O Acontecimento Bullying: medo, insegurança, violência, judicialização, exclusão e criminalização

May 27, 2017 | Autor: Pedro Paulo Bicalho | Categoria: Social Psychology, Educational Psychology, Critical Criminology
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MAGALHAES-DECOTELLI, K. C.; BICALHO, P. P. G. O Acontecimento Bullying: medo, insegurança, violência, judicialização, exclusão e criminalização In: Crianças, Adolescentes e Jovens: políticas inventivas transversalizantes.Curitiba : CRV, 2015, p. 153-166. Impresso, ISBN: 9788544403

O ACONTECIMENTO BULLYING: MEDO, INSEGURANÇA, VIOLÊNCIA, JUDICIALIZAÇÃO, EXCLUSÃO E CRIMINALIZAÇÃO Kely Cristina Magalhães Decotelli1 Pedro Paulo Gastalho de Bicalho2 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

Cena 01 O menino mentiroso e sua pipa Hélio fugiu da escola mais uma vez. E lá está ele soltando pipa perto de algum beco da Maré, a única coisa que lhe interessa fazer. Ele ainda não aprendeu a ler e nem a escrever, mente e vive arrumando confusão por aí, enquanto sua mãe trabalha como empregada doméstica na Barra da Tijuca. Segundo a assistente social que o acompanha até um serviço de psicoterapia para o qual foi encaminhado: “O menino precisa ser encaminhado para projetos sociais e acompanhamento psicológico, pois se não, pode entrar para o tráfico. Ele mata aula, não escreve nem lê, só quer saber de soltar pipa”. A questão é que Hélio desempenha várias atividades, tais como: boxe, duas vezes na semana; reforço escolar, três vezes na semana; catequese aos sábados e o colégio, todas as tarde. A escola se preocupa com o comportamento de Hélio. Ele já vai completar 11 anos e a professora o chamou na frente da turma de analfabeto. Ele não tem interesse pelos estudos3.

Cena 2 1

Professora substituta do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Discente do curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (bolsista Faperj nota 10). E-mail: [email protected]   2 Professor Associado do Instituto de Psicologia e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista de produtividade em pesquisa (CNPq) e Jovem Cientista do Nosso Estado (Faperj). E-mail: [email protected]   3 Trecho extraído de DECOTELLI, K.C.M. O devir-criança como potência na invenção de novos possíveis. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012.

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MAGALHAES-DECOTELLI, K. C.; BICALHO, P. P. G. O Acontecimento Bullying: medo, insegurança, violência, judicialização, exclusão e criminalização In: Crianças, Adolescentes e Jovens: políticas inventivas transversalizantes.Curitiba : CRV, 2015, p. 153-166. Impresso, ISBN: 9788544403

O menino que não gostava de jogar futebol, calado e futuro assassino “Ele era um cara caladão, não se misturava com a gente nem para jogar bola. A gente chamava ele e ele se recusava a jogar. No recreio, ficava sozinho num canto sem falar com ninguém. Quando tocava o sinal, ia imediatamente para a sala. Quando a aula acaba, voltava pra casa sozinho. Quando tínhamos trabalho em grupo, o Wellington fazia questão de fazer sozinho. Em nossa festa de despedida da 8ª série, ele faltou. Era muito estranho”4. “O Wellington era completamente maluco. Era perceptível na sala de aula que ele tinha algum tipo de distúrbio. Ele era muito calado, muito fechado. Além de tudo, ele ainda tirava notas baixas. A escola deveria ter encaminhado ele para um psicólogo.” (depoimento de um colega de turma, Fonte: O Globo)5 Depois de alguns anos, Wellington volta à escola na qual, segundo a análise de especialistas, teria sofrido bullying, e mata 12 alunos. Em seguida é alvejado por um policial e termina suicidando-se. *** Dois meninos, duas cenas, múltiplos acontecimentos, múltiplas linhas de força, que se engendram e produzem certas fisionomias e discursos sobre um modo-de-sercriança-aluno-normal. Trata-se de cenas visualizadas por muitos de nós, seja no cotidiano corriqueiro de uma pipa que voa no céu, constituindo o brincar de uma criança, ou na rotina daqueles que recebem em seus serviços de atendimento meninos como Hélio; ou ainda, a cena assistida e lamentada por uma nação que, atônita diante dos veículos de comunicação, chorou, se indignou e questionou o “Massacre de Realengo”; protagonizado por Wellington, que além de 'monstro' também já foi um menino que não gostava de se misturar com os outros, tão pouco de brincar de jogar bola. As subjetividades em jogo nestas cenas funcionam como dispositivos que fazem convergir discursos sobre segurança pública, violência, proteção, infância e escola, colocando em análise a temática das mentes perigosas. Tal cenário aponta para a emergência de acontecimentos que vêm ressignificando a noção que temos de infância normal e das práticas produzidas para garanti-las em tempos de proteção e promoção de direitos fundamentais. 4 5

http://oglobo.globo.com/rio/ex-colega-diz-que-atirador-dava-sinais-de-perturbacao-mental-2901534

