O acervo Rui Spohr: um breve relato sobre ações de conservação preventiva

May 24, 2017 | Autor: R. Fratton Noronha | Categoria: Material Culture, Fashion, Fashion conservation
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Maio 2016

O acervo Rui Spohr: um breve relato sobre ações de conservação preventiva The Rui Spohr collection: a brief expose about preventive conservation actions

Resumo: O presente artigo busca apresentar o acervo particular de Rui Spohr, costureiro gaúcho com uma trajetória de mais de sessenta anos dedicados à moda. Dividido em quatro coleções, o acervo testemunha a atuação de Rui através de um rico conjunto documental, o que possibilita a ação de pesquisadores de diferentes áreas. Será apresentado o resultado da ação preventiva que envolve a amostra documental que registra a participação do costureiro nos desfiles promovidos pela empresa têxtil Rhodia, durante a Feira Nacional da Industria Têxtil (FENIT), nos anos de 1962 a 1964. Palavras-chave: Rui Spohr; Rhodia; Conservação preventiva Abstract: This article presents the private collection of Rui Spohr , couturier from South Brazil who has been working into fashion formore than sixty years. Divided into four collections , the collections witness Rui acting through a rich set of documents , which allows the action of researchers from different areas . It will present the results of a preventive action, involving a documentary sample that shows Rui´s particitpation into parades organized by Rhodia textile company during the National Fair of Textile Industry ( FENIT ) in the years 1962-1964 . Key words: Rui Spohr;Rhodia; Preventive action

A moda no museu e os acervos de moda O Conselho Internacional de Museus (ICOM) define “museu” como: “uma instituição permanente, sem fins lucrativos, à serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberto ao público e que realiza pesquisas relativas aos testemunhos materiais dos homens seu ambiente, adquire -os , conserva , comunica e expõe , para fins de estudo , ensino e lazer ”. 1 1

Tradução nossa. Texto disponível em : http://icom.museum/definition_fr.html.

Etimologicamente, o termo “museu”, vem do latim “museion”, templo das musas, divindades das artes. Já a moda, que vem do latim “modus”, representa um fenômeno de mudança permanente, fortemente associado ao vestir, representativo de um patrimônio cultural e estético. As roupas, ultrapassando sua condição de objetos têxteis, permitem novas possibilidades de atuação no mundo social: a alteração da hierarquia de valores modifica as relações sociais, afetando a maneira como as pessoas se enxergam e se mostram aos demais. Assim, a transformação da imagem de si mesmo e da sua conexão com o outro impulsionam também uma nova forma de vestir e de produzir sentidos, reforçando laços com o meio social e com o próprio corpo. Portanto, podemos compreender que a moda é um fenômeno social relacionado à cultura de um determinado período, sendo possível, através dela, a manifestação de valores e de gostos relativos a determinado grupo social ou a determinado estilo de vida. A presença das roupas nos acervos museológicos é relativamente recente: suas origens datam do século XIX, tendo nascido do desejo de fornecer aos artistas e figurinistas da época subsídios para que desenvolvessem as suas criações. Se, inicialmente, as roupas eram conservadas em função de seus tecidos, as obras, que visam a traçar a história do vestir, culminaram reforçando o papel da roupa como documento histórico, o qual se tornou digno de ocupar espaço em museus. Entre os pioneiros, encontram-se Albert Racinet e Jules Quicherat, que se esforçaram para realizar levantamentos históricos meticulosos, assim como de colecionadores, como Maurice Leloir e François Boucher2, cujos esforços determinaram com que o vestuário fosse tratado como patrimônio histórico (ROCHE, 2008; LAPORTE e WAQUET, 1999). A conservação destas roupas é fundamental para a compreensão da cultura de moda do espaço temporal onde circulam, pois é especialmente através delas que a moda - fenômeno de caráter efêmero relacionado às mudanças de gostos ou estilo - se manifesta. Apesar disso, moda e roupas - ou ainda vestuário, indumentária - são conceitos diferentes: a moda confere ao vestuário certo valor adicional, porém estes valores fazem parte de um imaginário social3. Sendo assim, a moda não corresponde apenas à materialidade das roupas, mas a estes valores cujos elementos são culturais e não visíveis (KAWAMURA, 2005) 2

