Novos meios e novos formatos: a reinvenção da indústria da música no Brasil

June 25, 2017 | Autor: Ivaldo Moreira | Categoria: Tecnologia, Produção Musical, Formatos Cine, Indústria Da Música, Meios
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Novos meios e novos formatos: a reinvenção da indústria da música no Brasil. Ivaldo MOREIRA1 Svea KRONER2 Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

RESUMO Neste artigo fizemos uma breve retrospectiva da trama histórica pela qual a indústria da música no Brasil vem sendo processualmente transformada. A partir da tríade ‘artista, gravadora, público’ e sua relação com os agentes midiáticos de difusão, buscamos compreender como os novos dispositivos e plataformas têm transformado as dinâmicas de distribuição, tanto de gravadoras quanto de artistas independentes. Por fim, convidamos o leitor a uma reflexão sobre esta questão (e suas possíveis consequências) no competitivo mercado da música. PALAVRAS-CHAVE: Formatos; meios; indústria da música; tecnologia; produção musical.

Introdução

No início do século passado, a música popular no Brasil começava a fazer os seus primeiros ensaios rumo ao modesto mercado do entretenimento e com ele, suas aventuras, mazelas e certa inocência, fruto da inabilidade daqueles que operavam naquele novo cenário que se anunciava. Até aquele momento, os ganhos financeiros através da música, pairavam sobre as vendas de partituras de piano, do emprego em casas de comércio, e também dos trabalhos 1

MOREIRA, Ivaldo. Pedagogo, Radialista, Músico. Mestrando em Comunicação pela Universidade Paulista – UNIP. Membro do grupo de pesquisa ‘Mídia, Cultura e Memória’, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Adami. São Paulo, Brasil. [email protected] 2 KRONER, Svea. Representante da Deutsche Welle no Brasil. Mestre em Comunicação pela Universidade Paulista – UNIP. Membro do grupo de pesquisa ‘Mídia, Cultura e Memória’ – UNIP. São Paulo, Brasil. [email protected]

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eventuais em teatros, cinemas e concertos estrangeiros de passagem pelo país. A grande revolução se deu de fato quando se tornou possível a gravação de músicas para a venda de discos, o que viria a acontecer de forma mais abrangente quando se apostou nos flat-discs, como explica Tinhorão (1981, p. 22) os “celuloides inquebráveis”, “os únicos que uma vez sujos podem ser lavados com água e sabão”. Esta mudança de comportamento em relação ao que até então predominava no mundo da música, permitiu a profissionalização de músicos que antes se bastavam pela generosidade de alguns trocados – agrados em forma de cachê – que vinham dos bailes, aniversários, eventos populares ou, quando muito, pelo simples prazer de tocar. Com o início da produção de discos em massa, a partir de 1904 – o que seria facilitado pela fraca expansão dos fonógrafos de cilindro3, olhados até então no Brasil mais como curiosidades – Frederico Figner 4 precisou enfrentar o problema da produção artística, o que resultou em uma série de providências altamente benéficas para a música popular brasileira, ao menos nesse primeiro momento das relações entre a criação popular e a tecnologia. Uma das vantagens iniciais da transformação da música em produto industrial, para os músicos populares, foi a ampliação do seu mercado de trabalho. (TINHORÃO 1981, p. 23).

Os processos que durante algum tempo nutriram a relação artista, meio e gravadora passaram a exigir, a partir da década de 1930, quando o rádio se tornou ainda mais popular e abrangente, uma nova postura: cantar ou falar no rádio deixou de ser uma atração que estava acima do interesse financeiro. Uma nova mentalidade se instituía na forma de se pensar o meio, “Embora não houvesse anúncios e a situação econômica das rádios só permitisse pagar “cachês que variavam de cinco a trinta mil-réis”, como recorda Almirante5[...]” (TINHORÃO, 3

O fonógrafo de cilindro tinha uma gravação de som literalmente gravado na superfície do lado de fora, que podia ser reproduzido em um fonógrafo mecânico. 4 Frederico Figner: Imigrante tcheco de origem judaica, nascido em Milevsko, na então Boêmia em 02 de dezembro de 1866. Fred Figner, foi o mais bem sucedido de todos os pioneiros propagandistas do fonógrafo. 5 Henrique Foréis Domingues - Rio de Janeiro ( 1908-1980) foi um cantor, compositor e radialista. Na Era de Ouro do Rádio era conhecido por Almirante "a mais alta patente do Rádio".

