“Novos” modelos de gestão, trabalho e taylorismo no espaço fabril

July 15, 2017 | Autor: L. Alves de Barros | Categoria: Socilogy, Trabalho, Reestruturação Produtiva, Sociologia do Trabalho
Share Embed


Descrição do Produto

1

“Novos” modelos de gestão, trabalho e taylorismo no espaço fabril * Lúcio Alves de Barros**

1. Introdução

É intenso o debate sobre os caminhos gerenciais e produtivos por que estão passando os processos de produção. Tornou-se comum ouvir falar em Qualidade Total, Círculos de Controle de Qualidade, Plano de Sugestões e outras “tecnologias gerenciais” que surgiram no Brasil no final da década de 70 e início da seguinte. Na esteira deste debate não ficaram de fora diversos consultores que, encantados pela “boa nova”, vêm ganhando duvidosa notoriedade em cursos que tratam da dinâmica gerencial. Só de passagem poderíamos citar temas que pecam pelo conteúdo abstrato e de relativo impacto nas organizações como é o caso das discussões sobre o trabalho em equipe, liderança, criatividade, motivação dentre outros. O deslocar de atenção das correlações de força que perpassam as relações de trabalho é um problema a nos preocupar. Temas colocados nas mesas de discussões muitas vezes são tratados como problemáticos, esquecidos como tais ou são alijados do processo. Este é o caso, por exemplo, do debate sobre democracia nas relações de trabalho, autonomia operária ou organização sindical. A grave crise econômica que se abriu na década de 80 demonstrou não apenas um momento de incertezas e redefinições na arena econômica e política de nossa sociedade, mas numa ação paralela ao movimento sindical que se fortalecia, as empresas, numa postura silenciosa e cuidadosa, iniciaram um duro período de reestruturação.

*

- Este artigo reproduz com modificações a parte conclusiva de minha dissertação de mestrado, O "novo" e o "velho": o trabalho e o processo produtivo em discussão: o caso da Companhia Siderúrgica Mendes Júnior / Belgo-Mineira Participação, defendida na UFMG em 1998. Neste trabalho, foi de capital importância a orientação de Vinícius Caldeira Brant (in memorian) a quem devo diversos comentários. Fui bastante beneficiado pelas observações da professora Maria Lígia Barbosa, da UFRJ e do Prof. Tom Dwyer (UNICAMP) a quem devo agradecimentos. Não obstante, os defeitos e limitações que sobrevivem nestas linhas são de inteira responsabilidade do autor. Agradeço à CAPES e FAPEMIG pelo auxílio ao projeto, sem o qual não teríamos condições para dar continuidade e conclusão à pesquisa. Este texto foi apresentado ao VIII Colóquio Internacional de Sociologia Clínica e Psicossociologia. Belo Horizonte, MG: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 03 a 06 de julho de 2001. ** - Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em Sociologia e Doutor em Ciências Humanas: Sociologia e Política pela UFMG. Professor na Faculdade de Educação da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais) campus BH.

2

Não são poucos os autores que apontam para dois caminhos da chamada reestruturação produtiva. O primeiro, diz respeito às modificações ocorridas nos processos de produção. Plantas industriais inteiras foram modificadas em seu maquinário. Máquinas de manuseio mecânico cederam espaço ao maquinário automático e baseado na microeletrônica. Este fato é de suma importância, pois se modificou não apenas o perfil produtivo, no qual se percebe a diminuição do trabalho vivo, a precarização das relações de trabalho e a flexibilidade do mercado, mas também mudanças significativas no comportamento de homens e mulheres que, no cenário da produção, tecem novas relações de trabalho configurando um novo e complexo imaginário. O segundo caminho que percorreu o mundo produtivo foi o das chamadas tecnologias gerenciais. Introduzidas no Brasil no final da década de 70, logo dominaram o cenário produtivo. Alicerçadas no que se convencionou chamar de políticas de recursos humanos, estas tecnologias - aproximando-se de parâmetros “científicos” - tomaram força e legitimidade principalmente ao ganharem força no mundo acadêmico. Tomadas como solução de problemas, o conteúdo de suas cartilhas logo se alastraram por fábricas, hospitais, consultórios, universidades, até bordéis. Mas nem tudo é novidade. No final do século XVIII, Taylor já havia constituído os primeiros passos da administração como “ciência”. Seguindo os passos do criador, não foram poucos os que resolveram trilhar o caminho da análise “científica” do trabalho. Tal como Taylor, Fayol, Henry Ford, passando pelas experiências de Ohno, somos surpreendidos pela tão instigante arte de estudar, modificar, interferir e controlar o trabalho. Esta rede de continuidades, na qual se misturam novas e velhas práticas de organização do trabalho, não deixa de surpreender quando somos acometidos a observá-las no chão de fábrica. Mais do que nunca o apelo às receitas miraculosas de administração tem invadido o imaginário dos atores da produção. Este apelo, entretanto, não tem se limitado à produção de livros, revistas, vídeos, Cds e todo material que possa impulsionar o aumento da produtividade. Para esta finalidade, verdadeiros “centros de pesquisa” foram criados e não são poucas as fundações (associadas ao conhecimento acadêmico) que aproveitaram a onda para ganhar espaço na mídia e nas editoras ávidas de dividendos. O alvoroço é interessante, pois tem se tornado consensual entre empresários, trabalhadores, sindicatos e mundo acadêmico a importância das tecnologias de gerenciamento no tocante ao aumento contínuo da produtividade individual, coletiva e da capacidade instalada das empresas. Somam-se a esta efervescência de produtos pró-qualidade as substanciais mudanças nos processos produtivos e no trabalho diário de cada dia.

3

Todavia, para um sociólogo, o fato torna-se especial, principalmente, quando temos por objetivo avaliar em que medida novos hábitos, valores, costumes e relações sociais foram criadas. Até que ponto, por exemplo, poderíamos verificar a configuração de um “novo modelo” de gestão da força de trabalho? De que maneira os atores do processo produtivo têm vivenciado esta “nova”/“velha” realidade? O texto que segue compõe-se de três partes: na primeira, discutimos brevemente questões relativas às mudanças apregoadas pelos paladinos da Qualidade Total, chamando atenção para as diretrizes e normas de implantação de modelos de gestão. Na segunda parte, são apresentados os resultados do estudo realizado na Siderúrgica José Mendes Júnior / Belgo-Mineira Participação sobre os efeitos da introdução de “novos” modelos de gestão na percepção, formas de controle e imaginário dos trabalhadores e gerentes da fábrica. Por último, chamamos atenção para a adaptação indiscriminada de princípios tayloristas e fordistas de trabalho concluindo que, muito do que se defende como novidade, não passa de adaptações e mudanças de formas de organização do trabalho há muito já consagradas.

1.2. O estudo de caso

A fábrica em estudo atualmente é uma das plantas mais importantes do Grupo BelgoMineira que começou a operar no Brasil em meados dos anos 30.2 No período da pesquisa, a fábrica contava com cerca de 1760 trabalhadores que produziam 1.874 toneladas de produtos oriundos do tratamento do aço. A Siderúrgica José Mendes Júnior / Belgo-Mineira Participação (SMJ/BMP) está localizada em Juiz de Fora (MG) e conta com um eficiente sistema rodoviário e ferroviário que lhe garante acesso fácil aos principais portos do país. O seu processo produtivo é semi-integrado3. Produz trefilados, laminados não-planos e longos. Três unidades compõem a empresa: aciaria elétrica com capacidade para 1000 mil t/ano, laminação combinada de fio-máquina e barras de 1000 mil t/ano e uma trefilaria de 220 2

- O Grupo Belgo-Mineira, além da usina localizada em Juiz de Fora, conta com mais quatro unidades industriais: a Usina de João Monlevade, a Usina de Sabará - ambas localizadas em Minas Gerais -, a Usina de Piracicaba, localizada em São Paulo e a Usina de Vitória, localizada na Bahia. O Grupo Belgo-Mineira é o maior e mais importante produtor brasileiro de fio-máquina (matéria-prima para a fabricação de arames) e sua capacidade produtiva anual alcança cerca de 03 milhões de toneladas de laminados de aço (fio-máquina, vergalhões, barras, perfis e arames para construção). 3 - O processo de produção siderúrgico é classificado como integrado ou semi-integrado. O primeiro, refere-se a seqüência produtiva que tem seu início na matéria-prima (minério de ferro) até o produto final. O segundo processo tem início no pátio de sucatas. Em geral, as empresas semi-integradas trabalham com material reciclável no qual é associado o ferro-gusa para a fabricação do produto final. Como exemplos de usinas integradas pode-se citar a Usina Belgo-Mineira de João Monlevade (MG) e a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), localizada em Volta Redonda, RJ. Para maiores detalhes sobre esta temática conferir, Borges (1983), Coutinho (1985), Pimenta (1989) e Ferreira (1989, 1993, 1994).

4

mil t/ano. Os seus produtos são utilizados na construção civil (arames, pregos e vergalhões), na indústria (barras mecânicas, fio-máquina e arames) e na agropecuária (arames farpados, arames ovalados e grampos). Trata-se de uma das mais modernas usinas siderúrgicas situadas no Brasil. Nascida em 1984 é considerada uma empresa jovem composta por modernas tecnologias de produção. O seu sistema de qualidade e competitividade tornou-se conhecido mundialmente, e a fábrica é citada como modelo no que diz respeito à segurança, energia consumida e preservação ambiental. A SMJ/BMP foi a primeira siderúrgica de aços não-planos no Brasil que conquistou a certificação Norma ISO 9001. Em 1997 recebeu a certificação ISO 14001 (meio ambiente) e, em 1998, a usina foi certificada na BS 8800 (norma inglesa que se refere a normas de saúde e segurança no trabalho), fechando um Sistema de Gestão Integrado que inclui mecanismos de organização do processo de trabalho, qualidade dos produtos e cooperação dos trabalhadores no processo de produção. Na década de 80, a empresa passou por importantes modificações no que concerne à introdução de “tecnologias gerenciais”. Acossados pela crise que assolava a indústria, os dirigentes da Mendes Júnior arrendaram para o Grupo Belgo-Mineira o complexo industrial. A mudança gerencial resultou na revitalização de velhos e na introdução de novos projetos de qualidade. Foi nesse sentido que a empresa assistiu a introdução do 5S, Qualidade Total, CEDAC, Café da Manhã e Plano de Sugestões. A fábrica iniciou a implantação dos programas contando inicialmente com os gerentes e, logo depois, os estendeu por toda a usina. Não foi preciso afastar as lideranças sindicais, tampouco intimidar os descontentes com as mudanças. Comportamentos e hábitos foram modificados, gerentes e supervisores seduzidos, e os trabalhadores convidados a iniciar o processo de cooperação no intuito não apenas de salvar a empresa, mas também retomar a produtividade e o lugar antes conseguido pela usina no mercado nacional e internacional. Nas linhas que se seguem, destacamos as reflexões provenientes de nosso trabalho de campo chamando atenção para as mudanças por que passou o processo produtivo e o ajustamento e consentimento levado a cabo pelo corpo gerencial em relação aos trabalhadores da empresa.

