O 11 de setembro no cinema hollywoodiano: uma análise geopolítica do filme Voo 93

Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS CÂMPUS ANÁPOLIS DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS CURSO DE GEOGRAFIA

BRUNA MARQUEZAN SILVA

O 11 DE SETEMBRO NO CINEMA HOLLYWOODIANO: UMA ANÁLISE GEOPOLÍTICA DO FILME ‘VOO 93’

Anápolis 2016

BRUNA MARQUEZAN SILVA

O 11 DE SETEMBRO NO CINEMA HOLLYWOODIANO: UMA ANÁLISE GEOPOLÍTICA DO FILME ‘VOO 93’

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Geografia do Câmpus Anápolis de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas da Universidade Estadual de Goiás, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciada em Geografia. Orientadora: Profª. Dra. Arlete Mendes da Silva

Anápolis 2016

BRUNA MARQUEZAN SILVA

O 11 DE SETEMBRO NO CINEMA HOLLYWOODIANO: UMA ANÁLISE GEOPOLÍTICA DO FILME ‘VOO 93’

Trabalho de Conclusão de Curso defendido no Curso de Licenciatura de em Geografia do Câmpus Anápolis de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas da Universidade Estadual de Goiás, para obtenção do grau de Licenciado em Geografia, aprovado em _____ de _____ de _____, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

_________________________________________________ Profa. Dra. Arlete Mendes da Silva – UEG

Presidente da Banca

___________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo de Melo - UEG

Examinador Interno

___________________________________________________ Prof. Dr. Ademir Luiz – UEG

Examinador Interno

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos aqueles que me incentivam a seguir em frente, especialmente meus avós Carlina, Ilda, Daurival e Obedi (in memoriam) e meu bisavô Fioravante (in memoriam).

AGRADECIMENTOS

O agradecimento é o mais sublime ato de retribuição que alguém pode dar e receber. É também o mais generoso meio de reconhecer atitudes de amor e de apoio. Ser grato é ser livre, e venho aqui expor a minha liberdade através da gratidão a pessoas que foram essenciais durante o desenvolvimento deste trabalho. Quero iniciar dando graças a Deus e Nossa Senhora por abençoarem o meu caminho, estarem sempre comigo, não me abandonarem mesmo quando eu merecesse isso, por serem a Luz no fim do túnel e a quem eu recorro quando a fé é o único que me resta. A meus pais, Karla e Ademar, por me trazerem à vida num ambiente de amor, paz, educação e valores. Eu os amo de todo o coração e quero seguir sendo a pessoa que me ensinaram a ser. A meus avós, Carlina, Ilda, Daurival, Obedi e Fioravante, a quem dedico este trabalho, por serem o meu mais lindo exemplo de vida e superação, de força e de esperança. Sou eternamente grata a vocês. A meu irmão, Max Henrik, carne da minha carne e sangue do meu sangue, meu companheiro, meu parceiro, meu amor. Obrigada por me disponibilizar o seu tempo e ser esse homem tão maravilhoso que você é. Eu te amo eternamente. A minha cunhada, Duda, por ser tão maravilhosa e prestativa. Me ouve, me aconselha e me ajuda sempre. Muito mais do que cunhada, eu te considero uma irmã. A minha madrinha, Andreia, por ser uma segunda mãe, me aconselhar, me dar bronca quando necessário, me ajudar e me apresentar a Deus. Eu te admiro em todos os sentidos e te amo muito. Estendo este agradecimento a todos os meus padrinhos (Ricardo, Fabiano e Adelita), por me amarem, me abençoarem e se preocuparem comigo. Aos meus tios, Nilson, Wilson, Valdeci, José, Rubens e Aguimar, por serem pessoas tão amáveis e íntegras. Meu eterno amor e saudade a meus tios Waldivina, Vismar e Neusa: sinto falta de vocês e espero um dia estarmos juntos novamente. Enquanto isso, peço que olhem por mim de onde estejam.

A todos os meus primos, especialmente Francismar, Juliane, Guilherme e Gustavo, por todos os momentos maravilhosos que passamos juntos. Somos amigos inseparáveis e o laço de amor que nos une nunca se romperá. A minha amiga Gisele, parceira de vida e de estudos, com quem fiz quase todos os trabalhos da faculdade, pela parceria, cumplicidade e comunhão que sempre tivemos. Eu te amo muito e a nossa amizade não vai morrer nunca. Agradeço também aos meus amigos Deusimar, Milene, Maria Vitória, Vinícius, André, Luiza, Jhéssika, Beatriz, Ivan, Regina e Hilton, por me apoiarem e me amarem sempre. Contem comigo para o que der e vier. Aos meus colegas de classe: Gisele, Wandeir, Jonas, Junior, Janes, Thalita, Gracielle, Rossana, Anauê, Ayslan e Edvaldo. Eu vou levar vocês por toda minha vida e os quatro anos que passamos juntos foram memoráveis para mim. Ao professor Wanderson Marques, excelente geógrafo e que me incentivou a aventurar-me por esse mundo maravilhoso que é a Geografia. Obrigada pelo apoio tanto antes quanto depois do curso. Que Deus o abençoe. Aos meus professores de faculdade: Arlete, Marcos, Eliete, Bernardo, Nádia, Janes, Noelma, Wânia, Eunice, Késia, Mary Anne, Maísa, Maria Idelma, Renato, Wilmar, Flávia, Loçandra, Juvair, Kilber e Adriana, por fazerem parte da minha caminhada e terem me ajudado a construir a carreira de geógrafa que hoje inicio. Vocês foram, mais do que professores, amigos e exemplos a serem seguidos. Quero deixar um agradecimento especial à professora Arlete, minha orientadora, por toda paciência que teve ao longo da escrita desta monografia, por me orientar tão bem e por ser essa pessoa tão doce e dedicada que é. Além de professora, me ajudou muito como orientadora e como coordenadora de Curso. Tenho muita admiração por você. Obrigada por tudo. Agradeço também ao professor Marcos, por disponibilizar o seu tempo e compartilhar comigo um pouco do extenso conhecimento que você tem. Conheço poucas pessoas que são tão sábias como você. Parabéns por ser um excelente professor e muito obrigada por tudo. Minha gratidão ao professor Marcelo de Mello, pela disponibilidade em avaliar o meu trabalho e por sempre estar disponível aos alunos quando eles precisam. Você é um professor admirável. Ao professor Ademir, pela educação e gentileza com que me acolheu e pela disposição e disponibilidade para avaliar e contribuir com esse trabalho.

Por último, deixo aqui minha gratidão e amor ao Augusto, anjo que brilha no céu e que é tão importante na minha vida. Eu te amo incondicionalmente.

RESUMO Este trabalho trata da inserção de políticas norteadoras do controle que os Estados Unidos exercem sobre o plano político e ideológico mundial, principalmente por meio da sua produção cinematográfica. Verificou-se, nesse estudo, o papel que a indústria cinematográfica hollywoodiana desempenha em auxiliar o Estado norteamericano na disseminação de ideias de seu interesse. Analisou-se com especificidade o filme ‘Voo 93’ (2006), identificando seus elementos principais e observando a forma como ele atende ou não às demandas estadunidenses no campo político e ideológico. Esse trabalho se inicia fazendo um breve resgate histórico da Geopolítica a partir da relação entre cinema e guerra. Posteriormente, trata das ferramentas de poder empregadas pelos Estados Unidos para domínio do pensamento populacional, entre elas o soft power e as imagens de terror. Nessa perspectiva, o estudo mostrou como tais políticas são aplicadas e a influência que exercem sobre o povo. Concluiu-se com uma breve análise das mensagens contidas no filme ‘Voo 93’. A metodologia utilizada foi de um estudo exploratório, bibliográfico e de análise da política externa estadunidense e sua indústria cinematográfica pós 11 de setembro por meio de livros que tratam do tema. Palavras – Chave: Cinema, Geopolítica, 11 de setembro.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 01 – Cartaz do filme ‘Voo 93’

p.41

Ilustração 02 – Representação de um dos terroristas em ‘Voo 93’

p.44

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 – Definição de Poder de Nye

p.36

SUMÁRIO

RESUMO LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE TABELAS

INTRODUÇÃO

05

1 GEOPOLÍTICA, CINEMA E GUERRA

09

1.1 O surgimento e o avanço da geopolítica na Alemanha

09

1.2 A geopolítica alemã: Ratzel, Haushofer e a Ideologia marxista

11

1.2.1 A Alemanha de Ratzel e seus estudos geopolíticos

11

1.2.2 Karl Haushofer: um general alemão à frente de seu tempo

13

1.2.3 A ideologia marxista alemã

15

1.3 A tentação ideológica da geopolítica estadunidense: da aversão ao 20 comunismo ao combate à União Soviética

2 GUERRA E CINEMA: O ESPAÇO PERCEBIDO, VIVIDO E CONCEBIDO 22 “DAS TELAS” PARA A PRÁTICA SOCIAL 2.1 A memória coletiva e o conceito de representação

23

2.2 A Guerra ao Terror

25

2.3 O cinema como prática social

29

3 A APLICABILIDADE DO PODER DENTRO DA POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS E AS IMAGENS DE TERROR

32

3.1 A natureza do poder

32

3.2 O soft power como instrumento de dominação

36

3.3 O cinema como estratégia política e ideológica

4 A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA HOLLYWOODIANA NO PÓS-11 DE SETEMBRO: UMA ANÁLISE DO FILME ‘VOO 93’

39

41

4.1 Elementos principais da obra

42

4.1.1 A representação dos terroristas: “personificando o

43

inimigo” 4.1.2 Cinema, Realidade e Representação: a imagem de si e

45

do outro 4.1.3 A influência da mídia, a ideologia cinematográfica e o

46

discurso Bush

CONSIDERAÇÕES FINAIS

50

REFERÊNCIAS

53

ANEXO

56

APÊNDICE

58

5

INTRODUÇÃO O dia 11 de setembro constitui-se data emblemática no contexto geopolítico da história mundial, pois foi palco de uma série de ataques terroristas contra os Estados Unidos. Tais ataques foram supostamente coordenados pela organização fundamentalista islâmica chamada Al Qaeda. Após sequestrarem quatro aviões comerciais com passageiros, os terroristas intencionalmente colidiram dois destes aviões contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Todos os que estavam a bordo morreram, junto a grande parte dos que trabalhavam nos edifícios. O terceiro avião sequestrado colidiu contra a sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, o Pentágono. O quarto e último avião atingiu um campo aberto próximo à cidade de Shanksville, na Pensilvânia. Nenhum dos voos deixou sobreviventes. Milhares de vidas foram ceifadas com esses atentados. Entretanto, mais além das mortes, a mídia retratou de forma clara o perigo eminente que os Estados Unidos estavam sofrendo: os “inimigos” estavam atacando e o nacionalismo norteamericano precisava entrar em ação e lutar (e morrer e “matar”) pelo país. Contudo, nada parece fazer muito sentido. Sem informações sobre a atitude das autoridades norte-americanas e com a grande violência das imagens, a televisão repetia continuamente o vídeo do avião atingindo a World Trade Center e o desabamento das Torres. Após os atentados, a mídia buscou retratar a política externa norteamericana e difundir estereótipos das nações que julgava suas inimigas. O cinema hollywoodiano contribuiu na difusão de ideais de heroísmo e nacionalismo estadunidenses. Diante de tal fato, faz-se importante para a Geografia, especialmente para a Geopolítica, compreender as mensagens presentes nas produções hollywoodianas para interpretar a política externa dos Estados Unidos. A partir do pressuposto que o cinema estadunidense busca divulgar ideologias nacionalistas e disseminar preconcepções sobre seus adversários, pretendemos analisar as mensagens presentes no filme Voo 93, que retrata o roubo do voo 93 da United Airlines por terroristas e a reação dos passageiros frente ao

6

atentado e evidencia a padronização de nações adversárias que é feita pelo cinema hollywoodiano. Para o desenvolvimento desta análise, faz-se de fundamental importância a compreensão da tênue relação entre cinema e geopolítica. Paul Virilio, em seu livro “Guerra e cinema: logística da percepção” (2005), defende que as produções hollywoodianas estão, desde o período pós- Segunda Grande Guerra, embebidas de um discurso extremamente nacionalista que defende que o que torna um cidadão estadunidense digno de honra é a coragem de lutar e defender seu país. A atual primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, na entrega do Oscar de 2012, evidenciou que “[...] podemos superar qualquer obstáculo se buscarmos no fundo do nosso ser força e coragem para lutar” (BLOG - RICARDO NESTER, 2013). Curiosamente, o filme premiado foi Argo, uma adaptação do livro The Master of Disguise, escrito por Tony Mendez, um agente da Central Intelligence Agency (CIA), e que retrata a invasão da embaixada norte-americana em Teerã por militantes islâmicos e estudantes iranianos, em 1979. A geopolítica dos Estados Unidos, portanto, usa o cinema como uma de suas principais armas de divulgação ideológica, e tem nele fiel aliado desde seu surgimento. Como dito anteriormente, os fatos nacionais são recorrentes na filmografia do país. Nessa perspectiva, pretendemos analisa a mensagem do filme. Será feita, no desenrolar deste trabalho, uma discussão acerca das seguintes questões: 1- Como o cinema produzido nos Estados Unidos tem se tornado um instrumento de divulgação de valores axiológicos nacionalistas estadunidenses? 2- De que maneira o soft power se faz presente na política externa dos Estados Unidos no pós-11 de setembro? 3- Como o filme ‘Voo 93’ retrata os ideais estadunidenses dentro da perspectiva geopolítica? A presente pesquisa apresenta como objetivo geral analisar as mensagens utilizada pelo cinema hollywoodiano no que tange ao 11 de setembro, com ênfase em ‘Voo 93’, bem com as perspectivas geopolíticas dos Estados Unidos. Por objetivos específicos, pretendemos:

7

1- Avaliar a transformação do cinema produzido nos Estados Unidos em um instrumento de propagação de valores axiológicos nacionalistas estadunidenses. 2- Caracterizar a presença do soft power dentro das medidas e das ideologias estadunidenses depois da tragédia. 3- Verificar a maneira como “Voo 93” se relaciona ao que é divulgado pelos Estados Unidos no que se refere ao fato em questão. Tendo nascido da necessidade de se compreender como a mídia estadunidense (em particular, o cinema) trabalha o seu nacionalismo, a fim de melhor observar as relações políticas entre os Estados Unidos e o resto do planeta, esta monografia buscou, inicialmente, contextualizar o surgimento da geopolítica e sua difusão pelo mundo. Em

primeira

instância,

demos

ênfase

à

geopolítica

alemã

e,

posteriormente, trabalhamos com alguns aspectos da geopolítica estadunidense. Seguimos com o conceito e a análise de cinema, guerra e terrorismo. Delineamos um breve histórico do 11 de setembro seguido de um olhar geográfico e econômico do evento. A conclusão trouxe a análise das mensagens apresentadas e inseridas ideologicamente no filme ‘Voo 93’ (2006). O presente trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro, “Geopolítica, cinema e guerra”, apresenta a geopolítica desde o seu surgimento e desenvolvimento territorial, passando pelos três principais autores do pensamento geopolítico alemão: Ratzel, Haushoffer e Marx. Nesta parte, nos dispomos a estudar como se deu a formação da geopolítica, evidenciando ideias de estudiosos como Max Weber, Iná Elias de Castro e Philippe Moreau Defarges. Trabalharemos também com a questão ideológica da geopolítica estadunidense. No segundo capítulo, intitulado “Guerra e cinema: A Guerra ao Terror, o mundo pós-guerra fria e o cinema como prática social”, falaremos de forma breve sobre as diferenças entre Ocidente e Oriente, dando enfoque na abordagem da memória coletiva e da representação (evidenciando, inclusive, a ligação existente entre ambas), e finalizaremos delineando o cinema como prática social. No terceiro capítulo, “A aplicabilidade do poder dentro da política externa dos EUA e as imagens de terror”, são analisadas as medidas que o governo estadunidense tomou para tratar os impactos causados pelos atentados terroristas à World Trade Center e ao Pentágono, bem como as políticas utilizadas para aplicar