Albert Racinet foi um desenhista e litografista interessado em estudos arqueológicos, que, a partir de 1850, começou a difundir os seus estudos sobre o vestuário. O arqueólogo Jules Quicherat publicou, em 1875, o livro Historie du Costume en France. Por seu turno, Maurice Leloir e François Boucher trabalharam pela inserção do vestuário no acervo dos museus já no início do século XX. A iniciativa levou à constituição, na década de 1950, do Musée Galliera – Musée de la mode de la ville de Paris (LAPORTE e WAQUET, 1999).

Nas últimas décadas, a moda vem ganhando espaço nos museus, seja através da manutenção de acervos ou com a organização de exposições elaboradas. Diana Crane sugere um processo de artificação, desenvolvido a partir das roupas de alta-costura, onde a moda do passado acaba por ser considerada uma forma de arte: Organizações culturais reconhecem as criações de moda como objetos de coleção, o que tende a mostrar que adquiriram valor artístico como patrimônio. Assim os museus de arte começaram a expor obras dos costureiros, enquanto nasciam museus inteiramente consagrados a este setor. Há pouco as casas de leilões descobriram o valor das roupas de coleção (...) Os principais compradores são os museus da moda, as casas de costura 9 que compram de volta suas próprias criações) e, por vezes, o governo francês, em favor de um museu de moda. Numerosos livros celebram a história da costura e glorificam os estilistas, sobretudo aqueles que desapareceram Ensina-se também a criação de moda em escolas especializadas ou em escolas de arte. (CRANE, 2011,p.205)

Neste sentido, se tomarmos como exemplo as primeiras exposições organizadas França por Maurice Leloir, fundador do Museu Galliera, esforçavam-se em mostrar a moda como objeto arqueológico onde as roupas ilustram mudanças que obedecem a uma temporalidade histórica, Olivier Saillard, atual diretor do museu, prefere “mostrar as roupas como os restos sublimes de um criador, mas também de quem os vestiu.”4 Desta forma, os objetos de moda executam uma espécie de performance própria, onde sua materialidade carrega a memória do corpo. Serão os tecidos, os enfeites, as técnicas e até mesmo as pequenas curiosidades- que acabam por reforçar a vida social deste objetos. No Brasil, conforme observa a historiadora Maria Claudia Bonadio (2012),existem importantes museus que abrigam acervos têxteis e de indumentária como: o Museu Histórico Nacional (MHN), o Museu Paulista (MP), o Museu Imperial de Petrópolis, o Museu Carmem Miranda e o Museu de Arte de São Paulo (MASP). Também já existem no Brasil dois museus majoritariamente dedicados à moda e indumentária, o Museu do Traje e do Têxtil da Bahia e o Museu de Hábitos e Costumes da Fundação Cultural de Blumenau. Neste conjunto destaca-se a coleção Rhodia 5 que integra o acervo do MASP e recentemente exibida na exposição. “Arte na Moda: a exposição MASP-RODHIA (2015-2016)”. Porém, cabe ressaltar que, apesar da intenção da mostra em dar visibilidade ao potencial criativo da colaboração entre arte, moda design e indústria, a curadoria buscou valorizar o trabalho dos

4

Nos referimos aqui à entrevista de Saillard ao jornal francês L´express, realizada em setembro de 2013 e disponível em http://www.lexpress.fr/styles/mode/l-irresistible-ascension-d-olivier-saillard-directeur-du-musee-galliera-a-paris_1285548.html 5