2. Um sentido para as organizações

Viktor E. Frankl (1990, 1991) nos ensina que os homens e as mulheres para viverem em harmonia com os seus semelhantes devem encontrar um “por que”, um “como” e um “para que” viver. Para ele esta fórmula, propulsora de ação, pode ser resumida da seguinte

5

forma: os seres humanos devem encontrar um sentido para a vida. Nesse caso, todos nós teríamos em algum lugar, possivelmente nos escombros do subconsciente, um sentido perdido, maltratado ou esquecido. Algo capaz de mudar as nossas vidas, impulsionar nossas ações, provocar a descoberta de novos caminhos e sabores para o melhor viver. A perda desse significado na vida talvez seja um dos mais perigosos convites ao suicídio. Contudo, Frankl acredita na possibilidade dos seres humanos encontrarem cada qual o seu sentido na vida. O recado do autor não deixa de causar certo mal-estar, principalmente para aqueles que ainda não encontraram o sentido para viver. Mas salienta que todos temos um. Basta verificar com atenção e vamos encontrá-lo bem dentro de nós. Onde queremos chegar com isso? Na busca do seu “para que”, “como” ou “por que” viver, as organizações têm seguido o mesmo caminho que os seres humanos na procura do sentido para a vida. Terapias de grupo ou individuais, livros e fitas de alto ajuda, receitas e bulas têm servido de várias maneiras a diversificados fins. Produziu-se para o espaço organizacional uma verdadeira “psicanálise gerencial” que pode (e deve) ser utilizada nos momentos de depressão, pânico, perda de significado, “esquizofrenia administrativa” e até em momentos de crise ou de loucura no cenário da produção. Nessa parte, é desta “psicanálise gerencial” que vamos tratar. Como se sabe, é incontestável sua introdução no espaço fabril. Porém, sua ação não se limita aos muros da fábrica. Hospitais, cartórios, escolas, instituições públicas e privadas, conventos, quartéis e universidades têm de uma forma ou de outra aderido a essa nova ideologia gerencial. Não há dúvida que se trata de um fato social. Mas como é desencadeado o processo de ajuda às organizações? Ao contrário dos seres humanos, que quando apavorados procuram o auxílio de um divã na figura do psicanalista, as organizações tendem a convidá-los para eventuais diagnósticos. Em geral, o processo se desenvolve da seguinte forma: o consultor (palavra que nos dias atuais não sai da boca dos administradores de empresas) apresenta-se para o trabalho demonstrando boa aparência e erudição. Afinal, “a primeira impressão é a que fica”. Já nas dependências da organização o cuidado com as palavras é primordial. Utilizam-se muitos “conceitos” e procura-se não escorregar no português. Falar pausadamente também é bom, pois inspira simpatia, confiança e segurança. Soma-se a isso um toque de soberba e superioridade. É bom deixar o ambiente bem familiar, contar histórias da chácara que comprou, do apartamento que alugou para o amigo, dos negócios que sempre estão bons, das consultorias já fornecidas e, quando ligado ao mundo acadêmico, deve-se falar da universidade onde ministra aulas e dos professores e autores de livros (a maioria em inglês) que conhece.

6

Pois bem, este é o primeiro passo de todo consultor preocupado em “vender qualidade” (o uso de chavões é constante). Após tomar conhecimento da vida privada de seu cliente, a próxima etapa é voltar o olhar para a “doente” organização. Em geral, fazem-se necessárias algumas visitas na linha operacional e administrativa. Após a verificação do perfil geral do “paciente”, parte-se para a constituição dos diagnósticos. Até chegar a esse ponto, umas boas semanas já se passaram. Os consultores já se tornaram íntimos dos principais funcionários da empresa, e, certamente, foram freqüentes os almoços e jantares com os familiares da direção executiva. Elaborado o diagnóstico a etapa seguinte é preparar o terreno para o seu estabelecimento. Para isso, não cabe retornar ao passado: “o que passou já passou”. Convém voltar a atenção para o futuro, seguir novos passos, abandonar valores e redirecionar as atividades laborais. Além disso, deve-se descobrir o “sentido” da organização, identificando as funções e os seus reais objetivos na sociedade. Estas mudanças, no entanto, são fixadas como deveres e em geral seguem as seguintes diretrizes: Dos trabalhadores: são identificados como os principais vilões e/ou culpados dos maus resultados das organizações. Como é maioria, a saída mais comum oferecida pelos consultores é a demissão de boa parte do efetivo. A escolha de quem não mais vai participar dos rumos da organização, entretanto, não é aleatória. Diga-se de passagem, não é difícil verificar os que devem ser demitidos: a primeira alternativa é avaliar a assiduidade do trabalhador. Traçar um perfil de seu comprometimento também é necessário: os que sempre estão faltando ou reclamando são os primeiros a serem demitidos. Identificar as potenciais lideranças sindicais ou de linha produtiva, verificar a atuação sindical, a saúde, a idade, nível salarial e produtividade individual são requisitos indispensáveis neste sentido. No intuito de “aliviar” a empresa certamente outras iniciativas são utilizadas. Delineamos as mais comuns. Mas diminuir o trabalho vivo é apenas o primeiro passo. Da cadeia administrativa: aqui o diagnóstico basicamente é o mesmo em todas as organizações. Acusa-se a estrutura hierárquica de estar acumulando cargos e departamentos. Os problemas apontados são diversos. Contudo, os “psicanalistas gerenciais” na maioria das vezes apontam o seguinte: falta de entrosamento entre os quadros de gerência e trabalhadores (entende-se aqui “colaboradores”), o filtrar de informações direcionadas à base, falta de flexibilidade administrativa, de comunicação e do não constante fluxo de informações. Dos objetivos: esse é um dos enfoques preferidos dos “terapeutas organizacionais”. Neste caso, acreditam realmente que estão encaminhando o “paciente” para a cura. O objetivo consiste em combater com todas as forças a “esquizofrenia produtiva” da

7

organização. Como? Identificando qual a sua verdadeira personalidade. Dito de outra forma: cumpre auxiliar o paciente a definir o seu real papel na sociedade. Para isso, faz-se necessário o “choque” da terceirização, que se trata na verdade de uma terapia em grupo pela qual as organizações tendem a dividir o peso da administração de seus negócios. Os analistas apostam que o alívio financeiro é imediato, pois, além de enxugar a sua estrutura, os “pacientes” não mais precisarão assumir as funções e responsabilidades que, na realidade, não lhes dizem respeito. O melhor é deixar para outros aquilo que “não se está fazendo bem feito”. Do corte de custos: esse diagnóstico está associado aos resultados dos tratamentos anteriores. Apesar do trabalho vivo ser o que menos onera a folha de despesas das organizações, os analistas apostam que o melhor caminho é este: cortar primeiro os pequenos gastos (gasta-se menos tempo e transtornos), no caso o contingente operário, para depois direcionar a atenção para os passivos maiores. Com a diminuição do quadro hierárquico, as organizações também saem ganhando: cargos que acumulavam gratificações por tempo de serviço, direitos garantidos ou por qualificação técnica são pulverizados. Na verdade, muitos são entendidos como obsoletos e, segundo os consultores, sempre estão amarrando as decisões. Além disso, por se tratar muitas vezes de funcionários antigos de casa em geral são estes que mais resistem às modificações que estão por acontecer. Como nada pode atrapalhar o bom andamento dos serviços, o melhor é que estes não participem mais da organização. No que se refere às terceirizações, ao se livrar de atividades que “não dizem respeito à sua personalidade”, as organizações têm tirado um peso social e econômico de suas costas. Ao delegar para os outros diversos serviços, os consultores têm apostado na diminuição dos gastos4 e no aumento significativo da qualidade dos serviços e dos produtos fabricados. Do necessário envolvimento do pessoal: após demitir os descontentes, potenciais lideranças sindicais, “preguiçosos”, problemáticos, velhos de casa e improdutivos, a organização parte para o envolvimento dos reais “colaboradores”5. Inicialmente, faz-se 4

- Na realidade, pouco ou nada têm se modificado nas contas finais. Contudo, as empresas têm se livrado de boa parte do efetivo próprio lançando mão da força de trabalho descartável e carente de mobilização sindical. 5 - É sabido que no final do decênio de 70 era disseminado nas fábricas brasileiras a utilização da palavra “peão”. Consistia no tratamento depreciativo dado aos operários de origem rural que logo se estendeu, principalmente, aos trabalhadores de menor qualificação. Com os movimentos grevistas que se abriram após 1978, os operários começaram a se tratar de “companheiros” numa clara tentativa de frisar a identidade e a solidariedade em torno de interesses comuns. Atualmente, estas nomenclaturas estão perdendo espaço por outras que unificam interesses que dantes se mostravam contraditórios. A conjectura “colaboradores”, comuns nos manuais de auto-ajuda de administração, já invadiu o piso fabril e até as instâncias sindicais. Os trabalhadores têm aceitado o “novo” tratamento: colaborar nos dias atuais - no imaginário operário - significa garantir emprego, “participar” dos lucros e contribuir para a continuidade do capital. Esta mudança de linguagem, no seio do coletivo operário, merece melhores esclarecimentos. Infelizmente, escapa de nossos propósitos essa temática, contudo, vale salientar que o significado de uma palavra no chão de fábrica nem sempre se refere ao sentido original

8

necessário identificar as principais necessidades do quadro de funcionários. Nesse aspecto, elabora-se uma pauta de funções a serem desempenhadas a curto, médio e longo prazo. Em geral, os “terapeutas” tendem a apontar necessidades de treinamento, novas consultorias, escassez de qualificações operacionais e administrativas, reduzido nível de educação formal e falta de disciplina, motivação, auto-estima e organização de métodos gerenciais. Identificado o problema (o que não é difícil), a etapa seguinte é o diagnóstico: são apresentados aos feitores do capital métodos e mais métodos de aumento da produtividade e qualidade do produto. O ponto central a ser trabalhado é aquele que possui o controle do processo de trabalho: o trabalhador. Caberá a este colaborar na identificação dos problemas e nas possíveis soluções. Mas como conscientizá-los a auxiliar nesta nova empreitada? Antes de qualquer coisa, faz-se necessário deixar claro para os trabalhadores – protagonistas e coadjuvantes do processo de produção – que não se trata de novas atividades que estão se somando ao seu trabalho. Pelo contrário, são mecanismos que foram criados para auxiliá-los no labor diário e na sua vida familiar. Novos hábitos e padrões de conduta são apresentados ao trabalhador. Tudo aquilo que aprendeu, depois de longos anos de trabalho, de amizades, relações pessoais, de mudanças de postos, ou de complexos fabris, nada vale. O mais importante está por vir: os novos “princípios científicos” vieram para ensinar ao trabalhador como se comportar não apenas no mundo do trabalho, mas também no espaço privado de sua casa ou na cama com a sua mulher. Nem os solteiros ficaram de fora, a eles o conselho é permanecer ou cultivar a retidão moral guardando o seu dinheiro para que no futuro possa tornar-se no mínimo um pequeno ou médio empresário. De qualquer forma, o objetivo é envolver, seduzir, convencer, ganhar ou mesmo confundir os interesses dos atores da produção com as diretrizes da empresa6. Todos de mãos dadas devem seguir rumo ao caminho mais feliz que houver. Segundo os “terapeutas organizacionais”, mais do que nunca capital e trabalho devem caminhar juntos, envolvendo, se possível, outras instituições como a família, órgãos públicos, comunidade acadêmica e entidades sindicais (patronais e operárias). Esse caminho, tal como apregoam os paladinos da qualidade total, é o melhor para encontrar o “sentido” perdido em meio aos escombros da “modernidade” (ou seria pós-modernidade?).

encontrado nos dicionários. Na verdade, refletem as relações sociais produzidas na cultura fabril, daí a necessidade de termos o cuidado no trato de seu significado. 6 - Certamente isto envolve a participação dos empregados nos lucros da organização. Resta saber se realmente estes serão devidamente distribuídos. Qualquer contador, por pior que seja, sabe que inúmeras são as formas de confundir lucros, gastos e receitas. Dito de outra forma, em meio a passivos e ativos sempre estão por trás atores racionais que não desejam repartir a sua parte com o poder público ou com os seus “colaboradores”.