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1981,p.40-41), a notoriedade na transmissão avançava e ficava patente que falar ou cantar diante dos microfones alimentava a vaidade pessoal e consequentemente tanto artistas quanto o próprio rádio, começavam a conquistar popularidade e com ela uma ideia mais contestadora e cobiçosa. Diante deste fato, uma nova ordem comercial se configurou, abrindo espaço para o rádio moderno. Atendendo a todos os gostos populares, ampliou a venda das mensagens publicitárias nos intervalos de sua programação, tornando-se mais eficiente enquanto veículo. Duas décadas depois, surgiu a televisão. De início, o alto custo dos aparelhos e o acesso à sua programação eram restritos a um público de alto poder aquisitivo, ocasionando uma espécie de filtro, dando-lhe um status de glamour. O seu potencial na divulgação da música popular começou a se manifestar, no Brasil, somente a partir de meados da década de 1960, quando os artistas eram convidados a participar dos programas - e ganhavam até cachê por essa participação. No entanto, a sorte dos artistas começou a mudar quando os dirigentes das emissoras se deram conta do enorme alcance e do poder da nova mídia. O espaço na programação se tornou cada vez mais disputado e as grandes gravadoras não poupavam esforços para ver os seus artistas brilhando na telinha e ganhando cada vez mais popularidade. Para elas, todo aquele investimento revertia na venda de discos, o seu principal produto até então. Com a concorrência aumentando e o espaço ficando cada vez mais restrito, as gravadoras passaram a oferecer às emissoras, arranjos promocionais em forma de brindes como aparelhos domésticos, discos, carros, ingressos de shows e até viagens. Nas rádios para os ouvintes e nas tevês para os telespectadores. Porém, essa prática foi sendo ampliada, chegou até os corredores das emissoras e com ela vieram os acertos financeiros que passaram a ser tratados diretamente com as pessoas que respondiam pela produção dos programas e/ou pela programação, instituindo o que ficou conhecido no meio como o ‘jabá’6. Dessa forma, o

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Jabá é um termo utilizado na indústria da música brasileira para denominar uma espécie de suborno em que gravadoras pagam a emissoras de rádio ou TV pela execução de determinada música de um artista.[1]

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artista que não tinha como se beneficiar desse tipo de recurso, passou a ter menos visibilidade na mídia e, consequentemente, mais dificuldades em difundir sua obra no mainstream7. Tornava-se necessário, portanto, encontrar uma gravadora que investisse no artista e em sua obra. No entanto, na negociação entre artista e gravadora, a tomada de decisão quanto ao repertório e estratégias de divulgação, durante este período, era prioridade da gravadora - que ditava as regras para alcançar suas metas no mercado fonográfico. Eram estabelecidos segmentos e estilos musicais específicos, que acabavam por moldar um panorama de total dependência do artista em relação ao universo artístico fabricado por gravadoras e veículos, de acordo com seus interesses comerciais. Muitas vezes, em detrimento de uma nova onda mercadológica, de uma demanda, de um estilo ou de uma tendência, o artista era seduzido e deixava-se levar pelos encantamentos, abrindo mão de sua autenticidade e de sua criação original para não perder aquela que poderia ser a grande oportunidade da sua vida profissional e artística: o sonho do estrelato! É claro que não podemos e nem devemos generalizar, mas via de regra, quem dava as cartas eram sempre elas: as grandes gravadoras, sempre atentas ao que, supostamente, agrada ao mainstream. Era a gravadora – e não o artista - quem detinha todo o aparato organizacional para conduzir e/ou definir a carreira de um músico rumo à fama ou reconhecimento. Com o surgimento do mp3, 8 que permitia o download,9 o armazenamento e o compartilhamento digital de arquivos de áudio quase que instantaneamente e de forma gratuita, o músico encontrou na internet e em outros dispositivos a sua grande oportunidade de emancipação.