De acordo com o a curadoria da exposição, a coleção Rhodia é composta por 79 peças “selecionadas por Pietro Maria Bardi (1900-1999), diretor-fundador do museu, foi doada em 1972 pela Rhodia. A indústria química francesa promovia seus fios sintéticos no Brasil por meio de desfiles-show, editoriais e coleções de moda, numa estratégia desenvolvida por Lívio Rangan (1933-1984), visionário gerente de publicidade da empresa. Os desfiles-show, realizados entre 1960 e 1970, pareciam mais espetáculos e reuniam profissionais do teatro, da dança, música e das artes visuais.”. Texto disponível em : http://masp.art.br/masp2010/exposicoes_integra.php?id=239

artistas plásticos que tiveram suas obras estampadas nos tecidos da Rhodia, à convite de Livio Rangan, responsável pelos desfiles show que ocorriam durante a Feira Nacional da Indústria Têxtil (FENIT) ao longo dos anos 1960, restando poucas informações quanto aos costureiros que realizaram as peças. A partir deste cenário, o presente artigo busca chamar atenção para o acervo do costureiro gaúcho Rui Spohr, com ênfase especial as ações de conservação preventiva que estão sendo implementadas junto às coleções. Tomamos como exemplo exatamente os registros da participação de Rui nas ações organizadas pela Rhodia Rui Spohr e a constituição de seu acervo “Acredito que só mesmo com vinte e poucos anos se tem audácia de fazer certas coisas. Pois com 22, quase 23, em outubro de 1952 a gente de repente se encontra zarpando para a Europa. Avião praticamente não se usava para cruzar o Atlântico; viajava-se de navio. Viajei de segunda classe, mas com meu smoking na bagagem.”(SPOHR, VIEGAS-FARIA, 1997 p.)

Assim se iniciava uma trajetória de 60 anos dedicados à moda: Rui, que nasceu Flávio Spohr, no ano de 1929 em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, foi o primeiro brasileiro a estudar moda em Paris nos anos 1950, na mesma escola em que Yves-Saint Laurent e Karl Lagerfeld. Aprendeu a fazer chapéus no atelier de Jean Barthet, viu Simone de Beauvoir e Jean Paul- Sartre no Café de Flore e, ao voltar para Porto Alegre, em 1955, dedicou-se a moda incondicionalmente, inscrevendo seu nome entre os grandes da moda nacional. Seu estilo simples, de linhas retas e cores contrastantes- ou “a sofisticada originalidade do simples”, como prefere- representa uma elegância atemporal, sem exageros ou excessos: ao contrário da maioria dos costureiros de sua época, Rui não buscava reproduzir fielmente os modelos franceses dedicava-se a criação modelos de acordo com seu gosto e inspiraçãomesmo que fortemente influenciado pela moda de Paris. O acervo particular de Rui Spohr transforma-se em um arquivo de fontes diversificadas, onde a história de vida de Spohr se integra à história da sociedade em que vive e atua- concentrada na cidade de Porto Alegre- tornando possível uma abordagem da moda como representação cultural também à partir de sua visualidade. O registro de sessenta anos de atividade profissional, inteiramente dedicados à moda, constitui-se em rico conjunto documental acerca da prática da alta costura, dos costumes e, sobre tudo, da rara variedade de matéria-prima utilizada em sua produção.

O acervo se divide em quatro coleções: coleção objetos, coleção textual, coleção iconográfica e coleção têxtil. A coleção de objetos se constitui basicamente de materiais em metal, madeira e tecido. A coleção textual se constitui de documentos em suporte papel de diversas origens, como por exemplo, recortes de jornal, livros, cadernos, revistas, folders, folhas avulsas, pastas. A coleção iconográfica é composta basicamente por croquis em papel esboço com lápis grafite e pastel além de fotografias preto e branco, bem como coloridas, abrangendo o período que vai da década de 1940 até os dias atuais. Atualmente estão sendo colocadas em prática no acervo particular de Rui Spohr algumas medidas de conservação preventiva. O primeiro passo foi o levantamento quantitativo que resultou em uma listagem simples do acervo, que podem ser verificada nas tabelas que seguem. Figura 1: Tabela descritiva da Coleção Objetos Denominação

Descrição do conteúdo

Descrição do suporte

Quantidade

Troféus

Na sua grande maioria são compostos de metal, porém há algum em madeira.