9

Passado o calvário das modificações organizacionais7, o convencimento dos “colaboradores”, o enxugamento do quadro de gerência e operacional e uma boa lavagem nos cofres da empresa visando o corte de custos e desperdícios8, é oferecida a alta ao paciente. Contudo, algo aparecerá nos sonhos que, ao serem interpretados, apontarão para a necessária continuidade desses programas. Não se deve esquecer de cumprir a cartilha de auto ajuda. Deve-se buscar sempre o aprimoramento do bem viver, além de procurar espantar a solidão e a depressão. Para isso, é de vital importância a constante atualização e renovação dos programas. Como o mercado é competitivo e está em constante metamorfose, um dos princípios essenciais é tomar cuidado e não perder de vista o que pode ser modificado no espaço da produção. 3. Efeitos e mudanças na introdução de “novos” modelos de gestão

A Companhia Siderúrgica José Mendes Júnior (SMJ), ainda longe de sua incorporação ao Grupo Belgo-Mineira, sempre se pautou pelas “novidades” gerenciais. Segundo um dos gerentes entrevistados, esta preocupação esteve associada à própria concepção gerencial de procurar acompanhar e implementar a “modernidade dos acontecimentos”. O “orgulho” em trabalhar numa das mais modernas empresas siderúrgicas do país contribuiu de forma significativa para que os administradores e direção executiva optassem em modernizar a organização do trabalho através de tecnologias gerenciais. Com efeito, a SMJ, apesar de já produzir com qualidade e contar com a fidelidade do seu quadro operacional, não quis ficar de fora dos acontecimentos e partiu para a “modernização” administrativa: A Mendes Júnior Siderurgia sempre foi uma empresa de ponta. Ela sempre se orgulhou por ser uma (empresa) de ponta, mas assim... Tecnologicamente falando né. Aqui tem um orgulho das pessoas em dizer que eles fazem o melhor aço, que eles tem a melhor tecnologia. São mais brilhantes do que os outros. Mas isso não inclui só o lado somente da fábrica não. Tudo o que era avanço tecnológico, ou no caso aí, de Recursos Humanos, a empresa procurava adotar. Então os gerentes aqui foram treinados, sempre foram treinados, sempre nas melhores... Técnicas mais modernas que existem. (Gerente com 14 anos de serviços prestados à usina)

7

- É nesse contexto que se inserem programas como o CCQ (Círculo de Controle de Qualidade), TQM, 5S. Gestão à Vista, APO (Administração por Objetivos), Just-in-Time, Kanban, Teoria Z, Orçamento Base Zero, Café da Manhã (Sakokay), Ciclo PDCA (PLAN = Planejar, DO = Fazer, CHECK = Verificar e ACT = Agir Corretamente), Desenvolvimento Organizacional, CEDAC, dentre outros. 8 - Curioso, mas não são poucas as empresas que, apesar de divulgarem grandes gastos com pessoal ou com matéria-prima, não negam esforços em gastarem vultosas somas na contratação de consultores e empresas dedicadas à implantação de diversificados métodos gerenciais.

10

É indiscutível, entre trabalhadores e gerentes, que a SMJ optou pelo modismo e pelo sensacionalismo apregoados pelos “terapeutas” da Qualidade Total. Não foi a única. Esse modismo invadiu o solo brasileiro nos anos 70; na década de 80, viveu sua adolescência e maturação e, nos dias atuais, causa mal estar sua arrogância em forma de etiqueta, princípios pedagógicos, regras “científicas”, valores morais e costumes pedantes. Na verdade, o alvoroço em torno desse fenômeno está muito próximo a uma efervescência religiosa, com padres ou pastores indicando o caminho para os “leigos” da administração. Não é por acaso que os programas associados à busca da qualidade receberam poucas resistências. Na SMJ, ao contrário de muitas empresas do ramo, os próprios funcionários levaram a efeito a implantação dos programas de qualidade. Nesse aspecto, foram de capital importância as atividades do Departamento de Recursos Humanos responsáveis pelos treinamentos, avaliação e acompanhamento funcional dos resultados. Todavia, sob a roupagem da “neutralidade” científica, tais programas agiram ora como verdadeiros alucinógenos ora como calmantes dos nervos operários. Solaparam a criatividade, o fazer prático, a autonomia e o saber fazer no trabalho. Em seu lugar levantaram-se conceitos truncados, hábitos hipócritas, o trabalho teórico e valores artificiais. Na ausência de alternativas ou em momentos de desespero, como foi o caso da Siderúrgica Mendes Júnior9, o terreno ficou fértil para à emergência e o desenvolvimento desses programas. Paulatinamente a “velha” forma de produzir foi cedendo espaço ao “novo” nas relações de trabalho. Os acontecimentos, entretanto, não nos levam a acreditar em profundas modificações ou o enterrar de princípios e valores apregoados por Taylor (1911) e Ford (1925). Pelo contrário, algo ainda está vivo. Mas o que é? Tornou-se lugar comum afirmar que as transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho se assentam na difusão de um novo e complexo conceito de produção. A despeito das divergências salientadas entre os autores que defendem pontos de continuidade ou descontinuidade na configuração dos novos modelos produtivos, o fato é que o sistema taylorista/fordista de produção está sendo colocado em xeque. Esse modelo, assentado na produção em grande escala de bens padronizados, que exigia o acúmulo de trabalhadores desqualificados, semiqualificados, disciplinados e aptos a docilmente cumprir as tarefas

9

- Em 1994, abriu-se na SMJ um dos mais dramáticos períodos de crise. Tratava-se não somente de uma crise econômica que perpassava todo Grupo Mendes Júnior. A usina foi tomada por uma crise “política administrativa”. Havia incorporado muitos passivos do Grupo que também atuava no ramo da construção civil. A favor da empresa se forjou um dos mais interessantes acordos: trabalhadores, sindicatos, poder municipal e estadual cerraram fileiras contra a falência da usina. Os esforços foram válidos e resultaram no arrendamento da fábrica ao Grupo Belgo-Mineira. Infelizmente, não temos espaço para delinear toda problemática política e

11

prescritas pelas normas gerenciais, estaria com os seus dias contados. O “novo” modelo produtivo implicaria uma outra modalidade de produção (mais flexível e em pequenos lotes) e processo de trabalho (qualificado, polivalente e autônomo). Além disso, estaríamos assistindo a uma outra lógica de utilização da força laboral se comparada com o taylorismo e o fordismo: divisão menos acentuada de funções, integração mais pronunciada do trabalho de concepção com o de execução, reprofissionalização constante, multifuncionalidade, sintonia piso fabril e unidades administrativas, dentre outros. Nestes termos, abre-se uma nova realidade.10 Contudo, se os dados empíricos não deixam de destacar o que aconteceu de “novo”, não esconde o que continua “velho”. Nesse embate, onde estão imbricados ignorância, insegurança e plágio, o “novo” é destacado com diferentes perfis e o “velho” é entendido como se nunca estivesse existido. Esse dilema que se anuncia no chão de fábrica compõe nossas reflexões e o objeto de discussão a partir de agora:

1º - Integração e homogeneização das atividades de concepção e execução.

A primeira constatação que se deve fazer é que todo esforço para integrar o trabalho de concepção ao de execução certamente constitui exceção, mas não a regra. Conforme evidenciado em nossa pesquisa, o trabalho de supervisão está mais vivo do que nunca. Os trabalhadores, a despeito de toda carga de controle do processo de trabalho afirmaram a importância dessa função. Isto não significa que a empresa não esteja investindo em treinamentos e programas no intuito de vitalizar a força criadora do trabalho de execução. No entanto, os cargos de supervisão têm funcionado como “pontos de alívio” de responsabilidades e de solução de problemas. Nas palavras de experientes supervisores: (Este cargo - Supervisor) é indispensável porque, pela experiência que a gente tem aqui, pelos problemas que você encontra no dia-a-dia acho que caracteriza um dos sucessos que a gente tem de gerência, na empresa: a atuação do supervisor diretamente com o operário. Vamos dizer assim: no piso da fábrica, entendeu? Talvez com um (ou) outro arranjo, uma outra modificação organizacional, mas na minha visão de ver é indispensável porque a gente atua motivando, disciplinando. Você tem poder de decisão. À noite, por exemplo, só tem nós supervisores. Você não tem mais a chefia na área. Então, quer dizer, você tem que decidir, você tem que ter firmeza para decidir, para entender o problema, para contornar situações que ocorrem com o pessoal, com o equipamento. (Supervisor de trefilaria com oito anos de serviços prestados à usina). econômica por que passou o Grupo Mineiro Mendes Júnior no início da década de 90, para maiores detalhes conferir Barros (1998a). 10 - Sobre o assunto vide Piore & Sabel (1984); Sabel (1982); Kern & Schumann (1989); Womack, Jones & Roos (1992); Wood (1989, 1991, 1993); Coriat (1994); Harvey (1993) e Hirata (1993).

12

É um trabalho bastante qualificado, de muita experiência e especialmente no que se refere a segurança das pessoas que trabalham com a gente. A área é muito agressiva, o serviço é muito perigoso. O acidente com eletricidade normalmente é grave, traz seqüelas sérias. Então é preciso que seja uma pessoa com experiência no ramo. Não que, quem tenha essa função seja insubstituível: requer um pouco de experiência, de conhecimento, de vivência. (...) Sem essa experiência é difícil. Existe uma taxa de risco considerável e sem a experiência ela (a atividade na aciaria) poderia vir a ser fatal. Não é uma função que tenha nada de especial, não estou supervalorizando o cargo que eu ocupo, mas é que precisa ter essa experiência”. (Supervisor de aciaria com 14 anos de serviços prestados à usina).

Não é impertinente salientar que os princípios de Taylor estão bastante reciclados. Os trabalhadores já não são tão fleumáticos ou próximos a um “boi”. As “novas terapias organizacionais”, na verdade, os aproximaram a “cães”, que são mais fáceis de serem adestrados e podem conviver dentro de casa. Porém, pouco se modificou e, se nos dias atuais os trabalhadores estão sendo convidados a participar dos rumos da empresa no que tange principalmente à produção, o mesmo não acontece no que concerne aos caminhos do lucro ou de mudanças substanciais no coletivo operário e no processo produtivo. Essas questões ainda são monopólio da direção executiva das empresas, pois entendem que poucos devem ter voz no que pode modificar o conteúdo do capital.

2º - Racionalidade e Impessoalidade nas relações de trabalho.

Esta temática é bastante interessante, afinal a impessoalidade, a objetividade e os critérios de neutralidade formam um dos principais determinantes do modelo de dominação burocrática.11 Como o problema está nas relações humanas e não nas diretrizes e regras dos fluxogramas, normas gerenciais e cadeia administrativa, o fato é que as relações patrimoniais invadiram e contaminaram o mundo fabril. E não foi somente neste contexto. Sabemos das negociações políticas nas instâncias do poder executivo, legislativo e judiciário (haja vista os diversos órgãos públicos que fazem filas para distribuir os famosos “cargos de confiança”). E, não poucas vezes, somos surpreendidos por ligações pessoais que roubam vagas, ou calam os competentes. A despeito das contratações de novos trabalhadores estarem condicionadas à educação formal - no caso o segundo grau -, na siderúrgica pesquisada as relações sociais 11

- De acordo com Weber ([1922], 1991, pág. 141 a 146) trata-se de uma dominação legal alicerçada em valores impessoais e atributos de competência especializada e/ou profissional. Em linhas gerais, corresponde a uma eficaz divisão do trabalho, separação entre administração e propriedade, hierarquia de autoridade (bem definida e delineada), normas e regras consensuais e aceitas pelo coletivo operacional e administrativo, sendo elas definidas e estatutariamente seguidas, salário e promoção baseados na competência técnica e inexistência de práticas informais de dominação. Como se vê, tudo às claras e como trata-se de um tipo ideal podemos concluir que poucas ou nenhuma organização chegou próximo a este conceito.

