas também de eventuais e mal definidas construções pré-existentes nos espaços G e H. Houve uma estratégia nítida de apoiar as paredes do edifício sobre as paredes da oficina de salga e o enviesamento da planta da oficina de salga fez com que o recinto ficasse com uma forma irregular. Com efeito, esta oficina, ao contrário do habitual, tem as suas fiadas de tanques nordeste e sudoeste formando ângulos obtusos com a fiada noroeste, ou seja, abrindo ligeiramente em V. Ao assentar a parede sudoeste sobre a fundação da mesma parede da oficina, a parede nordeste, que se queria paralela à anterior, já não pôde ser alinhada com a parede divisória dos tanques 6 e 7, e ficou enviesada em relação a esta. J. Maciel mostrou com pertinência que as arcadas que dividiram este edifício de culto em naves foram adossadas às paredes e estão desarticuladas das entradas, além de as paredes serem muito irregulares e não parecerem ter sido feitas para receber a pintura mural que irá decorar a basílica. Tentámos explicar esse facto, num primeiro momento, atribuindo as paredes do edifício à segunda fase, em que constituiriam a delimitação do recinto funerário  A, recebendo as arcadas e a pintura mural apenas na terceira fase. Só que essa explicação não é sustentável devido ao pilar incorporado na parede sudoeste e que assenta na sepultura 49. Com efeito, este pilar, que é nitidamente posterior à necrópole, foi necessário para sustentar o pilar sudoeste de uma das arcadas da basílica, certamente num momento em que não havia aí ainda uma parede, apenas a fundação da parede da oficina de salga, provavelmente demolida na segunda fase para ligar os recintos funerários A e D. A ausência desta parede no momento de construir as arcadas sugere que paredes e arcadas, ainda que ajustadas a estruturas pré-existentes, são do mesmo plano de construção.

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Tendo em conta a construção deste pilar, em vez de uma parede, terá havido, durante algum tempo, uma passagem mais larga entre a basílica e o antigo espaço de necrópole D? As paredes nordeste do espaço D são homogéneas quanto ao seu tipo de construção e a pintura mural que as decora sugere uma só fase de execução, e por conseguinte o pilar explicar-se-á como reforço para sustentação da arcada e contemporâneo das paredes. É normal que as arcadas estejam adossadas às paredes do edifício e a localização das entradas poderá eventualmente ter sido determinada pelos espaços exteriores, enquanto a pintura mural pode ter resultado de uma decisão posterior à construção do edifício. Além da construção das arcadas, a instalação deste edifício implicou um novo pavimento em argamassa de cal com pequenos seixos de várias cores que cobriu toda a área, e a pintura das paredes com motivos predominantemente geométricos e vegetalistas, imitação de mármore branco com veios cinzentos e outros motivos como palmetas, plantas aquáticas, um cântaro e o crísmon desenhado por I. Marques da Costa, hoje desaparecido. Noutro momento subsequente, a cabeceira foi sobrelevada cerca de 0,70 m e novas sepulturas foram progressivamente instaladas nos espaços interiores do edifício, e, num último momento, as entradas nordeste e sudoeste foram fechadas. Este edifício teve várias interpretações ao longo dos tempos, Inácio Marques da Costa (1933) considerou-o uma «casa sepulcral», Fernando de Almeida um pequeno templo cristão (Almeida e Matos, 1971) e uma capela cristã visigótica (Almeida e paixão, 1982), C. A. Ferreira de Almeida (1988, p. 28) uma basílica paleocristã, tal como J. Maciel (1996), identificação esta que J. Alarcão (2011, p. 341) não põe em causa. Recentemente, F. J. Heras (2011, p. 74) viu nele um templo de culto pagão, que eventualmente integrou um pequeno templo de culto mitraico, e esse templo poderá ter sido cristianizado. Além de não haver razão para duvidar do crísmon desenhado por I. M. da Costa, dada a pertinência de toda a sua descrição das pinturas da basílica, o facto de este edifício assentar directamente sobre uma necrópole parece-nos um forte argumento a favor da sua identidade cristã. A datação da instalação da basílica paleocristã não se pode ainda apoiar em dados estratigráficos resultantes de escavação mas continua a fundamentar-se no estilo das pinturas que Justino Maciel e Rui Pedroso datam dos finais do século IV – inícios do século V. A provável datação do século IV da necrópole em que assenta vem confortar esta datação sem a provar. 4. Uma sepultura paleocristã Desde Julho de 2008 que se reconheceu uma parede com pintura vermelha entre as estruturas romanas situadas na orla do estuário do Sado [fig. 1 e 20]. Essa parede estava parcialmente coberta pela vertente de uma duna muito alta e íngreme que as marés mais altas iam desagregando na base, fazendo deslizar as areias de cima. Em Junho de 2009 ficou visível uma cruz vermelha com um triângulo debaixo do seu braço direito que o Professor Justino Maciel identificou como uma cruz pátea latina, confirmando

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Fig. 20 Vista geral da área onde foi encontrada a sepultura. Overview of the area in which the tomb was found.