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Mainstream: corrente de opinião dominante da maioria da população. Mp3 (MPEG-1/2 Audio Layer 3) foi um dos primeiros tipos de compressão de áudio digital com perdas quase imperceptíveis ao ouvido humano. É um padrão de arquivos digitais de áudio 9 Download: Baixar, descarregar. Termo utilizado na obtenção de dados de um dispositivo através de um canal de comunicação. Expressão usual: Fazer o download de um arquivo. 8

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Dessa forma, cria-se uma situação absolutamente nova no cenário fonográfico-musical brasileiro: os artistas não precisam das gravadoras para produzir suas obras e levá-las ao mercado. Não apenas eles podem gravar suas músicas como também escolher como distribuí-las – se através de discos físicos ou meios digitais – utilizando, para tanto, canais alternativos de distribuição (distribuidoras independentes, internet etc.). Isso significa que as empresas fonográficas se tornaram, enquanto “gravadoras”, dispensáveis para a comunidade artística. (MARCHI, 2011, p.155)

Os músicos passaram a criar seus próprios sites e a oferecer gratuitamente seus fonogramas em mp3 com o objetivo de difundir suas obras e ampliar sua agenda de shows. Algumas práticas individuais se mostraram eficientes no mercado, conforme exemplo apresentado por Salazar (2012), a que levou o músico paulista Johann Brehmer, radicado em Olinda há dez anos, a fazer uso do Canvas – Quadro de Modelo de Negócios10 – como ferramenta para visualizar sua carreira musical de maneira global e integrada. Entre os nove componentes que compõe essa metodologia (segmentos de clientes, proposta de valor, canais, relacionamento com clientes, fontes de receita, recursos principais, atividades-chave, parcerias principais e estrutura de custos), o seu maior investimento é na convicção. E o artista passou a ser também, um empresário. As gravadoras por sua vez, passaram a conviver com outra realidade e foram obrigadas a aprimorar a criatividade para encontrar no mercado, modelos alternativos àqueles tradicionais e conservadores, dependentes das vendas diretas de seus produtos. Além da interferência no orçamento, a indústria fonográfica praticamente perdeu o controle de suas vendas, abrindo uma enorme brecha para as gravadoras independentes e também para pirataria: o custo de um CD tornou-se irrisório e, em muitos casos, esta mídia passou a ser oferecida gratuitamente para fins promocionais ao público interessado - seja pelos próprios músicos, como também

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Canvas: Este modelo de negócios está amplamente difundido no livro: Business Model Generation, Inovações em modelos de negócios de autoria de Alexander Osterwalder.

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por distribuidoras independentes. Isto graças às facilidades de gravação e copiagem no próprio computador pessoal. Também as redes sociais foram de grande ajuda para a difusão destes músicos, sobretudo redes internacionais como o MySpace e o Fandalism e a brasileira Clube Caiubi que têm contribuído não apenas para a mera divulgação, mas também para intercâmbios entre artistas de diversas regiões no Brasil e do mundo, inclusive promovendo algumas bem sucedidas parcerias entre músicos independentes de diferentes países. É fato que as mudanças são ingredientes constantes na história. Por meio delas novos caminhos e possibilidades nos são constantemente ofertados, garantindo assim a renovação. Muito além das questões jurídicas e burocráticas, a história da música se faz com inspiração, ousadia e criatividade. A indústria da música, seja ela brasileira ou internacional, compreende um palco de várias conjunturas em sua trajetória. Uma trajetória que vem sendo construída através da evolução do disco, dos meios de divulgação, produção, fabricação e, sobretudo, da própria música em sua essência.

O rádio: O principal meio e um dos protagonistas da indústria da música.