13

personalizadas ainda são muito importantes e é inegável que interferiram substancialmente nos caminhos da organização. Cargos e promoções foram distribuídos ao sabor dos aperitivos do poder econômico, político e social. A competência há muito já perdeu espaço para os determinantes políticos. E, política entendida aqui não em termos platônicos, nos quais os sábios e homens de boa vontade naturalmente conquistam o lugar de merecimento. O que se assiste é uma “política de ocasião” assentada na busca, na manutenção incessante do poder e/ou uma melhor localização na escala social.

3º - Políticas de envolvimento do pessoal.

Neste caso se inserem as diversas tecnologias gerenciais de chão de fábrica. O propósito de todo esse empreendimento gerencial é somente um: forjar relações de comprometimento dos agentes da produção às diretrizes da organização. Para isso, vale tudo: desde incentivos salariais a benefícios indiretos. Mas cumpre enfatizar que estas iniciativas não se resumem a engordar os bolsos dos empregados. Busca-se potencializar a motivação, a cooperação e a “competição construtiva”. Para isso, uma forte ideologia gerencial é colocada em prática. Os interesses dos trabalhadores são entendidos como os mesmos dos patrões. Operários são chamados de “colaboradores”, são convidados a participar dos lucros, do gerenciamento do processo de trabalho, da organização do processo produtivo e da verificação da qualidade dos produtos fabricados. Taylor e Ford certamente não concordariam em dividir o poder gerencial com os trabalhadores. Afinal, estes não sabem administrar e, além disso, são incapazes de operar independentemente da supervisão da gerência ou do controle da linha de montagem. Contudo, a participação nos resultados da empresa há muito já fazia parte de suas concepções gerenciais. Isto não significa, é claro, que a praticaram em todas as suas dimensões. Sabiamente, tanto o engenheiro como o industrial, apostaram na força propulsora do salário pago por peça, isto é, o trabalhador recebia conforme sua capacidade produtiva. Mas os tempos são outros. Não mais é necessário apelar para o bolso do trabalhador. De acordo com os dados evidenciados na pesquisa, no jogo das relações sociais de produção, está em questão muito mais do que motivações econômicas. Homens e mulheres enquanto sujeitos de ação não estão atomizados, forjam novas relações alicerçadas em sentimentos e objetivos sociais. No caso da Siderúrgica Mendes Júnior essas relações estão em evidência. No piso fabril, no momento em que a crise assolava a companhia, sentimentos

14

como confiança, fidelidade e lealdade vieram à tona e foram de capital importância para a continuidade da empresa em Juiz de Fora. Como exemplo, poderíamos mencionar também o movimento grevista12 que, apesar de produzir a angústia no quadro operacional (afinal a empresa esteve às portas da falência), configurou um dos mais importantes acordos sociais entre trabalhadores, gerentes, supervisores e direção da empresa. É forçoso afirmar que o poder estadual e municipal não ficaram de fora do “mutirão” que resultou no nascimento de uma nova empresa em Juiz de Fora. Nesse episódio, vale lembrar ainda que os trabalhadores não abandonaram as máquinas. Alguns permaneceram na usina garantindo a manutenção e o funcionamento dos equipamentos que não poderiam ser parados. Enfim, cumpre destacar a luta pela conquista das normas ISO 9001 (cuja certificação garantiu a empresa ser a primeira do setor) e a mobilização em torno da certificação e conquista da ISO 14001. Ambas implantadas com o auxílio do corpo funcional da usina.

4º - O primado do público consumidor.

Este é um dos principais quesitos dos paladinos da Qualidade Total. Asseveram estes que as organizações devem se reciclar no intuito de eleger o cliente como o principal participante do processo de produção. Este fato não se reduziu ao mercado consumidor. Unidades operacionais e administrativas, pontos de descontinuidade, departamentos independentes e postos de trabalho estratégicos pertencentes à própria empresa também devem ser entendidos como clientes em potencial. O “novo”, neste caso, merece as devidas relativizações. Tanto Taylor como Ford delegaram importância a figura do consumidor. Ford, mais que o engenheiro, não se contentou em permanecer em suas fábricas. Acreditava na possibilidade de criar “novos homens” e “novos consumidores” que habitariam assim uma “próspera sociedade”. Mais que isso, o industrial americano via em seu trabalhador um consumidor em potencial que deveria gastar moralmente seus rendimentos. Nestas circunstâncias, deveria receber bons salários. Salários estes que possibilitassem comprar os próprios carros produzidos pelas fábricas Ford. A preocupação com o cliente, entretanto, ia além: Ford padronizou as peças de seus automóveis possibilitando que qualquer pessoa tivesse condições para concertá-los. Ao 12

- Trata-se da primeira greve levada a cabo pelos trabalhadores da usina. O movimento durou três dias (05, 06 e 07 de maio) e além do pagamento dos salários atrasados os operários e lideranças sindicais reivindicavam a rápida solução dos problemas do Grupo Mendes Júnior a respeito da continuidade ou não da siderúrgica em Juiz de Fora. A greve surtiu efeito: as negociações avançaram e o acordo a favor do Grupo Belgo-Mineira foi fechado em 06 de junho de 1994. Para maiores detalhes conferir Barros (1998a).

15

uniformizar as peças, o industrial apostou na possibilidade de serem trocadas em qualquer momento (em caso de panes ou estragos). Desse modo, os compradores não precisavam se preocupar com a carência ou a inexistência de peças no mercado, pois a padronização, além de homogeneizá-las - o que facilitava as aquisições no mercado -, uniformizou o funcionamento e facilitou o conserto dos automóveis. No caso da Siderúrgica Mendes Júnior, apesar de ter aderido aos princípios da Qualidade Total, não parecia necessário se render aos imperativos difundidos nos livros dos “terapeutas de ocasião”. Conforme frisamos, a usina sempre pôde se vangloriar da qualidade dos seus produtos e este era um dos mais importantes motivos para a permanência da longa lista de compradores de suas peças. No mercado, o seu nome era respeitado e pertencer ao quadro de clientes do Grupo Mendes Júnior muitas vezes era entendido como privilégio e não como alternativa. Em tais circunstâncias, nada de novo está ocorrendo no espaço fabril. O público consumidor, e isto é uma das principais características do sistema capitalista de mercado, aparentemente foi e será o soberano, o ponto de partida de qualquer “modelo” de produção.

5º - Divisão da fábrica mãe em mini-fábricas.

Este modelo de gerenciamento é muito interessante, não pela sua novidade, adaptação ou reciclagem, mas por se constituir um flagrante caso de plágio. O seu conceito, muitas vezes posto em prática nas fábricas do setor automobilístico, consiste na divisão, descentralização e reorganização do processo produtivo em pequenas fábricas. Dito de outra forma, configura-se no interior da fábrica mãe uma série de unidades menores (mini-fábricas) que integradas uma às outras potencializam a capacidade do complexo como um todo. Dentre os objetivos desta organização, estão a significativa diminuição da cadeia hierárquica, a drástica redução do contingente operacional, maior rapidez no tempo de fabricação, corte substancial de custos e desperdícios, redução de estoques intermediários e a não necessidade de retrabalho. À primeira vista tudo nos levaria a sugerir novidades: Ford, por exemplo, inaugurou um estilo de cadeia produtiva que, sem sombra de dúvida, tornou-se paradigmática para a maioria dos ramos industriais. Sua preocupação era justamente o contrário do que enunciamos acima. O industrial não acreditava na descentralização administrativa. Suas fábricas seguiam uma gerência comum, e a cadeia produtiva era controlada no intuito de constituir uma grande e poderosa corporação. Para se ter uma idéia, Ford produziu do

16

estofado a borracha dos pneus de seus carros. É indubitável que se tratou de uma idéia revolucionária para sua época e que, em certa medida, ainda é utilizada nos dias atuais (Clarke, 1990; Barros, 2004). No entanto, a organização produtiva em pequenas ou mini-fábricas não é nova. Pelo menos é isso que se percebe na fabricação do aço. A própria natureza do processo produtivo do setor siderúrgico aponta para a necessidade da integração de diferentes processos de produção. A aciaria, a laminação e a trefilaria na realidade são pequenas e complexas fábricas, cada qual se dedicando a fabricação de um produto final (respectivamente: tarugos, fio-máquina, pregos e arames). A integração dessas unidades fabris forma o complexo siderúrgico que conhecemos. Este complexo pode ser entendido como a fábrica mãe que agrega – ao possuir a trefilaria – maior valor de troca ao produto final da laminação (Barros, 1998a). Se partirmos do exemplo citado, percebemos que a organização produtiva do setor siderúrgico ou foi plagiada ou sempre produziu de acordo com os rumos da “modernidade”. Porém, se vasculharmos um pouco mais, mesmo com pouco cuidado, encontraremos o famoso exemplo da fabricação de alfinetes descrita por Adam Smith (1776) que salientava a necessidade do capitalista em dividir o trabalho para otimizar sua força produtiva.13 Para tomar um exemplo (...) em que a divisão do trabalho tem sido muito notada: o ofício do alfineteiro; um operário não educado para esta ocupação (que a divisão do trabalho transformou numa atividade específica), nem familiarizado com o uso da maquinaria nela empregada (para cuja invenção essa mesma divisão do trabalho provavelmente deu ocasião), dificilmente poderia, talvez com seu máximo empenho, fazer um alfinete por dia, e certamente não conseguiria fazer vinte. Mas do modo em que este ofício é agora exercido, não só todo o trabalho é uma atividade especial, mas está dividido num número de ramos, dos quais a maioria pode ser outras tantas indústrias. Um homem estica o arame, outro o endireita, um terceiro corta-o, um quarto o aponta, um quinto esmerilha o topo para receber a cabeça; fazer a cabeça exige duas ou três operações distintas, colocá-la é uma tarefa à parte; branquear os alfinetes, é outra; é mesmo outra indústria, o coloca-los no papel, e o importante negócio de fazer um alfinete é, destarte, dividido em cerca de dezoito operações distintas, que em algumas manufatureiras são todas executadas por mãos distintas, se bem que em outras o mesmo homem ás vezes fará duas ou três delas. (Smith, [1776], 1981, p.02).

Como se vê, a divisão do trabalho não se resume às atividades laborais: a fragmentação de tarefas, a especialização de boa parte do conjunto operário, o ganho de tempo, a possibilidade de desenvolvimento tecnológico e a relativa diminuição dos custos

13

- De acordo com Adam Smith ([1776], 1981, p. 2): “A divisão do trabalho, porém, tanto quanto possa ser introduzida, ocasiona em toda técnica um proporcional aumento das forças produtivas do trabalho. A separação de atividades e empregos parece ter tido lugar em conseqüência desta vantagem. Esta separação, também é geralmente levada ao extremo nos países que gozam do mais elevado grau de indústria e aperfeiçoamento, o que é o trabalho de um homem num estado rústico da sociedade, é geralmente o de vários, numa aperfeiçoada”.

