NOVOS OLHARES PARA O ENSINO DE HUMANIDADES: FENOMENOLOGIA E EDUCAÇÃO SOMÁTICA

July 18, 2017 | Autor: Fernanda Barbosa | Categoria: Education, Phenomenology of the body, Somatic Education
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Eixo Temático Práticas Docentes no Ensino Médio
Modalidade do Trabalho: Pesquisa Acadêmico-Científica

NOVOS OLHARES PARA O ENSINO DE HUMANIDADES: FENOMENOLOGIA E EDUCAÇÃO SOMÁTICA

Autores: Fernanda Ströher Barbosa ([email protected])
Universidade Federal de Santa Maria/UFSM
Marcelo Vieira Lopes ([email protected])
Universidade Federal de Santa Maria/UFSM


Resumo: O presente trabalho configura um ensaio teórico que tem como base dois eixos temáticos para tratar da questão do corpo em sala de aula, especificamente no ensino de humanidades. Por um lado a fenomenologia, em que o corpo é tratado como ponto de partida da intencionalidade do ser-no-mundo. Por outro, as abordagens somáticas como possibilidade teórico-prática para a experimentação e engajamento corporal no trabalho em sala de aula. Nesse sentido, buscaremos mesclar os dois enfoques para demonstrar a importância da mobilização corporal no espaço escolar, principalmente dentro do campo das humanidades. A pesquisa, que ainda encontra-se em fase embrionária, preparando a etapa empírica, parte da proposição de que o corpo, como lugar de criação de sentidos na experiência do indivíduo, bem como de constante inscrição de condições culturais e ideológicas, também pode ser espaço de construção de um saber escolar tornado vivo, encarnado e integrado, constituindo alternativa frente ao ensino de conteúdos fragmentados e estáticos. De acordo com a perspectiva da Soma-estética, ao invés da atitude mentalista de rejeitar o corpo em função de desenganos sensoriais, pode-se melhorar o desempenho dos sentidos, melhorando a consciência e o uso de si, desenvolvendo as potencialidades de perceber, pensar e agir. Assim, reafirmam-se novas possibilidades para uma educação voltada ao sensível, de caráter criativo, emancipatório e investigativo, em constante diálogo e empoderamento dos educandos.

Palavras-chave: Corpo; Fenomenologia; Somática; Ensino


"A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo."
M.M. Ponty


INTRODUÇÃO
A presente pesquisa parte da compreensão do corpo como aspecto essencial da condição e experiência humana. Capaz de assumir configurações ideológicas e inscrições culturais em espaços sociais, como é o caso da escola, o corpo em seu potencial tem sido negligenciado em todas as instâncias e espaços de ensino.
Com o aporte da fenomenologia, em especial no caso de M. Merleau-ponty, partimos do corpo vivido como condição primeira de nossa relação com o mundo. Para encarar a realidade, nós o fazemos a partir de uma perspectiva, uma posição que delimita nossos horizontes e níveis de observação, isso funda no corpo, o ponto de vista primordial, metáforas que se estendem ao nosso pensamento conceitual (SHUSTERMAN, 2010). Através das formas que se desenham em nossa carne, nossa postura, nossos movimentos, nossa voz, percepção e afetividade negociam a todo o momento com valores e sentidos partilhados pelo espaço e pelo coletivo, no que diz respeito à hierarquia, classe, etnia, gênero, orientação sexual e seus respectivos papéis sociais.
O sistema escolar inspirado pela tradição do idealismo platônico e pela racionalidade iluminista, com suas origens institucionais no Renascimento e na ascensão da classe burguesa, renega o lugar do corpo no conhecimento, imobiliza-o em fileiras de classes pequenas e desconfortáveis, invisibilizando-o. O aluno tem sua presença limitada a uma cabeça, reconhecida como o lugar da mente no corpo, e as mãos, necessárias a atividade da escrita.
O presente trabalho questiona e propõem caminhos possíveis para o ensino das humanidades através do corpo. Os métodos utilizados para tanto estão inscritos no campo da Educação Somática, uma família de técnicas que se ocupa do corpo como lugar de descoberta sensorial e desenvolvimento criativo. A maioria dessas técnicas surgiu na Europa e América do Norte nos séculos XIX e XX. A palavra somática origina-se no termo grego Soma que denota o corpo vivo, experienciado e inseparável da mente. Nesses procedimentos, o aluno é levado a aguçar a percepção de si mesmo, de seus hábitos corporais e de pensamento, as relações com seu meio, sua afetividade e vida social.

