O ACESSO DE COTISTAS NEGROS AOS CURSOS DE ALTO PRESTÍGIO NA UFPI: 2013-2016

May 24, 2017 | Autor: Lucas Ribeiro | Categoria: Racial and Ethnic Politics
Share Embed


Descrição do Produto

O ACESSO DE COTISTAS NEGROS AOS CURSOS DE ALTO PRESTÍGIO NA UFPI: 2013-2016 Lucas Vinícius Viana dos Santos Ribeiro¹

SINOPSE: O objetivo desse texto é analisar o acesso dos cotistas negros (pretos e pardos) aos cursos de alto prestígio social, cursos de alta concorrência no Sistema de Seleção Unificada(Sisu) e considerados cursos de elite, após a adoção da Lei de Cotas, a partir de 2013, na Universidade Federal do Piauí, na tentativa de traçar o perfil socioeconômico e acadêmico dos cotistas nesses cursos, bem como o acesso aos programas de assistência estudantil. A principal conclusão é que os cotistas, em geral, dos cursos analisados são majoritariamente negros. O perfil do cotista negro típico é: oriundo de escola federal no ensino médio, não tem mãe com ensino superior, tem renda familiar de até 3 salários mínimos, tem rendimento acadêmico acima de 8,0 pontos e não tem acesso ás bolsas de auxílio estudantil. Assim, conclui-se que para melhorar a inclusão desse grupo em cursos de alto prestígio na UFPI é necessário ter uma efetiva política de assistência estudantil que permita a manutenção dos alunos nos 6 cursos analisados: Arquitetura, Direito, Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica e Medicina, e assim os alunos negros consigam concluir suas graduações e obtenham inserção no mercado de trabalho, elevando a presença dos pretos e pardos nas profissões liberais e na elite econômica, conseguindo romper as hierarquias raciais vigentes no Brasil.

1.Estudante de graduação em Direito na Universidade Federal do Piauí (UFPI)

1.INTRODUÇÃO O objetivo desse texto é avaliar em que medida a inserção de negros nos cursos de elevado prestígio social na UFPI impacta o processo de democratização das universidades públicas, diversifica étnica e racialmente esses cursos, pode ser entendida como uma oportunidade de ultrapassar barreiras raciais simbólicas e como tal acesso via ação afirmativa pode resultar na mobilidade social ascendente de indivíduos negros ás profissões liberais, á elite econômica e a vários espaços-chave na sociedade, tanto do ponto de vista material, como também simbólico no contexto piauiense e brasileiro, além disso, quais os entraves enfrentados pelos cotistas negros nesses cursos, o acesso aos programas de assistência estudantil e o perfil socioeconômico desses alunos. Considerando que a presença de negros em cursos como Medicina, Direito e Engenharia é bem mais baixa que em outras carreiras universitárias e que nesses cursos a probabilidade de alcançar os postos melhor remunerados no mercado de trabalho é bem maior do que nas outras áreas de formação (Medeiros e Galvão, 2014) é natural chegarmos á conclusão de que parte das disparidades raciais no topo da distribuição de renda do mercado de trabalho brasileiro é causada por assimetrias raciais no acesso ás carreiras que predominam nesses estratos. De fato, a baixa presença de negros entre a elite econômica nacional é explicada em parte pela baixa presença dos pretos e pardos nos cursos de elite e também pela discriminação racial (Rocha, 2015) o que implica dizer que a democratização da educação e dos cursos superiores e a sua expansão entre a população negra é um ponto crucial para minorar a desigualdade entre negros e brancos no Brasil. As desigualdades étnico-raciais no contexto brasileiro são amplamente reconhecidas pelos inúmeros pesquisadores nacionais e estrangeiros que se dedicaram ao estudo das relações raciais no Brasil e seus impactos na inserção dos negros na sociedade brasileira nos últimos quarenta anos; tais assimetrias impactam inúmeras áreas da vida social desde o acesso á educação até a mobilidade social, dentre outros espaços sociais (Carvalhaes, Feres Júnior e Daflon, 2013;Carvalho, 2006; Covin, 2006; Dávila, 2003; Hasenbalg e Silva, 1998; Paixão, 2008; Rocha, 2015; Silva, 1980). Essas desigualdades foram ao longo do século XX e o são atualmente denunciadas pelos movimentos negros brasileiros (Santos, 2007) levando ao conhecimento da sociedade civil e da arena política a discriminação racial que os brasileiros negros enfrentam no país. O reconhecimento do racismo por parte da academia e da sociedade e as denúncias dos movimentos negros, que tinham como uma de suas principais pautas a ampliação da educação aos negros, fez com que conselhos universitários, assembleias legislativas e, em 2012, o Congresso Nacional criassem ações afirmativas, na maioria absoluta em forma de reserva de vagas (as chamadas cotas) para combater o racismo e ampliar a presença negra na universidade. Após esse contexto de discussão e implantação de cotas raciais na primeira década do século XXI no Brasil é que surge, em 2012, a lei 12711, a Lei de Cotas, que reserva 50% das vagas nas instituições federais aos oriundos do ensino público e também estabelece a proporcionalidade da presença de pretos, pardos e indígenas (PPI) entre os beneficiários das cotas. No Piauí o percentual de pretos, pardos e indígenas no estado é de 73,5% de acordo

com o Censo 2010 (Sales, 2012), assim, a maior parte das vagas reservadas pela lei de cotas será aos negros e indígenas. Em razão disso é preciso analisar como o acesso de cotistas negros aos cursos de alto prestígio na UFPI acontece e quais os desdobramentos dessa política. Assim, a análise pretende traçar um perfil do aluno cotista negro, estudante dos cursos pesquisados e os vários elementos relevantes da presença desse grupo na UFPI, como o desempenho acadêmico e a questão da permanência na universidade, além disso, abordaremos os impactos atuais e futuros, simbólicos e materiais da presença negra através das cotas nesses cursos historicamente ocupados por indivíduos brancos de classe média alta e da elite econômica piauiense e brasileira. 2.METODOLOGIA Para analisar os vários aspectos do acesso e inserção dos cotistas negros aos cursos de alto prestígio social na UFPI usaremos algumas categorias analíticas que necessitam de explicação prévia. A primeira delas é a categoria negra, para efeitos deste estudo, negros serão aqueles indivíduos que se autodeclararem de cor preta ou parda de acordo com a nomenclatura utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); a categoria branca será a junção dos autodenominados de cor branca e amarela (orientais) e indígena aqueles que assim se declararem. Assim as cinco categorias de cor ou raça usadas pelo IBGE: branca, parda, preta, amarela e indígena serão agrupadas em 3 grupos menores, o que se justifica tanto pelo baixo número de indivíduos que se classificam em alguns desses grupos, como também pela posição estrutural similar dos brancos e amarelos, como grupos com rendimentos mais altos que a média brasileira; dos pretos e pardos por apresentarem rendimentos e níveis educacionais muito próximos (Silva, 1980) e por serem igualmente afetados pela discriminação racial (Santos, 2007). Assim o grupo que será o foco da análise serão os cotistas negros beneficiários da Lei de Cotas entre 2013.1 e 2016.2. Embora os alunos selecionados no período de 2016.2 ainda não estejam cursando as disciplinas na universidade o processo seletivo já foi feito e a análise quantitativa e qualitativa que inclua esse período foi feita levando em conta os limites trazidos por esse fato. Consideraremos 6 cursos, de um total de 79 oferecidos no Sisu 2016.1, os cursos são os seguintes: Arquitetura, Direito, Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica e Medicina. Todos tiveram notas de corte superiores a 700 pontos no ENEM na seleção feita pelo Sisu em 2016.1 e também estão na categoria de cursos de elite, ou seja, cursos onde a probabilidade de alcançar o 1% mais rico dos trabalhadores seja muito mais alta do que nas demais áreas de formação, de acordo com a literatura sobre o estudo dos ricos no Brasil (Medeiros e Galvão, 2014). Assim, neste estudo, curso de alto prestígio social pode ser definido como aquele curso universitário que apresenta as duas características seguintes: é classificado como curso de elite segundo Medeiros e Galvão (2014) e também tem elevada competição no ingresso, medido pela nota de corte no Sisu. Outros cursos de engenharia e o curso de Economia da UFPI, apesar de serem classificados como cursos de elite, não foram analisados por não preencherem o requisito da nota de corte, do mesmo modo, o curso de Odontologia também não fará parte dos cursos analisados, embora tenha alta nota de corte, por não ser classificado como curso de elite.