17

logo se estenderam a todas as atividades da fábrica, notadamente à divisão do sistema produtivo em ramos, nos quais os processos de trabalho tornaram-se específicos e diferenciados entre si. E convém lembrar que a divisão do trabalho, dentre outras coisas, forjou não somente conflitos entre o trabalho de concepção e de execução, mas deu vida a hierarquias rígidas e solapou o controle global do processo de trabalho e produtivo da mente humana. Nessa linha de argumentação, não é impertinente afirmar que pouco ou nada se modificou de lá para cá. E no caso da divisão em mini ou pequenas unidades fabris, o que se pode concluir é que alfinetes, aços, automóveis ou sapatos ainda são o resultado da divisão do trabalho entre homens, mulheres e diferentes processos de produção. As modificações que saltam aos nossos olhos como novidades não passam de maquiagens ou regras de auto ajuda oriundas de consultores ávidos de dinheiro e prestígio. 6º - Controle de Qualidade: “um dever de todos”.

As mudanças em relação ao modelo taylorista/fordista nesse contexto são flagrantes. Ao contrário deste modelo, que criou departamentos de inspeção e verificação da qualidade por toda a cadeia produtiva, os novos tendem a centralizar esta responsabilidade na pessoa do trabalhador. Homens e mulheres que atuam no chão de fábrica passaram a exercer esta função. Cada posto de trabalho, a partir da percepção e atenção do trabalhador, tornou-se um componente de vigilância, cujo objetivo é detectar os problemas e defeitos antes do resultado fim da produção. É preciso sublinhar que o controle da qualidade se faz do início ao final do processo de produção seguindo rigorosas normas de padronização. E é incontestável que a “nova” gerência da qualidade tem aumentado a responsabilidade do conjunto operário. Na SMJ/BMP, percebe-se a individualização de responsabilidades. Os trabalhadores foram unânimes em apontar o problema do acúmulo de funções e do “peso que estão carregando” após a implantação dessas normas. Contudo, não deixaram de chamar a atenção para o fato da usina já produzir com qualidade e que, na verdade, os programas pró-qualidade trataram apenas de legitimar o que já existia. O interessante a reter nesse contexto é a permanência do trabalho de supervisão e de gerência. Já tratamos desse assunto anteriormente, mas o problema ainda veio à tona, pois o controle da qualidade não chegou a poupar estes cargos. Pelo contrário, estes sofreram o acúmulo de funções e responsabilidades. Aos supervisores e gerentes, é delegada a solução de boa parte dos problemas identificados

18

na produção: defeitos, possíveis paradas, má qualidade da matéria-prima, recursos humanos, troca de material e gerência administrativa (mais comum no caso de trabalho noturno). Portanto, algo de novo trouxe a problemática da qualidade, contudo ela convive com o velho ou mesmo dele depende, haja vista a necessária continuidade das atividades de supervisão.

7º - Padronização das atividades.

Na SMJ/BMP, a padronização de todas as atividades no trabalho tornou-se um dos mais importantes princípios de controle do processo laboral. Grosso modo, a padronização consiste em obrigar os agentes da produção (seja os que atuam na linha produtiva, seja os que estão enclausurados nos departamentos de apoio) a colocarem nas linhas de um relatório os mínimos detalhes (do início ao fim, das atitudes mais simples às mais complexas) de todas as atividades que executam no cotidiano fabril. O cuidado é não confundir esta norma gerencial com os antigos (ou novos) Planos de Cargos e Salários. Estes, muito comuns nas organizações (e não são difíceis de serem elaborados), têm o propósito de delinear passo a passo todas as atribuições, deveres e direitos de cada posto de trabalho existente em uma determinada organização. Elaborados por administradores de gabinete, na maioria das vezes, não condizem com a realidade. É sabido que as atividades no trabalho são dinâmicas e requerem improvisos, macetes, normas informais e formas próprias de atuar. Dificilmente o administrador, por melhor que seja sua universidade ou curso de “psicanálise gerencial”, perceberia estas especificidades. É nessas circunstâncias que a padronização, a partir das atividades do próprio trabalhador, tornou-se especial. Atualmente cabe ao próprio operário a descrição de suas funções. O objetivo é claro: a manutenção de um único padrão de qualidade através de atitudes laborais uniformes. Os “psicanalistas gerenciais” apostam que a uniformidade das atividades garante o equilíbrio da produção principalmente no que diz respeito a um resultado livre de defeitos. A despeito de estar delineado nas normas ISO 9000, o princípio de padronização de atividades é mais velho do que se pensa. Já existia mesmo no sistema fabril inglês em pleno século XVIII, no qual os operários executavam mecanicamente e apenas de uma forma as atividades de seu trabalho. O propósito aqui também era claro: economizar tempo e evitar erros e maior interferência humana no processo. Taylor, preocupado em mostrar serviço aos seus patrões, já na primeira fábrica em que havia trabalhado como um mero operário, percebeu a importância da

19

padronização. Logo, tratou de colocá-la no papel, afirmando que o trabalho humano se assentava no conhecimento empírico do operário e isso lhe deixava grandes lacunas para exercer a preguiça e a vontade inata de não trabalhar. No intuito de reverter essa situação desvantajosa para o capital, Taylor tratou de constituir o que acreditava ser científico. Para isso, criou alguém capaz de fazer a ciência. Seria importante a permanência no piso fabril de um cargo que poderia realmente exercê-la de forma neutra e objetiva: estava criado o gerente ou o administrador de empresas. Todavia, algo de novo parece se descolar das concepções de Taylor. Já não é mais necessário sobrecarregar as linhas de produção com gerentes e supervisores. Muito menos se preocupar com o controle exacerbado do trabalhador e da qualidade dos produtos fabricados. Para isso, poucos operários bastam. São necessários apenas alguns relatórios e manuais produzidos pelo próprios trabalhadores. Ao simplificar suas atividades nas folhas de um papel, estes têm permitido que as organizações levem a efeito o mecanismo da rotatividade funcional através dos equipamentos, a não estabilização do corpo funcional, a inexistência do acúmulo de tempo de serviço e a relativa requalificação de parte do pessoal operacional. A ISO o que quer dizer: a ISO é a norma que você coloca tudo no papel. Como você faz um certo trabalho (e), a partir de que você faz isso. Qualquer pessoa que entrar no seu lugar vai fazer o mesmo trabalho, só que a técnica você vai passar para os outros. Se você ganha um salário ‘x’, a empresa acha que você está ganhando muito, manda embora, contrata um outro e através daquelas normas ali a outra pessoa vai fazer. Mesmo que teve um mês para aprender. Mas vai fazer tudo de acordo com o padrão. Está padronizado. (Operador, técnico de manutenção com 11 anos de serviços prestados à usina). Foi implantado a ISO 9001. Esse processo foi previamente discutido e, nós, todo mundo, abraçamos esta questão como sendo essencial. A empresa, na época, colocou com muita propriedade a questão, e todo mundo viu aquilo ali como sendo essencial para a empresa. E fomos atrás. Todo mundo ajudou. Todo trabalhador: do humilde, à gerência e ao nível de direção da empresa. Todo mundo abraçou a questão, quer dizer: a gente sabia trabalhar com qualidade, mas a gente não tinha isso no papel. Então, nós passamos para o papel aquilo que a gente fazia e o que a gente fazia era com qualidade. Então a gente, e teve um processo muito interessante, que é o seguinte: a maioria dos trabalhadores fazia uma coisa porque era mecânico. Quando passou para o papel ele começou a ver que ele estava naquilo ali. Então começou a pensar. Mudou muito. (Operador de máquinas com 10 anos de serviços prestados à usina).

É preciso afirmar que é justamente neste contexto que os trabalhadores têm perdido terreno no que concerne ao controle do seu trabalho. Experiências de anos e anos de labuta tornaram-se poucos dias manuais passíveis de utilização coletiva e que podem ser manuseados tanto pelos operários iniciantes como pelos gerentes e auditores da qualidade. Não há dúvida, a padronização das atividades, legitimadas através das normas ISO 9000, tem colocado em xeque o controle do processo de trabalho. Resta saber se os operários

20

conseguirão configurar novas e eficazes normas de controle ou dispositivos de resistência. Os dados empíricos revelam resquícios de resignação, angústia, receio da perda do emprego e consentimento. 8º - Correção, prevenção e predição. Como constatado na pesquisa, muito se modificou no cuidado que os agentes da produção passaram a ter com o fluxo produtivo. Se no passado as operações de correção ou maquiagem do produto eram as que recebiam maior atenção, nos dias atuais a cultura da prevenção e predição estão disseminadas. No intuito de evitar o retrabalho e a perda da clientela, as organizações procuram antecipar-se aos problemas do processo de trabalho e de linha de produção. Para isso, tem levado a cabo duas determinações: Ações preventivas: voltadas para o processo de produção e do trabalho consistem na identificação de problemas que possam prejudicar a qualidade da produção. Em geral, segue um minucioso cronograma de atividades, cuja finalidade é a intensificação das operações de manutenção e regulagem dos equipamentos e processos. Nas ações de prevenção, é de capital importância a colaboração dos trabalhadores. Geralmente são os que mais identificam os pontos problemáticos. Mas como fazê-los cooperar? É neste contexto que se inserem os programas voltados para o envolvimento operário como o 5S, CEDAC e Gestão à Vista que, aos olhos dos gerentes, foram importantes para impulsionar a criatividade, suscitar confiança, reconhecimento e lealdade aos determinantes da organização. Os resultados são promissores. As ações de prevenção têm diminuído as atividades corretivas (de maior custo e de longo prazo) e gerado boas observações do público consumidor. Ações Preditivas: consistem em atividades que têm por propósito identificar, classificar e apontar as necessidades do público consumidor. O objetivo da identificação de necessidades é amplo. Não se trata de somente garantir a qualidade. As organizações têm trabalhado com equipes de projetos numa clara tentativa de antecipar-se às preferências do cliente. Todas as forças são canalizadas no intuito de adivinhar o que o consumidor gostaria de ver embutido no produto final que adquire. Em outros termos, as organizações passaram a observar o que ocorre fora de suas fronteiras, e a preocupação é surpreender o cliente (e certamente o concorrente) com novidades que outros não possuem. Encontra-se, nessa prática, uma nova forma de atender o consumidor. Taylor, a despeito de sua preocupação com a clientela, sequer pensou em antecipar suas necessidades. Em relação à correção de problemas, apostou na competência dos seus gerentes cabendo ao trabalho de concepção a identificação e correção das eventualidades que ocorressem no piso