Fig. 21 Pintura em torno de um nicho que formava a cabeceira de uma sepultura. Painting around a niche that constituted the head of a tomb.

Fig. 22 Desenho da pintura mural da sepultura paleocristã. Drawing of the wall painting of the early Christian tomb.

Fig. 23 Cobertura da sepultura paleocristã com concavidade e canal. Cover of the early Christians with concavity and canal.

tratar-se de uma pintura paleocristã. No final de Agosto desse ano, estava à vista a pintura completa, disposta à volta de um nicho [fig. 21]. A pintura foi feita a fresco sobre um reboco de cal e areia e mostrava uma composição de cruzes dispostas à volta de um nicho cujo rebordo estava igualmente pintado a vermelho escuro [fig. 22]. Duas cruzes ladeavam o nicho à direita e à esquerda, tendo triângulos sob os seus braços. Por cima do nicho, perdeu-se uma parte do reboco com pintura, mas conservou-se um fragmento que parece ser parte do tronco superior de uma terceira cruz, embora o espaço entre este troço e o nicho seja insuficiente para uma cruz do mesmo tamanho das outras duas. Sobre a cruz do lado esquerdo havia uns traços de pintura que o Professor Jorge de Alarcão propôs que sejam a cauda de uma pomba. A enquadrar este conjunto, um arco de volta perfeita, em jeito de pórtico muito estilizado. O nicho parece ter sido feito num agulheiro revestido a tijolo que era parte integrante da parede. O seu interior foi rebocado com o mesmo reboco que recebeu a pintura, e à face da parede, a moldura de tijolos foi pintada com a mesma tinta vermelha escura. Não é evidente que função teve este nicho, apenas se verificou que o seu interior não tinha qualquer sinal de fuligem. Esta pintura formava a cabeceira de uma sepultura, já muito incompleta, coberta por uma placa de opus signinum apoiada na mesma parede onde estava a pintura [fig. 23]. A cobertura de opus signinum tinha o topo relativamente horizontal e teria a forma, em perfil, de um U invertido, sendo visível a «parede» nordeste, que fazia ângulo com a parte supe-

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rior, podendo considerar-se uma mensa rectangular. Sob a camada de opus signinum viam-se restos do habitual embasamento de pedras ligadas por argamassa. Mas esta mensa revelou-se original por ter no seu topo, junto à cabeceira, uma concavidade circular com um pequeno canal, aparentemente destinado a libações. Sob a cobertura em opus signinum estava uma sepultura orientada no sentido noroeste – sudeste, já bastante incompleta, com paredes feitas de pedras e tijolos, sendo coberta por um pequeno telhado de duas águas feito com imbrices dispostos obliquamente [figs. 24 e 25]. A base da sepultura, onde estaria depositado o corpo, e do qual restavam apenas dois ossos, era constituída por uma espessa camada de terra argilosa que assentava num nível de areia branca. Os ossos recolhidos foram estudados por Margarida Figueiredo e revelaram ser o úmero e o fémur de um adulto, mas a extrema fragmentação das diáfises e a desmineralização do tecido ósseo não permitiram retirar qualquer outra informação. ALÇADO SUSUDOESTE

ALÇADO NORNOROESTE

SOUTHSOUTHWEST ELEVATION

NORTHNORTHWEST ELEVATION

Fig. 24 Aspecto do corte efectuado na sepultura pela acção das marés. View of the cut in the tomb caused by tide action.

Fig. 25 Alçados Su-sudeste e Nor-noroeste da sepultura. South-Southwest and North-Northwest elevations of the tomb.

Esta sepultura de mesa com uma pintura paleocristã na cabeceira foi instalada num pequeno edifício que conserva três das suas paredes e tinha 3,50 m de comprimento incompleto e 3,80 m de largura [figs. 20 e 26]. Devido à sua localização sob a vertente de uma duna que o mar vai descalçando, e de as estruturas estarem sujeitas a desmoronamento devido à pressão das areias, não foi possível efectuar trabalhos de escavação. Dada a disposição da sepultura, tudo aponta para que o edifício tenha funcionado como um mausoléu ou uma pequena basílica e que a sepultura tivesse bastante visibilidade, lembrando as sepulturas privilegiadas tão comuns no Norte de África (Macias, 1995, p. 292).

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Fig. 26 Localização da sepultura nas Ruínas Romanas de Tróia (baseado em IPPAR 2006). Location of the tomb in the Roman Ruins of Tróia (based on IPPAR ).

Fig. 27 Porta entaipada sob a pintura mural. Sealed door under the wall painting.