A maior contribuição para a divulgação da música no território brasileiro em conformidade e unanimidade com o mundo foi e continua sendo o rádio, graças à sua enorme capacidade de difusão coletiva. Já é sabido que o rádio agrega, democratiza e permite grande interação entre os seus atores. Conforme já definia Tinhorão (1981, p.33), “A radiocomunicação, ou seja, a transmissão, através do espaço, de ondas eletromagnéticas capazes de reproduzir sons da mesma altura (radiotelegrafia) ou modulados (radiotelefonia), começou a ser tentada no Brasil ainda no séc XIX.” No início, as tímidas transmissões nos ambientes das Rádios Clube ainda

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não apontavam para a grandiosidade que se vincularia ao novo meio e com ele, à sua evolução constante. O rádio em ondas curtas, médias, longas e tropicais através do processo de transmissão usando o sistema de modulação em amplitude, as AMs (como são conhecidas popularmente), ganharam notoriedade e esboçaram um cenário promissor para o desenvolvimento da indústria da música, uma vez que se tornaram fortes agentes de divulgação de produtos fonográficos, entre outros. Concomitantemente à história do rádio, se deu de forma adjacente e, segundo Kischinhevsky, (2011, p.167 grifo nosso) “as indústrias fonográfica e do rádio desenvolveram-se de forma simbiótica ao longo do século XX, notadamente entre as décadas de 50 e 90, período que coincide com a ocupação e a explosão comercial da Frequência Modulada”. Este cenário revelava uma relação de dependência. Desde a sua descoberta e invenção, o rádio tem aglutinado popularidade e ainda hoje reserva para si significativa presença no mercado da música, sendo ele ainda considerado o grande catalisador promocional, instituidor no apreço de seus ouvintes e responsável pela figura do formador de opinião. As formas de reprodução são inúmeras, e utilizam vários métodos. Porém, hoje se vê obrigada a se balizar pelos formatos analógico e digital. Esta dupla oferta de opção de formato, foi a maior responsável pela drástica mudança de comportamento na distribuição e difusão radiofônica. E suas consequências foram inevitáveis... “As tecnologias digitais continuam não só diminuindo o tamanho dos equipamentos mas tornando-os bem mais versáteis, de tal sorte que os recursos de todo um estúdio – contato com a fonte, apresentação, entrevista, mixagem, gravação de várias pistas (multitrack) e edição – podem ser condensados num pacote portátil de execução automatizada.” (MCLEISH, 2001, p 13).

Com a propagação digital, por experiência notou-se que muito do que se havia conquistado no formato analógico em termos de qualidade sonora, como profundidade, corpo e volume, deixaram de ser percebidos na carga sonora digital. Porém, os softwares rapidamente se

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atualizaram e hoje fica praticamente impossível perceber essa diferença. Grande parte de um imenso catálogo em vinil, tornou-se um amontoado de registros que, ora simplesmente ocupavam espaço, ora traziam consigo todo um apego e romantismo ao que foi um dia construído e poderia eventualmente ser tocado e rememorado. Com o passar do tempo, as gravadoras começaram a lançar CDs de remix11 e também a remasterizar obras clássicas lançadas em vinil. Este processo de transição e atualização trouxe consigo reflexos e discussões. Enquanto alguns ponderavam com a novidade, outros criavam fortes resistências que, aos poucos, foram sendo superadas - principalmente com o anúncio de melhor qualidade de transmissão, por meio do rádio digital. Até hoje, ainda não existe de fato um sistema definido para o padrão tecnológico a ser adotado no Brasil (SBRD)12 o que segundo Freire (2012), embora tenham acontecido manifestos em defesa do padrão RDM (Rádio Digital Mundial) 13, as decisões ainda têm se limitado à esfera do Ministério das Comunicações sem um debate público aberto. Enquanto não se define o padrão a ser adotado e não ocorre o desenvolvimento dos aparelhos e receptores digitais para atender o mercado dos ouvintes brasileiros, a Internet tornou-se uma plataforma alternativa para o rádio, originando um novo rádio: as rádios embutidas em grandes portais e as webradios, com vida própria. Nesta nova plataforma, além de dispor de uma transmissão mais clara, de qualidade superior, tornou-se possível investir em programações mais ecléticas e simultâneas. No espaço da Internet, o rádio agregou novas peculiaridades tornando-se uma plataforma multimídia, que traz não somente transmissões sonoras, mas também disponibiliza textos e imagens, e converge com outros dispositivos receptores.

