O Acórdão Omega do Tribunal de Justiça da União Europeia e sua Contribuição Teórica para a Construção de um Constitucionalismo Global

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Descrição do Produto

Thomas Bustamante, Bernardo Gonçalves Fernandes, Marcelo Cattoni de Oliveira e Élcio Nacur Rezende Organizadores

I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política O Futuro do Constitucionalismo: Perspectivas para a Democratização do Direito Constitucional Caderno de Resumos

1st International Congress on Constitutional Law and Political Philosophy On the Future of Constitutionalism: Perspectives for Democratizing Constitutional Law Book of Abstracts

I Congreso Internacional de Derecho Constitucional y Filosofía Política El Futuro del Constitucionalismo: Posibilidades para la democratización del Derecho Constitucional Libro de Resúmenes

Belo Horizonte 2014

I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política O Futuro do Constitucionalismo: Perspectivas para a Democratização do Direito Constitucional Thomas Bustamante, Bernardo Gonçalves Fernandes, Marcelo Cattoni de Oliveira e Élcio Nacur Rezende (Orgs.) Copyright © desta edição [2014] Initia Via Editora Ltda. Rua dos Timbiras, nº 2250 – sl. 103-104 Bairro Lourdes Belo Horizonte, MG 30140-061 www.initiavia.com Editora-Chefe: Isolda Lins Ribeiro Editora Adjunta: Renata Esteves Furbino Editora Júnior: Lídia M. de Abreu Generoso Revisão: autores Diagramação: Amanda Bastos Capa: Eduardo Furbino TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial deste livro ou de quaisquer umas de suas partes, por qualquer meio ou processo, sem a prévia autorização do Editor. A violação dos direitos autorais é punível como crime e passível de indenizações diversas. ______________________________________________________ C749

Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política (1. : 2014 : Belo Horizonte, MG) O futuro do constitucionalismo: perspectivas para democratização do direito constitucional / organizadores: Thomas Bustamante, Bernardo Gonçalves Fernandes, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, Élcio Nacur Rezende. - Belo Horizonte : Initia Via, 2014.



480 p. – Caderno de Resumos



ISBN 978-85-64912-58-8 1. Direito constitucional - Congressos . 2. Filosofia do direito – Congressos. I. Bustamante, Thomas. II. Fernades, Bernardo Gonçalves. III. Cattoni de Oliveira, Marcelo Andrade. IV. Rezende, Élcio Nacur. IV. Título. CDU: 340(061.3)

I CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL E FILOSOFIA POLÍTICA O Futuro do Constitucionalismo: Perspectivas para a Democratização do Direito Constitucional Comissão Organizadora  Prof. Dr. Thomas da Rosa de Bustamante (Presidente) Prof. Dr. Bernardo Gonçalves Fernandes Prof. Dr. Marcelo Cattoni de Oliveira Prof. Dr. Élcio Nacur Rezende  Profa. Ana Luisa de Navarro Moreira Prof. Rafael Dilly Patrus  Ludmila Lais Costa Lacerda Christina Vilaça Brina  Igor de Carvalho Enríquez Comitê Assessor Profa. Dra. Adriana Campos Silva  Prof. Dr. André Mendes Moreira  Prof. Dr. Brunello Souza Stancioli Prof. Dr. Emílio Peluso Neder Meyer Prof. Dr. Fabrício Bertini Pasquot Polido Prof. Dr. Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves Prof. Dr. Léo Ferreira Leoncy  Prof. Dr. Marcelo Campos Galuppo  Prof. Dr. Márcio Luís de Oliveira Profa. Dra. Maria Fernanda Salcedo Repolês Profa. Dra. Mariah Brochado Ferreira Profa. Dra. Misabel de Abreu Machado Derzi  Prof. Dr. Onofre Alves Batista Júnior  Prof. Dr. Ricardo Henrique Carvalho Salgado Prof. Dr. Rodolfo Viana Pereira  Deivide Júlio Ribeiro  Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante  Lucas Azevedo Paulino Renato Alves Ribeiro Neto

Sumário Apresentação .................................................................................................... 13 Presentation ..................................................................................................... 15 Presentación .................................................................................................... 17 GT1: O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia A oposição de Jeremy Waldron às ideias constitucionalistas de Ronald Dworkin Linara Oeiras Assunção; Simone Maria Palheta Pires .......................................... 19 Novo constitucionalismo latino-americano: uma via para a legitimação do hiperpresidencialismo nas democracias populistas Ana Tereza Duarte Lima de Barros; José Mario Wanderley Gomes Neto ................... 22 Desjudicialização da política, resgate do papel das instâncias representativas e fortalecimento da democracia: um estudo à luz do argumento das capacidades institucionais Rhaíza Sarciá Bastos; Zamira Mendes Vianna .................................................... 25 Separação dos Poderes, Lealdade Institucional e Cooperação Constitucional Raoni Bielschowsky ........................................................................................... 28 Uma defesa da relativização da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais Christina Vilaça Brina; Igor de Carvalo Enríquez ............................................... 31 Ratio Decidendi e Stare Decisis - estudo da força vinculante do precedente constitucional Vera Karam de Chueiri; Lucas Henrique Muniz da Conceição ............................. 34 As Organizações Internacionais e o Paradigma Atual entre de Proteção à Dignidade da Pessoa Humana e a Projeção Externa da Soberania Damasceno, G. P. M. ......................................................................................... 36 O dilema da jurisdição constitucional Álvaro Ricardo de Souza Cruz; Bernardo Augusto Ferreira Duarte ....................... 38 A Teoria da Separação de Poderes e o Princípio da Representação segundo Kant Valter Freitas ..................................................................................................... 41 Omissão legislativa e crise entre os poderes: a Lei de Inconstitucionalidade por Omissão deve ser alterada? Fabiana de Menezes Soares; Pedro Augusto Costa Gontijo .................................... 43 Diálogo institucional entre poderes e afirmação da democracia participativa: a necessária superação da dicotomia entre a supremacia judicial e a soberania popular Clarissa Fonseca Maia ....................................................................................... 46 La justificación del control de los contenidos constitucionales Diana Sofía Zuluaga-Vivas; César Augusto Molina-Saldarriaga .......................... 49 GT2: Teorias da interpretação constitucional Interpretação jurídica e o uso da teoria alexyana pelo STJ Henrique Napoleão Alves ................................................................................... 52 Interpretação constitucional e justiça no estado democrático de direito: uma análise crítica sobre o positivismo jurídico e a interpretação do Direito em Kelsen Gabriella Sabatini Oliveira Dutra; Rafael Faria Basile ....................................... 56 La interpretación constitucional en contextos multiculturales Jaime Gajardo Falcón ........................................................................................ 60 Da Hermenêutica Formal à Transacional: Estudos sobre a pré-compreensão do intérprete Rodrigo Farias .................................................................................................. 63

Interpretação Conforme e Interpretação de Acordo com a Constituição: Precedentes do STJ e Controle Difuso de Constitucionalidade Luiz Henrique Krassuski Fortes .......................................................................... 66 Kelsen e a teoria da interpretação constitucional Humpty Dumpty Samuel Moreira Gouveia .................................................................................. 69 Controle de constitucionalidade e hermenêutica filosófica: entre o substancialismo e procedimentalismo João André Alves Lança ...................................................................................... 72 Mitologia, caracterização do Poder Judiciário e novas diretrizes para a hermenêutica jurídica: o Juiz Hércules encontra a Juíza Penélope Igor Suzano Machado ........................................................................................ 75 Hermenêutica filosófica e sua contribuição para a jurisdição constitucional Cristiano de Aguiar Portela Moita ...................................................................... 78 A (ir)racional aplicação da proporcionalidade pelo STF Fausto Santos de Morais ..................................................................................... 81 Interpretación Judicial de la Corte Constitucional Colombiana en la sentencia C 590 de 2005, respecto de los requisitos especiales: decisión sin motivación y desconocimiento del precedente, en contraste con el debate entre reglas y principios Alejandra Marcela Arenas Moreno ..................................................................... 85 Derrotabilidade: Perspectivas a cerca de um novo nível de interpretação jurídica Lucas Costa Oliveira .......................................................................................... 88 A Interpretação do Direito em Dworkin: a interpretação jurídica como uma forma criativa de interpretação Robson Vitor Freitas Reis ................................................................................... 91 A legitimidade metodológica da extensão material dos direitos fundamentais Fausto Santos de Morais; José Paulo S. dos Santos ................................................ 94 Aspectos para um avanço analítico-teórico a respeito da dignidade humana Danilo Saran Vezzani; Marco Aurélio Ferreira Caires .......................................... 98 GT3: Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade A sociedade no STF – diagnóstico e perspectivas: o caso da ADPF 54 Mário Cesar da Silva Andrade .......................................................................... 103 Constitucionalismo popular e crítica à supremacia judicial: lições para o Brasil Miguel G. Godoy ............................................................................................ 106 Litígio Estratégico no Movimento das Mulheres: instrumento de compensação na lógica do estruturalismo jurídico? Lívia Gil Guimarães ........................................................................................ 108 O papel construtivo das possibilidades deliberativas para legitimidade e democratização de decisões constitucionais Ludmila Lais Costa Lacerda ............................................................................. 110 Dissenso e democratização do controle de constitucionalidade: fundamentos para o diálogo institucional a partir de Carl Schmitt e Chantal Mouffe Jairo Néia Lima .............................................................................................. 113 Constitucionalismo Popular Mediado: a promessa delicada de um diálogo social seletivo e pelo alto Joana de Souza Machado ................................................................................. 116 Public Participation in Constitution Building Processes Diego Andrés González Medina ....................................................................... 118

Judicial Review nos Tribunais Maçônicos Grégore Moreira de Moura .............................................................................. 123 La legitimidad democrática de la jurisdicción constitucional y el acceso directo de los ciudadanos al control de constitucionalidad Jorge Ernesto Roa Roa ..........,........................................................................... 125 (I)legitimidade democrática e os critérios de composição do Supremo Tribunal Federal Rene Sampar; Henrique Franco Morita ............................................................ 127 O dilema da conexão entre os conceitos de omissão legislativa inconstitucional e as normas de eficácia limitada Danielle Cevallos Soares ................................................................................... 130 Hermenêutica Constitucional: uma análise do amicus curiae à luz da “integridade” proposta por Dworkin Ismael Fernando P. Villas Boas Jr. ..................................................................... 132 GT4: Liberdades democráticas e suas restrições: liberdade religiosa, liberdade de expressão e direitos análogos Restrições na liberdade em nome da igualdade: sempre algo a se lamentar? Jacqueline de Souza Abreu ............................................................................... 134 A intolerância religiosa às religiões afrodescendentes como forma de violação ao direito à liberdade religiosa – uma análise a luz da decisão na ação civil pública 0004747-33.2014.4.02.5101 Jessica Hind Ribeiro Costa ............................................................................... 137 O filtro da razão pública rawlsiana no debate entre seculares e religiosos Franklin Vinícius Marques Dutra .................................................................... 140 O caso das biografias não autorizadas: uma análise de ponderação e proporcionalidade à luz da teoria dos princípios de Humberto Ávila Thais Fernandes; Tatiane Munhoz .................................................................... 142 “Hate Speech” e Estado Democrático de Direito: breves considerações acerca da limitação à liberdade de expressão Mariana Colucci Goulart Martins Ferreira; Alexandre Ribeiro da Silva ................ 146 What’s the political justification of the freedom of speech? Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior .............................................................. 149 A imposição jurídica da moral - Um debate entre Lord Devlin e H.L.A. Hart Clarissa Gross ................................................................................................. 152 O ensino religioso nas escolas públicas Lucas de Barros Peron Maciel ........................................................................... 155 Mínimo existencial e liberdades: interfaces a partir da teoria do desenvolvimento como liberdade Matheus Medeiros Maia; Talita Soares Moran .................................................. 157 Perspectiva alemã acerca das pesquisas envolvendo DNA Humano: liberdade de pesquisa, direitos da personalidade e direitos patrimoniais Vítor Carvalho Miranda ................................................................................. 160 Reflexões sobre a liberdade religiosa e o discurso de ódio no Estado Democrático de Direito Natália Torquete Moura .................................................................................. 163 Laicidade, estereótipos e o “outro”: uma conversa com Jean Baubérot sobre o caso francês Maria Fernanda Salcedo Repolês; Francisco de Castilho Prates ........................... 165 O direito ao esquecimento (right to oblivion) Leonardo Netto Parentoni ............................................................................... 168

O chumbo e o discurso: Jeremy Waldron e Ronald Dworkin sobre liberdade de expressão Leonardo Gomes Penteado Rosa ....................................................................... 170 Liberdade de expressão e democracia: pluralismo e justiça nas sociedades contemporâneas Marina França Santos ..................................................................................... 174 A liberdade de expressão e o público infanto-juvenil Thaís Fernanda Tenórico Sêco .......................................................................... 176 GT5: Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional Legitimidade do controle de constitucionalidade no marco da separação funcional entre direito e política: a jurisdição constitucional pode estar aberta à decisão com base em razões pragmáticas? André Freire Azevedo ....................................................................................... 179 A separação dos poderes e a expansão da jurisdição constitucional: uma análise da mutação do artigo 52, X, CF/88 Adriano Souto Borges ....................................................................................... 182 Julgando pelas consequências: o pragmatismo cotidiano de Richard Posner e sua influência no processo de tomada de decisões judiciais Mariah Brochado Ferreira; Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante .................... 185 O pragmatismo, o Supremo Tribunal Federal e o amianto Gabriela Miranda Duarte; Carlos Fernando Silva Ramos .................................. 188 Economic arguments and judicial review: the alternative of Neil MacCormick’s framework Vinícius Klein ................................................................................................. 190 O princípio da eficiência na efetividade dos direitos sociais: a inaplicabilidade da análise econômica para as decisões judiciais Rebeca Borges Machado A. Leitão; Davi Augusto Santana de Lelis ..................... 193 A interpretação pro homine e suas perplexidades Luís Fernando Matricardi ................................................................................ 195 Constitucionalismo e diálogo institucional: uma análise dos limites pragmáticos e normativos da noção de ativismo judicial Danilo Nunes Cronemberger Miranda ............................................................. 197 Separação dos Poderes, Cortes Constitucionais e o Constrangimento da Razão Pública Rafael Bezerra Nunes ....................................................................................... 200 Uma abordagem descritiva (e suas conseqüências normativas) das relações entre constitucionalismo e democracia Cláudio Ladeira de Oliveira ............................................................................ 203 Em busca do verdadeiro papel da Lei Orçamentária e suas possíveis correções pela via judicial Daniel Giotti de Paula .................................................................................... 206 Audiência pública o ‘lugar’ dos argumentos consenquencialistas Égina Glauce Santos Pereira ............................................................................. 208 Norma fundamental como axioma de legitimação principiológica em Ronald Dworkin Sherman Soares Silva ....................................................................................... 211 GT6: Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional O Acórdão Omega do Tribunal de Justiça da União Europeia e sua Contribuição Teórica para a Construção de um Constitucionalismo Global Jeison Batista de Almeida ................................................................................. 214 Red judicial interamericana y constitucionalismo multinivel Paola Andrea Acosta Alvarado .......................................................................... 216

Sistema carcerário brasileiro e Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: uma análise do caso da unidade de detenção Urso Branco Cinthia de Cerqueira Alves .............................................................................. 218 Constitucionalismo global: novo paradigma para a proteção dos direitos humanos Priscilla Saraiva Alves ..................................................................................... 220 A teoria jusnaturalista dos princípios de Antônio Augusto Cançado Trindade e a sua reconstrução à luz da teoria do discurso de Jürgen Habermas Bruno de Oliveira Biazatti .............................................................................. 223 La naturaleza como “grundnorm” e “tertium comparationis” del “constitucionalismo global” Michele Carducci; Lidia Patricia Castillo Amaya .............................................. 226 Memória, estigmas e compreensão do Direito Muçulmano Marcelo Kokke Gomes ...................................................................................... 229 A aprovação da Lei Geral da Copa e a suspensão de direitos: entrelaçamentos e interferências transnacionais na ordem constitucional Cícero Krupp da Luz ....................................................................................... 232 A problemática de um constitucionalismo global em face da soberania dos estados Eduardo Silva Luz .......................................................................................... 234 A Hierarquia Constitucional dos Tratados de Direitos Humanos Incorporados ao Ordenamento Jurídico Brasileiro Ana Carolina Rezende Oliveira ....................................................................... 237 As constituições democráticas em face de um constitucionalismo global Frederico Antonio Lima de Oliveira; Alberto Papaleo Paes ................................. 240 Constitucionalismo global e as interações entre Direito Internacional e Direito Interno: um olhar crítico sobre o papel dos três poderes na Constituição de 1988 Fabrício Bertini Pasquot Polido; Lucas Costa dos Anjos ...................................... 243 Os conflitos de nossa época e a exigência de uma orientação ético-política universal Lilian Márcia de Castro Ribeiro ....................................................................... 247 O constitucionalismo de Direito internacional privado: inspiração pluralista e tradução metodológica Kellen Trilha Schappo ...................................................................................... 250 Constitucionalismo global, cortes e o exercício de autoridade pública internacional: redefinindo as bases de legitimidade do direito internacional contemporâneo? Fabia Fernandes Carvalho Veçoso; João Henrique Ribeiro Roriz ......................... 253 A constitucionalização do direito internacional em face do fenômeno da “excludência” Fernando César Costa Xavier ........................................................................... 256 GT7: A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica A eficácia dos direitos fundamentais sociais nas relações privadas: um desdobramento do processo de constitucionalização do Direito Marcos Felipe Lopes de Almeida ................................................................... 258 A força normativa dos princípios constitucionais e o Direito do Trabalho Isabela Murta de Ávila .................................................................................... 260 O surgimento do Direito Ambiental na CF/88 e sua importância Tayanná Santos Bezerra ................................................................................... 262 O instituto da separação na Constituição e no Código Civil Laura Souza Lima e Brito ............................................................................... 265

O direito constitucional do trabalho em um estado de exceção econômico: um estudo da proteção dos direitos sociais trabalhistas no contexto de uma sociedade da austeridade Paulo Rogério Marques de Carvalho ................................................................. 268 Direitos Fundamentais, Democracia Constitucional e Cláusulas Pétreas: uma análise da impossibilidade de redução da maioridade penal. Jéssica da Rocha Marques; Richardson Hermes Barbosa Chagas .......................... 271 Estado de Direito, Democracia e Processo: a projeção dos valores democráticos no Direito Processual e a importância da participação efetiva para legitimação de decisões-modelo Victor Barbosa Dutra; Saelli Miranda Lages ..................................................... 275 Análise da intervenção judicial no sistema socioeducativo do estado do Rio Grande do Norte Mariana Dias Ferreira ..................................................................................... 278 A justiciabilidade do direito fundamental social à educação Natascha Alexandrino de Souza Gomes; Paola Durso Angelucci ..................... 281 A constitucionalização do Direito Penal: do simbolismo formal à plenitude Luiz Laboissiere Junior .................................................................................... 284 Entre o direito e a internet: a soberania em rede Ramon de Vasconcelos Negócio .......................................................................... 287 Elementos para uma nova compreensão constitucional da jurisdição penal Paulo Henrique Borges da Rocha; Lidiane Mauricio dos Reis ............................. 290 Os mutirões de Habeas Corpus realizados pela DPE-BA como via de promoção de acesso à justiça em Feira de Santana Élida Priscila Araujo Santana .......................................................................... 292 A constitucionalização da execução penal: perspectivas de estudo e operacionalidade da disciplina jurídica a partir de uma interpretação constitucionalizada Adriano Resende de Vasconcelos ......................................................................... 294 GT8: História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas Soberania e Indecisão; notas sobre a crítica de Schmitt à Constituição de Weimar Ingrid Oliveira de Almeida .............................................................................. 297 A pretensão do plebiscito para uma Constituinte exclusiva e soberana sobre reforma política Bruno César Braga Araripe ............................................................................... 299 Atuação político-democrática e práxis constitucional: o poder constituinte sob a ótica de Antonio Negri e de Friedrich Müller Vitor Sousa Bizerril .-....................................................................................... 301 O controle de constitucionalidade no Brasil e os modelos clássicos Edna Torres Felício Câmara ............................................................................. 304 Direito de Exceção e Normalidade em Giorgio Agamben Andréia Fressatti Cardoso ................................................................................ 307 O debate sobre a reforma política no Brasil: realizações e alternativas Lucas de Oliveira Gelape .................................................................................. 310 Constituinte exclusiva e soberana: uma velha ilusão sob nova roupagem Cezar Cardoso de Souza Neto; Diego Vinícius Vieira ......................................... 313 É possível identificar um consitucionalismo antigo? A politeia e o status civitatis como princípios organizadores da ordem política Leonam Baesso da Silva Liziero; Matheus Farinhas de Oliveira .......................... 316 Constituinte Exclusiva para a Reforma Política: exercício legítimo da soberania popular ou golpe? Deivide Júlio Ribeiro; Lucas Azevedo Paulino ................................................... 319

O ressurgimento do Confucionsimo Político na China: um novo constitucionalismo chinês? Marcelo Maciel Ramos; Rafael Machado da Rocha ........................................... 322 Intributabilidade e terras remanescentes quilombolas: a interpretação constitucional na proteção dos direitos fundamentais Guilherme De Lima Soares .............................................................................. 324 Uma nova constituinte: a necessidade de se (re)desenhar o sistema político brasileiro Igor Campos Viana .......................................................................................... 327 GT9: Ativismo judicial e comportamento judicial O Judicial Review e o Ativismo Judicial da Suprema Corte Americana Estefânia Maria de Queiroz Barboza; Katya Kozicki ......................................... 330 Ativismo Judicial: Fatores e Dimensões Carlos Alexandre de Azevedo Campos ............................................................... 335 Direitos fundamentais e a judicialização da política: implicações do ativismo judicial no Estado brasileiro Gabriela Nodari Fróes de Castro; Luana Amaral Prado ..................................... 338 Ativismo judicial à luz do princípio da Separação dos Poderes: Uma análise de seus efeitos sobre a democracia no Brasil a partir do contraponto entre decisões do Supremo Tribunal Federal e a atuação do Poder Legislativo Aparecida de Sousa Damasceno ........................................................................ 341 The conception of judicial activism in Frederick Schauer’s formalism and a critique Rodolfo de Assis Ferreira .................................................................................. 343 O que é um Superprecedente? Siddharta Legale ............................................................................................ 345 Judicialização e Ativismo Judicial: o comportamento do Poder Judiciário Isabella Oliveira Godinho; Rebeca Barbosa Andrade .......................................... 348 Teria Ronald Dworkin defendido o ativismo judicial? Henrique Cruz Noya; Vitor Amaral Medrado ................................................... 351 O papel do Supremo Tribunal Federal na construção de uma constituição transversal: os perigos do autismo e da expansão imperialista do direito Edvaldo de Aguiar Portela Moita ..................................................................... 354 Hard cases: estudo do caso Natan Donadon Barbara Brum Nery ........................................................................................ 357 O ativismo judicial como mecanismo para a efetividade do processo civil democrático Isabela Dias Neves ......................................................................................... 363 Collegiality and deliberative democracy Rafael Dilly Patrus .......................................................................................... 366 O problema da votação seriatim e a ADPF 132 Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave .............................................................. 369 Como pensam os juízes: entre o pesadelo e o nobre sonho Katya Kozicki; William Soares Pugliese ............................................................. 371 Justiciabilidade dos Direitos Fundamentais Sociais e Conflito de Competências Cláudia Toledo ................................................................................................ 374 GT10: Teorias contemporâneas da Democracia Democracia, ética e jurisdição constitucional: Legitimidade e responsabilidade social do Supremo Tribunal Federal Antônio Gomes de Vasconcelos; Isabela Vaz de Mello Lima e Silva Almeida ......... 377

Democracia Material – Um enfoque constitucionalista cético Samira Costa Arcanjo; Daniel Nunes Pereira .................................................... 380 Jurisdição constitucional no Brasil: tecnologias de uma razão de Estado antidemocrática Adalberto Antonio Batista Arcelo ...................................................................... 383 De Rashomon ao Senhor das Moscas: o processo de identificaçâo democrática com os fenômenos da esfera jurídica Gustavo Augusto de Bourbon; Yuri Rios Casseb ................................................. 386 Relações de reconhecimento e a infraestrutura normativa da democracia Luiz Philipe de Caux ...................................................................................... 390 Multiculturalismo en el siglo XXI: los modelos de interculturalidad en las sociedades contemporaneas Daniel Antônio da Cunha ................................................................................ 392 As exigências da igualdade democrática Paulo Baptista Caruso MacDonald .................................................................. 394 A decisão majoritária é a mais justa ou a mais popular? A crise da legitimidade democrática da jurisdição constitucional diante do conflito entre as concepções agregativas e deliberativas de democracia Deborah Dettmam .......................................................................................... 396 A internet como espaço deliberativo legítimo: As redes sociais podem ser um locus de legitimidade democrática à jurisdição constitucional? Thomas da Rosa de Bustamante; Ana Luísa de Navarro Moreira ........................ 398 Os direitos políticos dos analfabetos: o caso brasileiro e o paradigma da democracia liberal Alexander Augusto Isac Beltrão; Marcelo Sevaybricker Moreira ........................... 401 Democracia procedimental e estado poiético: reflexões iniciais Leonardo Antonacci Barone Santos ................................................................... 404 Democracia e justiça em Hans Kelsen: uma abordagem crítica do ideal democrático na teoria constitucional contemporânea e no Brasil Mariane Andréia Cardoso dos Santos ................................................................ 407 Construção e reconstrução normativa: a teoria democrática contemporânea entre política e moral na Escola de Frankfurt Thiago Aguiar Simim ...................................................................................... 410 Variações democráticas, emancipação de pluralidades Agnelo Corrêa Vianna Júnior ........................................................................... 413 GT11: Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo O constitucionalismo democrático no paradigma do Estado Democrático de Direito: apontamentos acerca da legitimidade do direito a partir do princípio do discurso Adamo Dias Alves ; Benedito Silva De Almeida Junior ..................................... 416 Ações afirmativas e igualdade de oportunidades: um conceito de justiça para atores sociais em disputa Priscila da Silva Barboza ................................................................................. 419 Justiça Política e luta pela dignidade: explorando a política do reconhecimento de Charles Taylor Carlos David Carneiro .................................................................................... 421 Estado e locus civis versus os fundamentos político-filosófico do constitucionalismo Miguel Ivân Mendonça Carneiro ..................................................................... 423 Teoria descolonial dos direitos fundamentais e filosofia intercultural dos direitos humanos Konstantin Gerber ........................................................................................... 426

Críticas de Amartya Sen à teoria contratualista de John Rawls Luíza Kitzmann Krug ..................................................................................... 428 Em defesa da democracia deliberativa: uma possível resposta de Carlos Santiago Nino às críticas feitas por Jeremy Waldron José Arthur Castillo de Macedo ......................................................................... 431 O Constitucionalismo moderno frente aos dilemas morais Victor Cristiano da Silva Maia ........................................................................ 433 Uma análise sobre algumas das bases filosóficas e políticas do Processo de (re)dimensionamento Global e Intergeracional do Direito Constitucional Juliana Guedes Martins ................................................................................... 436 Fundamentos filosóficos do direito à vida em John Finnis Dilson Cavalcanti Batista Neto ........................................................................ 439 Novos Direitos: aportes a partir da Filosofia da Libertação Latino-Americana Ana Paula de Oliveira Mazoni Vanzela Paiva .................................................. 442 Revisitando a jusfilosofia de Kelsen e seu constitucionalismo Daniel Nunes Pereira; Patrick de Almeida Saigg ............................................... 445 Contribuição da experiência literária para a neutralidade liberal Bruno Anunciação Rocha; Galvão Rabelo ......................................................... 448 A legitimidade democrática do controle de constitucionalidade à luz da teoria de John Rawls Mariana Oliveira de Sá ................................................................................... 451 Poder Constituinte e Fundação Contínua em Hannah Arendt Ana Paula Repolês Torres ................................................................................. 454 GT12: O Direito Constitucional e a Política: formas de interferência da jurisdição constitucional sobre o processo político e eleitoral O Supremo Tribunal Federal e a utilização da hermenêutica constitucional como meio para o seu emponderamento na arena política Paulo Alkmin Costa Júnior .............................................................................. 456 A insurreição do “constitucionalismo político” sobre o “legal”: por que o processo legislativo pátrio (ainda) é visto com desconfiança? Matheus Henrique dos Santos da Escossia ......................................................... 459 Princípio da Proporcionalidade e Controle de Constitucionalidade Lucas Costa Gonçalves ..................................................................................... 462 O cabimento dos embargos infringentes na Ação Penal 470: legitimidade da jurisdição constitucional no espaço democrático Cristina Sílvia Alves Lourenço; Maurício Sullivan Balhe Guedes ........................ 464 Construcción deliberativa de una dogmática constitucional del procedimiento parlamentario: El caso colombiano Leonardo García Jaramillo ............................................................................. 467 A pressão judicial nos casos de omissão legislativa e a ausência de vontade política: uma introdução à necessidade do diálogo entre os poderes Karina Denari Gomes de Mattos ...................................................................... 470 Two Levels of Social Rights: A Democratic Justification of Judicial Review Leticia Morales ............................................................................................... 473 A aplicação judicial do direito na Suprema Corte: o jogo do colegiado Paula Pessoa Pereira ........................................................................................ 475 O Supremo Tribunal Federal no combate à deformação do processo político e eleitoral e a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung) Williana Ratsunne da Silva Shirasu; Camile Araújo de Figueiredo ..................... 478

Apresentação O I Congresso Internacional em Direito Constitucional e Filosofia Política, promovido pelos Programas de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Faculdade Dom Helder Câmara, traz como tema “O Futuro do Constitucionalismo e a Democratização do Direito Constitucional”. O evento se insere no contexto de internacionalização dos Programas de Pós-Graduação em Direito da UFMG e da Escola Superior Dom Helder Câmara, buscando refletir criticamente sobre os sistemas de jurisdição constitucional existentes no direito comparado e analisar os fundamentos políticos e morais do controle de constitucionalidade. Adotam-se como pano de fundo as críticas à jurisdição constitucional recentemente desenvolvidas por filósofos do direito e filósofos políticos como Jeremy Waldron, Mark Tushnet e Richard Bellamy, que colocam em xeque a legitimidade das cortes constitucionais por desconfiar da premissa liberal de que elas constituiriam um “foro privilegiado” para deliberação sobre questões morais e argumentos fundados em princípios. Pretende-se examinar, no Congresso ora proposto, os argumentos encontrados na filosofia política e jurídica contemporânea para se estabelecer uma ética deliberativa para as cortes constitucionais e para o desenvolvimento de reformas políticas-institucionais para redefinir a função e a configuração das cortes constitucionais. Nesta última seara, as contribuições dos Plenary Speakers convidados buscarão definir uma espécie de modelo ideal de equilíbrio e cooperação entre os poderes, em busca da legitimação do discurso sobre os direitos fundamentais. Serão analisados, ainda, alguns modelos recentemente adotados por sistemas jurídicos estrangeiros, cuja experiência pode ser um indicador razoável para avaliar recentes propostas de “enfraquecimento” do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, com o fito de estabelecer um “diálogo institucional” com o poder legislativo.

14 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Finalmente, serão expostos também os argumentos em defesa da jurisdição constitucional e os elementos políticos, morais e institucionais capazes de fortalecer a função representativa e deliberativa das Cortes Constitucionais e, em particular, do Supremo Tribunal Federal Brasileiro. A Comissão Organizadora

Presentation The First International Congress on Constitutional Law and Political Philosophy, organized by the Centre of Graduate Research Studies in Law of the UFMG (Federal University of Minas Gerais) and the Centre of Graduate Research Studies in the Dom Helder School of Law, has as central theme “On the Future of Constitutionalism and the Democratization of Constitutional Law”. The event is part of the internationalization plans of the Centre of Graduate Research Studies in Law of the UFMG and of the Centre of Graduate Research Studies in Law of the Dom Helder School of Law. It aims to reflect in a critical way about the systems of judicial review found in Comparative Law and to analyze the moral and political foundations of judicial review. The background of the event is constituted by the critics to constitutional adjudication raised by legal and political philosophers such as Jeremy Waldron, Mark Tushnet and Richard Bellamy, who challenge the legitimacy of constitutional courts and no longer support the liberal assumption that these courts are a special forum for deliberation about moral issues and principled arguments. We intend to examine, in the Congress, the arguments found in contemporary legal and political philosophy to establish a deliberative ethics for constitutional courts and for the development of institutional and political reforms with a view to redefining the role and the configuration of constitutional courts. In this context, the contributions of the Keynote Speakers aim to define a sort of an ideal-type for the equilibrium and the cooperation of powers, with the aim of legitimizing the discourse about rights. We will analyze, furthermore, some models recently adopted by foreign legal systems, the experience of which can be a reasonable indicator to assess ongoing proposals to “weaken” the Brazilian system of judicial review, in order to enhance the “institutional dialogue” with the legislature.