8

tais medidas. Discorreremos sobre a natureza do poder (com enfoque no soft power) e sobre a utilização do cinema como arma de divulgação de ideias. O

capítulo

que finaliza

este trabalho, denominado “A indústria

cinematográfica nos pós- 11 de setembro: uma análise de ‘Voo 193’ ”, expõe uma observação contundente acerca da obra em questão, observação esta que é feita sobre três parâmetros de representação: os terroristas, os passageiros (e suas famílias), e a mídia (no filme). No desenrolar deste projeto, desenvolveu-se acentuada rotina de leituras acerca do histórico da geopolítica, principalmente na Alemanha, onde ela surgiu, e nos Estados Unidos. Esse último, cenário do presente estudo, foi analisado como base física e ideológica na relação que se estabelece entre os Estados Unidos e os demais países na ideologia de supremacia política, força militar e capital tecnológico versus o resto do mundo medíocre, carente de direcionamento ideológico, político, bélico e de capital. Foram realizadas leituras sobre o cinema (principalmente dentro da perspectiva do cinema como arma, instrumento) e sobre o parâmetro ideológico de uma guerra. Posteriormente, buscou-se, por meio de sites, artigos e documentários, as informações necessárias para a análise do processo de produção de um filme. Este passo se deu com a ajuda dos meios eletrônicos disponíveis. Após a observação e rigorosa análise do filme, relacionou-se o que foi percebido às conclusões feitas a partir da leitura crítica dos autores que nos serviram de alicerce. Foram realizadas pesquisas de textos, livros e trabalhos acadêmicos acerca dos conceitos e categorias a serem trabalhados, Geopolítica, Cinema, Poder, Ideologia. Tal pesquisa resultou na constituição do referencial teórico e no corpo teórico da monografia. Após a análise do filme e de sua produção, iniciou-se a escrita das informações e reflexões obtidas com o desenvolvimento deste projeto, pautando na bibliografia que foi lida e tentando responder aos questionamentos supracitados.

9

1 GEOPOLÍTICA, CINEMA E GUERRA De acordo com Philippe Moreau Defarges em sua obra Introdução à Geopolítica (2003), em meados do século XX, a geopolítica era tida como uma ciência maldita. Os desejos da classe dominante, seletiva e opressora, rechaçavam a ideia de um conhecimento que pusesse à prova seu jogo de interesses. Isso porque a geopolítica é a interconexão de ideias que juntas analisam e questionam preconcepções e fundamentos políticos. Essa inferência foi formulada após analisarmos questões teóricas e práticas em que o Estado faz uso do poder geopolítico como forma de adestramento social e territorial. Como se deu, entretanto, a formação da geopolítica? Quais ciências e/ou poderes de governo deram-lhe sustentação? Quais as suas principais correntes teórico-metodológicas? Tais questionamentos serão trabalhados ao longo deste capítulo. 1.1 O SURGIMENTO E O AVANÇO DA GEOPOLÍTICA NA ALEMANHA A Geopolítica é, primeiramente, uma tarefa intelectual. Intelectual porque recebe a complexa missão de explicar o que parece ser inexplicável, incrementando à ciência geográfica um olhar político-social-econômico que contemple essas três esferas sob a égide da relação entre espaço e política. Para Defarges, o termo geopolítica é tido como “toda questão situada para além da racionalidade clara e que ponha em jogo interesses imensos, por isso indefiníveis”. (DEFARGES, 2003, p.13). O autor apresenta mais adiante uma definição clara e simples de geopolítica, que evidencia a relação espaço-política e a forma como um interfere no outro. Para ele,

[...] a geopolítica interroga-se sobre as relações entre o espaço (em todos os sentidos da palavra) e a política: em que medida os factores espaciais afectam o fenômeno político e a política? E, também, como é que o político se serve do espaço? (DEFARGES, 2003, p. 13)

Sendo uma ciência intelectual e pautada na relação entre espaço e política, a geopolítica, inicialmente tida como um saber metódico e “maldito” não nasceu por acaso. Sua formação data da segunda metade do século XIX e início do século XX, com destaque para as abordagens a americana e britânica (que ficou

10

conhecida como geopolítica das potências marítimas) e a alemã (aqui tratada a partir do item 1.2). Defarges destaca que a geopolítica, assim como toda e qualquer disciplina, nasceu como fruto de sua época (DEFARGES, 2003); uma época marcada pela crescente necessidade de se compreender melhor as transformações políticas que estavam ocorrendo (dentre as principais, podemos elencar: o Uma Revolução Industrial já consolidada e outra em andamento, que apesar de terem ocorrido sem derrocada de governo, acabaram assumindo um caráter revolucionário; o

A Comuna de Paris, em 1871;

o As Revoluções de 1830; o As duas guerras mundiais; o crescimento do nacionalismo [um dos motores da I Guerra Mundial]; o O avanço do comunismo pelo globo e a Guerra Fria). A palavra Geopolítica foi cunhada no fim do século XIX, mais precisamente no ano de 1889, por Rudolf Kjellén (1846-1922), cientista político e professor sueco. Para ele,

a geopolítica é o estudo do estado considerado como um organismo geográfico ou ainda como um fenómeno espacial, quer dizer, como uma terra, um território, um espaço, ou, mais exactamente ainda, um país. (KJELLÉN apud DEFARGES, 2003, p.40).

A primeira grande corrente geopolítica moderna tem sua origem nas potências marítimas (DEFARGES, 2003). Em resposta a essa vertente, surge a geopolítica alemã, sustentada pelas ideias de Friedrich Ratzel (1844-1904), geógrafo e etnólogo alemão a quem se atribui a criação do termo Lebensraum (em português, “espaço vital”). Wanderley Messias da Costa, em Desdobramentos da geopolítica no continente americano (1992), adverte que a geopolítica, aquela concebida por estudiosos como Mahan, Kjellén, Mackinder e Haushofer, transportou fronteiras e se instaurou definitivamente como uma escola de pensamento em diversos países. Nesse contexto, destacaram-se os países europeus de regime autoritário nas décadas de 1930 e 1940 e alguns países do Terceiro Mundo, como Brasil e Argentina. (COSTA, 1992).

11

A seguir, trataremos com mais ênfase sobre o pensamento geopolítico alemão bem como a vertente geopolítica estadunidense.

1.2 A GEOPOLÍTICA ALEMÃ: RATZEL, HAUSHOFER E A IDEOLOGIA MARXISTA Trata-se aqui dos três principais precursores da geopolítica alemã: Ratzel, Haushofer e Marx. As características elementares de suas obras são aqui apresentadas de forma a concatenar a geopolítica à problemática aqui dialogada. Não se pode deixar de considerar que a interpretação do sentido ideológico de um filme é, antes de tudo, um debate geopolítico.

1.2.1 A ALEMANHA DE RATZEL E SEUS ESTUDOS GEOPOLÍTICOS Friedrich Ratzel foi um renomado pensador alemão, conhecido como “o pai da Geopolítica” por ter sido o precursor dessa ciência e da corrente que ficou conhecida como Determinismo Geográfico. Tal concepção relaciona as ações do meio ambiente com a fisiologia e a psicologia humana, tendo a primeira influência decisiva sobre as demais. Defarges considera Ratzel o modelo mais representativo da geopolítica alemã, por ter veiculado “imagens dos sonhos da época e dos seus actores” (DEFARGES, 2003). O pensamento ratzeliano é moldado por sua formação em Farmácia e por seus estudos de Geografia. Ele examina de forma cautelosa e substancial o vínculo entre o homem (sujeito biológico) e o meio em que vive, encarando esse homem e suas criações sob um ponto de vista orgânico e evolucionista (o que o leva a desenvolver a teoria que mais tarde ficou conhecida como determinismo geográfico). Ratzel privilegiou em sua geopolítica o elo entre o Estado e o solo, sendo ambos organismos interligados. O solo em Ratzel é entendido como o território que uma sociedade arquitetou através de sua história e que se torna o complexo de características que refletem civil e culturalmente essa comunidade. Dessa maneira, o Estado é encarado como uma verdadeira realidade humana que está enraizada no solo e que sobre ele se completa. Esse Estado, para o pai da geopolítica, só existe porque logrou monopolizar o poder político em seu território, e deve ser forte para que a segurança, a estabilidade e o desenvolvimento da Alemanha sejam atingidos. O

12

poderio alemão deveria garantir a seu povo segurança, qualidade de vida e estabilidade, culminadas a um desenvolvimento satisfatório em todos os âmbitos. Os

estudos

ratzelianos

apresentam

uma

postura

notadamente

nacionalista, que via na reunificação germânica a força motriz para a ascensão da Alemanha como potência frente a outras nações de grande poderio econômico e político naquele tempo. Entretanto, para compreender tais concepções, faz-se necessária uma análise do contexto político e econômico da Alemanha na época em que Ratzel desenvolveu sua obra. Iná Elias de Castro, em Geografia e política: Território, escalas de ação e instituições (2005), caracteriza a Alemanha do final do século XIX e início do século XX como uma nação atrasada, por sua unificação tardia se comparada a potências como Inglaterra, França e Rússia. Enquanto esses estados foram unificados há séculos, mediante intensa obstinação do poder central, a Alemanha só se torna unificada em 1871, chegando, portanto, bastante atardada a um mundo absolutamente em progresso, já ocupado e dividido. Castro destaca que o ambiente filosófico alemão no referido contexto estava fortemente influenciado pela obra de Hegel (embebida do idealismo alemão, freneticamente trabalhado por Karl Marx e Friedrich Engels), enquanto a esfera científica se via afetada por fortes teorias biológicas, sendo o darwinismo uma das mais expressivas ideologias. O mundo assistia a uma Alemanha em pleno crescimento, consagrada como a primeira potência da Europa, palco de um vertiginoso crescimento populacional entre 1864 e 1871 e cenário de um grande desenvolvimento em todas as áreas da ciência. Paradoxalmente, existia também uma Alemanha atrasada, temerosa por sua instabilidade e que desejava um espaço próprio para que pudesse se expandir. Max Weber (1864-1920) atribui esse relativo fracasso das políticas externas alemãs e o atrito com a Inglaterra a um governo ensoberbecido e caprichoso, caracterizado por um “apego mesquinho às marcas de prestígio, obsessão do estatuto, do respeito, consciência de uma missão a cumprir...” (DEFARGES, 2003). Cresce na Alemanha um sentimento de desvalorização em relação a outros países já unificados.

13

Face a essa conjuntura Ratzel ambiciona compreender a Alemanha de maneira científica e apontar as leis objetivas do seu desenvolvimento geográfico, desejo este que Defarges considera exaustivo e demasiadamente apaixonado (DEFARGES, 2003). Sendo um nacionalista preciso (Ratzel via o nacionalismo como uma estratégia de fortalecimento do império romano), ele defendia a superioridade europeia, especialmente a alemã, e privilegiava o patriotismo a fim de ascender um Estado alemão legitimado pelo solo, com força e poder suficientes para garantir a manutenção e a segurança de seu povo. O sentido geográfico ganha em Ratzel uma importância singular. Ele o via como parte da própria realidade social que jamais faltou aos homens de Estado. Sem o sentido geográfico, as observações científicas ficariam incompletas.

1.2.2 KARL HAUSHOFER: UM GENERAL ALEMÃO À FRENTE DE SEU TEMPO Karl Haushofer (1869-1946) foi um importante general alemão e professor da Academia de Guerra. Nasceu em Munique, e se incorporou ao exército em 1877. Integrou o Instituto de Geografia da Universidade de Munich entre os anos de 1921 e 1939 e foi diretor da revista Cadernos de Geopolítica de 1924 a 1944. Haushofer participou ativamente da Primeira Guerra Mundial, na época em que era coronel no exército. Ele pertence à burguesia intelectual da Alemanha e seu primeiro livro, intitulado Dai Nihon (conhecido em português como “O grande Japão”), foi escrito em 1912. Para ele, a geopolítica é o resultado final de uma série de estudos, mas deve receber um nome que seja alemão. O contexto dos estudos haushoferianos é representado por uma Alemanha nazista (dominada por um regime que não perdoa nenhum erro, nenhum desvio de pensamento) e duas guerras mundiais. Esta Alemanha hitleriana, para Defarges (2003), prova ter energia o bastante para se apropriar e explorar riquezas europeias. Haushofer se assemelha a Ratzel em dois sentidos. O primeiro é que anseia por uma Alemanha que seja potência mundial (evidenciando, assim, também, um ideal extremamente nacionalista e conservador). O segundo é que fomenta o mesmo questionamento levantado pela obra ratzeliana: qual é o lugar de inserção da Alemanha no mundo?

14

A geopolítica alemã à época de Haushofer (resumidamente, as duas grandes guerras), é filha da derrota de 1918 (DEFARGES, 2003). Nunca na história da Alemanha se viu uma disciplina tão dominada pelo destino de um povo, o que leva Defarges a indagar: poderá um estudo pautado nas ambições e necessidades humanas ser instituído como ciência? (DEFARGES, p.90). O que a instituição da geopolítica como ciência traria ao ramo dos estudos acadêmicos? Haushofer raciocina a partir do trauma da derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, e se preocupa com três aspectos essenciais: a noção do espaço vital (central para Haushofer e que deve encontrar sua unidade tendo a Europa Central como área de expansão natural); o reconhecimento da importância da criação de grandes conjuntos de ideias (para Haushofer, o futuro pertence à união de grandes espaços em prol de um princípio comum); e a potência continental/ potência marítima (o general recebe forte influência de Mackinder, que vê o espaço vital como pivô da ciência geográfica). A geopolítica haushoferiana defende que o “espaço vital” deve ser melindrosamente cuidado e protegido, pois foi conquistado sob um quadro de guerras e derramamento de sangue. Heriberto Cairo, em seu artigo La Geopolítica como “ciencia del Estado”: el mundo del general Haushofer, aponta que o espaço vital em Haushofer é considerado o espaço para o desenvolvimento e manutenção de um povo. Por isso, coincide com a extensão da cultura ou do grupo étnico, sendo, portanto, fundamental assegurar um espaço que englobe a Alemanha com sua nação e seu povo (CAIRO, 2011). Para Haushofer, é necessário ultrapassar a geografia política de Ratzel e substituí-la por uma geopolítica pura. Ele considera que a geografia política se fundamenta sob a distribuição do poder do Estado no espaço e seu exercício dentro do mesmo, ao passo que a geopolítica se interroga sobre a ação política no espaço natural; a primeira observa o Estado em todas as suas esferas, enquanto a segunda se interessa pelos processos políticos presentes e pretéritos.