44

Ferros de passar

Placas e medalhas de reconhecimento, agradecimento, homenagens e destaques. Prêmio agulha de ouro – peças do atelier premiadas. Ferros a brasa

Metal

10

Formas para fazer chapéu

Formas e moldes para confecção de Madeira chapéus

1

Miniatura Santa Catarina-

Santa Catarina é a padroeira da Moda. Rui recebeu as miniaturas como presente de clientes ao longo da sua carreira, em diferentes momentos.

Madeira e Metal

3

Madeira

12

Suportes para chapéus Grande

Painéis de tapeçaria Tesouras

Médio

12

Pequeno

8

Trabalho de tapeçaria da Maria Rita Tecido Caminhos Culturais que Rui recebeu de clientes. Tesouras antigas de alfaiate Metal

2 16

Fonte: elaborado pela equipe Rui Spohr em parceria com a bibliotecária Ana Reckziegel CRB10/2110.

A coleção de objetos é constituída por diversas peças museais relacionados ao trabalho como, por exemplo: tesouras, máquinas de costura e troféus conquistados em prêmios de moda. Figura 2: Tabela descritiva da Coleção Textual Denominação Descrição Descrição do suporte conteúdo Clipping notícias Reportagens Recortes de jornal sobre a marca e o

Quantidade 100

estilista em jornais e cadernos de notícias. Dos anos 1950 à 2015. Colunas em Publicações de Papel 200 revistas e jornais Rui em revistas e jornais. Correspondências Correspondências Papel 80 de trocadas com clientes e familiares. Folders Desfiles e Folders dos Diversos, na sua maioria em papel. 100 coleções desfiles que Rui promoveu e participou. Fonte: elaborado pela equipe Rui Spohr em parceria com a bibliotecária Ana Reckziegel CRB10/2110.

A coleção documental textual contém correspondências, agendas, material de imprensa, matérias em revistas, divulgação de coleções e desfiles. Figura 3: Tabela descritiva da Coleção Iconográfica Denominação Descrição conteúdo Fotografias Fotografias de manequins, desfiles, vestidos, clientes. Fotografias de Rui Spohr Croquis

Audiovisual

Pastas com croquis de toda a produção de Rui, desde vestidos de noivas e debutantes até demais vestuários para alta costura ou prêt-àporter a partir de 1948 até os dias atuais. Entrevistas, desfiles, palestras, programas de TV.

Descrição do suporte Coloridas e PeB, tamanhos 10x15, 18x20, 25x30 Quadros coloridos e PeB tamanhos diversos Croquis em papel esboço com lápis grafite e pastel

Quantidade 1000 100 2500

Fita cassete 63 VHS 94 DVD 30 Fonte: elaborado pela equipe Rui Spohr em parceria com a bibliotecária Ana Reckziegel CRB10/2110.

A coleção iconográfica é composta basicamente por croquis em papel esboço com lápis grafite e pastel além de fotografias preto e branco, bem como coloridas, abrangendo o período que vai da década de 1940 até os dias atuais. Figura 4: Tabela descritiva da Coleção Têxtil Denominação

Descrição conteúdo

Descrição do suporte

Quantidade

Trajes

Vestidos de noivas, debutantes, de gala – feitos com técnicas da alta costura parisiense e com bordados e tecidos únicos. Vestidos de passeio, saias, camisas, blusas, casacos e estola de pele, casacos de tear e com trabalhos manuais, calças, conjuntos

Diversas materiais, tecidos únicos e raros, matéria-prima rara, desde algodão, seda pura, vanquis, tailleur até rendas artesanais de produção Rui.