Para analisar o perfil socioeconômico de cotistas e não cotistas, assim como o rendimento acadêmico desses dois grupos nos cursos um questionário foi aplicado aos cotistas e não cotistas para chegarmos a uma amostra representativa desses alunos. Os demais dados foram conseguidos no site da própria UFPI através de editais e notícias da instituição e de jornais piauienses e nacionais. A amostra consiste em 90 indivíduos: 40 não cotistas e 50 cotistas. O primeiro grupo representa 2,96% dos 1350 não cotistas que ingressaram no período. Os 50 cotistas representam 8,09% dos 618 cotistas ingressantes nos 4 primeiros anos de vigência da lei de cotas na UFPI nos 6 cursos analisados. Nem todos eles responderam a todos os quesitos do questionário, ou por não poderem oferecer com precisão alguns dados ou por se recusarem a tal, contudo, a maioria absoluta respondeu a todas as questões de modo que a não resposta a alguns dos quesitos aconteceu em uma parcela ínfima dos casos. O questionário foi aplicado entre os dias 09 de Maio e 10 de Junho no Centro de Tecnologia (CT) e no Espaço Integrado, entre o Centro de Ciências da Educação (CCE|) e a Biblioteca Central na Universidade Federal do Piauí (UFPI), além desse método foi disponibilizado o link do questionário online, com as mesmas questões e colocado em grupos da rede social Facebook, tanto grupos de alunos da UFPI como um todo, como também os grupos específicos de cada um dos cursos, as respostas de ambos os métodos de abordagem foram agrupadas posteriormente em uma única amostra para cada grupo, isto é, uma para o grupo de cotistas e outra para os não cotistas. 3.RESULTADOS Para traçar um perfil dos cotistas negros que ingressaram nos quatro primeiros anos de vigência da Lei de Cotas algumas variáveis serão analisadas passo a passo a partir dos dados colocados nas tabelas baixo, pois, o objetivo primordial é entender quem são os cotistas que estão inseridos nos cursos mais concorridos da UFPI. Quanto á variável étnico-racial os resultados obtidos na amostra nos levam à várias conclusões. A primeira delas se refere à diversificação racial dos cursos de alto prestígio visto que a presença de negros entre os cotistas é muito mais alta que entre os não cotistas.

Tabela 1. Cor ou raça nos cursos de alto prestígio (%)

Negros Brancos Indígenas Fonte: Pesquisa direta

Não Cotistas 52,5 47,5 0,0

Cotistas 88,0 12,0 0,0

Tendo como base o último censo demográfico do IBGE, de 2010 podemos analisar a representação étnica entre os não cotistas, assim, vemos que os negros estão subrepresentados visto que são 73,41% da população, os indígenas tem representação nula, devido a baixíssima presença no Piauí 0,09% da população; por fim, os brancos estão sobre-

representados pois sendo 26,49% dos piauienses (Sales, 2012) tem representação de quase o dobro do esperado pois são mais de 47% dos alunos. É importante ressaltar, contudo, dois elementos importantes: a maior representação de brancos já era esperada, pois todas as estatísticas oficiais e pesquisas no contexto brasileiro enxergam vantagens desse grupo frente ao segmento negro; e a outra é o fato de que pouco mais da metade dos alunos desses cursos seria composta de negros, independente da política de cotas. Em relação ao segundo elemento, a expressiva representação negra nesses cursos pode ser entendida da seguinte forma: primeiro, esse percentual (52,5%) é mais de 20 pontos percentuais menor do que a presença negra na sociedade piauiense como um todo, em segundo lugar, essa presença vista como expressiva é resultado da influência do peso demográfico do grupo negro na população geral, que pode nos trazer uma falsa impressão de permeabilidade desses cursos na UFPI; para resolver esse problema, causado pela representação estatística, faremos o cálculo da odds ratio (razão de chances); essa estimativa nos permite ter um melhor entendimento sobre representação de grupos com pesos demográficos distintos (Bland e Altman, 2000), pois consegue demonstrar a frequência de um grupo em relação a outro em um determinado lugar como se os grupos tivessem o mesmo tamanho. Assim, calculando a probabilidade de que uma pessoa branca residente no Piauí fosse estudante de um curso de alto prestígio na UFPI comparativamente à um negro piauiense faremos o seguinte cálculo: a/b= c ; d/e= f; e, x= c/f. Assim, nessa equação o percentual de brancos nos cursos de alto prestígio=a; o percentual de brancos no Piaui=b ; e c será o coeficiente de representação dos alunos brancos frente ao contingente branco no estado. Do mesmo modo, d será o percentual de alunos negros; a proporção de negros no Piauí= e; e f será o coeficiente de representação dos alunos negros vis-à-vis o grupo negro no estado. Então x será a razão de chances (odds ratio) de um indivíduo branco de frequentar um curso de alto prestígio na UFPI comparativamente a um negro. Após isso chegamos ao seguinte resultado: a razão de chances é igual a 2,51 vezes. Em outras palavras, a despeito de termos 52,5% de negros entre os não cotistas, os brancos ainda tem mais que o dobro de chances de ingressar nesses cursos do que a população negra, pois esta ainda tem uma presença mais de 20% aquém do que deveria, pois, 73,41% dos piauienses são negros. Outra explicação dessa grande presença negra pode ser a alta presença relativa de negros na classe média alta piauiense, tal representação é apenas relativa, mais uma vez explicada pelo alto peso demográfico de negros no estado e não por uma maior permeabilidade dessas classes no Piauí; é preciso destacar que a maioria dos negros piauienses são pobres, segundo estudo feito por pesquisadores do IPEA (Matijascic e Silva, 2014), em 2012, 91,8% dos pretos e pardos no estado vivem em famílias com renda familiar per capita de até 1,5 salários mínimos, seja, considerando-se uma família com 4 membros, teremos então o resultado de 6 salários mínimos, este é o nível de renda que raramente as famílias negras piauienses ultrapassam. Analisemos agora a representação de negros entre todos os cotistas dos cursos de alto prestígio da UFPI, disponível na tabela 1. Vimos então que 88% dos cotistas são negros e 12% brancos; é sobre esses cotistas negros que a análise desse texto, principalmente nas próximas tabelas e discussão de dados será feita. Então, entre os cotistas, os negros estão mais representados que na população piauiense como um todo, em parte isso é esperado

devido à reserva proporcional para cotas raciais dentro da Lei de Cotas; os negros que concorrem no Sisu como cotistas podem optar pelas cotas sociorraciais ou pelas cotas puramente sociais, assim, essa proporção é facilmente explicada pelo próprio modelo de seleção nas cotas. No período de 2013.1 à 2016.2 foram ofertadas 618 vagas para cotistas nos 6 cursos analisados, dessas, 506 (81,88%) estavam na modalidade de cotas raciais (UFPI, 2013, 2014, 2015 e 2016); esse percentual de vagas para cotas raciais entre todas as vagas de cotas é quase nove pontos percentuais superior ao peso dos PPIs no estado, entretanto, isso se deve aos arredondamentos que são feitos nos editais para garantir o cumprimento das subcotas raciais. Observando o percentual de brancos (12%) vemos que estão menos representados que na população geral, entretanto, eles só estão menos representados devido aos percentuais reservados às cotas raciais, das quais eles não são sujeitos de direito; quando analisamos a presença de brancos apenas dentro do grupo de cotas sociais, sem recorte racial, vemos que eles estão muito representados. Se 18,12% das vagas das cotas são sem recorte racial e o percentual de brancos é de 12%, e ainda considerando que eles apenas podem concorrer à essas vagas e não às cotas raciais, chegamos aos seguintes números entre os cotistas: 81,88% de negros cotistas raciais, 12% de brancos cotistas sociais e 6,12% negros cotistas sociais. Assim, entre os cotistas sociais há 2/3 de brancos e apenas 1/3 de negros, essa proporção é bem distante da realidade das escolas públicas piauienses, pois, em 2010, 76,1% dos alunos dessas escolas eram negros ou indígenas (Carvalhaes, Feres Júnior e Daflon, 2013), e apenas 23,9% brancos, de acordo com um estudo que analisava o impacto da lei de cotas nos estados. Essa desproporção nos leva a reconhecer que as críticas dos membros dos movimentos negros de que as desigualdades raciais não se restringem à desigualdade de classe (Santos, 2013), e que ações afirmativas de recorte racial são necessárias, pois, sem elas um número muito menor de alunos negros seriam beneficiados, já que as políticas de ação afirmativa para pobres não alcançam os negros pobres, os mais pobres dentre os pobres; usando os dados do Censo 2010 sobre renda por cor ou raça, Santos (2013) afirma haver grandes diferenças raciais em todos os quantis de renda, demonstrando a similaridade entre pretos e pardos e a grande distância desses dois grupos daqueles que se declararam brancos. Isso justifica, portanto, que as cotas raciais são necessárias mesmo em políticas afirmativas direcionadas aos pobres, pois embora estes sejam majoritariamente negros a disparidade racial faz com que os brancos se beneficiem desproporcionalmente dessas políticas. Em relação à população negra, que neste estudo corresponde a soma dos pretos e pardos, junção feita em vários estudos sobre a questão racial no Brasil (Carvalho, 2006; Covin 2006; Santos, 2013; e Rocha 2015), vemos como necessária uma análise do ingresso desses dois subgrupos nos cursos de alto prestígio uma vez que em Teresina há uma maior distância de rendimentos entre pretos e pardos do que no país como um todo, algo que será discutido em outra parte desse texto. Assim, entre os cotistas havia 88% de negros, sendo 68% pardos e 20% pretos; comparando essas proporções com as encontradas no Censo 2010 veremos que há 64,02% de pardos e 9,39% de pretos no Piauí (Sales, 2012) . A partir disso vemos que os pardos estão ligeiramente sobre-representados enquanto os pretos tem uma representação duas vezes maior que a sua proporção entre a população estadual. Há duas hipóteses explicativas