Trechos de matéria jornalística publicada em 08/04/2011, disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/04/07/wellington-menezes-era-vitima-de-bullying-nos-tempos-da-escola924190244.asp

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Problematizamos aqui que a questão leva-nos a vislumbrar práticas de supressão do 'corpo indisciplinado' que desvia daquilo que foi instituído enquanto norma social e, por conta disso, coloca em risco a sociedade. A escola constitui-se então como espaço por excelência de prevenção e detecção de violência contra a criança, na qual ela própria pode assumir o lugar de agressor. A criança ocupará ora o lugar de vítima, ora o de agressor, ora defende-se o direito a sua proteção, ora judicializa-se a sua existência fazendo operar tecnologias de punição e processos de criminalização6. Tais papéis efetivam-se através de julgamentos morais, que pautam ações coercitivas, normalizadoras e reguladoras. Em outras palavras, temos a escola como espaço de prevenção da criminalidade. Neste fazer, o que está em jogo é uma noção de infância como dispositivo de controle dos corpos. Infância esta hegemonicamente entendida como uma natureza a-histórica, associada a um sentimento natural de homem, bem como de desenvolvimento ideal. Tal entendimento fundamenta noções de normalidade e patologia nesta fase da vida e, por efeito, a definição da indisciplina em sala de aula, o não aprender, a pobreza, a 'desestruturação familiar', a desatenção, a hiperatividade, a desobediência são tomados como critérios de suspeição do risco, fortalecendo modelos hegemônicos de vida. Temos, então, condições de possibilidade para forjar a face do perigoso e do criminoso. Afinal, do que temos medo? Ora, de que outros 'Hélios', por seu mau comportamento, continuem a sair das escolas de nossos subúrbios e periferias, arregimentados pelo tráfico de drogas, renovando assim essa classe perigosa que ameaça todos os dias a segurança dos cidadãos 'de bem'; de que outros 'Wellingtons' estejam convivendo com nossos filhos no interior das salas de aula e que a qualquer momento estes sujeitos perigosos passem da virtualidade ao ato, assumindo sua natureza criminosa. O que está sendo criminalizado está apoiado em uma política que hegemoniza identidades. Passetti (2007) aponta que a obediência aparece como estratégia de controle e captura de resistências à norma que organiza a sociedade. É pela obediência as leis que se cura o crime, visto por muitos como ‘doença social’. A noção de crime atualiza e amplia os comportamentos ditos desviantes. A escolarização em contrapartida ensinará a criança a ser obediente, a ser cidadã, a conhecer e cumprir a leis. “O cidadão dedicado, 6

Sobre a criação de sistemas normativos que, uma vez transgredidos, provocam ações de punição, Dornelles (1988) chama de processos de criminalização. Para o autor, as regras de uma sociedade estão materializadas em um código penal, que legisla sobre o que é crime, mas não se restringe a isto. Estas normas serão critérios para definir quem é perigoso, e que práticas são inaceitáveis para o grupo social.

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MAGALHAES-DECOTELLI, K. C.; BICALHO, P. P. G. O Acontecimento Bullying: medo, insegurança, violência, judicialização, exclusão e criminalização In: Crianças, Adolescentes e Jovens: políticas inventivas transversalizantes.Curitiba : CRV, 2015, p. 153-166. Impresso, ISBN: 9788544403