200

de tailleur, entre outros mais. Acessórios

Pulseiras, colares, brincos, cintos, abotoaduras, tiaras.

Metal, tecido, pérola, couro.

30

Sapatos

Sapatos criados pelo atelier Rui, destinados a clientes e produções.

Couro

15

Chapéus

Chapéus em diferentes formatos, com aba larga, pequena, sem aba, boinas, carapuças, cartolas, marombas.

Em pena, palha, tecido, feltro, couro e com ornamentos em pena, flores, telas.

250

Fonte: elaborado pela equipe Rui Spohr em parceria com a bibliotecária Ana Reckziegel CRB10/2110.

O material têxtil e indumentário é formado por trajes femininos e acessórios, entre eles estão bolsas, chapéus, sapatos, estolas e casacos de pele, vestidos de festa, trajes de passeio e outras peças todas de autoria e produção da marca Rui. Após realizar a listagem do acervo, selecionamos uma amostra para acondicionar e digitalizar dentro das normas recomendadas pelo Projeto Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos - Projeto CPBA do Arquivo Nacional em parceria com The Commission on Preservation & Access. A amostra selecionada é de relevância histórica e estética: tratam-se das revistas que veicularam as ações de moda promovidas pela Rhodia, onde se pode verifica a atuação de Rui. Todo o trabalho de acondicionamento foi precedido da higienização dos documentos. A higinização visa à eliminação de sujidades generalizadas sobre os documentos, visando à adequada conservação do acervo. No decorrer deste trabalho, foi realizada a retirada das fitas durex e grampos existentes nas obras, pois estes danificam o papel acelerando sua degradação. Rui na Rhodia: as características da amostra Filial da empresa francesa Rhône-Poulen instalada no Brasil, desde 1919, na década de 1950 a Rhodia passa a fabricar aqui fios e fibras sintéticas. Visando a popularização desta produção de sintéticos, a partir da década de 1960 a empresa implementa no país uma política de publicidade “calcada na produção de editoriais de moda para revistas e desfiles, os quais conjugavam elementos da cultura nacional (música, arte e pintura), a fim de associar o produto da mutlinacional à criação de uma ‘moda brasileira’.” (BONADIO,2005,p.10) Lançados anualmente durante a FENIT, entre os anos de 1960 e 1970, os desfiles-show da Rhodia viajavam por todo o Brasil e também pelo exterior. Se a organização da Feira privilegiava o intercâmbio com criadores internacionais para promover a indústria local, a Rhodia,

para promover seus fios sintéticos, reunia na mesma passarela os grandes nomes da moda nacional, que, frequentemente, criavam peças em tecidos cujas estampas haviam sido elaboradas por importantes artistas plásticos nacionais. Convidado a desfilar suas criações na passarela da Rhodia, o trabalho de Rui ganha visibilidade nacional, ao participar das edições de 1962, 1963 e 1964 do evento. A amostra Rhodia é composta basicamente por itens que integram a coleção iconográfica, contendo: croquis, fotografias, catálogos e revistas. A conservação de acervos: o exemplo dos documentos Rui Spohr para Rhodia Os documentos, os livros, as obras de arte, possuem uma vida útil que depende dos cuidados que lhes são dispensados. De maneira geral podemos denominar a preservação de acervos como uma serie de medidas capazes de salvaguardar os seus itens e documentos. A IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions) em seu Preservation and Conservation Strategic Programme6 definiu preservação como a tomada de decisão gerencial e financeira a respeito dos mecanismos de armazenamento, das políticas do acervo, das técnicas e métodos a serem envolvidos no salvaguardo de materiais e informações neles contidas. Por outro lado, o termo conservação foi estabelecido pela IFLA como sendo as políticas e práticas específicas envolvidas na proteção de suportes contra a deterioração, contra os agentes danos, e contra o manuseio inadequado. Atualmente utiliza-se o tempo conservação preventiva, uma vez que ela previne futuros danos aos objetos. Seguindo as definições da IFLA, e, atualizando a terminologia da área, poderíamos então entender que o gerenciamento de acervos se divide em três etapas: a preservação, a conservação preventiva e a restauração. A preservação é toda e qualquer medida que visa prolongar a vida útil do acervo, desde decisões administrativas até o combate a degradação física do acervo. Já a conservação preventiva é uma ação mais pontual e atua mais especificamente nas condições ambientais e nas questões de guarda do acervo. Por fim, a restauração é a intervenção física nas obras a fim de recuperar seu estado original após ter sofrido alguma desestabilização. Em nossa ação, nos concentramos na conservação preventiva, uma vez que é ela a ação prática, propriamente dita, empregada na preservação de acervos. Uma boa conservação preventiva sempre irá avaliar todos os agentes danosos para o acervo. (CASSARES, 2000, p.14) 6