No entanto, a observação das estruturas existentes mostrou que a utilização funerária deste edifício foi uma reconversão tardia de um espaço construído com outro propósito. Logo abaixo da sepultura, na areia da praia, foram recolhidos grandes fragmentos de ânfora Dressel 20 que podem indiciar, numa fase antiga, a existência de um armazém. A própria parede onde está a pintura tem uma porta entaipada [fig. 27], sugerindo que se trata de um edifício que sofreu remodelações. Este é um processo muito habitual em Tróia segundo o qual espaços «vivos», sejam de habitação, sejam fabris, a dado momento são transformados em espaços funerários, como acima se documentou no núcleo da basílica paleocristã. Que datação atribuir a esta sepultura e à sua pintura? Na ausência de trabalhos arqueológicos, não há dados cronológicos concretos. Resta a apreciação da própria mensa e da pintura, o que não permite uma grande precisão.

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As sepulturas de mesa não são fáceis de datar pois habitualmente não têm espólio. Excepções são duas mensae em sigma, uma de Cherchell (Argélia), com uma incineração, datável do século II (Leveau, 1978), e outra de Mérida, de finais do século III (Méndez, Ojeda e Abad, 2004, p. 444). Comuns na África romana no século IV, nomeadamente em Tipasa (Argélia) (Février, 1970, p. 202-203), também surgem na Hispânia. As mensae em sigma de Tarragona estão datadas de meados do século IV até à primeira metade do século V (Del Amo, 1979, p. 146), enquanto as de Cartagena foram datadas de finais do século IV, inícios do V (Sanmartín Moro e Palol, 1972, p. 458; Berrocal e Laiz, 1995, p. 163). Na África romana, as mensae prolongam-se até ao século VI (Duval, 1995, p. 200). A sepultura em estudo estaria coberta por uma mensa rectangular com os ângulos arredondados, tal como algumas da necrópole nos espaços do núcleo da basílica e da necrópole a sul da capela de Nossa Senhora de Tróia, onde estas mensae convivem com as mensae em sigma. Logo, uma datação lata do século IV até ao século VI é possível. Esta sepultura é original pela pintura na cabeceira e pelo dispositivo para libações e não se detectou, até agora, em Tróia, outras que se lhe assemelhem. À primeira vista, a presença de um dispositivo para libações numa sepultura cristã sugere uma simbiose de rituais pagãos e cristãos. A verdade é que o ágape funerário, de origem pagã, e pese a discordância da Igreja e de bispos como Santo Agostinho e São Jerónimo, se tornou um ritual absolutamente comum entre os cristãos, que lhe davam um sentido novo. Por exemplo, como demonstra P. Février (1977, p. 29-33), na catacumba de Pedro e Marcelino, em Roma, há várias cenas pintadas de banquetes em leitos em forma de sigma, com mesas circulares no centro, que mostram a prática de refeições funerárias entre os cristãos. E há mensae construídas em espaços funerários cristãos para uso efectivo, como por exemplo em Tipasa, na basílica do bispo Alexandre, no início do século V (Lancel, 1966, p. 50). Na mesma cidade de Tipasa, há mensae funerárias em sigma, cristãs, que têm acoplada uma pequena bacia com um canal por onde escorriam os líquidos para a mesa central do monumento (Février, 1977, p. 29-30). A iconografia da pintura, ainda que rica em significado, também não possibilita uma datação precisa. A cruz, evocando a morte a ressurreição de Cristo, aparece em lápides funerárias da Lusitânia desde o final do século IV, sendo um exemplo uma lápide de Mérida datada de 388 d.C. com uma cruz entre um alfa e um ómega (Rámirez Sádaba e Mateos Cruz, 2000, n.º 65). Este símbolo cristão vai perdurar nos séculos seguintes como se documenta, por exemplo, em Mértola e em Silveirona. A lápide de Leopardus, de Mértola, datada de 525 (Dias e Torres, 1992) tem uma cruz pátea latina. Nas moedas a cruz aparece desde o final do século IV, enquanto na decoração da terra sigillata africana só é introduzida no estilo de transição A (iii)/E(i) e constitui uma marca distintiva do estilo D de Hayes, a partir de meados do século V (1972, p. 219 e 221), à semelhança