16 • 1st International Congress on Constitutional Law and Political Philosophy

Finally, the Congress will also expound the arguments in defense of judicial review and the moral and political aspects that claim to be capable of providing a representative function for the Constitutional Courts. Organizing Commission

Presentación El 1er Congreso Internacional de Derecho Constitucional y Filosofía Política, auspiciado por los Programas de Posgrado en Derecho de la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG) y de la Escola Superior Dom Helder Câmara, lleva como tema “El futuro del constitucionalismo y la democratización del Derecho Constitucional”. El evento está inserido en el contexto de internacionalización de los Programas de Postgrado en Derecho de la UFMG y de la Escuela Superior Dom Helder Câmara, buscando pensar críticamente acerca de los sistemas existentes de jurisdicción constitucional. Usándose herramientas del derecho comparado, intentaremos hacer un análisis sobre los fundamentos políticos y morales de la revisión judicial. Adoptaremos como base las críticas al Tribunal Constitucional recientemente desarrolladas por algunos filósofos del derecho o filósofos políticos, como Jeremy Waldron, Mark Tushnet y Richard Bellamy. Ese pensamiento desafía la legitimidad de los tribunales constitucionales por la desconfianza de la premisa liberal de que habría en esos tribunales un “ foro privilegiado” para la discusión sobre cuestiones morales y argumentos baseados en principios. En el Congreso se propone la revisión de los argumentos encontrados en la filosofía política y jurídica contemporánea, estableciendo una ética de deliberación a los tribunales constitucionales. Intentamos enfocar en el desarrollo de políticas y reformas de las instituciones para redefinir la función y la configuración de los tribunales constitucionales. En este último punto, las aportaciones de los ponentes plenarios buscarán definir un tipo de modelo ideal de equilibrio y establecer líneas de cooperación entre los poderes en la búsqueda del discurso legítimo de los derechos fundamentales. Se analizarán más detenidamente algunos modelos recientemente adoptados por algunos sistemas jurídicos de varias partes del mundo, cuya experiencia puede ser un lastro para evaluar las propuestas recientes acerca del “ enflaquecimiento “ del sistema brasileño de re-

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visión judicial. Para eso, tenemos como objetivo crear caminos para un futuro diálogo institucional con el Poder Legislativo. Por último, también expondremos los argumentos en defensa de la jurisdicción constitucional y los elementos políticos, morales e institucionales capaces de fortalecer la función representativa y deliberativa de los Tribunales Constitucionales concentrándonos, en particular, en el Supremo Tribunal Federal de Brasil. El Comité Organizador

A oposição de Jeremy Waldron às ideias constitucionalistas de Ronald Dworkin Linara Oeiras Assunção

Doutoranda em Direito (UFMG). Professora do Curso de Direito da UNIFAP. Brasil. Email: [email protected].

Simone Maria Palheta Pires

Doutoranda em Direito (UFMG). Professora do Curso de Direito da UNIFAP. Brasil. Email: [email protected].

Este estudo tem por objetivo discutir o raciocínio jurídico de Waldron e Dworkin a acerca do constitucionalismo e da democracia constitucional, e, especificamente, a oposição do primeiro ao segundo, pois para Waldron as ideias constitucionalistas defendidas por Dworkin são antidemocráticas e ineficazes porque pretendem se justificar a partir de princípios preexistentes, que, na verdade, possibilitam ao Poder Judiciário uma verdadeira intervenção legislativa. Neste sentido, Waldron acredita que a democracia só pode ser alcançada por meio da noção de auto-governo, devendo os próprios cidadãos serem os responsáveis pela legitimidade de suas escolhas, através de uma formação representativa, que inclui as minorias, respeita a participação igualitária e pressupõe a capacidade de autonomia entre todos os membros da sociedade. O autor acredita que a interferência do Poder Judiciário no âmbito de inovação das decisões legais fere toda a estrutura de separação dos poderes intrínseca ao modelo de Estado Democrático. Critica o ativismo judicial e a ampliação dos poderes jurisdicionais além do seu âmbito de atuação, descrevendo o caráter democrático do Poder Legislativo como o mais eficiente na aplicação dos interesses da sociedade. Em oposição a Dworkin que defende um julgamento moral dos juízes com base em princípios constitucionais pré-estabelecidos, Waldron defende um direito sem a interferência de julgamentos morais,

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apoiado unicamente na legalidade, que ele entende ser a única maneira de se atingir a democracia. Há um positivismo latente em Waldron, ao criar uma ideia de “positivismo normativo”, que induz à imprescindibilidade de textos normativos condutores das decisões judiciárias, que devem aplicá-los sem que existam influências morais. Enquanto Dworkin reitera a coerência interpretativa necessária às respostas a casos específicos, com solução aparentemente difícil, Waldron admite que as divergências são o único meio de se alcançar uma produção normativa e só a partir desta pode ser construído um raciocínio democrático. Ademais, Dworkin defende uma interpretação integrativa, capaz de garantir uma coerência ao texto normativo, por meio do respeito aos seus precedentes e a uma teoria de princípios fundamentais que constituem a base da pirâmide normativa. Waldron defende uma democracia deliberativa, com predominância do Poder Legislativo na construção normativa. Já Dworkin defende um modelo de democracia pautado na supremacia constitucional e sua influência em todo o ordenamento jurídico via controle de constitucionalidade. Dworkin, diferentemente de Waldron, entende que abandonar todas as questões de uma comunidade nas mãos do Poder Legislativo denota um demasiado poder a um órgão tão passível de influências políticas e exclui o Poder Judiciário da responsabilidade de equilibrar os Poderes, assegurando a garantia dos interesses da coletividade, função essa que só se torna possível pela proteção dos direitos fundamentais nos tribunais constitucionais. Contudo, Waldron lembra que tanto o Poder Legislativo quanto Poder Judiciário são influenciados pelos interesses da maioria, uma vez que o caráter decisório de ambos se baseia em questões procedimentais sujeitas à falibilidade. Dworkin critica, também, o que ele chama o “ponto de vista da intenção de locutor” que se baseia na compreensão de que o juiz, ao aplicar uma lei que não seja clara, deve descobrir qual a intenção do

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legislador, ou seja, deve fazer um exercício de raciocínio que o fará retroagir a gênesis da história legislativa. Critica esse ponto de vista apresentando o que denomina de “método de Hércules”. Hércules é uma personagem criada pelo próprio Dworkin, que representa um juiz quase perfeito em sua atuação. Diz o autor que diante da aplicação de uma lei obscura, o juiz deverá levar em consideração que o Parlamento, como o autor anterior a ele na cadeia criativa do direito, tem poderes e responsabilidades diferentes dos seus, e fundamentalmente, vai reconhecer seu próprio papel de colaborador, que continua a desenvolver o sistema legal iniciado pelo Parlamento, levando em conta o contexto de aplicação da lei. Dworkin avança para afirmar, com base na distinção entre regras e princípios, que as teses positivistas são insuficientes para uma interpretação em que o juiz descubra qual a decisão correta para cada caso em análise e que a hermenêutica jurídica é um exercício de interpretação construtiva da prática social. Assim, conclui-se que Dworkin aponta deficiências que julga inerentes à deliberação parlamentar, sustentando a maior participação alcançada com a decisão judicial e que Waldron faz o contra ponto a partir do reconhecimento de que os indivíduos podem atuar de maneira imparcial, deliberando sobre seus direitos, mas também sobre o bem comum. Por esses motivos, cabe o apoio à Waldron e à sua crença na possibilidade de uma deliberação parlamentar séria, tudo em nome da manutenção do Estado Democrático de Direito. Palavras-chave: Constitucionalismo. Democracia Constitucional. Poder Legislativo. Poder Judiciário.

Novo constitucionalismo latino-americano: uma via para a legitimação do hiperpresidencialismo nas democracias populistas

Ana Tereza Duarte Lima de Barros

Graduanda do curso de Bacharelado em Direito e bolsista de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Católica de Pernambuco – Brasil. E-mail: [email protected].

José Mario Wanderley Gomes Neto

Professor da graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco. Mestre em Direito e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco – Brasil. E-mail: [email protected].

O populismo não é um fenômeno recente na América Latina. Podemos separar os momentos populistas em três: o dos velhos populistas, o dos populismos neoliberais e o das novas expressões contemporâneas do populismo (FREIDENBERG, 2007). Nesses três momentos podemos destacar, como denominador comum para caracterizar o populismo, a concentração de poderes nas mãos do presidente e a consequente supressão das instituições, sobretudo do Congresso, que perde sua capacidade de fazer contrapeso ao Executivo, o que termina por mitigar a separação de poderes. As novas expressões do populismo surgiram, no final da década de 90 e início do século XXI, com os governos de Hugo Chávez na Venezuela, de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Correa no Equador. Nesses governos podemos destacar a tensão entre a inclusão política e o ataque às instituições democráticas (FREIDENBERG, 2011: 9). As lideranças populistas costumam surgir em momentos de profunda crise institucional. Na Venezuela, Bolívia e Equador os cidadãos não se sentiam representados pelos partidos políticos, de forma que resolveram eleger políticos que não pertenciam a nenhum dos partidos tradicionais. Estes líderes, uma vez eleitos, passaram a incluir pessoas e grupos sociais que antes estavam excluídos do sistema. Contudo, seu discurso é “radical e polarizador, excludente da

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oposição partidária, de alguns meios de comunicação de massas e daqueles setores da cidadania que criticam seu projeto político” (FREIDENBERG, 2011: 9). Assim, tanto Chávez, quanto Morales, como Correa, integraram os excluídos se utilizando de um estilo de liderança populista (FREIDENBERG, 2007), que se caracteriza “pela relação direta e paternalista entre líder-seguidor, sem mediações organizativas ou institucionais”, que polariza a sociedade, uma vez que de um lado está “o povo”, do outro, “os outros” (FREIDENBERG, 2011: 9). Dessa maneira, embora haja quem creia que o populismo aprofunda a democracia ao incluir os setores antes excluídos, a verdade é que, nas democracias populistas, “o líder está por cima das regras, por isso não necessita preocupar-se pelo Estado de Direito nem pelas instituições” (FREIDENBERG, 2011: 10). Classificar o tipo de regime existente nesses países vem sendo uma tarefa complexa para as ciências sociais. Contudo, é importante destacar que nenhuma das principais classificações feitas, como a que o enquadra como sendo um regime “híbrido” (DIAMOND, 2002; MORLINO, 2004; DIAMOND; MORLINO, 2005), nega a existência de um regime democrático, pelo contrário, o que essas classificações buscam é “explicar os elementos que indicam o grau de distanciamento da democracia ou que se transformaram em déficit em algum de seus aspectos” (PACHANO, 2009: 234-235). Para fins desse trabalho, o regime populista existente nesses países é considerado como uma forma diminuída da democracia. Por fim, as lideranças populistas também mudam as regras do jogo (FREIDENBERG, 2011: 10). Da tentativa de mudar as regras do jogo nasceram as Assembleias Constituintes convocadas na Venezuela, Bolívia e Equador para criarem novas Constituições, seguindo a linha doutrinária constitucional que Roberto Viciano Pastor e Rubén Martinez Dalmau chamaram “novo constitucionalismo latino-americano”. Foi feita uma análise comparativa entre as Constituições recentes e antigas desses países no que diz respeito aos poderes conferidos ao chefe do Executivo. Utilizando-se as variáveis trabalhadas por

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Mainwaring e Shugart (1993: 204) para medir os poderes presidenciais, quais sejam, poder de veto total, de veto parcial, de decreto, de iniciativa legislativa exclusiva, de iniciativa orçamentaria e de proposta de referendo, - em que cada uma dessas variáveis foi valorada de 0 a 4, onde 0 seria considerado um poder fraco, e 4, um poder muito forte -, chegou-se à conclusão de que essas novas Constituições acentuaram bastante os poderes legislativos do presidente. O princípio da separação de poderes é o fundamento das democracias presidencialistas. O novo constitucionalismo latino-americano aceita e promove a mitigação desse princípio sob a falsa justificativa de que através desses referendos promovidos pelo Executivo se escutará a vontade do poder constituinte. Contudo, é evidente que o poder constituinte, ao eleger seus legisladores, já está demonstrando sua vontade, uma vez que o Parlamento é o representante direto dos cidadãos e, portanto, é ele quem deve convocar a cidadania para decidir a respeito de mudanças constitucionais, não o Presidente. A adoção de mecanismos da democracia direta por uma Constituição deve ser acompanhada por uma descentralização do poder, não de uma concentração de poderes em torno da figura presidencial. Dessa maneira, conclui-se que o novo constitucionalismo latino-americano reforça o hiperpresidencialismo característico das democracias populistas, uma vez que, ao promover o uso recorrente a instrumentos da democracia direta, busca, na realidade, legalizar a vontade soberana do líder através da apelação direta às massas. Os líderes populistas sabem que suas iniciativas legislativas, em ordem a aumentar seu poder, correriam o grave risco de não serem aprovadas pelo Congresso. É por isso que, apelar diretamente ao “povo” é a maneira perfeita e ideal de ver sua vontade soberana legitimada.

Desjudicialização da política, resgate do papel das instâncias representativas e fortalecimento da democracia: um estudo à luz do argumento das capacidades institucionais.

Rhaíza Sarciá Bastos

Acadêmica do oitavo período de graduação em Direito e participante do programa de iniciação científica em Pensamento Constitucional Contemporâneo pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior, Juiz de Fora – MG. Tradutora do artigo “On the concept and the nature of Law”, de Robert Alexy, em parceria com o doutorando Bruno Stigert, in: Tratado de Direito Constitucional, Volume I: Constituição, Política e Sociedade, de coordenação de Felipe Asensi e Daniel Giotti, Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. ISBN 978-85-352-5414-3. Apresentação e publicação do artigo: “Acesso à Justiça e a Excessiva Judicialização das Pretensões Resistidas”, in: III Simpósio Interdisciplinar de Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, 2013, Niterói. PPGSD-UFF. ISSN 22369651, n.3, v. 3, 2013. v. 3. p. 218-237. [email protected]

Zamira Mendes Vianna

Possui graduação em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior (2004), pós-graduação em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2007) e mestrado em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC - Rio (2010). Atualmente é professora nas Faculdades Integradas Vianna Júnior nas disciplinas Introdução ao Estudo do Direito e Direito Constitucional. É revisora do periódico Vianna Sapiens. [email protected]

Dentre as mudanças decorrentes do fenômeno do neoconstitucionalismo, tem-se destacado, tornando-se recorrente no debate constitucional brasileiro, a judicialização da política e das relações sociais, o que provoca um considerável deslocamento de poder do âmbito dos poderes constituídos - Legislativo e Executivo -, para o Judiciário. Há quem defenda esse comportamento sob o amparo de argumentos acerca da ineficiência das demais instituições. Há ainda, aqueles que se oponham ao esquema decisório no âmbito do Poder Legislativo, que perpassa pelo debate, deliberação e pelo voto de

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maioria dos parlamentares, o que não implicaria na expressão dos verdadeiros anseios dos representados sobre questões relevantes para a vida em comunidade. Há, por derradeiro, os defensores do ativismo judicial, que sustentam seu posicionamento na descrença geral existente quanto aos representantes, o que, por sua vez, autorizaria a tomada de decisões por uma instituição que originalmente fora criada para aplicar o Direito. Na contramão dessas ideias, a crítica que se faz a essa ênfase no Judiciário consiste justamente no caráter antidemocrático desta instância. Isso se dá porque as decisões judiciais não são legitimadas pelo voto popular, diferentemente da atuação dos outros dois poderes, cujos representantes são eleitos pelo voto direto. Ademais, o tecnicismo inerente à atividade jurídica provoca a inacessibilidade do debate na arena do Judiciário. Insta consignar, ainda, que as decisões nos órgãos colegiados do Judiciário também perpassam pela regra da maioria, e que, portanto, o que se constata é uma mera mistificação do Estado-juiz, já que não se trata de diferença de método decisório entre as esferas legiferante e as instâncias judiciais. Diante desse cenário, torna-se imperiosa a busca por propostas de resgate do Poder Legislativo em nosso desenho institucional com o fim precípuo de buscar o fortalecimento do regime democrático e garantir maior segurança jurídica. Este trabalho tem como objetivo trazer ao debate a grande relevância e singularidade do argumento das capacidades institucionais, nos moldes de Sunstein e Vermeule, como medida de definição dos limites de alocação de poder entre as instituições, de maneira a proporcionar a decisão mais acertada a cada caso. A operacionalidade dessa teoria encontra-se, precipuamente, no seu afastamento de uma dimensão do ideal, na medida em que leva em conta as limitações das instituições e de seus atores. À luz deste argumento, que é o ponto de referência de toda a pesquisa, discute-se a necessidade de se recuperar a dignidade da legislação, como ferrenhamente defendido por Jeremy Waldron, por meio do processo deliberativo dos Parlamentos, realocando para arena legislativa o debate acerca dos desacordos morais razoáveis. O trabalho desenvolve a noção da utilidade do argumento das capacidades institucionais, sobretudo,

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como forma de se esclarecer a importância do tratamento adequado do processo decisório dentro do arranjo institucional de sociedades plurais modernas, como a brasileira, como forma de se aprimorar o modelo democrático utilizado, tendo como fundamento a soberania popular. Palavras-chave: desjudicialização da política – capacidades institucionais – dignidade da legislação – democracia.

Separação dos Poderes, Lealdade Institucional e Cooperação Constitucional Raoni Bielschowsky

Doutorando em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, bolsista CAPES; mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Brasil. rmabiel@ hotmail.com

“Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder”, a clássica frase do Barão de Montesquieu no Espírito das Leis retrata uma das construções teóricas mais influentes da cultura política do ocidente: que as funções do Poder estatal devem ser distribuídas, repartidas e institucionalizadas em poderes autônomos que mutuamente se controlam através da faculdade de estatuir e da faculdade de impedir. O triunfo político desta construção pode ser reconhecido desde a gênese do constitucionalismo, quer a realidade Norte Americana – com todas suas peculiaridades e desenhos jurídico-políticas – quer no constitucionalismo europeu continental – já, inicialmente, no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em França. Fato é que com a complexidade da dinâmica política; com os desdobramentos da teoria dos freios e contrapesos; com a intensificação das relações de interdependências e, mesmo, das zonas cinzentas de interseção entre as competências dos poderes constituídos; com o avanço da estrutura constitucional, passando historicamente, com especial relevância, pela criação e reconhecimento de instrumentos de controle jurídico de constitucionalidade; por muitas vezes vê-se no Estado um ambiente de verdadeira guerrilha institucional1, que, por sua vez, fomenta um ambiente de insegurança e incerteza intraestatal. Os desdobramentos dessa atmosfera de tensão são muitos que

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vão desde a ambígua inflação das instituições até a tão proclamada crise de representatividade. Assim, sendo, há de se refletir sobre qual força terá a capacidade de sustentar e integrar o Estado evitando e contornando as crises geradas pelas tensões entre os três constituídos? Quem ou, melhor dito, o que garantiria a ordem, harmonia e equilíbrio entre esses poderes, bem como, a unidade (em pluralidade) política do Estado? Uma resposta a essas perguntas é encontrada em Karl Loewenstein quando afirma que “com o tempo se foi demonstrando que este propósito é mais bem atendido pela articulação dos limites que a sociedade desejaria impor aos detentores do poder na forma de um sistema de regras fixas – a ‘constituição’ – limitando o exercício do poder político desses detentores. A constituição, então, se tornou o instrumento básico para o controle dos processos de Poder”2. Portanto, mais que um poder que controle outro poder – formulação que, sem dúvida, continua sendo chave para a composição do Estado de Direito –, o arranjo do constitucionalismo pretende que a normatividade (força normativa da Constituição) controle o Poder como um todo. Nesse sentido Hesse, por exemplo, trata da necessidade de uma vontade de Constituição que é necessária a todos os cidadãos, especialmente aos atores dos poderes constituídos3. E é nesse sentido que um dos elementos necessários à própria estrutura constitucional de separação dos poderes é aquilo que Canotilho chama de lealdade institucional. Esse conceito compreende duas dimensões, sendo uma positiva e outra negativa. A primeira consiste na mutua cooperação entre os diversos órgãos do Estado, concorrendo para realizar os objetivos constitucionais e promovendo o funcionamento do sistema de governo. Enquanto isso, a dimensão negativa da lealdade institucional pode ser identificada pelo dever dos titulares do Poder respeitar-se mutuamente, não criando – s arbitrariamente – óbices ao exercício das competências alheias, renunciando a práticas de guerrilha institucional e abuso do poder. Nessa linha, os principais efeitos da lealdade institucional desdobram-se em três sentidos: enquanto elemento de

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interpretação, enquanto fonte de deveres e adstrições e enquanto limite ao abuso de poderes4. A partir dessa construção vale a reflexão sobre a necessidade e a possibilidade de uma cooperação constitucional – que é inerente ao próprio Estado Democrático de Direito – a partir de uma deontologia política, fundada no respeito dos agentes e das instituições para com a coisa pública, desde um apurado sentido da responsabilidade no Estado e de respeito ao princípio republicano. Notas 1

Gomes Canotilho e Vital Moreira, Os poderes do presidente da República, Coimbra, Coimbra Editora, 1991. p. 71. 2 Loewenstein, Political Power and the Governmental Process, 2 ed. Chicago, The University of Chicago Press, 1965, p. 123. 3 Hesse, A força normativa da constituição, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, pp. 19. 4 Jaime Valle, O Princípio da Lealdade Institucional nas relações entre os poderes públicos – alguns aspectos gerais, Direito & justiça, Loures, n. 1, p.- 62-72, out./dez. 2012.

Uma defesa da relativização da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais

Christina Vilaça Brina

Mestranda em direito pela Faculdade de Direito da UFMG, Bolsista CNPQ, Brasil, [email protected]

Igor de Carvalo Enríquez

Mestre e Doutorando em direito pela Faculdade de Direito da UFMG, Bolsista FAPEMIG, Brasil, [email protected]

O sistema jurídico brasileiro adota o controle de constitucionalidade em duas modalidades: o concreto e o abstrato. No primeiro, a análise de constitucionalidade da norma é realizada de forma conjugada à aferição de direito subjetivo ou interesse legítimo cuja tutela jurisdicional dela dependa. Sua finalidade é verificar a aplicação da norma constitucional no caso concreto, possuindo efeitos, a princípio, limitados e inter-partes. Já no segundo modelo, busca-se aferir a constitucionalidade da norma objetivamente, desvinculando-se processualmente de qualquer direito subjetivo e de situação conflitiva concreta. O controle abstrato é, portanto, mecanismo processual voltado unicamente à análise da compatibilidade constitucional da norma dentro do sistema jurídico, tendo caráter erga omnes. Com o passar do tempo, a doutrina brasileira, contudo, vem flexibilizando essa separação tradicional. Isso porque, apesar de existir uma divisão formal entre estes dois tipos de controle de constitucionalidade, verifica-se na prática uma miscigenação de ambos. É possível citar como exemplo, a aplicação erga omnes dos efeitos de decisão de controle incidental, prática que disseminou-se em tempos recentes e tornou impossível a afirmação que o controle concreto se limita ao caso concreto. Hoje, faticamente, não se nota qualquer separação quanto a origem da ação ou impedimento da produção de efeitos atrelado ao modo de controle. Nesse sentido, ambos os modelos se mesclam na prática constitucional de modo a impossibilitar a implementação de visões estanques advindas do direito comparado ou mesmo analisar qualquer um dos modelos separadamente.

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Todavia, mesmo mecanismos que fomentam a relativização dos modelos tradicionais, como a técnica de efeitos prospectivos adotada pelo STF para modular temporalmente os efeitos de suas decisões, são pensados a partir da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais. Essa concepção, que tem origem no sistema abstrato, prega a nulidade do ato inconstitucional, sendo que qualquer norma julgada como incompatível com a constituição é imediatamente retirada do ordenamento, sendo declarada nula. Essa nulidade teria natureza absoluta, sendo comparada ao ato inexistente. Embora alguns autores relativizem essa visão, havendo um entendimento pela invalidade, e não pela inexistência da norma por desconformidade com regramento superior, no caso dela desatender requisitos impostos pela constituição1, tal abordagem se mostra em conflito com a lógica inerente ao uso de precedentes vinculantes. Isso porque no controle de constitucionalidade concreto, típico do common law, não há uma preocupação com a nulidade, mas com a incompatibilidade, sendo estranho defender a extirpação de qualquer norma do ordenamento sem a anuência do processo legislativo. Assim, mesmo onde existe um controle de constitucionalidade mais forte, como na Suprema Corte norte-americana, a prática comum é declarar uma norma inválida e retirar seus efeitos, sendo que a negação de sua existência não é posta em questão. O precedente que declara uma norma inconstitucional pode, inclusive, ser revertido por decisão futura, criando a situação fática na qual a norma antigamente tida como inconstitucional, volta a produzir efeitos. A Suprema Corte norte-americana tem a faculdade de ressuscitar leis anuladas, por terem sido declaradas inconstitucionais, retirando-as do plano teórico e reimplementando-as no campo normativo ordinário2. Esse retorno, apesar de cercado por uma série de condições fáticas que nem sempre se materializam, como a mudança de entendimento da corte a respeito de seus próprios precedentes, demonstra a incompatibilidade do uso de precedentes vinculantes no âmbito constitucional com a visão da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais em seu caráter absoluto da nulidade. A impossibilidade de

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retorno daquela norma ao plano do direito válido seria, assim, um cerceamento do poder da corte adaptar seu entendimento a mudança política ou social e corrigir um erro histórico. A afirmação que a casa legislativa deve produzir uma mesma lei em sentido contrário, usada por muitos que defendem uma suposta primazia do parlamento e a desnecessidade de abandono da visão tradicional sobre a nulidade absoluta da norma em questão, desconsidera a essência do processo legislativo e simplifica o valor intrínseco a uma decisão democrática específica tomada em determinado momento histórico. Destarte, é possível questionar a legitimidade moral das Cortes Constitucionais terem a prerrogativa de retirar do ordenamento jurídico leis votadas por representantes do poder legislativo. Embora estas leis possam ser reconstruídas em sua integralidade por legisladores interessados em fazê-lo, cada uma das duas normas supostamente idênticas representa um aspecto democrático específico que só pode ser modificado pela indicativa do poder legislativo do presente em relação à sua contraparte do passado. Qualquer tese defensora da nulidade absoluta, e consequente retirada do sistema jurídico da norma inconstitucional, não representa apenas uma problematização da produção de efeitos em termos temporais, mas a violação da própria autonomia dos poderes Legislativo e Judiciário em modificar seu entendimento, dentro de seus procedimentos específicos. Defende-se aqui, portanto, a necessidade de produção de mecanismos de compatibilização que passem pelo abandono de visões ortodoxas a respeito da nulidade da norma tida como inconstitucional, dando-lhe mais flexibilidade em relação a sua natureza temporal e modificável, ao mesmo tempo em que garanta o respeito à segurança jurídica e à autonomia de cada poder em realizar suas atribuições legais. Notas BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 13. 2 SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1023. 1

Ratio Decidendi e Stare Decisis - estudo da força vinculante do precedente constitucional

Vera Karam de Chueiri

Professora associada de direito constitucional do departamento de direito público da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (nos programas de graduação e pós-graduação em Direito) e vice-diretora da Faculdade de Direito. Coordena o Núcleo de Constitucionalismo e Democracia do PPGD.

Lucas Henrique Muniz da Conceição

Aluno de graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná, vinculado ao Núcleo de Constitucionalismo e Democracia como pesquisador da graduação no programa de PIBIC, orientado pela professora Estefânia Maria de Queiroz Barboza.

Ao exercer a função de guardião da Constituição Federal brasileira, o STF cria precedentes vinculantes que devem ser seguidos por todos os tribunais inferiores, entretanto a falta de respeito aos mesmo cria uma grande insegurança jurídica, bem como violação do princípio de igualdade. Os precedentes seriam todas as decisões judiciais, que possuem em si um princípio de direito. GOODHART afirma que enquanto a decisão concreta vincula as partes, a razão abstrata que embasou a decisão judicial (a ratio decidendi) tem a força de vincular todos os sujeitos de direito e futuros casos. Destarte, se apresenta de suma importância a necessidade de meios viáveis e concretos para o estabelecimento do que venha a ser a ratio decidendi. GOODHART prescreve que a ratio pode ser definida pelo levantamento e distinção dos fatos do caso que o juiz utilizou para fundamentar sua decisão (fatos materiais) e aqueles que não foram considerados pelo mesmo (fatos imateriais). Deve-se buscar aquilo que o juiz considerou relevante no momento que proferiu sua decisão e analisar as analogias entre esses fatos e aqueles presentes no caso a ser vinculado pelo precedente.

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No presente trabalho, se busca esmiuçar o precedente, utilizando das teorias e pesquisas dos doutrinadores da Common Law, com o intuito de melhor compreender o sistema da stare decisis e da norma jurídica criada pelo trabalho hermenêutico do magistrado. Para tal, analisaremos o que são os precedentes judiciais e a stare decisis no contexto da Common Law britânica e americana, de que forma eles vinculam os magistrados, e por fim como essa doutrina se alinha com as práticas recorrentes do STF. Os tribunais brasileiros não conseguem se adaptar à nova norma jurídica explicitada pelo Supremo. O teor dos precedentes, assim como a sua real força vinculativa, deve ser analisado, para um verdadeiro conhecimento da norma jurídica imposta, o que deve ser feito a partir de sua ratio decidendi. Para tal, buscou-se aprofundar a doutrina da stare decisis e da descoberta da ratio decidendi, por meio da doutrina do Common Law britânica e estadunidense. Por fim, justificar-se-á de que forma essa doutrina se alinha com as práticas recorrentes do STF. Palavras-Chave: Ratio Decidendi, Precedentes, Supremo Tribunal Federal, Common Law, Stare Decisis.

As Organizações Internacionais e o Paradigma Atual entre de Proteção à Dignidade da Pessoa Humana e a Projeção Externa da Soberania Damasceno, G. P. M.

Graduando do curso de Direito das FIPMoc, Brasil, [email protected]

Introdução: Nas últimas décadas, as transformações na política mundial foram drásticas, alterando o ambiente no qual as Organizações Internacionais atuam. Este novo quadro é composto pelo desenvolvimento da consciência em relação aos problemas sociais, de natureza global, fome, educação e, inclusive, a propagação de organizações internacionais. Por conseguinte, estas organizações se constituem em um tema em constante mutação, gerando um debate sempre mais intenso entre os especialistas do direito. Objetivo: O objetivo deste trabalho foi analisar os precedentes históricos e a área de atuação das Organizações Internacionais com foco na promoção dos direitos humanos e a evolução do conceito de Bodin da soberania estatal, com enfoque nos fundamentos da República Federativa do Brasil. Metodologia: Para atender ao propósito desse trabalho, utilizou-se como opção metodológica a revisão bibliográfica de doutrinas e artigos dos principais autores brasileiros que tratam de Direito Constitucional, Direito Internacional Público (material e processual) e Direitos Humanos, e da análise sistemática da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, valendo-se da investigação de tratados e convenções internacionais onde o Brasil se adere a Organizações Internacionais Universais. Resultados: Da análise de resultados percebe-se que a importância dos Direitos Humanos, e em especial da dignidade da pessoa humana, tem levado os Estados a assumirem responsabilidades através de tratados internacionais que regulam que o indivíduo tenha seus direitos respeitados por todos, contra o Estado e contra os particulares. Conclusão: Conclui-se que as Organizações Internacionais adquiri-

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ram paulatinamente um nível elevado de independência em suas ações, gerindo-se sem a interferência dos Estados que, a initio, criaram-nas. Essa independência alcança a definição de suas prioridades, suas ideias, persuadindo, inclusive, países subdesenvolvidos, o que gera o desafio de se compreender as suas ações. Palavras-chave: Organizações Internacionais. Direitos Humanos. Dignidade da Pessoa Humana. Soberania. Direito Constitucional.

