NOVOS OLHARES, NOVOS DISCURSOS: Revolução paradigmática na história da literatura

July 25, 2017 | Autor: W. Freire Machado | Categoria: Metateoria, História Da Literatura
Share Embed


Descrição do Produto

NOVOS OLHARES, NOVOS DISCURSOS: Revolução paradigmática na história da literatura Wellington Freire Machado (FURG) No curso do século XX as reflexões tocantes à História da Literatura pisaram em terreno fértil, em especial nas contendas que acalentaram entusiasmadas discussões na segunda metade daquele período. O reflexo de tais debates se faz perceptível no conhecimento que se produz na contemporaneidade, graças à consciência crítica adquirida pelo observador, que, em manifestações cada vez mais recorrentes, já não mais se coloca apartado de seu objeto de estudo. Dessa forma, considerar a consciência que se tem na atualidade pressupõe pensar a ascendência das manifestações de cunho histórico-literário que se detectam já em meados do terceiro milênio. Nesse sentido, pontuo neste trabalho momentos de importância vital no percurso da História e também da História da Literatura ao longo do século XX, tais como a Escola dos Annales, a Nova História e o Construtivismo. Estes momentos sinalizam para uma profunda revolução paradigmática, que na atualidade culmina no surgimento de novos discursos e na realização de um modus operandi até então não visto na esfera discursiva da História da Literatura. Para compreender como se dá este processo na historiografia literária, observar-se-ão aspectos de obras recentes publicadas no mercado editorial brasileiro. *** O século XIX foi de suma importância para os estudos literários, constituindo um importante ponto de apoio para a crítica que se estabeleceria tempos mais tarde. Contudo, foi no curso do século XX que as reflexões tocantes à História da Literatura pisaram em terreno fértil, em especial nas contendas que acalentaram entusiasmadas discussões na segunda metade daquele século. O reflexo dos debates suscitados se faz perceptível no conhecimento que se produz na contemporaneidade, graças à consciência autocrítica imputada ao observador, que em manifestações cada vez mais recorrentes, já não mais se coloca apartado de seu objeto de estudo. Marcam a trajetória da História da Literatura enquanto disciplina acadêmica inúmeras contendas resultantes de longo processo de meditação e teorização sobre os meios de escrita da História. O percurso da metateoria empenhada em substituir a tradicional narrativa de acontecimentos plausíveis por uma história-problema – o que hoje não constitui nenhuma novidade para o público especializado – está relacionado a inúmeras tentativas (por vezes desventuradas) de romper com o(s) modelo(s)

instaurado(s) desde os longínquos tempos do célebre historiador grego Heródoto de Halicarnasso. Contudo, não foram as histórias registradas em crônicas monásticas, em memórias de ordem política e em tratados de antiquários1 que incomodaram os mais notórios defensores de uma história calcada em problemas. Segundo Peter Burke, em A Escola dos Annales 1929 – 1989 ― A revolução francesa da historiografia (2010, p.42) , a chamada Escola dos Annales surgiu a partir do periódico francês Annales de histórica econômica e social, tendo seu primeiro número publicado em 15 de janeiro de 1929. O grupo possuía como fundadores Marc Bloch e Lucien Febvre. No seu período inicial a revista era constituída pluridisciplinarmente, pois participavam membros não só especializados em história antiga e moderna, mas também por indivíduos oriundos da Geografia, da Sociologia, da Economia e também da Ciência Política. A pluridisciplinariedade de seus membros associados pode ser um primeiro indício de que a Revista tornar-se-ia um expoente na substituição da tradicional narrativa de acontecimentos plausíveis por uma história-problema, rompendo com a exclusividade no enfoque à história política, privilegiando aportes relativos às atividades humanas de ordem variada, concebendo uma abordagem multidirecional de seus objetos de estudo, possibilitando então uma visão acentuadamente crítica na construção do que convencionou-se chamar neste grupo "história-problema". Entre as obras mais importantes publicadas por membros ligados a este grupo, destacam-se Os Reis Taumauturgos (Marc Bloch), O mediterrâneo (Braudel) e O problema da Incredulidade no século XVI: A religião de Rabelais (Lucien Febvre). *** O termo Nova História surgiu a partir da publicação do livro intitulado La nouvelle histoire, uma coleção de ensaios editada por Jacques Le Goff com relevantes estudos de historiadores como Michel Vovelle, André Burguière, Philippe Ariès e outros. Todos estes preocupados com temas tão plurais quanto o novo momento que se inaugurara com a publicação deste volume, que mais tarde foi sucedida por outras coleções de ensaios em três volumes, no qual os autores abordam temas como os novos problemas, as novas abordagens e os novos objetos da Nova História. Além da publicação deste material inédito, o termo História Nova articula-se diretamente com a situação institucional da Escola dos Annales. O novo fôlego no comando da Revista se deu partir da aposentadoria de Braudel, o que possibilitou a inserção e participação ativa de jovens historiadores em cargos administrativos da Revista. Neste momento pós 1969, ficou claro que a Revista outrora fundada por 1