para essa maior representação dos pretos; a primeira delas se refere ao fato de que há um escurecimento com a educação no Brasil (Marteleto, 2012), ou seja, a medida que os nãobrancos alcançam níveis educacionais mais altos esses indivíduos tendem a se classificarem como pretos ao invés de pardos em proporção maior do que normalmente fariam se não houvessem alcançado aqueles níveis educacionais, pensamos, portanto, que isso se aplica aos cotistas, pois esses estão em processo de mobilidade social ascendente e avançando no processo de escolarização; a segunda explicação é que de fato há uma maior proporção de beneficiários de da lei de cotas que são pessoa negras de pele mais escura pois a literatura sobre cotas raciais no Brasil mostra que os estudantes de pele mais escura tem uma maior probabilidade de se beneficiarem das cotas raciais ( Francis e Tannuri-Pianto, 2009). Assim, ainda que haja desigualdade no interior da comunidade negra teresinense entre negros de pele clara (pardos) e negros de pele escura (pretos) , a política de cotas raciais contribui não apenas para minorar as desigualdades entre negros e brancos, como também para diminuir as hierarquias de cor dentro da comunidade negra nessa cidade, ao beneficiar em proporção um pouco maior as pessoas negras de pele mais escura. De maneira geral, vimos na tabela 1 que há 88% de negros entre os cotistas, percentual considerável que ajudará a elevar a presença negra nos cursos de alto prestígio social na UFPI, onde os brancos estão sobre-representados. A partir de agora, após essa apresentação da forte presença negra entre os cotistas iremos analisar, no restante do texto, apenas dois grupos: cotistas negros e não-cotistas. Quanto a origem escolar no ensino médio, disponível na tabela 2, vemos que os não cotistas são quase todos oriundos de escolas privadas ao passo que os cotistas negros vêm principalmente de escolas federais, mostrando a importância da origem escolar para o ingresso ou não nos cursos mais concorridos da UFPI, uma vez que entre os ingressantes que não se beneficiaram das cotas há apenas 5% de oriundos do ensino público. como é possível observar na tabela 2. Tabela 2. Tipo de escola onde concluiu o ensino médio (%) Não cotistas

Cotistas negros

Particular

95,0

0,0

Federal

2,5

65,1

Estadual/Municipal

2,5

34,9

Fonte: Pesquisa direta Reiteramos aqui que a origem escolar no ensino médio é um forte preditor de acesso aos cursos mais concorridos nas universidades públicas uma vez que 95% dos não cotistas estudaram em escolas particulares no ensino médio, essa proporção é muito distante da realidade dos estudantes do ensino médio no Piauí, onde 88,7% estudam em escolas públicas

e apenas 11,3% em escolas privadas (Carvalhes, Feres Júnior e Daflon, 2013) . Esses dados revelam o acerto da Lei de Cotas ao reservar metade das vagas aos alunos de escolas públicas, pois estudar nessas escolas significava ter quase nenhuma chance de conseguir ingressar em Direito, Medicina ou Engenharia na UFPI; ainda que contra as cotas para alunos de escolas públicas possam argumentar que a necessidade principal é melhorar o ensino na rede ao invés de cotas, é preciso pontuar que, para efeitos da democratização do ensino superior, políticas emergenciais como essas são tão importantes quanto a melhoria da escola pública que levará no mínimo 12 anos (9 anos no ensino fundamental e 3 no ensino médio) para oferecer uma educação de qualidade aos alunos e coloca-los em posição de igualdade na competição pelas vagas das universidades públicas, sustentadas com os impostos de todos os contribuintes, e que, portanto, devem servir à toda a sociedade. Em relação aos cotistas negros, temos 65,1% de alunos oriundos de escolas federais e 34,9% de escolas estaduais. Essa forte presença de alunos das escolas federais tem vários fatores explicativos, alguns evidentes, outros não; o primeiro se refere à maior renda familiar entre os alunos das escolas federais, onde parte da classe média alta brasileira estuda (Santos,2013), e que se correlaciona de maneira eficiente com a boa qualidade dessas escolas, que usam testes de ingresso para selecionar os seus alunos, muito diferente das escolas públicas regulares (estaduais/municipais), que tem um alunado não selecionado, na maioria esmagadora dos casos, e de renda muito mais baixa que seus pares das escolas privadas e federais. A outra explicação se relaciona em parte com a anterior, mas tem um componente próprio que independe do nível socioeconômico: a concentração dos alunos das escolas federais em Teresina, a capital piauiense, onde estão todos os 6 cursos analisados ; os alunos de escolas federais, ao viverem desproporcionalmente em Teresina já tem uma vantagem para concorrer às vagas na UFPI, pois, não terão que calcular os custos do deslocamento do interior do Piauí para a capital, e no caso de dois candidato às cotas com nota igual, é mais provável que um aluno teresinense de escola federal se matricule no curso do que um outro do interior do Piauí, de escola estadual e de família mais pobre que a do primeiro. Um terceiro fator é uma prática de corrupção comum entre os alunos de escolas federais, muito melhor informados sobre a política de cotas, que costumam se valer do método de seleção do Sisu para garantir que seus colegas de turma sejam aprovados no curso que desejam. Para entender como essa prática acontece é preciso compreender como o processo de seleção de alunos ocorre no Sisu; é um sistema informatizado, gerido pelo Ministério da Educação (MEC) , que disponibiliza as vagas das instituições credenciadas no sistema; durante três dias os alunos tem a possibilidade de escolher até 2 opções de curso, vendo no dia posterior qual a sua posição de classificação no curso escolhido e mudar ou permanecer concorrendo, além disso, o Sisu também mostra a nota de corte, ou seja, a nota de último classificado dentro do número de vagas disponíveis, essa nota tem origem na nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM); assim, os alunos das escolas federais combinam entre si para que aqueles com notas maiores concorram para o curso onde um amigo de nota menor quer ser classificado dentro do número de vagas mas acredita não ter nota suficiente para tal, assim digamos que um aluno da escola federal tenha uma nota de 730 pontos e o seu colega da mesma escola tenha 660: eles combinam para concorrer para o mesmo curso de modo a elevar a nota de corte, tirando concorrentes com nota maior do que aquele dos 660 pontos, mas que não sabem que alguns daqueles com notas

altas sairão da competição no último dia do Sisu (onde a escolha será a final). Essa prática foi informada por um aluno oriundo de escola federal que respondeu ao questionário da amostra analisada nesse estudo e, por motivos éticos, não será informado o seu nome. Em face dessa prática e de seus resultados Os mais prejudicados são os alunos das escolas estaduais que não terão acesso aos cursos mais concorridos através das cotas e ainda pensarão não terem entrado pela superioridade académica dos alunos das escolas federais, quando na verdade poderiam perfeitamente competir e serem aprovados. Para os alunos escolas estaduais, do interior e muito pobres a desigualdade é ainda maior, pois não serão aprovados graças ao esquema fraudulento dos alunos das escolas federais e caso sejam aprovados poderão não ir fazer a matrícula em Teresina devido aos custos de moradia e manutenção, se inscreverão possivelmente no Prouni, em uma faculdade particular na própria cidade, quando esta dispuser de uma, e ficarão de fora dessa política afirmativa. Assim, embora as escolas federais de fato tenham maior qualidade na educação como demonstrado pelas notas médias mais elevadas que a das escolas particulares no ENEM 2014 (G1, 2016) isso por si só não explica essa desproporção com que os oriundos dessas escolas estão representados entre os cotistas nos cursos de alto prestígio da UFPI visto que são apenas 2,67% dos alunos de escolas públicas que fizeram o ENEM 2014, totalizando 30 411 candidatos concluintes, enquanto os alunos de escolas estaduais/municipais são 97,33% dos alunos da rede pública que prestaram o exame, sendo 1 106 561 indivíduos. Tal predomínio não é encontrado apenas na UFPI, mas também nos cursos de engenharia da UFRJ, para citar apenas um caso (Novaes e Vargas, 2015). Ao calcularmos a razão de chances de um aluno de escola federal de ingressar nos cursos analisados na UFPI vemos que a odds ratio é 68,0 vezes favorável aos alunos de escolas federais, demonstrando a sub-representação dos alunos das demais escolas públicas. Embora a baixa presença de alunos das escolas estaduais possa ser vista como uma disfunção na política de cotas, precisamos compreender que, a despeito disso, a representação desses alunos está longe de ser nula, pois eles são mais de um terço dos cotistas, além disso, desde que inclua negros e pobres e principalmente negros pobres no ensino superior tal inclusão é, por si só, um avanço inegável, independente de serem oriundos de escolas estaduais ou não. Em suma, a origem escolar é um fator muito importante no acesso ao ensino superior, como evidenciado na tabela 2, sendo fundamental a garantia da presença de alunos de escolas públicas, trazida pela lei 12711/12. Partindo dessa constatação abordaremos na tabela 3 a razão de chances (odds ratio) de ser beneficiário das cotas nos cursos de alto prestígio da UFPI, de acordo com a origem escolar, e também as chances por esse aspecto entre os não cotistas. Tabela 3. Razão de chances de ingresso por origem escolar. Escola Particular Escola Pública Escola Federal