http://www.ifla.org/about-pac

Podemos dividir os agentes danosos em: 1. Extrínsecos ao acervo, que são: a) causas químico-físicas como agentes atmosféricos e circunstanciais (umidade, temperatura, luz, poluição); e b) os agentes biológicos (fungos, insetos, roedores e ação humana). 2. Intrínsecos ao acervo (originários da própria constituição do material de que é composto), que se trata da energia radiante, dos aditivos da celulose para virar pasta de papel, e demais gazes que, sob determinadas condições ambientais, são liberados pelos suportes dos documentos. Esses são os agentes danosos que mais contribuem para a deterioração dos documentos. O monitoramento periódico dos agentes danosos ao acervo é uma ação determinante para uma tomada de decisão no sentido de preservação do acervo. Dentro dos agentes danosos extrínsecos dos quais a conservação preventiva se ocupa destacamos os seguintes: exposição à luz, controle da temperatura, controle da umidade relativa – responsáveis por problemas químicos como oxidação e deterioração dos suportes, problemas biológicos: crescimento de fungos, bactérias e insetos, problemas físicos: alterações da estabilidade dimensional dos objetos. As condições de acondicionamento do acervo também são contempladas pela conservação preventiva. Criar níveis de armazenamento como contato primário, secundário e terciário, é a maneira mais indicada de proteger os documentos contra poeira, manuseio e mudanças climáticas, por exemplo. É preciso ter muito cuidado com as especificações técnicas dos materiais de guarda, sempre se deve utilizar material neutro e estável para a manufatura de caixas e envelopes armazenadores. A poeira, por exemplo, causa problemas de ordem estética e constitui-se em um meio propício ao desenvolvimento de microrganismos. Como a preservação dos documentos está diretamente relacionada às condições em que esses materiais estão guardados, resguardar o Acervo de agentes danosos é uma tarefa que requer cuidados específicos e profissionais. A reserva técnica de um acervo necessita de supervisão constante, referente ao espaço físico e condições ambientais como oscilação de temperatura, limpeza e preservação contra insetos. As peças necessitam de materiais específicos utilizados no seu acondicionamento, como papéis, envelopes e pastas de material desacidificado/neutro, prevenindo assim sua deterioração. (OGDEN, 2001a) O acervo Rui Spohr foi composto ao longo dos últimos sessenta anos, período em que o papel era produzido com polpa de celulose em meio ácido. Esse processo se estendeu até o

final dos anos 1990 gerando uma grande massa documental com papéis muito frágeis. Quando somamos estes elementos: lignina da celulose e ácidos do processo de fabricação, temos como resultado reações ácidas que deterioram gradativamente o papel pela oxidação até um ponto de irreversibilidade observado facilmente pelo seu aspecto quebradiço. A acidificação do papel é potencializada pelas condições ambientais adversas gerando manchas e comprometendo a sua durabilidade. O armazenamento inadequado pode causar danos devido às forças físicas oriundas da gravidade, causando assim riscos irreparáveis aos documentos. O principal agente agressor que afeta a estrutura do material, na maioria das vezes, é o armazenamento impróprio, causando rasgos, quebras e rupturas. Além dos elementos oxidantes característicos do papel produzido em meio ácido, a incidência de luz e oscilações de temperatura e umidade contribuem para aceleração da degradação química. O acondicionamento da amostra Dentro do projeto de acondicionamento físico das peças do acervo, a primeira etapa a ser desenvolvida é o mapeamento da infraestrutura necessária para guarda do mesmo. O mapeamento dos materiais necessários para guarda dos documentos da amostra previu a aquisição dos seguintes materiais especializados para conservação dos documentos: 