Formas acentuadas pelo historiador Peter Burke como gêneros aleatórios de inscrição. Ver Burke (2010: 17)

Bloch e Febvre entraria em um novo momento, superpluralizando-se a partir dos interesses científicos de jovens historiadores. A história focada em processos de longa duração e obstinada em apreender em seus aspectos mínimos as mudanças que se dão em uma linha temporal busca, sobretudo, focalizar seus estudos em questões como a atividade humana. Segundo Burke, a base filosófica da nova história é a ideia de que a realidade é social ou culturalmente construída, rompendo com "a tradicional distinção entre o que é central e o que é periférico na história" (BURKE, 1992: 11-12). Essa acepção,vai completamente de encontro ao que acreditavam os antigos historiadores rankeanos2. François Dosse (1992: 81) relembra que a história tradicional era escrita com inicial maiúscula e no singular: "Valendo-se de sua antiguidade e de sua capacidade de síntese e de racionalização de todas as dimensões do real, a história procurava senão o sentido, pelo menos um sentido de duração". Com a decomposição da história operada pela Escola dos Annales, outra história se escreve - adverte o autor -, "uma história escrita no plural e com inicial maiúscula". Isto é, o sentido da história única e totalizante outrora vigente, agora seria expurgado por um novo discurso capaz de contemplar o diverso: "Não existe mais a história, mas as histórias. Trata-se da história de tal fragmento do real, e não mais da história do real" (idem ibidem). Quando Dosse vale-se do termo “história em migalhas” na abordagem da Nova História, é justamente desse caráter superfragmentado apresentado pelos novos historiadores franceses: em termos contemporâneos, a Nova História é como um enorme fractal megapixalizado, sendo cada parte reconhecida como integrante inalienável de um todo absolutamente maior. *** Na introdução de seu livro intitulado Construtivismo radical, uma forma de conhecer e aprender (1996), Ernst von Glasersfeld fundamenta sua teoria respaldado por aspectos cognitivos: O que é o construtivismo radical? É uma abordagem não convencional dos problemas do conhecimento e do acto de conhecer. Ela parte do princípio de que o conhecimento, independentemente da forma como for definido, está na cabeça das pessoas e o sujeito pensante não tem alternativa senão construir aquilo que conhece com base na sua própria experiência. (GLASERSFELD, 1997: 19) Em dois dos títulos da série Como e por que ler, da editora Objetiva, esta consciência imputada ao historiador já se faz perceptível. A experiência apreendida 2

Leopold von Ranke (1795-1886), tradicional historiador alemão.