[...] a geopolítica fornece a reserva permanente de saber político que se pode ensinar e aprender; este, como uma ponte necessária ao salto para a acção política, como espécie de consciência geográfica que conduz ao acto, deve levar ao melhor lugar possível para saltar, ao último ponto sólido para que este salto seja pelo menos executado do domínio do saber para o domínio do poder e não do domínio da ignorância para o do poder, o que seria um salto maior e mais incerto. (HAUSHOFER apud DEFARGES, 2003, p. 83).

15

Haushofer, sendo amigo pessoal de Rudolf Hess, uma das pessoas mais próximas de Hitler, encontrou o Führer uma dezena de vezes, e nutria por ele e pela ascensão da Alemanha a partir de 1933 um entusiasmo perceptível. Por um lado, para Haushofer, Hitler, ao menos até 1939, encarna um governo de respeito, que faz cair por terra as imposições do Tratado de Versalhes e obriga a França e a Alemanha, seus antigos inimigos, a curvarem-se. Por outro lado, o olhar de Haushofer se volta para uma Alemanha mesquinha, aristocrática e apegada a hierarquias, reflexos do reinado de Guilherme II. Defarges vê como ingênua a visão que Haushofer tem de Hitler:

Terá Haushofer conhecido e compreendido o sistema hitleriano, a sua violência plebeia, a sua violência revolucionária, o seu fanatismo anti-semita e racista? Como sublinha Hans-Adolf Jacobsen, Haushofer tem a ingenuidade do homem de estudo, desligado do real pelas suas ideias: entre os aspectos essenciais da personalidade de Haushofer . (DEFARGES, 2003, p. 81)

Haushofer atribuía, portanto, como principal causa da derrota alemã na Primeira Guerra Mundial a falta de cultura geográfica de um povo governado por juristas. Os opositores de aliança, Tríplice Entente, tinham consideráveis conhecimentos de Geografia, o que os deu uma vantagem sobre os aliados na guerra. A geopolítica haushoferiana subestima os Estados Unidos, vendo-o como um continente à parte, isolado e levado à decadência por seu individualismo e pelo sistema capitalista. À frente, trataremos da geopolítica estadunidense com mais propriedade. O autor se considera um cientista fundador de um estudo não ideológico, baseado na cuidadosa análise dos fatos. Seus ensinamentos, artigos e livros influenciaram muitos jovens ligados ao nazismo, e sua obra, de acordo com Cairo, é detentora de grande prestígio entre os adeptos da teoria hitleriana.

16

1.2.3 A IDEOLOGIA MARXISTA ALEMÃ Para melhor compreender o pensamento geopolítico alemão, é viável que antes seja feita uma simples conceituação do termo ideologia. Entende-se aqui por ideologia um conjunto de ideias que mascara interesses comuns de um determinado grupo social sob o pano de princípios favoráveis a toda a nação. Em outras palavras, a ideologia se configura como a arte de disseminar algumas ideias escondidas em convicções que são convenientes para a sociedade em geral. Em A ideologia alemã, Karl Marx (1818-1863) e Friedrich Engels (18201895) defendem que a ideologia dominante em uma sociedade dividida por classes sempre será a ideologia da classe dominante.

As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas, em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. (MARX e ENGELS, 1932, p. 67).

Para os autores, as ideias se vinculam a relações sociais concretas, ou seja, as ideias dominantes são a expressão das relações materiais dominantes, que são concebidas como ideias. (MARX e ENGELS, p. 67). Diante disso, torna-se notável a existência de uma íngreme relação dialética entre domínio material e domínio espiritual de uma dada classe. Marx e Engels embasam toda a sua teoria em questões econômicas e trabalhistas. Nesse ramo, os domínios materiais e espirituais também estão presentes. Alguns trabalhadores surgem como pensadores (dentro de uma empresa, o exemplo seria o diretor), estruturando teoricamente todo o funcionamento da produção. Nesse tempo, esses “autores” surgem como submissos aos primeiros, sendo, na realidade, os membros ativos da classe, e que acabam tendo menos tempo para “criar ilusões e ideias sobre si próprios” (MARX e ENGELS, p. 68). A ideologia marxista defende que a exposição de ideias por parte da classe dominada é de fundamental importância para que a vitória dessa classe seja garantida, e essas ideias devem ter um caráter universal e esboçar os interesses de quem as defende.

17

Qual era, entretanto, o conceito de ideologia para Marx e Engels? A definição que os autores apresentam para este termo está intimamente relacionada ao meio pelo qual ideias da classe dominante parecem inocentes e naturais.

As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica, etc., mas os homens reais atuantes e tais como foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e de modo de relações que lhes corresponde, incluindo as formas mais amplas que estas possam tomar. A consciência nunca pode ser mais que o Ser consciente; e o ser dos homens é o seu processo de vida real. E se em toda ideologia os homens e as suas relações nos surgem invertidos, tal como acontece numa câmera obscura, isto é apenas o resultado do seu processo de vida histórico, do mesmo modo que a imagem invertida dos objetos que se forma na retina é uma consequência do seu projeto de vida diretamente físico. (MARX e ENGELS, 1846, p. 6-7).

Nesse sentido, a classe trabalhadora era levada pela classe dominante a compreender que o trabalho dignifica o homem, num estado de falsa consciência subentendido como natural, embora não o seja. Este trabalhador, por não conseguir se desvencilhar de suas necessidades materiais em vida, acaba sendo desprovido de uma racionalidade efetiva quanto a si próprio e à sua vida laboral, limitando-se apenas a obedecer a regras para garantir o seu salário no fim do mês. Um exemplo bastante pertinente da ideologia marxista são os comerciais de TV. Estes dissuadem o telespectador enquanto consumidor a adquirir o produto, pois aquele produto é “indispensável” para a vida dele. O design e as jogadas de marketing presentes nesses comerciais acabam por atingir o seu objetivo quando o público alvo é constituído por pessoas sem acesso à verdadeira informação e desprovidas de um senso crítico satisfatório. O mesmo ocorre com a moda. A mídia televisiva dita moda e o espectador acompanha a forma de vestir das celebridades que admira. O indivíduo pensa estar vestindo o que deseja, mas na verdade, ele foi coagido a usar aquelas roupas, sob o jugo de que “é necessário estar na moda”. O consumismo, portanto, se torna parte integrante da vida do trabalhador e é decisivo para que a classe nobre se mantenha no comando. A teoria de Marx e Engels deixa claro o motivo pelo qual as sociedades capitalistas defendem ideais e respeitam e cumprem leis sociais que, na realidade, desfavorecem substancialmente o seu povo.

18

Michael Lowy em sua obra Ideologia e ciências sociais (1985) reforça que a ideologia em Marx surge como uma ilusão:

O conceito de ideologia aparece em Marx como equivalente de ilusão, falsa consciência, concepção idealista na qual a realidade é invertida e as ideias aparecem como motor da vida real. [...]. No marxismo posterior a Marx, sobretudo na obra de Lênin, ganha um outro sentido bastante diferente: ideologia é qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses de certas classes sociais particulares. (LOWY, 1985, p. 12).

Em suma, o que Karl Marx e Friedrich Engels trazem como ideologia é uma associação clara a poder de persuasão. Os autores defendem insistentemente que a consciência nada é além da própria existência consciente. Ou seja, o homem toma consciência de sua existência como processo efetivo de vida. Esse conhecimento de si e para si modifica seu pensamento e o produto desse pensamento através da ampliação da produção e das relações materiais; desse modo, a vida e o ser social do homem determinam sua consciência. Na produção social, “determinados indivíduos, que são produtivamente ativos em determinadas relações de produção, entram em determinadas relações sociais e políticas” (MARX e ENGELS, 1846, p. 30). Portanto, para Marx, a estrutura social e o Estado, e consequentemente, a ideologia presente em cada sociedade, decorrem do processo de vida de determinados indivíduos. A produção de ideias em Marx se torna a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio material e o comércio intelectual dos homens surgem como resultado direto de seu comportamento material. A produção intelectual, da mesma maneira, quando se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, etc., também surgem como obra desse tipo de comportamento, tendo, portanto, o material uma tênue ligação com o filosófico e o espiritual. O limiar da teoria marxista quanto à ideologia consiste na ideologia enquanto inversão da realidade. Considerando-se a ideologia como “falsa consciência”, esta surge como expressão da existência e se apresenta como uma contradição evidente que reside no seio da conexão com o real. Ora, não se pode falar em expressão de existência tendo por base a supremacia de uma submersão de interesses sob ideais de justiça e igualdade sem considerar que, por um lado, a

19

ideologia deforma a realidade e adultera a consciência e, por outro, expressa essa realidade de forma tenaz. O que Marx e Engels trazem de novo sobre a ideologia é justamente o seu caráter inversor. Nesse contexto, eles admitem que a religião não é um exemplo de ideologia, mas a própria ideologia por excelência, pois “é ela quem opera a inversão entre o céu e a terra, e que faz os homens andarem de cabeça para baixo” (MARX e ENGELS, 1846, p. 42). Paul Ricoeur (1913-2005), filósofo e pensador francês do pós-Segunda Grande Guerra, em Interpretação e ideologias (1988), assinala que o pensamento marxista faz cair por terra a soberania da vida real.

O que Marx tenta pensar, a partir desse modelo, é um processo geral pelo qual a atividade real, o processo de vida real, deixa de constituir a base, para ser substituído por aquilo que os homens dizem, se imaginam, se representam. A ideologia é esse menosprezo que nos faz tomar a imagem pelo real, o reflexo pelo original. (RICOEUR, 1988, p. 73).

Entretanto, para Ricoeur, “a tese marxista se aplica, de direito, a todo sistema de pensamento, possuindo a mesma função”. (RICOEUR, 1988, p. 73). Assim sendo, a tecnologia e a ciência também podem funcionar como ideologia, à medida que impõem sistemas e teorias e, ao fazê-lo, rechaçam outros tantos. Se estas (ciência e tecnologia) mascararem atrás de uma “pretensão à cientificidade” (sob a fala de que o progresso científico é necessário e benéfico a todos- não que isto não seja verdade) a sua função verdadeira, que se engendra ao sistema militar-industrial do capitalismo avançado, então acontecerá o mesmo que se sucede com a religião. Concomitantemente, Ricoeur apresenta um questionamento, que é tido por ele como problema: “qual o estatuto epistemológico do discurso sobre a ideologia?” (RICOEUR, 1988, p. 75). Em outras palavras, existe algum estudo ou ponto de vista acerca da ação que seja capaz de superar as perspectivas ideológicas? Existe algum lugar não-ideológico aonde se possa falar de ideologia com veracidade e sem correr o risco de enganações? Isso leva a admitir que o homem não pode fugir do que ele mesmo denuncia. A existência de uma esfera não-ideológica de pensamento seria necessária quando se considera que “a crítica da ideologia é o atalho que a

20

compreensão de si deve necessariamente tomar, caso esta se deixe formar pela coisa do texto, e não pelos preconceitos do leitor” (RICOEUR, p. 59). Seria necessário exilar-se da “conspiração ideológica” para formular acerca desta uma teoria que se baseie em acepções próprias e fundamentadas em um pensamento racional. A ideologia, aquela tida por Marx e Engels como formadora de um pensamento ilusório, não pode ser tratada dentro de seu próprio campo de atuação. Ou seja, distanciar-se da ideologia é a condição para compreendê-la.

1.3 A TENTAÇÃO IDEOLÓGICA DA GEOPOLÍTICA ESTADUNIDENSE: DA AVERSÃO AO COMUNISMO AO COMBATE À UNIÃO SOVIÉTICA Tendo ainda como referência a obra de Defarges (2003), analisaremos agora as políticas empregadas pelos Estados Unidos para suprimir o avanço comunista e a expansão soviética. Defarges apresenta a concepção de homem como um ser racional e sensato, aberto ao diálogo e ao compromisso. Esta concepção dá à democracia um aspecto pacífico a priori. A democracia se sente em um lado oposto ao dos estados autoritários: enquanto estes têm como mecanismos de poder a disciplina e a força, aquela deve optar sempre pelo aval dos cidadãos. Ou seja, a política externa de uma democracia apresenta uma vertente ideológica que nasce da concepção de que a paz geral e perpétua depende da adesão de todos os homens às normas democráticas. Ao falar do sistema soviético como frágil e subalterno à opressão e à adoração ao tirano, George Kennan, encarregado de negócios na embaixada dos Estados Unidos à época do fim da Guerra Fria, elabora uma política de aplicação de contra forças sobre as manobras geográficas e políticas da União Soviética. O objetivo dessa “guerra nas telonas” era conter seus avanços e também ajudar a Europa a reconstruir-se para evitar a expansão do comunismo (para Defarges, o comunismo se desenvolve em meio à miséria). Kennan alega que devese bloquear o crescimento de um fenômeno de poder, porque o poder excessivo leva à guerra. Enquanto Kennan enfatiza uma teoria que se interessa pelos jogos de poder e que separa a moral da política, a Doutrina Truman, formulada em 1947 pelo então presidente dos Estados Unidos Harry Truman (1945-1953), parte de um

21

princípio contrário: o comunismo é o Mal e deve ser derrotado por lutas em qualquer lugar e por qualquer meio. De acordo com essa doutrina, a política norte-americana deve incentivar os povos livres a resistirem contra as tentativas de dominação por grupos armados ou por pressões externas. Para Kennan, essa tática de luta é perigosa, pois transforma qualquer causa anticomunista em guerra e leva os Estados Unidos ao que Defarges chama de “combates duvidosos” (2003, p. 117): aqueles firmados por lutas generalizadas e sem um embasamento estratégico. A questão do debate contra o comunismo soviético permaneceu como pauta principal da geopolítica norte-americana até o fim dos anos 80. Pondo fim ao envolvimento norte-americano no Vietnã do Sul, Richard Nixon (presidente dos EUA de 1969 a 1974) e seu conselheiro Henry Kissinger optam por uma medida mais clássica: a aproximação à China de Mao Tsé-tung. Nesse momento, pouco importa a contraposição comunismo x capitalismo; o que interessa é conter o expansionismo da União Soviética normalizando as relações entre Washington e Pequim. Retomando a questão da inserção do homem na administração pública, a presidência de Carter (1977 a 1981) adota como eixo político a promoção dos direitos humanos e liga a garantia dos mesmos à ajuda dos Estados Unidos. Carter se alia ao realismo e reconhece a importância geopolítica da capital do Irão na luta contra a União Soviética, que continuou a ser vista como “império do Mal” no governo de Reagan (1981 a 1989). Essa visão permanece pelo menos até o fim dos anos 80. A relação que os Estados Unidos mantiveram com a União Soviética do fim dos anos 40 até 1991 exemplifica a centralidade do fator ideológico na democracia, porque, para Defarges,

Uma democracia pluralista assenta num acordo estrito e sempre precário entre governantes e governados, em que a adesão dos segundos é sempre indispensável- e sempre revogável- em caso de envolvimento externo. Além do mais, a democracia, regime pacífico, só se sente verdadeiramente tranquila quando à sua volta tem outras democracias. Todavia, qualquer democracia continua a ser um estado com um território e uma população e não pode libertar-se dos imperativos e também dos sonhos clássicos do estado (segurança interna e externa, procura de sucessos internacionais) (DEFARGES, 2003, p. 119)

22

Dessa forma, evidencia-se que os Estados Unidos pensam enquanto estado, com um espaço a ser protegido e interesses a serem defendidos, e que deve, portanto, serem examinados e calculados com prudência.