21

fabril. Ao solucionar a problemática do movimento humano no trabalho, Taylor acreditava ter posto fim às possíveis interferências no processo de fabricação. A qualidade seria a conseqüência de um bom gerenciamento. Henry Ford também não se preocupou em prevenir as eventualidades. A produção dos automóveis em grande escala escondia as imperfeições resultantes do processo de produção. Como as peças dos carros eram padronizadas, o cliente não tinha muito que fazer, a não ser trocar as que estavam com defeito. O que mais se aproxima deste estilo de gerenciamento assentado em ações corretivas e preditivas é o “modelo” japonês, que também atua na fonte. E isto não foi difícil de ser alcançado. Bastou individualizar a produção e atuar diretamente no gosto da clientela: um automóvel, uma pessoa. A individualização de necessidades no produto foi uma interessante novidade no intuito de antecipar-se ao mercado consumidor. (Coriat, 1994; Womack; Jones; Roos, 1992). No caso da SMJ/BMP, vale assinalar que os trabalhadores, além de identificar os problemas do produto antes do final da produção, conseguem detectar pontos críticos de acidentes de trabalho, e com a cooperação de todos estão podendo atuar no sentido de prevenir ou mesmo solucionar problemas que antes não eram identificados. No tocante às ações preditivas, o depoimento a seguir é bastante ilustrativo. Mostra como a empresa modificou a sua forma de gerenciamento e deixa claro como se deu a colaboração dos trabalhadores: O nível de exigência que o mercado, aí falando do mercado a gente está falando dos clientes, seja de produtos ou de serviços, com o passar do tempo essas exigências ficaram cada dia maiores e as organizações têm percebido que também é esse um caminho sem retorno. Cada dia mais, não só aquelas necessidades que são evidenciadas pelos clientes, elas devem ser satisfeitas, mas as organizações estão percebendo que têm, precisam ir além daquilo que é explícito, que é verbalizado. Daquilo... vamos dizer, que o cliente sabe que precisa. Tem coisas que o cliente nem sabe que precisa e que, às vezes, uma organização com nível de atendimento, de percepção, pode ir além até daquilo que o cliente vê. Para você ver, uma empresa do setor automobilístico: muitas vezes a gente entra num carro e vê algumas coisas que nunca pensou que o carro poderia ter. No entanto, você vê que quem está produzindo isso tem uma visão, uma percepção do que poderá ser, trazer maior satisfação e ela vai a busca e proporciona isto aos clientes. O caso nosso, da Belgo-Mineira, também não é diferente. O que acontece: o desenvolvimento dos produtos e dos serviços é também uma necessidade por questão de competência e de permanência no mercado. O que a empresa tem feito com isso: um programa de levantamento de necessidades. O que ele visa, para treinamento e desenvolvimento, é atender a estas expectativas dos clientes. Com isto, criou um “Sistema de Gerenciamento da Qualidade” onde uma série de instrumentos, metodologias e ferramentas estão sendo desenvolvidas dentro da organização para que toda a mão-de-obra da organização tenha uma competência técnica operacional para desenvolver todos os seus produtos ou serviços de uma forma que possa atender essas necessidades. (Analista de treinamento e desenvolvimento de pessoal com 13 anos de serviços prestados à usina).

22

9º - Produção em pequenos lotes.

Esta modalidade de produção parte do princípio que o controle da magnitude produtiva é essencial para garantir corte de custos, desperdícios, diminuição de defeitos e, mais uma vez, maior qualidade. Ao contrário da produção em massa, que engordava com produtos padronizados o já obeso mercado consumidor, a produção em pequena escala parte da demanda do mercado. Com uma estrutura simples, este mecanismo consiste em não produzir para gerar grandes estoques. O resultado tem atendido às expectativas na SMJ/BMP. De acordo com os trabalhadores, “às vezes ocorre do material que está sendo produzido já ter o vagão ou o caminhão esperando para ser embarcado”. Em outras palavras, a prática de estoques reduzidos tem mantido os clientes por perto. Isto tem garantido à empresa autonomia de entrega, tempo reduzido para recebimento da receita e maior controle dos problemas de transporte. Cabe revelar ainda o drástico corte de gastos com estocagem de material e o aproveitamento de áreas que antes eram destinadas a estas funções. As modificações são flagrantes. Porém, tornou-se indispensável o controle sistemático dos fornecedores, sob pena de atrasos e imprevistos interferirem no andamento da produção. Se não mais ocorre a estocagem dos materiais direcionados ao consumidor, ainda faz-se necessário o estoque de matéria-prima, uma vez que é impossível prever o que está ocorrendo ou pode ocorrer com os fornecedores que participam da cadeia produtiva.

10º - Reorganização do ambiente fabril: limpeza e organização.

A tomada de decisão rumo à limpeza das instâncias das fábricas transformou-se em norma no cenário nacional. Aliada à introdução de regras de qualidade e meio ambiente, a limpeza e a organização de equipamentos tornaram-se hábito. As tecnologias gerenciais, associadas a apelos dramáticos à consciência de cada agente, têm configurado complexos padrões de comportamento. O simples jogar de um papel ao chão tornou-se um ato tão detestável e reprovável quanto faltar ao trabalho ou “dedurar” um amigo. O não colaborar na limpeza, ou na disciplina de mantê-la, também é condenável. Na realidade, um novo princípio passou a fazer parte do imaginário dos atores da produção: “mantenha sua fábrica tão limpa como sua casa e vice-versa”. No caso da BelgoMineira Participação deve-se mencionar dois fatores: em primeiro, de acordo com os profissionais de linha, a limpeza ocorrida nos estabelecimentos de produção foi significativa

23

na diminuição da poeira em suspensão. Esta, muitas vezes, atrapalhava a visibilidade, a comunicação de piso fabril, causava riscos à saúde e interferia no andamento do maquinário. Os depoimentos de trabalhadores e gerentes não deixam dúvida sobre a constituição de novos hábitos fabris. Ao contrário do que acontecia nos tempos da Siderúrgica Mendes Júnior, a direção da Belgo-Mineira Participação, nos dias atuais, pode vangloriar-se do cuidado que seus “colaboradores” dedicam aos equipamentos da companhia. É indubitável, e aqui salientamos o segundo fator, a importância do programa 5S14 que, inegavelmente, contribuiu para a emergência de novos hábitos, comportamentos e relações sociais. Relatos orais indicam inclusive um “melhor nível de educação” entre os trabalhadores da BMP. “Palavrões” e uso de apelidos – muito comuns entre os operários de linha – foram diminuídos. Cumprimentos matinais, no início, ou ao final do trabalho agora são constantes. Enfim, as relações pessoais tornaram-se amigáveis e flexíveis. Segundo os supervisores que atuam na aciaria e na laminação, a própria relação de gerenciamento melhorou após a chegada do 5S.15 Os operários não estão poupando esforços no intuito de “descartar” (característica do primeiro “S”) toneladas de materiais e utensílios que não são mais utilizados. Além disso, é perceptível o maior cuidado com os equipamentos da usina. Não é difícil observar no piso fabril enormes placas objetivando segurança, atenção, necessidade de organização, limpeza e cuidado com o meio ambiente. Finalmente, cabe frisar que o 5S, ao sair da fábrica e entrar na vida privada do trabalhador, ainda cumpre o papel de disciplinar a convivência social. Em muitas entrevistas, efetuadas na residência ou na fábrica, com trabalhadores e supervisores, percebemos o receio em mencionar palavras erradas ou mesmo escorregar na concordância gramatical. Não poucas vezes perguntavam se falaram errado ou certo durante as entrevistas, e justificavam-se com freqüência por não terem tido a oportunidade de continuar os estudos. E mais, alguns supervisores e trabalhadores nos pediram desculpas por suas casas não estarem tão limpas e organizadas como a fábrica. Afinal, ainda não sobrara tempo para implantar o 5S na sala, no quarto ou na cozinha. Esta transferência da lógica gerencial fabril para o espaço privado do mundo do trabalho, apesar de parecer nova, não deixou de acumular poeiras, algumas limpezas e novas

14

- A terminologia 5S é o resultado de cinco palavras – que carregam significados diferenciados – japonesas: 1) SEIRI; 2) SEITON; 3) SEISOU; 4) SEIKETSU e 5) SHITSUKE. Estas palavras receberam as seguintes traduções em português: 1) SEIRI = Senso de Utilização; 2) SEITON = Senso de Organização (ou Ordenação); 3) SEISOU = Senso de Limpeza; 4) SEIKETSU = Senso de Saúde e 5) SHITSUKE = Senso de Autodisciplina. Para uma análise pormenorizada do impacto do programa 5S nas relações de trabalho, conferir Barros, 1998a. 15 - Deve-se notar que, neste caso, a empresa ainda conta com o CEDAC e com o programa Gestão à Vista.

24

poeiras. Lembremos dos princípios de Taylor16 que não poupou sequer as donas de casa que teimavam em organizar panelas, pratos e talheres, além de melhor administrarem o tempo de trabalho dispensado em cada atividade. Ford também não fica de fora. A retidão moral que obrigava ter os seus trabalhadores selou o espaço público com o privado. Deve-se agir na fábrica tal como se vive em casa e vice-versa. Na verdade, o que talvez pareça novo no caso do programa 5S é que todos devem contribuir para o melhor andamento do trabalho. Trabalhadores, supervisores e gerentes devem modificar o comportamento não desejável: afastar preconceitos, evitar vícios e seguir as normas. Devem também, por princípio, buscar o bem comum, já que são responsáveis “por um mundo melhor”. Apesar dos “compromissos coletivos”, o 5S joga sobre os ombros individuais a responsabilidade pelas modificações e eventuais derrotas que possam ocorrer no mundo fabril. Dito de outra forma, este programa relembra ou põe em vigilância princípios de conduta salientados nos seguintes ditados: “não faça ao próximo aquilo que não queira que façam a você”, “não deixe para outro o que você mesmo possa fazer”; “não deixe para amanhã o que pode ser feito ainda hoje” e “respeite e ame ao próximo como a si mesmo”. O programa (5S), na verdade, o que ele está pedindo a todo instante é a renovação. A renovação do nosso jeito de ser, da nossa rotina de pensamento, da nossa rotina de fazer as coisas. (Renovação) para um jeito novo, até mesmo para facilitar os próprios processos de trabalho. (...) O programa 5S, quando eu falo que é básico: se você pegar, por exemplo, o primeiro “S” do programa. Ele fala do Senso de Utilização. Se você pensar em termos de recursos naturais, ou quanto mais desperdiçarmos recursos naturais, seja da água, seja dos recursos que você trabalha na empresa, dos seus equipamentos, de sua matéria-prima, de todo material de escritório que você tem e de tudo que, às vezes, de um equipamento que você compra e não utiliza, ou com base em estoques altos... Quer dizer... o que o Senso de Utilização fala. Fala assim: no seu processo de trabalho você tem que ter as coisas que realmente você precisa, como na sua casa precisa ter... Não acumular uma série de coisas. Ele está falando de redução de desperdício, redução de custos, isso é básico para a vida. (Analista de treinamento e desenvolvimento de pessoal com 13 anos de serviços prestados à usina). (O mesmo informante concluiu que) Na verdade, o programa 5S tem uma série de idéias, por exemplo: o terceiro ‘S’ – Senso de Limpeza – nós temos trabalhado ele em profundidade. Tem tudo a ver com a gestão ambiental, você falar de limpeza... Não é só isso. A gente fala muito do zelo, o que é: é zelar pelos nossos... Todos os espaços físicos e não só a sua sala de trabalho, o seu equipamento. Evitar os vazamentos, evitar os desperdícios, cuidar bem da matéria-prima, limpar, por tudo em ordem. Tem que zelar pela sua fábrica de forma geral, de todos os espaços que estão aqui dentro... Da sua água, de não desperdiçar. Isso é zelo. Zelar pela natureza: não sujar a sua rua, a sua cidade, o seu ponto de ônibus. Quando nós implantamos o 5S... Um ano... dois anos antes, a gente estava numa situação tão terrível em termos de organização, de método para trabalhar que ninguém se entendia no setor. Aí, nós começamos a fazer a implantação (do 5S). O espírito de equipe foi crescendo, foi desenvolvendo. Então, hoje, é muito comum a gente precisar de uma pessoa que fique até mais 16

- Para uma análise dos princípios de Taylor, conferir Barros (1998b).