desde a perspectiva da observação de um eu percepcionado específico, uno, é um dos pontos ressaltados ainda nas respectivas introduções de Os Clássicos desde cedo (2002), de Ana Maria Machado e também em O romance brasileiro (2004), de Marisa Lajolo. Não sei direito com que idade eu estava, mas era bem pequena. Mal tinha altura bastante para poder apoiar o queixo em cima da escrivaninha de meu pai. Diante dele sentado escrevendo, eu vinha pelo outro lado, levantava os braços até a altura dos ombros, pousava as mãos uma por cima da outra no tampo da mesa, erguia de leve o pescoço e apoiava a cabeça sobre elas. A ideia era ficar embevecida, contemplando de frente o trabalho paterno. Bem apaixonadinha por ele, como já explicava Freud, mas eu só descobriria anos depois. (MACHADO, 2002: 7) As relações estabelecidas pelo Construtivismo proposto por Glasersfeld são de ordem variada, buscando subsídio nas reflexões suscitadas por Piaget, Locke, Descartes, Vaihinger, Bentham e outros. Glasersfeld advoga em favor da tese de que não se pode ter acesso a uma realidade objetiva. É neste ensejo que vem a expectativa de identificação com uma teoria do conhecimento envolvida com a descrição “de um modelo de nossas capacidades de criar (construir), despida de preceitos e demandas epistemológicas” (GLASERSFELD, 1997: 19). Glasersfeld também encontra amparo nas teorias da cognição do biólogo chileno Humberto Maturana, o qual subsidia reflexões tangentes a aspectos como a cognição e a autopoiesis3. Uma abordagem acerca do eu percepcionado, sintetizado por Glasersfeld, é uma das consciências declaradamente imputada ao historiador literário em publicações recentes. Ao enfatizar a função do eu, Glasersfeld ratifica não somente o protagonismo da experiência perceptual de cada indivíduo, mas também a presença efetiva do lugar onde determinada ação ocorre, sendo o lugar da experiência “mais um agente ativo do que uma entidade passiva” (1997: 209). Ao discorrer sobre a poesia brasileira do século XX, Ítalo Moriconi, por exemplo, parte de um critério de seleção declaradamente excludente. Essa supressão limita cem anos de poesia nacional ao que foi produzido por poetas modernistas majoritariamente pertencentes 3

Termo emprestado da teoria biológica de Maturana e Varela. A autopoiesis é de extrema utilidade para a teoria dos sistemas sociais de Luhmann e se alinha ao conceito de sistemas autorreferenciais. Em Niklas Luhmann: A sociedade como sistema, a autopoiesis "constitui-se na propriedade que os sistemas autorreferidos têm de, a partir de seus próprios elementos, produzir a si próprios como unidades diferenciadas. Entretanto, nesse processo de autoprodução, a capacidade que tais sistemas têm em se autorrepararem, se autorreestruturarem, se autotransformarem, se autoadaptarem (sem, contudo perderem suas identidades) é o que os caracterizam e os definem como autopoiéticos." (RODRIGUES e NEVES 2012: 32)

ao sudeste brasileiro. Não de forma arbitrária, Moriconi escreve, assim como os poetas que ele próprio selecionou, do mesmo lugar que estes autores. Niklas Luhmann, importante teórico para a teoria de Glasersfeld, afirma que “ao observar dada observação, o observador vê aquilo que os outros podem ver ou não.” (LUHMANN, 2000: 72). Nesse sentido, além do lugar, também influem como agentes sobre a visão do eu percepcionado outros fatores como o sistema, as intenções organizadoras, o histórico de vida do observador, e aspectos de ordem afetiva. Nesse sentido, Hans Ulrich Gumbrecht, Heidrun Krieger Olinto e Niklas Luhmann são três teóricos que possuem estudos substanciais sobre processos de observação. Os dois primeiros, voltados para o estudo da literatura, pensam a questão dos processos de observação focando em aspectos de subjetividade e participação, enquanto Luhmann teoriza o conceito de observador de segunda ordem articulado a uma teoria da sociedade moderna. Desde pronto, é importante ressaltar que a reflexão referente aos processos de observação se complementa às conquistas efetuadas pela História Nova4: é necessário compreender que a recente consciência do observador que emerge no discurso acadêmico contemporâneo se fazia tolerável desde que manifesto em outras representações aquém dos limítrofes da academia, como o discurso da imprensa, das cartas e dos diários. No capítulo intitulado "Observation of the First and of the Second Order" do livro Art as social system, Niklas Luhmann (2000) estabelece uma distinção sistemática entre as acepções de observador de primeira ordem e observador de segunda ordem, nas quais, na primeira, observa-se um objeto; enquanto na segunda, são observadas observações. Assim, o que não for observado pelo observador de primeira, passa a ser pelo observador de segunda ordem: "The unobservability of firstorder observation thus becomes observable in an observation of the second order” (LUHMANN, 2000: 72) De acordo com Michael Korfmann, pesquisador do instituto de alemão da UFRGS, "A observação de segunda ordem não faz, portanto, mais nada que se utilizar das formas construtivas de sentido para se auto-observar, oscilando entre o atual e o potencial, e surpreender através da sua observação original." (KORFFMAN, 2003: 14). Ao realizar sua sistematização, Luhmann não nutre ― segundo Gumbrecht (1998: 13) ― nenhum interesse específico por historicizar seu conceito. Em complemento a esta constatação, Gumbrecht sublinha que a invenção da imprensa e a descoberta do continente americano apontam para a emergência do tipo ocidental da subjetividade ── para uma subjetividade que está condensada no papel de um observador de 4