23

2 GUERRA E CINEMA: O ESPAÇO PERCEBIDO, VIVIDO E CONCEBIDO “DAS TELAS” PARA PRÁTICA SOCIAL Alves (2015) trata de dois pares dialéticos necessários ao estudo das guerras: civilizado x bárbaro e Ocidente x Oriente. Introduziremos o presente capítulo tratando brevemente destes elementos e suas incompatibilidades, seguindo com a questão da memória coletiva e trabalhando o conceito de representação, perpassando pela perspectiva da guerra ao terror, e finalizaremos com a abordagem do cinema como prática social. De acordo com Alves, o persistente antagonismo entre o civilizado e o bárbaro, (também conhecido como ‘mundo livre’ e ‘mundo não livre’, ou ‘países democráticos’ e ‘países não democráticos’1) foi o que, durante muito tempo, norteou a promulgação de uma guerra. O civilizado é visto como aquele que vai à luta em favor da democracia e dos valores étnicos e civilizacionais, enquanto o bárbaro se engaja em questões não democráticas e preza por alternativas não éticas e não civilizacionais. Em outras palavras, os primeiros se ocupam em defender interesses da civilização, ao contrário dos segundos, que atendem a necessidades mais particulares. Outro conjunto que adentra a especificidade dos motivos que levam à explosão de uma guerra é o de Ocidente x Oriente no mundo contemporâneo. As diversas leituras que esse conjunto sofre com o decorrer dos fatos sempre trazem o Ocidente como a parte instruída do mundo e que recebe a tarefa de levar o progresso para o outro lado, no caso, o Oriente. Esses conceitos são utilizados ao longo da história para justificar ações, e têm as mesmas ideias que a dualidade civilizado x bárbaro apresenta. Na vida cotidiana, tais elementos continuam a se reproduzir como justificativas e são aceitos na mídia em geral. Essa metodologia separativa da Terra em dois blocos antagônicos é continuada por um pensamento que relaciona de forma simplista o Ocidente à Europa (tendo como dois grandes eixos a Alemanha e a Inglaterra), e o Oriente à Ásia (pensada principalmente a partir das realidades da China, do Japão e da Arábia Saudita). 1

Existem muitas outras denominações para esta dualidade, que seguem critérios políticos e/ou religiosos. Na maioria das vezes, a liberdade é um requisito básico e as classificações são feitas a partir do Ocidente. O cinema traz para a tela estas categorias e, quase sempre, a guerra é apresentada como elemento essencial para a liberdade, a transparência, a democracia e a ideia da ocidentalidade como eixo civilizacional do planeta.

24

Tudo isso confere uma não-homogeneidade aos blocos, posto que os mesmos abrangem muito mais do que se é lembrado ao serem mencionados. Além do mais, como bem lembra Alves (2015), vale destacar que, a partir do século XX e geopoliticamente

falando,

os

Estados

Unidos

passam

a

fazer

parte

da

ocidentalidade, mesmo não estando na Europa. Braudel (1988, p. 105-151) aponta que a divisão do mundo em duas partes surgiu de um processo de “maturação de longa duração” (ALVES, 2015, p. 4) que ocorreu gradativamente em um espaço geográfico muito marcado pelo Mediterrâneo e que vai se tornando parte constituinte das futuras nações. Pensar em Ocidente e Oriente é, de certa forma, compreender conflitos que foram travados por disputas territoriais e de poder, bem como as ideologias por trás dos mesmos. Afinal, segundo Alves, a divisão do mundo em dois blocos se deu por conta de um intenso processo de amadurecimento que ocorreu em um espaço geográfico extremamente marcado pelo Mar Mediterrâneo e que foi se tornando parte constituinte das futuras nações. Para Braudel (1988, p.105), esse processo tem como consequência a geração de uma ideia de pertencimento e de exclusão. É a partir desse ponto de vista que elaboraremos nossa análise.

2.1 A MEMÓRIA COLETIVA E O CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO Os sentimentos de posse e de segregação são desenvolvidos através de uma “construção cultural coletiva que interpreta o mundo e que estabelece uma memória que é compartilhada ou aceita por todos e onde está enlaçada uma linha do tempo que açambarca do passado, presente ao futuro” (ALVES, 2015, p. 5). Nesse entendimento, a memória é uma ferramenta que traz a possibilidade da partilha de experiências e que, concomitantemente, possibilita a geração de identidades sociais, sejam elas comuns ou coletivas. Essas identidades estão impressas na sociedade desde o período ágrafo e, por oportunizarem a construção de uma memória local, firmam-se como patrimônio institucionalizado e perene. A memória coletiva dá continuidade à cultura e “cria uma linguagem de pertencimento entre os homens” (ALVES, 2015, p.5), que vai sendo reproduzida e alimentada por práticas que constroem uma continuidade histórica. É a memória que

25

garante a ininterrupção dos hábitos culturais e que, de certa forma, permite a caracterização de um povo. Alves afirma que as representações que a cultura produz geram instrumentos que são utilizados tanto para o mecanismo interno daquela comunidade quanto para defesa desta em relação às outras. O que é, entretanto, representação? Silva (2014), em sua tese de doutoramento “Resiliência Socioespacial na Expansão Canavieira do Cerrado Goiano: a Cidade Rural de Maurilândia/GO” nos conduz a pensar sobre o conceito de representação sob diferentes perspectivas. Para a autora, a princípio, a representação é colocada como resultado da primeira percepção que se tem sobre determinado elemento, tanto através dos sentidos como pelas bases cognitivas constituintes do processo de formação do conhecimento. Numa perspectiva mais ampla e holística, para Silva (2014), a ideia e conceito de representação absorve forte carga subjetiva que agrega e alimenta (realimenta) a representação de si e para si. Também, como advertência feita pela autora, a representação é sempre uma realidade objetiva refletida pela subjetividade do homem; ou seja, o homem enquanto ser parcial e emocional traduz a realidade, clara e assertiva. Entretanto e ainda de acordo com Silva, a representação também pode ser a forma como a realidade é construída e que varia de acordo com o local, o momento e até mesmo os atores desse processo. Daí, é importante ressaltar o fator CULTURA como influenciador de todo processo que o sujeito estabelece nos seus condicionantes representativos e de representação. Para esse trabalho, compartilhamos do pensamento que a representação é a tradução do mundo, um mundo real ou imaginário, que expressa os interesses de quem a produz e transmite algum tipo de mensagem a seus espectadores. Tal concepção coaduna com a célebre frase de Schopenhauer (2005): “O mundo é minha representação”; em outras palavras, tudo é cercado pelo ato de representar. Para ele, não existe objeto sem sujeito e nem universo sem um olho para observá-lo. O autor segue a linha de raciocínio de Santo Agostinho e defende que aquilo que não pode ser visto não é real e adota de maneira evidente um prisma idealista.

26

A partir dessa proposição, o mundo só existe por meio da percepção humana. Dessa forma, Filho (1999), evidencia que a representação é uma forma de conhecimento. Mesmo que o tempo e espaço gerem determinadas formas de representação, é na dualidade sujeito-objeto que reside o denominador comum que pode conceber toda forma de representação. (FILHO, 1999, p. 34)

Eis o motivo pelo qual sentimos a necessidade de trabalhar aqui o conceito de representação. Ela é um dos mais eficientes métodos de estudo da ideologia de um povo. Combina em si elementos culturais e históricos que, juntos, transmitem algum tipo de doutrina. A representação traz uma proximidade maior entre os acontecimentos e as pessoas, ou, nas palavras de Silva (2014), torna “mais próximo e conhecido o insurgente” e, ainda: Por definição, criada e interpretada à luz de um discurso”, a representação pode ser entendida como a compreensão daquilo que é construído pela nossa percepção primeira através dos sentidos e depois pelos processos cognitivos de formulação das matrizes do conhecimento e seus modelos explicativos. Isso numa perspectiva primeira dos processos de cognição e racionalização do termo (SILVA, 2014 p. 356).

A autora destaca a carga de subjetividade que está embebida a representação. Isso, no cinema, é fonte inspiradora para quem escreve, produz e interpreta. É fácil encontrarmos sujeitos “reais” representando papeis e personagens “fictícios” numa realidade paralela. Isso tanto é verdade quanto o é o fato da máxima televisiva a vida imita a arte. A arte imita a vida. Talvez esteja aí o campo fértil para a dominação ideologia midiática e cinematográfica. São “construções”, “verdades” propaladas e aceitas pelo corpo social. Outra característica interessante da representação é que ela também é capaz de explicar os fatos de interesse coletivo segundo o desejo de quem a produz, retratando espaços, culturas, pessoas e situações, tudo dentro de uma psicologia. Émile Durkheim (1858-1917), em As formas elementares da vida religiosa (1912), elaborou um conceito epistemológico ao qual deu o nome de representação coletiva, que foi novamente trazido ao meio acadêmico pelo francês Serge Moscovici. Para Durkheim, as representações coletivas são a união de conceitos e

27

categorias produzidos que formam a bagagem cultural de um povo. Elas são construídas individualmente e personalizadas com as características de cada um, e concebem-se como forma de consciência que a sociedade impõe aos seus indivíduos. A proposição de Durkheim, ao nosso ver, estabelece íngreme conexão entre representações e memória coletiva, visto que a segunda é o estepe de construção da primeira. Não se pode imaginar, transcrever e difundir qualquer tipo de mensagem sem que haja por trás um interesse, seja ele qual for, e esse interesse vem justamente da cultura, dos fatos e dos costumes de quem o tem.

2.2 A GUERRA AO TERROR Igor Lapsky começa seu artigo “A guerra ao terror: o pós-guerra fria” (2015) fazendo um breve relato sobre o 11 de setembro de 2001. “Manhã de outono, de um ‘céu brigadeiro’, azul e sem nuvens” (LAPSKY, 2015, p. 229). O contexto daquele dia era o seguinte: eleições de primeiro turno para prefeito em Nova Iorque e para governador no estado de mesmo nome; primeiro dia de aula nas escolas; o New York Gigants, um dos times de futebol americano da cidade, havia perdido de 31 a 20 para a equipe de Denver. Às oito horas e quarenta e seis minutos, o voo 11 da American Airlines se choca com os andares 93 a 99 da Torre Norte da World Trade Center, localizada na Wall Street, zona sul de Manhattan. As pessoas começam a ligar para o 911 para chamar bombeiros a fim de combater o fogo que se alastrava pela parte superior do prédio. (Ver anexo 1). Às nove horas e três minutos, quando o corpo de bombeiros e a polícia já estavam no local, o voo 175 da United Airlines se choca contra a Torre Sul, entre os andares 77 e 85. O ataque terrorista atingiu ainda o Pentágono e um quarto avião atingiu o Distrito de Columbia. Começava, então, o dia que mudou para sempre a história dos Estados Unidos. Pouco mais de uma semana após a tragédia, mais precisamente no dia 20 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush realizou um discurso em rede nacional contra o terrorismo, e que, para Lapsky, tinha a intenção de unir povos e partidos em prol da recuperação de Nova York e de Washington e da “moral da população, amedrontada pelo impacto causado pelos atentados”. (LAPSKY, 2015, p.

28

230). Sete dias antes, as organizações de inteligência acusaram o Al-Qaeda e a União Soviética pelo ocorrido. No discurso, Bush agradeceu aos países que ofereceram ajuda aos parentes das vítimas, afirmou que o 11 de setembro serviu de união para os povos contra a Al-Qaeda e apontou o modelo democrático dos Estados Unidos como um dos motivos que despertaram o ódio dos terroristas, pois esse modelo, segundo ele, “tornava as pessoas livres ao invés de aprisionadas em ditaduras”. (LAPSKY, 2015, p. 230). O presidente destacou, ainda, que o principal objetivo da Al-Qaeda era matar cristãos e judeus.

Presidente Hastert e líder da minoria Gephardt -líder da maioria Daschle e senador Lott- agradeço por sua amizade, por sua liderança e pelo serviço que prestaram a nosso país. E, em nome do povo americano, agradeço o mundo pelo forte apoio. A América jamais esquecerá o som de nosso hino nacional sendo tocado no Palácio de Buckingham, nas ruas de Paris e no Portão de Brandemburgo em Berlim. Não esqueceremos as crianças sulcoreanas rezando em frente à nossa embaixada em Seul nem as orações feitas numa mesquita do Cairo. Não esqueceremos momentos de silêncio e dias de luto na Austrália, na África e na América Latina. [...]. Em 11 de setembro, inimigos da liberdade cometeram um ato de guerra contra nosso País. Os americanos já conheceram guerras -mas, nos últimos 136 anos, foram guerras em solo estrangeiro, exceto num domingo em 1941. Os americanos sofreram perdas em guerras -mas não no centro de uma grande cidade numa manhã tranquila. Os americanos conheceram ataques surpreendentes -mas nunca anteriormente contra milhares de civis. Tudo isso caiu sobre nós num único dia -e a noite caiu num mundo diferente, um mundo no qual a liberdade está sendo atacada. Os americanos têm muitas perguntas hoje à noite. Os americanos estão perguntando: quem atacou nosso país? As pistas que amealhamos nos dirigem a uma coleção de organizações terroristas difusas chamada Al Qaeda. [...]Al Qaeda é para o terror o que a máfia é para o crime. Mas seu objetivo não é ganhar dinheiro. Seu objetivo é refazer o mundo -e impor suas crenças radicais a pessoas do mundo todo. Os terroristas praticam uma forma marginal de extremismo islâmico, que foi rejeitada por acadêmicos muçulmanos e pela maioria dos clérigos muçulmanos -um movimento marginal que perverte os ensinamentos pacíficos do islã. A diretiva dos terroristas os leva a matar cristãos e judeus, a matar americanos e a não separar os militares dos civis, incluindo mulheres e crianças. Esse grupo e seu líder -uma pessoa chamada Osama Bin Laden- estão ligados a várias outras organizações em diferentes países, incluindo o Jihad Islâmico egípcio e o Movimento Islâmico do Uzbequistão. E, hoje à noite, os EUA fazem as seguintes exigências ao Taleban: Entregar às autoridades americanas todos os líderes da Al Qaeda que se escondem em seu território. Libertar estrangeiros -incluindo cidadãos americanos- que vocês prenderam injustamente e proteger jornalistas estrangeiros, diplomatas e pessoas que trabalham com ajuda humanitária. Fechar imediatamente e permanentemente todos os campos de treinamento de terroristas existentes no Afeganistão e entregar todos os terroristas e todas as pessoas que os apoiam a autoridades competentes. Deem aos Estados Unidos acesso total aos campos de treinamento terrorista para que possamos verificar se eles não estão mais em operação. Essas demandas não estão abertas a negociação ou discussão. O Taleban deve agir e agir

29

imediatamente. Eles vão entregar os terroristas ou eles vão compartilhar sua sina. (BUSH, G.W. 2001)

O discurso de Bush é recheado de pretensões. Primeiramente, emoldurado de uma comoção nacional e em seu papel de figura maior dos Estados Unidos, ele agradece aos países que estenderam a mão aos familiares das vítimas e defende que o atentado representou a união contra a organização Al-Qaeda, acusada pelo presidente. É interessante observar que o termo “americano” é utilizado para referirse unicamente aos cidadãos estadunidenses; Bush se esquece de que americano é todo aquele que habita na América, seja do Norte, Central ou do Sul. Ao nomear Osama Bin Laden como principal responsável pelo grupo terrorista, George reforça para o povo norte-americano o vitimismo e a ideia de que o país corre perigo. Mas isso não o impede de exercer a autoridade que há alguns anos o governo dos Estados Unidos vem estrategicamente usufruindo: mesmo face ao caos, a ordem de entregar os terroristas é dada aos afegãos de forma contundente. A ideia de que as colisões foram obra do Afeganistão adentrou de forma tão profunda na mente dos cidadãos estadunidenses que um dos livros mais vendidos no país nos anos seguintes foi o Corão, livro sagrado dos muçulmanos; o povo queria compreender como funciona a ideologia da guerra santa contra os Estados Unidos propalada por Bin Laden. De acordo com Noam Chomsky em “11 de setembro” (2002), a alegação de que o sentimento por trás de acontecimentos como o atentado à World Trade Center e a morte de Sadat2 foi a preocupação pela globalização e pela hegemonia mundial, apesar de ser conveniente aos Estados Unidos, não parece muito convincente. A razão pela qual tragédias aconteceram, segundo Chomsky, é política. Ele cita o editorial do New York Times do dia 14 de setembro de 2001: “Os responsáveis agiram pelo ódio que nutrem contra os valores prezados no Ocidente, tais como liberdade, tolerância, prosperidade, pluralismo religioso e voto universal” (NEW YORK TIMES 2001 apud CHOMSKY 2002, p. 33). Sendo assim, a Guerra do

2

Presidente do Egito que foi assassinado por quatro homens em um carro blindado em 6 de outubro de 1981.