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Remix: Nome dado para uma música modificada por outra pessoa ou pelo próprio produtor. SBRD: Sistema Brasileiro de Radiodifusão Digital 13 RDM: Rádio Digital Mundial – Sistema europeu para, Digital Radio Mondiale. 12

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O artista: a estética e a realidade

O vértice principal nessa tríade da indústria da música e categoricamente reconhecido como a parte criativa do processo, é o artista, durante muito tempo controlado pela base da pirâmide, formado pelas gravadoras e pelo público, seu consumidor final. Essa condição que imperou desde o momento da implantação e da consolidação da indústria fonográfica no Brasil ainda no início do século passado, prosseguiu até o final da década de 1980; Período em que teve início o processo de reformulação na indústria da música por conta da abertura política iniciada em 1974 e terminou com a promulgação da nova Constituição brasileira em 05 de outubro de 1988. O período comandado pelas grandes gravadoras - as majors14 como são conhecidas - foi favorável a poucos músicos brasileiros, recheando de glamour e magnetismo suas brilhantes carreiras, temporárias ou duradouras, porém em muitos artistas deixou traumas profundos. Parecia natural que empresários, produtores, gravadoras, governo e até mesmo entidades que representavam estes artistas (sindicatos, associações etc.), fizessem uso de suas obras, sem dar-lhes qualquer tipo de assistência, conforme esclarece o parceiro constante de Milton Nascimento15, o compositor Fernando Brant16: Hoje tem uma geração de músicos muito mais esclarecida e responsável. O pessoal antigamente se bastava fazendo música, mas aí não tem previdência, não tem aposentadoria, perspectiva, não tem assim garantia nenhuma, não tem casa pra morar (própria) está sempre alugando, o dinheiro vai entrando e vai saindo [...]. A garotada nova de músicos que tá surgindo os que eu conheço, aqui, no Rio e em São Paulo [...] eles estão mais centrados na realidade do dia a dia deles, quer dizer eles são músicos mas ao mesmo tempo eles têm que cuidar de sobreviver. Eu conheço vários casos que 14

Majors: Termo utilizado no mercado fonográfico que faz referência às maiores gravadoras. Milton Nascimento: cantor e compositor brasileiro, reconhecido mundialmente como um dos mais influentes e talentosos cantores e compositores da Música Popular Brasileira. 16 Fernando Brant: letrista, compositor, jornalista e atual Diretor presidente da UBC - União Brasileira de Compositores. 15

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começaram com a gente lá na mesma época, e o cara não tem nada... ”vou ser despejado”, não tem nada, quer dizer, e aí ele começa a ser menos solicitado pra trabalho, porque a concorrência tá cada vez maior, então é um negócio que está a todo o momento rolando e a gente tem notícias de algum ou de alguns casos! (entrevista concedida em sua residência em Belo Horizonte, em Julho/2012)

Diante disso, fica evidente que o artista hoje está mais atento às questões que falam diretamente à sua carreira, aos cuidados demandados no trato de seus direitos, obrigações e benefícios. A informação chega mais rápido, o acesso a ela é mais abrangente e mais concreto, permitindo-lhe assumir com mais consciência, as rédeas de sua carreira.

Interfaces digitais

Observamos, assim, um artista cada vez mais mergulhado no universo que não é o da arte propriamente dita. Tendo que suportar individualmente seus custos e carreira, transformou-se num autogestor, transferindo para si todos os afazeres e obrigações que envolvem a conduta de uma carreira artística. Isso porque, além das facilidades de gravação no computador pessoal, a Internet tornou-se a grande aliada na divulgação e distribuição do trabalho artístico que hoje acontece em sites ou blogs pessoais, em plataformas de vídeo como o You Tube e o Vimeo e em redes sociais diversas, sejam elas nacionais ou internacionais - disponível a todo e qualquer usuário-consumidor em vários dispositivos. Segundo Boulay (2009, p. 49) “[...] a diversidade cultural, a “criatividade multiplicada” é, atualmente, uma fonte essencial para o público acessar as obras dos artistas, que não são mais canalizadas somente por grandes multinacionais [...]”. Dentre as plataformas de rede social mais populares atualmente, estão, sem dúvida, o You Tube e o Facebook. Mas há também redes sociais específicas, destinadas a usuários do