Contato primário – envelopes a base de poliéster e de papel neutro manufaturadas para envolver os documentos.

 Contato secundário – caixas a base de papel neutro capazes de proteger os diferentes formatos de documentos dos agentes biológicos e ambientais. 

Nessa amostra não foi realizada a proteção de contato terciário (mobiliário, arquivos e estantes).

O acondicionamento e o manuseio adequado são fatores decisivos para a preservação dos documentos. O contato primário da guarda é a primeira barreira contra os agentes danosos proporcionando uma proteção para a radiação ultravioleta, as oscilações de umidade e temperatura e a poeira. (OGDEN, 2001b) Tais ações vêm atuando na prevenção de agentes causadores de deterioração com o objetivo de evitar danos irreversíveis ao acervo. A proposta para o acervo em questão é um conjunto de ações capazes de retardar a degradação dos suportes e dos documentos, desde o controle das condições ambientais nas áreas de guarda, bem como os materiais utilizados na armazenagem, acondicionamento e manuseio das peças.

Figuras 5 e 6 : Acondicionamento da amostra

Fonte: Reckziegel Acervos.

A digitalização da amostra Digitalização significa a conversão em imagem, por dispositivo eletrônico (escâner ou câmeras digitais), para o formato digital de um documento originalmente não digital. Por que digitalizar? • Contribuir para o amplo acesso e disseminação dos documentos por meio da Tecnologia da Informação e Comunicação; • Promover a difusão e reprodução dos acervos não digitais, em formatos e apresentações diferenciados do formato original; • Propiciar a preservação e segurança dos documentos originais que estão em outros suportes não digitais, por restringir seu manuseio. O processo de digitalização foi realizado nas instalações do Acervo. Captura digital da imagem - Câmera digital Recomenda-se o uso de câmeras de médio e grande formato para geração de representantes digitais de alta qualidade, e para a captura digital de documentos em grandes formatos. Foi utilizada mesa de reprodução, para a garantia do paralelismo necessário à uma boa qualidade da imagem digital gerada. (OGDEN, 2001c) O processo de captura digital da imagem foi realizado com o objetivo de garantir o máximo de fidelidade entre o representante digital gerado e o documento original, levando em consideração suas características físicas, estado de conservação e finalidade de uso. Para isso,

seguiremos a TABELA do CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS – CONARQ sobre recomendações para digitalização de documentos arquivísticos permanentes – 2010.7 Os equipamentos utilizados possibilitaram a captura digital dos documentos de forma a garantir a geração de um representante digital que reproduza, no mínimo, a mesma dimensão física e cores do original em escala 1:1, sem qualquer tipo de processamento posterior através de softwares de tratamento de imagem. A opção em não empregar estes equipamentos para captura digital de documentos com sistemas de alimentação automática, também conhecidos como escâneres de produção, devese ao risco potencial de danos físicos e de redução da longevidade de documentos originais, em virtude do modo de operar de seus dispositivos mecânicos e ópticos, uma vez que é irreversível o modo de operação no momento quando estão em contato com o documento original. Devido a esses fatos, não optamos pela utilização desses equipamentos. Fotografia: Processo de digitalização da amostra

Fonte: Reckziegel Acervos

Rui na Rhodia: a importância desta ação de conservação O acervo particular de Rui Spohr traz um rico panorama histórico da moda e, pela sua importância, merece e deve ser colocado à disposição do público em geral e de pesquisadores 7