30

Afeganistão deveria marcar o início da luta contra o terrorismo, que seria focada em combater o Oriente Médio. Lapsky destaca que, após 2001, os Estados Unidos reforçaram a segurança interna e criaram, em 2002, o Department of Homeland Security, ainda no governo Bush, através do Homeland Security Act, que tem como tarefa garantir a segurança nacional com normas de migração e circulação de pessoas dentro do território norte-americano. Por meio desse controle, as fronteiras e os aeroportos passaram a ser intensamente vigilados, assim como os principais pontos de circulação de pessoas. Os Estados Unidos adotaram então uma política externa pautada na Guerra contra o terrorismo (“Guerra ao Terror”), com o objetivo de descobrir quem foram os autores do atentado e, logo no mês seguinte, outubro, tropas norteamericanas invadiram o Afeganistão para derrubar o talibanismo, já que consideravam cúmplices todos os países que abrigavam terroristas. Chomsky, entretanto, levanta uma contradição; segundo ele, os Estados Unidos são considerados líderes do terrorismo.

Se quisermos refletir seriamente sobre essa questão (a da Guerra ao Terror), devemos reconhecer que em grande parte do mundo os EUA são vistos como um Estado líder do terrorismo, e por uma boa razão. Podemos considerar, por exemplo, que em 1986 os EUA foram condenados pela Corte Mundial por “uso ilegal da força” (terrorismo internacional) e então vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que instava todos os países (referindo-se aos EUA) a aderir às leis internacionais. Este é apenas um, entre inúmeros exemplos. (CHOMSKY, 2002, p. 25).

O autor apresenta uma postura voltada a defender não o ataque do Oriente Médio contra os EUA, mas justamente o contrário. Ele faz um louvável questionamento: por que o governo norte-americano não usou o mesmo discurso (o de combater o inimigo) quando as bombas do IRA explodiram em Londres? Já quando um edifício federal explodiu em Oklahoma, surgiu uma grande conclamação a bombardear o Oriente Médio caso a origem do atentado estivesse lá. Uma das consequências do desejo estadunidense de combater aqueles que julgam “inimigos da liberdade” (nas palavras de George Bush), é a diminuição da presença norte-americana na América Latina e a incapacidade de gerar novos conflitos nessa região.

31

Viu-se também, ressalta Lapsky, um enfraquecimento econômico do país, o que permitiu a ascensão de projetos de integração que não envolvessem o livre comércio dentro do continente americano. O que aqui se questiona é, portanto, a legitimidade de intenção dos Estados Unidos ao propagar guerra ao terrorismo. Vemos aí um desejo de proteção de soberania mascarado pela necessidade de se proteger a nação contra o Mal, tão citado por Bush em seu discurso no dia do atentado3.

2.3 O CINEMA COMO PRÁTICA SOCIAL Para tratarmos da instrumentalização do cinema dentro da geopolítica, é necessário primeiramente entender o que é um filme. Para tanto, tomaremos por base Nildo Viana e sua obra “Cinema e mensagem: análise e assimilação” (2012). Nesta obra, Viana procura trabalhar a importância da interpretação correta de um filme e de sua mensagem. Todo filme tem uma mensagem, e essa mensagem contempla o significado da obra. É importante sublinhar, em primeira instância, que o filme é um produto social e que comunica ideias. Diversas obras sobre cinema apresentam distintas abordagens científicas e políticas, mas poucas fazem uma análise do filme em si; o que existem são pesquisas sobre obras isoladas. Viana destaca que, antes de analisarmos um filme, ele precisa ser definido. Para o autor, “um filme é uma produção coletiva (da equipe de produção) que possui caráter ficcional e que repassa uma mensagem (valores, concepções, sentimentos) através de meios tecnológicos de reprodução [...]” (VIANA, 2012, p. 19).

Mesmo que a produção cinematográfica trate em seu roteiro de um

acontecimento real, ela não deixa sua qualidade de ficção, pois, neste caso, nada mais é do que uma representação do real. Posto que o elemento mais importante do filme é sua mensagem, traçar métodos de análise correta do que está sendo perpassado torna-se indispensável. O primeiro impasse diante da interpretação de um filme é o fato de que cada indivíduo vai receber a sua ideia de maneira diferente (é o que a ciência chama de relativismo). Intrínseco a isso está o problema da interpretação.

3

Parte do discurso está contida no capítulo 4, na página

32

Para Viana, existem dois significados para o termo: o primeiro remete ao ato de explicar, o que confere, de acordo com o autor, um caráter mais “objetivo” à definição; o segundo é o ato de atribuir significado a algo, e possui uma face mais “subjetiva”. Para o que aqui se pretende trabalhar, adotaremos a primeira proposição. Em se tratando do relativismo, Nildo destaca que a divisão social do trabalho e os antagonismos que ela gera cooperam com diferentes interpretações de um mesmo filme (e isso vale para todas as vertentes da arte). Porém, a intencionalidade dos diretores/ produtores/ roteiristas é única. Viana utiliza o seguinte exemplo: Se cinco pessoas reunidas têm pela frente uma garrafa verde e três dizem que é verde, um diz que é azul e outro que é cinza, então- como a garrafa só possui uma cor- é preciso explicar por qual motivo três conseguem dizer qual é a cor verdadeira e dois não. (VIANA, 2012, p. 44)

Sendo assim, o relativismo deve ser visto como um problema a ser solucionado dentro da lógica da interpretação fílmica, através da busca pela gênese social que originou as diferentes visões. De acordo com Hirsch Jr. Wolf (1982), é possível chegar a uma interpretação correta de uma obra de arte por meio da descoberta do sentido original de seus autores. É necessário analisar o gênero e a linguagem dos mesmos, além do contexto histórico da produção. A produção de filmes com fim comercial teve início na França, e os franceses permaneceram no topo do mercado cinematográfico internacional até a Primeira Guerra Mundial (TURNER, 1997, p. 23). Com o início da guerra e o enfraquecimento das indústrias francesa, italiana, britânica e alemã, os Estados Unidos ganham vez e passam a dominar um cenário que até então só tinha dado frente a filmes europeus. Conforme Turner, entre 1915 e 1916, a exportação de filmes norteamericanos cresceu mais de 400% e, até o final da guerra, o país produzia 98% dos filmes exibidos na América e 85% dos produtos mundiais. Diante desse crescimento vertiginoso, o governo estadunidense viu no cinema uma arma de combate. Ele se transforma em uma representação, em um “processo social de fazer com que imagens, sons, signos, signifiquem algo”

33

(TURNER, 1997, p. 48). Daí sua importância dentro do contexto ideológico e geopolítico de um país.

34

3 A APLICABILIDADE DO PODER DENTRO DA POLÍTICA EXTERNA DOS EUA E AS IMAGENS DE TERROR De acordo com Vieira (2014), os atentados à World Trade Center e ao Pentágono, apesar de terem sido devastadores e ceifado milhares de vidas, não modificaram o equilíbrio do poder mundial na época. Mesmo assim, prevalecia entre os cidadãos norte-americanos o sentimento de medo e insegurança, o que fazia com que mudanças internas e externas fossem cada vez mais necessárias. Diante disso, segundo Pecequilo (2012), o presidente George W. Bush liberou forças neoconservadoras e deu início a uma campanha que tinha por finalidade atrelar ao estado islâmico a ideia de terrorismo, para difundir, então, sua política dominante naquele período: a Guerra ao Terror. Utilizou-se de um sentimento de fragilidade e medo para justificar as guerras que seriam travadas posteriormente, bem como seus custos, as vidas já dizimadas e as medidas políticas que vêm sendo tomadas desde o início da propagação da Guerra ao Terror, a fim de ter como aliados tanto o povo estadunidense quanto a comunidade internacional. Este capítulo será iniciado com a abordagem da natureza do poder, sua aplicação e seus efeitos. Subsequentemente, discorreremos sobre a ferramenta branda que os Estados Unidos utilizam para reproduzir seu poder: o soft power, um mecanismo “pacífico” (ou menos agressivo), ao passo que amplo e devastador. O soft power será aqui tratado e analisado sob a égide da indústria cinematográfica. A análise posterior trará o cinema como um instrumento político e ideológico, sendo acompanhada por um estudo das imagens de terror que finalizará o capítulo.

3.1 A NATUREZA DO PODER Nicolau Maquiavel, em sua obra “O Príncipe” (1532), defende e aconselha os líderes (que chama de ‘príncipes’) a serem temidos, porque, segundo ele, para se ter sucesso na política, é mais importante ser temido do que ser amado. Entretanto, nos embasando em Joseph Nye (2004), ousaremos contradizer o célebre autor italiano ao afirmar que, no mundo de hoje, é bom ser amado e temido ao mesmo tempo. Prova disso é que representantes de todo o mundo têm buscado alternativas para incorporar metodologias serenas às suas estratégias de manutenção do poder.

35

Mas afinal, o que é poder? Mais do que um elemento pelo qual os homens ao longo dos séculos têm matado e morrido, a definição de poder abrange uma concepção muito mais ampla, complexa e até mesmo perigosa. Autores divergem quanto à elaboração deste pensamento e o fazem sob as mais variadas perspectivas, sem, entretanto, desatrelar dele a ideia de dominação. A definição de poder encontrada nos dicionários em geral pode ser resumida na seguinte frase, de nossa autoria: “poder é toda maneira de subversão através da qual um sujeito consegue com que outros realizem suas vontades de alguma maneira”. Entretanto, aprofundaremos esta análise através de alguns autores relevantes. Robert Dahl (2001) define o poder como estratégia de atuação através da qual é feita uma coisa que não seria realizada de outra maneira. Este conceito expressa de forma patente a indispensabilidade do poder nas relações interpessoais e entre nações. Ainda, segundo Vieira (2014), é bastante próximo ao que os teóricos do paradigma realista utilizam quando relacionam o poder ao sistema internacional. Aron (2002), por sua vez, relaciona o poder em âmbito internacional à capacidade que uma nação ou unidade política tem de se impor frente às outras, enquanto Morgenthau (2003) o conceitua como a habilidade de cada Estado em influenciar e determinar atitudes de outros de forma a moldá-las à sua maneira. Nye (2004) faz uma interessante comparação entre o poder e o amor. Para ele, “ambos seriam uma experiência mais fácil de experimentar do que definir ou medir, mas não menos real por isso” (NYE, 2004, p.2). Em outras palavras, não é fácil conhecer a fundo o poder sem que antes o tenha tido nas mãos. É necessário palpá-lo, experimentá-lo e vive-lo para que se formule algum tipo de ideia sobre ele. Vieira (2014) acrescenta que “o poder se trata da capacidade de fazer ou conseguir aquilo que se quer, ou ainda, a capacidade de afetar o comportamento de outros para fazer coisas acontecerem” (VIEIRA, 2014, p. 25). Existem, entretanto, diversas maneiras de se fazer isso. “Você pode coagi-los com ameaças; você pode induzi-los com pagamentos; ou você pode atraí-los e cooptá-los a querer o que você quer” (NYE, 2004, p. 2). Partindo desse pressuposto, Halliday (2001) define a natureza do poder no sistema internacional por meio de três ângulos: o militar, o econômico e o cultural

36

(ou ideológico). Segundo o autor, antigamente o poder internacional era pautado na força militar; essa força, contudo, nunca foi capaz de se sustentar sozinha e necessitava cada vez mais de dois outros pilares: o da coesão política e o da força econômica. Conforme salienta Vieira (2014), apesar de o militarismo ser a mais eminente expressão de poder, ela não era por si só o principal fundamento para a expansão do Estado. Diante disso, Halliday considera que o advento das armas nucleares tornaria as guerras entre Estados mais improváveis, o que fortaleceria os pilares econômico e cultural através da tecnologia. Fazendo um estudo sobre a evolução e a transformação do poder com o passar dos anos, Ramonet (2003) elenca três elementos que no passado eram essenciais: a quantidade populacional, o tamanho do território e a riqueza de matérias primas. Ou seja, um país poderoso seria necessariamente um país populoso, extenso e rico em recursos. Hoje, contrariamente, estes fatores traduzem não avanço, mas retrocesso no âmbito geopolítico da era pós-industrial, onde a verdadeira riqueza está não em possuir muita matéria-prima, mas sim ser capaz de pensar e inovar. A intelectualidade também ganha forma de poder em Nye (2004) e Nye (2011). Para ele, vincular o poder tão somente a recursos materiais, área e valor demográfico é uma atitude problemática, pois produzirá uma incoerência de que nem sempre aquele com maior poder conseguirá o que deseja. Sendo assim, fatores como tecnologia, educação e crescimento econômico vêm aumentando sua importância na definição de poder (NYE, 2011). Ainda sobre o poder no mundo atual, Ramonet (2003) ratifica que os principais atores do sistema internacional, e consequentemente, os detentores do poder, também mudaram. O poder tem cada vez mais passado para as mãos do mercado financeiro, dos grupos planetários de mídia, das infovias de comunicação, das indústrias de informática e das tecnologias genéticas. O que se vê hoje é um planeta cada vez mais robotizado; as estratégias de domínio obrigatoriamente acompanham essa tecnologização. Para Ramonet, quem detém o poder no presente são as associações de Estados, as empresas globais, os grupos midiáticos ou de finanças e as organizações não-governamentais.