Não cotistas 149.14 -

Cotistas

68.00

Escola Estadual/Municipal Fonte: Elaboração própria a partir dos dados obtidos por pesquisa direta. A partir da estimativa feita nesta tabela, utilizando a odds ratio, cálculo estatístico que prevê a probabilidade de representação de um grupo frente a outro, vimos que a probabilidade de um aluno oriundo de escola particular ingressar nos cursos de alto prestígio é 149 vezes maior que os alunos das escolas públicas (federais, estaduais e municipais), em outras palavras, os 95% de alunos de escolas particulares encontrados entre os não cotistas dessa pesquisa são uma representação desproporcional desse grupo visto que apenas 11,3% dos secundaristas piauienses estudam em escolas particulares, estando 88,7% em instituições públicas de ensino médio (Campos, Feres Júnior e Daflon, 2013) o que demonstra as enormes vantagens comparativas de ser estudante de uma escola privada no estado do Piauí na competição por vagas no ensino público. Assim, se com a adoção das cotas a desvantagem dos oriundos de escolas públicas diminuiu, essa menor desvantagem não tem o mesmo significado no interior das escolas públicas, sendo as cotas muito mais benéficas aos oriundos de escolas federais posto que estes tem 68 vezes a probabilidade de serem beneficiados pela Lei de Cotas que os alunos de escolas estaduais e municipais. Essas estimativas da tabela 3 foram produzidas a partir do cálculo probabilístico usando os dados do Censo 2010 sobre a origem escolar dos estudantes piauienses descritos por Carvalhaes, Feres Júnior e Daflon (2013) e cruzando com os dados encontrados na amostra aqui analisada, para o caso dos não cotistas; em relação a análise entre diferentes redes de escolas públicas os dados são sobre a proporção de alunos de escolas federais e estaduais/municipais, disponibilizado pelo portal de notícias G1 (2016) e foi feito o cruzamento com os dados encontrados entre os cotistas negros analisados; as categorias omitidas (categorias de comparação) foram representadas por um traço. Portanto, essa técnica foi necessária, pois permitiu analisarmos melhor a razão de chances de ingresso por origem escolar em cada modalidade de ingresso, tal técnica estatística também é utilizada em inúmeros estudos quantitativos, dentro os quais o de Medeiros e Galvão (2014) que estimava a probabilidade de se fazer parte do grupo dos ricos a partir de características educacionais, de género, cor e região; portanto, a odds ratio consegue explicar eficazmente a interação de fatores entre grupos distintos. Contudo, reiteramos que a desproporção de alunos de escolas federais não constitui demonstração de ineficácia da lei de cotas, pois há um alto percentual de negros e de pobres entre os cotistas, o que demonstra a eficiência dessa lei em minorar as desigualdades raciais e de classe. Os próprios dispositivos presentes na lei 12711/12 contribuem para que a política de cotas não seja disfuncional ao estabelecer critério racial e de renda; como já vimos que parte da classe média alta brasileira estuda em escolas federais é bem provável que os cotistas oriundos de escolas estaduais estejam mais representados entre os cotistas que entraram pelo critério de renda familiar per capita de até 1,5 salários mínimos per capita, ao passo que os alunos de escolas federais, com renda mais alta sejam selecionados na parte de vagas de cotas que não estabelecem critérios de renda, como também evidenciado na UFRJ (Novaes e Vargas, 2015). Outro elemento importante na análise do perfil dos cotistas negros se refere à escolaridade materna desses alunos. Essa variável é utilizada como uma proxy para o nível sociocultural

das famílias e o acesso ou não aos espaços e conhecimentos que influenciam o aprendizado, pois, segundo Bourdieu (1998) o capital cultural consiste em uma maior familiaridade com os conhecimentos e práticas sociais relevantes na aquisição do conhecimento acadêmico. Em relação à isso, a tabela 3 nos traz o nível mais alto de escolaridade concluído pelas mães dos cotistas negros e de não cotistas. O primeiro aspecto a destacar é que os não cotistas são majoritariamente formados por alunos cujas mães tiveram acesso ao ensino superior, enquanto entre os cotistas negros a maioria é a primeira geração na universidade. Tabela 4. Escolaridade Materna (%)

Mestrado ou Doutorado Graduação Ensino médio Menos que ensino médio Fonte: Pesquisa Direta

Não Cotistas 17,5 57,5 25,0 0,0

Cotistas Negros 5,3 21,1 52,6 21,1

Um aspecto importante presente nos dados sobre a escolaridade materna desses alunos é que ambos os grupos tem mães muito mais escolarizadas do que a população brasileira como um todo, sendo que os cotista negros estão em desvantagem frente aos não cotistas apenas, mas não em relação à população nacional como um todo, independente da cor ou raça, como veremos nas comparações dos parágrafos seguintes. A presença de mães pós-graduadas, por exemplo, é bem alta em ambos os grupos, pois 17,5% dos não cotistas e 5,3% dos cotistas negros tem mães com essa escolaridade; se levarmos em consideração que apenas 1% dos trabalhadores brasileiros entre 25 e 64 anos de idade, em 2010, tinham pós-graduação, sendo 0,3% doutores e 0,7% mestres (Medeiros e Galvão, 2014) veremos que essa presença é bem alta entre as mães desses alunos. É bem provável que parte dessas mães pós-graduadas sejam professoras universitárias ou ocupem outros espaços de alta remuneração no mercado de trabalho brasileiro, pois, segundo Galvão e Medeiros (2014) 13% dos mestres e 18,8% dos doutores eram ricos, ou seja, estavam entre o 1% mais rico dos trabalhadores brasileiros que em 2010 significava ter salário mensal de no mínimo onze mil reais (21,57 salários mínimos, naquele ano) . Embora possamos considerar que a alta presença de mães pós-graduadas entre os cotistas negros seja devido ao tamanho da amostra, uma vez que dois dos trinta e oito cotistas que responderam o item declararam que a mãe tinha esse nível de escolaridade; entretanto é possível afirmar que essa presença não seja mera causalidade estatística, primeiro porque as mães com essa mesma qualificação são três vezes mais frequentes entre os não cotistas, em segundo lugar, porque parte das cotas não tem critério de renda, sendo 25% para baixa renda e 25% independentemente da renda, e a classe média negra e indígena da escola pública tem uma probabilidade altíssima de ser beneficiada pela Lei de Cotas em relação aos outros grupos, principalmente nos estados do Nordeste, onde os negros e indígenas de baixa renda são mais numerosos ( Carvalhes, Feres Júnior e Daflon, 2013), assim, não nos causa surpresa essa representação de mães pós-graduadas entre os cotistas negros, a isso se soma o fato de que a elite da classe média negra tende a ter aspirações bem altas em relação a que seus filhos ocupem espaços de alto prestígio social na sociedade, como evidenciado no estudo sobre negros aspirantes à carreira diplomática (Lima,