JUSTIFICATIVA
A validação da experiência no corpo tem potencialidades únicas para oferecer ao ensino de humanidades. Conforme nos coloca Shusterman (2010, p. 04), o corpo suporta e expressa as ambiguidades fundamentais do ser humano. De um lado, comunica nossa dupla condição de sujeito e objeto. De outro, nos torna seres de uma mesma espécie, mas afirma nossas diferenças individuais em gêneros, etnias e classes. Denuncia nossa natureza animal, ao mesmo tempo em que a revela como mais do que meramente natural. Por tudo isso, o corpo é uma série de provocações ao saber das humanidades.
Quando assumimos que normas sociais são também normas de caráter somático, temos o potencial para uma educação voltada para a diversidade, a ética e a autonomia, ou voltada para lógicas de dominação e opressão. Ao tomarmos a sala de aula tradicional como lugar de reprodução de ideias hegemônicas, pode-se compreender o papel da domesticação corporal na escola como necessário a um modelo de relação social hegemônico nos aparelhos de estado, docilizando cidadãos que pouco experimentam formas de engajamento, mantendo-se na apatia e resignação social e política.
No entanto, com o avanço do capitalismo e a disseminação de tecnologias de informação, novas configurações de tempo, espaço, relações humanas pautam a reorganização de estruturas sociais e consolidam novas problemáticas, fazendo com que a escola revele-se ineficaz no sentido de proporcionar respostas para os desafios contemporâneos. Permanecemos com um profundo abismo entre nosso desenvolvimento tecnológico e nossa imaturidade política e social. A presente pesquisa se justifica no sentido de apontar para novos rumos com o paradigma da corporeidade, propondo metodologias para uma educação voltada ao sensível, criativa, investigativa e emancipatória, de empoderamento e ação frente aos problemas contemporâneos.

TEMÁTICA E FOCO DE ESTUDO
Nossa temática são práticas docentes no Ensino Médio desde uma perspectiva que assume o corpo como lugar de construção de conhecimento. O foco é no ensino de Humanidades a partir do campo da Educação Somática e da fenomenologia.