ao cumprir as leis, receberá em troca ou adquirirá direitos. Assim, espera-se que uma criança educada e escolarizada jamais se torne uma criminosa.” (Idem, ibidem, p.72). Bullying: atualização da virtualidade criminosa Diante da montagem deste cenário, em que personagens como Hélio e Wellington, performam modos de existência que passam a produzir a necessidade de segurança em sala de aula, tomamos para nossa análise a emergência de acontecimentos ditos violentos neste território e a maneira como vem sendo apropriados por diferentes práticas de intervenção. Foucault (2008) afirma o acontecimento como aquilo que, ao irromper, provoca descontinuidades no âmbito do saber-poder, tornando certo discurso possível ao fazer mudar a épistème de uma época. É aquilo que nos faz pensar e debruçar sobre um contexto, o que põe em cena o jogo entre forças de saber-poder (BACCA; PEY; SÁ, 2004). Gregorio Baremblit (1994) afirma-o como o substrato de transformações que modificam a história e ainda, como o momento de aparição da singularidade. O acontecimento Realengo7, por exemplo, traz à tona uma convergência entre violência e infância, que faz ver e falar um modo de funcionamento da sociedade atual. Na baila deste cenário observamos uma massificação nos meios midiáticos de um tipo de violência que envolve crianças e que denuncia a urgência de seu combate: o chamado ‘bullying’8. Neste mesmo movimento, diferentes atores passam a 'habitar' o contexto educacional, na tentativa de dar conta daquilo que escapou do controle, da previsibilidade, fazendo emergir o sentimento de insegurança e de medo. Uma série de outros acontecimentos-efeitos da 'Columbine brasileira'9 exemplificam tal fato, como é caso dos projetos de lei antibullying e dos programas que possibilitam a presença da 7

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Trata-se da tragédia ocorrida em abril de 2011, em Realengo, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. O jovem Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, entrou na Escola Municipal Tasso da Silveira atirando nos alunos que ali estavam e, finalmente, suicida-se. A matéria jornalística apresentada na cena 2, relatada no início deste texto, diz respeito a este fato.

De acordo com diferente autores (MARAFON 2010, 2013; BRITO, 2014; SOUSA, 2014) o termo tem origem anglo-saxônica, sem tradução para o português, a partir de estudos realizados na Noruega por Dan Olwes, na década de 1980, na ocasião da ocorrência de três suicídios supostamente ligados à intimidação sofrida por parte de colegas de escola. O termo então passou a cunhar a prática de intimidação ou vitimização do estudante no contexto escolar, repetida e ao longo do tempo por parte de outros estudantes. Tal prática é definida pelo comportamento agressivo. Ao logo do tempo, o conceito foi ganhando outros critérios definidores. Retomaremos este aspecto mais à frente. 9 A expressão faz referência ao massacre ocorrido no Instituto Columbine, escola americana do Colorado-EUA. Em 20 de abril de 1999, dois adolescentes atiraram em colegas e professores, matando 13 e ferindo 25 pessoas.

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justiça na escola10, bem como a da força policial11. Outras discussões ainda tramitam nos governos em nível municipal, estadual e federal em prol da criação de políticas de segurança

nas

escolas

que

visem

prevenção,

identificação

e

combate

de

comportamentos ditos violentos. Diante das linhas aqui traçadas colocamos em análise que forças estão presentes e que saberes estão em jogo na construção destes discursos e práticas? Que efeitos de exclusão são estes que respondem a uma demanda de proteção no que tange a violência no contexto escolar? O que se produz em nome do controle/prevenção dos riscos e em prol da defesa da sociedade? Que tecnologias e engrenagens estão funcionando na manutenção de determinada ordem? Compreendemos que a noção de violência emergente do contexto escolar não é algo natural, mas um efeito de relações entre exercício de poderes e produção de saberes sobre o ser uma criança-aluno-humano normal. Todo o tensionamento potencializado pelo acontecimento Realengo, que provoca na sociedade um ‘pânico moral’ a respeito do que é ou não aceitável como violência, dão visibilidade a linhas de força, que estão produzindo certas subjetividades. Félix Guattari e Suely Rolnik (1986) entendem a subjetividade como matéria-prima da evolução das forças produtivas, bem como explica o manejo da subjetividade social que leva a todos a buscarem um modo de vida equivalente. “(...) a produção de subjetividade constitui matéria-prima de toda e qualquer produção.” (Idem, ibidem, p.34). A violência enquanto uma produção de subjetividade tem o medo como estratégia de manutenção e como sentimento compartilhado por toda uma sociedade. O efeito que se encarna em forma de políticas públicas é a proteção, enquanto categoria política que pode produzir práticas de exclusão. É o medo que produz uma necessidade de ordem, de controle, de proteção. Cabe lembrar, em conformidade com Batista (2003), que o extermínio de determinadas populações, deu-se, muitas vezes, através de políticas públicas justificadas e legitimadas pela produção do medo e da insegurança. Desta 10