O dilema da jurisdição constitucional Álvaro Ricardo de Souza Cruz

Procurador da República em Minas Gerais. Mestre em Direito Econômico e Doutor em Direito Constitucional, Professor da Graduação e da Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Vice-Presidente do Instituto Mineiro de Direito Constitucional. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica/MG. Brasil. E-mail: [email protected]

Bernardo Augusto Ferreira Duarte

Assessor da Procuradoria da República de Minas Gerais. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Educação Continuada (IEC), Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias, Professor de Direito Constitucional e Introdução ao Estudo do Direito do Instituto Metodista Izabela Hendrix. Brasil. E-mail: [email protected]

A discussão sobre a devida dimensão da jurisdição constitucional não é nova. Em pauta desde o embate Jefferson/Madison, pelo menos desde o século passado ela encampa controvérsias entre interpretativistas e não interpretativistas, substancialistas e procedimentalistas, “teóricos” e pragmatistas. Atualmente, entretanto, suas “novas dimensões” parecem advir dos argumentos neoformalistas de Sunstein e Vermeule, das objeções morais/pluralistas de Waldron e, ainda, da proposta dos diálogos interinstitucionais de Hubner Mendes. Por detrás de todas essas temáticas, no entanto, encontra-se a mesma (e antiga) questão referente a se (ou até que ponto) seria devido um controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Assim, tanto antes quanto agora, encontram-se face a face defensores do passivismo e do ativismo jurisdicional. Seria possível transcender esse debate? Seria possível ir além de “tudo isso”? No Brasil, uma resposta minimamente convincente demanda uma rápida retrospectiva. No final da década de 1980, com o término da Ditadura Militar, diversos juristas nacionais passaram a defender o ativismo jurisdicional como uma saída para a consolidação da força normativa e do potencial emancipacionista da Constituição Federal (Constitucionalismo da Efetivida-

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de). Esse discurso, rapidamente, tornar-se-ia ainda mais sofisticado, graças à defesa do emprego de técnicas ponderativas, provenientes da jurisprudência dos valores alemã, como forma de “depurar” a jurisdição constitucional brasileira. Daí em diante, guiados por pensadores do escol de Bonavides, Barroso e Clève, a maioria dos juristas nacionais passaria a enxergar o princípio da proporcionalidade como um método argumentativo infalível para solucionar dilemas surgidos no âmbito da jurisdição constitucional. Essa tendência seria ainda mais fortalecida pela adoção quase generalizada de pressupostos conceituais provenientes da teoria alexyana. No final dos anos 1990, a adesão a essa vertente de pensamento indicava, segundo muitos, um “sinal de avanço” em relação ao formalismo jurídico e ao juspositivismo contemporâneo. Entretanto, havia também quem noticiasse os excessos dessa corrente. Em Minas Gerais, pelo menos desde 1992, uma corrente minoritária no constitucionalismo nacional passou a noticiar e criticar os problemas da concepção majoritária. Pautada principalmente nas teses de Habermas, Günther e Dworkin, a Escola Mineira do Direito se opôs à defesa do ativismo judicial, sem, contudo, propugnar um retorno ao passivismo. A objeção central contra a tese majoritária era a de que o seu emprego conduzia à desnaturação do discurso jurídico, transformando-o em política. Contra o livre trânsito argumentativo no interior dos discursos jurisdicionais, defendia-se o emprego apenas daqueles argumentos que tivessem passado pelo filtro do princípio democrático. O problema é que também essa vertente crítica agarrou-se demasiadamente às suas verdades, cultivando um dogmatismo que contrariava seus próprios pressupostos. Isso conduziu a academia brasileira a um diálogo de surdos, em que muitos falavam, mas poucos verdadeiramente escutavam. Apenas em 2005, quando os resultados do ativismo começaram a vir à tona, os adeptos da vertente majoritária se deram conta da necessidade de um recuo. Só então as “novas dimensões” da jurisdição constitucional chegaram ao Brasil, conduzindo o discurso ironicamente na direção do passivismo. De um lado, sob forte influência da “virada institucional” defendida por Sunstein e Vermeulle, a Escola Fluminense passou

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a admitir uma postura mais deferente dos julgadores diante das decisões técnicas do Legislativo e do Executivo. A isso, agregou a temática dos standards, na tentativa de racionalizar as ponderações judiciais. O recuo, de outro lado, foi também alimentado pelo ceticismo waldroniano em relação ao judicial review. À luz dessa perspectiva, é possível encontrar pensadores que se mostram dispostos a defender uma jurisdição constitucional fraca no Brasil. Essa fraqueza, dizem estes, decorreria da ampliação do quórum exigido para a declaração de inconstitucionalidade das leis, e, ainda, da criação de uma “fronteira” para o debate de certas decisões políticas em sede jurisdicional. Finalmente, há também juristas que apostam nos diálogos interinstitucionais como uma opção para um aprimoramento da democracia. O controle jurisdicional de constitucionalidade, sob essa perspectiva, produz uma resposta provisória, sempre aberta à possibilidade de revisão decorrente de leituras advindas do Legislativo. Nesse diapasão, há quem compactue inclusive com a criação de um “mecanismo contra-controle”, nos moldes canadenses, a fim de fortalecer o diálogo entre o Judiciário e o Legislativo. Eis os “novos ares”, que nos causam um misto de estranheza e surpresa. A estranheza se deve não ao confronto com o difer(a)nte, mas à percepção de que, novamente, estamos na contramão da tendência que começa a se consolidar. A surpresa, por outro lado, revela-se a partir da constatação de que há, aqui, “vinhos velhos em odres novos”. Não é apenas possível ir além dessas temáticas. É necessário! Existem muitas coisas propositalmente esquecidas pelo “novo debate”. Il y a muita coisa encoberta! Eis o ponto que pretendemos abordar. Se a busca por uma sociedade verdadeiramente democrática perpassa pela devida dimensão da jurisdição constitucional, parece-nos que há ainda muito a ser dito... Palavras-chave: Jurisdição; Constitucional; democrática; Ativismo; Passivismo.

A Teoria da Separação de Poderes e o Princípio da Representação segundo Kant Valter Freitas

Graduado em Direito e Filosofia, graduando em história, especialista em direito administrativo e filosofia política, mestrando em filosofia política pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) – Paraná – Brasil. E-mail: [email protected]

A teoria de governo, pensada por Kant, pode ser considerada uma síntese de diversas doutrinas políticas iluministas que surgiram no contexto dos estados despóticos. Seu propósito foi pensar uma forma de governo que impedisse o abuso de poder por parte do soberano. Com esse intuito, Kant agrega em sua teoria de Estado pelo menos três elementos de correntes diversas, a saber: a existência dos direitos naturais (teoria jusnaturalista), a separação dos poderes (teoria da divisão dos poderes) e a vontade geral como fundamento do poder legislativo (teoria democrática ). O Estado que reúne essas características, segundo Kant, é o Estado liberal, que se manifesta por meio de um governo republicano. No entanto, para ele governo republicano não é sinônimo de governo democrático. Explica o filósofo que há duas formas de classificar um Estado: a primeira se estabelece com base no número de pessoas que governam e a segunda no modo de governar. Como desdobramento da primeira classifcação temos três tipos de governo: governos autocráticos ou monárquicos (governo de um só), aristocráticos (governo de alguns) e democráticos (governo de todos). O segundo critério, que faz referencia à forma como estes governam, traz a lume dois tipos de governo: despótico ou republicano. Se exercem o poder de forma arbitrária, atuando em vista de interesses próprios, então são considerados despóticos, mas se governam de forma legal, agindo em atenção aos interesses do povo, recebem o atributo de republicano. Nesta forma, vige o princípio da separação dos poderes, naquela, vige a concentração arbitrária

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dos poderes em um único governante. Por isso, no Estado despótico o soberano concentra todos os poderes, legislando, julgando e executando as leis, enquanto no governo republicano, prevê Kant, o poder aparece tripartido em legislativo, judiciário e executivo. Seguindo nessa ótica, nota-se que não há contradição entre o republicanismo e a monarquia, pois é possível uma monarquia republicana (autocracia). Esta seria a boa forma de governo, enquanto que a má, nesse caso, seria a monarquia despótica. Da mesma forma pode-se falar de uma aristocracia republicana. A democracia (direta), ao contrário das demais, é considerada, para Kant, como necessariamente despótica, posto que há uma confusão entre os poderes legislativo e executivo. Aliás, o pensador alemão não acredita na democracia direta, pois, para ele, nem todos são cidadãos plenos e esclarecidos suficientemente para opiniar politicamente. O representante do povo, ao contrário, seria escolhido entre os melhores e, “iluminado” por um razão plena, governaria como se todos (considerando um povo de madura razão) pudessem dar assentimento aos seu atos. Por isso, o princípio da representação é muito caro ao filósofo alemão que tem repusla ao modelo de democracia direta ateniense e de outro lado nutre admiração à monarquia republicana. Por fim, deve-se mencionar ainda que Kant não aceita a ideia de uma tripartição de poderes como um sistema de freios e contrapesos, no qual um poder poderia restringir a atuação de outro, nos moldes pensados por Montesquieu. Nesse sistema, acredita o filósofo de Konigsberg, haveria o perigo de uma concentração de poderes, pois um dos poderes poderia interferir indevidamente no outro e usupar suas funções. Deste modo, pode-se afirmar que a teoria da separação de poderes de Kant prevê uma separação absoluta entre os poderes e que o povo só poderia participar politicamente por meio de seus representantes, jamais diretamente. Palavras-chave: República. Tripartição de poderes. Princípio da Representação. Kant.

Omissão legislativa e crise entre os poderes: a Lei de Inconstitucionalidade por Omissão deve ser alterada? Fabiana de Menezes Soares

Doutora em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora associada da Faculdade de Direito da UFMG, Brasil. Email: [email protected].

Pedro Augusto Costa Gontijo

Graduando em Direito Pela Universidade Federal de Minas Gerais. Brasil. Email: [email protected].

A omissão legislativa em relação ao adensamento e regulamentação de normas constitucionais de eficácia limitada é um dos grandes entraves para a fruição de direitos e garantias fundamentais, bem como para a construção de um sistema normativo sólido, coerente e coeso. Nesse sentido, o presente trabalho tem a finalidade de discutir o vigor, a eficácia e a efetividade do mandamento jurisdicional que declara a mora legislativa no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e, por conseguinte, avaliar se a processualística desse instrumento de acesso jurisdicional deve ser modificada no que diz respeito aos efeitos e consequências da decisão emanada pelo judiciário. A análise qualitativa das ADO em trâmite, e das já extintas, no âmbito do STF, é indispensável para se constatar quais os tipos de matéria que têm sido negligenciadas pelo legislador, como a sua inércia tem evoluído ao longo da consolidação do regime democrático pós Constituição de 1988 e se a jurisdição constitucional tem sido respeitada por parte do Poder Legislativo. Assim, a inserção do Apelo ao Legislador como elemento indissociável do dispositivo jurisdicional que declara a omissão legislativa é de extrema importância para que este ganhe imperatividade e cogência no âmbito de seus efeitos. Ao mesmo tempo, deve-se estipular a possibilidade de se impor consequências a partir do momento em que o Poder Legislativo não cumpre o prazo estipulado pelo órgão

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jurisdicional constitucional, de modo que a sentença que declare a mora tenha características essências de uma norma jurídica, tais como a cogência, imperatividade e sanção. Não há que se falar, diante da decisão do órgão jurisdicional, de invasão de competência ou sobreposição das funções típicas de cada um dos Poderes do Estado. O que defenderemos nesse trabalho é que a relação entre os Poderes deve ser vista de maneira complementar, não segmentada, pois suas atribuições não podem ser dissociadas de suas finalidades dentro de nossa ordem constitucional como, por exemplo, o dever de servir aos indivíduos, preservar, defender e densificar os comandos constitucionalmente plasmados. Dentro dessa perspectiva, as ações constitucionais que instrumentalizam a verificação de existência da omissão legislativa devem servir como ponte dialógica entre os Poderes Republicanos, de maneira a possibilitar a efetivação do Estado Democrático de Direito com a implementação de mecanismos que deem maior porosidade ao processo decisório e que tenham como critério a asseguração de influência dos envolvidos e afetados na conformação e observância do provimento jurisdicional que declara a mora legislativa. A pesquisa também aborda a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito aos efeitos provenientes da decisão jurisdicional. A razão disso é relativa ao fato de que ao analisar os julgados em sede de ADO no âmbito do STF, temos que as decisões foram ganhando características cada vez mais ricas e com o intuito de fortalecer a cogência das mesmas. Com a edição da Lei 12.063/2009, alteradora da Lei 9.868/99 que dispõe sobre o processo e julgamento das ADI e ADC, houve a incorporação em nosso ordenamento da processualística da ADO que, contudo, colocou como efeito da decisão (art. 12-H da Lei 9.868/99) tão somente a declaração da mora e a ciência ao Poder Legislativo, negligenciando-se em relação à figura do Apelo ao Legislador e de outras hipóteses que pudessem potencializar os efeitos do decisum no sentido de torná-lo obrigatório para que determinada lacuna seja colmatada da maneira mais adequada e rápida possível.

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Diante disso, vemos como salutar a modificação da lei de ADO para que o instituto possa cumprir sua função com a eficiência que lhe é requerida. Este posicionamento vem no sentido de elucidar que a declaração da mora legislativa e o apelo ao legislador não podem ser vistos como ingerência entre os poderes, mas como forma de complementar e construir uma relação interinstitucional que tenha como escopo a preservação da normatividade da própria Constituição.

Diálogo institucional entre poderes e afirmação da democracia participativa: a necessária superação da dicotomia entre a supremacia judicial e a soberania popular

Clarissa Fonseca Maia

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, professora efetiva da Universidade Estadual do Piauí, Instituto Camilo Filho, Universidade de Fortaleza, bolsista do programa CAPES/PROSUP.e-mail: clarafonsecamaia@ hotmail.com

A Constituição Federal de 1988 consagra um extenso rol de direitos fundamentais em perspectivas abstencionistas e prestacionais. Pode-se afirmar que o entendimento acerca da efetividade e normatividade dos preceitos constitucionais aliados a uma concepção de cidadania inclusiva que foi fomentada nas experiências pós-redemocratização, é que lançam um novo olhar sob a perspectiva de realização dos direitos fundamentais. Observa-se, pois, a existência de um arcabouço normativo garantista que se desenvolve em uma expectativa objetiva, geral e inspiradora para o funcionamento do estado, da política e das relações sociais. Esse fenômeno tem um cunho universal e se desenvolve nas esteiras do que se proclama de judicialização da política com variáveis comuns, tais, como: a institucionalização de uma ordem democrática; um sistema de orientação vigente na opinião pública- que concede uma maior respeitabilidade e legitimação ao judiciário-; uma consciente delegação de responsabilidade do poder legislativo ao judiciário em matérias fortemente controversas; e conjunturas políticas que manifestam uma ineficiência do governo e das instituições de representação majoritária. Diante desse cenário, observa-se o judiciário como a instancia mais referencial de estado. É como se a ideia republicana de estado e contrato social só funcionasse em relação ao judiciário. Os demais poderes se enquadrariam em um sentido negativo de “política”, pois

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a crise de representatividade os desqualifica, fazendo com que a confiança da sociedade seja depositada justo em relação ao órgão que não tem vinculação com a soberania popular. A pesquisa revela no que diz respeito ao poder legislativo o seu gradativo desprestígio perante a opinião pública e, em decorrência disso, sua desqualificação sumária no embate com os demais poderes, notadamente, em relação ao judiciário. A questão que se estabelece na atualidade é, pois, calcular o custo da primazia do judiciário na expectativa de realizações de direitos. Investiga-se quais são os danos causados ao Estado Democrático de Direito, diante das decisões oriundas dessa hipertrofia do judiciário. O artigo inclina-se pela defesa da abertura de diferentes caminhos de investigação e da insistência de que o pensamento e interpretação doutrinária e judicial, não sejam fins em si mesmos, mas apenas instrumentos a serviço de objetivos humanos valorizados. Assim, propugna-se a investigação de novas perspectivas teóricas que questionem a primazia do judiciário na pauta de efetivação de direitos fundamentais e no domínio da ultima palavra sobre questões essenciais do estado e da sociedade. Desta forma serão objetos de estudo dois projetos de emenda a Constituição nos quais se apresenta claramente uma via de reação do parlamento em relação ao protagonismo judicial. Tratam-se da PEC n. 03/ 2011 na qual se reafirma a função normativa primária do legislativo, ampliando a possibilidade de utilização do decreto legislativo (art. 49, V da Constituição Federal) para sustar atos normativos secundários que exorbitem de suas atribuições, incluindo a direção desta ação também ao judiciário; e da PEC n. 33/2011 que sugere profundas mudanças sobre o controle de constitucionalidade firmado em uma concepção branda de jurisdição constitucional, ao que parece inspirado na tendência de “auto-restrição” que vem sendo adotado em alguns tribunais constitucionais, a exemplo do empregado pela Constituição Canadense de 1982. Intenta-se, especialmente, verificar se a PEC 33/2011 guarda consonância com as propostas alternativas de controle de constitu-

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cionalidade que visam afastar a supremacia judicial e que vem provocando diversos debates acadêmicos- doutrinários sob a dicção de teorias do diálogo, que defendem o debate contínuo, paralelo, de qualidade argumentativa e interlocução institucional entre o legislativo e o judiciário, sem negar a jurisdição constitucional, mas superando a denunciada primazia da ultima palavra pelo judiciário. Portanto, o artigo investiga na proposição de reforma constitucional as possíveis conexões entre os poderes do estado, bem como o diálogo deste estado com a população emancipada que participa do processo decisório e assim, concilia legitimidade, legalidade e estabilidade jurídica. A metodologia utilizada é bibliográfica e jurisprudencial, pura, qualitativa, descritiva e exploratória. Como resultado, verifica-se que o judiciário, antes técnico, passa a atuar motivado pela decisão de realizar os direitos inerentes à cidadania inclusiva e à dignidade humana. Pontua-se, entretanto, à necessidade de equalizar a pauta constitucionalista com a soberania popular, por meio de diálogo entre as funções estatais. Palavras-chave: jurisdição constitucional; teoria do diálogo institucional; democracia participativa.

La justificación del control de los contenidos constitucionales

Diana Sofía Zuluaga-Vivas

Abogada, estudiante de Maestría en Derecho, con énfasis en filosofía del derecho constitucional.

César Augusto Molina-Saldarriaga

Abogado, especialista en derecho administrativo, magíster en diseño del paisaje, Docente interno asociado e investigador de la Universidad Pontificia Bolivariana, sede Medellín-Colombia.

El Poder Constituyente es una categoría epicéntrica del discurso constitucional. Fundamenta la teoría democrática, situando al pueblo como protagonista político, encargado de definir las formas de ejercicio de la dominación y el contenido de los derechos, en la medida en que es el órgano que legitima todas las fuentes de poder; como bien lo plasmo Emmanuel Sieyès, en su panfleto “Que es el Tercer Estado” (Sièyes, [1789]-1945), que circuló en Francia durante la época de la Revolución. En las Constituciones actuales, que surgen como manifestación solemne y escrita de aquel Poder Constituyente, este le atribuye a unos órganos constituidos la potestad de garantizar la integridad y la supremacía de los contenidos Constitucionales. De esta manera no solo quedan plasmados los valores, principios y derechos, sino también la estructura de representación y de separación de poderes. En este marco de la separación de poderes, y siguiendo los postulados de (Ferrajoli, 2008), la clásica división de poderes resulta insuficiente para abarcar las diversas manifestaciones políticas y normativas de los regímenes democráticos actuales. Las ramas convencionales del poder público pareciesen insuficientes para cubrir todas las funciones político-administrativas y de garantía que en la actualidad todo Estado Constitucional debe garantizar.

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Se identifican pues, dos esferas de los contenidos constitucionales en relación con los poderes públicos. De un lado, la esfera de la indecidible, definida como todo aquello que, incluso en las democracias, está vedado a la voluntad de las mayorías. De otro lado, la esfera de lo decidible, que se corresponde con el espacio obligado de decisión (Ferrajoli, 2008). Ambas se refieren tanto al poder púbico como al privado, y son simétricas y complementarias. Así, se refieren al Estado y al mercado, dado que en el Estado de Derecho –Estado Constitucional de Derecho- no hay poderes absolutos. Y ambas permiten identificar la esfera discrecional de la política y la esfera de sujeción al orden jurídico (Ferrajoli, 2008). En este sentido, la relación de los poderes públicos en un modelo de estado simple es insuficiente para explicar su régimen de competencias y legitimidad. Esto en la medida en que este modelo ya no garantiza la separación de funciones, la colaboración armónica y el control recíproco; entregando así importantes funciones al poder ejecutivo (Ferrajoli, 2008), y ha impedido efectivos mecanismos de control político a este poder en los regímenes presidencialistas. De esta forma resulta posible entender por lo menos dos fenómenos. En primer lugar, las relaciones entre la rama ejecutiva y legislativa se soportan en la con-división y coordinación de competencias, y no propiamente en el control (Ferrajoli, 2008). Y en segundo lugar, las funciones de garantía requieren mayores niveles de independencia. Por ello la esfera de lo indecidible requiere poderes de control, representados por el poder judicial y cuya legitimidad está determinada por la sujeción al orden jurídico. Por su parte, la esfera de lo decidible, sometida a la discrecionalidad política, está en manos de los poderes de representación –legislativo y ejecutivo-, cuya legitimidad está determinada por la representación democrática. Así, si ambos – los poderes de control o garantía y los poderes de representación- son distintos, ambos deben de ser separados e independientes. Los de poderes de representación han de estar orientados a la satisfacción del interés general; y los poderes de control han de estar orientados al interés particular, en un enfoque de derechos humanos.

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Conforme al anterior marco teórico, los poderes de control tienen en sus manos regular la actividad de los poderes de representación y, en ese ejercicio, guardar los contenidos constitucionales de la intromisión de las mayorías. Esta situación plantea un dilema que merece una mirada detallada: ¿cómo justificar el control de los poderes de representación y las mayorías en relación con los contenidos constitucionales, en manos de un poder contra-mayoritario, como los poderes de control y garantía? Este texto es producto de una investigación de carácter hermenéutico. Una revisión de bibliografía especializada sobre el tema, lecturas siempre en clave de la pregunta epicéntrica de esta investigación ¿Cómo justificar el control de los contenidos constitucionales?, que da lugar a unas conclusiones que se muestran como resultado de este ejercicio.

Interpretação jurídica e o uso da teoria alexyana pelo STJ Henrique Napoleão Alves

Doutorando, Mestre e Graduado em Direito pela UFMG. Professor da Pós-Graduação em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos, Belo Horizonte, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] e [email protected].

A tese de que a pesquisa jurídica brasileira padece, de modo geral, de problemas metodológicos graves encontra guarida em extensa literatura, além de possivelmente refletir as intuições de qualquer jurista mais atento. Um dos elementos centrais da tese é o de que os trabalhos acadêmicos comumente valem-se de citações de autores consagrados como argumentos de autoridade, sem cuidado e interlocução com as diferentes teorias mencionadas, e mesmo com a cumulação de autores cujas teorias nem sempre coincidem e podem ser até mesmo conflitantes (sincretismo epistemológico) (cf. Nobre, 2004; Alves e outros, 2008, p.24-25 e 42-45; Gustin, 2005; Marchi, 2009, p.22-24). Visando testar a hipótese de que os problemas apontados também estão presentes no Poder Judiciário, escolhi um autor consagrado, Robert Alexy, e uma instância judicial central ao sistema jurídico, o STJ. Os aspectos mais relevantes da teoria de Alexy (1993) para a interpretação e decisão judicial depreendidos de sua obra “Teoria dos Direitos Fundamentais” são a distinção entre regras e princípios e os critérios de solução de antinomias entre as diferentes espécies, especialmente o critério de solução de conflitos (colisões) entre princípios, que envolve três máximas: adequação (a solução deve realizar o mandamento de pelo menos um dos princípios em conflito); necessidade (a solução deve fazer com que a realização de pelo menos um dos princípios resulte no menor sacrifício possível dos demais); proporcionalidade (em sentido estrito) (deve ser dada precedência ao princípio que tenha mais peso diante das circunstâncias do caso concreto). Com isso, a solução expressa-se na forma de uma regra

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de precedência condicionada do tipo: o princípio 1 tem precedência sobre o princípio P2 nas circunstâncias C. Em 29/09/2014, realizei pesquisa com os termos “Alexy” e “Alexi”, no sítio de acórdãos do STJ (http://www.stj.jus.br/SCON/ jurisprudencia/). Foram encontrados 13 resultados. 3 não foram considerados por citá-lo pontualmente. Os acórdãos foram medidos segundo as seguintes variáveis: (i) incompletude total (inexistência de qualquer menção, direta ou indireta, às máximas); (ii) incompletude parcial presença de menção, direta ou indireta, a apenas uma ou duas máximas); (iii) sincretismo metodológico (combinação sem ressalvas de autores distintos e mesmo conflitantes); (iv) presença de incorreção teórica, referente a erros explícitos ou implícitos (omissões graves) no uso da teoria alexyana; (v) falta de fundamentação (no sentido de não exibir nem explicações mínimas, corretas ou não, sobre a teoria e sua relação com o caso). Variável Incompl. total Incompl. parcial Sincr. epistem. Incorreção Falta de fundam.

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Caso REsp 541239 EREsp 675201 AgRg no REsp 672480 AgRg no Ag 886162 EDcl noREsp 541.239 REsp 963871 REsp 706769 REsp 296391 REsp 706987 REsp 948944

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Os resultados sugerem fortemente que o STJ tende a fazer uso da teoria de Alexy com problemas análogos àqueles identificados pela literatura em relação aos trabalhos acadêmicos. Os descuidos são metodológicos, conceituais (v.g. atribuição do termo alexyano mandamento de otimização a Dworkin) e mesmo terminológicos (em um dos casos, por exemplo, Alexy foi grafado incorretamente, e repetiu-se por quatro vezes o equívoco de denominar Ronald Dworkin como Edward Dworkin). A amostragem, contudo, é bastante reduzida, e não permite conclusões generalizantes. Para o futuro, seria interessante expandi-la por meio de pesquisa com uso de outros termos, particularmente: “ponderação”, “proporcionalidade”, “adequação”, “necessidade”. Outra sugestão é aplicar a mesma metodologia para outros autores “consagrados” (critério algo subjetivo, mas não tão arbitrário diante das convenções cognoscíveis por qualquer membro da comunidade jurídica), nacionais e estrangeiros. Por fim, uma pesquisa sociológica sobre as causas estruturais dos problemas encontrados (especula-se: número de processos por ministro, possível delegação da redação de votos a trabalhadores jurídicos menos qualificados, etc.).

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Referências bibliográficas Alexy, R. Teoría de los derechos fundamentales [Theorie der Grundrechte]. Trad. Ernesto Gazón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993 [1986]. Alves, Rafael Francisco; Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Campilongo, Celso Fernantes; Fragale Filho, Roberto da Silva; Vieira, Oscar Vilhena. Tema 1 - Panorama atual da pesquisa em Direito no Brasil. Cadernos Direito GV, n.25, setembro de 2008, p.17-59. Marchi, Eduardo C. Silveira. Guia de metodologia jurídica. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Nobre, Marcos. Apontamentos sobre a pesquisa em Direito no Brasil. Cadernos Direito GV, n.1, 2004, p.3-19.

Interpretação constitucional e justiça no estado democrático de direito: uma análise crítica sobre o positivismo jurídico e a interpretação do Direito em Kelsen Gabriella Sabatini Oliveira Dutra

Graduanda em Direito pela PucMinas, Brasil, ([email protected]).

Rafael Faria Basile

Doutorando e Mestre em Teoria do Direito pela PucMinas. Professor do Curso de graduação e Pós-graduação Lato Sensu em Direito da PucMinas. Brasil ([email protected]).

O presente resumo visa problematizar a hermenêutica constitucional como pressuposto para construção da justiça e de sua aplicação no Estado Democrático de Direito. Para tanto analisa criticamente a teoria positivista e interpretativa de Hans Kelsen1. Nesta esteira, a construção da justiça a partir da hermenêutica constitucional apresenta como premissa a hermenêutica jurídica, cujo sentido implica um rebuscamento científico que transcende a reprodução da norma abstrata elaborada pelo legislador ou da escolha pelo intérprete de uma das interpretações disponibilizadas pela ciência jurídica. Dessa forma, importante enunciar que o Estado de Direito e a sociedade contemporânea apresentam como esteios fundamentais o pluralismo e a descentralização, que permite, a cada indivíduo, a criação de um projeto ideal. O pluralismo é refletido na Constituição Federal Brasileira, que determina a democracia como modelo estatal e planejamento social, a qual não pressupõe um modelo alternativo, tampouco uma homogeneidade. Pelo contrário busca condições mínimas para a realização de todos os ideais. A problemática maior se instaura ao constatar que o pensamento jurídico brasileiro encontra-se marcado por uma cultura positivista2 extremamente incompatível com o constitucionalismo contemporâ-

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neo. A Constituição democrática apresenta diversos conceitos do que seja vida boa, não podendo ser ignorado qualquer destas concepções. Portanto é um equívoco a aplicação do conceito de sistema fechado ao texto constitucional brasileiro. Problemática esta, que perante a Teoria do Direito, apresenta como pressuposto a análise da primeira e maior perspectiva sistemática, a de Hans Kelsen. Citado autor, desenvolveu uma teoria jurídica baseada em um método puro, desprendido de toda ideologia política, buscando responder o que é o Direito e não o que deveria ser. E para tanto descreve um sistema que encontra em si mesmo seu referencial normativo. Destarte, grande parte do esforço interpretativo atual encontra-se na compreensão do ordenamento jurídico como um sistema3. Entretanto aqui o ideal pluralista passa a ser boicotado, na medida em que esta é uma perspectiva facilmente aceitável na criação das normas jurídicas, mas não em sua aplicação. Torna-se evidente a inadequação de tal teoria a uma sociedade pluralista, ao apresentar um modelo que conjuga o papel do legislador com o do aplicador, na medida em que Kelsen reconhece a criação do Direito através da interpretação autentica realizada por órgãos aplicadores do Direito. Assim o maior questionamento perante a teoria interpretativa de Kelsen encontra-se em sua concepção de moldura, pelo fato desta permitir a possibilidade da produção de normas absurdamente fora da mesma. Nesta medida evidencia-se a incompatibilidade de tal teoria com o Estado Democrático de Direito, o qual exige, por meio da resolução de conflitos, uma articulação entre o Direito vigente e os fatos específicos, resguardando concomitantemente a segurança do Direito e a justiça de decisões proferidas. Com efeito, a Constituição se manifesta como estrutura jurídica que positiva contrastes e valores reconhecidos pela sociedade, permitindo a participação político-jurídica dos cidadãos, tornando estes, atores de uma articulação interpretativa expandida. Destarte a hermenêutica constitucional passa a ser construída através de um exercício valorativo, em que a aplicação ocorre por

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meio do raciocínio problemático e não mais sistemático, ficando o intérprete encarregado do exercício da justiça sem impor uma supremacia principiológica, o que será possível por meio da prática dialógica4 entre as partes envolvidas. Todavia, o afastamento da instabilidade delineada como crítica à concepção de justiça distributiva no Estado de Direito será afastada pela prática argumentativa, que permite, através de seu caráter linguístico, o alcance de uma solução jurídica razoável sob a égide de uma Constituição Democrática repleta de antinomias. Palavras-chave: hermenêutica constitucional – hermenêutica jurídica – positivismo jurídico - Estado Democrático de Direito – pluralismo – justiça distributiva. Referências bibliográficas AVRITZER, Leonardo et al. (Org.). Dimensões políticas da justiça. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. CITTADINO, Gisele. PLURALISMO, DIREITO E JUSTIÇA DISTRIBUTIVA: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. SAMPAIO, José Adércio Leite; SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. (Coord). HERMENÊUTICA E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: Estudos em Homenagem ao Professor José Alfredo de Oliveira Baracho. Belo Horizonte: Delrey, 2001.

Notas Teoria interpretativa de Kelsen encontra-se prevista no Capítulo VIII da “Teoria Pura do Direito” (KELSEN, 2000). 1

Teorias da interpretação constitucional • 59 O positivismo jurídico propõe uma análise formal do Direito. A perspectiva sistemática surgiu com o formalismo, apresentando o Direito como uma totalidade fechada. 4 Habermas citado por Cittadino enuncia que os sujeitos capazes de linguagem e ação estabelecem práticas argumentativas através da intersubjetividade (CITTADINO, 2004. p. 108). 2 3

La interpretación constitucional en contextos multiculturales

Jaime Gajardo Falcón

Abogado, Universidad de Chile. Magíster en Derecho, Universidad de Chile. Máster en Gobernanza y Derechos Humanos, Universidad Autónoma de Madrid. Máster en Derecho Constitucional, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Doctorando en Derecho, Universidad Autónoma de Madrid. Actualmente se desempeña como Personal Investigador en Formación, Universidad Autónoma de Madrid. Correo electrónico: [email protected].

Origen. El fenómeno multicultural ha dejado al descubierto la falta de reconocimiento normativo –entre otros- de la diversidad cultural y las perspectivas sociales de los grupos desaventajados (por ejemplo: pueblos indígenas, migrantes, minorías culturales o lingüísticas y minorías nacionales) que habitan en nuestras sociedades. Así, el desafío de la multiculturalidad depende, a la postre, de las posibilidades abiertas a la plena participación de todos en el proceso democrático1. Para ello, junto con nuevas fórmulas que se incorporen a la democracia representativa que permitan la inclusión de perspectivas sociales de los grupos etno-culturales desaventajados, también puede jugar un papel importante, la incorporación de la perspectiva multicultural en la interpretación de los casos difíciles que conozcan los tribunales constitucionales que involucren derechos fundamentales2. Revisando la evolución que ha tenido el debate sobre los derechos de las minorías culturales, Will Kymlicka señala que actualmente los defensores de estos derechos han logrado redefinir con éxito los términos del debate, desplazando la carga de la prueba, la que recae –ahora- en los defensores de las instituciones ciegas a las diferencias en el sentido de que son ellos quienes deben probar que su análisis “neutro” no genera injusticias para los grupos minoritarios3. Asimismo, plantea que tanto críticos como multiculturalistas aceptan que las demandas de los grupos culturales sean evaluadas caso a

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caso, tomando en consideración las peculiaridades que le imprime el grupo cultural al caso concreto y sus criterios interpretativos4. Objetivo. El objeto del presente trabajo es doble. En primer lugar, revisar la reciente doctrina que aboga por la incorporación de criterios especiales en la interpretación constitucional cuando nos encontramos frente a casos que involucran una perspectiva multicultural5. En segundo lugar, explorar los límites teóricos y prácticos de la interpretación constitucional en contextos multiculturales. Propósito. El proyecto es descriptivo y normativo. Descriptivo, en cuanto se hará una reconstrucción de los planteamientos doctrinales en lo relativo a la interpretación constitucional en contextos multiculturales. Normativo, en la medida, que a partir de dichos planteamientos se realizará una reflexión sobre los límites, alcances y perspectivas de la interpretación constitucional en contextos multiculturales. Estructura. En primer lugar, el texto tendrá una breve introducción al problema y los aspectos teóricos relevantes, con centro en la teoría política-jurídica del multiculturalismo. Luego, revisaré las propuestas de los principales autores que se han referido a la interpretación constitucional en contextos multiculturales y destacaré los elementos comunes y las diferencias de cada uno de ellos. Posteriormente, analizaré de forma crítica las propuestas doctrinales y, desde ahí, reflexionaré sobre los límites, alcances y perspectivas de la interpretación constitucional en contextos multiculturales (revisando los casos de recepción que ha tenido en la jurisprudencia comparada). Finalmente, expondré las principales conclusiones a las que he podido arribar. Notas Cf. Gutiérrez Gutiérrez, Ignacio (2007). “Introducción: Derecho Constitucional para la sociedad multicultural”. En: Derecho constitucional para la sociedad multicultural, Madrid: Trotta, p. 20. 2 Cf. Denninger, Erhard (2007). “Derecho y procedimiento jurídico como engranaje en una sociedad multicultural” [Recht und rechtliche Verfahren als Klammer in einer multikulturellen Gesellschaft]. En: Derecho constitucional para la sociedad multicultural, Madrid: Trotta, pp. 37-38. 1

62 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política Véase: Kymlicka, Will (2001). Politics in the vernacular. Nationalis, Multiculturalism and Citizenship, Oxford: Oxford University Press, p. 33. 4 Ibid., pp. 34-35. Véase en ese sentido el trabajo de: Álvarez Medina, Silvina (2014). “Los derechos humanos como valores plurales. Multiculturalismo, cosmopolitismo y conflictos”. En: Entre Estado y Cosmópolis. Derecho y justicia en un mundo global. Madrid: Trotta, pp. 179-212. Asimismo, para un análisis centrado en la incorporación de esta perspectiva en los criterios de ponderación, véase: Grimm, Dieter (2007). “Multiculturalidad y derechos fundamentales”. En: Derecho constitucional para la sociedad multicultural. Madrid: Trotta, pp. 51-69. 5 Sobre la interpretación constitucional en contextos multiculturales, véase: Álvarez Medina, S., “Los derechos humanos como valores plurales. Multiculturalismo, cosmopolitismo y conflictos”, ob., cit., pp. 179-190. Asimismo, véase: Grimm, D. “Multiculturalidad y derechos fundamentales”, op., cit., pp. 51-69. Para una propuesta de ampliación del espectro argumental de la discriminación indirecta, incorporando criterios interpretativos adicionales (discriminación estructural y la interseccionalidad de las discriminaciones), véase: Añón Roig, María (2013). “Principio antidiscriminatorio y determinación de la desventaja”, Isonomía, N 39, pp. 127-157. 3

Da Hermenêutica Formal à Transacional: Estudos sobre a pré-compreensão do intérprete Rodrigo Farias

Graduando do quinto período da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Brasil. Endereço eletrônico: rvfariasuerj@gmail. com.