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universo musical. No Brasil, alguns exemplos são a rede independente Clube Caiubi, construída por compositores de música popular brasileira sobre a plataforma Ning e Palco MP3, embutida no portal Terra, ao lado de outras páginas de conteúdo musical como o Cifra Club. Quanto a redes de difusão internacionais de música independente, podemos citar: 1) Fandalism – uma espécie de LinkedIn de profissionais da música, em que os artistas criam seus perfis, postam seus vídeos, fotos e mp3 e interagem entre si. 2) Sonicbids – funciona como uma vitrine na qual o artista organiza suas informações para divulgar o seu trabalho a jornalistas e empresários e passar especificações de palco a produtores. 3) Merlin – sem fins lucrativos, esta organização tem como objetivo defender os direitos autorais de gravadoras independentes em âmbito internacional. Além dos espaços em formatos como os que acabamos de citar, qualquer músico tem a possibilidade de depositar seu fonograma em lojas virtuais como o iTunes, através de distribuidoras digitais como: ONErpm, imúsica e o CD Baby, além de produzir video-clipes que podem ser monetizados no You Tube, gerando receita através de um aplicativo de publicidade gratuito do Google, o AdSense. Este panorama exposto aqui de maneira bem resumida, está disponível a qualquer um que queira apropriar-se dele e de suas vantagens. Sendo ou não um artista, gravadora ou até mesmo um canal de mídia, a Internet recebe e aceita todo e qualquer tipo de conteúdo, sem julgamentos ou preferências. O problema do volume de informações exposto nos dispositivos de acesso, é que ele já está tão alto que espontaneamente os usuários estão criando filtros e selecionando somente o que lhes interessa, criando um novo desafio para provedores de conteúdo musical: destacar o produto, o artista. Tal como algumas redes já nasceram fazendo, as mídias sociais mais populares como You Tube e o Facebook que no início permitiam acessos e publicações totalmente gratuitas, vêm

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cobrando por espaços e recursos auxiliares para ações promocionais. Dessa forma, ganha destaque aquele que tiver mais recursos financeiros. Uma prática muito semelhante à que occoria nos auros tempos do rádio e depois da televisão... A história parece retornar ao ponto de virada. E o artista torna-se novamente refém.

Conclusão Os avanços tecnológicos obrigaram a indústria da música a se reinventar, sobretudo na forma de gerar receita por meio da distribuição. A adaptação na linguagem, forma e estilo, sobretudo nas questões e práticas dos direitos autorais, dos acessos, na distribuição e nos downloads não está sendo tão imediata como se poderia desejar, mas já está acontecendo. A música é uma poderosa via de acesso e um virtuoso produto de manifestação cultural e de humanidades, muito presente nas novas mídias que se apresentam aos já não mais ouvintes e sim usuários. Já não se compram tantos discos como antigamente, em compensação aparelhos como iPods17 com enorme capacidade de armazenamento, incentivam a aquisição de fonogramas baixados de lojas e distribuidoras virtuais, cliques em ‘curtir’ estimulam anunciantes e patrocinadores e assim por diante. Porém, nesse mar de ofertas, é preciso destacar-se. E, para se destacar, o artista precisa de um plano estratégico bem realizado, que atue em várias frentes. Isto exige dedicação, investimento financeiro e atualização constante, em um mercado altamente competitivo, que perdeu sua solidez e está em constante mutação. E além de tudo isso, o artista, que tornou-se um produtor multitarefa, ainda precisa criar.

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iPods: O iPod é uma linha de tocadores de mídia portáteis concebidos e comercializados pela Apple Inc. A primeira linha foi lançada em 10 de novembro de 2001. Estes aparelhos tem uma enorme capacidade de armazenamento digital.

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Referências na WEB GUIA BRASIL BLOG. A indústria da música está em crise? Disponível em: acesso em 14/11/2012. FANDALISM. Disponível em acesso em21/11/2012.

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Entrevista BRANT, Fernando. Entrevista realizada em sua residencia em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 24/07/2012.

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