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O conselho nacional de justiça, através do programa justiça na escola lançou no ano de 2010 a Cartilha do Bullying: http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-escolas/cartilha_bullying.pdf. E ainda, O Ministério Público do Rio de Janeiro, que lançou no mês de agosto de 2011 o projeto “MP na Escola”, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação, com o objetivo de divulgar a instituição a partir de palestras e capacitação para alunos e professores: http://www.mp.rj.gov.br/portal/page/portal/Internet/Imprensa/Em_Destaque/Noticia?caid=293&iditem=7511631 O Programa Estadual de Integração da Segurança – PROEIS, lançado em 2012, a partir de um convênio entre a Secretaria de Estado de Estado de Educação e Secretaria de Segurança do RJ, visa lotar o policial fardado e armado nas escolas estaduais com o fim realizar a segurança da comunidade escolar bem como do patrimônio do estabelecimento.

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forma, determinados modos-de-existir são mantidos e naturalizados como adequados, ao passo que outros são excluídos, eliminados. Um cenário 'manchado' pela(s) violência(s) Quando associamos o bullying à prática da violência em sala de aula, precisamos problematizar o que estamos chamando de violência nesse contexto. De acordo com Rifiotis (2012), a maior parte dos estudos sobre violência, seja na área das Ciências Sociais e Humanas quanto do Direito, versam sobre uma compreensão enviesada pela negatividade, essencialismo, denuncismo e indignação. Os discursos são movidos pela comoção (operada, por exemplo, pelos meios midiáticos) e não cooperam para uma racionalização da violência como uma categoria analítica presente nas mais diversas relações sociais. (…) da mesma forma que os trabalhos negativistas tendem a não perceber que a violência é um fator social que não está dissociado desse social; a maneira como a violência é tratada nesses trabalhos sugere que ela seja um fenômeno extra social que tende a contaminar setores puros de alguma sociedade, não percebendo o seu caráter comunicativo relacional. (SEGATA, 2012, p. 81).

Existiria positividade, no sentido de produtividade, na violência? Ao compreendê-la como fenômeno relacional, podemos percebê-la como fator de interação, linguagem e comunicação. Trata-se então de operar nas dobras, nas descontinuidades e buscar a compreensão de que em que sentido há aí a expressão da delimitação de posicionamentos, contrastes de opiniões, tensionamentos de planos antes estabilizados e cristalizados. Há que se colocar em análise as violências em suas diferentes formas, concepções e percepções sócio-historicamente concebidas. Não se trata de operar sob a insígnia das dicotomias, ignorar ou combater o que passa a ser compreendido como essencialmente violento, mas de ocupar o centro, o entre. Trata-se rachar discursos que naturalizam a compreensão das violências, para assim compreender a multiplicidade de sua constituição. Tanto a categoria violência como bullying acabam por capturar a emergência do conflito na escola, as situações novas e singulares e seus possíveis enunciados sobre o que ocorre naquele dado contexto vivencial. Afinal, trabalhamos cada vez mais com sentidos pré-definidos, mecanicamente aplicados a diferentes contextos.

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Hyra e Rodrigues (2012) ao analisarem 'as violências' como uma campo polifônico e polissêmico, afirmam: O tema das violências talvez seja um dos mais centrais problemas com os quais se debate a humanidade contemporânea. [...] uma palavra que aparece em todos os lugares: “violência”. [...] poucas vezes nos indagamos sobre o quanto cabe nessa palavrinha, ainda por cima, usada no singular. É até estranho que as ciências sociais se tenham dedicado ao tema tão tardiamente. A “violência” está naturalizada em nossos discursos, e convém ter cuidado. (HYRA, RODRIGUES, 2012, p. 100).