OBJETIVO E PROBLEMA DE PESQUISA
A pesquisa indaga sobre como o corpo pode ser o meio para o processo de ensino das humanidades. Nosso objetivo é compreender como ocorre a construção de conhecimento pela experiência corporal, de modo a elaborar um método para desenvolver os conteúdos das humanidades, bem como as potencialidades do corpo na experimentação, investigação e criação.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
1.1 Fenomenologia, corpo e mundo
É bem sabido que através dos trabalhos iniciais do filósofo Merleau-Ponty, principalmente em sua obra Fenomenologia da Percepção, o corpo e a corporeidade ganham um lugar central e metodologicamente privilegiado na descrição fenomenológica. Dado que a fenomenologia trabalha basicamente com a noção de intencionalidade, o corpo se torna a fonte primeira, de onde parte nosso movimento intencional. Para o filósofo, o corpo encarnado é a condição primeira de nossa relação intencional com o mundo, recusando o paradigma mentalista e subjetivista da tradição ocidental. Para Ponty, o não reconhecimento do corpo como condição primeira de acesso ao mundo dos fenômenos, gera uma distorção destes, uma vez que é impossível pensar o ser humano como alma, ou espírito, em suma, como sujeito desencarnado. Para Ponty, ser-no-mundo é já sempre um ser encarnado, primeiramente percebendo as configurações de sentido já presentes no mundo cotidiano, através do corpo.
A fenomenologia, com Ponty, procura, dessa forma, repensar o homem em sua existência "fáctica", desde onde ele sempre se encontra. Todo o saber, todo o conhecimento científico do e no mundo só é possível a partir de minha experiência encarnada neste mesmo mundo, o mundo vivido. É bem sabido o lema da fenomenologia como uma "volta às coisas mesmas". No caso do filósofo francês, esse retorno só é possível quando abarca a dimensão do mundo anterior ao conhecimento, isto é, pensado em comportamentos não teóricos, mas prático-perceptivos com relação ao mundo. Nesse sentido, é significativa para nossa abordagem da fenomenologia como método potencial de ensino de humanidades a caracterização que faz Ponty do desenvolvimento da ciência a partir do mundo vivido. Para ele, o que primeiramente apreendemos não é a geografia ou a história, como ciências teóricas, mas antes o que nos aparece de pronto: a paisagem, os conflitos, as relações, etc (PONTY, 1999, p.04). Até mesmo a apreensão conceitual e abstrata só é possível fundada em um corpo vivo. Em suma, todas essas disciplinas trabalham, ainda que implicitamente, com o mundo percebido.
A percepção, deste ponto de vista, não é uma tomada de posição que escolhemos em certos comportamentos cotidianos. Ela é simplesmente a base sobre a qual todos os demais atos se destacam e os pressupõem como ponto de partida para o ser humano encarnado. Também a percepção não é a percepção solipsista e encapsulada do sujeito cartesiano, mas é antes, desde sempre intersubjetiva, compartilhada. É nesse encontro com o outro, na intersubjetividade, que a fenomenologia pode oferecer o seu potencial pedagógico. Sob o olhar fenomenológico, o Outro, que indubitavelmente encontra-se na mesma situação de sujeito encarnado como eu, nunca é puro espírito, pura subjetividade, mas antes corpo, e um corpo que percebe. Compartilhamos um mundo e o sabemos de antemão, antes de qualquer questionamento teórico: "[...] só os conheço através de seus olhares, de seus gestos, de suas palavras, em suma, através de seus corpos."(PONTY,1999, p.10). Justamente nesse elogio e valorização da corporeidade como potencial descobridor que Merleau-Ponty nos apresenta é que buscaremos elucidar o potencial educador que pode haver em um desdobramento e aplicação do método fenomenológico em sala de aula, juntamente da abordagem somática.
1.2 Educação Somática
Pode-se falar em duas possibilidades no trabalhado com o corpo em sala de aula. A primeira é mais tradicionalmente utilizada, e trata-se do corpo em exposição. Nessa condição, o corpo é mobilizado para partilhar o conhecimento adquirido ao final do processo de aprendizagem, geralmente na forma de demonstrações, exposições orais, encenações, tornando-se produto e evidência da compreensão intelectual. Mas a possibilidade que defendemos nesta pesquisa é a segunda: o corpo como metodologia, integrado em todo o processo de aprendizagem. Parte da exploração do corpo como experiência, em que o aprendizado se dá pela consciência sensorial e engajamento cinético. Para tanto, nos valemos de um campo teórico-prático denominado Educação Somática.
A Educação Somática trata-se de uma família de técnicas que se interessam pela percepção e movimento corporal. Entre elas, sobressaem-se a Antiginástica, Técnica Alexander, Método Feldenkrais, Eutonia, Ginástica Holística, Método Danis Bois, Método das cadeias musculares e articulares G.D.S., Body-Mind Centering, Bartenieff, Continuum, Somaritmos e algumas correntes do Método Pilates. Em comum, elas possuem o fato de ter aspectos pedagógicos baseados na compreensão do corpo enquanto experiência, um organismo vivo indissociável da consciência. A partir disso, nos concentraremos em três estratégias pedagógicas que se repetem em todas as técnicas: o aprendizado pela vivência, a sensibilização da pele e a ampliação da percepção.
A sensibilização da pele, prática que costumeiramente dá início a aula de educação somática, conduz a atenção do aluno a voltar-se para o aqui e agora, para si mesmo e o outro. Além de despertar a descoberta e a circulação sanguínea para partes diversas do corpo, o estimular da pele carrega um sentido de fronteira porosa entre mim e o outro. É aquilo que se faz meu contorno e desvela minha presença e minha dupla condição de ser para mim e ser para outro, mas também é o primeiro a revelar o contorno e a presença do outro. A sensibilização da pele é meio e condição para assumir novas perspectivas sobre mim mesmo e sobre o outro. Nesse sentido, podemos falar em métodos de apalpamento, massagem, fricção, e estímulo com materiais com diferentes texturas, temperaturas e volumes, como toalhas, bambus, paredes, etc.
A ampliação da percepção, processo que ocorre através da sensibilização da pele e de outras estratégias, como mobilizações de musculatura profunda, liberações de tensões e atenção a si mesmo, auxilia no processo de ensino de humanidades ao causar profundo estranhamento e maravilhamento com o mundo a volta, num diálogo interessante com a ideia da redução fenomenológica, colaborando para a experiência de uma desnaturalização do mundo. Ao experimentar sons, cores, movimentos e o próprio engajamento alterados, temos como que um espetáculo que nos empurra a passar do fato de nossa existência à natureza dela. Como nos fala Merleau-Ponty (1999, p.10), "para ver o mundo e apreendê-lo como paradoxo, é preciso romper a familiaridade com ele, e porque essa ruptura só pode ensinar-nos o brotamento imotivado do mundo".
O aprendizado pela vivência desdobra-se na possibilidade de um exercício que proporcione ao aluno viver uma situação de encontro material com o objeto de estudo, estimulado por indicações do professor que dizem respeito a possibilidades de engajamento com a situação. Atrelado a essa estratégia, discursivamente, opta-se pela ausência das concepções de certo e errado, dando preferência para a ideia da possibilidade, das escolhas e desdobramentos possíveis na interpretação e no conhecimento. Um exemplo pode ser o ensino sobre o conceito de luta de classes. O professor pode conduzir a turma a dividir-se em dois grupos, um maior, que pode assumir o papel do proletariado, outro menor, que pode encarnar a burguesia. As indicações podem ser algo como: "a gente pode imaginar que trabalha numa fábrica submetidos a condições precárias"; "nós trabalhamos nas máquinas, mas as máquinas foram pagas por eles"; "nós somos muitos, mas as armas deles são mais poderosas"; "como a gente pode lidar com essa situação?", como a gente resolve isso?"; como também "nós possuímos as máquinas", "nós lhes damos oportunidades de trabalho e sobrevivência"; "eles querem aumento de salário, isso custa diminuição do nosso patrimônio", "como nos posicionaremos diante disso?" Nesse momento, resta ao professor desistir do desejo de corrigir, teorizar ou controlar. É o momento da experiência, de visitar outros papéis, de se colocar nos lugares dos outros e deixar-se afetar por isso, não é ainda o momento de racionalizar. Posteriormente sim, o professor pode recomendar leituras e provocar debates sobre o acontecimento e suas correlações possíveis com a teoria, lembrando sempre que também o ler e o colocar-se a debater são processos corporais, e que portanto, podem se dar através de uma intenção de escuta de si e do outro, bem como de movimento por diferentes perspectivas de mundo.