2005), onde esse subgrupo social estava muito representado em relação as outras camadas sociais da comunidade negra ; além disso, em números absolutos, poucos cotistas negros teriam mães pós-graduadas, se entendermos que essa amostra é representativa da população de cotistas negros ingressantes no período; assim teríamos 544 negros entre 618 cotistas dos cursos de alto prestígio, desses 544 apenas 29 teriam mães pós-graduadas, o que não é desproporcional visto que no Brasil 14,57% dos doutores e 18,81% dos mestres são negros (Santos, 2013) e há 705 mil mestres e doutores no Brasil (Estado de Minas, 2016) . Continuando a análise sobre a escolaridade materna temos 57,5% de graduadas entre os não cotistas e 21,1% entre os cotistas. A alta escolaridade materna já era esperada entre esses alunos visto que o capital cultural e o habitus familiar (Bourdieu, 1998) são muito importantes para o processo de escolarização dos indivíduos. Em relação aos trabalhadores brasileiros como um todo esse nível de escolaridade é mais alto entre as mães dos alunos desses cursos, mesmo entre o grupo dos cotistas negros, pois, apenas 14,3% dos brasileiros completaram a graduação (Medeiros e Galvão, 2014). Em relação ao ensino médio temos 25% das mães dos não cotistas, estas agora menos representadas do que na população geral, afinal, 30,7% dos trabalhadores brasileiros tem ensino médio concluído. Entre os cotistas negros, contudo, as mães com ensino médio predominam, sendo mais frequentes que na população brasileira como um todo, pois alcançam 52,6% da população de mães de cotistas negros, essa proporção indica algo importante: se a categoria com maior presença relativa de escolaridade entre as mães dos nãocotistas é a graduação, entre os cotistas negros o ensino médio tem o mesmo papel; essa assimetria representa o baixo acesso que historicamente a população negra tem ao ensino superior; para muitos pretos e pardos brasileiros o ensino médio é o máximo que conseguem alcançar, tanto pela maior pobreza vis-à-vis os brancos, como por uma inserção regional diferenciada, com maior peso no Norte e Nordeste (Sales, 2012), onde o acesso a educação é ainda menor que nas outras regiões; sobre a desigualdade racial na transição ao ensino superior, Carvalho(2004) informa que apenas 2,1% dos negros que concluíam o ensino médio no início da década de 2000 ingressavam no ensino superior enquanto 64% dos brancos o faziam. Quanto a escolaridade inferior ao ensino médio, ela é nula entre os não cotistas e é de 21,1% entre as mães dos cotistas negros; ainda assim, a presença no último grupo é inferior a proporção entre os trabalhadores brasileiros independente da cor ou raça, pois, 54% da população brasileira adulta tem menos que o ensino médio completo (Medeiros e Galvão, 2014) indicando que para ambos os grupos ter mãe com no mínimo ensino médio aumenta as chances de ingresso nos cursos de alto prestígio na UFPI. Somando graduadas, mestras e doutoras, o percentual de mães com nível superior completo é de 75% entre os não cotistas e 15,3% na população nacional, sendo a maioria no mínimo a segunda geração no ensino superior, alguns em processo de mobilidade social ascendente alcançando cursos que seus pais não alcançaram: os cursos de alto prestígio; outros são filhos da classe média alta e da elite econômica piauiense e estão reproduzindo as escolhas ocupacionais de seus pais para manterem as suas posições familiares e de classe. Entre os

cotistas negros, por outro lado, 73,7% são a primeira geração a ingressar no ensino superior, que desde a sua fundação no país excluí o contingente de pessoas negras dos bancos universitários, e que iniciou o século XXI com vergonhosos 2% de negros, 1% de orientais e 97% de brancos entre seus estudantes universitários (Carvalho, 2004), algo que mudou ao longo dos últimos 16 anos com ações afirmativas e a expansão do ensino superior, além de bolsas para alunos de baixa renda, como o Programa Universidade para Todos, que têm cotas raciais na sua seleção de bolsistas. Ainda assim, precisamos ressaltar que 26,3% dos cotistas negros tem mães com ensino superior completo, o que faz desse subgrupo uma elite em termos educacionais, tanto em relação à população nacional, como principalmente dentro da população negra, visto que apenas 4,7% dos pretos e 5,3% dos pardos adultos tinham nível superior completo, em 2010 (Santos, 2013) mostrando que a escolarização é um aspecto importante nas famílias desses cotistas negros e que isso explica, em parte, porque esses alunos ,e não outros, tiveram acesso a esses cursos após uma intensa competição no ingresso. A partir de agora analisaremos o desempenho acadêmico dos cotistas negros nos cursos analisados, comparativamente aos não cotistas, disponível na tabela 4. A divisão se dá em três faixas de notas, como pode ser observado na tabela 4. Tabela 5. Índice de Rendimento Académico por faixas de notas (%)

8,0 ou mais 7,0 a 7,9999 Menor que 7,0 Fonte: Pesquisa Direta

Não Cotistas 87,5 9,4 3,1

Cotistas Negros 58,8 29,4 11,8

Inicialmente é preciso entender porque essas três faixas de notas foram escolhidas para efetuarmos a análise. Na UFPI o Índice de Rendimento Academico (IRA) varia de 0 a 10 pontos, onde o valor de 8,0 pontos ou mais representa o valor considerado índice acadêmico de excelência, de acordo com a própria instituição de ensino, o índice de excelência acadêmica é, ao lado da participação em programa de iniciação científica e da nota mínima de 600 pontos, um dos três requisitos para a participação no Ciência sem Fronteiras (Csf), requisitos válidos para os alunos de graduação, além do Csf, estágios, programas de educação tutorial (PET), dentre outras oportunidades acadêmicas, são vinculadas à nota mínima de 8,0 pontos, o que significa que não ter essa pontuação diminuiu consideravelmente as possibilidades de participação em atividades acadêmicas e estágios no contexto da UFPI. Nesse sentido, os não cotistas tem essa pontuação em 87,5% dos casos e 58,8% dos cotistas negros também alcançam essa pontuação. Pode-se argumentar que, em face dos dados que dispomos, os cotistas negros estão tendo um desempenho inferior, entretanto, se analisarmos qualitativamente essas proporções perceberemos que o percentual de cotistas negros com notas inferiores aos não cotistas é de apenas 28,7% uma vez que apenas 12,5% dos não cotistas tem notas inferiores à 8,0 pontos e entre os cotistas negros a proporção é de 41,2%, portanto, a maioria absoluta dos cotistas negros (71,3%) tem rendimento acadêmico indistinto

dos não cotistas. Outro dado importante , para efeitos de comparação, é que os cotistas negros apresentam rendimento acadêmico superior aos alunos da UFPI, pois a mediana do IRA dos homens é de 7,8 pontos e das mulheres é 8,0 pontos na UFPI (Sousa, Neto e Nascimento, 2011) e quase 60% dos cotistas negros tem rendimento académico superior à mediana dos alunos da instituição, o que implica reconhecer que o argumento de que os alunos cotistas diminuiriam a qualidade acadêmica das universidades públicas não apresenta evidência empírica no contexto da UFPI. A próxima faixa a ser analisada é a de 7,0 e inferior a 7,9999 pontos. Essa faixa foi colocada levando em conta que 7,0 pontos é o mínimo necessário para que um aluno obtenha aprovação por média (AM) e não precise ser avaliado em um exame final (EF); como vimos no parágrafo acima, 8,0 pontos ou mais é o índice de excelência. Assim, essa faixa de notas engloba aqueles alunos que não são considerados excelentes pela UFPI e que ao mesmo tempo preenchem os requisitos mínimos de aprovação direita nas disciplinas cursadas. Nessa faixa se encontram 29,4% dos cotistas negros e 9,4% dos não cotistas; essa maior representação de cotistas nesse nível já é esperada uma vez que estão menos representados na faixa de notas acima de 8,0 vis-à-vis os não cotistas. Mais uma vez iremos analisar o desempenho global dos cotistas negros e não cotistas; considerando uma alternativa binária de notas, ou seja, igual ou superior a 7,0 pontos e menos de 7,0 pontos, temos o seguinte resultado: 96,9% dos não cotistas e 88,2% dos cotistas negros preenchem a nota mínima prevista pela UFPI para aprovação por média, assim, podemos afirmar que a diferença em favor dos não cotistas é ínfima, longe das previsões catastróficas apresentadas pelos contrários às políticas de ação afirmativas no período de debates sobre a implantação das cotas no Brasil (Santos, 2013); comparando os cotistas negros dos cursos de alto prestígio com os alunos da UFPI como um todo, a proporção de cotistas negros com nota igual ou superior à 7,0 é maior entre esses do que entre os alunos da UFPI visto que 88,2% dos cotistas negros ultrapassam essa pontuação ao passo que apenas 75% dos alunos de graduação na UFPI (Sousa, Neto e Nascimento, 2011) tem notas nessa faixa, mais uma vez os cotistas negros ultrapassam o padrão de notas dos alunos da instituição. Por fim, 3,1% dos não cotistas e 11,8% dos cotistas negros tem notas inferiores à 7 pontos. Entretanto, antes de tirar alguma conclusão sobre esses percentuais devemos compreender que há menos alunos dos cursos de alto prestígio com essas notas do que na média geral da UFPI onde 25% dos alunos tem nota inferior à 7( Sousa, Santos e Nascimento, 2011) o que demonstra que essas proporções encontradas entre os alunos dos cursos de alto prestígio não são tão altas. Outro ponto a ser destacado é que a maioria dos alunos nessa faixa de notas provavelmente tem um IRA acima de 6,0 pontos, pontuação mínima de aprovação por exame final ( EF) e portanto preenchem os requisitos de aprovação estabelecidos pela UFPI. Após as análises anteriores agora veremos o nível de rendimento das famílias dos não cotistas e dos cotistas negros. Na tabela 5 veremos que os não cotistas se concentram na faixa mais alta e na intermediária e os cotistas negros na intermediária e na mais baixa. Tabela 6. Renda familiar mensal bruta, por grupos de rendimento (%)