25

tarde. Ela diz assim: ‘Olha! Eu posso até ficar, mas eu estou achando que vou precisar de mais um’. Aparecem um, dois, ou três querendo ficar: ‘Oh! Se quiser eu fico com você!’ Ninguém se recusa. Às vezes, nós temos lá umas plantas que a gente precisa cuidar muito bem. Dentro do 5S, se não houver disciplina não funciona. Então, essas plantas não podem ficar no fim de semana dentro de um ambiente fechado. Então a gente coloca elas lá fora. Às vezes eu saio, vou para outra área, chego um pouco atrasado na sexta-feira. Quando eu chego as plantas já estão do lado de fora. Já foram regadas e ninguém pediu: as pessoas que se apresentaram lá juntaram dois e: “Escuta! Vamos por a planta para fora aqui”. Isso antigamente não existia. Era cada um por si e Deus por todos. Então, há uma melhoria muito grande. (Supervisor de inspeção de desenvolvimento e manutenção com 14 anos de serviços prestados à usina).

Esse “paraíso” laboral, resultado de tecnologias gerenciais tayloristas e fordistas, tem forjado uma nova ética para o trabalho. O “paraíso” realmente é aqui, e dele faz parte o “eu” e o “nós”. Aqueles que me relaciono tanto em casa como no trabalho fazem parte deste “paraíso”, e depende apenas de mim para que a vida nestes espaços diferenciados transcorra na maior felicidade possível. O que cabe reter nessa discussão, entretanto, é o conjunto de princípios de conduta que se configuraram entre os agentes da produção. O ambiente de trabalho mais limpo e respirável, segundo gerentes, trabalhadores e supervisores, interferiu inclusive nas relações sociais. Os operários têm apontado para a diminuição do mandatório gerencial e os cargos de gerência revelaram existir maior cuidado com os equipamentos. Em suma, o “novo” ambiente laboral teria produzido uma relação familiar e amigável. 11º - “Democratização” e transparência dos resultados e diretrizes empresariais.

Este mecanismo é um dos pontos fortes que apontam para o que está ocorrendo de novo no ambiente fabril. Consiste em deixar claro para os agentes da produção todos os números, resultados e atividades da empresa. Administrar com transparência é o chavão preferido e muito utilizado pelos “psicanalistas gerenciais”. O objetivo é evidente: trata-se de convencer trabalhadores, supervisores e gerentes a unidos com a direção executiva da organização administrarem os rumos produtivos da empresa. Nesse sentido, as organizações lançam mão de diversas tecnologias gerenciais de chão de fábrica. Deixar às claras índices de produção dos equipamentos, de produtividade por homem e horas trabalhadas, gastos com matéria-prima, índices de vendas, compras e assuntos relacionados à comunidade têm mostrado ser um poderoso dispositivo para envolver (isto significa ainda dividir responsabilidades) ou mesmo garantir o apoio dos trabalhadores e da gerência.

26

Na Companhia Siderúrgica Mendes Júnior / Belgo-Mineira Participação, constatou-se estes acontecimentos na prática. O programa Gestão à Vista, que incorpora o CEDAC17, convida, ou mesmo condiciona, todos a participar. Não foi difícil perceber o envolvimento, a motivação dos trabalhadores, supervisores e gerentes. A maioria quer e deseja colaborar. Comportamentos de resistência praticamente inexistiram e, aqueles que titubearam a não contribuir, logo mudaram de idéia. No CEDAC, você cria um grupo de trabalho para levantar os problemas da área relativos a tudo: à segurança, à produção, à manutenção. Você elege um problema e nós vamos atacar esse aqui primeiro. Elege com o pessoal, não é a chefia que fala não. Reúne o pessoal e diz: “Vamos atacar esse primeiro”. Vão surgindo as idéias, vão sendo apresentadas soluções. O pessoal começa a trabalhar. É um programa muito interessante. (Assistente técnico com 13 anos de serviços prestados à usina).

Ao perguntar sobre a resistência dos trabalhadores para o profissional responsável pela execução e desenvolvimento do CEDAC, foi recebida a seguinte resposta: É mínima. Mínima porque, na verdade, todas as pessoas conhecem. Como são problemas ligados diretamente ao trabalho das pessoas... Primeiro, elas sabem que o problema existe. Segundo, se o problema existe, de uma certa forma, nós como profissionais, a gente quer ajudar na solução desse problema. Além disso, tem toda uma forma, para que uma idéia muito boa, apresentada para a solução do problema, possa dar um retorno, inclusive, financeiro. Essa idéia pode ser retirada do CEDAC e levada para o “Plano de Sugestões” onde aí ele vai ter uma avaliação até em termos financeiros. Um retorno (financeiro) para a pessoa ou para as pessoas que estiverem envolvidas no processo. (Analista de treinamento e desenvolvimento de pessoal com 13 anos de serviços prestados à usina).

A despeito dos ganhos financeiros provenientes do Plano de Sugestões e dos determinantes tecnológicos que podem significativamente interferir no processo de trabalho, o que tem incentivado os atores da produção são os imperativos motivacionais contidos neste programa. Trabalhadores, supervisores e gerentes são estimulados a participar. E mais, desejam e fazem questão em cooperar. Tal como um jogo de atribuições, direitos e deveres os protagonistas do processo têm impulsionado uns aos outros para fazerem parte da programação. Inclusive, até aqueles considerados tímidos pelos colegas têm participado. O programa CEDAC, alicerçado nas salas de Gestão à Vista, tornou-se um forte dinamizador de encontros, não somente aqueles “por dever de ofício”, mas encontros esporádicos, sem

17

O CEDAC é, em linhas gerais, um programa que objetiva solucionar problemas. Daí, decorre sua sigla: CEDAC = C (Cause), E (Effect), D (Diagram with), A (Additional) e C (Cards). Em português o programa recebeu a seguinte tradução: CEDAC = Diagrama de Causa e Efeito com Adição de Cartões. Este programa é relativamente novo. A despeito disso, muitas empresas já o tem implantado. Oriundo de tecnologias gerenciais japonesas convém mencionar que o “Diagrama Causa-Efeito” tem como seu criador Kaoru Ishikawa (1997) da Universidade de Tóquio que o criou no propósito de auxiliar a qualidade dos produtos fabricados no Japão.

27

compromissos e sem hora marcada.18 Nas palavras de um ativo participante que trabalha mais de dez horas diárias no piso fabril: O pessoal de nível de chão de fábrica gosta muito dessas coisas... de ser informado. O pessoal participa porque, a partir do momento que a pessoa coloca uma idéia dele, de solução, e vê que alguém está trabalhando em cima daquilo. Então ele vai ter motivação para dar mais idéias. Então é um programa interessante por isso: porque estimula a participação das pessoas. (Assistente técnico com 13 anos de serviços prestados à usina).

Contudo, se no piso fabril algo de novo parece estar acontecendo, pois os resultados passaram a fazer parte do cotidiano laboral, algo continua velho e diz respeito ao conteúdo das informações e do envolvimento operário aos determinantes da empresa. Diferentemente do que ocorre em algumas empresas suecas19, o operário brasileiro raramente é convidado a participar das importantes e significativas modificações no tecido industrial. Na realidade, os operários continuam sendo os últimos a saber da introdução de novas tecnologias de microeletrônica e equipamentos adaptados a ferramentas automáticas (ambas economizadoras de mão-de-obra). Além disso, apesar da “novidade” da participação nos lucros, os rumos financeiros também são veladas, o que nos leva a desconfiar da veracidade dos dados. No que toca à possível estabilidade, crescimento ou diminuição do efetivo operário, estamos longe do dia em que os trabalhadores optarão por demitir ou não seus companheiros. Na realidade, o empresariado brasileiro não se preocupa em envolver efetivamente nos rumos da empresa os “colaboradores”. Trata-se de uma “participação de compromisso”20 na qual os interesses divergentes não são aceitos e somente levados em consideração quando não se contrapõem aos interesses dominantes. E mais, trata-se de uma participação limitada 18

- Um dos pontos fortes das salas de Gestão à Vista é o seu ambiente aconchegante e acolhedor. Sem dúvida, um ótimo lugar para encontros ou reuniões de trabalho ou de ócio. Tal como reza um documento da empresa: “Pré-requisitos para definição dos locais de instalação das salas: boa visibilidade; próximas ao processo de trabalho a que se destinam; locais de trânsito das pessoas da área e layout adequado à amenização de condições locais eventualmente agressivas (ruído, poeira, etc.)”. In: Gestão à Vista, Documento BMP. SD, Juiz de Fora. 19 - Este é o caso dos acontecimentos ocorridos nas fábricas de Kalmar, 1974; Torslanda, 1980/81 e Uddevalla em 1989. Para maiores detalhes, conferir Palloix (1981); Piore & Sabel (1984); Ortsman (1984); Leite (1991); Wood Jr. (1992); Marx (1992). 20 - “Participação de Compromisso” porque, cabe aos trabalhadores a contribuição para o bom andamento da atividade laboral e, conseqüentemente, da produção. Em outras palavras, o trabalhador tem o compromisso de auxiliar os proprietários do capital. Isto se dá justamente porque “o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador. O capitalista paga, por exemplo, o valor diário da força de trabalho. Sua utilização, como a de qualquer outra mercadoria, por exemplo, a de um cavalo que alugou por um dia, pertence-lhe durante o dia (grifo nosso). Ao comprador pertence o uso da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho apenas cede realmente o valor-de-uso que vendeu, ao ceder seu trabalho. Ao penetrar o trabalhador na oficina do capitalista, pertence a este o valor-de-uso de sua força de trabalho, sua utilização, o trabalho. O capitalista compra a força de trabalho e incorpora o trabalho, fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto, os quais também lhe pertencem (...)” (Marx, [1867], 1994, pág. 209 e 210). Como se vê, pouco se modificou no modelo capitalista de produção.

28

aos imperativos da produção e não àqueles associados ao lucro, controle do efetivo operário, ou modificações no processo de trabalho. Em suma, a maioria dos interessados (trabalhadores e sindicatos) continua de fora das instâncias de decisão. Um belo exemplo de “democracia tupiniquim”. 4. Ponto final: plágio gerencial e “taylorismo híbrido” Não há lugar para dúvida, existe conforme verificado – e diversos trabalhos empíricos detectaram estes fenômenos –, que algo de novo está ocorrendo no mundo do trabalho. Complexos industriais inteiros reestruturaram a produção tornando-a mais flexível, previsível, preditiva e rica em qualidade. Entretanto, as modificações que apontam para a emergência de um novo modelo de organização produtiva estão longe de serem universais. Na verdade, as “novas” tecnologias gerenciais de piso fabril foram adaptadas indiscriminadamente e, não poucas vezes, de maneira aleatória. A cultura industrial de plantas industriais infantes ou antigas, resultado de anos de produção e de diversas gerações de trabalhadores foi solapada em favor de técnicas e métodos importados de gerenciamento. É inescapável afirmar que o casamento do novo com o velho está garantindo a sobrevivência, adaptação, maturação e desenvolvimento de “novos” métodos de gestão. No Brasil, as especificidades das relações de trabalho (grande contingente de desempregados e subempregados, mão-de-obra desqualificada, trabalho informal, sindicalismo não combativo e contrato de trabalho flexível) ainda contribuem para isso. Todavia, os resultados, ao contrário do que possam parecer, não levam em consideração mecanismos democráticos e transparentes. Além disso, não existe no setor siderúrgico forte introdução de componentes microeletrônicos e automáticos. A própria especificidade do setor contribui para a relativa modernização dos seus equipamentos. As modificações tecnológicas de grande monta levam maior tempo para se fazerem necessárias. Nos processos de produção siderúrgicos, espera-se esgotar a capacidade produtiva dos equipamentos adquiridos (que necessitaram de grande capital) para depois apostar na possibilidade de sua substituição. Em suma, não parece acertado afirmar que o antigo modelo taylorista/fordista tenha esgotado suas possibilidades de produção. Sua substituição generalizada, então, parece mais do que improvável. A lógica da produção - ou os caminhos percorridos para adquiri-la -, notadamente aquela que toca as esferas do poder, continua taylorista. O poder financeiro, destinado às modificações da capacidade instalada, o controle da rotatividade da mão-deobra, a reprofissionalização dos recursos humanos e novos investimentos estão concentrados