Os autores apontam que ao negarmos 'a violência' como um componente social, o termo é tomado de forma moralmente condenada, como um problema social e um mal a ser extirpado a todo custo. Desta forma, a temática é marcada por uma discursividade negativa. Outro aspecto seria a homogeneização da multiplicidade deste campo, tratado como fenômeno único onde “uma multidão de atos e ações cai, assim, na categoria de 'violência'”(Idem, ibidem, p.100). Quando 'tudo', passa a caber dentro de um mesmo conceito, aumenta-se a visibilidade dos acontecimentos associados à violência e, por consequência, passamos a ter a percepção de seu desenfreado aumento. A temática também pode assumir a característica de exterioridade, ou seja, a violência é uma essência que pertence a outrem. Neste movimento, reduzimos a compreensão da questão as figuras de vítima e agressor. O discurso binarista dicotômico, ou seja, que reduz os sujeitos as figuras de vítima e agressor, também habita a compreensão do acontecimento bullying. Diferentes obras (CNJ, 2010; SILVA, 2010) vem se popularizando neste contexto - no sentido de instrumentalizar a população - seja ela constituída por pais, professores e/ou gestores sociais, na identificação dos envolvidos no dito comportamento violento, característico dos escolares. Tais comportamentos envolveriam uma relação desigual de poder, na qual o mais forte se sobrepõe ao mais fraco, e seriam marcados por abusos e violações referentes à integridade física e/ou psicológica dos indivíduos vitimados. De acordo com a Cartilha do Bullying12, de autoria da médica psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva (também autora da obra “Bullying: mentes perigosas na escola”), publicada e veiculada no ano de 2010 pelo Conselho Nacional de Justiça, o termo qualifica: (…) comportamentos agressivos no âmbito escolar, praticados tanto por meninos quanto por meninas. Os atos de violência (física ou não) ocorrem de forma intencional e repetitiva contra um ou mais alunos que se encontram impossibilitados de fazer frente às agressões sofridas. Tais comportamentos 12

Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-escolas/cartilha_bullying.pdf. Acesso em: 30 de novembro de 2014.

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não apresentam motivações específicas ou justificáveis. Em última instância, significa dizer que, de forma “natural”, os mais fortes utilizam os mais frágeis como meros objetos de diversão, prazer e poder, com o intuito de maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar suas vítimas” (p.7).(grifos nossos).

Retomando Rifiotis (2012), é possível perceber um sentimento de empatia para com as vítimas que conduz teóricos sobre o fenômeno a focalizarem suas análises no sofrimento e vitimização daquelas, e na condenação do comportamento dito violento associado às mesmas. O autor considera esta uma leitura moral e acrescenta que “[...] é possível afirmar que devemos problematizar a retórica da denúncia quando ela implica a redução da complexidade e da diversidade dos próprios fenômenos denunciados [...]” (p. 59). Tal denuncismo, associado à identificação de perfis de risco, acabam por incorrer em práticas de judicialização das relações sociais, sempre em nome da garantia e defesa dos direitos. O Judiciário e suas lógicas passam a ter centralidade na práticas cotidianas de resolução de conflitos. Outro aspecto seria a estratégia legislativa como via para o estabelecimento dos direitos. Neste sentido, Segata (2012) denuncia a tipificação desenfreada da violência enquanto obstáculo para a percepção dos sujeitos, atores destas ditas cenas de violência. A partir de uma leitura meramente legislativa e jurídica, perde-se a dimensão vivencial no emaranhado das relações entre os sujeitos. O imperativo da lei passa a reger as relações, num processo de desresponsabilização e desagenciamento dos sujeitos, infantilizados diante de um ordenamento jurídico. O infantilismo se caracteriza por uma condição na qual o Estado ou seus homólogos ocupam papel de únicos provedores diante das carências eternas de cidadãos tutelados e inocentes (BRUCKER, 1997). As mais diversas relações sociais passam a ser contratualizadas/mediadas a partir da multiplicação de decretos, medidas legislativas, regulamentos e circulares. É em nome da garantia de direitos, ameaçados ou violados na forma de prejuízos e sofrimentos vividos pelas supostas vítimas da violência, que ganha potência o clamor social pela criação, ou mesmo revisão, de leis direcionadas à temática. Os poderes judiciário e legislativo são cada vez mais convocados a habitar o campo das relações interpessoais, antes vistas como corriqueiras, atravessadas pela insígnia do que passa a ser percebido como violência. No que tange à produção de leis no âmbito nacional, sob a temática do bullying e violência na escola, no ano de 2011 foram apresentados na Câmara dos deputados 21