ATÉ 3 SALÁRIOS MÍNIMOS ENTRE 3 E 10 SALÁRIOS MÍNIMOS MAIS DE 10 SALÁRIOS MÍNIMOS

NÃO COTISTAS 15,0

COTISTAS NEGROS 52,3

45,0

43,2

40,0

4,5

Fonte: Pesquisa Direta Aqui vemos que na tabela acima a faixa de renda mais alta (10 salários mínimos ou mais) compreende 40% dos não cotistas e apenas 4,5% dos cotistas negros. Como a Lei de Cotas estabelece que 50% das vagas das instituições federais sejam para alunos de escolas públicas e faz um novo recorte: 25% para baixa renda e 25% independentemente da renda, totalizando 50% das vagas gerais, para a partir daí aplicar a proporção de PPIs, que varia de acordo com o estado, é perfeitamente normal que alunos com altos rendimentos sejam encontrados entre os cotistas, pois, não podendo ingressar nas vagas para alunos de baixa renda, os alunos de classe média que estudam em escolas públicas concorrem nas vagas para cotas que não tem recorte de renda. Ainda assim, há uma desproporção entre os não cotistas e os cotistas negros uma vez que os primeiros tem uma representação de aproximadamente 9 vezes maior na faixa mais alta de renda que os últimos; a alta representação dessa elevada faixa de renda nas universidades brasileiras em cursos como Medicina e Direito foi objeto de estudo de Ristoff (2013) que encontra representação similar à essa encontrada entre os não cotistas da UFPI para os mesmos cursos na média nacional, utilizando os dados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade); Ristoff, comparando essa faixa de renda com a população brasileira, encontra apenas 7% das famílias nacionais com esse nível de renda, o que demonstra uma representação quase 6 vezes maior das famílias brasileiras de alta renda nos cursos de alto prestígio social na UFPI. Embora entre os cotistas negros haja um menor percentual famílias com alta renda, isso se deve a dois fatores: o primeiro já descrito acima se refere ao recorte de renda em parte das vagas de cotas, o segundo fator é que essa proporção de 7% de famílias de alta renda se refere à média nacional, independente de raça ou cor e região; sabemos que os pretos e pardos tem renda média muito inferior aos brancos, que são quase metade da população nacional, pois, segundo Santos (2013), utilizando os dados do Censo 2010, o rendimento mensal dos trabalhadores pretos era de R$ 833,21, entre os pardos R$ 844,66 e entre os brancos de R$ 1535,94; além disso, os negros do estado do Piauí tem um rendimento muito menor do que a população nacional uma vez que os estados do Norte e Nordeste tem níveis de rendimento muito mais baixos (Sales, 2012) que nas outras regiões; no município de Teresina, em 2010, a renda média era de R$ 1789,00 para os brancos, R$ 1004,00 para os pardos e apenas R$791,00 para os pretos (IBGE, 2010) ainda que a renda média dos dois primeiros grupos seja superior à média nacional, contrariamente a hipótese aventada nesse texto, a presença de famílias de alta renda entre os alunos negros de escolas públicas teresinenses é certamente bem inferior ao percentual de 7% uma vez que no Brasil as pessoas de renda mais altas estão mais presentes em escolas privadas, o que mostra que esses pouco mais de 4% de cotistas

negros com alta renda podem estar em uma proporção muito maior de pessoas negras piauienses com esse nível de rendimentos ; isso é esperado uma vez que a classe média negra que estuda em escolas públicas é muito pequena e tem enormes vantagens comparativas na competição com os negros de baixa renda da mesma rede, no que diz respeito ao acesso à universidade através da Lei de Cotas ( Carvalhes, Feres Júnior e Daflon, 2013). Outro aspecto importante dessa análise é que se no país como um todo os pretos estão em paridade de renda com os pardos (R$ 833,21 contra R$ 844,66 ) em Teresina esses dois subgrupos da população negra tem rendimentos mais distantes que na média nacional, sendo bem favoráveis aos pardos, estes ainda muito aquém do nível de rendimento dos brancos; esse elemento denota que na capital teresinense os negros de pele mais escura (pretos) são muito mais discriminados no mercado de trabalho que os negros de pele clara (pardos), o que significa que a medida em que o tom de pele do indivíduo negro teresinense se torna mais escura as chances educacionais e ocupacionais destes vão diminuindo, o que dá à capital piauiense um aspecto mais extremo de hierarquização racial a partir do tom de pele do que no Brasil como um todo. Na próxima faixa de renda a ser analisada (entre 3 e 10 salários mínimos) estão 45% dos não cotistas e 43,2% dos cotistas negros; se entre a elite económica os não cotistas estão 9 vezes mais representados, neste nível de renda há uma paridade entre os 2 grupos, entretanto, tal proporção esconde a disparidade da distribuição global dos 2 grupos, pois, enquanto entre os não cotistas essa renda se encontra entre o percentil 15 e o percentil 60 da distribuição do seu grupo, entre os cotistas negros ela está entre o percentil 52 e 95 da sua distribuição, assim, se para os primeiros este nível de renda é bem comum no interior do seu grupo, entre os cotistas negros essa faixa de rendimento compreende a metade mais rica desse grupo. É interessante destacar que nessa faixa intermediária pode haver disparidade dentro da própria faixa, pois ela compreende as famílias com renda entre 3 e 10 salários mínimos, ou seja, dentro desse grupo há famílias com renda de mais de 3 vezes maiores que as outras, se pegarmos os níveis extremos de salários dentro da faixa, é bem provável que o nível de renda da maior parte dos cotistas nessa faixa esteja bem longe do teto ( 10 salários mínimos) o que contradiz a suposta paridade na estatística encontrada. Os alunos com renda de até 3 salários mínimos são 15% dos não cotistas e 52,3% dos cotistas negros; nas famílias brasileiras, segundo Ristoff (2013), 52% dos brasileiros estão nesse nível de renda, estando os brasileiros pobres pouco representados entre os não cotistas e em uma proporção quase idêntica entre os cotistas negros. Portanto, a maioria dos cotistas tem renda de até 3 salários mínimos enquanto a maioria dos não cotistas tem renda familiar que ultrapassa essa renda. Devido ao recorte econômico em parte das vagas ofertadas no Sisu através das cotas é que essa presença tão alta de alunos de baixa renda é encontrada; é importante salientar que não apenas nos cursos de alto prestígio social da UFPI há uma considerável presença de alunos pobres entre os cotistas, pois, entre os ingressantes no cursos de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2013, através das cotas, foram encontrados percentuais que variavam de 33,3% dos cotistas de Engenharia de Produção até 42,9% em Engenharia Elétrica, com renda de até 3 salários mínimos, o que demonstra o acerto do recorte de renda na Lei de Cotas, pois, se assim não fosse, apenas a classe média

alta branca e negra, mormente oriundas das escolas federais, ficariam com as vagas nos cursos mais concorridos nas universidades federais. Deve-se considerar, contudo, que a despeito das desigualdades raciais não se vincularem à classe social, uma vez que negros de todas as classes estão expostos à discriminação racial (Santos, 2013), a Lei de Cotas se preocupa marginalmente com a primeira desigualdade e busca resolver a desigualdade social, usando o recorte racial apenas porque a muitos pesquisadores e os dados oficiais reconhecem que as cotas sociais não alcançariam a parcela pobre da comunidade negra; o acesso da classe média negra da escola pública e privada, assim como dos negros pobres de escolas públicas e privadas é muito importante para aumentar a presença negra na universidade, entretanto, já que a lei 12711/12 pretende principalmente minorar as desigualdades sociais, deixando negros de escolas privadas, por exemplo, de fora do grupo dos beneficiários, é necessário criticar que ao não estabelecer critério racial e nem de renda em parte das vagas ela está beneficiando os brancos de classe média alta que estudam em escolas federais (Santos, 2013) que nem são racialmente discriminados, como a classe média negra das escolas públicas, e nem são de baixa renda, sendo então muito importante saber, que apesar de problemas no modelo de inclusão, muitos alunos negros pobres estão sendo efetivamente beneficiados pela Lei de Cotas. O panorama geral sobre o rendimento familiar dos cotistas negros e dos não cotistas nos mostra que há um alto padrão de renda entre os não cotistas. Entre os cotistas negros há muitas pessoas de baixa renda, um número considerável com renda intermediária e poucos na faixa superior aos 10 salários mínimos. Utilizando o modelo de classes sociais utilizado pelo IBGE em 2015 (Carneiro, 2016), onde as classes A e B compreendem famílias com renda mensal bruta igual ou superior a 10 salários mínimos, e as classes C,D e E com renda inferior a esse valor, chegamos ao resultado de que a maioria esmagadora dos cotistas negros pertencem às classes C,D e E (95,5%) proporção ligeiramente superior à da população brasileira como um todo, que segundo a Pnad 2011, tinha 93% com renda inferior a 10 salários mínimos (Ristoff). Assim, o padrão de rendimentos dos cotistas negros nos cursos de alto prestígio social na UFPI é muito parecido com o da sociedade brasileira, os não cotistas, por sua vez, tem uma proporção de pessoas de alta renda quase 6 vezes maior que na sociedade como um todo, mostrando a eficácia distributiva da política de cotas da lei 12711/12. Outro fator importante é que 52,3% pertencem a domicílios com renda de até 3 salários mínimos, o que significa que as políticas de assistência estudantil e permanência são necessárias para manter esses alunos nos cursos que frequentam, devido ao baixo poder econômico de suas famílias. Após a análise da variável rendimento familiar, vimos que 95,5% são oriundos de famílias com renda mensal de até 10 salários mínimos, sendo 52,3% com renda de até 3 salários mínimos. Se uma parte dos cotistas oriundos de famílias com renda intermediária não terá problemas para se manter na universidade, o mesmo não pode ser dito dos cotistas situados em famílias de renda mais baixa, que são fortemente afetados pelos custos indiretos da educação, e estão em vulnerabilidade quanto a permanência no curso. Quando indagados sobre o acesso à bolsa permanência apenas 5,9% dos cotistas negros afirmam recebê-las, o