O presente resumo discute, no âmbito da hermenêutica constitucional, os avanços que o estudo sobre a pessoa do intérprete, tais como aspectos psicológicos antecedentes à atividade de interpretação – tal como a análise transacional - trariam para o estudo da interpretação da Constituição, juntando-se aos já consolidados métodos hermenêuticos e, também, confrontando-os. A moderna dogmática jurídica, no entanto de longa data já não endossa a crença de que as normas jurídicas tenham, invariavelmente, sentido unívoco, oferecendo uma única solução possível para os casos concretos aos quais se aplicam. Em muitas hipóteses, a norma – especialmente a norma constitucional, quando tem conteúdo fluido e textura aberta – oferece um conjunto de possibilidades interpretativas, figurando uma moldura dentro da qual irá aturar o intérprete. Como consequência, a atividade de interpretação da norma consistirá também em um ato de vontade (volitivo), uma escolha, envolvendo uma valoração específica feita pelo intérprete1. Ele participa ativamente das construções interpretativas possíveis de se extrair de dado enunciado normativo. Mas o que se observa, historicamente, é o interprete sendo pouco explorado: ainda que tenhamos a interpretação histórica, que se destina precipuamente à descoberta da vontade do legislador, tal método não se atém aos fatores que influenciam na formação desta vontade – além de que, sendo a lei produto da vontade da maioria ou de acordo de grupos ideologicamente diversos, expressa uma direção normalmente conciliadora, não vontades individuais. Deste modo, temos a interpretação jurídica – e constitucional, de forma mais específica – de uma

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forma incompleta, em que apenas dois de seus três componentes (texto e contexto) são analisados com a correta profundidade. Uma vez que o Direito não possui substrato teórico adequado para fazer esta análise do intérprete, posto que tal observação foi de certo modo marginalizada, utilizaremos a Análise Transacional para tanto. A personalidade dos indivíduos é formada por estados de ego, que pode ser descrito fenomenologicamente como um sistema coerente de sentimentos relacionados a um dado sujeito e operacionalmente como um conjunto de padrões coerentes de comportamento ou, ainda, do ponto de vista pragmático, como um sistema de sentimentos que motiva um conjunto de padrões de comportamento afins2. Estes estados de ego são três: pai, adulto e criança. No primeiro estado, derivado de figuras parentais, a pessoa sente, age, fala e reage como um dos seus progenitores fazia quando ela era pequena. Este estado de ego é ativo na educação dos próprios filhos3. Trata-se, assim, do reflexo das experiências passadas pelos pais quando o indivíduo era criança. No segundo, a pessoa analisa seu meio ambiente objetivamente, calculando suas possibilidades e probabilidades com base em experiências passadas. Este funciona como um computador, consultando o “acervo” da memória a fim de melhor decidir o que se deve fazer em determinado momento. O terceiro, por sua vez, parte da ideia de que cada ser humano carrega dentro de si um menininho ou menininha que sente, pensa, age, fala e reage de forma semelhante à que fazia quando ele ou ela eram crianças4, se assemelhando a uma reminiscência do passado que ainda vive no presente. O estudo destes estados é chamado de Análise Estrutural. A Análise Transacional, por sua vez, trata de que maneira os estados de ego interagem no contato entre os indivíduos, chamados de transações. Estas podem ser complementares, em que as comunicações podem se dar indefinidamente, ou cruzadas, em que a comunicação é interrompida, havendo problemas5. O objetivo é verificar estas comunicações e entender como elas poderão ser otimizadas, a fim de

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torna-las as mais bem feitas possíveis. Veremos, deste modo, de que forma esta construção teórica pode colaborar na ciência jurídica. Notas 1 BARROSO, Luís Roberto, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2ª Edição, Saraiva, 2009, p. 80. 2 BERNE, Eric, Análise transacional em psicoterapia, tradução de Lúcia Helena Cavasin Zabotto, São Paulo, Summus, 1985, p. 17. 3 Idem, O que você diz depois de dizer olá? A psicologia do destino, tradução Rosa R. Krausz, São Paulo: Nobel, 1988, p. 25. 4 Idem. 5 Ibidem., p. 27 e 28.

Interpretação Conforme e Interpretação de Acordo com a Constituição: Precedentes do STJ e Controle Difuso de Constitucionalidade Luiz Henrique Krassuski Fortes

Mestrando em Direito das Relações Sociais no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, sob orientação do prof. Dr. Luiz Guilherme Marinoni. Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Membro do Núcleo de Direito Processual Civil Comparado (UFPR). Membro do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Justiça Eletrônica - e-Justiça (CNJ-CAPES-UFPR). Servidor Público da Justiça Federal de 1º Grau em Curitiba-PR. País: Brasil. E-mail: [email protected]

O controle de constitucionalidade no Brasil possui diversas vicissitudes, em grande parte decorrentes do processo de découpage institucional de vários elementos estrangeiros, deixando um enorme campo aberto para reflexões que não podem se satisfazer apenas com uma visão fragmentada e exógena que busque compreender o sistema brasileiro de controle a partir de uma análise acrítica direito comparado e dos institutos alienígenas que o influenciaram. Partindo-se desse pressuposto, propõe-se a investigar se é possível harmonizar a técnica da interpretação de acordo com a Constituição imposição do Estado Constitucional a todos os órgãos investidos do Poder Jurisdicional, inclusive aos Tribunais Superiores, compreendido como cortes de precedentes1 -, a qual se buscará diferenciar da interpretação conforme a Constituição (técnica de decisão em sede de controle de constitucionalidade), com o controle difuso de constitucionalidade, poder-dever do qual todos os juízes estão investidos no Brasil. Pode um magistrado deixar de aplicar um precedente do Superior Tribunal de Justiça, órgão que tem dever de proceder a interpretação da legislação federal de acordo com a Constituição e de formular precedentes sobre o direito federal, simplesmente ignorando o precedente formado, sob o argumento de realizar diretamente controle de

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constitucionalidade da aplicável? Ou seja, pode o juiz se afastar da interpretação de acordo feita pelo STJ sem superar argumentativamente o precedente, distinguindo-o do caso sob exame? Para buscar responder a essas questões, são, primeiramente, revisitadas as comumente chamadas teorias clássicas sobre a Jurisdição à luz do Estado Constitucional e da relação entre justiça constitucional e democracia constitucional.2 A passagem do Estado de Direito Liberal para o Estado Constitucional implicou três significativas alterações na compreensão do fenômeno jurídico (na teoria das normas, a compreensão da força normativa dos princípios; na técnica legislativa, a partir da superação do dogma da legislação geral, abstrata e com fattispecie bem delimitada, dando espaço para uma técnica casuísta através de cláusulas gerais e conceitos abertos; na teoria da interpretação, com a difusão da compreensão não cognitivista e de univocidade de sentido)3, o que evidenciaria o relevante papel a ser desempenhado pelos precedentes na dimensão da igualdade, segurança jurídica e coerência do Direito. Busca-se, então, verificar a distinção entre interpretação de acordo com a Constituição com a interpretação conforme a Constituição, geralmente tratadas de forma indistinta, como se vê, por exemplo, na obra de Luís Roberto Barroso, para quem a interpretação conforme se destina a um só tempo à preservação da validade constitucional de determinados dispositivos legais cuja interpretação aparenta inconstitucionalidade, bem como à atribuição de sentido à legislação infraconstitucional, a cargo de todos os juízes, conectada à máxima efetividade que deve ser dada aos mandamentos da Constituição.4 Partindo da caracterização legal, Luiz Guilherme Marinoni entende que a interpretação conforme não constitui método de interpretação, mas sim técnica de controle de constitucionalidade que impediria a declaração de inconstitucionalidade da norma mediante a afirmação de que há um sentido possível ou interpretação compatível com a Constituição5, distinguindo-se da declaração parcial de nulidade sem redução de texto, pois na primeira se estaria no âmbito de interpretação e, na segunda, no de aplicação da norma. Dessa forma, na primeira

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exclui-se a possibilidade de outras interpretações, declarando-se aquela que se reputa conforme, ao passo que na segunda se discute o próprio âmbito de aplicação da norma, declarando-se que em determinadas hipóteses a aplicação da norma em si é inconstitucional.6 Essa distinção, porém, não resolve o problema das duas categorias que podem ser abarcadas sob o mesmo manto da interpretação conforme (interpretação propriamente dita e técnica de controle de constitucionalidade), evidenciando a possibilidade de se tratar a primeira com a nomenclatura interpretação de acordo. Isso pois declaração de inconstitucionalidade, técnicas de decisão na jurisdição constitucional e o dever de interpretar o direito à luz da Constituição, não se confundem. Assim, o juiz ordinário, por mais que exerça ao mesmo tempo a Jurisdição ordinária e o poder de controle de constitucionalidade, não pode, sem a adequada justificativa, se afastar dos precedentes firmados pelos Tribunais Superiores a que está subordinado, procurando fazer o controle de constitucionalidade da interpretação de acordo que foi firmada no precedente infraconstitucional aplicável ao caso. Notas MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes: Recompreensão do Sistema Processual da Corte Suprema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013; MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: Do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 2 ZAGREBELSKY, Gustavo; MARCENÒ, Valeria. Giustizia Costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2012. p. 63. 3 MITIDIERO, Daniel. Cortes..., Op. cit, p. 13-15. 4 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 301. 5 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 59. 6 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria..., Op. cit, p. 60. 1

Kelsen e a teoria da interpretação constitucional Humpty Dumpty Samuel Moreira Gouveia

Doutorando pela Université Paris Ouest, em cotutela com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Endereço eletrônico: samuel_gouveia@yahoo. com.br.

Pretende-se tratar, no presente ensaio, da relação entre “validade” e “interpretação autentica”, elaborada por Hans Kelsen (1999) no último capítulo da segunda edição da Teoria Pura do Direito. Com base nas elaborações críticas realizadas por Troper (1981), se lançará a hipótese da impossibilidade jurídica ao erro pelas Cortes Supremas, tomadas como intérpretes autênticos. Tal assertiva se sustenta pelo fato que, uma vez estando no cume da hierarquia judiciária, as Cortes Supremas possuiriam total liberdade jurídica na criação de normas (entendidas como significação de textos) e na estipulação da força normativa de diferentes textos. Essa liberdade jurídica decorreria da capacidade de tais cortes prolatarem decisões irrecorríveis juridicamente. Ainda, a mencionada liberdade se agudizaria pelo fato de que, entre os textos interpretados pelas Cortes Supremas, encontram-se aqueles que prescrevem a sua própria competência. Não raro, tal liberdade na atividade interpretativa seria direcionada no sentido do aumento de poderes (i.e. competência), como no caso Marbury versus Madison decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos, ou na decisão Liberté d’association, do Conselho Constitucional francês. Se neste caso, uma eventual “norma fundamental” não pode mais ser considerada como base para tomada de decisão na criação de normas jurídicas – visto que a liberdade das Cortes Supremas decorre da inexistência de norma reguladora e/ou sancionadora de suas decisões -, este espaço “fundante” não pode ficar vago. Não é fortuito que teorias tão díspares como as de Troper (1981), Van Hoecke

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(2002) ou mesmo a elaborada por Hart (2012) pressuponham uma racionalidade fundada, cada uma a seu jeito, na pluralidade de atores. A visão de um intérprete supremo e livre, no cume da ordem jurídica hierarquizada passa a dar lugar a concepções de sistema jurídico como “rede”, além da instituição de outras instâncias normativas. A sugestão que se trata presentemente é que tal desenvolvimento decorre da percepção de impossibilidade do uso da linguagem na forma de uma prática totalmente autônoma do âmbito social (linguagem privada), sublinhada já na segunda filosofia analítica, principalmente nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein (1986). Para o filósofo austríaco, o sentido de uma palavra ou de um enunciado é estabelecido pelo seu uso em um determinado jogo de linguagem - mediado por regras pragmáticas – o que pressupõe a pluralidade de atores. Em contraposição aos jogos de linguagem, as práticas autônomas seriam aquelas cuja normatividade não depende de nada além dela mesma, o que asseguraria sua correção. Esta seria a posição das Cortes Supremas como intérpretes autênticos no modelo kelseniano, sintetizada pela famosa afirmação do juiz Jackson, da suprema corte norte-americana: “Nós não somos a última instância porque somos infalíveis, mas somos infalíveis porque somos a última instância” (opinião concordante no caso Brown versus Alle, 344US 443-1953). Contudo, ao invés de garantir a correção no processo de produção de significação – i.e. de criação de normas -, a liberdade das práticas autônomas destrói a probabilidade de tal correção, porque estar correto perde sua força, quando a possibilidade de estar incorreto desaparece. Para Medina (2007, p. 164), “(…) o argumento de Wittgenstein sugere a diferença entre parecer correto e ser correto requer a possibilidade de negociação e correção mútua, que para tanto deve haver diferentes centros de avaliações normativas”. As regras do jogo se desmoronam quando o que conta como correto não pode ser contestado, quando o “ser” e o “parecer” correto se confundem. Pretende-se, portanto, demonstrar que, no sentido observado por Kelsen, as Cortes Supremas se apresentariam como uma espécie de Humpty Dumpty, personagem criado por Lewis Caroll (1986).

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Assim como o personagem, as Cortes Supremas poderiam escolher livre e aleatoriamente o significado das palavras utilizadas, entretanto, sem conseguir nada comunicar, haja vista a falta de normatividade. Se sugere, portanto, que o paradigma kelseniano contrapõe a ideia de jogo de linguagem, na forma entendida por Wittgenstein, a qual se utiliza presentemente como paradigma crítico. Assim o é, visto que na concepção wittgensteiniana, toda instância discursiva deve conter a possibilidade da incorreção na sua pluralidade de núcleos normativos. Deve conter, sobretudo, a possibilidade de negociações normativas, em um processo dialético de contestação e justificação possibilidade esta, eclipsada na análise kelseniana. Referência bibliográfica CARROLL, Lewis. The Complete Illustrated works of Lewis Carroll. Londres: Bounty Books, 1986. HART, Herbert Lionel Adolphus. The Concept of Law. 3ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2012. KELSEN, Hans. Théorie Pure du Droit. Paris: L.G.D.J., 1999. MEDINA, José. Linguagem: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre : Artmed, 2007. TROPER, Michel. Kelsen, la théorie de l’interprétation et la structure de l’ordre juridique in Revue Internationale de Philosophie. Paris, nº 138, 1981, p. 518-529. VAN HOECKE, Mark. Law as communication. Oxford: Hart Publishing, 2002; WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical Investigations. Oxford: Basil Blackwell Ltd, 1986.

Controle de constitucionalidade e hermenêutica filosófica: entre o substancialismo e procedimentalismo João André Alves Lança

Graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG. País: Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

É possível dizer que uma das objeções centrais das teorias críticas do controle de constitucionalidade judicial gira em torno da acusação de ser tal controle contramajoritário e, por isso, antidemocrático e ilegítimo, em especial quando se entrega aos juízes a “última” palavra sobre declarações de direitos. Críticos contemporâneos do controle judicial de constitucionalidade, sobretudo em sua manifestação “forte”, como Jeremy Waldron e Richard Bellamy, fundamentam a acusação acima com a afirmação de que as decisões sobre direitos envolvem escolhas morais sobre as quais os desacordos razoáveis são inevitáveis. E, nesse sentido, acreditam que não existem razões suficientes para se dizer que poucos juízes tomariam decisões melhores do que os representantes políticos eleitos, haja vista no seio das cortes também existir dissensos morais. Assim, defendem que o processo político democrático-parlamentar possui maior legitimidade e se resulta mais eficaz do que o processo judicial para tomar tais decisões sobre direitos e resolver tais desacordos, em especial quando se fala em democracias razoavelmente desenvolvidas. Pressupõem que apenas quando os próprios indivíduos participam no interior do processo democrático, por meio de seus representantes eleitos, esses podem ser considerados como iguais, uma vez que apenas desse modo se garantiria a igual consideração e respeito com relação aos seus direitos e interesses (BELLAMY, 2007). O que está por traz dessa opção pelo processo parlamentar, segundo Waldron (2006), é a opção por razões de processo em detrimento de razões de resultado. Para o impasse da inevitável existência de de-

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sacordos razoáveis, as razões de tipo processual seriam a melhor solução para a questão, uma vez que não se pode garantir que o resultado das escolhas tomadas pelo judiciário, ou mesmo pelo legislativo, seja mais apropriado em um caso ou do que em outro. Diante disso, o ideal seria adotar um procedimento que pudesse legitimar a decisão adotada. E esse procedimento deveria ser o político-parlamentar e não o judicial, por ser aquela o mais legítimo democraticamente. No marco do giro linguístico-ontológico, todavia, aqui analisado a partir da hermenêutica filosófica, o processo compreensivo não é mais visto ao modo especulativo ou ao modo objetivista, como era próprio da filosofia da consciência ou do campo das ciências naturais, em que um método ou um procedimento pré-determinado seria capaz de levar ao conhecimento coerente e válido. Assim, se por um lado, não há critérios seguros para se definir quais decisões seriam mais adequadas, se as do judiciário ou se seriam as adotadas pelo legislativo, por outro, o caminho da opção pelas “razões de processo”, sem sua devida crítica, oferece o risco do retorno ao problema dogmático do positivismo que ignora a dimensão ontológica da compreensão. Dito de outra forma, se não há um procedimento universal que leve a decisões válidas e se não há uma solução estanque para a questão dos desacordos, optar pela via procedimental do debate político-parlamentar pelo motivo da legitimidade pode significar a desconsideração dos efeitos da história no próprio processo político e do que, de fato, “é o legítimo” na existência tradicional. Nesse sentido, deve-se ter em mente que a coerência do processo compreensivo de tudo aquilo que pode ser conhecido, inclusive os imperativos constitucionais, tem muito menos a ver com escolhas procedimentais, do que com questões relacionadas ao horizonte hermenêutico, ou das pré-compreensões, do qual partem ou no qual se colocam os sujeitos. “A elaboração da situação hermenêutica significa então a obtenção do horizonte de questionamento correto para as questões que se colocam frente à tradição.” (GADAMER, 1999, p. 452). Nesse sentido, tratando-se de decisões constitucionais sobre direitos fundamentais, as pretensões voltadas, em primeiro plano, para

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argumentos de política ou para argumentos de princípios, dependendo de qual posição se ocupa, se no legislativo ou no judiciário, oferecem maior influência no que se deve entender por controle de constitucionalidade, do que simplesmente optar pelas “razões de processo”. Foi o que demonstrou, por exemplo, a pesquisa empírica feita por Pickerill, citado por Hübner (2008), ao revelar que nos períodos da história americana em que a revisão constitucional foi mais tímida, as decisões do parlamento quase não levaram em conta argumentos constitucionais. Por outro lado, nos períodos de maior engajamento da Corte e de ameaça de revisão constitucional, o parlamento reagiu dedicando maior atenção à dimensão constitucional dos assuntos tratados. Desse modo, a hipótese e a conclusão que se afirma é que, para ficarmos entre o substancialismo (e seus desacordos) e o procedimentalismo, sem ignorar os desafios da tomada de consciência do caráter ontológico de toda compreensão, não se trata de rejeitar medidas de processo ou novos arranjos institucionais, mas de encará-los como instrumentos auxiliares ao “alargamento” e à tomada dos horizontes adequados. Uma decisão relevantemente democrática não significa uma decisão baseada em razões de processo, o que não significa desacreditar medidas que visem o reforço e a seriedade da deliberação democrática na interpretação da constituição. Referências BELLAMY, Richard. Political Constitutionalism: A Republican Defence of the Constitutionality of Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. MENDES, Conrado Hübner. Controle de constitucionalidade e democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. WALDRON, Jeremy. The Core of the Case Against Judicial Review. The Yale Law Journal, v. 115, 2006. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

Mitologia, caracterização do Poder Judiciário e novas diretrizes para a hermenêutica jurídica: o Juiz Hércules encontra a Juíza Penélope Igor Suzano Machado O Poder Judiciário possui uma caracterização com base num personagem da mitologia grega que já se tornou clássica. Trata-se do juiz Hércules, trazido à tona pelo trabalho do influente jusfilósofo norte-americano Ronald Dworkin, e que já gerou extensa bibliografia sobre suas características, formas de trabalho, embasamento filosófico, etc. Outras figuras mitológicas mesmo, como Hermes, já foram inclusive confrontadas com Hércules, tanto pelo próprio Dworkin (2003 [1986]), quanto por seus críticos com o objetivo de desmistificar a construção teórica do juiz de capacidades hercúleas e suas “únicas respostas corretas” e, necessariamente, liberais aos casos jurídicos difíceis (Warrington; Douzinas; McVeight, 1991). Meu objetivo aqui é semelhante. Buscando um outro parâmetro de orientação para a prática judicial e interpretação constitucional que não o semideus mobilizado por Dworkin, trago à tona a figura de Penélope, a tecelã esposa de Ulisses na Odisseia de Homero. Ou seja, o presente artigo parte da construção do juiz Hércules na teoria jurídica de Ronald Dworkin para propor um novo personagem mitológico como possível base de caracterização do Poder Judiciário nas democracias contemporâneas: justamente a “Juíza Penáelope”. A atividade de infinita costura e descostura a que tal personagem se dedicou na Odisseia de Homero, como forma de lidar com o assédio de novos pretendentes sem abandonar sua fidelidade ao antigo marido desaparecido é então evocada para caracterizar como os juízes reagem ao assédio das partes tecendo um discurso jurídico coerente, mas sempre incompleto por sua vinculação a uma promessa que não pode ser abandonada. Se, no caso de Penélope, essa promessa era o retorno de Ulisses a Ítaca, seu reflexo no Judiciário traduziria

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esse compromisso na noção de uma “justiça por vir” – categoria que derivo da ideia de “democracia por vir” de Jacques Derrida (2005). Meu objetivo com isso é utilizar as intuições de Dworkin acerca da atividade desenvolvida pelos juízes, mas sujeitando-as a uma leitura pós-estruturalista, que, por um lado, se abre a um pluralismo radical, mas, por outro, rejeita a mera hiperfragmentação como característica principal da sociedade contemporânea, agregando a essa característica de “descentramento” – isto é, falta de centro fixo – a busca por centros provisórios, fechamentos precários da estrutura social que lhe dão inteligibilidade, naquilo que a tradição pós-estruturalista convencionou chamar de “discursos”, na esteira de sua caracterização por Foucault (2007[1969]) como “regularidades na dispersão”. Caracterizando a atividade judicial como formatação de um discurso, entendido nesses termos, os juízes passam a ser menos os seguidores de um herói capaz de encontrar sempre a única resposta correta dos casos jurídicos difíceis, como seria o juiz Hércules, e passam a desempenhar uma atividade de “costura” de textos e instituições que podem resultar em peças inusitadas e cuja configuração final passa a ser radicalmente dependente da intenção desses costureiros não chegando nunca, no entanto, a se apresentar como uma obra plenamente acabada, tal qual o trabalho de costura de Penélope. A publicidade da atuação de Penélope, sua necessária passividade, e a coerência de princípio exigida de suas decisões, permitiriam que sua atividade fosse avaliada e discutida publicamente, propiciando o controle democrático do poder dos juízes que agem em seu reflexo. Esses juízes são instados a, como Penélope, costurar uma teia que agrega os valores da comunidade política, usando como linhas dessa costura, como destaca Dworkin, a cultura institucional da comunidade em que estão inseridos, materializada em decisões políticas pretéritas, como a Constituição, as leis, os precedentes judiciais, etc. Mas como, mais do que encontrar as respostas dos casos jurídicos contidos nessa teia, os juízes seriam os responsáveis pela costura da própria teia, ganha destaque na atividade jurisdicional, tal como entendida aqui, o compromisso dos juízes com uma referência de justi-

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ça: é esse compromisso que faz com que a teia seja costurada de um jeito e não de outro. Tal compromisso se basearia em uma promessa de justiça e precisaria transcender a vontade das partes e mesmo compromissos legais fugazes, precisando se basear em pressuposições morais profundas, como nos acordos materializados numa Constituição e na filosofia política e moral que a embasa. Contudo, ao contrário do que ocorre no trabalho de Hércules, esse compromisso de justiça não precisa ser vinculado a um liberalismo individualista, assim como não precisa negar essa possibilidade. A escolha e fidelidade a uma construção de justiça possível dentre muitas passa a ser então parte integrante da atividade judicial, assim como da avaliação dessa atividade pela sociedade, que deve ser constante, por ser essa sociedade também a portadora dessa noção de justiça que os tribunais devem efetivar, tendo os juízes como seus emissários e não aqueles que a impõem de fora e de cima.

Hermenêutica filosófica e sua contribuição para a jurisdição constitucional

Cristiano de Aguiar Portela Moita

Mestrando em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Brasil. Email: [email protected].

Desde que o homem se lançou na busca de compreensão do mundo que o cerca bem como do mundo que se constituiu no seu próprio pensar, buscou encontrar o sentido último ou o sentido verdadeiro das coisas. Entender o funcionamento da natureza e entender o modo próprio de se comportar do ser humano sempre foi o objetivo do homem pensante. A teorização ou a sistematização do estudo da busca dos sentidos ocorreu, a princípio, sobre os sentidos dos textos, especificamente, bíblicos, naquilo que se resolveu chamar de Hermenêutica. Acreditava-se, num primeiro momento, com Friedriech Schleiermacher e depois com Wilhelm Dilthey, na possibilidade de elaboração de um método que permitisse encontrar o verdadeiro sentido quisto pelo produtor do texto. Seguindo alguns passos, conseguir-se o sentido almejado pelo próprio autor. Essa concepção de hermenêutica, no entanto, revelou-se falha e insuficiente, principalmente pelos avanços teóricos na Hermenêutica ocorridos no limiar do século XX, levados a cabo por Martin Heidegger e, de forma mais detida, seu discípulo Hans-Georg Gadamer. Com a ideia de que o homem é, por si só, hermenêutico, no sentido de ser finito e histórico, e que sua experiência de mundo é marcada pela temporalidade, reformula-se, fundamentalmente, a concepção de Hermenêutica. Ocorre aqui a superação da hermenêutica psicologizante de Schleiermacher e Dilthey por uma hermenêutica propriamente histórica. Com efeito, para Gadamer, a finitude e a historicidade do homem reposicionam a hermenêutica; deixa de ser entendida como um problema de metodologia específica para as ciências do espírito, como outrora propôs Dilthey, e passa a ser entendida como um pro-

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blema de ontologia, reformulada nos moldes heideggerianos. Ponto fulcral na hermenêutica de Gadamer é precisamente ser considerada uma hermenêutica da finitude, o que significa que a história tem papel fundamental na determinação da consciência do homem. Assim, pode-se asseverar que a historicidade configura-se verdadeira condição de possibilidade da compreensão humana. Em outras palavras, a compreensão sempre parte daquilo que foi entregue pela tradição (traditio em latim significa entrega) ao homem, constituindo nele pré-conceitos que farão parte, necessariamente, do ato de compreensão do mundo. Os pré-conceitos gestados na história são, dessa forma, condições transcendentais da compreensão. E assim Gadamer conceitua hermenêutica como “mobilidade fundamental da pré-sença, a qual perfaz sua finitude e historicidade, abrangendo assim o todo de sua experiência de mundo”. Especificamente no âmbito do Direito, a Hermenêutica Filosófica traz algumas contribuições. Em primeiro lugar, pergunta-se: em que medida a Hermenêutica Filosófica contribui para o Direito e, especificamente, para o Direito Constitucional? Em relação à noção fundamental de historicidade, é possível concluir que não portam os textos legislativos, em definitivo, um sentido dado a priori, como já percebido por juristas como Kelsen e Hart, e que a tarefa de compreendê-los exige que o intérprete se perceba dentro da história e se posicione aberto aos fatos subjacentes à aplicação da norma jurídica. Os fatos que circundam o texto a ser interpretado moldam, de forma necessária e particular, a interpretação lançada sobre esse texto. O intérprete é, aliás, sempre um aplicador. Interpretação, compreensão e aplicação confundem-se na applicatio que se dá no jogo de apreensão de sentidos. Aplicar não é reproduzir sentidos já pensados; aplicar é produzir sentidos. E toda vez que o intérprete lança-se sobre a interpretação de um caso concreto, deve fazê-lo cônscio dessa estrutura hermenêutica que o constitui. Especificamente em relação ao Direito Constitucional, a contribuição da Hermenêutica Filosófica é particularmente importante. É no bojo da compreensão das constituições que se molda o entendimento do atual modelo de Estado

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Democrático de Direito, configurado como Estado Constitucional, em que as cortes constitucionais assumem a função relevantíssima de interpretar e compreender – aplicar, afinal – o texto constitucional. Responsáveis por dar a última palavra a respeito do sentido do texto, confrontam-se, inevitavelmente, com os novos problemas abertos pela Hermenêutica Filosófica.

A (ir)racional aplicação da proporcionalidade pelo STF Fausto Santos de Morais

Doutor em Direito (UNISINOS/RS), docente do PPGD IMED – Passo Fundo/RS – Brasil. Pesquisador com apoio da Fundação Meridional. E-mail:[email protected].

A aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal pode ser considerada racional? O pressuposto teórico para essa questão investigativa está em Alexy, entendendo que: primeiro, os problemas jurídicos que envolvem Direitos Fundamentais correspondem questões de princípio e devem ser resolvidas pela máxima da proporcionalidade (ALEXY, 2008, p. 116). Segunda, as decisões judiciais a esses problemas devem ser racionalmente fundamentadas para serem legítimas (ALEXY, 2005, p. 5). Fixado o marco teórico, a investigação da fundamentação das decisões do STF foi determinada em decorrência da adoção pelo tribunal do discurso da proporcionalidade em questões de Direitos Fundamentais e pela validade dessas decisões estar condicionada a sua fundamentação, nos termos do artigo 93, IX da CRFB. Intentou-se, nesse sentido, verificar na jurisprudência do STF se sua aplicação correspondia às orientações dogmáticas do jurista alemão. Para isso procedeu-se coleta de dados junto à jurisprudência do STF, disponíveis no seu website. Escolhendo a palavra-chave “princípio da proporcionalidade”, no marco temporal de 07/07/2002 até 07/07/2012, obteve-se 189 decisões, entendidas como representativas da práxis jurisprudencial do STF. Todas as decisões foram objeto de descrição e análise em trabalho anterior (MORAIS, 2013). Alexy foi utilizado como um dos pressupostos teóricos à análise pois sustenta que o Direito está orientado à razão prática – dizendo aquilo obrigado, proibido ou permitido –, cuja estrutura envolveria regras, princípios jurídicos e procedimentos (ALEXY, 2010, p. 173). Alguns dos problemas jurídicos poderiam ser resolvidos facilmente, por regras, outros, com recurso a sopesamentos o que, em última

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ratio, se mostrariam abertos ao âmbito valorativo – moral – do intérprete cujo controle estaria na esfera argumentativo-procedimental. Essa seria a abertura do Direito à Moral (ALEXY, 2008, p. 29). Para além das categorias normativas, Alexy sustenta que a legitimidade judicativa é aferida mediante uma argumentação jurídica como forma de justificação racional (ALEXY, 2007, p. 131). Essa capacidade racional reconheceria a produção procedimental do consenso e a legitimidade jurídica das decisões judiciais (MORAIS; TRINDADE, 2012, p. 164). Retornando à pesquisa jurisprudencial realizada no STF, obteve-se a constatação das seguintes questões (MORAIS, 2013, p. 296-297): 1°) o emprego do discurso da colisão, havendo indicação (ou não) das categorias colidentes; 2°) a proporcionalidade, as vezes adjetivada como princípio, é enunciada para resolução dos problemas; 3°) a autonomização do discurso sobre os elementos da adequação, necessidade e sopesamento; 4°) a não preocupação com a produção de uma lei de colisão, na condição de premissa inicial a ser justificada argumentativamente; 5°) a identificação da proporcionalidade com a noção de proteção do excesso e proibição da proteção deficiente; 6°) os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – com referência ao artigo 5°, inciso LIV da CRFB – foram empregados, em boa parte das decisões, como fundamentos contra o abuso de poder do Estado; 7°) a proporcionalidade era empregada num sentido performático de justeza ou correção do posicionamento assumido – e, em casos de aplicação de penas, sobre a sua (in)correção; e

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8°) o emprego da proporcionalidade geralmente vem acompanhado de adjetivações como: inquisição dos limites dos limites, núcleo essencial, âmbito de proteção dos Direitos Fundamentais ou reserva legal proporcional. Em apreciação a essas verificações, o que se notou foi a ressonância de fragmentos da teoria de Robert Alexy no discurso do STF. Essa condição faz com que a proporcionalidade assuma uma concepção sui generis, de lógica incomensurável se contrastada a argumentação jurídica fundada em critérios racionais intersubjetivos. Exemplo disso, é a aplicação da proporcionalidade nas decisões sem as devidas explicações sobre as opções valorativas sobre a escolha dos princípios sopesados e a respectivas hierarquização entre eles. Portanto, ao manter-se velado os motivos fáticos e jurídicos que suportam os juízos de sopesamentos, entende-se faltar legitimidade (democrática) de parte das decisões investigadas, deixando de cumprir com o imperativo da fundamentação (justificação) racional. Referencial bibliográfico ALEXY, Robert. Sistema jurídico e razão prática. In: ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. ALEXY, Robert. A fórmula de peso. In: ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. ed. São Paulo: Landy Editora, 2005. MORAIS, F. S. de. 2013. Hermenêutica e pretensão de correção: uma revisão crítica da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo

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Tribunal Federal. São Leopoldo, RS. Tese de Doutorado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, 346p. MORAIS, Fausto Santos de; TRINDADE, André Karam. Ponderação, pretensão de correção e argumentação: o modelo de Robert Alexy para fundamentação racional da decisão. SJRJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 35, p. 147-166, dez. 2012.