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Projetos de lei13. Não à toa, cabe lembrarmos que este é o ano do já citado “Acontecimento Realengo”. Dos 21 PLs, apenas 4 são anteriores ao mês do massacre. No ano de 2010, foram apresentados apenas 3 PLs semelhantes. Já no ano de 2012, nenhum projeto foi encontrado. De maneira geral, os projetos visam a implementação de combate ao bullying nos projetos político-pedagógicos das escolas, desenvolvimento de políticas e programas antibullying, tipificação da conduta como crime no Código Penal, Instituição de dia nacional de combate ao bullying, previsão da compulsoriedade da notificação a órgãos competentes da ocorrência de bullying por parte das escolas, entre outros. No contexto do Senado Federal, destacamos o Projeto do Novo Código Penal PNCP (PL 236/2012). De acordo com muitas publicações de juristas que visam comentar a reforma do código, a prática do bullying aparece com a denominação de “intimidação vexatória” e passa a ser considerado crime com previsão de pena de 1 a 4 anos e depende de representação (da vítima/representante legal) para que se deflagre a ação penal (art. 148, PNCP). A proposta de tipificação aparece no capítulo V – Crimes contra a liberdade pessoal – Art. 148 – Intimidação Vexatória: Intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir, segregar a criança ou o adolescente, de forma intencional e reiterada, direta ou indiretamente, por qualquer meio (inclusive pela internet cyberbullying), valendo-se de pretensa situação de superioridade e causando sofrimento físico, psicológico ou dano patrimonial. 14

O assunto encontra-se em discussão; no entanto, existem muitos caminhos para o tratamento jurídico do fenômeno, que independem do PNCP. Judicialização da Vida escolar Diante deste vislumbre, o comportamento desviante na escola pode tornar-se questão de justiça, uma vez que é no âmbito do legislativo e do jurídico que, cada vez mais o comportamento ideal vai sendo codificado. Instituições como Conselho Tutelar, Ministério Público e Polícia passam a operar junto à escola na resolução de conflitos, 13

A pesquisa por assunto foi realizada no site da Câmara Federal, disponível em: . Acesso em: 30 de novembro de 2014. Os projetos de lei (PLs) apresentados no ano de 2011 são: PL164, PL283, PL350, PL908, PL1011, PL1015, PL1226, PL1494, PL1573, PL1633, PL1691, PL1765, PL1785, PL1841, PL2048, PL2091, PL2129, PL2383, PL2663, PL3015, PL3036. Tais informações coadunam-se com estudo de Sousa (2014) e Brito (2014). 14 Disponível em: . Acesso em: 08 de maio de 2014.

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marcando uma interface entre ela e a justiça, na medida em que adentram seu campo de atuação com o objetivo de punir/disciplinar/regulamentar ‘sujeitos inadequados’, solucionando seus conflitos de modo culpabilizante e criminalizante. No entanto, há que se pontuar que a norma penal está para além daquilo que se positivou nos códigos, ela está nas relações de forças, sendo operada por diferentes técnicas de coerção e de controle15. O que se vê são subjetividades capturadas em discursos e práticas que buscam controlar a vida, bem como evitar o risco do crime, em um processo no qual o poder judiciário capilariza-se para outras esferas do existir, na busca pela resolução/mediação de tensionamentos cotidianos. Judicializa-se, deste modo, a vida. Tal cenário afina-se como o que Michel Foucault chamou de Biopoder; um poder que estabelece aqui uma política do convívio social e do comportamento ideal. Tal intento prescreve uma regulação do corpo-espécie e do existir em toda sua extensão. “(...) é o fato de o poder encarregar-se da vida, mais do que a ameaça de morte, que lhe dá acesso ao corpo” (FOUCAULT, 1999, p.134). A partir deste autor, podemos compreender a judicialização enquanto tecnologia16 de funcionamento do biopoder (FOUCAULT, 2005). Bocco (2010), ao falar da judicialização, na qual uma diretriz punitiva cada vez mais se imprime nas práticas sociais expandindo ideias e princípios judiciais no cotidiano, aponta que, com a emergência das sociedades de controle, o controle penal passa a operar com poderes paralelos à justiça. Estes poderes seriam: “a polícia para vigiar, e as instituições psicológicas, psiquiátricas, médicas, criminológicas e pedagógicas, para corrigir” (BOCCO, Ibidem, p. 116). Torna-se então possível uma reflexão a partir de um poder sobre a vida no ambiente escolar que atualiza práticas judicializantes, que, ao nosso ver, acaba por promover processos de homogeneização e exclusão dos indivíduos, na medida que atualiza o biopoder no governo17 da infância e em defesa da sociedade. A judicialização, atualizada principalmente em práticas de suspeição e ortopedial social, que agem de

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Dentro da lógica dos processos de criminalização, igualmente ao funcionamento da lei penal que estabelece a norma, as transgressões e transgressores são produzidos através de processos de segregação, infantilização e culpabilização, fazendo circular uma poderosa máquina de produção de subjetividades hegemônicas (GUATTARI; ROLNIK, 1986). 16 “Para Rabinow (1999), devemos entender por tecnologia um conjunto de operações e procedimentos que marcam as junções e relações entre o saber e o poder e é neste prisma que tanto a disciplina quanto a biopolítica são enfocadas por Foucault” (CALIMAN, 2001, p.19). 17 No sentido foucaultiano mais amplo de técnicas e procedimentos investidos no controle da conduta dos homens (FOUCAULT, 1997).