que demonstra que a universidade tem um grande déficit no seu programa de assistência estudantil. Contudo, a UFPI está longe de ter uma política de permanência que atenda os necessidades reais dos alunos; para ilustrar essa realidade vejamos os seguintes dados: no processo de seleção para os benefícios de assistência estudantil no primeiro semestre de 2016 a PróReitoria de Assuntos Estudantis(PRAEC) ofereceu 250 bolsas de auxílio (no valor de R$ 400,00 mensais) para os estudantes do Campus Ministro Petronio Portela (UFPI, 2016), enquanto a mesma instituição selecionou 3 554 alunos no Sisu 2016.1, dos quais 1777 cotistas (UFPI, 2016); atentando para o fato de que essas bolsas não são direcionadas apenas aos cotistas e nem apenas aos ingressantes, e ainda que os cursos da UFPI duram no mínimo 4 anos, teríamos um número muito maior de alunos nesse campus, grande parte deles de baixa renda, concorrendo por um número baixíssimo de bolsas para promover a permanência dos estudantes na universidade. Nesse sentido, há a necessidade de se garantir que a inclusão social e racial trazida pela Lei de Cotas aconteça, pois, não basta melhorar as condições de acesso, sendo necessário o devido acompanhamento para que esses alunos consigam concluir os seus cursos e tenham efetiva mobilidade social ascendente, podendo contribuir para o aumento da presença negra entre os advogados e demais membros das carreiras jurídicas, médicos, engenheiros e arquitetos, uma vez que a presença negra é de 29% em média nesses cursos, variando de 23,6% em Medicina até 33,7% em Engenharia Elétrica(Inep, 2012,2013 e 2014), sendo muito distante da proporção desse grupo na população nacional onde são 50,74% dos brasileiros (Santos, 2013). Além disso, tendo em vista a baixa presença negra entre os ricos (Rocha, 2015), o maior número de estudantes negros em Medicina, Direito e Engenharia (incluindo Arquitetura) resultará em uma maior presença futura de pretos e pardos na elite económica (1% mais rico), uma vez que 29%, 8,9% e 7,8%, respectivamente, dos graduados nas supracitadas áreas eram ricos em 2010 (Galvão e Medeiros, 2014), o que aponta o papel das cotas raciais como criadoras de canais de acesso à elite para os membros da comunidade negra. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A lei 12711/12 reservou metade das vagas aos oriundos do ensino público para o ingresso nas universidades publicas federais, dentro dessas vagas há uma subdivisão das vagas de acordo com a proporção de PPIs (pretos,pardos e indígenas) na unidade federativa onde se encontra a instituição. Os percentuais de reserva foram aumentando durante o período de adequação,a partir de 2013, até 2016, ano a partir do qual 50% das vagas foram reservadas. Levando-se em consideração as subcotas raciais presentes na lei, bem como a baixa presença de negros em alguns cursos universitários como Engenharia, Direito, Medicina e Arquitetura, considerados cursos de elite (Medeiros e Galvão, 2014), buscou-se entender qual o perfil dos cotistas negros(pretos e pardos) que ingressaram em 6 cursos de alto prestígio, ou seja, cursos de elite com nota de corte superior à 700 pontos no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o desempenho acadêmico destes e o acesso aos programas de assistência estudantil.

Através da pesquisa por amostra, com 40 não cotistas e 50 cotistas, chegou se ao seguinte perfil dos cotistas negros dos cursos de alto prestígio social: 95,9% vivem em famílias com renda de até 10 salários mínimos mensais, estando mais da metade(52,3%) em domicílios com renda mensal de até 3 salários mínimos; 65,1% são oriundos de escolas federais;73,7% têm mães sem ensino superior completo; 88,2% tem IRA igual ou superior à 7,0 pontos e 94,1% não recebem bolsas de assistência estudantil. Os cotistas negros representam 88% de todos os cotistas ingressantes no período analisado, principalmente devido às cotas sociorraciais que foram 81,88% de todas as 618 vagas oferecidas para cotistas no Sisu entre o período de 2013.1 e 2016.2 nos seguintes cursos: Arquitetura, Direito-integral, Direitonoturno, Medicina, Eng. Civil, Eng. Elétrica e Eng. Mecânica. O predomínio de alunos de escolas federais entre os cotistas negros se deu devido a melhor qualidade da educação nessas instituições vis-à-vis às escolas estaduais e municipais de ensino médio, além de outras vantagens comparativas desses alunos. O rendimento acadêmico dos cotistas não se mostrou distante daqueles dos não-cotistas, embora os últimos tivessem notas ligeiramente maiores, contudo, o desempenho dos alunos cotistas negros dos cursos analisados se mostrou superior ao dos alunos da UFPI como um todo, o que derrota a tese de que os beneficiários das cotas não seriam suficientemente preparados para ter bom desempenho nos cursos. A variável escolaridade materna mostra que a maioria dos cotistas negros não tem mães com ensino superior completo, ao contrário dos não cotistas , onde predomina esse nível de escolaridade, ainda assim, a proporção de cotistas com mães altamente escolarizadas é mais de 5 vezes mais frequente entre os cotistas negros do que entre a população negra em geral, visto que 26,3% das mães desses tiveram acesso ao ensino superior ao passo que apenas 4,7% dos pretos e 5,3% dos pardos brasileiros tiveram essa mesma oportunidade, demonstrando que a escolarização materna teve uma alta influência nas chances de ingresso desses cotistas nesses cursos universitários. O padrão de rendimentos desses alunos é mais baixo que os dos não cotistas; pouco mais da metade dos cotistas negros nos cursos de alto prestígio se situam na faixa mais baixa de renda( até 3 salários mínimos) o que demonstra a grande necessidade das políticas de permanência estudantil, quanto a esse aspecto, uma parcela baixíssima desses alunos (5,9%) são alcançados pela política de assistência estudantil o que mostra que a demanda é muito mais alta do que o número de bolsas que a universidade oferece aos alunos, sendo urgente a ampliação dessas políticas para garantir a permanência desses alunos. Quanto a política de ação afirmativa trazida pela Lei de Cotas, ela tem grande importância para minorar as desigualdades raciais e de classe e, se aliadas à uma política bem estruturada de permanência, poderão trazer como resultado futuro o aumento da presença negra em espaço de relevo na sociedade, uma vez que os atuais estudantes conseguirão se formar e elevar o número de pretos e pardos entre os profissionais liberais brasileiros, além de diversificarem a elite económica nacional, mormente formada em cursos de elite, contribuindo para a diminuição das hierarquias raciais no mercado de trabalho e rompendo barreiras simbólicas e estruturais advindas da desigualdade racial brasileira.