Interpretación Judicial de la Corte Constitucional Colombiana en la sentencia C 590 de 2005, respecto de los requisitos especiales: decisión sin motivación y desconocimiento del precedente, en contraste con el debate entre reglas y principios

Alejandra Marcela Arenas Moreno

Abogada, especialista en Derecho Constitucional y Derecho Administrativo de la Universidad de Antioquia. Aspirante a Magister en investigación en Derecho, de la misma Institución. Colombia. Email: alejandrarenas17@gmail. com.

En la presente ponencia se busca mostrar a partir de la Sentencia C 590 de 20051, proferida por la Corte Constitucional Colombiana, cual fue la interpretación judicial adoptada por dicho Tribunal, respecto de los requisitos especiales: decisión sin motivación, que implica el incumplimiento de los servidores judiciales de dar cuenta de los fundamentos fácticos y jurídicos de sus decisiones en el entendido que precisamente en esa motivación reposa la legitimidad de su órbita funcional y desconocimiento del precedente, hipótesis que se presenta, por ejemplo, cuando la Corte Constitucional establece el alcance de un derecho fundamental y el juez ordinario aplica una ley limitando sustancialmente dicho alcance. En estos casos la tutela procede como mecanismo para garantizar la eficacia jurídica del contenido constitucionalmente vinculante del derecho fundamental vulnerado; y contrastarla con aspectos puntuales del debate entre reglas y principios, que hace parte importante de la discusión actual respecto de la interpretación y grado de argumentación que debe demostrar el Juez en sus decisiones, para que estén acorde con el Estado Constitucional de Derecho, donde se garanticen tanto la protección de los derechos, como la supremacía de la Constitución Política. Es de señalar que en el mencionado fallo de la Corte Constitucional se establecieron seis requisitos generales y ocho especiales,

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para la procedencia de la acción de tutela contra sentencias judiciales, sin embargo, en esta presentación, aunque se enunciarán todos y cada uno de ellos, el análisis se centrará en los dos ya señalados. Para cumplir con dicho propósito, la ponencia se dividirá en tres partes, en la primera, se expondrá de forma general el surgimiento de la Corte Constitucional Colombiana en la Constitución Política de 1991 y las funciones que le fueron atribuidas, de igual manera se explicará en que consiste la acción de tutela y como se ejerce. Lo mismo se hará con los requisitos de procedibilidad de la acción de tutela, frente a sentencias judiciales, establecidos por el órgano de cierre de la jurisdicción constitucional colombiana, en la Sentencia C 590 de 2005. En segundo término, se expondrán de forma sucinta la teoría de H. Hart, explicada en el texto “El concepto de Derecho”, en lo atinente al Derecho entendido como reglas, luego se pasará a la crítica y el aporte introducido por Ronald Dworkin, en cuanto a los principios como parte del Derecho, posteriormente se enunciará el aporte que al debate de reglas y principios ha hecho Robert Alexy, especialmente en lo que tiene que ver con la solución de casos puntuales, cuando se presente colisión entre reglas y principios, o algunas variaciones de estos, por último se describirá el aporte que al debate hacen Manuel Atienza y Juan Ruiz Manero, frente al carácter abierto o la consideración de los principios como mandatos de optimización, señalado por Alexy. En última instancia se hará el contraste entre la interpretación hecha por la Corte Constitucional en la Sentencia C 590 de 2005, respecto de los requisitos especiales decisión sin motivación y desconocimiento del precedente, y aspectos puntuales del debate entre reglas y principios. Más exactamente en la forma como debe interpretarse la colisión entre estos, y las posibles soluciones que desde dicho debate puedan darse a partir de entender las normas y los derechos como reglas o principios. Dicho análisis apunta a dar cumplimiento al objetivo propuesto de hacer el contraste, además de buscar evidenciar, la forma como la Corte Constitucional al interpretar y decidir sobre los requisitos de procedibilidad, entendió dichas “normas” como reglas o como

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principios, y como la presente ponencia nos sirven para fundamentar mejor las acciones de tutela frente a decisiones judiciales, que vulneren los requisitos especiales escogidos para el presente trabajo, que se considera, son los que tienen que ver con de forma directa con la carga argumentativa que tienen los Jueces a la hora de fallar. Por último, la propuesta aquí presentada, aporta también a la forma de entender el debate entre reglas y principios en clave de interpretación y argumentación jurídica constitucional, no obstante adscribirse al caso puntual de la Corte Constitucional Colombiana enunciado. Notas 1

Magistrado ponente Dr. JAIME CÓRDOBA TRIVIÑO.

Derrotabilidade: Perspectivas a cerca de um novo nível de interpretação jurídica

Lucas Costa Oliveira

Aluno do 6º período em Direito; Faculdade Metodista Granbery; Brasil; [email protected].

O presente artigo tem como finalidade expor e racionalizar um novo conceito que vem insurgindo dentro do cenário da Teoria do Direito, mais especificamente na interpretação jurídica: A Derrotabilidade das normas jurídicas. Dentro desse contexto reflete-se que uma norma jurídica ainda que válida e totalmente aplicável a um caso concreto específico, pode ter sua aplicação mitigada, gerando portando uma decisão que enverede por algo diverso da ideal tradicional de subsunção entre fato e norma. Entretanto, partindo-se do pressuposto de que todas as normas jurídicas são derrotáveis, duas questões inauguram a discussão: Quando e como derrotar? A resposta para tanto pode ser construída através da obra Hartiana - The Ascription of Responsability And Rights - Segundo o teórico inglês, os conceitos normativos tem um caráter especial em que as normas jurídicas estão sujeitas a exceções implícitas que não são passíveis de antecipação. Logo, segundo essa lógica, a aplicação de uma norma jurídica só pode ser precisada abstratamente se a mesma tiver seguida de uma clausula de abertura que também não pode ser precisada, mas que inevitavelmente leve a decisão para a derrota da norma visto que trará a tona uma exceção implícita quando essa existir dentro das particularidades de um dado caso concreto. Atualmente não condiz mais com o universo jurídico a adoção de uma lógica Monotônica em que se estabelece que da relação de determinadas premissas sempre surja um mesmo resultado, ainda que outras premissas sejam as duas principais adicionadas. Pelo contrário, vige hoje a adoção do raciocínio lógico Não-Monolítico - as somas de duas premissas principais geram de fato um determinado resultado, mas que pode ser alterado uma

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vez que sempre devem ser adicionadas premissas acessórias as principais. Esse novo raciocínio lógico-científico se amolda perfeitamente à derrotabilidade das normas jurídicas em especial à teoria abandonada por Hart. As novas premissas analisadas se inserem exatamente no lugar da clausula de abertura como instrumentos derrotadores da norma. Assim sendo a resposta sobre quando e como derrotar pode ser resumida em: Sempre que diante de um caso jurídico para o qual haja uma norma totalmente aplicável, deve se analisar todas as premissas particulares do caso concreto e soma-las às premissas estabelecidas pela norma. Assim a ocorrência de uma premissa que cumpra o papel da clausura de abertura como premissa derrotadora indicará como e quando derrotar. Derrota-se quando ocorrer uma premissa que cumpra esse papel alterador da lógica do raciocínio não-monolítico, e a maneira de se realizar tal superação da norma é provando tal premissa e as suas influências no caso concreto. Se o Direito fosse uma ciência capaz de se estruturar por um raciocínio matemático estaríamos diante de uma resposta altamente satisfatória, porém a realidade não é essa. Muito pelo contrário nosso trabalho é com uma ciência da dúvida o que condiz muito mais com uma das pretensões precípuas da matéria que é regular a conduta humana. Sendo assim algumas formalidades exigidas à superação de uma regra devem ser perpassadas. Há de se falar sobre a necessidade de uma justificação condizente, em que seja demonstrada hipótese de que a aplicação da regra divergiria da finalidade/propósito da mesma frente ao caso concreto; tal justificação deve ser exteriorizada, escrita e fundamentada, para que assim possa existir um controle sobre a tomada de decisão; além disso, a derrotablidade exige uma comprovação condizente com o caso concreto, superar uma regra significa não simplesmente deixar de aplicá-la ao caso concreto, significa também arcar com a consequência direta de suprir todas as suas características positivas que no momento em que a regra é derrotada estão afastadas, isto é: levantar todas as incertezas e controvérsias possíveis, e fazer uma escolha a partir disso sabendo que o valor moral da sua decisão será duramente analisado; tomar uma decisão com discricionariedade e sem um pa-

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râmetro legal positivo de aplicação subsuntiva, e portanto de presumida validade, e ainda assim fazer com que tal decisão seja mantida; e por ultimo arcar com todo o esforço argumentativo imaginável para desviar uma decisão da aplicação lógica monotônica já tão arraigada dentro de nosso sistema jurídico.  Creio que até aqui tenha-se esboçado um pouco do que seja a Teoria da Derrotabilidade, porém isso é somente o início dos problemas a serem enfrentados uma vez que a própria noção básica do raciocínio lógico adotado afirma a adição de premissas alterando decisões e verdades aparentemente incontestáveis. Palavras-chave: Derrotabilidade; Superabilidade; Raciocínio Monotônico e Não-Monotônico; Subsunção; Lógica; Moralidade; Valores; Maniqueismo; Verdade.

A Interpretação do Direito em Dworkin: a interpretação jurídica como uma forma criativa de interpretação

Robson Vitor Freitas Reis

Graduação em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF Pos-graduação Lato Sensu em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus – FDDJ Servidor Público na Universidade Federal Alfenas – Campus Varginha Advogado OAB/MG 141443 Brasil Lattes: http://lattes.cnpq.br/5637267621645000 E-mail: [email protected]

No presente trabalho iremos abordar, de forma sucinta, o proposto pelo jusfilósofo Ronald Dworkin em sua obra O Império do Direito. Nesta obra Dworkin irá tecer uma crítica àqueles juristas que acreditam que só é possível discutir sensatamente “se (mas apenas se) todos aceitarmos e seguirmos os mesmos critérios para decidir quando nossas opiniões são bem fundadas”1 (DWORKIN, 2003, p. 55). Dworkin percebe que tal ideia não se ajusta bem ao tipo de divergência que comumente ocorre no âmbito jurídico. No direito grande parte das divergências é teórica e não empírica, e estes juristas tentam subestimar as divergências teóricas. Argumente-se que advogados e juízes apenas fingem divergir sobre o direito quando o que se tem em mente é uma decisão sobre aplicar ou não o direito, ou, num linguajar mais direto, estariam fingindo discutir sobre o direito com o intuito de criar suas próprias normas. Contudo, para Dworkin, por vezes, esta dita “camuflagem” não ocorre, e nessas ocasiões estar-se-ia sim diante de uma verdadeira divergência de qual é o direito para o caso, e não de uma decisão arbitrária acerca de se aplicar ou não a norma. E tratar todos os casos como se fossem uma tentativa despótica do juiz decidir se vai ou não aplicar o direito é simplificar demasiadamente o problema.

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Diferentemente do que o sensu comum acredita o direito em grande medida não é algo claro e preexistente. Quem assim pensa confunde enunciado normativo com norma. O enunciado normativo consiste meramente na sequência de palavras de uma lei ou outro ato normativo qualquer, já a norma é a prescrição de dever ser que é o resultado do processo de interpretação. Assim, o conteúdo do Direito, apesar de formalmente estar esculpido na constituição, leis, decretos etc., somente é obtido substancialmente após um processo de interpretação. Somente após este processo cognitivo interpretativo que se extrairá a partir dos enunciados normativos, das valorações e dos dados empíricos as normas aplicáveis aos casos2 (BUSTAMANTE, 2005). Diante disso, é inevitável que se conclua que o Direito deve ser entendido como um conceito interpretativo e “qualquer doutrina digna desse nome deve assentar sobre alguma concepção do que é interpretação” (DWORKIN, 2003, p. 60). Em seu livro Dworkin enumera três formas de interpretação: interpretação conversacional, interpretação científica e a interpretação artística. A primeira, que é a intepretação que ocorre no momento da conversação, do diálogo, teria um viés mais intencional e não causal. Ela não pretende, tal como poderia ocorrer na interpretação científica, “explicar os sons que alguém emite do mesmo modo que um biólogo explica o coaxar de uma rã” (DWORKIN, 2003, p. 61). Estando mais diretamente relacionada ao que, em concreto, o seu interlocutor quis dizer. Já a segunda, como dito anteriormente, teria um viés mais causal. Seria uma tentativa por parte dos cientistas de, a partir dos dados, tentar encontrar a lógica que rege os acontecimentos. Para isso, o cientista deverá interpretar, realizando uma série de juízos de valor no momento de avaliação destes dados. A terceira, por fim, seria aquela realizada pelos críticos ao se depararem com poemas, pinturas, peças teatrais, apresentações musicais etc. visando “justificar algum ponto de vista acerca do seu significado tema ou propósito” (DWORKIN, 2003, p. 61). Teriam muitas semelhanças com as interpretações das práticas sociais, já que elas “pretendem interpretar algo criando pelas pessoas como uma entidade distinta delas, e não o que

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as pessoas dizem, como na interpretação da conversação” (DWORKIN, 2003, p. 61). Ele – Dworkin – atribui a ambas – interpretação artística e interpretação das práticas sociais – a designação de interpretação criativa, sendo elas uma forma construtiva de interpretação. E, dentre estas três formas, Dworkin propõe que a interpretação do Direito deve se harmonizar mais com a interpretação artística e a interpretação das práticas sociais, sendo, portanto, uma forma criativa/construtiva de interpretação. Assim, o objetivo de nosso trabalho é tentar aclarar um pouco mais esta interessante e, a primeira vista, polémica afirmação. Demonstrando toda sobriedade, maturidade, e, porque não dizer, cientificidade da proposta. Notas 1 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 2 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Argumentação contra legem: a teoria do discurso e a justificação jurídica nos casos mais difíceis. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

A legitimidade metodológica da extensão material dos direitos fundamentais

Fausto Santos de Morais

Doutor em Direito Público (UNISINOS), docente do PPGD da Faculdade Meridional. Pesquisador com apoio da Fundação Meridional. Advogado. E-mail: [email protected].

José Paulo S. dos Santos

Acadêmico da Escola de Direito da Faculdade Meridional, bolsista PROBIC/FAPERGS. E-mail: [email protected].

Este estudo situa-se nas áreas da Teoria dos Direitos Fundamentais e Direito Constitucional, propondo discussões pertinentes ao alcance e aplicação dos Direitos Fundamentais, sobretudo no Brasil. O trabalho foi idealizado na tentativa de responder a problemática da (i)legitimidade da extensão dos Direitos Fundamentais materiais, extra-constitucionais (CANOTILHO), através da cláusula de abertura do artigo 5º, § 2º da Constituição brasileira (MIRANDA) (QUEIROS) (REIS NOVAIS) (SARLET). Os Direitos Fundamentais, em síntese, podem ser percebidos como posições jurídicas mínimas, universais e impreteríveis da pessoa humana (enquanto sujeito de direito) positivadas na Constituição, estando destinadas à proteção de determinados bens e direitos essencialmente proeminentes ou ameaçados (MIRANDA), cuja realização se dá a partir da força normativa desempenhada pelo poder judiciário (HESSE). Aliás, seria essa força normativa que permitiria compreender os Direitos Fundamentais como: a) direitos de defesa (negativos), padrões de vedação ao excesso estatal; b) direito de realização positiva das garantias mínimas, a pretensão de correção delas emanada, que exigem “o fazer” estatal. A positivação dos Direitos Fundamentais no texto constitucional inaugura um caráter duplo de fundamentação, qual seja, formal e material, do qual, a exegese constitucional vem reconhecendo direi-

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tos além da simples expressão literal das disposições constitucionais. Essa prática implicaria num ato de criação de direitos. Primordial para tal prática seria o reconhecimento das normas constitucionais como regras e princípios (ALEXY, 2008), determinados por procedimentos (ALEXY, 2010) (HABERMAS), cuja interpenetração da Moral e do Direito se tornariam mais evidente. Assim, para além de uma simples operação jurídica de reconhecimento de direito diretamente à disposição constitucional, a atribuição de sentido à cláusula aberta dos Direitos Fundamentais envolveria a discussão sobre uma metodologia apta a lidar com a extensão dessa atribuição de sentido. Nesse contexto, aponta-se três possibilidades: a) discricionária forte: a autoridade competente poderia atribuir o sentido como decorrência da competência para o exercício de um ato de vontade, cujo fundamento não poderia ser perquirido pois ínsito a um elemento psicológico ou político do intérprete (KELSEN); b) discricionariedade fraca argumentativa: reconheceria a discricionariedade à autoridade competente para o exercício do ato de vontade, condicionando-o a um exercício argumentativa a posteriori como forma de legitimação da sua decisão (ALEXY, 2005) (ALEXY, 2007); c) discricionariedade fraca hermenêutica: não reconheceria a discricionariedade do intérprete, exigindo-lhe uma extensão argumentação que dialogasse com as questões de princípio consagradas na tradição jurídica a que está atuando (DWORKIN) (MORAIS). Cabe aqui uma explicação: a diferença entre a discricionariedade fraca argumentativa e hermenêutica seria que esta exigiria a compreensão de uma relação entre o Direito e a Moral mediante uma pretensão de correção formada a priori e explicitada a posteriori (MORAIS). Deste modo, pode-se conjecturar, a título de exemplo, a proposta aqui referida poderia aliviar as críticas de insegurança jurídica do reconhecimento de Direitos Fundamentais não expressos no texto constitucional. Nesse enredo, o trabalho se justifica por buscar critérios de legitimação da plenipotencialidade material dos Direitos Fundamentais surgidos através da cláusula de abertura do artigo 5º, § 2º da Constituição brasileira. Ainda, tal reflexão apresenta-se como pressuposto à

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adequada concepção de tutela e efetividade dos Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito. Objetiva-se, portanto, evidenciar a necessidade de uma reformulação metodológica que oriente a doutrinária e a jurisprudência no tocante à extensão dos Direitos Fundamentais não positivados na Constituição brasileira. Essa investigação ajudará a desvendar as problemáticas do atual papel do Poder Judiciário, sua atuação e discricionariedade na aplicação e realização dos Direitos Fundamentais. Para fins metodológicos, o trabalho está orientado e organizado conforme os aportes da fenomenologia hermenêutica (STEIN) (STRECK, 2011) (STRECK, 2014), sistematizando os conceitos e as críticas mediante a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial sobre o estudo da aplicabilidade dos Direitos Fundamentais no Brasil. Referências bibliográficas ALEXY, Robert. Sistema jurídico e razão prática. In: ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ALEXY, Robert. A fórmula de peso. In: ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. DWORKIN, Ronald. Império do direito; Trad. Jefferson Luiz Camargo; Rev. Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1. HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federativa da Alemanha. Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra, 2012. MORAIS, F. S. de. 2013. Hermenêutica e pretensão de correção: uma revisão crítica da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. São Leopoldo, RS. Tese de Doutorado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, 346p. NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela constituição. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos Fundamentais. 2. Ed. Coimbra: Coimbra, 2010. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. STEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Unijuí, 2004. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.

Aspectos para um avanço analítico-teórico a respeito da dignidade humana

Danilo Saran Vezzani

Graduando em Direito pela Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Franca, brasileiro. E-mail: [email protected].

Marco Aurélio Ferreira Caires

Graduando em Direito pela Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Franca, brasileiro. E-mail: [email protected].

Os avanços da teoria constitucional pelos caminhos da ciência do direito devem muito a Robert Alexy e em termos nacionais a Virgílio Afonso da Silva. Todavia, muito ainda há para ser concretizado, pois como leciona Bobbio, um dos problemas fundamentais de nosso período é a distância em relação a sociedade que o “dever ser” jurídico carrega em países que, como o Brasil, sustentam ainda grandes contradições socioculturais (2004, p. 67-84). Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é, por meio, da análise de ambos os autores (Alexy e Silva), contribuir com esse necessário aspecto transformador que a ciência jurídica deve incorporar à interpretação e à participação constitucional. Em primeiro momento se analisará o que pode ser visto como um ponto de discordância entre as teorias dos autores; referente à interpretação que cada um dá a dignidade humana. Alexy dá especial tratamento à dignidade humana. Ao utilizar a diferença entre os conceitos de regra e princípio como fundamentação da dogmática dos direitos fundamentais1, o autor leciona que a dignidade humana trata-se na verdade de duas normas, uma com caráter de regra e outra com caráter de princípio2 (ALEXY, 2014, p. 111-112). Tal tratamento diferenciado para a dignidade humana só pode ser entendido a luz do conceito e, consequentemente, da validade do Direito. Isso porque a própria condição de possibilidade

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de uma ciência do Direito tem como base racional de argumentação um tripé3 que perpassa a moral, a normatividade (norma e sistemas normativos) e a validade social4. É pressuposto da lógica-jurídica o que legitima e permite o Direito, por meio desse tripé mencionado, dentro de uma sociedade, diferenciando-o da violência: uma pretensão à correção5 (ALEXY, 2011, p. 43-48), deve estar presente em toda uma sociedade, podendo esta se levantar contra as instituições jurídicas e seus agentes diante da ausência dessa pretensão (ALEXY, 2011, p. 39-41). Já Virgílio Afonso da Silva, trazendo tal teoria para o Brasil, ainda que concordando com a teoria dos princípios e o vínculo entre conceito e validade de Direito (SILVA, 2011a, p. 30-31), encontra em função da Constituição brasileira e de uma análise jurisprudencial o problema6 de considerar uma norma como a dignidade humana como princípio e regra (SILVA, 2011b, p. 201-202). Portanto, a dignidade humana deveria ser encarada como princípio7, que após o sopesamento com princípios colidentes, formatará uma regra jurisprudencial. Exposto tal ponto de discordância e os motivos que levaram cada um dos autores a se distanciarem no aspecto normativo de seus trabalhos, passar-se-á a uma análise não apenas das consequências que tais posicionamentos divergentes podem acarretar8, como também, principalmente, o que estes podem significar dentro do campo jurídico. Como sustenta Virgílio, é sabido que não só em países como o Brasil a dignidade humana ganha esse aspecto de proeminência e maior proteção (SILVA, 2011b, p. 195). E que bem como a Alemanha que passou por problemáticas históricas que justificam essa visão da dignidade em sua Carta Magna (ALEXY, 2014, p. 113-114), o Brasil também (SILVA, 2011a, p. 50). Além disso, ainda que não o tivesse passado, não seria estranho sustentar que devido a influências do mundo globalizado tal aspecto de algum modo já não estaria presente na interpretação e no posicionamento daqueles que participam mais ativamente do sistema jurídico bem como naqueles menos favorecidos na lógica do jogo jurídico9, mas que ainda sim participam e exigem uma proximidade entre tal direito fundamental e a pretensão à correção?

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Portanto, não desconsiderando que Virgílio toma suas obras analítico-dogmáticas por modelos10, é possível considerar que tanto sua visão quanto a de Alexy, a respeito da dignidade humana, podem estar corretas. O fato de que existe dúvida entre as teorias e não se pode acertar se uma delas tem condições de se sobrepor à outra mostra que as conclusões de ambas evidenciam a necessidade de outras bases empíricas11 além da jurisprudência na ciência jurídica. Por fim, o último aspecto do trabalho será tentar, por meio da análise sociológica jurídica, inspiradas nas obras de autores como Pierre Bourdieu e José Eduardo Faria, poder servir de fundamento analítico-empírico, tanto para a percepção de quais os ganhos simbólicos para os agentes jurídicos agirem e sustentarem um dos pontos de interpretação expostos sobre a dignidade ou outros não expostos e que constituem verdadeiros lugares-comuns no Direito brasileiro, quanto para a produção de novas pesquisas empíricas no Direito que proporcionem a possibilidade de se entender como no Direito brasileiro, as estruturas de percepção se relacionam e permitem a relação com os aspectos matérias, como por exemplo, a desigualdade de bens e de vocabulário entre dos agentes jurídicos e aqueles que são verdadeiramente jogados no campo jurídico12. Referências bibliográficas ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. 1ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. ______. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014. CNJ divulga dados sobre nova população carcerária brasileira. Disponível em < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira>. Visualizado em 07 de Agosto de 2014. SILVA, Virgílio A. da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

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______. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 1ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. SOUZA NETO, Cézar C. de. A pessoa e os valores, aspectos do pensamento de Max Scheler. 2003. 88 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Centro de Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. 2003.

Notas Alexy mostra que a regra é um “mandamento definitivo” (ALEXY, 2011, p. 85), realizáveis em sua totalidade ou não, ou seja, deve-se fazer exatamente o que ela dispõe, já que ela contém “determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível” (ALEXY, 2014, p. 91), e que o princípio é um “mandamento de otimização” (ALEXY, 2014, p. 90), normas que definem algo que deve ser realizado na maior medida possível. 2 Alexy sustenta este argumento devido ao caráter histórico-cultural, marcadamente visíveis nas jurisprudências alemãs bem como na própria Carta Magna deste país. A primeira norma da dignidade humana é uma regra, que em razão de seu forte vínculo com a moral e, portanto, com a pretensão à correção de modo que podem ser consideradas indissociáveis (ALEXY, 2011, p. 154), apresenta uma maleabilidade semântica, que será trabalhada e solucionada pela segunda após o sopesamento, e permitirá que esta sempre seja cumprida em sua totalidade (inclusive nos casos que o princípio da dignidade sofrer redução por outro princípio colidente) (ALEXY, 2014, p. 112-114). 3 Todo este tripé-fundamento do direito e do agir jurídico, que pode ser “dividido” para fins didáticos, ocorre, conjuntamente, e não, necessariamente, em uma relação de igual influência. 4 A validade social caracterizada pela influência que o Direito e os agentes jurídicos exercem nas demais estruturas sociais diante da passagem do “dever ser” para o “ser” (ALEXY, 2011, p. 151-155). 5 Sendo por esse mesmo pressuposto lógico necessário, para a ciência jurídica, estabelecer bases racionais para se pensar os aspectos morais presentes no Direito, tal base é a teoria dos princípios exposta acima. É importante deixar claro que para Alexy não é assunto para a ciência do direito definir o que é o aspecto moral, pelo contrário, tendo em vista a pretensão à correção o que deve reinar entre os princípios é o sopesamento. Aliás, não há bases racionais para garantir que os princípios sejam completamente racionalizados (ALEXY, 2014, p. 155-157). Coloca-se assim para além de qualquer consideração possível teorias intuicionistas, como a de Max Sche1

102 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política ler, que sustentam a possibilidade de objetivar os princípios (valores). Para maior aprofundamento na axiologia de Scheler cf SOUZA NETO, Cézar C. de. A pessoa e os valores, aspectos do pensamento de Max Scheler. 2003. 88 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Centro de Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. 2003. 6 Segundo o autor, a má utilização deste princípio como uma regra absoluta é, em realidade, marca de um simbolismo que, por falta de fundamentação (bases racionais de interpretação), pode enfraquecer o próprio princípio da dignidade. 7 Como bem afirma Virgílio, rompendo com o entendimento nacional dos princípios, estes são apenas princípios não em razão de ser um “fundamento central do sistema”, mas sim por possuir uma estrutura normativa diferente da regra (2011a, p. 36). E pela própria prática jurídica brasileira estar ligada a essa confusão, seria melhor, a fim de garantir maior razoabilidade à aplicação destes, não sustentar como faz Alexy a dignidade humana como uma regra-princípio (SILVA, 2011b, p. 201). 8 As primeiras consequências podem parecer supérfluas tendo em vista que, ambas as análises, não só apresentam uma fundamentação próxima, como também, seguindo tanto pela interpretação de Alexy quanto pela de Silva, os resultados, em geral podem ser muitos parecidos. Mas tal superficialidade desaparece quando se investiga as causas dessa discordância entre os autores. 9 “A crença que é tacitamente concedida à ordem jurídica deve ser reproduzida sem interrupção e uma das funções do trabalho propriamente jurídico de codificação das representações e das práticas éticas é a de contribuir para fundamentar a adesão dos profanos aos próprios fundamentos da ideologia profissional do corpo dos juristas, a saber, a crença na neutralidade e na autonomia do Direito e dos Juristas (BOURDIEU, 2009, 243-244). Indivíduos que são, verdadeiramente, profanos ao campo jurídico, mas que diante da fórmula de Radbruch poderiam ser considerados, e que no Direito brasileiro poderiam ser encontrados aos montes entre os 711.463 presos. (Disponível em < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira >). 10 Quanto a tais considerações (cf. SILVA, 2011a, p. 108; 176-177). 11 Não se quer dizer com isso que apenas esse aspecto “conflituoso” das teorias desses autores permitem concluir tal necessidade, nem que apenas aspectos conflituosos permitiriam mostrá-la. Como é possível ver de maneira bastante direta nas obras de Virgílio, por exemplo, há outros vários momentos que comentam a presença e a importância que assumem alguns conflitos entre autores e disciplinas dentro do campo acadêmico jurídico e também como alguns autores podem servir como meio de influência legítima que extrapolam o limite da “cientificidade” de suas teorias (SILVA, 2011a, p. 44-45). 12 Ver nota 9.

A sociedade no STF – diagnóstico e perspectivas: o caso da ADPF 54 Mário Cesar da Silva Andrade

Mestrando do Programa Direito e Inovação da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF; Ex-Professor da Faculdade de Direito da UFJF; Brasil; e-mail: [email protected]

Atualmente, o controle de constitucionalidade brasileiro tem se destacado pela crescente realização de audiências públicas, contando, até o presente momento, com 16 (dezesseis) audiências convocadas, dentre realizadas e a realizar. As audiências públicas e o amicus curiae são institutos jurídicos introduzidos no controle de constitucionalidade brasileiro pelas Leis nº 9.868 (BRASIL, 1999a) e nº 9.882 (BRASIL, 1999b). Tais institutos funcionam como vias jurídico-processuais colocadas à disposição do Supremo Tribunal Federal (STF) a fim subsidiar a construção de sua ratio decidendi. Em princípio, eles permitem que especialistas e parcelas da sociedade civil tragam ao juízo de constitucionalidade novos elementos, informações, esclarecimentos e visões de mundo sobre o tema objeto de uma dada ação de constitucionalidade. Por isso, esses institutos foram festejados pela doutrina como instrumentos de pluralização do controle de constitucionalidade, promovedores de uma maior legitimação democrática das decisões do STF. Contudo, a potencialidade democrática desses institutos tem se concretizado? Como tais institutos têm sido, efetivamente, aplicados pelo STF? Dentro desta perspectiva, pretende-se analisar como o STF tem concretizado as potencialidades franqueadas pelo instituto das audiências públicas. Acredita-se que o potencial democrático-discursivo desse instituto de participação social não tem sido suficientemente consumado, devido à quase total ausência de diálogo entre os participantes das audiências públicas, o que tem impedido o intercâmbio argumentativo-reflexivo sobre os argumentos levantados nessas audiências. Os

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institutos jurídicos de participação social no processo decisório do STF, em sede de controle de constitucionalidade, não têm liberado seu potencial reflexivo-emancipatório e de reconstrução institucional, nem parecem ter proporcionado uma renovação na legitimação democrática das decisões do Tribunal, apesar do incremento argumentativo do processo decisório. Isso pode ser explicado por dois fatores: (1) a transposição ao STF do juízo técnico dos experts, característico das perícias presentes nas instâncias ordinárias; e (2) a busca apenas formal por legitimação democrática, desconsiderando o caráter sócio-dialógico e pluralista do percurso argumentativo. Para a pesquisa pretendida, adota-se como referencial teórico a teoria da democracia deliberativa, a qual preceitua que a prática democrática não deve estar limitada ao preenchimento eleitoral e periódico de mandatos representativos, devendo abarcar também a intervenção direta, efetiva e eficaz dos cidadãos nos procedimentos de tomada de decisão e de controle da atuação dos poderes públicos. Adota-se a análise de conteúdo como via metodológica, haja vista a pretensão de analisar como os argumentos levantados pelos expositores das audiências públicas foram abordados pelos ministros do STF em seus respectivos votos. Para essa pesquisa, escolheu-se as audiências públicas realizadas pelo STF nos dias 26 e 28 de agosto, e 4 e 16 de setembro de 2008, sobre a constitucionalidade da interrupção da gestação de fetos anencéfalos, as quais subsidiaram o julgamento da ADPF nº 54. Essa escolha deu-se pela grande controvérsia que subjaz à questão, haja vista o envolvimento de contrapostas visões morais, éticas, religiosas, científicas e sociais sobre o tema em pauta. Essa pluralidade argumentativa ressalta as audiências públicas realizadas sobre essa questão como um importante objeto para evidenciar como o STF interage com as diversas visões e valorações possíveis sobre um dado assunto socialmente problemático. A análise depende do isolamento, catalogação e categorização de todos os argumentos levantados pelos expositores das referidas audiências públicas. Ademais, a identificação da quantidade de expositores

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que levantaram um argumento denota a importância do mesmo, bem como o impacto das omissões dos ministros do STF e da falta de proc. Identifica-se que, apesar de o objetivo legal das audiências públicas ser oferecer esclarecimentos técnicos para as decisões dos ministros do STF, os expositores identificam tais institutos como uma possibilidade de contribuir para o juízo do STF com as diversas visões de mundo presentes na sociedade, havendo, portanto, uma divergência entre o objetivo legal e a pretensão dos participantes. Além disso, conclui-se que as audiências públicas realizadas pelo STF não têm efetivado toda a sua potencialidade discursiva, independentemente, do objetivo almejado, seja o de fornecer suporte técnico, seja o de democratizar o controle de constitucionalidade, pois essas audiências públicas têm sido caracterizadas pela ausência de diálogo entre os participantes, e pela omissão dos ministros em relação a diversos argumentos levantados.