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MAGALHAES-DECOTELLI, K. C.; BICALHO, P. P. G. O Acontecimento Bullying: medo, insegurança, violência, judicialização, exclusão e criminalização In: Crianças, Adolescentes e Jovens: políticas inventivas transversalizantes.Curitiba : CRV, 2015, p. 153-166. Impresso, ISBN: 9788544403

forma punitiva e criminalizante, fortalece-se naquilo que Wacquant (1999) definiu como uma escalada crescente em curso, em favor da diminuição do “estado do bemestar social” e do aumento das intervenções policiais e penitenciárias. Estas últimas denominadas pelo autor como o Estado Penal neoliberal. Com esse movimento de substituição das políticas públicas de assistência pelas de confronto, pretende-se eliminar a insegurança social disseminada pelas estatísticas criminais. As questões sociais são tratadas no âmbito penal e policial e o modelo judiciário passa a pautar as relações e intervenções sobre a realidade e sobre os sujeitos no contemporâneo (BOCCO, 2010). Assim, insegurança/medo, judicialização, ação policial pautam a política de segurança escolhida pelo Estado penal no controle da criminalidade. Neste contexto a figura do perigoso, aquele que comete bullying, ganha grande proeminência. Saberes e práticas são aglutinados em torno do suspeito ou mesmo do criminoso para atestarem periculosidade e possível penalidade a ser-lhe aplicada. Neste momento é que, aproximando-nos das pontuações de Vaz (2004), podemos observar a passagem da norma ao risco, uma vez que ele pauta, por exemplo, os cuidados de si em relação à saúde. Cuidado no sentido de evitar futuros indesejáveis. Ele define o risco como: “uma relação epistemológica de conhecimento parcial do futuro (...) não haveria sentido falar em risco se no conceito não houvesse embutido o esforço de evitar o indesejável.” E ainda que: “risco é a medida de probabilidade do potencial de perigo”. (GARLAND apud VAZ, 2004, s/p). Assim, passamos a legitimar nossas intervenções, principalmente no que tange ao perigo do crime em sala de aula, na prevenção do risco. Cabe lembrar que a noção de risco constitui-se a partir dados e conhecimentos científica e estatisticamente amparados, tornando-se base para políticas públicas e para a vida cotidiana daqueles escolhem por estilos de vida saudáveis. Assim, saúde e segurança vão definir quando estilos de vida tornam-se estilos de riscos (CALIMAN, 2002). A filosofia do risco, enquanto categoria central na atualidade, figura como mais um tecnologia de governo das populações. Isto aproxima-se do que Foucault (1997) pontuou sobre estar presente no exercício do biopoder uma relação entre liberdade e segurança; “uma vontade de liberdade associada a uma vivência incerta, incontrolável e assustadora do mundo” (CALIMAN, 2002, p.104). Isto geraria uma necessidade de ordem e de segurança que os aparelhos de proteção públicos e privados deveriam possibilitar. Lança-se então o olhar sobre as chamadas ‘classes perigosas’ (COIMBRA; 11

MAGALHAES-DECOTELLI, K. C.; BICALHO, P. P. G. O Acontecimento Bullying: medo, insegurança, violência, judicialização, exclusão e criminalização In: Crianças, Adolescentes e Jovens: políticas inventivas transversalizantes.Curitiba : CRV, 2015, p. 153-166. Impresso, ISBN: 9788544403