Ver GOFF. Jacques. NORA. Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.

primeira ordem e na função da produção de conhecimento (GUMBRECHT, 1998: 12). Isto é, o observador emergente já não mais se identificava com a condição do observador passivo outrora presente na Idade Média, cuja autoimagem que predominava era a de um homem apresentado como parte de uma criação divina, para quem a verdade ou estava além da sua própria compreensão, ou, no melhor dos casos, era dada a conhecer pela revelação de Deus. Em meados de 1800 ― ainda segundo Gumbrecht ― aconteceu o que o autor chama de Modernidade epistemológica: a confiança no conhecimento produzido pelo observador de primeira ordem já não se sustentava tal como no início da Modernidade. Nesta circunstância, emergiu outra consciência de um sujeito incapaz de deixar de se observar ao mesmo tempo em que observava o mundo (GUMBRECHT, 1998: 13). Este observador de segunda ordem, de caráter autorreflexivo, comporta consigo características que acentuam transformações epistemológicas importantes: a inevitável consciência de sua constituição corpórea como uma condição complexa de sua própria percepção de mundo; a consciência de que o conteúdo da sua observação depende de sua posição particular ― neste aspecto cada fenômeno particular pode produzir uma infinidade de percepções; e o problema da temporalidade, âmbito em que se problematiza a articulação direta entre presente, passado e futuro, em que ― respectivamente ―, no cronótopo do tempo histórico o presente é visto como futuro do passado e como passado do futuro; o futuro como passado de um futuro remoto e como presente do futuro; o passado como futuro de um passado remoto e como presente do passado (GUMBRECHT, 1998: 15-16) Segundo Gumbrecht, na Idade Média, mais do que produzir conhecimento novo, a tarefa da sabedoria humana era proteger do esquecimento todo o saber que tivesse sido revelado – e tornar presente esta verdade revelada pela pregação e, sobretudo, pela celebração dos sacramentos. (GUMBRECHT, 1998: 12). No fluxo do deslocamento central rumo à Modernidade, ainda segundo o autor, a transformação se deu no fato de o homem ver a si mesmo ocupando o papel do sujeito da produção de saber (idem ibidem). Assim o observador que se apresenta no início da modernidade percebe o mundo desde uma ótica distante, não se fazendo perceptível no conhecimento que produz. Em texto intitulado "La garantía soy yo! - A febre da primeira pessoa nos ensaios americanos" (Folha de São Paulo, 27/11/2011), Paulo Roberto Pires reclama do que chama "uma volta triunfal e opositiva do eu" em ensaios estadunidenses, em especial na coletânea The Best American Essays, publicado pela Marine Books em 2011. Ao se observar a História da Literatura brasileira, percebe-se que o que