37

Dessarte, os conceitos geopolíticos não são mais os mesmos e a relação entre dominantes e dominados é diretamente afetada. Sardenberg (1982) destaca que uma das maneiras mais utilizadas para demonstrar a distribuição do poder é a Balança de poder, também conhecida como “equilíbrio de poder”. Esta expressão é bastante utilizada na linguagem das relações internacionais para representar uma atitude que tenta evitar que um determinado Estado tenha poderes suficientes no contexto do sistema político internacional a ponto de ganhar supremacia em meio aos demais. É, portanto, uma competição entre diversas potências de poderes equivalentes. Aron (2002) defende que a existência dessa ideia se justifica pela impossibilidade de um governo mundial e pela pluralidade de atores. Logo, sua diplomacia depende de circunstâncias. Nye (2002) intervém dizendo que a expressão “equilíbrio de poder” é usada de forma contraditória, pois as políticas que serão desenvolvidas trarão, de maneira oposta, um desequilíbrio, visto que uma nação se sobressairá em relação às outras devido a políticas que serão nela estabelecidas a fim de impedir que seus adversários desenvolvam um poder capaz de lhe ameaçar a independência. O autor explica que existem exemplos históricos em que a reação à reação de uma potência única ocorre pela baldeação, ou seja, a adesão ao lado aparentemente mais forte, assim como fez Mussolini ao se aliar a Hitler. A partir da ótica de uma Balança de Poder que nasce no âmbito europeu e parte para o global, se ousa dizer que os Estados europeus e asiáticos não deveriam ter se aliado aos Estados Unidos no pós-Segunda Grande Guerra; O fizeram, entretanto, porque a União Soviética, devido à sua maior proximidade geográfica e suas grandes ambições revolucionárias, representava uma ameaça militar mais eminente. Assim, ainda de acordo com Nye (2002), elementos culturais e ideológicos precisam estar presentes no roteiro diplomático dos Estados Unidos, a fim de garantir a supremacia e o poder. Nasce daí o “soft power”, que será discutido logo adiante. Nye (2004) elencou três dimensões de poder: poder econômico, poder militar e poder brando, sendo os dois primeiros contribuintes ao hard power. O quadro a seguir resume as três definições de poder propostas pelo autor:

38

QUADRO I - DEFINIÇÃO DE PODER DE NYE COMPORTAMENTOS

Poder Militar

MOEDAS

POLÍTICAS

PRIMÁRIAS

GOVERNAMENTAIS

Coerção

Ameaças

Diplomacia Coercitiva

Dissuasão

Força

Guerra

Desencorajamento

Aliança

Proteção Poder

Indução

Pagamentos

Apoio

Econômico

Coerção

Sanções

Subornos Sanções

Poder

Atração

Valores

Diplomacia Pública

Brando

Formação de Agenda

Cultura

Diplomacia bilateral ou

Políticas

multilateral

Instituições Fonte: (NYE, 2004, p.31)

3.2 O SOFT POWER COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO O termo soft power foi elaborado na década de 1990 por Joseph Nye. Intencionando distinguir as diferentes formas de se fazer e de se aplicar o poder, Nye propôs dois importantes conceitos: o soft power e o hard power (numa tradução livre, poder suave e poder duro, respectivamente). Essas concepções surgiram da necessidade de se compreender melhor os variados vieses em que o poder era aplicado e disseminado. O hard power, numa definição nossa, é a forma tradicional de poder e designa a capacidade de uma organização (seja ela um Estado, uma instituição ou qualquer outro tipo de organização) tem de exercer controle sobre outra mediante o uso de forças militares e recursos econômicos. No hard power, os comandos são operados de forma bruta e sob ameaças. Para exemplificar o uso de hard power, Vieira (2014) cita as invasões ocorridas no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003), onde, para Joffe (2006), os Estados Unidos impuseram seus objetivos através das forças armadas, numa clara execução de hard power. Para Nye (2011), o hard power nem sempre é a forma mais adequada e eficaz de poder.

39

Algumas pessoas agem como se os únicos recursos que podem mudar o comportamento fossem aqueles que podem ser descartados a seus pés ou aos pés de uma cidade. Mas isso é um erro. Os EUA tinham recursos militares muito mais mensuráveis que o Vietnã do Norte, mas ainda assim perderam a Guerra do Vietnã. (NYE, 2011, p. 2)

Da mesma forma, pode-se mensurar e comparar as comunicações e recursos diplomáticos e culturais que viabilizam a aplicação do soft power em um país. Esse “poder suave”, de acordo com Vieira (2014), já pode ser visualizado no século XIX, logo após a Guerra Franco-Prussiana. O governo francês, através da Aliança Francesa, utilizou mecanismos leves para difundir sua língua e sua literatura, e obteve sucesso. O soft power é bastante presente também nos Estados Unidos, através dos meios de comunicação e transmissão de informações, tais como o cinema, a televisão, a rádio, as músicas, os quadrinhos e a internet. Ainda, de acordo com Nye (2011), ao contrário do que se acredita, o soft power, sendo um instrumento de imposições, não é instituído através de forças armadas. Pelo contrário, é um aparelho ideológico de soberania, considerando que seu uso nem mesmo pode se restringir aos Estados (como supracitado, tal recurso é aplicável às mais variadas instituições e organizações). Grandes empresários e diretores, por exemplo, têm descoberto que seu soft power é mais eficiente que seu hard power. A importância do poder brando é agora amplamente aceita na análise das questões internacionais. E está se tornando cada vez mais importante no mundo da filantropia. Com o tempo, o poder brando pode muito bem eclipsar o poder duro das subvenções e de outras transações financeiras [...]. As fundações Gates e Ford, e a maioria das outras grandes instituições filantrópicas, têm muito mais poder brando do que poder duro à sua disposição, representado pelos orçamentos que geram suas subvenções (STOCKTON, 2010, p.33).

O poder brando tem, portanto, cada vez mais conquistado seu espaço no âmbito das relações internacionais e da geopolítica. Santana (2015) coloca que “as primeiras definições de soft power referiam-se à habilidade de conseguir o que deseja através da atração, ao invés da coerção ou pagamento, como através da cultura, valores e políticas exteriores” (NYE, 2011 apud SANTANA, 2015, p.14). Já nos anos posteriores ao seu surgimento, esse conceito ganhou uma conotação mais abrangente, estendendo-se para “a habilidade de afetar o outro de

40

uma maneira coativa, estruturando agendas, persuadindo e atraindo positivamente a fim de obter comportamentos desejados” (NYE, 2001 apud SANTANA, 2015, p.14). Ora, não é suficiente apenas dominar: é necessário, antes de tudo, conquistar, e fazê-lo de uma forma positiva, agradável e aparentemente inocente, com pretexto de buscar o bem comum e a segurança geral. O poder brando configura-se, portanto, como uma espécie de geopolítica que mascara suas reais intenções de controle e supremacia. O que vemos agora é uma geopolítica que encobre suas pretensões de conquistas territoriais sob um manto de “disseminar a paz”. Aparentemente, o soft power apresenta-se como uma intercorrência ao hard power, e à vista disso, assim como qualquer forma de poder, pode ser usado tanto para objetivos ‘bons’ como para objetivos ‘maus’ (VIEIRA, 2014). Um exemplo desse segundo caso é Adolf Hitler, que tomava posse de um soft power na Alemanha Nazista e não necessariamente tinha boas intenções. Não obstante, existem algumas regras fundamentais que determinam o emprego do soft power pautado em três pilares centrais ditados por Nye (2011). Esses pilares são a cultura, os valores políticos e as políticas externas. É muito importante conhecer os propósitos do ‘adversário-alvo’, pois, nesse caso, o alvo é tão importante como os agentes. Sendo assim, regras se tornam essenciais para determinar se os recursos do soft power são capazes de atingir as metas desejadas. Por exemplo, a cultura a ser empregada deverá ser atrativa para o local que se deseja conquistar. Street (1997) frisa que a cultura é uma notável ferramenta política por ser capaz de encadear sentimentos que podem dar origem a uma certa identidade nacional individual, que é a peça chave para o nascimento de pensamentos e ações políticas. Uma das modalidades mais utilizadas da cultura é o cinema. A seguir, dissertaremos sobre a indústria cinematográfica, sua perspectiva ideológica e como as imagens de terror influenciam na propagação de princípios.

41

3.3 O CINEMA COMO INSTRUMENTO POLÍTICO E IDEOLÓGICO O 11 de setembro foi um dos episódios mais dramáticos da história mundial nos últimos tempos. Imagens exibiam a explosão da segunda torre da World Trade Center, um número incalculável de feridos fugindo das cinzas e objetos e pessoas voando pelo ar. Cenas de pânico, medo e terror culminavam a uma interrogação: se o Pentágono, atingido por um terceiro avião às 09h45 daquele mesmo dia, representava o poder militar imperial dos Estados Unidos (KELLNER, 2003), como agiria o governo norte-americano para proteger seu povo dos ataques que provavelmente voltariam a acontecer? Afinal, com os atentados, “violentava-se a sociedade estadunidense, o sistema de segurança nacional, a imagem dos Estados Unidos perante a comunidade internacional e toda a cultura de estratégia¹ do país” (SANTANA, 2015, p. 34). O que ficou conhecido como espetáculo do terror (KELLNER, 2003) povoou a mente dos cidadãos estadunidenses de angústias e incertezas. O presidente Bush (2001, tradução nossa), em sua primeira aparição após os atentados, declarou que “a Liberdade foi atacada nesta manhã por um covarde sem face”. Enquanto isso, o governo norte-americano parecia estar perdido (KELLNER, 2003), já que seus membros mais importantes quase não foram vistos. Além do mais, segundo o relatório da Comissão Nacional sobre os Ataques Terroristas (2004), grande parte das agências federais só tomou consciência do que estava ocorrendo através da transmissão da CNN. A televisão foi responsável por transmitir as notícias no dia do atentado. Mais do que isso: foi responsável por transmitir as imagens de terror, um verdadeiro espetáculo de pânico coletivo. Para o cientista político Rajeev Bhargava (2005), as vítimas do atentado foram

submetidas

não



a

um

trauma

físico,

mas

também,

e

mais

contundentemente, a um terror que lhes invadiu a vida e a partir daquele momento todo cidadão viveria com o medo e a consciência de sua vulnerabilidade. Os ataques do 11 de setembro mesclaram no imaginário coletivo as grades de ilusão e realidade. Uma antiga ameaça havia se tornado real e trouxe consigo um choque simbólico imenso. Perante as câmeras, a comunidade

42

estadunidense havia passado de plateia para atores, ou melhor, vítimas, e seus medos haviam sido concretizados (VALANTIN, 2005). Tinha sido dado o pontapé inicial para um jogo infindável de políticas e ideologias que até hoje enchem de questionamentos a mente de estudiosos em diversos âmbitos. Os meios de comunicação viram no 11 de setembro um novo e polêmico assunto. Desde o princípio, tornava-se claro que os acontecimentos de 11 de setembro se difundiriam por meio do circuito das múltiplas mídias. Sejam os terroristas, a internet, ou o horário nobre: a maioria das redes parecia igualmente hábil na propagação da violência, medo e mesmo desinformação, uma vez que pouco poderia ser confirmado até então. (SANTANA, 2015, p. 35)

A

mídia

teve,

portanto,

um

papel fundamental, e

até

mesmo

surpreendente, na propagação de notícias e imagens do 11 de setembro, e contribuiu de forma intensa para a propagação do pânico e do sentimento de medo e fragilidade. Por conseguinte, Santana (2015) acrescenta que Durante as últimas décadas, grupos terroristas vêm construindo cenários de assombro para promover suas causas, atingir adversários e atenção e publicidade a nível internacionais. O 11 de Setembro não foi o primeiro ato terrorista com ampla cobertura da mídia. Ademais, houveram muitas outras ações, tanto nos Estados Unidos como em outros países. (SANTANA, 2015, p. 35)

Diante disso, torna-se possível perceber que as imagens de terror se tornam uma ferramenta para os terroristas, que buscam através delas fragilizar suas vítimas e alarmar o mundo para suas causas e ideais. Com o crescente fluxo de imagens sobre o 11 de setembro, que durante três dias passaram na televisão sem nenhum comercial, experts políticos e militares comentavam o evento e tentavam esclarecê-lo para o público, buscando também delinear um perfil do que viria logo em seguida. Essas imagens repetiam continuamente não só o choque dos aviões contra as torres, mas as feições desesperadas das pessoas, corpos de vítimas que pareciam não cessar de aparecer a frenética busca por desaparecidos. Um verdadeiro espetáculo do terror.

43

4 A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA HOLLYWOODIANA NO PÓS-11 DE SETEMBRO: UMA ANÁLISE DE “VOO 93” O filme “voo 93”’ tem como temática o sequestro de um dos três voos desviados de seus trajetos originais no dia 11 de setembro de 2001, o voo 93. Dirigido por Paul Greengrass e estrelado por Lewis Alsamari e Khalid Abdalla, a produção, feita em 2005 e lançada em 2006, apresenta os momentos finais dos 37 passageiros daquele voo (incluindo os 4 sequestradores). Toda a história do sequestro é retratada de forma dramática e que prende a atenção do telespectador. Para o bom desempenho das atuações, todos os atores foram incumbidos de estudar a vida e as características de suas personagens. Para isso, os produtores contaram com a ajuda de familiares das vítimas, que forneceram informações sobre as roupas que usavam, as bagagens carregadas e até mesmo a personalidade de cada um. Não obstante, algumas cenas mostram verdadeiros controladores de tráfego aéreo em atividade e, nas cenas militares, estão presentes controladores das Forças Armadas americanas. Tudo para que os ínfimos detalhes pudessem trazer mais veracidade à reprodução. Outra curiosidade do filme que reforça a intenção de se obter um resultado o mais fidedigno possível (de acordo com os argumentos trabalhados pelo governo dos Estados Unidos) é que o ator Lewis Alsamari, que interpreta um dos líderes terroristas que roubaram o avião, nasceu no Iraque e serviu ao exército iraquiano, e devido a isso, foi proibido de entrar nos Estados Unidos para a préestreia do filme em Nova Iorque. Esta

atitude

reflete

o

anti-iraquianismo4

das

autoridades

norte-

americanas- é certo que a comunidade estadunidense apresenta sentimento de xenofobia contra todas as nações que de uma forma ou de outra ameaçam a supremacia de seu poder- e uma certeza nunca provada de que o Oriente Médio foi responsável pelo 11 de setembro. Os atores que interpretaram passageiros e os que interpretaram os terroristas foram hospedados em hotéis diferentes durante as filmagens, além de treinarem em academias distintas e nunca fazerem as refeições juntos. A intenção 4

Sentimento de aversão às determinações iraquianas.