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do que é apontado para a terra sigillata foceense (1972, p. 348). Nas lucernas a decoração com a cruz monogramática não aparece antes do final do século V (Bonifay, 2004, p. 382). Logo, a utilização do motivo da cruz é possível desde finais do século IV mas mais comum desde a segunda metade do século V. E como interpretar os triângulos sob os braços das cruzes? Serão inspirados no crísmon com alfa e ómega em posição idêntica, e que o artista não teve capacidade para reproduzir, duplicando o alfa e omitindo o ómega? Ou pretendem antes reproduzir as cruzes cerimoniais típicas da ourivesaria, uma moda do século VI na terra sigillata africana (Hayes, 1972, p. 287), que podiam ter pendentes associados, à semelhança das que foram usadas no grupo III de Hayes relativo à terra sigillata foceense, aparentemente desde os finais do século V e durante a primeira metade do século VI (Hayes, 1972, p. 368)? Já as cruzes de monograma com alfa sob os ombros, dos estilos D e E de terra sigillata africana, são frequentes entre 460 e 520, e de finais do século V, no caso dos exemplares de terra sigillata foceense (Hayes, 1972, p. 273 e 363). O pórtico evocará a ideia do templo espiritual de que os crentes são as pedras vivas (Maciel, 1996, p. 182). O arco de volta perfeita sobre colunas, embora com um detalhe que o da pintura de Tróia não tem, é um elemento muito típico das lápides paleocristãs de Mértola, como por exemplo a de Possidonius, datada de 512 (Dias e Torres, 1984) e a de Leopardus de 525 (Dias e Torres, 1992). De acordo com S. Macias (1995, p. 283) é um tema que se cinge à Lusitânia e ocorre durante o século VI. Significa isto que é mais provável que esta pintura seja da segunda metade do século V ou do século VI, época de que há vestígios em Tróia, ainda que pouco abundantes. Com efeito, o estudo da terra sigillata tem mostrado que as importações destas cerâmicas sofreram um grande declínio a partir de meados do século V (Silva, 2010, p. 112), e algumas oficinas de salga poderão ter sido abandonadas a partir do primeiro quartel dessa centúria (Magalhães, 2012, p. 370; Pinto, Magalhães e Brum, 2012, p. 406). Não obstante, as formas mais tardias de terra sigillata reconhecidas no sítio são produzidas até ao século VII (Étienne, Makaroun, Mayet, 1994, p. 43-49), e só um estudo sistemático que determine as variantes destas formas poderá afinar o momento em que terminam estas importações (Magalhães, 2012). O que significa que ainda que em declínio, e com a produção de salgas já abandonada, Tróia poderá ter sido ainda frequentada até esse período. O que é indiscutível é que esta é a única sepultura até agora encontrada nesta estação com simbologia cristã e trata-se, ainda, da primeira representação da cruz associada a uma estrutura arquitectónica. Por outro lado, comprova-se a identidade cristã de uma sepultura de mesa rectangular.5 ⁵

Uma vez liberta das areias, a pintura ficou à mercê das intempéries, numa situação de fragilidade total. Foi necessário proceder ao seu destaque e reconstituição num suporte móvel, tarefas realizadas sob a direcção do conservador-restaurador José Artur Pestana da empresa Mural da História, Restauro de Pintura Mural, Lda. Esta peça e o fragmento da mensa com a concavidade e o canal estão desde 2012 em exposição no Clube de Golfe de Tróia.

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Conclusão Uma sondagem realizada na basílica de Tróia em 2009 revelou a existência de novas sepulturas sob o pavimento, dentro de um tanque da oficina de salga subjacente. Este facto demonstra que este edifício foi construído sobre uma necrópole, fenómeno comum nas basílicas paleocristãs, mas que elimina a anterior proposta desta basílica como tendo evoluído de uma aula/ basilica para um edifício de culto. A observação de outra evidência, nomeadamente de um pilar incorporado na parede da basílica que assenta sobre uma sepultura do espaço contíguo à basílica a sudoeste, veio mostrar que essa necrópole se estendia aos compartimentos que rodeiam a basílica a sul e a sudoeste. Fica claro que a evolução do espaço arquitectónico começou por uma oficina de salga convivendo com uma habitação, como era sabido, mas estes foram transformados em recintos funerários e só depois a basílica foi instalada sobre o recinto que ocupara parte da oficina de salga, adaptando -se ao traçado arquitectónico pré-existente, e novamente utilizada como espaço funerário. Sem dados cronológicos definitivos, a evidência aponta para uma datação da necrópole do século IV, mais provável a partir do segundo quartel, enquanto a basílica poderá estar bem datada de finais do século IV ou inícios do V, embora possa ser mais tardia. O reconhecimento de uma sepultura de mesa com dispositivo para libações e com simbologia cristã na cabeceira vem comprovar a prática de oferendas pelos cristãos de Tróia, à imagem do que acontecia em Roma ou na África romana, e que já era sugerido pelas conhecidas sepulturas de mesa em sigma descobertas nos anos 70 do século XX. Com uma datação que se poderá atribuir genericamente ao século V ou VI, trata-se de um caso raro de pintura mural a ornamentar a cabeceira de uma sepultura e utilizando o motivo da cruz latina. Fica melhor documentado o culto cristão e os seus reflexos na arquitectura e manifestações funerárias no grande centro de produção de salgas de peixe de Tróia.

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