atualmente surge como uma novidade no âmbito acadêmico5, em meados de 1800 já vinha se desenvolvendo em estágio embrionário, em proporções menores. *** Em 2011 realizei um estudo intitulado Observação de segunda ordem na crítica e em textos fundadores da História da Literatura Brasileira6. Nele, me imbuí da tarefa de buscar nas primeiras histórias da literatura brasileira marcas textuais que identificassem uma consciência de observador de segunda ordem alinhavada aos pressupostos detectados no estudo Modernização dos Sentidos, de Gumbrecht. Inesperadamente, parte dos autores reunidos na antologia Historiadores e críticos do Romantismo, de Guilhermino César se encontra em uma espécie de entre-lugar de um fluxo epistemológico. Neste trabalho foi possível encontrar observadores de primeira e segunda ordem. Este último, disseminado de forma viral na contemporaneidade. Um exemplo de escrita tradicional, fortemente marcada por um narrador distante pode ser encontrado no texto precursor intitulado Geschichte der portugiesischen Poesie und Beredsamkeit (História da poesia e eloqüência portuguesa), de Friedrich Bouterwek publicado em 1805. Em polo narrativo oposto, se pode encontrar Ferdinand Dennis, autor que publicou, em 1826, Resumo da História Literária do Brasil. Fato é que, no âmbito da investigação proposta, identificou-se que entre os textos fundadores apresentados por Guilhermino César, Ferdinand Dennis constitui o primeiro articulador autorreflexivo da história da literatura brasileira, em termo alcunhado por Gumbrecht. Nesse ponto, o surgimento da consciência de um sujeito incapaz de deixar de se observar ao mesmo tempo em que observa o mundo (GUMBRECHT, 1998: 13). Evidente que, por questões ideológicas, esse estilo de escrita não vigorou ao longo do século XIX. Diferentemente do observador de primeira-ordem, o que “lida sempre de forma não reflexiva com objetos, com fenômenos e com eventos” (OLINTO, 2010: 27), o observador de segunda ordem se detecta no discurso enunciado por um exercício acadêmico recorrente na contemporaneidade, um exercício que adveio na motivação gerada pela História Nova, na segunda metade do século XX, em um processo que voltou o olhar científico em direção ao sujeito produtor do conhecimento: a egohistória. Para a investigação que aqui se propõe, é de suma importância o entendimento do que significa a ego-história para historiadores contemporâneos. Segundo Pierre Nora, a ego-história

5

Cabe relembrar o caráter metodológico amparado em base positivista vigente por anos a fio na produção do conhecimento científico. 6 O texto mencionado pode ser lido na íntegra nos anais do V Seminário Nacional de História da Literatura. MACHADO. W. F. Observação de segunda ordem na crítica e em textos fundadores da História da Literatura Brasileira. In: Anais do V Seminário Nacional de História da Literatura. Rio Grande: Ed Furg, 2012.

É um gênero novo, para uma nova idade da consciência histórica, que nasce do cruzamento de dois grandes movimentos: por um lado, o abalo das referências clássicas da objetividade histórica, por outro, a investigação do presente pelo olhar do historiador. (NORA, 1987: 3) Em publicação intitulada Ensaios de Ego-história (1987), um grupo no qual se encontram os maiores historiadores franceses ― e não arbitrariamente expoentes nomes da Nova História ― discorre sobre seus respectivos ofícios de historiadores combinados com aspectos de suas vidas particulares. O livro se inicia com uma instigante epígrafe: "Fabricador de instrumento de trabalho, de habitações, de culturas e sociedades, o homem é também agente transformador da história. Mas qual será o lugar da história na vida do homem?" (NORA, 1987: 01). Jacques Le Goff, Maurice Agulhon, Pierre Chaunu, Georges Duby, Michelle Perrot, René Rémond, Raoul Girardet são os protagonistas destas histórias baseadas no "eu". No âmbito da História da Literatura brasileira, a ego-história enquanto critério motivador emerge em caráter inédito em três dos quatro títulos que compõem a série Como e por que ler7. *** Rodrigues e Neves (2012: 30) salientam que na Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann, sistemas são autorreferenciais quando os elementos estão integrados como “unidades em função” e que nas relações entre esses elementos corre paralelamente uma “remissão à autoconstituição”. Se pensarmos no surgimento, a partir do advento da Série Como e por que ler – de uma estética autônoma voltada para formação de leitores, naturalmente se pode fazer inferências no conceito de Autopoiesis, cunhado por Maturana e Varela. Os autores explicam que desejavam descrever a autonomia de um organismo vivo ao percebê-lo como um sistema que se autoproduz (MATURANA E VARELA, 1980: 13). Nesse sentido, a autopoiesis não se delimita somente como um sistema autorreferencial, mas também como um sistema que se autoproduz enquanto unidade sistêmica. Por essa via, é possível encontrar facilmente fatores de interação entre os elementos constituintes do sistema, considerando para além do texto em si. Nesse sentido, é importante ponderar aspectos adjacentes, como abrangência da publicação, editora e influência dos produtores do texto no sistema. Só assim se poderá delimitar o quão longínqua se pode dar a via de sucessão de todos estes parâmetros teóricos estabelecidos na série. É consenso entre teóricos, críticos e historiadores que não há literatura sem leitores. Na contemporaneidade, diante do surgimento e do fácil acesso a outras 7