Constitucionalismo popular e crítica à supremacia judicial: lições para o Brasil Miguel G. Godoy

Doutorando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil. Visiting Researcher na Harvard Law School. Pesquisadorbolsista do CNPQ. Membro e Pesquisador do Núcleo “Constitucionalismo e Democracia: Filosofia e Dogmática Constitucional Contemporâneas” da UFPR. E-mail: [email protected].

Se a Constituição, mais do que organizar o poder do Estado, constitui o compromisso fundamental de uma comunidade de pessoas que se reconhecem reciprocamente como livres e iguais (NETO; SCOTTI, 2011, p. 19-20), então o significado e conteúdo das normas constitucionais também só adquirem sentido quando o povo participa da tarefa de interpretação e concretização da Constituição. Vale dizer, o sentido da Constituição deve ser construído e definido coletivamente entre o povo e as instituições da sociedade. Nesse sentido, é de se destacar o papel fundamental de juízes e cortes na definição da interpretação constitucional e da aplicação da Constituição. No entanto, a efetivação da Constituição não pode viver apenas da interpretação do Poder Judiciário em geral, e do Supremo Tribunal Federal em particular. Ao contrário, a Constituição só pode ser plenamente realizada pela política democrática. Em uma sociedade que se pretenda democrática e igualitária – e a Constituição de 1988 assim nos constitui – a tarefa de interpretar a Constituição, definir o conteúdo e o alcance de suas previsões, deve ser feita de forma conjunta e compartilhada pelos Poderes, instituições e povo. No Brasil, especialmente a partir da Constituição de 1988, a recepção e desenvolvimento de teorias hermenêuticas e de aplicação da Constituição teve como consequência uma crença exacerbada na transformação do Estado e da sociedade por meio do Direito e de seus aplicadores. O pêndulo tendeu demasiadamente para um lado – o lado do Direito. Daí a necessidade de se retomar a interpretação e aplicação da Constituição não apenas por meio de teorias de interpre-

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tação e aplicação, mas também por meio da política democrática. Se é certo que a Constituição é norma e deve ser cumprida, por outro lado ela só se realiza plenamente por meio da política democrática. Uma política democrática que, no Brasil, tem deixado de lado seu elemento mais fundamental: o povo. Daí a importância do constitucionalismo popular, compreendido como movimento teórico crítico da ideia de supremacia judicial e última palavra e defensor de um papel central para o povo na interpretação da constituição. No entanto, a adoção de teorias nascidas distantes da realidade brasileira, como é o caso do constitucionalismo popular, exige cautela e atenção. Se por um lado é importante trazer a tona umas das principais discussões da teoria constitucional contemporânea, por outro é preciso cuidado para a adequada tradução desse debate aos nossos problemas, de tal forma que essa adoção nos possibilite descortinar os nossos próprios problemas jurídicos, políticos e sociais. Por isso, é preciso destacar que neste trabalho opto por tomar o constitucionalismo popular como um ponto de partida, vale dizer, como instrumental teórico crítico apto a nos fazer repensar as nossas teorias e práticas políticas e jurisdicionais. Nesse sentido busco, sobretudo, me valer mais das reflexões e críticas teóricas do constitucionalismo popular do que de suas propostas normativas. Se não me parece adequado importar as alternativas normativas e institucionais propostas pelo constitucionalismo popular, como, por exemplo, a extinção do controle judicial de constitucionalidade das leis (TUSHNET, 1999), a primazia do Parlamento sobre os demais Poderes (WALDRON, 2003) ou o impeachment de juízes (KRAMER, 2004), suas reflexões e críticas teóricas, no entanto, nos propiciam repensar nossas práticas, instituições políticas e jurisdicionais.

Litígio Estratégico no Movimento das Mulheres: instrumento de compensação na lógica do estruturalismo jurídico?

Lívia Gil Guimarães

Mestranda em Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Brasil. ([email protected]).

Este artigo discute questões importantes sobre a relação da prática do litígio estratégico, realizado pelo movimento das mulheres no Supremo Tribunal Federal, com o estruturalismo jurídico. O texto analisa como entidades ligadas aos direitos das mulheres, tidas como vulneráveis nas esferas Legislativa e Executiva do poder, dialogam numa linguagem estratégica com o Judiciário, visando a conquista de direitos outrora negligenciados, ou mesmo, negados naquelas esferas. Apresento a ideia de litígio estratégico como forma de combate à herança estrutural patrimonialista e patriarcal existentes na sociedade brasileira, noções que atravancam o avanço de direitos individuais e sociais ligados ao ser humano mulher. Adiante, traço breves linhas de como o processo de democratização, no Brasil, favoreceu ao continuísmo do patrimonialismo e paternalismo herdados do período colonial, de forma a refletir nas estruturas econômicas e políticas, as quais reproduzem, atualmente, na esfera legislativa e executiva, uma lógica de esquecimento dos direitos das minorias. A partir daí, busco estabelecer o liame existente entre o litígio paradigmático e a ideia de desenvolvimento, bem como a sua possível ligação direta com a redução das desigualdades econômicas e sociais e alteração das estruturas, por meio da consecução e concretização dos direitos e liberdades substantivas. A ideia central nessa parte do texto é de que o êxito de uma sociedade estaria intrinsecamente relacionado ao grau de liberdades substantivas que podem ser ali desfrutadas e, então, o litígio estratégico, por meio do Judiciário, seria meio propício à obtenção dessas liberdades e direitos. Destaco o fato de que as instituições,

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quando funcionam favoravelmente às propostas à que foram construídas, desempenham papel importante de fomento das liberdades e direitos e, consequentemente, podem contribuir significativamente ao desenvolvimento econômico e social, reduzindo desigualdades. Não obstante essas análises, procuro relativizar os pressupostos de que toda e qualquer prática do litígio paradigmático, da forma como realizada e recebida no Brasil, é positiva em sua essência. Indago pontos cruciais do quanto anteriormente estabelecido, a fim de ponderar, em uma balança sem pesos e contrapesos absolutos, se o litígio estratégico estaria apto a atacar as estruturas políticas e econômicas, ou se, contrariamente, significaria mera medida compensatória para grupos menos favorecidos no âmbito jurídico. Aponto como indícios dessa relativização a assimetria de informações existente entre os grupos e indivíduos que atuam em casos de litígios estratégicos , bem como o limite e alcance a que se pode chegar com esse tipo de litígio no Judiciário, principalmente quando se fala em mera importância do ganho do caso concreto ou em uma real consecução de políticas públicas voltadas ao grupo em ação. Sobre este segundo aspecto, o questionamento gira em torno da própria noção de litígio estratégico praticado atualmente no Brasil, bem como do funcionamento das decisões do STF em relação aos demais poderes. Apesar de identificar pontos que relativizam o potencial ativista de grupos praticantes do litígio paradigmático e consequentemente, o papel ativista da mais alta Corte brasileira, termino por ponderar e responder , mesmo que de maneira ainda não completamente hermética, às relativizações levantadas neste estudo, de forma a não descartar o uso do litígio estratégico como ferramenta jurídica capaz de, criativamente, influenciar e proporcionar o desenvolvimento, conforme destacado no início do artigo.

O papel construtivo das possibilidades deliberativas para legitimidade e democratização de decisões constitucionais

Ludmila Lais Costa Lacerda

Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil – [email protected].

É possível destacar a teoria da decisão proposta por Ronald Dworkin nos moldes da considerada “resposta correta”. Dworkin não tratou de fixar qual poder democraticamente instituído seria o principal responsável1 por essa resposta (inclusive em um possível embate entre os Poderes Judiciário ou Legislativo). Adiante do debate sobre uma possível “última resposta”2 ou “prevalência” institucional para a tomada de decisão, destaca-se a importância que a mesma possa ser considerada legítima e democrática. Dworkin também destaca em sua obra que a decisão, ou “resposta correta”, é resultado provisório, fruto do tempo e história, já que sempre está ligada à interpretação construtiva3 (de princípios) dos membros da comunidade a partir da interação e prática social, inclusive dos representantes em atuação nas instituições e de mecanismos políticos e jurídicos. A partir de então é importante discorrer sobre a concepção de democracia constitucional e o papel da deliberação4 para essa construção mútua das decisões por atores sociais. O objetivo é melhor elucidar a ligação entre a possibilidade deliberativa tanto no âmbito institucional (foco interno, entre integrantes das instituições no exercício de suas funções e tomadas de decisão) quanto social (sociedade civil), além de mecanismos de participação, inclusive através da atividade argumentativa, destacando as questões morais, força e reconhecimento de autoridade aos argumentos apresentados pelos participantes na deliberação. Considerando o mecanismo do judicial review e os limites da deliberação, principalmente nas atividades do Supremo Tribunal Federal, Mark Tushnet defende a ideia de ilhas de controle fraco em sistemas fortes, ou seja, que determinadas matérias possam ser elemen-

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tos de fluxos para diálogo mais rápido e permanente entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. Em tais diálogos, podemos observar um modelo de judicial review “fraco”, onde as cortes exerceriam função diretiva, mas não conclusiva e definitiva, Tushnet denomina esse modelo de: “managerial model”5. Indo além do modelo, busca-se desenvolver a proposta dos diálogos em um modelo “fraco” e em um modelo “forte”, questionando se há necessidade que as cortes exerçam somente função diretiva ou conclusiva para que exista cooperação institucional, ou se a mesma independe de qualquer decisão denominada como “definitiva” ou “final”. Relevante destacar a função representativa dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo e forma de indicação dos integrantes de cada esfera de Poder para a legitimidade democrática instituída. Desenhos institucionais que objetivam maior “diálogo institucional” na informação e tomada de decisão podem melhor orientar, compreender, justificar e apontar soluções para as necessidades, demandas e conflitos em relação a determinado espaço e tempo. Além de auxiliar na organização da pauta de reivindicações da comunidade e ajudar no direcionamento de políticas públicas. Contudo, há o risco de fechamento das instituições para a participação social através de outros canais de comunicação efetivos e dinâmicos complementares da ideia democrática de representação, também há risco de burocratização, clientelismo e postura de instituições como “superego de uma sociedade órfã”. Junto de uma melhor articulação institucional e desenvolvimento de estruturas internas sobre o modo e locus para aperfeiçoamento das tomadas de decisões constitucionais, é preciso trabalhar com mecanismos de participação da sociedade civil junto das principais instituições representativas do Poder Público, o modelo brasileiro já conta com institutos como o “amicus curiae” e “audiências públicas” no âmbito do Poder Judiciário. Tais balizadores de participação são criticados principalmente pela abertura a argumentos pragmáticos e consequencialistas (em contraponto à “argumentos de princípio”) para decisões em uma corte constitucional, além de dependência de

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voluntarismo dos responsáveis por uma decisão “conclusiva” em cultivar e respeitar uma ética deliberativa, entre outras críticas. É possível dizer que há possibilidade de benefícios como maior e melhor circulação de informações na esfera pública, transparência, accountability e novos argumentos trazidos ao debate, o que pode fortalecer também a legitimidade de instituições públicas e ações justificadas diante da sociedade. Contudo, há a questão da morosidade, o que por sua vez, não pode ser considerada como sinônimo de decisões céleres com qualidade e participação democrática. Outro perigo pode ser a usurpação e captura dos canais de comunicação com a sociedade por grupos ou indivíduos com interesses que não atendam o caráter da coletividade, mas esse é um risco que envolve também as funções representativas e não somente a possibilidade de canais para participação direta ou argumentativa por setores da sociedade civil. Nesse sentido, pretende-se ainda, e finalmente, desenvolver de forma reflexiva propostas de inovação para participação da sociedade civil, como os “júris constitucionais” propostos por Eric Ghosh6. Por fim, o trabalho visa contribuir para que decisões constitucionais mais democráticas e com qualidade em termos de participação sejam alcançadas dentro da esfera pública. Notas DWORKIN, Ronald. 2006. Direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: Martins Fontes. 2 WALDRON, Jeremy. 2006. The Core of the Case Against Judicial Review. v.115. The Yale Law Journal e MENDES, Conrado Hübner. 2007. Controle de Constitucionalidade e Democracia. São Paulo e Rio de Janeiro: Campus Elsevier. 3 DWORKIN, Ronald. 1999. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes. 4 Destaque sobre uma concepção de deliberação mais próxima da proposta aqui discutida - ver em: MENDES, Conrado Hübner. 2013. Constitutional Courts and Deliberative Democracy. Oxford: oxford university press. – Ver também: HABERMAS, Jürgen. 1995. Três modelos normativos de democracia. Lua Nova. n.36. 5 TUSHNET, Mark. 2006. Weak-form Judicial Review and “Core” Civil Liberties. Georgetown Law Faculty publications and other works. 6 GHOSH, Eric. 2010. Deliberative Democracy and the Countermajoritarian Difficulty: Considering Constitutional Juries. Oxford J Legal Studies. 1

Dissenso e democratização do controle de constitucionalidade: fundamentos para o diálogo institucional a partir de Carl Schmitt e Chantal Mouffe Jairo Néia Lima

Mestre em Ciência Jurídica (Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP). Especialista em Filosofia Política e Jurídica (Universidade Estadual de Londrina - UEL). Professor (UENP). Brasil. [email protected].

Dentre as diversas perspectivas as quais a tensão do constitucionalismo com a democracia pode se expressar, é possível vislumbrá-la no controle de constitucionalidade, no qual as decisões políticas originárias da representação popular são revisadas por meio de corte judicial não eleita. Nesse ponto, apresentam-se os argumentos críticos de Jeremy Waldron, Mark Tushnet e Larry Kramer. Waldron critica a revisão judicial norte-americana com base na fragilidade democrática da Suprema Corte quando comparada com a representatividade presente no Parlamento. Já Tushnet aponta a potencialidade democrática do controle de constitucionalidade fraco, no qual haja mecanismos de respostas legislativas de curto prazo às decisões de judicial review. Por fim, Kramer posiciona-se firmemente contra o judicial review pelo caráter elitista desse instituto em detrimento das decisões políticas que devem ser tomadas pelo povo. Tais análises envolvem a crítica à supremacia judicial, ou seja, o direito de o Judiciário dizer a última palavra sobre o sentido das normas constitucionais e a possível participação do Legislativo nessa atividade. Essa perspectiva indica a necessidade de que as decisões sobre a Constituição estejam abertas ao diálogo entre as instituições em detrimento do monopólio da interpretação, já que a dicotomia constitucionalidade/inconstitucionalidade apresenta caráter não exclusivamente jurídico, mas essencialmente político por decidir sobre os fundamentos que constituem a sociedade. Nesse contexto, para que o diálogo aconteça é preciso

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que o dissenso possa se expressar. Assim, se as interpretações constitucionais não podem sofrer discordância razoável, não há diálogo. Todavia, a fundamentação do dissenso no controle de constitucionalidade não está totalmente aclarada, principalmente sua possível relação com o aperfeiçoamento da democracia, já que nos últimos anos o âmbito teórico-político tem dedicado maior valor ao consenso fruto da deliberação. Diante dessa zona limítrofe, busca-se investigar o problema em torno dos fundamentos aptos a sustentar a institucionalização do dissenso no controle de constitucionalidade a fim de aprofundar o ideal democrático por meio da abertura ao diálogo. Com o objetivo de trazer elementos para esse problema, levanta-se a hipótese de que a partir da leitura do conceito schmittiano de político e de sua retomada feita por Chantal Mouffe, o dissenso, como manifestação do político, assume papel de destaque no aprimoramento da democracia e, em razão disso, necessita ser potencializado por meio da sua institucionalização, para o presente caso, no âmbito do controle de constitucionalidade. Desenvolve-se, dessa maneira, argumentação do resgate que Chantal Mouffe faz de Carl Schmitt em sua definição do conceito de político pela identificação da categoria amigo/inimigo e da potencialidade aniquiladora que os conceitos liberais possuem em relação ao político. Em Schmitt, a definição do conceito de político só pode ser obtida pela identificação de uma categoria especificamente política, qual seja, a diferenciação entre amigo/inimigo. Trata-se de critério autônomo que objetiva evidenciar o grau de intensidade de associação ou desassociação entre os homens. Além disso, Schmitt credita à democracia liberal responsabilidade pela negação do político, pois o racionalismo liberal não enxerga o antagonismo e a extrema contingência da realidade humana. Essa visão em prol de uma sociedade pacificada desconsidera a distinção amigo/inimigo e, por isso, nega o político. A partir desse diagnóstico, Mouffe reforça o papel constitutivo que o antagonismo exerce nas sociedades buscando conciliá-lo com o pluralismo democrático. Tal antagonismo funda-se no reconhecimento da existência legítima do adversário com o qual se compartilha dos princípios éticos-políticos

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constitutivos da democracia, mas diverge-se em relação ao conteúdo desses postulados. Trata-se, desse modo, de um consenso conflitual diante da possibilidade de diversas interpretações desses princípios. O legítimo adversário não se confunde com a denominação de um inimigo eliminável, muito menos com um desafeto pessoal, pois são pessoas cujas ideias discordamos, mas não do direito de defendê-las. A autora entende que a inerradicabilidade do antagonismo não quer dizer que os adversários não possam cessar de discordar, os acordos são partes do processo político, mas com a excepcionalidade de uma confrontação em curso. Os acordos, portanto, não provam a erradicação do conflito. Assim, a preocupação da autora em relação ao desapego pela vida política vem expressa pelo excesso de ilusão de que se vive sob consenso sem conflitos. Considera tal visão uma ameaça à democracia, pois nega o político em seu caráter agonístico, já que o consenso tende a silenciar vozes dissidentes porque é impossível estabelecê-lo sem exclusão. É essencial para a democracia, portanto, que o dissenso se manifeste em razão de o interesse público ser sempre discutível e, por isso, não objeto de acordo final, pois tal concepção pressupõe uma sociedade sem política. A partir desses argumentos, conclui-se que o dissenso assume papel relevante no aperfeiçoamento democrático quando é vislumbrado sob a óptica do conceito schmittiano de político retomado por Chantal Mouffe, em razão disso, sua institucionalização no controle de constitucionalidade promove um diálogo que pode tornar produtiva a tensão inerradicável entre democracia e constitucionalismo ao produzir decisões legitimadas e sempre abertas ao desacordo.

Constitucionalismo Popular Mediado: a promessa delicada de um diálogo social seletivo e pelo alto

Joana de Souza Machado

Professora Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG. Doutoranda e Mestre em Direito pela PUC-Rio. Brasil. E-mail: [email protected].

O presente trabalho retrata conclusões parciais da pesquisa realizada em fase de doutoramento, em torno do uso de instrumentos de diálogo social pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente o instrumento da audiência pública na tomada de decisão sobre controle de constitucionalidade de atos normativos. Com apoio no referencial epistemológico da racionalidade comunicativa de Habermas (2003), foi problematizado o diagnóstico de que a crescente utilização de audiências públicas pelo Supremo Tribunal Federal seria indicativa de um processo democratizante do poder de dizer o que é o Direito, na trilha de um suposto constitucionalismo popular mediado, tal como descrito no contexto norte-americano por Barry Friedman (2003). A hipótese investigada na pesquisa é de que embora o Supremo Tribunal Federal, por meio das audiências, viabilize uma abertura do constitucionalismo para a sociedade, a mediação do Tribunal acaba por imprimir ao diálogo social caráter seletivo e, em alguma medida, autoritário. Para testar a hipótese, a pesquisa, inicialmente, debruçou-se sobre a distinção entre constitucionalismo popular (KRAMER, 2004; TUSHNET, 2006) e constitucionalismo popular mediado (FRIEDMAN, 2003). Identificou, essencialmente, que os adeptos do constitucionalismo popular reconhecem o Direito Constitucional, ou a atividade de interpretar a Constituição, como uma produção a um só tempo jurídica e política. Ao interpretar a Constituição, haveria em alguma medida um compromisso retrospectivo, de se buscar, com a observância da legislação e dos precedentes judiciais, o que já se disse sobre

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a Constituição; mas também o desafio prospectivo, de se extrair para o futuro o que de melhor a Constituição teria a oferecer. Nessa trilha, a produção constitucional seria fruto de uma conversa paritária entre os Poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário. Paritária no sentido de que a última palavra sobre a Constituição não recairia invariavelmente sobre o mesmo Poder. Ao contrário, a produção constitucional deveria refletir concepções populares, e não apenas técnicas, sobre o significado do texto constitucional. O Constitucionalismo Popular Mediado reivindica a tese de que os adeptos do constitucionalismo popular estariam, na prática, obtendo essa desejada sintonia entre a jurisdição constitucional – a atividade de dizer o que é a Constituição – e a opinião pública, mas de forma mediada pelos tribunais, o que seria interessante para se evitar uma politização excessiva da atividade ou um esvaziamento da função contramajoritária da jurisdição constitucional. Aplicando-se essas distinções para o campo de trabalho da pesquisa, isto é, o uso de audiências públicas pelo Supremo Tribunal Federal, concluiu-se que o caminho pelo qual se constrói a relação constitucionalismo e democracia – e não apenas o resultado final (eventual sintonia entre opinião pública e produção constitucional) – importa. Se o diálogo social, ao invés de contar com a interação entre os poderes, é estabelecido diretamente pelo alto, ou seja, pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro diretamente com a sociedade, e apenas por iniciativa seletiva do Tribunal, esse diálogo pode servir para enfraquecer ainda mais as instituições políticas, ao invés de contribuir para o incremento da democracia.

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Public Participation in Constitution Building Processes Diego Andrés González Medina

Colombia. LL.B (Universidad Externado de Colombia, 2008), Master in Laws (Universidad Externado de Colombia, 2013), and LL.M – Fulbright Scholar (University of California, Berkeley). Professor of Fundamental Rights and Constitutional Justice of the School of Law at Universidad Externado de Colombia (2008-2014) and a Consultant for the Ministry of Justice and Law of Colombia (2014). Consultant for the German International Agency of Cooperation (GIZ, 2008-2013). E-mail: [email protected] y [email protected].

Our times are the era of constitution-building. An exceptional boom in constitution-building processes has taken place over the last thirty years1, so that approximately half of the two hundred existing national constitutions have been enacted or reformed in that period2. Additionally, “in any given year, some 4 or 5 constitutions will be replaced, 10 to 15 will be amended, and another 20 or so proposals for revision will be under consideration”3. It seems that ours is the most prolific era of constitution-building since the very promulgation of the first modern constitutions in the United States, France and Poland, between 1780 and 17914. In those terms, constitution-building is both a classical theme and a contemporary issue within constitutionalism and in political theory and practice. By 1995, Jon Elster regretted the lack of literature on constitution-building and constitution making5. Since then, numerous organizations, research centers, constitutionalists, constitution-makers and social scientists have been focused on constitution-building. Nowadays, there is a considerable range of specialized literature in constitution-building: from theoretical and conceptual analysis6 to empirical and comparative studies about different stages, factors and outcomes of constitution-building processes7. In particular, an extraordinary amount of research has been done on the relationship between constitution-building and post-conflict societies in the last couple of decades.

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Such academic interest is not merely coincidental since constitution-building processes have been related to social and political crises8: in fact, most of the constitutions enacted in the last decades have been deeply related to violent conflicts9. Despite this depth of academic study, the relationships between constitution-building, conflict resolution and post-conflict societies remain complex and controversial, to say the least. On the one hand are those scholars and constitution-makers who consider that constitution-building is the ideal scenario to tackle several of the most critical issues of post-conflict societies and is also a historic opportunity to promote democratization and sustainable peace10. On the other hand, some scholars and experts consider that the relationship between constitution-building –particularly, constitution making- and peacemaking, is a “dysfunctional marriage”11. Finally, some authors are skeptical about the relationship between constitution-building, conflict resolution and peacemaking. In their opinion, constitution-building in conflict or post-conflict societies is hyper-inflated by great expectations12. This paper does not explore comprehensively the relationship between constitution-building and peace making. Its purpose is far more modest: to examine the role of public participation in constitution-building processes, particularly within post-conflict societies. This paper analyzes the pros and cons of public participation and public referenda in constitution-building processes, utilizing comparative studies and lessons learned from various experiences around the world. Additionally, this paper analyses the current Colombian debate concerning public participation and public referenda in the constitution building process that is expected to follow the aftermath of the current Colombian peace process. In that framework, this paper argues that public participation is one of the most important factors in constitution-building processes13. Democracy involves the participation of citizens in selecting their representatives to make decisions, but also involves their direct immersion in deciding on the most important political, social and economic themes14. Additionally, public participation plays a key role in

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constitution-building processes as long as the new constitutionalism is embraced in the idea of constitutional democracy15. In this sense, public participation has become a vital element in constitution-building processes, although it faces important dilemmas and challenges16. Despite its theoretical relevance, assessing the real impact of public participation in constitution building faces at least three obstacles. First, public participation has traditionally been studied in relation to formal procedures of decision-making as referendums or constituent assembly. However, there are no studies on the informal processes such as civil society mobilizations or public contributions to constitution-building processes17. Second, there is no consensus on the criteria to evaluate the real effects of public participation on constitution-building. Researchers gauge effects on processes, public debates, constitutions, and implementation of constitutions, among other scenarios. Finally, there remain few empirical studies on public participation in constitution building processes. Notwithstanding this, this paper contends that public participation in constitution building process has six benefits: (a) Promotion of constitutional pedagogy; (b) Protection of human rights and democracy; (c) Legitimation and support for Constitutions; (d) Accountability of constitution-building process; (e) Durability of constitutions; and (f ) Promotion of sustainable peace and democratization. Also, public participation in constitution building processes involves at least five risks: (a) incoherence in the constitutions; (b) high transactional costs; (c) risks in the implementation; (d) risks of manipulation; and (e) utopic constitutions. At the end, in spite of the significant amount of different experiences and cases, there is space for skepticism about the actual benefits and risks attached to public participation in constitution building processes18, which effects -all in all- depend on the particularities of each context. Notes 1 Institute for Democracy and Electoral Assistance, [I.D.E.A], CONSTITUTION-BUILDING AFTER CONFLICT: EXTERNAL SUPPORT TO A SOVEREIGN PROCESS, 8, [2011].

Michele Brandt, Jill Cottrell, Yash Ghai, and Anthony Regan, CONSTITUTION-MAKING AND REFORM, iv, [2011]. In contrast, Jennifer Widner, CONSTITUTION WRITING IN POST-CONFLIC SETTINGS: AN OVERVIEW, 49 Wm. & Mary L. Rev. 1513, [2008]. She points out “During the past forty years, over 200 new constitutions have merged in countries at risk of internal violence”. 3 Tom Ginsburg, Zachary Elkins, and Justin Blount, DOES THE PROCESS OF CONSTITUTION-MAKING MATTER? Annu. Rev. Law Soc. Sci., 5, [2009]. 4 Jon Elster, FORCES AND MECHANISMS IN THE CONSTITUTION-MAKING PROCESS, 45 Duke Law Journal, 368, [1995]. 5 Elster, supra note 4, at 364. 6 See generally, Elster, supra note 4. Andrew Arato, FORMS OF CONSTITUTION MAKING AND THEORIES OF DEMOCRACY (1995). Cardozo Law Review, Vol. 17, [1995-1996]. Angela Banks, EXPANDING PARTICIPATION IN CONSTITUTION MAKING: CHALLEGES AND OPPORTUNITIES. 49 Wm. & Mary L. Rev. [2008]. 7 See generally, Institute for Democracy and Electoral Assistance, [I.D.E.A], supra note 2. Widner, supra note 3. Ginsburg, Elkins, and Blount, supra note 4. Cfr. Kirsty Samuels, CONSTITUTION BUILDING PROCESSES AND DEMOCRATIZATION: A DISCUSSION OF TWELVE CASE STUDIES, [2006]. Yash Ghai and Guido Galli, CONSTITUTIONBUILDING PROCESSES AND DEMOCRATIZATION, [2006]. 8 Elster, supra note 5, at 370. 9 Peter H. Russell, CONSTITUTIONAL ODYSSEY: CAN CANADIANS BECOME A SOVEREIGN PEOPLE?, 116, [1993] “No liberal democratic state has accomplished comprehensive constitutional change outside the context of some cataclysmic situation such as revolution, world war, the withdrawal of empire, civil war, or the threat of imminent breakup.” 10 Institute for Democracy and Electoral Assistance, [I.D.E.A], supra note 2, at 8. 11 Ludsin, Hallie, PEACEMAKING AND CONSTITUTIONAL-DRAFTING: A DYSFUNCTIONAL MARRIAGE. U. Pa. J. Int´L., 239, [2011] In this sense, Hallie Ludsin considers that the compatibility between those tools and their goals has been presumed, even though “deep and inherent tensions surface during the merger of these two processes”. Given that constitution-building goals are generally subordinated by peacemaking achievements, constitutions promulgated as a tool to create sustainable peace tend to design deficient governance frameworks and poor human rights guarantees, among others. In other words, “using constitution drafting to make peace sets up the merge process for failure”. 12 Kirsti Samuels and Vanessa Hawkins Wyeth, STATE-BUILDING AND CONSTITUTIONAL DESIGN AFTER CONFLICT, 3, [2006]. See also, Yash Ghai, Constitution-Building Processes and Democratization: Lessons Learned, in DEMOCRACY, CONFLICT, AND HUMAN SECURITY: FURTHER READINGS, 234, [2006], “Constitutions have not always functioned to promote or consolidate 2

122 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política democracy. Indeed, historically, they have more frequently been instruments of domination or oppression”. Likewise, “historically, in democratic societies, constitutions followed social forces that promoted democracy; they did not create these forces.” Thus, the apparent causal relationship between constitutionbuilding processes and constitutional goals such as democratization could be illusory: “the results of past practice are often ambiguous because of the many factors, other than choice of procedure, that shape desirable outcomes”. In fact, several factors such as available institutions, democratic traditions, armed conflict, corruption and sharp divisions, to mention a few, generally impact the real implementation of constitutions and actual achievement of its goals. 13 Yash Ghai, Constitution-Building Processes and Democratization: Lessons Learned, in DEMOCRACY, CONFLICT, AND HUMAN SECURITY: FURTHER READINGS, 234, [2006], at 234. 14 Michele Brandt, Jill Cottrell, Yash Ghai, and Anthony Regan, CONSTITUTION MAKING HANDBOOK, 81, [2011]. 15 Eileen Babbitt, THE NEW CONSTITUTIONALISM: AN APPROACH TO HUMAN RIGHTS FORM A CONFLICT TRANSFORMATION PERSPECTIVE, 69, [2010]. 16 Kirsty Samuels, POST-CONFLICT PEACE-BUILDING AND CONSTITUTION MAKING. Chicago J. Inter. Law 6(2), 667 [2006]. 17 Michele Brandt, Jill Cottrell, Yash Ghai, and Anthony Regan, CONSTITUTION MAKING HANDBOOK, 81, [2011]. 18 Devra C. Moehler, PARTICIPATION AND SUPPORT FOR THE CONSTITUTION IN UGANDA. J. of Modern African Studies, 44, 2, 283 (2006).

Judicial Review nos Tribunais Maçônicos Grégore Moreira de Moura

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2001). Mestre em Ciências Penais pela UFMG (2006). Doutorando em Direito Constitucional (UFMG). Procurador Federal. Diretor da Escola da Advocacia Geral da União na 1ª Região.