NASCIMENTO, 2004; BICALHO, 2005), compostas por aqueles que resistem à ordem social e devem ser enquadrados na esfera do desvio. Tais indivíduos oferecem risco aos demais e devem ter suas virtualidades controladas permanentemente. São aqueles sobre os quais incidem os processos de criminalização. Por processos de criminalização18, entendemos a constituição de certo modo de ser sujeito por meio da instituição de uma norma e da vigilância remetida à possibilidade de sua transgressão, instituindo-se como forma de controle a punição ou o castigo. Cabe lembrarmos que sobre as relações de norma, transgressão e castigo organiza-se a criminologia como um saber interdisciplinar no século XIX (DORNELLES, 1988). Ela emerge a partir da figura do 'indivíduo a corrigir' e enquanto saber sobre o crime. Apoiada em uma natureza humana, que fundamenta a essência criminosa despontam cientistas como Lombroso, precursor da Antropologia Criminal, defende ser possível distinguir, por intermédio de certas características anatômicas, os criminosos natos e os perigosos sociais, ou Ferri, defensor da ideia de que o crime possuía causas socioambientais. Entendemos que os referenciais teóricos de tais pensadores da criminologia chamada positivista ainda se fazem presentes através de discursos e práticas que intervém na realidade e ao mesmo tempo a produzem, quando tentam explicar acontecimentos violentos em sala de aula. Alguns pontos de análise Em suma, é possível destacar que além de criminalizar certos comportamentos, entendidos como perigosos, e excluir socialmente em nome da proteção determinados sujeitos vistos como desviantes, nossas práticas e saberes vem promovendo alguns movimentos

em

termos

de

responsabilização.

Quando

individualizamos

comportamentos problemáticos em categorias patológicas, desresponsabilizamos toda a rede de atores com a qual o sujeito se agencia. Em especial a escola. Todos se tornam vítimas da imprevisibilidade e do determinismo da doença e seus mecanismos incontroláveis (MARAFON, 2010). Diante disto a escola é desempoderada, entrando em cena os gestores da vida e dos riscos: governantes, legisladores, juristas, especialistas psis, entre outros, que buscarão através de seus fazeres criar condições ideais de prevenção, detecção e cura. 18

Diferenciamos tais processos de um modo de constituição de sujeitos mediados pela norma penal oficial: os processos de incriminação. Incrimina-se quando – ao fazer agir a lei penal – transformamos transgressões em crimes e, de modo análogo, transgressores em criminosos (DORNELLES, 1988).

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A figura do especialista, em especial aqui “os psis”, possibilita a afirmação de um saber-poder acerca do aluno que comete ou sofre violência e dos efeitos de sua existência no espaço escolar. Comportamentos incômodos tornam-se critérios para diagnosticar uma série de transtornos e até uma futura psicopatia do aluno tido como perigoso e potencialmente criminoso. O discurso especialista impõe-se para além do adoecimento ou do desvio, instituindo modos de vida. Teorias, ideias e conceitos sobre o modo-de-ser-aluno circulam pela mídia, permeiam as diferentes práticas e popularizam-se por toda a sociedade, tomando a diferença como uma carência, como negatividade, que necessita de tutela e pena. Busca-se através disso a recuperação da infância desviante através de técnicas médicas e psicoterápicas, bem como extrair um saber destes corpos 'adoecidos' que opere no sentido preventivo. A Psicologia ganha lugar privilegiado ao constituir-se como saber sobre o humano e seu desenvolvimento ideal. Há que se atravessar a discussão das 'mentes perigosas' e da violência escolar por outros vetores, elucidando a complexidade do comportamento humano, numa implicação que supere a individualização e a patologização destes fenômenos. Apostando, ainda, em um deslocamento do foco criminológico, que vincula a transgressão a um determinado perfil (em nosso recorte, a partir do referencial da infância normatizada) biológico e socio-ambientalmente determinado, para os processos de produção de criminalização. Quando individualizam nos sujeitos a causa da criminalidade, reduzem a subjetividade a uma dimensão psicológica interiorizada, separando o sujeito de processos socio-históricos que o produzem e o atravessam o tempo todo. Rachar tais pressupostos, a partir das problematizações teóricas apenas ensaiadas aqui, constitui-se no investimento político desta escrita. Compreendemos este como um processo longo e duro, na busca pelas possibilidades de ultrapassamento dos modelos hegemônicos de formas subjetivas e, ainda, de transposição dos limites de si e do mundo constituído. Kastrup (2007) nos auxilia dizendo que aprendemos a viver num mundo, ao passo que o inventamos ao viver, isto se dá ao sermos atingidos pela diferença. Esta toma forma de perturbação promove rachaduras, ou seja, problematizações sucessivas. “Perturbar significa afetar, colocar problema. Perturbar é potência. É bifurcar, problematizar, colocar caminhos diferentes.” (BICALHO, 2005, p.141). Compreende-se que a orientação do pesquisar a partir da abertura para a 13

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‘diferença perturbadora’ daqueles que resistem aos modos-de-ser hegemônicos possibilita a desnaturalização da norma em prol da busca por caminhos singulares. E ainda, uma nova maneira de abordar a questão da infância escolarizada, judicializada e criminalizada na diferenciação de seus comportamentos.

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