Exceto A Poesia brasileira do século XX, de Ítalo Moriconi.

materialidades de comunicação, a presente transformação no fazer historiográfico pode ir muito além de uma simples estratégia de sobrevivência e manutenção. A efetivação prática de uma revolução paradigmática no âmbito da História da Literatura pode estar em consonância às necessidades estabelecidas pelo tempo presente. Nesse sentido, as novas formas de fazer historiográfico, ao considerar as mudanças associadas às imposições presentes na esfera de atuação do receptor, reafirmam e validam a importância de estudos ocupados com questões de ordem sistêmica e construtiva.

REFERÊNCIAS BURKE. Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. _______. A escola dos Annales 1929-1989 - A revolução francesa da historiografia. São Paulo: UNESP, 2010.

DOSSE. François. A historia em migalhas: dos Annales a Nova Historia. Campinas: Unicamp, 1992.

GLASERSFELD. Ernst von. An Exposition of Constructivism: Why Some Like it Radical. Disponível em: www.oikos.org/constructivism.htm - Acesso em: 03/04/2012.

GLASERSFELD. Ernst von. Construtivismo Radical: uma forma de conhecer e aprender. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

GUMBRECHT. Hans Ulrich. Modernização dos sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998.

LE GOFF. Jacques. As mentalidades. Uma história ambígua. In: LE GOFF. Jacques. NORA. Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.

_______. Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

LUHMANN. Niklas. Art as a Social System. Stanford: Stanford University Press, 2000.

MACHADO. Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

MACHADO. Wellington Freire. O fazer historiográfico em Como e por que ler a poesia brasileira do século XX,de Ítalo Moriconi. In: Anais do IX Seminário Internacional de História

da

Literatura.

Porto

Alegre:

EdPUCRS,

2011.

Disponível

ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Web/978-85-397-0198-8/Trabalhos/109.pdf

em:

Acesso

em: 22/08/2012.

NORA. Pierre. LE GOFF. Jacques. Ensaios de ego-história. Lisboa: Edições 70, 1989.

OLINTO. Heidrun Krieger. Ciência da Literatura Empírica: uma alternativa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

_______. Pequenos ego-escritos intelectuais. In. CARDOSO. Marília Rothier. COCO. Pina. Perspectivas (auto) biográficas nos Estudos de Literatura. Rio de Janeiro: Trarepa, 2003.

_______. Marcas de (auto)biografia historiográfica. In: OLINTO. Heidrun Krieger. Momentos de presença na história dos estudos de literatura. . In: Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS. Porto Alegre, volume 10, número 1, setembro de 2004.

_______. Second order observation in Empirical Studies Of Literature. In: ZYNGIER. Sonia. VIANA. Vander. FAUSTO. Fabiana. Venturas & Desventuras. Coletânea dos trabalhos do V ECEL. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.

_______. Uma historiografia literária afetiva. In: Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS. Porto Alegre, volume 14, número 1, setembro de 2008.

_______. Afinal, o que cabe numa história de literatura? In: Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS. Porto Alegre, volume 16, número 1, outubro de 2009.

RODRIGUES. Leo Peixoto. NEVES. Fabrício Monteiro. Niklas Luhmann: a sociedade como sistema. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2012.

VERSIANI. Daniela Beccaccia. OLINTO. Heidrun Krieger. Cenário construtivistas: temas problemas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010.

VERSIANI. Daniela Beccaccia. Um mapeamento inicial do paradigma construtivista. In: VERSIANI. Daniela Beccaccia. OLINTO. Heidrun Krieger. Cenário construtivistas: temas problemas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010.

ZYNGIER. Sonia. Fatos e Ficções: Estudos empíricos de Literatura. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002.

_______. VIANA. Vander. FAUSTO. Fabiana. Venturas & Desventuras. Coletânea dos trabalhos do V ECEL. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.