O presente trabalho tem por objeto o estudo e a análise do Judicial Review nos Tribunais Maçônicos. Com o objetivo de relevar a fundamentação jurídica, política, social e crítico-reflexiva do Judicial Review no âmbito da Maçonaria e de seus Tribunais, para cotejar as semelhanças e diferenças entre o Poder Judiciário Maçônico e o Poder Judiciário profano (designação dada pelos maçons aos não iniciados na ordem. Este conceito às vezes é estendido para instituições ou atos não maçônicos). A Maçonaria é uma entidade filantrópica, filosófica, educativa que tem por objetivo a promoção de certos princípios de ajuda mútua e ao próximo, sendo que se fundamenta na tríade de valores propostos pela Revolução Francesa, quais sejam a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Além disso, a Ordem Maçônica, como é assim chamada, tem uma estrutura semelhante à do Estado, podendo-se dizer que existe um verdadeiro Estado Maçônico, com a formação de três poderes internos, na forma da tripartição de Poderes idealizada por Montesquieu, o que gera a criação de um verdadeiro Direito Maçônico com destaque para o Direito Constitucional Maçônico, o qual exerce o papel de fundamentador da árvore jurídica maçônica. Inserido neste contexto, temos a formação do Poder Judiciário Maçônico composto por diversos Tribunais que, regra geral, possuem ampla competência julgadora e revisora de atos normativos e leis, dando ensejo ao Judicial Review Maçônico com especificidades em relação ao tradicional controle de constitucionalidade do Direito profano, mas também com diversas semelhanças. Para atingir o desiderato deste estudo, pretende-se trazer à baile o estudo proposto a partir da divisão de Poderes na Maçonaria, o

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Supremo Tribunal Federal Maçônico e o Judicial Review Maçônico; a fraqueza do Judicial Review Maçônico; a legitimidade na Ação de Inconstitucionalidade Maçônica; as decisões dos Tribunais Maçônicos, e, por fim, apresentar as diversas nuances desta seara tão interessante do Direito Constitucional Maçônico. É importante também destacar algumas questões de grande envergadura no controle de constitucionalidade no âmbito da Maçonaria, como a questão do mandado judicial dos juízes da Corte Constitucional Maçônica, a possibilidade de controle de constitucionalidade preventivo e repressivo, a formatação do sistema na forma de “check and balances” e uma visão constitucional principiológica e hermenêutica de um verdadeiro Direito singular e especial. Portanto, a ideia primordial do trabalho não é esgotar todas as nuances do Judicial Review no âmbito da Maçonaria, mas principalmente trazer a lume para os operadores do Direito profano o conhecimento do Direito Maçônico e em especial o Direito Constitucional Maçônico, para que possam conhecer e quiçá se abeberar de algumas experiências desta seara tão especial e desconhecida, para, quem sabe, se buscar uma interpretação jurídica mais fraterna e legítima, propiciando a redução de demandas com o incentivo de técnicas de controle profilático de constitucionalidade, bem como promovendo um Direito mais democrático e justo. Desta feita, se a Democracia é calcada na ideia de dissenso e se o diálogo institucional é a tônica do Direito Constitucional atual, nada mais propício noticiar a experiência especial da Maçonaria como instituição secular política que busca antes de tudo o controle interno de suas ações.

La legitimidad democrática de la jurisdicción constitucional y el acceso directo de los ciudadanos al control de constitucionalidad

Jorge Ernesto Roa Roa

Abogado de la Universidad Externado de Colombia. Máster en Gobernanza y Derechos Humanos de la Universidad Autónoma de Madrid, Máster en Ciencias Jurídicas Avanzadas de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona. Candidato a Doctor en Derecho de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona. Profesor del Departamento de Derecho Constitucional de la Universidad Externado de Colombia y del Área de Derecho Constitucional de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona. Contacto: [email protected]

La polémica en torno a la legitimidad democrática del control de constitucionalidad puede ser calificada como una discusión clásica del Derecho Constitucional y de la Filosofía Política. No obstante, también se trata de un debate que se mantiene constante y se renueva, en la medida en que se postulan nuevos argumentos para defender u objetar la existencia de controles judiciales al legislador. Dentro de los últimos avances teóricos en la discusión, se aceptan las ideas de que: la legitimidad democrática de la revisión judicial no es una cuestión absoluta sino de grado; el mejor modelo de control de constitucionalidad depende del diseño institucional de cada sistema político y jurídico; los esquemas europeo y norteamericano son insuficientes para analizar los problemas actuales de la revisión judicial de la ley; pueden existir ordenamientos jurídicos en los que la última palabra en materia de interpretación de la Constitución sea el producto de un diálogo entre la Corte Constitucional y el legislador; es posible encontrar un punto intermedio entre la fórmula del constitucionalismo fuerte y la fórmula de la democracia fuerte y; especialmente, los sistemas de América Latina tienen particulares características históricas, políticas y jurídicas, que justifican una discusión regional sobre la compatibilidad del control de constitucionalidad con el principio democrático.

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En ese contexto, bajo un análisis de Derecho Constitucional Comparado, en la ponencia se examinan los argumentos que han sido formulados en defensa de la revisión judicial de ley dentro del constitucionalismo europeo y norteamericano, con el fin de establecer cuáles de éstos son aplicables a los sistemas jurídicos latinoamericanos. En segundo lugar, se sostiene la tesis de que algunos de esos argumentos se fortalecen por la existencia de sistemas de control de constitucionalidad, en los que se reconoce legitimación activa a determinados grupos dentro de la sociedad o individualmente a cada uno de los ciudadanos, para someter una ley al control de la Corte Constitucional. En tercer lugar, se propone un conjunto novedoso de argumentos en defensa de la revisión judicial de la ley, con base en la experiencia de los estados que incluyeron formas de acceso directo de los ciudadanos a los tribunales constitucionales. Por último, se analiza la relación entre la existencia de fórmulas de apertura de los tribunales constitucionales a los ciudadanos y la interpretación efectiva del principio de subsidiariedad del sistema interamericano de protección de los Derechos Humanos, en los casos de responsabilidad del Estado por expedición o aplicación de normas contrarias a la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Como consecuencia de lo anterior, en la investigación se concluye con la tesis de que la apertura de los tribunales constitucionales a la ciudadanía es una fórmula adecuada para superar algunas de las objeciones contramayoritarias a la revisión judicial de la ley. Finalmente, se examinan los problemas de la existencia de una acción pública o popular de constitucionalidad y se formula una propuesta de diseño institucional que haga viable y compatible con el principio democrático, el acceso directo de los ciudadanos al control de constitucionalidad.

(I)legitimidade democrática e os critérios de composição do Supremo Tribunal Federal Rene Sampar

Mestre em Filosofia Política pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania. Professor de Direito Constitucional e Coordenador adjunto do Curso de Direito da Faculdade Secal de Ponta Grossa-PR. Advogado.

Henrique Franco Morita

Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania. Pós-Graduando em Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade Estadual de Londrina. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina.

A Constituição de 1988, ao propor um novo paradigma do controle de constitucionalidade, bem como estabelecendo novos e amplos direitos sociais humanos, com certa riqueza de detalhes e prolixidade, destacou o Supremo Tribunal Federal nas grandes questões do país. Exsurge, então, a discussão importante acerca da legitimidade democrática das decisões da Corte, pouco levada a cabo na esfera pública ou acadêmica. Araújo (2006) sintetizou a escalada de poder do STF desde o texto original da Constituição de 1988. As principais mudanças são: a) A interpretação do STF, para a propositura da ADIn, restringiu o acesso ao exigir comprovação de interesse e pertinência temática para se provocar o controle constitucional. Criaram-se dois grupos de legitimados – universais e especiais, sendo que o texto constitucional não os diferenciava (ADI 1.157, Min. Rel. Celso de Mello, 1994). b) A EC n. 03-93 introduziu a ADC, que foi prevalentemente reconhecida como inconstitucional, à época, pela doutrina (DIMOULIS; LUNARDI, 2013, p. 143). Entretanto, o Supremo reconheceu a consti-

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tucionalidade da Emenda (ADC 1, 1993). Entendeu ainda, mesmo sem previsão no texto constitucional, que caberia medida cautelar na ADC, bem como efeito vinculante da decisão (ARAÚJO, 2006, p. 337). c) A declaração de constitucionalidade do artigo 28 da Lei 9.868-99, que estendeu os efeitos vinculantes presentes na ADC, introduzidos pela EC n. 03-93, garantiu à ADIn um efeito criado por força de lei ordinária. d) A EC n. 45-04 representa capítulo fundamental no processo de crescimento do vulto do STF, pois introduziu a Súmula Vinculante. Há que se perguntar se um poder maior não demandaria outro processo de ocupação da Corte. Processo este que se mantém o mesmo desde 1988, com a indicação de “escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, sendo que “serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”, conforme reza o artigo 101, CF. A noção de “diálogos institucionais”, defendida por Mendes (2011), deflaciona a importância de quem dá a “palavra final”, quem controla a constitucionalidade. O que o autor defende é que o processo dialético da separação de poderes deliberativa, a longo prazo, produz diálogos entre as instituições do Estado. Portanto, o fato de uma Corte Constitucional dar a “última palavra” não impede que o Legislativo responda. No entanto, conforme reconhece Mendes (2011, p. 250), ainda é relevante a questão sobre quem dá a “última palavra” a curto prazo, pois as instituições demoram a responder. Assim, deve-se refletir as possibilidades de qualificar os Poderes para que o diálogo institucional seja mais pleno, como também relativizar as características do órgão que controla a constitucionalidade. A noção de presidencialismo de coalizão, formulada por Limongi e Figueiredo (1998), bem como a concentração dos poderes da Corte versus o modelo de indicação dos Ministros, já apresentada, podem ser úteis. Verifica-se que o Executivo controla a agenda polí-

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tica do Legislativo, com negociações de cargos e medidas provisórias, donde decorre um processo de formação de maioria parlamentar, em que o Executivo também acaba por controlar o processo de indicação e nomeação dos Ministros do STF. Entendendo que a Constituição estabeleceu o escrutínio dos candidatos pelo Senado com o fim de legitimar, mesmo que indiretamente, aqueles que dariam a “última palavra”, tem-se uma crise de legitimidade constatada. Eis aí a importância de se discutir novas formas de diálogo institucional efetivo, não mais apenas entre a Corte e o Legislativo, mas também entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, bem como a sociedade civil, na formação de uma Corte mais representativa e independente. Referências ARAÚJO, Luiz Alberto David. O Acúmulo de Poder do Supremo Tribunal Federal e o Controle Concentrado de Constitucionalidade. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; LIMA, Martorio Mont’Alverne Barreto. Diálogos Constitucionais: Direito, Neoliberalismo e Desenvolvimento em Países Periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de Processo Constitucional – Controle Concentrado e Remédios Constitucionais. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina. Bases Institucionais do Presidencialismo de Coalizão. Lua Nova. 1998, n.44, pp. 81-106. MENDES, Conrado Hübner. Controle de Constitucionalidade e Democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.

O dilema da conexão entre os conceitos de omissão legislativa inconstitucional e as normas de eficácia limitada

Danielle Cevallos Soares

Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT (Brasil). Professora adjunta de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT (Brasil). E-mail: [email protected]

O tema da presente pesquisa consiste na busca por um conceito mais sólido do que se considera a omissão legislativa inconstitucional. Sabe-se que na Constituição da República de 1988, foram criados dois instrumentos para controlar a constitucionalidade da omissão legislativa, quais sejam, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandado de Injunção, mas uma análise mais detida da doutrina e jurisprudência nacionais leva à inevitável conclusão de que os fundamentos do conceito de omissão inconstitucional são sobremaneira frágeis, fato que, consequentemente resulta numa incerteza jurídica acerca da delimitação do objeto das referidas ações. Isso decorre do fato de que o conceito de omissão inconstitucional utilizado pela doutrina e jurisprudência brasileira está intimamente ligado à classificação das normas constitucionais segundo a sua eficácia, que se tornou célebre no Brasil com a sistematização pensada por José Afonso da Silva, sendo que a referida violação à Constituição da República decorreria da desobediência de um mandamento constitucional no sentido de legislar contido em uma norma de eficácia limitada. Contudo, a referida classificação das normas constitucionais, embora até hoje mencionada pela doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, já há tempos é considerada como insatisfatória, na medida em que ignora, dentre outros, os fatos de que as normas de eficácia plena eventualmente podem ser restringidas pela legislação infraconstitucional (ou emendas constitucionais), tendo em vista que não há princípios e/ou direitos absolutos no ordenamento jurídico constitucional; bem como o fato de que tais normas

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podem, em certos casos, demandar uma regulamentação para que alcancem uma melhor eficácia – jurídica e social. Desconsidera, ademais, a dificuldade em se determinar, abstratamente, qual o “nível” de eficácia de cada norma constitucional conforme a classificação mencionada, fato muito utilizada para justificar a inércia do Estado em se efetivar certos direitos. Desta feita, questiona-se a vinculação do conceito de omissão legislativa inconstitucional com a classificação das normas constitucionais segundo a sua eficácia, levantando-se as seguintes problemáticas: quais os critérios utilizados pelo Supremo Tribunal Federal e pela doutrina, para se definir quais são as normas de eficácia limitada, bem como o momento e o “quanto” de falta de regulamentação caracterizaria a omissão inconstitucional? A inconstitucionalidade por omissão deve, necessariamente, ligar-se à classificação das normas constitucionais conforme a sua eficácia? Qual o impacto da utilização do referido conceito de inconstitucionalidade por omissão na efetividade dos instrumentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção? Assim, buscamos elementos teóricos aptos a subsidiar uma construção do conceito de omissão legislativa inconstitucional que seja compatível com o Estado Democrático de Direito e capaz de atribuir maior eficácia e segurança jurídica ao controle de constitucionalidade por omissão. Para desenvolver esta problemática, partiu-se do método dedutivo, valendo-se da pesquisa bibliográfica na doutrina especializada, da análise das decisões do Supremo Tribunal Federal, bem como dos tribunais da Itália, Espanha, Alemanha e Portugal. Assim sendo, tendo em vista – dentre outros -, o princípio da Supremacia da Constituição, e com o fito de garantir maior efetividade à Lei Maior, busca-se delinear um conceito adequado de omissão legislativa inconstitucional, de maneira que as ações de controle da inconstitucionalidade por omissão sejam mais eficazes na consolidação dos direitos fundamentais.

Hermenêutica Constitucional: uma análise do amicus curiae à luz da “integridade” proposta por Dworkin Ismael Fernando P. Villas Boas Jr. Graduando em Direito, na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

O processo do controle de constitucionalidade excercido pelas cortes constitucionais tem ganho, cada vez mais, relevância para o contexto político-jurídico em que vivemos, em especial após a promulgação da Constituição de 1988, que, ao apresentar normas programáticas e princípios gerais abstratos, abre considerável margem para a sua interpretação. Temos visto julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), nos quais decide-se o status de uma norma conforme ou contrário à Constituição, em que a correta análise do conteúdo dos direitos fundamentais possui um impacto importante e imediato para todo o ordenamento jurídico e para a vida da sociedade em geral. Dessa forma, na medida em que a Corte admite para si competência de julgar o que é (sein) e o que deve ser (sollen) o direito – e pressupondo que todo ato de interpretação é, também, um ato de criação do direito1 – tem-se que essa competência é muito questionada, já que os magistrados não teriam sido eleitos por via democrática para representar os anseios e percepções da sociedade em atividade que muito se assemelha àquela de competência do poder legislativo. Nesse sentido, a doutrina de Peter Häberle2 encontrou, acertadamente, aceitação em nosso ordenamento com a positivação do instituto do amicus curiae e das audiências públicas, que visam a legitimação procedimental da hermenêutica constitucional realizada pelo STF. Entretanto, a utilização meramente procedimental desse instituto ainda não consegue suprir inteiramente a falta de legitimidade democrática dessa interpretação, uma vez que os participantes convidados a darem sua opinião sobre o tema em questão podem ver sua argumentação influir minimamente na decisão colegiada. Temos, então, que a ocorrência de uma participação externa exclusivamente formal seria insuficiente para garantir a legitimidade

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da decisão, sendo necessário, para tal fim, a legitimação material das decisões exaradas pelos magistrados. Destarte, procura-se por uma teoria jurídico-filosófica que amarre, em certa medida, a fundamentação do juízo constitucional à argumentação apresentada pelos amici curiae. Parte-se, portanto, da teoria de Ronald Dworkin3, particularmente no que se refere à sua concepção de integridade e em sua metáfora do juiz Hércules, para explicar a obrigação deontológica do intérprete de, em uma sociedade pluralista como a nossa, ater-se materialmente à razão argumentativa representada pelo amicus curiae para encontrar a resposta certa ao caso. Essa, por sua vez, caracterizaria-se como a interpretação coerente do conjunto de princípios gerais, definidores da justiça e do direito, apresentados pela sociedade em seu atual contexto histórico-político, e, não mais, sentenciados solipsisticamente pelo magistrado. Teria-se, ainda, uma sentença construída subjetivamente e, por isso, sujeita às limitações da razão individual e ao conjunto de pré-compreensões do indivíduo. Entretanto, ao fundamentar-se argumentativamente a decisão levando-se em conta, obrigatoriamente, os argumentos apresentados pela sociedade em geral, seria possível que esse juízo se aproximasse, razoavelmente, daquele conjunto de princípios norteadores da ideia de justiça compartilhada por essa sociedade. Trata-se, enfim, de uma tentativa de atar a metáfora do juiz Hércules e a noção de integridade de Ronald Dworkin com os anseios por uma democratização do debate jurídico, em especial, do controle de constitucionalidade. Notas KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito (Reine Rechtslehre). São Paulo: Editora Wmf Martins Fontes, 2009. 2 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A sociedade aberta dos intérpretes da constituição. Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição (Die offene Gesellshaft der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag zur pluralistischen und “prozessualen” Verfassungsinterpretation). Tradução de Gilmar de Mendes. Editora Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1997. 3 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito (Law’s Empire). São Paulo: Editora Wmf Martins Fontes, 2014. DWORKIN, Ronald. A justiça de Toga (Justice in Robes). São Paulo: Editora Wmf Martins Fontes, 2010. 1

Restrições na liberdade em nome da igualdade: sempre algo a se lamentar? Jacqueline de Souza Abreu

Graduanda na Faculdade de Direito da USP (Brasil). Bolsista FAPESP. [email protected].

Na decisão do caso Ellwanger pelo Supremo Tribunal Federal (STF), discurso a princípio protegido pela liberdade de expressão foi censurado, porque a incitação ao ódio a determinado grupo, veiculado em seu conteúdo, negaria a pretensão de igualdade política entre as pessoas.1 Na discussão em pauta no STF sobre financiamento de campanhas eleitorais e partidos políticos por privados, a liberdade de doar até mesmo de pessoas naturais, vista como forma de expressão e de participação política, tem se mostrado fadada a ser restringida para além dos termos já existentes na legislação eleitoral em favor da igualdade de influência das pessoas em disputas eleitorais.2 Na votação do Marco Civil da Internet, a disputa sobre o princípio da neutralidade da rede, se por um lado foi acompanhada de defesas do tratamento isonômico de usuários garantido por tal princípio, por outro, encontrou obstáculos na oposição que atuava em nome da liberdade de contratar não só das empresas de telecomunicações, mas dos próprios usuários.3 Nesses casos, nota-se uma relação antagônica entre liberdade e igualdade. Esse antagonismo dá lugar a uma linguagem de perdas de liberdades: liberdades de expressão, seja ela por discurso ou por doação enquanto participação no processo político, e de contratar são restringidas por argumento fundado na igualdade (igualdade política, igualdade de oportunidades, isonomia). Este tal conflito, do qual já se falava enquanto ideais abstratos4, segundo os casos acima sugerem, foi constitucionalizado – está presente entre os próprios valores consagrados na Constituição Federal. Cenários como o dos casos sustentam defesas5 de um conflito conceitual inevitável e trágico, por incluir alguma perda irremediável, entre liberdade e igualdade.

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Ronald Dworkin defendeu6 que, em disputas argumentativas político-morais que despertam o aparente conflito entre liberdade e igualdade, como os casos citados – que dão lugar a defesas de concepções rivais do que sejam as liberdades envolvidas e de como se relacionam com concepções também rivais de igualdade – não se deve abandonar, a priori, a possibilidade de que possam ser conciliadas. Isso dependerá de teorias interpretativas, concepções que melhor revelem o point de tais conceitos de valores políticos. Na concepção de Dworkin, estas revelarão que são não só conciliáveis entre si, negando a retórica do conflito, mas até mesmo imbricados. Meu trabalho analisa crítica feita por Bernard Williams a essa abordagem de Dworkin. A sua principal objeção se fundamenta na ideia de que as pessoas endossam concepções distintas de liberdade e igualdade – o conteúdo destes conceitos é preenchido por sua história pessoal, do grupo ou da sociedade a que pertencem – o que as fazem sentir a perda de sua liberdade seja quando uma restrição é feita em nome de uma concepção de igualdade que defendem, ou não.7 Por essa razão, conflitos entre liberdade e igualdade são mesmo inevitáveis. Para que os participantes de uma comunidade sejam levados a sério em termos de suas convicções políticas, deve-se falar em limitação da liberdade e reconhecer o conflito sempre que existir o sentimento de perda, seja ela decorrente de decisão política ou judicial. As ideias de Williams, inicialmente, encontram respaldo nos casos citados, demonstro. Objetivo do trabalho é, entretanto, apontar as insuficiências do argumento de Williams contra Dworkin. Sua visão é a de que, não importa o que se decida, uma perda a ser lamentada sempre ocorrerá. Meu argumento é o de que o ressentimento sobre a perda não pode e nem deve ser o que pauta as noções de restrição ou violação desses valores e dos direitos constitucionais relacionados. Esse ressentimento, associado ao preenchimento histórico desses conceitos, não se relaciona com a correção deles e por isso não serve para verificação do conflito. Nem sempre há o que se lamentar nas restrições à liberdade: só é o caso quando o valor desse valor é atingido, o qual só pode ser compreendido à luz da própria igualdade.

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Notas STF, HC 82.424/RS. Relator: Moreira Alves. Julgado em 17.09.2003, especialmente o voto de Gilmar Mendes, fl. 958. 2 ADI 4650, sob relatoria de Luiz Fux, em tramitação no STF. Cf. Notícia do STF de 11.12.2013 (STF inicia julgamento de ação sobre financiamento de campanhas eleitorais): http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=255811&caixaBusca=N Acesso: 05.09.2014. 3 Cf. RAMOS, Pedro. Uma questão de escolhas: o debate sobre a regulação da neutralidade da rede no Marco Civil da Internet. Anais do XXII CONPEDI, 2013. 4 Cf. TOCQUEVILLE, Alexis. Democracy in America: vol. 2. 3ª Edição. Cambridge: Sever&Francis, 1863, p. 114-118, HAYEK, Friedrich. The Constitution of Liberty, Chicago: UC, 1960, p. 85-88. 5 Cf. BERLIN, Isaiah. Four essays on liberty. Oxford: OUP, 1969, p. 121-31; WILLIAMS, Bernard. Moral Luck. Cambridge: CUP, 1981, p. 71-82. 6 DWORKIN, Ronald. Do Values Conflict? A hedgehog’s approach, Arizona Law Review, n. 43, p. 251-259, 2001. 7 WILLIAMS, Bernard. In the beginning was the deed. Princeton: PUP, 2005, p. 75-128. 1

A intolerância religiosa às religiões afrodescendentes como forma de violação ao direito à liberdade religiosa

– uma análise a luz da decisão na ação civil pública 0004747-33.2014.4.02.5101 Jessica Hind Ribeiro Costa

Mestranda em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia, Servidora do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, Bahia – Brasil, email: jel_hind@hotmail. com.

A intolerância, sob um ponto de vista contemporâneo, vai caracterizar a negação da tolerância. Entre leigos, ela é tida como sendo uma atitude mental de não aceitação do diferente, culminando, em grande parte das vezes, em ações explicitas de violência. Assim, “a intolerância se constrói como uma demonstração de um fracasso moral, um fenômeno de não aceitação de opiniões e identidades diferentes daquela que é própria ao indivíduo”1. Este instituto se torna objeto do estudo jurídico na medida que manifesta-se em atitudes de preconceito e discriminação. Neste sentido, a Lei 7.716/89 estabelece em seu artigo primeiro que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. A legislação brasileira, no que se refere à liberdade religiosa preza pelo princípio da isonomia. Pode-se comprovar isto de acordo com o Artigo 2º da Lei nº 16/2001 (Lei da Liberdade Religiosa) que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, perseguido, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever por causa das suas convicções ou prática religiosa”. Dessa forma, o Estado busca garantir a existência do pluralismo religioso, devendo porém, manter-se à margem do âmbito religioso, sem incorporá-lo, conferindo-lhe sua condição de Estado laico previsto no artigo 19, inciso I, da Constituição Federal2. No mesmo sentido de proteção às religiões a Constituição Federal declara no artigo 5º, inciso VI que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre

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exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Assim, fica claro que a preocupação legislativa em consagrar a liberdade de religião um direito fundamental. Pode-se observar no ordenamento jurídico vigente a preocupação com a afirmação do princípio da liberdade religiosa. O fundamento desta preocupação é anterior as normas citadas, estando presente já na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 19483. Em verdade, a liberdade religiosa abrange três tipos mais específicos de liberdade: a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. A primeira consiste na liberdade da prática religiosa interior e da prática dos atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de recebimento de contribuições para tanto. Liberdade de crença, por sua vez, engloba a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Finalmente, entende-se como liberdade de organização religiosa a possibilidade de estabelecimento e organização de instituições religiosas e suas relações com o Estado. Todavia, determinados eventos cotidianos e corriqueiros demonstram que existe uma grande disparidade entre o que está previsto em lei como modelo de conduta, e o que se observa na prática, relativo às interações em sociedade. O ato nefasto de impedir a livre expressão religiosa, individual e coletiva garantida por lei, é cometido freqüentemente por vários setores da sociedade, sendo comuns os casos de intolerância religiosa contra religiões de matrizes africanas. A intolerância religiosa é um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a diferentes crenças e religiões. Em casos extremos esse tipo de intolerância torna-se uma perseguição. Sendo definida como um crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana, a perseguição religiosa é de extrema gravidade e costuma ser caracterizada pela ofensa, discriminação e até mesmo de discursos de ódio fomentados nas redes sociais. Recentemente os adeptos ao camdomblecismo e ao umbandismo experimentaram mais uma vez o dissabor do preconceito, dessa vez, o

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ofensor foi o Juiz de Direito da 17ª Vara de Fazenda Federal do Rio de Janeiro, Eugênio Rosa de Araújo, que proferiu a polêmica a decisão que indicava que “o candomblé e a Umbanda não são religiões”4. A ação movida pelo Ministério Público Federal pedia a retirada de vídeos discriminatórios do “Google” de circulação o que foi negado em sede de liminar. Tal atitude contraria frontalmente o direito à liberdade religiosa na medida em que não considera as citadas religiões com tal, o que caracteriza do magistrado não só uma atitude de intolerância como de ignorância – tendo em vista que demonstra desconhecimento da matéria do ponto de vista filosófico, sociológico e religioso.   A magistratura não pode se utilizar do princípio do livre convencimento motivado, assim como os preconceitos não podem se disfarçar como liberdade de expressão. Estas não são “cartas brancas” para a prática ou intolerâncias ou atitudes criminosas! A questão que envolve as religiões de matrizes africanas no Brasil traz em si diversos questionamentos e polêmicas que devem ser resolvidos por meio de uma reflexão sócio-cultural acerca dessas crenças e dos aspectos que estas atingem. Notas Souza, Marcelo Gustavo Andrade de; Konder, Leandro. Tolerar é pouco? Por uma filosofia da Educação a partir do conceito de tolerância, Rio deJaneiro, 2006. 315p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2 “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.” 3 “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada coletivamente, em público ou em particular”. 4 A decisão na íntegra pode ser encontrada no seguinte endereço eletrônico: http://s.conjur.com.br/dl/decisao-negou-retirada-videos.pdf 1

O filtro da razão pública rawlsiana no debate entre seculares e religiosos

Franklin Vinícius Marques Dutra

Estudante de graduação em Direito pela UFMG, bolsista de iniciação científica sob orientação do Prof. Dr. Thomas da Rosa de Bustamante. Brasil. [email protected].

Para Rawls1, o problema do impacto político do papel da religião não foi resolvido com a secularização da autoridade política (laicização do estado). Ele percebe que a laicização, que pretende privatizar a religião, mantê-la apenas na esfera privada das pessoas, não se sustenta, pois, de fato, a religião exerce importante poder e influência na vida pública. Temos então que o político não está na esfera do estado apenas e vai para a sociedade. Rawls enfoca aqui não a sua ideia de se chegar a um consenso por sobreposição, mas sim da razão pública. O debate, a comunicação publica, se dará por meio desta. A proposta do autor é vista a consolidar qualquer debate entre seculares e religiosos, ainda que fora da esfera estatal. Contudo, o filtro institucional da razão prática é inerente aos órgãos públicos, principalmente aqueles dos quais o debate entre os membros gera normatização (assembleias). Nesse sentido, o autor parte da ideia de constituição liberal, que irá trazer igual liberdade para os religiosos e seculares e procurará proteger os órgãos públicos que irão decidir de sofrer influência religiosa. Ou seja, considera-se que a constituição liberal não pode ignorar as contribuições que os grupos religiosos exercem no processo democrático da sociedade civil. A solução que Rawls propõe é que, no debate politico, como há sempre a possibilidade de haver pessoas que raciocinam baseadas em argumentos religiosos e aquelas que o fazem por meio de argumentos seculares, deve haver um filtro de linguagem para possibilitar o debate público. Tal filtro será institucional nos órgãos públicos de deliberação coletiva, ou seja, não se está tentando de forma alguma adentrar no subjetivo,

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no pensamento daqueles que se encontrem no debate público. A ideia é proporcionar um critério objetivo para que seja possível o debate em um país democraticamente constituído. Religiosos e seculares terão que se respeitar mutuamente e a ideia é não sobrecarregar nenhum deles com um ônus excessivo, mantendo uma posição de igualdade para ambos. O filtro da razão pública irá trazer, para os religiosos, a necessidade de ser razoável com seus argumentos, aceitar que decisões sobre conhecimento de mundano cabem à ciência natural e que conformar os seus dogmas religiosos com os direitos humanos. Com isso, no discurso democrático, a relação entre religiosos e seculares será de complementariedade, uma vez que ambos utilizam da razão pública, que é uma eficiente forma de garantir que o pluralismo da sociedade, tão marcante no mundo atual, seja espelhado na política. Subjaz a essa visão a ideia de que a democracia é um projeto em aberto, não finalizado, tendo em mente que ela é o melhor que se encontrou até agora. Outra Devemos, assim, encontrar o melhor sistema possível para sua implementação prática. Não obstante, possibilita também a visão apresentada no artigo viabilizar a melhor representação, reprodução da sociedade no debate político, já que temos, então, representados no debate público não apenas os argumentos dos seculares, mas também o dos teístas, ambos, é bem verdade, moldados na sua exteriorização de uma forma que seja possível o debate entre eles e a obtenção d eum resultado que bem represente a realidade. Uma compreensão universal dos direitos humanos nos lembra da necessidade de desenvolver modelos institucionais que melhor se adaptem às sociedades multiculturais da atualidade. Notas O texto toma como referência basicamente duas obras: HABERMAS, Jürgen. “’The Political’ - The Rational Meaning of a Questionable Inheritance of Political Theology” In BUTLER, Judith; HABERMAS, Jürgen; TAYLOR, Charles; WEST, Cornel. The Power of Religion in the Public Sphere e RAWLS, John. “A ideia de razão pública” In RAWLS, John. Liberalismo Político. São Paulo: Editora Ática. 2000. 1

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O caso das biografias não autorizadas: uma análise de ponderação e proporcionalidade à luz da teoria dos princípios de Humberto Ávila

Thais Fernandes

Advogada autônoma e associada da ANDHEP - Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação. Pós-Graduanda em Direito e Processo Civil pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo U.E Lorena. Graduada em direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo U.E Lorena. [email protected].

Tatiane Munhoz

Graduanda em direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo U.E Lorena. Membro associado da ANDHEP - Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação. [email protected]

Resumo Instituir precedência entre valores e direitos fundamentais é atualmente um dos maiores desafios da hermenêutica constitucional. O neopositivismo elevou os princípios jurídicos ao patamar das leis, retirando-os do calabouço de suas funções integrativas e subsidiárias. É até possível afirmar que a doutrina constitucional vive hoje sob a euforia do chamado “Estado Principiológico”. Considerando a crescente demanda judicial na solução de conflitos entre direitos fundamentais, o presente trabalho objetiva explorar os postulados de ponderação e proporcionalidade, à luz dos recentes ensinamentos do professor Humberto Ávila. O estuda visa, acima de tudo, contribuir para o entendimento dos novos fenômenos constitucionais, de modo a concorrer para a correta efetivação dos direitos fundamentais. Objetivos Visando esmiuçar as implicações da hermenêutica constitucional desse conflito, esse trabalho objetiva esclarecer as diferenças entre

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texto e norma jurídica; a dissociação entre princípios e regras; os conceitos e aplicações dos postulados normativos da ponderação e proporcionalidade; e por fim, o modo de subsunção de tais postulados à polêmica das biografias não autorizada. Metodologia No desenvolvimento desse projeto, será utilizado o método dedutivo científico, desenvolvendo a pesquisa sob a ótica doutrinária e comparativa das teorias de Humberto Ávila, Ronald Dworkin, Robert Alexy. Superada a primeira etapa, finalizar-se-á o estudo, adequando o conhecimento alcançado ao recente caso das biografias não autorizadas. Introdução Para o professor Humberto Ávila, na obra ‘Teoria dos Princípios’, é possível afirmar que a doutrina constitucional vive hoje sob a euforia do chamado “Estado Principiológico”. O neopositivismo elevou os princípios jurídicos ao patamar das leis, retirando-os do calabouço de suas funções integrativas e subsidiárias. Com essa nova abordagem normativa, tentou-se evitar/punir o cumprimento estrito das leis positivas manifestamente cruéis de um estado, em face da obviedade da preservação de bens como a vida e a liberdade. Valores reavivados pela crescente dos direitos humanos no plano internacional e pelas teorias do direito natural. No âmbito de aplicação do direito doméstico, tal fenômeno inevitavelmente elevou o grau de dificuldade na prolação de sentenças judiciais, afinal, se já não era tarefa fácil priorizar uma regra sobre a outra nas interpretações sistemáticas, tampouco seria sobrepor princípios uns aos outros nos hipóteses de colisão. Privilegiar valores em detrimento de outros como vida, liberdade, liberdade de expressão, intimidade, entre outros não se mostra uma tarefa simplória, haja vista tais bens gozarem do mesmo status hierárquico constitucional.