RESULTADOS
Nossos resultados ainda são parciais, porque nossa pesquisa encontra-se em estado embrionário, no período de busca de embasamento teórico para que possamos fundamentar um novo método de abordagem das humanidades no contexto escolar, partindo da fenomenologia e da educação somática.

CONCLUSÕES/CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da busca por referenciais teóricos, percebeu-se que o corpo como metodologia já é um debate desenvolvido e aprofundado nos países anglo-saxões, estabelecendo possibilidades de conexão com a educação. No entanto, em nosso país, tal discussão ainda é incipiente, rareando as possíveis contribuições. Visamos, através desse trabalho, principiar um debate frutífero entre ambas as concepções apontadas, a saber, o método fenomenológico e a educação somática.

REFERÊNCIAS:

BOLSANELLO, Débora. Educação somática: o corpo enquanto experiência. Motriz, Rio Claro, v. 11, n. 2, p.99-106, ago. 2005. Disponível em: . Acesso em: 06 out. 2014.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Tradução Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 2- ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1999. - (Tópicos).
MERLEAU-PONTY, Maurice. Conversas. Tradução Marina Appenzeller. - Sao Paulo: Martins Fontes, 2004. - (Tópicos).
NÓBREGA, Terezinha P. Corpo, percepção e conhecimento em Merleau-Ponty. Estudos de Psicologia, 2008, 13(2), 141-148. Disponível em: www.scielo.br/epsic
PINEAU, Elyse Lamm. Pedagogia crítico-performativa: encarnando a política da educaçãolibertadora. In: PEREIRA, Marcelo de Andrade (Org.). Performance e Educação: (des)territorializações pedagógicas. Santa Maria: Editora da Ufsm, 2013. p. 37-58.
SHUSTERMAN, Richar. Pensar através do corpo, Educar para as Humanidades: Um apelo para a Somaéstética. In: MAL-ESTAR NA CULTURA, 2010, Porto Alegre: Departamento de Difusão Cultural - Prorext - Ufrgs, 2010. p. 1 - 27. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2014.










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