44

do diretor era que eles sentissem a separação, o medo e a hostilidade existentes entre os antagonistas do filme. Para manter o suspense e a curiosidade sobre uma obra tão amplamente divulgada e que retrata um assunto que desde o seu acontecimento vem levantando tantos questionamentos, os produtores pediram que nenhum trailer fosse transmitido durante o período em que o filme estivesse em cartaz nos Estados Unidos. Uma análise mais crítica deste pedido nos fez subentender que talvez houvesse por trás dele a intenção de preservar as afirmativas ali feitas e evitar que quem fosse assistir fizesse leituras prévias e entrasse na sala de cinema com um olhar mais cuidadoso e menos manipulável. Figura 1- CARTAZ DO FILME “VOO 3”

Fonte: mago.sapo.pt

4.1 A REPRESENTAÇÃO DOS TERRORISTAS: “PERSONIFICANDO O INIMIGO” A criação da imagem do inimigo sempre foi feita de forma singular pela indústria cinematográfica norte-americana, principalmente a partir dos anos 1970, quando o terrorismo já era discutido em âmbito internacional. Observaremos agora a abordagem dos terroristas em ‘Voo 93’. A primeira revelação que se tem dos sequestradores do avião é no início do filme. Eles se lavam, rezam e se preparam para cumprir sua missão. Já é cravado então um estereótipo acerca da origem da tragédia. Quando o aeroplano

45

levanta voo, um dos quatro homens vai ao banheiro e retira algumas bombas de uma pequena mala. Logo após, ele volta ao seu lugar e observa discretamente cada um dos passageiros

e

aeromoças,

provavelmente

tentando

identificar

perfis

que

representariam um perigo para o atentado que estava por acontecer. Os aspectos mais destacáveis deste filme quanto à figura dos terroristas são a forma como os mesmos são psicologicamente retratados e os pré-julgamentos feitos a respeito deles tanto por parte dos passageiros quanto por parte da mídia. Os terroristas nesta produção são representados como pessoas de aparência normal e que, à primeira vista, não apresentam nenhum tipo de ameaça, nem por suas vestimentas nem por suas expressões ou características físicas. Entretanto, ao passo que vai se aproximando a hora de anunciar o ataque, os semblantes dos criminosos vão se tornando cada vez mais calculistas e observadores. Eles parecem transitar entre os acontecimentos reais (a viagem, o trabalho das aeromoças, pessoas se alimentando, o avião decolando e os avisos dados aos passageiros) e o maquiavelismo de suas tramas. Pode-se dizer sem temer equívocos que os atacantes ganharam nesta produção de Paul Greengrass uma

feição

até

mesmo

psicopata,

considerando-se

que

desenvolveram

meticulosamente cada uma das ações e que todas elas foram premeditadas. Um dos pontos que desperta a curiosidade do telespectador é que, apesar de os sequestradores assumirem totalmente o controle do avião, eles parecem não se importar com as ligações que vários dos passageiros fazem a seus familiares para informar do acontecido e pedir ajuda ou simplesmente para dizer adeus. Isto leva a crer que uma das finalidades do filme é tramitar entre o terror e o drama da morte. Sessenta dos noventa minutos da obra são gastos em cenas de diálogos longos e desnecessários entre os viajantes e seus parentes numa cansativa dramaticidade que não teve sucesso. Não menos interessante são as pistas dadas acerca da procedência do atentado. Até as atitudes dos agressores são capazes de persuadir quem assiste a crer na ideia vitimista que a política estadunidense procura passar. Prestes a iniciar o sequestro, os três passageiros malfeitores envolvem suas cabeças com uma fita vermelha, a mesma usada por Rambo em quase todos os filmes da série e que é popularmente associada ao terrorismo.

46

Figura 2: REPRESENTAÇÃO DE UM DOS TERRORISTAS EM ‘VOO 93’

Fonte: Youtube5

Os malfeitores (representação dos responsáveis pelo ataque voltada ao público) se comunicam em árabe seus nomes são de origem muçulmana. Alguns passageiros também fazem suas conclusões ao longo das conversas com suas esposas; um deles chega a citar que os homens parecem ser do Oriente Médio, talvez iranianos, e os proclama terroristas. Uma observação minuciosa permite identificar nestes detalhes a mensagem que o cinema hollywoodiano deseja passar acerca dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001. Entretanto, em que aspectos os terroristas do filme se assemelham aos reais? Ou melhor, existe alguma semelhança entre estes e aqueles? Para Araújo e Evangelista (2010), a mídia contribui de forma direta para a realização da principal estratégia utilizada por grupos terroristas: a disseminação do terror. Assim sendo, os sentimentos de medo e vulnerabilidade despertados nos telespectadores contribuiriam para o suborno e o controle do povo por parte do governo. Entretanto, para que tais objetivos sejam atendidos, é necessário que haja fidelidade na reprodução. Pierre Sorlin destaca que “é na nossa tela que esperamos pelo acontecimento, ele só será acontecimento quando o tivermos visto [...]” (1994, p.14). O modo como os estereótipos são reproduzidos fazem a diferença no processo de interpretação dos mesmos. E, considerando-se a crescente tensão entre Estados Unidos e o Oriente Médio principalmente desde a queda das Torres Gêmeas, nada mais assertivo para

5

Esta imagem foi tirada da cópia do filme Voo 93 que está disponível no site de vídeos Youtube.

47

o governo estadunidense do que colocar nas personagens terroristas características dos criminosos árabes. Essa semelhança consiste em detalhes anteriormente elencados: as fitas vermelhas nas cabeças e a comunicação em árabe, além das vestimentas orientais e da maneira psicótica de se comportar.

4.2

A REPRESENTAÇÃO DOS PASSAGEIROS E SUAS FAMÍLIAS: IMAGENS

DO DESESPERO E DO TERROR O único sentimento expresso na obra é a agonia, e ela está presente durante todo o desenrolar da trama. O que se vê desde o início do sequestro até a queda do avião é uma sequência de imagens de terror que evidenciam a intenção dos produtores de retratar o verdadeiro pânico vivido pelos passageiros reais do voo 93 da United Airlines e por seus familiares. Entretanto, mascarada sobre um desejo louvável de homenagear os passageiros e tripulantes e suas famílias (um letreiro apresentado antes dos créditos finais faz esta

dedicatória) está a

característica

manipuladora

da

mídia

estadunidense no que tange a suas estratégias interiores: promover e fazer propagar cada vez mais o patriotismo. Ora, não há nada mais interessante e lucrativo para uma nação com tamanho poderio do que uma população que crê piamente na inocência e na boa vontade de seu governo e que está disposta a lutar e a morrer pelo seu país. Incitar a ideia de um ataque estrangeiro e extasiar no telespectador através da mídia, sobretudo do cinema, o terror e o sofrimento vividos por milhares de pessoas naquele 11 de setembro constituíram umas das estratégias mais eminentes dos Estados Unidos. Nos últimos anos, o cinema vem conquistando uma tarefa que vai além da função de divertir e tem prestado um importante serviço aos principais governos do mundo. Vimos anteriormente que o soft-power e todos os seus recursos- dentre eles, o cinema- tiveram papel decisivo no âmbito da conquista ideológica que foi travada durante a Guerra Fria. Para Cabral (2006, p. 15), “muitos governos vem percebendo esse fascínio sobre as multidões, se apropriando do cinema para seduzir e convencer a favor de suas ideologias”. Ainda de acordo com Cabral (2006, p. 19),

48

[...] podemos concluir que a técnica cinematográfica ademais de bela, não é ingênua. Trata-se de uma arte complexa, pensada e planejada, a fim de suscitar no espectador, uma imagem que surja, que nasça a partir de elementos representativos separados, mas que são reconstruídos finalmente na percepção humana de quem assiste.

Esse é o objeto final do esforço criador de todo artista. Conclui-se então, que se há uma intenção na prática desta técnica, há necessariamente, uma escolha. E se há uma escolha, há por suposição, uma ideologia. A representação de pessoas desesperadas em Voo 93 reforça a agonia ali vivida e traz ao público certa aflição. Afinal, existe o grande objetivo de levar a esse público o pensamento de que nada poderia ser tão ruim quanto ver seu país sendo atacado de forma tão brutal por covardes do Oriente Médio. Vieira

(2014)

destaca

que

vários

diretores

se

utilizaram

dos

acontecimentos do 11 de setembro a fim de espantar o sentimento de medo que se alargou sobre a população norte-americana e recuperar a coragem e a sensação de segurança. É bem verdade que o povo precisava ver em seu governo uma instituição capaz de proteger a nação de qualquer ataque possível, e isso traz mais credibilidade aos que estão no poder. Mas o medo não pode ser de todo afastado; é ele que garante aos dominadores a superioridade sobre os dominados. E a sensação de que os Estados Unidos poderiam ser novamente bombardeados ajuda a fazer com que o sentimento de nacionalismo e a vontade de defender a pátria cresçam.

4.3 A ATUAÇÃO DOS NOTICIÁRIOS NO FILME E O DISCURSO DE BUSH Desde o início do sequestro até o seu trágico fim, os noticiários são bombardeados com imagens do acontecimento. Os jornalistas fazem diversas proposições acerca da origem dos atentados. Estas proposições são o meio com que a imprensa norte-americana expõe sua versão da tragédia no filme. As famílias dos passageiros assistem ao noticiário enquanto tudo acontece. A nosso ver, a forma com que tudo foi abordado ao longo daqueles minutos de pânico contribuiu para o agravamento do desespero por parte de quem assistia aos jornais. Vários comentários são feitos pelos jornalistas ao longo das reportagens. Eles refletem uma certa autossuficiência norte-americana no que concerne aos métodos de diagnóstico do caso. Falas como “Os EUA foram pegos de surpresa”

49

determinam conclusões precipitadas sobre a procedência dos fatos e assumem uma postura de inocência e medo, ideal para a ideia que se deseja passar. Em dado momento, os jornalistas destacam que, após aquele ocorrido, “’qualquer coisa pode acontecer” à nação estadunidense. Percebemos neste dito uma ideia que diversas vezes e de forma intermitente tem sido apregoada pelo governo deste país: Os Estados Unidos correm perigo. Reafirmamos que, a nosso ver, a meta principal ao se utilizar este tipo de discurso é implantar no povo o medo e o sentimento de estar sendo a toda hora ameaçado por um “vilão”, alguém que quer destruir a “paz e a tranquilidade” do país. A partir das “evidências” apresentadas pelo filme, constatamos um jogo de interesses que permeia as políticas norte-americanas principalmente no pós2001, onde se estreita gradativamente a estandardização de todo e qualquer grupo ou nação que tente ameaçar a primazia do poder dos Estados Unidos. A seguir, parte da mensagem televisionada dada pelo presidente George W. Bush à população: (...) A América foi tomada como alvo porque é o mais brilhante farol da Liberdade e do Progresso em todo o mundo. E ninguém poderá impedir essa luz de brilhar. Hoje, nosso país viu o Mal, o que há de pior na natureza humana. E nós reagimos com o que há de melhor na América, reagimos com a audácia de nossos socorros, com o cuidado para com os nossos próximos, com os vizinhos que vieram doar sangue e ajudar de todas as maneiras possíveis (...). Estamos investigando para encontrar os que estão por trás desses atos abomináveis. Eu dei ordem para que todos os nossos recursos em matéria de informação e de polícia se mobilizassem para encontrar os responsáveis e os levar frente à Justiça. Não faremos nenhuma distinção entre os terroristas que perpetraram estas ações e os que nos protegem (...). Hoje à noite, eu peço que rezem por todos que estão na dor, para as crianças cujo universo foi abalado, para todos os que tiveram sua segurança ameaçada. Rezo que possam ser reconfortadas por um Poder que nos é superior, cujas Palavras nos foram transmitidas através dos tempos no Salmo 23: “Caminhando no vale da sombra da morte, eu não temo mal algum, pois Tu estás comigo”. É um dia em que todos os americanos, pouco importa de onde venham, se unem na nossa determinação à procura de Justiça e Paz. A América já enfrentou inimigos no passado, e nós os enfrentaremos novamente agora. Nenhum de nós jamais esquecerá este dia. No entanto, nós continuamos a defender a Liberdade e tudo o que é Bom e Justo neste mundo. Obrigado. Boa noite. E que Deus abençoe a América. (BUSH, 2001 apud MEYSSAN, 2003, p.60-61)

Analisemos algumas partes deste discurso. Hoje, nosso país viu o Mal, o que há de pior na natureza humana. E nós reagimos com o que há de melhor na América, reagimos com a audácia de nossos socorros, com o cuidado para com os nossos próximos, com os vizinhos que vieram doar sangue e ajudar de todas as maneiras possíveis [...]. (BUSH, 2001 apud MEYSSAN, 2003, p.60-61)

50

O presidente tenta retratar todo o evento não de uma forma política, mas com um lado humanizado, como que tentando demonstrar todo o seu pesar pelas vítimas. O Mal é aqui tido como algo secular, bíblico, e até histórico. Ganha até mesmo um tom de personalização: uma figura que precisa urgentemente ser combatida. E este combate tem sido feito através do Bem. Podemos interpretar o trecho em destaque da seguinte maneira: “Apesar de ameaçados e frágeis, os americanos não hesitam em ajudar os mais prejudicados pela tragédia”. “Não faremos nenhuma distinção entre os terroristas que perpetraram estas ações e os que os protegem”. Mais um discurso de benevolência escondendo a prática da dominação ideológica. Ou seja, “por mais que estes terroristas tenham nos feito muito mal, nós os trataremos da mesma maneira que tratamos os que nos defendem”. Nossa análise caminha por estes trilhos: a análise da dominação mascarada. “No entanto, nós continuamos a defender a Liberdade e tudo o que é Bom e Justo neste mundo. ” Partindo destas palavras, lançamos alguns questionamentos: O que é a Liberdade à qual o presidente se refere? O que é Bom e o que é Justo neste mundo? Ao nosso entendimento, seria esta Liberdade mais do que o direito de ir e vir, mais ainda do que o poder de se expressar sem censuras e de pensar como quiser. É a ‘Liberdade dos americanos’, o ‘direito de viver sem estar sendo ameaçado o tempo todo. O direito de viver a Paz nos Estados Unidos’. O Bom é viver dentro do american way of life. Como é bom ser americano! O Justo é, finalmente, o que a justiça dos Estados Unidos defende. E “Deus abençoe a América”, porque, afinal, nada mais certeiro do que, num momento como aquele vivido no momento do comunicado de George W. Bush, é assertivo fazer uso do nome divino como forma de oração “por todos que estão na dor”’ e “pelas crianças cujo universo foi abalado”’.