29

nas mãos dos agentes do capital. Não existe democracia e sim autocracia administrativa tal como Taylor e Ford haviam escrito e determinado. Esse taylorismo híbrido, que conjuga o novo e o velho, que tem forjado novas relações de produção se assenta na vitalidade das velhas formas de produzir. Muitos dos modelos ou métodos de gestão, defendidos por vários paladinos da Qualidade Total, jamais deixaram de ser tayloristas ou fordistas, foram plagiados e quase sempre receberam uma nova roupagem. O taylorismo híbrido, que sacode costumes, seduz os atores e põe “panos quentes” nos conflitos vai mais longe: o trabalhador certamente passou a respirar melhor, o ambiente de trabalho já não é tão grotesco, as responsabilidades são divididas, o trabalho de concepção não monopoliza o poder de piso fabril e a administração executiva já não figura apenas nos sonhos e pesadelos dos agentes da produção. Mais do que nunca é possível aproximar-se do patrão, ou mesmo se sentir um em potencial. A fábrica não é o lugar privilegiado do trabalho. Passou a ser

local de relações sociais desinteressadas, lazer e educação. Além de se

transformar em “escola”, tornou-se local de festas e de terapia em grupo. Como os números estão em evidência, não é difícil para os operários se sentirem verdadeiros patrões. Este comportamento forjou novas identidades, aumentou a auto-estima e alicerçou valores coletivos. Esse “melhor dos mundos possíveis” ainda invade o espaço domiciliar. Mais de uma vez, percebemos o encontro entre a lógica fabril e a lógica privada do espaço doméstico. Casa e fábrica muitas vezes apareceram imbricados em nossa pesquisa. As tecnologias de gestão da força de trabalho, indubitavelmente, contribuíram para isso, forjando ambientes confortáveis e amigáveis. As relações sociais de fidelidade, confiança e lealdade à empresa vieram à tona: trabalhadores e supervisores chegaram mesmo a unificar forças no momento de crise ou de prosperidade.21 No entanto cumpre destacar que as relações de lealdade se deram em favor da organização e não em relação aos acionistas. Os donos dos meios de produção foram pegos de surpresa quando se abriu a crise do Grupo Mendes Júnior em 1994. Gerentes condenaram a má administração e esse diagnóstico foi compartilhado por trabalhadores e supervisores que não pouparam críticas ao grupo, mas trataram de preservar a imagem e o nome da organização.

21

- Referimo-nos aqui aos acontecimentos ocorridos antes e após as negociações que culminaram no arrendamento da Companhia Siderúrgica José Mendes Júnior ao grupo Belgo-Mineira. Para maiores detalhes conferir Barros (1998a).

30

Na pesquisa não foram poucos os que afirmaram ser a fábrica “uma das coisas mais importantes de suas vidas”, pois ali puderam se desenvolver como pessoas, profissionais e membros de uma família. A fábrica, como espaço de poder, não pode ser entendida como lugar privilegiado de satisfação de necessidades materiais e dinamizadora de motivações econômicas. Em jogo, estão também as motivações sociais e interesses ideais indispensáveis para levar os seres humanos à produção e lealdade para com a organização. A lealdade para com o capital talvez seja um dos mais fascinantes acordos sociais entre os agentes. Trata-se de um controle invisível, obscuro, de difícil percepção empírica e que vem à tona em momentos dramáticos, de efervescente calor social. Certamente essas foram experiências fundamentais no caso da SMJ/BMP, local onde percebemos estas “antigas” (ou seriam “novas”?) relações. 5. Bibliografia BARROS, Lúcio Alves de. O "novo" e o "velho": o trabalho e o processo produtivo em discussão: o caso da Companhia Siderúrgica Mendes Júnior/Belgo-Mineira Participação. Belo Horizonte: Departamento de Sociologia e Antropologia, FAFICH, UFMG. Dissertação de Mestrado em Sociologia, 1998a. BARROS, Lúcio Alves de. O 'novo' e o 'velho': o trabalho e o processo produtivo em discussão. Impulso – Revista de Ciências Sociais e Humanas, Piracicaba, SP., v. 10, n.º. 2223, jan., 1998b. pp. 73 - 97. BARROS, Lúcio Alves de. Metamorfoses do fordismo ou modelos pós-fordistas? In Teoria & Sociedade. Revista dos Departamentos de Ciência Política e de Sociologia e Antropologia. Belo Horizonte, MG: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Junho de 2001. pp. 277 - 316 BARROS, Lúcio Alves de. Fordismo: origens e metamorfoses. Piracicaba: Editora Unimep, 2004. 92 p. BORGES, Rachel Fernandez. Organização do Processo de Trabalho na Indústria Siderúrgica – um estudo de caso. Belo Horizonte: Dissertação de Mestrado. CEDEPLAR / UFMG. Dezembro de 1983. 215 p. BRANT, Vinícius Caldeira. Trabalho e conflito: Repensando atores, sujeitos e configurações. In SANTOS, José V. T. dos & GUGLIANO, A. A. (Org.). A sociologia para o século XXI. Pelotas: Ed. Universidade Católica de Pelotas, 1999. BURAWOY, Michael. Manufacturing Consent. Chicago: University of Chicago Press, 1979. CLARKE, Simon. Crise do Fordismo ou da Social Democracia? São Paulo: Revista Lua Nova, n.º 24, 1990.

31

CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Ed. Revan; UFRJ, 1994. 212 p. COUTINHO, Carlos Sidnei. Transferência de tecnologia e organização do processo de trabalho na indústria siderúrgica. Belo Horizonte: Dissertação de Mestrado. CEDEPLAR / Mestrado em Economia / UFMG. Dezembro de 1984. 607 p. FERREIRA, Cândido Guerra. Os traços principais da evolução das normas de produção na siderurgia. Belo Horizonte: CEDEPLAR / FACE / UFMG. Texto para discussão, n° 54, julho de 1989. 88 p. FERREIRA, Cândido Guerra. A evolução das normas técnicas de produção na siderurgia: principais tendências históricas. Belo Horizonte: Revista Nova Economia, vol. 31, n° 11 de setembro de 1993. pp. 225 - 246. FERREIRA, Cândido Guerra. Processo de Trabalho e Relação Salarial. Um marco teóricoanalítico para o estudo das formas capitalistas de produção industrial. Belo Horizonte: CEDEPLAR / FACE / UFMG. Texto para discussão, número 37, 1994. 53 p. FORD, Henry; CROWTHES, Samuel (Colaboração). Minha Vida e Minha Obra. Trad. Silveira Bueno. São Paulo: Ed. Companhia Gráphico Editora Monteiro Lobato, 1925. 359 p. FRANKL, Viktor Emil. Psicoterapia para todos: uma psicoterapia coletiva para contrapor-se à neurose coletiva. 2ªed. Trad. Antônio Estevão Allgayer. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990. 158 p. (Coleção Logoterapia). FRANKL, Viktor Emil. Em busca de sentido. Um psicólogo no campo de concentração. 2ª ed.. Trad. Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline. São Leopoldo: Ed. Sinodal; Petrópolis: Ed. Vozes, 1991. (Coleção Logoterapia). HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Ed. Loyola, 1993. HIRATA, Helena (Org.) Sobre o Modelo Japonês: automatização, novas formas de organização e de relações de trabalho. Trad. Rosaura Eichenberg, Maria de Lourdes Vignoli, Hedy Helena de Menezes Pereira. São Paulo: Edusp, 1993. 312 p. KERN, H. & SCHUMANN, M.. La fin de la division du travail? La rationalisation dans la production industrielle. Paris: MSH, 1989. LEITE, Márcia Paula. O “Modelo Sueco” de Organização do trabalho. In LEITE, Márcia P. & SILVA, R. (Org.). Modernização Tecnológica, relações de trabalho e práticas de resistência. São Paulo: Ed. Iglu/Ides/Labour, 1991. MARX, Roberto. Processo de Trabalho e Grupos semi-autônomos: a evolução da experiência sueca de Kalmar aos anos 90. São Paulo: Revista Brasileira de Administração de Empresas. EAESP. FGV, n.º 32 (2), abril / junho de 1992. pp. 36 - 43 MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Trad. Reginaldo Sant’Anna. 14ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil S.A., 1994. (Volume 1) 579 p. O original data de 1867.

32

MATTOS, Rogério Silva de; BASTOS, Suzana Quinet de A. JÚNIOR, Lourival Batista de O. Experiências de desenvolvimento exógeno em Juiz de Fora: Mendes Júnior, Paraibuna de Metais e agora Mercedes-Benz. Juiz de Fora: Núcleo de Pesquisas – NUPE. Faculdade de Economia e Administração / Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Texto para discussão, n.º 01, novembro de 1996. 25 p. MATTOS, Rogério Silva de; MARTINS, Paulo do Carmo (Coord.) A experiência recente de industrialização na região polarizada por Juiz de Fora: o caso da Cia Paraibuna de Metais e da Siderúrgica Mendes Jr. Juiz de Fora: Faculdade de Economia / Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF / FAPEMIG, 1994. 247 p. ORTSMAN, Oscar. Mudar o Trabalho: as experiências, os métodos, as condições de experimentação social. Trad. Helena Domingos. Portugal / Lisboa: Edição Fundação Calouste e Gulbenkian, 1984. PALLOIX, Christian. O processo de trabalho: do fordismo ao neofordismo. In Conferências de Economistas Socialistas: Processo de Trabalho e estratégias de Classe. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. PIMENTA, Solange Maria. A estratégia da gestão: fabricando aço e construindo homens. O caso da Companhia Siderúrgica Nacional. Belo Horizonte: Dissertação de Mestrado em Administração. Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), 1989. Volume I, II, III. 705 p. PIORE, Michael; SABEL, Charles F.. The Second Industrial Divide: possibilities for Prosperity. Nova York: Basic Books, 1984. SMITH, Adam. Uma investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações. Tradução e seleção Norberto de Paula Lima. 2ª ed. São Paulo: Ed. Hemus, 1981. O original data de 1776. TAYLOR, Frederick. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Ed. Atlas, 1970. (O original data de 1911) WEBER, Max. Economia e Sociedade. Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Brasília, DF.: Ed. Universidade Nacional de Brasília - UNB, 1991. (Vol. I). A primeira edição alemã data de 1922. WOMACK, Jones P.; JONES, Daniel T.; ROOS, Daniel. A máquina que mudou o mundo. Trad. Ivo Korytowsk. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1992. 347 p. WOOD, Jr. Thomaz. Fordismo, Toyotismo e Volvismo: os caminhos da indústria em busca do tempo perdido. São Paulo: Revista Brasileira de Administração de Empresas. EAESP; FGV, n.º 32 (4), setembro / outubro de 1992. pp. 06 - 18. WOOD, Stephen. The transformation of work? In: WOOD, Stephen (Org.) The transformation of work? London, Boston, Sydney, Welligton: Unwin Hyman, 1989 WOOD, Stephen (Org.) The transformation of work? London, Boston, Sydney, Welligton: Unwin Hyman, 1989.

33

WOOD, Stephen. Toyotismo e/ou japonização. In HIRATA, Helena Sumiko (Org.) Sobre o “Modelo” Japonês: automatização, novas formas de organização e de relações de trabalho. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1993. WOOD, Stephen. O modelo Japonês em debate; pós-fordismo ou japonização do fordismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.º 17, Ano 06, outubro de 1991.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.