5. REFERÊNCIAS BLAND, J.M.; ALTMAN, D.G.The odds ratio. British Medical Journal 320, 1468. 2000. BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria A.; CATANI, Afrânio (Org.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. CARNEIRO, T. R. A. . Faixas salarias x classe social- Qual é a sua classe social?. Disponível em: . Acesso em 01 de junho de 2016. CARVALHAES,F. ; FERES JÚNIOR, J. ; DAFLON, V. . O impacto da Lei de Cotas nos estados: um estudo preliminar. Textos para discussão GEMAA (IESP-UERJ), n. 1, 2013, pp. 1-17. CARVALHO, J. J. . Uma proposta de cotas para negros e índios na Universidade de Brasília. Disponível em: . Acesso em: 21 de junho de 2016. . O confinamento racial no mundo acadêmico brasileiro.REVISTA USP. São Paulo. n. 68, dezembro,2006. COVIN, D.. The Unified Black Movement in Brazil, 1978-2002. Jefferson:McFarlands, 2006. 266 p. DÁVILA, J. . Diploma of Whiteness. Race and Social Policy in Brazil, 1917-1945. Durham: Duke University Press, 2003. REVISTA USP. São Paulo. n. 68, dezembro,2006. ESTADO DE MINAS. País tem 705 mil mestres e doutores. Disponível em: < http://www.em.com.br/app/noticia/especiais/educacao/2013/04/23/internas_educacao,375760/ pais-tem-705-mil-mestres-e-doutores.shtml >. Acesso em 07 de junho de 2016. G1. Alunos de escolas federais têm as maiores médias nas provas do Enem. Disponível em: . Acesso em: 15 de maio de 2016. HASENBALG, C.e SILVA, N. V. Estrutura social, mobilidade e raça. São Paulo/Rio de Janeiro, 1988. IBGE. IBGE Cidades-Teresina. Disponível em . Acesso em 22 de junho de 2016. INEP. Enade 2012.Relatório Síntese-Direito. Disponível em: Acesso em: 20 de junho de 2016.

.Enade 2013. Relatório Síntese-Medicina. Disponível em: . Acesso em, 20 de junho de 2016. .Enade 2014. Relatório SínteseArquitetura. Disponível em: . Acesso em: 17 de junho de 2016. .Enade 2014. Relatório Síntese- Engenharia Civil. Disponível em:. Acesso em: 18 de junho de 2016. . Enade 2014. Relatório Síntese- Engenharia Elétrica. Disponível em: . Acesso em: 19 de junho de 2016. . Enade 2014. Relatório Síntese- Engenharia Mecânica. Disponível em: . Acesso em: 20 de junho de 2016. LIMA, V. L. A. R. . A inserção do negro na carreira de diplomata. Disponível em: < http://www.observa.ifcs.ufrj.br/bibliografia/teses/dissertacoes/2005/carreiradiplomatica_VLi ma.pdf> Acesso em: 01 de junho de 2016. MARTELETO, Leticia J. Educational Inequality by Race in Brazil, 1982-2007; Structural Changes and Shifts in Racial Classification. Demography, v. 49, n. 1, p. 337- 358, 2012 MATIJASCIC, M.; SILVA, T. D. . Situação social da população negra por estado. Disponível em: Acesso em : 18 de junho de 2016. MEDEIROS, M.; GALVAO, J. C. Educação e o rendimento dos ricos no Brasil (Education and the income of the rich in Brazil). New York: Social Science Research Network, 2014. (SSRN Scholarly Paper, n. ID 2493829). Disponível em: < http://goo.gl/1nfhuZ >. NOVAES, D. R. ; VARGAS, H. M. . Critérios de ingresso no ensino superior pela via da reserva de vagas: uma análise sob a lente das engenharias. Disponível em: < http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Poiesis/article/view/3091 >. Acesso em: 27 de maio de 2016. PAIXÂO, M.; CARVANO, L. . “Relatório Desigualdades Raciais (2007-2008)”. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2008. RISTOFF. D. . O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Disponível em:

.

ROCHA, E.F. O Negro no Mundo dos Ricos: um estudo sobre a disparidade racial de riqueza com base nos dados do censo demográfico de 2010. Tese de Doutorado. Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, 2015. SALES, R. . Perfil de raça da população cearense: uma análise a partir dos dados demográficos doCenso2010. Disponível em< http://www.ipece.ce.gov.br/publicacoes/ipeceinforme/Ipece_Informe_23_fevereiro_2012.pdf >. Acesso em 18 de junho de 2016. SANTOS, S. A. . Movimentos negros, educação e ações afirmativas. 554 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007. SANTOS, S. A. .Ações afirmativas na educação pública superior brasileira: o perfil dos estudantes egressos do sistema de cotas na Universidade de Brasília.Disponível em: < http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/39403/2013_santos_sales_acoes_afir mativas_educacao.pdf?sequence=2> Acesso em: 09 de maio de 2016. SILVA, N. V. . O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição da renda no Brasil. Pesquisa de Planejamento Econômico,1980. SOUSA, P. G.; NETO, R. C. O.; NASCIMENTO, F.F. .Análise socioeconômica dos alunos da UFPI, campus Ministro Petrônio Portela. Disponível em: < http://www.simed.estatistico.com/trabalhos/poster/SIMED_Poster020.pdf >. Acesso em: 22 de junho de 2016. TANNURI-PIANTO, M.; FRANCIS, A. M. Using Brazil’s Racial Continuum to Examine the Short-Term Effects of Affirmative Action in Higher Education . Disponível em . Acesso em 22 de junho de 2016. UFPI. Universidade Federal do Piauí. Termo de Adesão ao Sistema de Seleção Unificada de 2013.1 . Regulamenta as vagas de ingresso no SISU 2013.1, de 07 de dezembro de 2012. Disponível em: < https://1eff77b3899f2474ssites.googlegroups.com/a/ufpi.edu.br/sisu/Termo%20de%20Ades% C3%A3o%20%20Sisu%20%2007.12.12%20%281%29.pdfattachauth=ANoY7cpPxUOGrPW2FCS9UzS3 GxBiyE23L5VlXAFCGrteTMqjY4OOxz3px4VNsQr6V1NgfY73wfKg7j1CGd9iMS2pz6lf2 bchZVNOBzGlX6E_mY8X27OL5F7A_NqM7RtiD8ET2EO4EgkcReo6zuqwQE4gLZD3GIs WaHGvwFmz_tknoonmUHFqiTVmPetOryp_3dd5zdg4zzWE60dnqxWzi9vwprO0UO0Hhgn _0JcHa70MHBICLc9e1x0_Cuu8nkrt4pyHkZVo&attredirects=0 >Acesso em: 09 de maio de 2016. .ANEXO I DO EDITAL Nº 004/2013-UFPI.QUADRO DE VAGAS . Regulamenta as vagas de ingresso no SISU 2013.2, de 28 de maio de 2013. Disponível em: <

http://ufpi.edu.br/arquivos_download/arquivos/Anexo%20I%20do%20Edital%20004.2013_U FPI_Quadro%20de%20Vagas%20(1).pdf > .Acesso em: 09 de maio de 2016. .ANEXO I DO EDITAL Nº 20/2013-UFPI. QUADRO DE VAGAS . Regulamenta as vagas de ingresso no SISU 2014.1, de 20 de dezembro de 2013. Disponível em: < http://ufpi.edu.br/arquivos_download/arquivos/AnexoIdoEdital20.2013_UFPI.pdf >. Acesso em: 09 de maio de 2016. .ANEXO I DO EDITAL Nº 010/2014-UFPI. QUADRO DE VAGAS. Regulamenta as vagas de ingresso no SISU 2014.2, de 26 de maio de 2014.Disponível em: < http://leg.ufpi.br/arquivos/File/PREG/Anexo%2001%20do%20Edital%2010.2014_UFPI.pdf> . Acesso em: 09 de maio de 2016. . ANEXO I DO EDITAL Nº 23/2014-UFPI. QUADRO DE VAGAS. Regulamenta as vagas de ingresso no SISU 2015.1, de 15 de dezembro de 2014. Disponível em< http://leg.ufpi.br/arquivos/File/PREG/Anexo%2001%20do%20Edital%2023.2014_UFPI.pdf >. Acesso em: 09 de maio de 2016. ANEXO I DO EDITAL Nº 08/2015-UFPI. QUADRO DE VAGAS. Regulamenta as vagas de ingresso no SISU 2015.2, de 01 de junho de 2015. Disponível em: < http://leg.ufpi.br/arquivos/File/PREG/Anexo%20I%20do%20Edital%2008.2015_PREG.pdf >. Acesso em: 09 de maio de 2016. .ANEXO I DO EDITAL Nº 24/2015-UFPI.QUADRO DE VAGAS. Regulamenta as vagas de ingresso no SISU 2016.1, de 18 de dezembro de 2015. Disponível em: < http://ufpi.br/images/imagensNoticias/not%C3%ADcias/Anexo_I_-_Quadro_de_vagas.pdf >. Acesso em: 09 de maio de 2016. .EDITAL Nº 01 DE 2016- PRAEC/UFPI. EDITAL DE SELEÇÃO DE ESTUDANTES PARA BENEFÍCIOS PRAEC. Regulamenta o acesso aos programas de assistência estudantil, de 28 de março de 2016. Disponível em: < http://www.ufpi.br/images/Digitalizar_2016_03_29_07_54_22_240.compressed.pdf > . Acesso em: 09 de maio de 2016. .ANEXO I DO EDITAL Nº 13/2016-UFPI.QUADRO DE VAGAS. Regulamenta as vagas de ingresso no SISU 2016.2, de 30 de maio de 2016. Disponível em: < http://ufpi.br/images/Anexo_I_do_Edital_13.2016_UFPI.pdf > Acesso em: 01 de junho de 2016.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.