Tais recomendações estão disponíveis em: http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/images/publicacoes_textos/Recomendacoes_digitalizacao_completa.pdf

da área especializada. Atualmente, encontra-se sob a guarda da família, que por anos guardou e organizou o acervo. Porém, sem receber os devidos cuidados técnicos, o conjunto documental corre sério risco de se deteriorar mais do que já se deteriorou com o passar do tempo. Ao longo dos anos muitas peças desse acervo passaram por danos físicos e perdas de identificação, situação que necessita ser revertida o quanto antes. Do ponto de vista técnico, foram identificados danos que acometem as coleções como: deformação por acondicionamento inadequado, soltura de encadernações a base de cola, ferragens oxidadas, rasgos, uso incorreto de fita adesiva, costuras rompidas, folhas dobradas, manchas de umidade, fadiga de elásticos das pastas. O trabalho de conservação preventiva deste acervo é fundamental para que ele possa ser pesquisado assim como para que suas obras continuem em condições de serem expostas e consultadas. Apesar da escassez de recursos e políticas públicas que visam a conservação de acervos- o que acaba por impactar diretamente nas instituições ligadas à memória e ao patrimônio- o conjunto de documentos sob guarda da família Spohr merece atenção não apenas por testemunhar as mudanças e evoluções da moda brasileira, mas por também por refletir, de maneira singular, as transformações nas dinâmicas de usos, costumes e sociabilidade da cidade de Porto Alegre. Além disso, devido a longa trajetória, construída por atuação marcante, Rui acabou por tornar-se forte referência, ingressando, de certa forma, no imaginário social da moda produzida no sul do Brasil.

Referências: BONADIO, Maria Cláudia. O fio sintético é um show! Moda política e publicidade; Rhodia 1960-1970.2005. 268 F. Tese (Doutorado em História)- Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, 2005. ____________________. Moda é coisa de Museu?. Anais do 8º Colóquio de Moda. CASSARES, Norma Cianflone. Como fazer conservação preventiva em arquivos e bibliotecas. São Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa Oficial, 2000. Disponível em: < http://www.arqsp.org.br/arquivos/oficinas_colecao_como_fazer/cf5.pdf > Acesso em: 22 fev. 2016. CRANE, Diana. A moda e seu papel social, classe gênero e identidade das roupas. Trad. Cristina Coimbra. São Paulo: Ed. Senac, 2009.

____________Ensaios sobre moda, arte e globalização cultural. Org. Maria Lucia Bueno. São Paulo. Ed. Senac, 2011. KAWAMURA, Yuniya. Fashion-ology. An introduction to fashion studies. New York: Ed. Berg, 2005. LAPORTE, Marion. WAQUET, Dominique. La Mode. Paris. PUF, 2010. OGDEN, Sherelyn. Métodos de armazenagem e práticas de manuseio. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional / TheCommission on Preservation & Access, 2001. (Caderno Técnico, Planejamento e Prioridades, 1). Disponível em: < www.arqsp.org.br/cpba > Acesso em: 22 fev. 2016. OGDEN, Sherelyn. Meio ambiente. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional / TheCommission on Preservation & Access, 2001. (Caderno Técnico, Planejamento e Prioridades, 14 a 17). Disponível em: < www.arqsp.org.br/cpba > Acesso em: 22 fev. 2016. OGDEN, Sherelyn. O básico sobre o processo de digitalizar imagens. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional / TheCommission on Preservation & Access, 2001. (Caderno Técnico, Planejamento e Prioridades, 44). Disponível em: < www.arqsp.org.br/cpba > Acesso em: 22 fev. 2016. ROCHE, Daniel. La culture des apparences. Une histoire du vêtement. (XVIIe-XVIIIe siècle). Paris: Ed. Fayard, 1989. SPOHR, Rui; VIEGAS-FARIA, Beatriz. Memórias alinhavadas .Poro Alegre: Ed. Artes e Ofícios,1997.

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