51

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao iniciar esta pesquisa, parte-se do pressuposto de que o cinema estadunidense dissemina estereótipos acerca das nações que julga suas inimigas. Tendo por pauta o atentado às Torres Gêmeas e ao Pentágono, analisamos as premissas da indústria cinematográfica hollywoodiana tendo como objeto o filme ‘Voo 93’. Fizemos o desenvolvimento do trabalhando adotando como suporte as seguintes questões: 1- Como o cinema produzido nos Estados Unidos tem se tornado um instrumento

de

divulgação

de

valores

axiológicos

nacionalistas

estadunidenses? 2- De que maneira o soft power se faz presente na política externa norteamericana no pós-11 de setembro? 3- Como o filme ‘Voo 93’ retrata os ideais estadunidenses dentro da perspectiva geopolítica? O objetivo geral que nos norteou foi analisar as mensagens utilizadas pelo cinema hollywoodiano sobre o 11 de setembro a partir de ‘Voo 93’. Não obstante, visamos caracterizar a forma como o cinema dos Estados Unidos vem se transformando em um poderoso meio de disseminação de valores nacionalistas, verificar a influência do soft power na política externa norte-americana no pós-11 de setembro e determinar a forma como a obra em questão aborda os ideais estadunidenses dentro da perspectiva geopolítica. Vimos que um filme é uma produção de caráter social, coletivo e ficcional que divulga uma mensagem e que tem sido cada vez mais usado com finalidade comercial e ideológica. A indústria fílmica norte-americana cresceu impulsivamente a partir do início da Primeira Guerra Mundial e foi ganhando um atributo de arma de combate, abarcando doutrinas em suas representações e trabalhando-as a partir de uma intenção nacionalista de manter os Estados Unidos na posse da supremacia mundial. A fim de cumprir com sucesso esse intento, os EUA fazem uso de um mecanismo mais brando de reprodução do poder, que é conhecido como soft power. Seguindo a recomendação de Maquiavel em “O Príncipe” (1532), de os líderes provocarem o temor popular (ver o primeiro parágrafo do item 3.1) e ao mesmo

52

tempo buscando ser amado pelo povo, o governo estadunidense vê no soft power (poder suave, em uma tradução livre), um poderoso instrumento de dominação aplicado através dos meios de comunicação, como o cinema, os quadrinhos, a televisão e, a partir do fim do século XX, a internet. Observamos que o soft power não é utilizado através de forças armadas, senão perante a instituição da liderança através do carisma. Constitui-se um aparelho ideológico que tem sido largamente adotado por grandes empresários e diretores e que atrai o outro de forma positiva a fim de obter dele o comportamento desejado, visto que, antes de dominar, é necessário conquistar. Descobrimos que o cinema é um trunfo na aplicação do soft power. Mais ainda, o cinema como prática social e instrumento ideológico teve papel essencial na difusão de notícias e imagens do 11 de setembro, contribuindo de maneira singular para que se espalhasse o sentimento de pânico e de terror. Durante e depois do atentado, imagens dos aviões atingindo os prédios, de pessoas pulando das janelas dos andares onde estavam e de bombeiros tentando apagar o incêndio bombardearam as televisões dos Estados Unidos e de todo o mundo. No que se refere a “Voo 93”, em nada foge às pretensões norteamericanas. Uma de suas finalidades é processar-se entre o terror e o drama da morte, visto que sessenta e nove minutos são destinados a mostrar o pânico dos passageiros e as conversas dos mesmos com suas famílias numa dramaticidade que, reforçamos, não obteve sucesso. Ao longo do filme, diversas pistas são dadas sobre a origem dos acontecimentos, o que acentua a acusação feita por Bush e pelo governo norteamericano no geral à Al-Qaeda. A fita vermelha utilizada pelos terroristas, a comunicação entre eles que é feita em árabe, os nomes de origem muçulmana e os julgamentos que os passageiros e a mídia fazem durante todo o tempo. Diante do que foi posto, é evidente verificar que a mídia exerce influência decisiva na disseminação do terror, conforme declaram Araújo e Evangelista (2010). Sobre essa temática, entendemos que alguns outros aspectos podem ser pesquisados de forma mais aprofundada, tais como: a quantidade de filmes produzidos por Hollywood de 2001 até o período atual que tratam do 11 de setembro; as controvérsias que se colocam sobre a responsabilidade do ataque (para tal, indicamos a obra “11 de setembro de 2001- uma terrível farsa: nenhum avião atingiu o Pentágono”, de Tierry Meyssan); e as influência das mudanças que a

53

política externa norte-americana vem sofrendo desde 2001 exerce no cenário geopolítico mundial atual. Esta pesquisa é uma das inúmeras possibilidades de se estudar como o cinema hollywoodiano trabalha na disseminação de ideologias sobre o 11 de setembro.

54

REFERÊNCIAS ALVES, Gracilda. Cinema, guerra, civilização e barbárie. In: ____. O cinema vai à guerra. Org. Francisco Carlos Teixeira da Silva, Kkarl Schurster Sousa Leão e Igor Lapsky. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015, p.3-17. ARAÚJO, P.V.L.; EVANGELISTA, M.A. Terrorismo e mídia em V de Vingança: O terrorista e sua representação. In: História, imagens e narrativas. Viçosa, n.10, abril de 2010. ARON, Raymond. Paz e Guerra Entre as Nações. Brasília: UNB, 2002. BHARGAVA, Rajeev. RESPONSES TO 9.11: INDIVIDUAL AND COLLECTIVE DIMENSIONS.2005. Disponível em: . BLOG DO RICARDO NESTER. Oscar, cinema e geopolítica. Disponível em: . Acesso em: 24 de outubro de 2015. BUSH, George W. Discurso sobre o Estado da União. Washington, 2001. Disponível em: Acesso em 20 de maio de 2016. BRAUDEL, Fernand. O espaço e a história no Mediterrâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1988. CABRAL, Raquel. Estratégias da comunicação no cinema pós 11 de setembro: A legitimação da guerra. Dissertação (Mestrado em comunicação) - Universidade Estadual Paulista. Bauru, SP, novembro de 2006. Disponível em:. Acessado em 10 de julho de 2016 CAIRO, Heriberto. La Geopolítica como ciência del Estado: el mundo del general Haushofer. Revista de estúdios sobre espacio y poder, vol. 3, núm 2, 2011, p. 337345 CASTRO, Iná Elias de. Geografia e Política: território, escalas de ação e instituições. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. CHOMSKY, Noam. 11 de setembro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e o poder. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. DAHL, Robert. Sobre a Democracia. Brasília: UnB, 2001. DEFARGES, Philippe Moreau. Introdução à geopolítica. Trad. José Pedro Teixeira Fernandes. Lisboa: Gradiva, 2003.

55

ENGELS, F; MARX, K. A Ideologia Alemã. Lisboa: Presença, 1932-1976. GIL FILHO, S. F. Espaço e Representação e Territorialidade do sagrado: notas para uma teoria do fato religioso. Ra’ e Ga’: O espaço geográfico em análise, Curitiba, v.2.n3.p.61-67, 1999. HALLIDAY, Fred. The World at 2000.London: Palgrave, 2001. HOBSBAWM, Eric. J. 1. A Era da Guerra Total. In: _____. A Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 2960. JOFFE,J. The perils of soft power.2006. Disponível em: Acesso em 14 de junho de 2016. KELLNER, Douglas. From 9/11 to Terror War: The Dangers of the Bush Legacy. Oxford: Rowman & Littlefield Publishers, 2003. LAPSKY, Igor. A guerra ao terror: O pós- Guerra Fria. In: ____. O cinema vai à guerra. Org. Francisco Carlos Teixeira da Silva, Kkarl Schurster Sousa Leão e Igor Lapsky. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015, p. 229-239. LOWY, Michael. Ideologia e ciência social. São Paulo: Cortez, 1985, p. 12 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Trad. Antonio Caruccio-Caporale. São Paulo: L&PM Editores: Porto Alegre, 2011. MEYSSAN, Thierry. 11 de setembro de 2001: Uma terrível farsa. São Paulo: Usina do Livro, 2003. MORGENTHAU, Hans J. Política Entre as Nações: a Luta Pelo Poder e Pela Paz. Brasília:UNB, 2003. NYE JR, Joseph S. O Futuro do Poder. 1ª. ed. São Paulo: Editora Benvirá, 2012. NYE JR, Joseph S. Soft power: The Means to Success in World Politics. 1ª. ed. United States: PublicAffairs, 2004. NYE, Joseph S. O Paradoxo do Poder Americano: por que a única superpotência do mundo não pode prosseguir isolada. Tradução Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo: UNESP, 2002. PECEQUILO, Cristina Soreanu. Os Estados Unidos e o Século XXI. 1a. ed. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2012. RAMONET, Ignácio. Guerras do Século XXI: Novos Temores e Novas Ameaças. Petrópolis: Vozes, 2003. RICOEUR, Paul. Interpretação e ideologias. Trad. Hilton Japiassu. Rio de Janeiro:

56

Francisco Alves, 1988, p. 75. SANTANA, Carolina Nascimento. Hollywood e a guerra ao terror: O papel do cinema no imediato pós-11 de setembro. 2015. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis- SC. SARDENBERG, Ronaldo. Estudo das Relações Internacionais. Brasília: UNB, 1982. SCHOPENHAUER. O mundo como vontade e como representação. São Paulo: UNESP, 2005. SILVA, Arlete Mendes. Resiliência Socioespacial na Expansão Canavieira do Cerrado Goiano: a Cidade Rural de Maurilândia/GO. Tese de Doutoramento defendida em 02/07/2014 na Universidade Federal de Uberlândia – UFU. 2014. SORLIN, Pierre. Indispensáveis e Enganosas, as Imagens, Testemunhas da História. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 7, n.13, 1994, p.14 STOCKTON, Sean S. “Philanthropists” soft power may trump the hard pull of purse things. Chronicle of Philanthropy. 22 de abril de 2010. STREET, John. Politics and Popular Culture. Oxford: Blackwell, 1997. VALANTIN, Jean-michel. Hollywood, The Pentagon and Washington: The Movies and National Security from World War II to the Present Day. London: Anthen Press, 2005. VIANA, Nildo. Cinema e mensagem: análise e assimilação. Porto Alegre: Asterisco, 2012. VIEIRA, Bruno Rizzi de. A política externa norte-americana no pós-11 de setembro: O cinema como ferramenta de soft-power. 2014. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria- RS. VIRILIO, Paul. Guerra e cinema. Trad. Paulo Roberto Pires. Paris: Boitempo, 2005. WOLF, H. J. A Produção Social da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. YOUTUBE. Voo 93. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tlgKEkaWhmo> Acesso em: 24 nov. 2016.

<

57

ANEXO I- TRANSCRIÇÃO DE LIGAÇÕES GRAMPEADAS DE ALGUMAS DAS VÍTIMAS DO 11 DE SETEMBRO AO 911

1- Betty Ong, comissária a bordo do voo AA 11. Atendente: Nydia Gonzalez. - Ninguém atende ao telefone na cabine do piloto. Alguém foi esfaqueado na classe executiva e estamos com dificuldades para respirar aqui na executiva, eu acho que usaram spray de pimenta, ou algo assim. Não conseguimos respirar, mas acho que estamos sendo sequestrados. Estou sentada no fundo do avião, tem alguém vindo da classe executiva, por favor, aguarde... (silêncio) - O nosso primeiro comissário foi esfaqueado. Outro comissário também. Ninguém sabe quem esfaqueou quem. Nós nem podemos ir até a executiva agora porque ninguém consegue respirar. Oh! O nosso primeiro comissário está sendo esfaqueado nesse momento. O nosso número 5, o passageiro da primeira classe, o comissário e o tesoureiro foram feridos, e nem podemos ir à cabine do piloto porque a porta está trancada. Não sabemos quem está lá.

2- Christopher Hanley. Participava de uma conferência no 106° andar da Torre Norte. Foi a primeira vítima a ligar para o 911.

- Alô, estou no 106° andar do WTC. Ouvimos uma explosão agora há pouco. - 106° andar? - Sim, estamos em uma conferência. Vemos fumaça e a situação está ficando muito ruim, não conseguimos descer as escadas. (A atendente transfere a ligação para os bombeiros). - Estamos chegando, vamos ir buscar vocês, por favor, acalmem-se e nos aguardem, estamos a caminho. - Por favor, venha rápido. E obrigado.

3- Kevin Cosgrove. Estava em seu escritório, no 105° andar. Descreve a situação para a atendente e complementa: - Muita fumaça no andar 105° da Torre Norte. - Certo, senhor, fique onde está. Chegaremos até aí assim que pudermos. - Eles ficam dizendo isso, mas a fumaça está muito forte, cara.

58

- Isso é tudo o que podemos fazer. - Onde você está? Em que andar estão? - Estamos chegando aí. Estamos chegando aí. - Isso não parece verdade, cara. Tenho filhos pequenos. Sei que vocês têm muita coisa acontecendo no prédio, mas estamos aqui em cima. A fumaça sobe também. Estamos no chão, estamos na janela. Mal consigo respirar agora. Não consigo enxergar. - Ok, apenas tente ficar firme. Ficarei com você. - Você pode dizer isso. Você está em um prédio com ar condicionado. - Tente se acalmar para manter o oxigênio, ok? Tente... tente... - Diga a Deus para que sopre o vento do Oeste. - Está muito ruim. Está preto, árido. Alguém mais vai aparecer aqui? Somos jovens. Não estamos prontos para morrer. - Entendo. Ok, senhor, qual é o seu último nome? - O meu é Cosgrove. Já devo ter ligado mais de dez vezes. C-O-S-G-R-O-VE.. Minha mulher acha que eu estou bem. Disse pra ela que ia sair do prédio e que estava bem, e então BANG! - Alô? - Alô! Estamos vendo, temos como vista o Centro Financeiro. Três de nós. Duas janelas quebradas. Oh, meu Deus, oh! (Este é o momento exato em que a primeira torre entra em colapso).

59

APÊNDICE I- ATÉ BREVE, MEU PAI: A DESPEDIDA DE UMA FILHA A SEU PAI, VÍTIMA DO ATENTADO.

*Este texto foi escrito por Bruna Marquezan Silva. É uma narrativa ficcional que traz uma filha se despedindo de seu pai, que está em uma das torres atingidas.

Não quero te ver partir. Fica só mais uns instantes, vai? Tá tão cedo para ir embora, ainda há tanto pra viver. Tantos sonhos que você vai deixar para traz, tantos abraços, tantos sorrisos. Eu quero ter a chance de olhar nos seus olhos de novo, te apertar contra o meu peito e dizer que amo seu cheiro. Quero entrar na Igreja com você me conduzindo, quero te ouvir pedindo ao meu marido que cuide bem de mim. Mas o que eu mais queria nesse momento é que você tivesse asas, para poder voar desse prédio o mais rápido que puder e pousar em nossa casa, abrir a porta com aquele sorriso típico estampado no rosto e dizer que teve um dia cansativo. Pai, chega logo, a mãe já tá servindo o almoço, sai desse incêndio e vem pra mim. Não tô pronta pra ver a vida sem você, não quero conhecer a vida sem você. Não quero ter que me despedir por telefone. Nunca fui muito boa com palavras, você sabe disso, e justamente agora, quando mais preciso falar, elas fugiram de mim. Sei que não tem volta, sei que não estaremos juntos novamente. Por isso é que eu preciso te agradecer por ter me pego nos braços assim que nasci e cantado uma canção de ninar para mim. Agradeço por ter segurado minhas mãos quando dei o meu primeiro passo. Por ter feito cara séria quando eu disse que estava apaixonada pela primeira vez. Por ter ido me buscar no trabalho quando a chuva me impedia de caminhar até o ponto de ônibus. Por ficar acordado comigo quando eu perdia o sono. Por ter ligado para se despedir de mim. E agora, pela última vez eu pronuncio que te amo. Até breve, meu pai.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.