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‘A Polêmica das Biografias não Autorizadas’ apresenta mais um exemplo dessa problemática, em que se discute o direito à intimidade e à privacidade de uma parte em contraposição ao direito de liberdade de expressão e direito à informação das outras. Considerações finais Na utopia distante de se ter uma sociedade assentada sobre uma justiça ideal, a escolha pela liberdade de expressão em detrimento do direito à intimidade mostra-se como um “mal menor”. Tais diretrizes são apontadas pelo estudo da hermenêutica constitucional. No que toca às espécies normativas, conclui-se que princípios e regras são dissociados. Regras são válidas/inválidas, vigentes/não vigentes de acordo com o dinamismo do direito. Princípios, não. São sempre válidos. Eles retratam o progresso social; os fundamentos primários na busca de um estado de justiça. Porém, eles nem sempre conviverão harmoniosamente nas novas sociedades, que insistem em rivalizá-los. A hermenêutica jurídica suscita a ponderação de valores, indicando que a escolha entre intimidade ou liberdade de expressão deve ser proporcional: adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. No caso das biografias, considerando que, no plano concreto, a escolha por um valor implica necessariamente a restrição do outro, perfazendo-se, portanto, uma escala de preferência, o meio a ser adotado é o afastamento do valor preterido para os fins de se ter o maior aproveitamento do valor escolhido. Ou seja, a mitigação do direito à intimidade (meio) promove a máxima extensão do direito de liberdade de expressão (fim). Tal medida é adequada, já que a mitigação do direito à intimidade é capaz de promover o fim relacionado ao gozo social da liberdade de expressão. É também necessária, pois no plano concreto não há a possibilidade de nivelamento hierárquico de ambos os valores. E, em sentido estrito, é proporcional, pois as desvantagens de se tolher a intimidade individual correspondem às vantagens de se ter uma so-

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ciedade estruturada em valores essenciais para a democracia, como a liberdade de expressão. Por todo o exposto, não é de se causar espanto que a liberdade de expressão deva ser privilegiada em qualquer circunstância. Ela é a base de toda sociedade que pretende se aprimorar pela dialética de ideias que se contrariam. Ela é a pedra fundamental do Estado de Direito. Seu enfraquecimento significa retrocesso. Palavras-chave: Regras – Princípios – Hermenêutica – Biografias Referências ALEXY, Robert. Teoria Dos Direitos Fundamentais – 2ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição aos princípios jurídicos. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 6a tir. London, Duckworth, 1991. SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, 2003. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise – Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

“Hate Speech” e Estado Democrático de Direito: breves considerações acerca da limitação à liberdade de expressão

Mariana Colucci Goulart Martins Ferreira

É mestranda em “Hermenêutica e Direitos Fundamentais” pela UNIPAC e cursa pós-graduação lato sensu em “Direito Constitucional Aplicado” no Complexo Educacional Damásio de Jesus. Possui graduação em Comunicação Social pela UFJF (2010) e graduação em Direito pelo Instituto Vianna Júnior (2013). Jornalista e advogada. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Alexandre Ribeiro da Silva

Mestrando em “Hermenêutica e Direitos Fundamentais” pela UNIPAC. É advogado e professor de literatura e português. Possui pós-graduação em Direito Processual pela UFJF (2011), graduação em Direito pelo Instituto Vianna Júnior (2009) e graduação em Letras pela UFJF (2010). Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Contemporaneamente percebe-se a ascensão de discursos de cunho preconceituoso na sociedade brasileira. Trata-se do Hate Speech, ou discurso do ódio, compreendido como quaisquer formas de expressão que aumentam, incitam ou justificam ódio racial, xenofobia, antissemitismo ou outros modos de discriminação baseadas na intolerância, tais como o nacionalismo e o etnocentrismo agressivos e a hostilidade contra minorias e imigrantes. Nas sociedades democráticas há intensa preocupação com os limites da liberdade de expressão. Porém, o exercício irrestrito desta pode afetar as bases da democracia, tais como as concepções de igualdade e de dignidade da pessoa humana. O Brasil, sendo um Estado Democrático de Direito, parece não tolerar o discurso do ódio. O Habeas Corpus n. 82.424-2 foi julgado pelo STF em 2003 e tornou-se o principal caso pátrio que envolveu o Hate Speech. Nele figurava como paciente o editor Siegfried Ellwanger Castan, então acusado do crime de racismo devido a publicações de caráter antissemita. Debateu-se a questão da oposição entre o direito fundamental à liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana.

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Para a maioria dos ministros que decidiram sobre o HC, a liberdade de expressão trata-se de direito fundamental restringível em situações nas quais sua manifestação não observe os limites impostos pela Constituição Federal. Tal embate foi resolvido pela sobreposição do anseio maior constitucional e pela primazia de um dos valores basilares de nossa República: a dignidade da pessoa humana. Conforme elucida o jusfilósofo Jürgen Habermas, que concebeu a Teoria Discursiva do Direito, a aplicação das regras e dos direitos deve se orientar por uma racionalidade comunicativa atuante em conformidade com os pressupostos da democracia e da igualdade entre os seres humanos. No contexto da pragmática-universal habermasiana exige-se que ocorra nos discursos a defesa de opiniões mediante a utilização do melhor argumento e não do uso de força ou de uma alegação baseada em autoridade. A prática comunicativa com racionalidade possui uma dimensão normativa que cobra uma postura dos sujeitos e objetiva construir discursos sobre os quais fomentam expectativas de entendimento. Habermas sugere a utilização de uma razão comunicativa, inscrita no telos linguístico do entendimento, formando um conjunto de condições possibilitadoras e simultaneamente limitadoras na linguagem. Por conseguinte, não existindo direito fundamental absoluto, essencialmente quando conflitante com outro direito fundamental, é possível interpretar, argumentar e decidir com a pragmática-universal. O Hate Speech fomenta opiniões consubstanciadas no preconceito e no ódio que não contribuem para nenhum debate inerente às deliberações democráticas das liberdades de opinião e de expressão, fugindo completamente de qualquer espécie de racionalidade comunicativa e servindo apenas como ultraje à dignidade da pessoa humana do ofendido. Tal como propõe Habermas, os discursos devem ocorrer entre indivíduos livres e iguais em um contexto democrático. Portanto, diante do evidente desrespeito à dignidade da pessoa humana e à igualdade entre indivíduos, é possível enxergar que não há qualquer racionalidade comunicativa em um Hate Speech, com consequente desrespeito à ordem democrática. A dignidade da pessoa humana, mais do que um direito fundamental da República, representa o reconhecimento de que reside na pessoa humana o valor fundante do Estado. Portanto, a liberdade de expressão

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não se confunde com meio apto a legitimar a exteriorização de propósitos criminosos, especialmente quando o discurso de ódio transgride valores tutelados pela própria ordem constitucional e afronta a racionalidade. A aceitação de um Hate Speech não é inerente ao nosso Estado Democrático de Direito, visto que aquele desrespeita os princípios inerentes aos direitos fundamentais e à democracia e, principalmente, afronta a dignidade da pessoa humana. Este tipo de discurso não é detentor da racionalidade comunicativa de Habermas e igualmente não condiz com os preceitos guardados no contemporâneo constitucionalismo brasileiro, sendo, portanto, indefensável. Referências bibliográficas BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. _____. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82.424-2. Relator ministro Maurício Corrêa. Acórdão de 17.09.2003. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2014. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Teoria do Estado e da Constituição. Direito Constitucional Positivo. 12ª ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Filosofia do Direito na Alta Modernidade: incursões teóricas em Kelsen, Luhmann e Habermas. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodium, 2009. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 11. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. WEBER, Anne. Manual on hate speech. Council of Europe Publishing. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2014.

What’s the political justification of the freedom of speech? Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior

Graduate in Law in Federal University of Ceará (UFC), with academic mobility in University of Coimbra, and student of the Masters in Constitutional Law in the Federal University of Ceará (UFC), Brazil. E-mail: tarcisiorg@gmail. com.

The debate about the right to freedom of speech involves more than one specific case in a court. The judicial decision about freedom of speech, as well any other right, has a direct relation with the political philosophy. The thesis about the total separation between law and political philosophy is so weak has incoherent. Even that a theory seeks the total separation between law and politics will produce important political consequences in a general meaning. A neutral political position about freedom of speech will be guilty of unsatisfactory practical importance and naivety. One of the most traditional movements of political philosophy is the Utilitarianism. According to Stuart Mill, inspired in Jeremy Bentham, the person who believes in the Principle of the Utilitarianism defends that the answer in moral conflicts is right in the proportion as it tends to promote happiness. In this theory, the happiness is intended as pleasure and the unhappiness as pain. So, in a community, the right decision about a moral case will be that one which promotes more happiness and less pain in its citizens. In addition, Herbert Hart explains that the balance in this process should respect the maxim “everybody is to count for one, nobody for more than one”. In abstract, we can say that Utilitarianism valorize the public dimension of the human being over the private dimension. On the other hand, the critics made by philosophers against Utilitarianism are based specially on two arguments. The first one says that the utilitarianism balancing uses together two kinds of interests. The interest of the person about the community, called public interests, and about the lives of the others citizens, called personal

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interest. The problem is that a correct balancing between interests should count just the public interests because the personal interests invade the ethical decisions of the people. The second argument holds that the Greatest Happiness Principle does not protect the citizens individually. In a situation of crises normally the minorities are in dangerous because the majority can produce political acts which prejudice their lives. So, the Greatest Happiness Principle can be used has a process to legitimate a political act against Jews or the black people, for example. One of the alternatives in political philosophy is the Egalitarianism. According to Ronald Dworkin, influenced by John Rawls, this theory separates the public and the private dimension of human being. This separation, nevertheless, is not so much strong, but wishes protect the rights of the citizens. The principal objective of this movement is to defend the right of the people to decide about their own lives without the interference of the others, except with a serious justification based on rights, not in the well-being. So, in the Justice Holmes’s example, someone who shouts falsely fire in a crowded theater can be stopped because the rights of the others limit such freedom of speech. The results of this political debate in the justification of the freedom of speech are two important theories. The first one is the instrumental justification as a market of ideas. That theory was created by Stuart Mill and it is based on Utilitarianism. The principal element is the thesis that the freedom of speech is important because, as in the economic market, the best ideas will overcome the weaks in a free public debate. In addition, that best ideas will be the used in the government of the community. The other element is that the market of ideas is important to the legitimacy of the political power because everyone could be part of the debate about the principles used in the government. This theory can be used as justification of the freedom of press as in the Brazilian case of the statute of press in the ADPF 130. The other idea is based on the Ronald Dworkin’s Egalitarianism and it defends the rights as trumps. The right is a constitutive justification for the limits of the state. So, even a kind of discourse that the

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majority agrees in produce restrictions can be protected by the constitutive justification of freedom of speech. The critics that Dworkin produces against the market of ideas are that the instrumental justification does not protect important rights of the citizens as the polemic hate speech. For example, the Brazilian case of the parliamentary Marcos Feliciano’s speeches about homosexuality could finish differently. So, an important conclusion is that, according to Dworkin and Scanlon, the freedom of speech has a double political justification. The first one is instrumental, that has a public dimension of protection, and the second one is constitutive, that is more directed to the individual rights of the citizens.

A imposição jurídica da moral - Um debate entre Lord Devlin e H.L.A. Hart Clarissa Gross

Doutoranda em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Faculdade de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Este trabalho busca discutir a questão acerca de se é correto que uma sociedade imponha por meio do direito (especialmente o direito penal) a sua moralidade. Será dado enfoque ao debate travado no início dos anos 60 entre H. L. A. Hart, importante teórico do direito, e Lord Devlin, magistrado inglês. Ao final, será discutida as contribuições de Ronald Dworkin para o debate no que diz respeito à noção de moralidade social. Devlin desenvolveu reflexão sistematizada defendendo a correção moral de tornar obrigatória, por via do direito penal, a moralidade convencional de determinada sociedade1. Devlin critica aqueles que acreditam haver um limite principiológico à interferência do direito no comportamento de relevância moral. Atribui o equívoco à má compreensão da finalidade do direito penal como se fosse a de estabelecer alguma ordem e forma de coordenação social. Se assim fosse, não haveria qualquer ligação necessária entre o direito penal e a ordem moral prevalente em determinada sociedade. Devlin refuta esse argumento primeiramente indicando a sua incapacidade de explicar alguns institutos do direito penal vigente com os quais normalmente concordamos de forma bastante intuitiva2. É o caso, por exemplo, do afastamento do consentimento e do perdão da vítima enquanto argumentos de defesa em alguns crimes. Esse elemento do direito penal inglês não se explicaria a não ser que se admitisse que a sua finalidade consiste na imposição da moralidade em si. Devlin afirma que a imposição da moralidade convencional pelo direito se justifica em função da sua importância para manutenção da

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integridade da sociedade. Segundo Devlin, a integridade de uma sociedade é mantida muito em função dos vínculos do pensamento comum, ou seja, pela existência de um acordo acerca do que é bom ou ruim. Se é assim, a sociedade teria o direito de realizar julgamentos morais e de impor a sua moralidade por meio do direito. Isso porque, desfeito o acordo moral que estrutura a sociedade, esta última colapsaria. H. L. A. Hart escreveu livro intitulado Law, Liberty and Mora3 lity , em cujo prefácio anuncia o objetivo de rebater as ideias centrais do argumento de Devlin. Uma primeira crítica importante apresentada por Hart diz respeito à maneira como Devlin concebe o vínculo entre moralidade convencional e a preservação da sociedade. Para Hart, a associação tal como afirmada por Devlin é empiricamente equivocada, bem como parece promover de forma dogmática e irrefletida a conservação tanto da moralidade convencional quanto da sociedade tal como existe em determinado tempo e lugar. Ademais, Hart afirma ser possível justificar, por meio de uma versão do argumento utilitarista, qual seja, o argumento do paternalismo jurídico, os institutos que Devlin afirma serem somente explicáveis enquanto mecanismos de imposição da moralidade social convencional. O presente trabalho pretende defender, por um lado, que a melhor forma para compreender as nossas convicções acerca da correção dos institutos de direito penal debatidos pelos dois autores é admitindo que aquilo que socialmente operamos é de fato uma imposição de uma moralidade social que não se resume ao utilitarismo. Nesse ponto, Devlin apresenta os melhores argumentos. Contudo, defendemos que algumas críticas de Hart à maneira como Devlin valoriza a moralidade convencional e concebe sua relação com a preservação da sociedade são também acertadas. Acreditamos que, nesse ponto, as críticas de Ronald Dworkin4 à maneira como Devlin concebe a moralidade são importantes para boa compreensão da natureza de nossas convicções morais e da relação que existe e que deve haver entre direito e moral.

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Notas Os argumentos de Devlin se encontram em palestras publicadas em DEVLIN, Lord. The Enforcement of Morals. New York: Oxford University Press, 1965. O magistrado foi provocado à reflexão em função da necessidade de realizar palestra na área de teoria do direito, tendo selecionado enquanto tema de partida de sua exposição o argumento teórico avançado no relatório do Comitê Wolfenden, de 1957, comissão inglesa formada para discutir a legislação concernente a prostituição e a crimes relacionados ao comportamento sexual. 2 Ressalta-se que Devlin reconhece que o fato de o arranjo normativo positivo de determinada sociedade não refletir um determinado argumento teórico não indica, por si só, a falta de pertinência ou correção do referido argumento teórico. O argumento teórico pode pretender a modificação das instituições existentes se essas não se mostram teoricamente sólidas. 3 HART, Herbert L. A.. Law, liberty and morality. Stanford: Stanford University Press, 1963. 4 Exploramos, em especial, DWORKIN, Ronald. Lord Devlin and the enforcement of morals. Yale Law Journal. v. 75, p. 986 - 1005, 1966. 1

O ensino religioso nas escolas públicas Lucas de Barros Peron Maciel

Bacharel em Direito pelas Faculdade Integradas Vianna Júnior. Pósgraduando em Direito Tributário pela UCAM/IDS/Intejur. Bacharelando em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Advogado. Brasil. [email protected].

No presente resumo se exporá o debate sobre a questão do ensino religioso nas escolas públicas, analisando, em primeiro lugar, a importância que a educação possui no desenvolvimento do país, e como esta importância alcançou o status de garantia constitucional, constando na Carta Magna tanto o direito ao acesso a educação básica, conferido a todos os cidadãos, como o fato de ser a educação religiosa uma das disciplinas consideradas fundamentais ao desenvolvimento das crianças em cidadãos conscientes e dispostos a dar efetividade aos princípios norteadores do Estado brasileiro. Diante deste cenário, levanta-se algumas considerações sobre a educação religiosa nas escolas, visto que, além de seu conteúdo ainda não possuir um objeto claro de estudo, quão menos uma metodologia de pesquisa e ensino definidas, há a questão do estudo religioso se tratar de matéria facultativa, devendo o ente político que oferta o ensino religioso também ofertar matérias alternativas para aqueles que pretenderem não cursar a disciplina religiosa, trazendo as dúvidas sobre se seria mesmo razoável colocar a responsabilidade sobre cursar ou não uma matéria da grade curricular nas mãos daquele aluno; se esta responsabilidade de decidir se o aluno cursaria ou não a disciplina estaria dirigida aos tutores da criança; seria justo, considerando a situação psicológica em desenvolvimento das crianças e jovens, coloca-los como indivíduos anômicos ao meios social em que se inserem por recusarem-se a participar das disciplinas religiosas. São varias as dúvidas que são levantadas ao se analisar a oferta de ensino religioso nas escolas públicas. Em um segundo ponto, confronta-se a lei de diretrizes e bases da educação nacional, analisando seu texto e sua teleologia, identifi-

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cando pontos de conflito quanto aos interesses de desenvolvimento de uma educação nacional de qualidade (incluindo-se todos os níveis) e os dogmas doutrinários praticados pelas manifestações religiosas, demonstrando o quanto que estas podem ser contraditórias e o quanto estas podem repelir-se mutuamente, posto que muitas, ao se declararem como verdades absolutas, rejeitam qualquer forma de pensamento que seja contrário ao seus ensinamentos. No último ponto, tratar-se-á da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.439, proposta pela Procuradoria Geral da República, em que se discute a constitucionalidade do Decreto no 7.107, que promulgou o acordo celebrado entre Brasil e a Santa Sé. Entre os vários pontos tratados neste acordo, há o tema específico do ensino religioso, em que o país acordou com o representante e coordenador mundial de uma determinada denominação religiosa sobre a forma com que o ensino religioso deveria ser apresentado nas grades curriculares das escolas públicas. Em tal acordo, o que mais chama a atenção é a redação de seu art. 11, que declara que o ensino religioso, respeitando o direito de crença e demais liberdades constitucionais, garantirá nas grades curriculares o ensino religioso católico ou de outras religiões, o que se verifica frontalmente contrário aos preceitos determinados na Constituição da República. Neste contexto que a ADI é apresentada evocando a interpretação que deve ser atribuída ao texto constitucional e ao acordo celebrado, levando-se em consideração o Estado laico e o ensino secularizado, requerendo que haja uma interpretação conforme a constituição, para que somente desta forma possa se dar validade ao acordo celebrado e efetividade ao seu texto. Ainda se infere, exemplificando, algumas controvérsias sobre a possibilidade de um ensino católico nas escolas públicas e sua colisão de ideários com aqueles que norteiam o Estado brasileiro.

Mínimo existencial e liberdades: interfaces a partir da teoria do desenvolvimento como liberdade

Matheus Medeiros Maia

Estudante da graduação em Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA), Brasil. [email protected].

Talita Soares Moran

Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Professora do Curso de Direito da Unimontes e da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA), Brasil. [email protected]

O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2014 (RDH2014), divulgado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), identificou que, nos países em desenvolvimento, quase 1,5 bilhões de pessoas vivem na pobreza multidimensional, ou seja, com privações de direitos fundamentais sociais como saúde, educação e proteção social latu sensu. Os dados traduzem a ideia de que pessoas que não usufruem de um mínimo existencial vivem em pobreza multidimensional. A teoria do mínimo existencial estabelece que o ser humano, para ter uma vida com dignidade, deve usufruir de uma gama mínima de direitos e condições materiais indispensáveis à sobrevivência. Dada a amplitude numérica de pessoas que vivem na pobreza multidimensional, com privação do direito ao mínimo existencial, se torna pertinente questionar se essas pessoas seriam capazes de exercer suas liberdades. Liberdades é termo plurívoco. Pode representar desde a autonomia privada do ser humano, sua liberdade de ir e vir, expressar-se, pensar, professar sua fé, associar-se, exercer a livre iniciativa, até uma concepção mais moderna, entendida como o poder do ser humano buscar ser o que ele valoriza para si. O presente trabalho se propõe a estabelecer um elo entre o direito ao mínimo existencial e o exercício das liberdades humanas latu sensu. Objetiva-se, através de um método dedutivo e procedimento bibliográfico, demonstrar que a impossibilidade de acesso, por parte do ser huma-

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no, ao direito ao mínimo existencial gera a pobreza, entendida por Sen (2010) como privação das capacidades reais. Sen (2010) defende que a pobreza não deve ser entendida como mera privação de rendas, mas sim, como privação das capacidades, compreendidas como as liberdades substantivas para que as pessoas possam buscar a vida que têm motivos para apreciar. Entretanto, apesar da pobreza não se resumir à baixa ou inadequada renda, esta exerce grande influência na privação das capacidades, uma vez que, a ausência de renda é uma predisposição ao estado de pobreza. Sob essa perspectiva teórica, o ser humano que não tem acesso à saúde, educação, alimento, moradia e renda tem suas liberdades reais ameaçadas, uma vez que, não usufrui das condições mínimas necessárias à busca do que ele quer e valoriza para si. O ser humano, nestas condições, tem mera liberdade de lutar para sobreviver. O direito às liberdades não se esgota com a possibilidade do ser humano lutar para sobreviver, pelo contrário, ele é muito mais amplo. As pessoas verdadeiramente vítimas da opressão socioeconômica, sem acesso às condições mínimas de sobrevivência digna, têm restringidas suas liberdades e demais direitos análogos. A teoria do desenvolvimento como liberdade elaborada por Sen (2010) é alvo de algumas críticas, principalmente no que diz respeito a uma suposta abstração de sua obra. Alguns críticos alegam que Sen (2010) não fez nada mais que outros filósofos já fizeram, ou seja, elaborou uma teoria, todavia, sem identificar os meios para alcançar sua aplicabilidade. Em verdade, a teoria seniana é de grande utilidade prática. A premissa de que um Estado se desenvolve quando enfrenta a pobreza, oferecendo à população condições para o exercício de suas capacidades, realmente, influencia no exercício das liberdades humanas. As pessoas que não têm acesso à educação de qualidade, moradia, alimento e saúde, têm suas capacidades restringidas. Estas pessoas ficam presas a uma realidade em que o único objetivo possível de se alcançar é sobreviver. A título de exemplo, uma pessoa que não sabe ler não exercerá com excelência sua liberdade política de escolher seus representantes. Um doente sem acesso à serviços de saúde de qualidade não exercerá sua liberdade de buscar ser o que valoriza, e em

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muitos casos, sequer exercerá sua liberdade de ir e vir. Conclui-se que, sob a perspectiva seniana de pobreza como privação das capacidades, o ser humano que não usufrui do mínimo existencial tem suas capacidades restringidas e, por conseguinte, a impossibilidade do exercício das liberdades reais e direitos correlatos. Em outras palavras, o mínimo existencial poder ser visto como um pressuposto ao exercício das liberdades humanas latu senso. Palavras chave: Mínimo Existencial; Liberdades; Teoria do Desenvolvimento como Liberdade. Referências SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Perspectiva alemã acerca das pesquisas envolvendo DNA Humano: liberdade de pesquisa, direitos da personalidade e direitos patrimoniais

Vítor Carvalho Miranda

Mestre em direito alemão pela Universidade de Passau (Universität Passau), Alemanha.

Os caminhos enveredados pela pesquisa frequentemente trazem questões jurídicas inéditas, lançando novas luzes sobre conhecidos institutos. Atualmente, alguns dos mais interessantes questionamentos vêm sendo trazidos pelas pesquisas acerca do genoma humano. Per se, a possibilidade de pesquisar e decodificar o DNA já levanta vozes contrárias: umas, baseadas na princípio da precaução, temem as possíveis consequências adversas; outras, em razão de influências mormente religiosas, objetam tais pesquisas pois se estaria brincando de Deus. Em meio a essa polêmica, a União Europeia promulgou Diretiva 98/44/CE, um instrumento cujo objetivo é harmonizar a legislação intra-bloco, fornecendo linhas gerais que devem ser seguidas pelas leis internas dos países membros. Esta especificamente obriga os países membros a adequar suas normas para que permitam patentes de genes ou sequências genéticas humanos, dentre outras invenções biotecnológicas. No processo C-377/98 R, do Reino dos Países Baixos vs. Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia, relativo à Diretiva, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que a patenteabilidade do material genético humano, atendidos os requisitos da Diretiva, tais como novidade e aplicabilidade industrial, não violaria a dignidade humana, até mesmo porque a própria Diretiva conteria dispositivos aptos a resguardá-la. No ordenamento jurídico alemão, a parte da Diretiva atinente às patentes genéticas humanas tornou-se o § 1a II da Patentgesetz, cuja redação é idêntica à do art. 5º II da Diretiva 98/44/CE.

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Dessa forma, alguns dos envolvidos passaram a ter boa parte de seus interesses expressamente resguardados pelo ordenamento jurídico, pois se possibilita que o fruto das pesquisas possa ser protegidos pelas patentes, o que, contudo, traz consigo indagações além da liberdade de pesquisa e da proteção das descobertas. O Human Genome Organization, iniciativa plurinacional para a pesquisa genética, entende que o tipo de pesquisa mais promissor é aquele que, ao invés de investigar aleatoriamente a população em geral, com grande variabilidade genética e menores chances de descobertas, privilegia famílias com doenças genéticas extremamente raras, haja vista que as descobertas realizadas, neste grupo, beneficiariam grupos maiores com doenças mais comuns. Além disso, salienta-se que, como no tipo de pesquisa mais promissor o grupo de pessoas é menor e as características relevantes mais facilmente delineáveis, há grande probabilidade de alguma característica inerente à personalidade de pessoas determináveis serem objeto de patente. O caso John Moore v. The Regents of the University of California et al. (271 Cal. Rptr. 146, 793 P. 2d 476 [1990]) é paradigmático em pesquisa com substâncias humanas. O autor buscou o hospital da Universidade da Califórnia para tratar de uma leucemia. Neste tratamento teve seu baço extirpado e, sem seu conhecimento ou sua autorização, foi pesquisado, a qual culminou em uma linhagem celular patenteada, cujos direitos pertencem à Universidade e à empresas farmacêuticas cofinanciadoras das pesquisas com o material biológico de Moore e sã responsáveis pela fabricação e comercialização dos insumos delas resultantes. A pretensão indenizatória não foi objeto de decisão judicial em razão de acordo extrajudicial. A linhagem celular ainda é comercializada e possui valor estimado de US$ 3 bilhões. Na Alemanha, em regra, a cessão de material biológico humano deve ser feita gratuitamente, v.g. sangue para fins de transfusão (§ 1 da Transplantationsgesetz). Essa, contudo, não é uma regra absoluta. Assim, quando a cessão ocorrer para pesquisa científica ou não objetive transplantes ou fabricação de medicamentos, é possível que haja

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alienação onerosa desse tipo de material, no que enxergamos possíveis reflexos patrimoniais de direitos da personalidade. A jurisprudência alemã, desde o caso Zeppelin, decidido pelo Reichsgericht (RGZ 74, 308, de 1903) admite reflexos patrimoniais dos direitos da personalidade. Isso foi reafirmado no caso Marlene Dietrich pelo Bundesgerichtshof (BGHZ 143, 214), no qual, inovando, concluiu-se pela transmissibilidade desses reflexos por meio do direito sucessório. Em 1982, no caso “Wilhelm S. GmbH” (BGH II ZR 51/82), ao discutir a possibilidade de a massa falida alienar a firma empresarial, independente de outros bens e valores da empresa, o Bundesgerichtshof,foi além e entendeu que um direito da personalidade especial pode se tornar autônomo em relação ao indivíduo e ser alienado, mesmo contra a vontade da pessoa que o originou. Ante à exposição das soluções jurídicas encontradas alhures e da constatação de lacunas presentes também lá, pode-se identificar a necessidade de melhoria existente em nosso ordenamento no regramento das liberdades aqui aventadas (liberdade de pesquisa, autonomia privada, direitos de propriedade e personalidade), para que seu exercício não seja sobremaneira dificultado ante a imposição de enorme ônus argumentativo para fazer valer seus direitos fundamentais, como, por exemplo, ao ter que se lançar mão de mecanismos subsidiários como as ações que visam a sanar as omissões legislativas ou se fazer valer da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Reflexões sobre a liberdade religiosa e o discurso de ódio no Estado Democrático de Direito Natália Torquete Moura

Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professora do Centro Universitário UniBH. Consultora Técnico-legislativa na Secretaria de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais de Minas Gerais (SECCRI). Brasil. E-mail: [email protected]

A liberdade de expressão, um dos direitos fundamentais elencados no rol dos direitos e das garantias do art. 5º da Constituição da República de 1988, extraída dos enunciados normativos dos incisos IV e IX que, respectivamente, referem-se à liberdade de manifestação do pensamento, e à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, desdobra-se em outros direitos fundamentais, como a liberdade de participação política, a liberdade de aprender e ensinar, a liberdade de criação e divulgação da obra artística, entre outras, conjunto que se pode denominar de normas da liberdade de expressão. No presente trabalho, faz-se um recorte dentro desse objeto mais amplo das normas da liberdade de expressão e opta-se por tratar, especificamente, da norma da liberdade religiosa com o propósito de evidenciar, de forma analítica, quais os interesses e razões que apontam os limites do exercício dessa liberdade. Há que saber o que fazer relativamente às condutas expressivas que visam defender e promover a desigualdade social ou entre grupos de pessoas, nas suas diversas manifestações (étnicas, raciais, sexuais, etc.). A liberdade religiosa não pode contribuir para discriminar e subalternizar minorias étnicas, mulheres e homossexuais, acentuando a posição de subordinação desses seguimentos, questão que diz respeito ao discurso de ódio (hate speech). A opção pelo estudo do direito à liberdade de religiosa justifica-se, primeiro, pela atualidade da questão, já que no Brasil, são recen-

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tes e frequentes os embates públicos que no uso do direito à liberdade religiosa, incitam ou defendem o combate à determinada minoria, com fundamento no exercício da liberdade de expressão religiosa. Exemplo disso foi o discurso usado pelo candidato à presidência, Levy Fidélix, em dois debates transmitidos pelos principais canais de TV aberta do país onde, deliberadamente, o candidato propôs à sociedade cristã uma atitude de combate à minoria homossexual. Em segundo lugar, a opção justifica-se pelo fato deste ser um direito fundamental emblemático no que diz respeito à questão da oposição potencial entre Estado de Direito (direitos fundamentais) e princípio democrático. Basta pensar em uma maioria no poder, pressupondo-se que tal poder teve origem e legitimação democráticas, em que o governo ou a própria maioria parlamentar utilizem meios para ameaçar a liberdade religiosa, ou, por outro lado, considerando que a liberdade de expressão nas sociedades atuais pertence aos poderosos, imagine que esse mesmo governo ou maioria parlamentar conceda a possibilidade de utilizar as palavras para construir, com total impunidade uma realidade de desigualdade e subordinação de determinados grupos, ou seja, permita o uso do discurso de ódio. Nessa perspectiva, o trabalho versará, de forma breve, as principais doutrinas relevantes para o tema, identificando alguns dos principais conflitos normativos que podem decorrer da relação entre a norma da liberdade religiosa, o princípio democrático e o princípio do Estado de Direito. Palavras-chave: Discurso de ódio. Liberdade de expressão. Liberdade religiosa. Princípio democrático. Estado de Direito.

Laicidade, estereótipos e o “outro”: uma conversa com Jean Baubérot sobre o caso francês Maria Fernanda Salcedo Repolês

Professora Adjunta dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-Doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com bolsa Cnpq.

Francisco de Castilho Prates

Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista do Capes/DS.

A comunicação pretende abordar, a partir de teses desenvolvidas pelo pensador Jean Baubérot, algumas questões que versam sobre a relação entre liberdade religiosa e laicidade no cenário francês após a edição, nos anos de 2004 e 2010, de legislações que vedam o uso de símbolos religiosos taxados como ostensivos nas escolas e espaços públicos, as quais receberam a denominação de “Leis do Véu”, já que atingiriam, principalmente, os véus islâmicos que cobrem todo ou quase todo o rosto das mulheres mulçumanas. Estas leis foram justificadas pela necessidade de se defender a dimensão republicana do laico, a igualdade de gênero e a redução das tensões sociais de base religiosas existentes, como que afirmando que “se ninguém expuser publicamente sua orientação religiosa, ao menos ostensivamente, os conflitos serão reduzidos”, isto é, as legislações francesas restringiriam condutas religiosas no espaço público, procurando enviá-las e mantê-las no privado. Todavia, para o citado Jean Baubérot, haveria, subjacente a estas normatividades, uma instrumentalização política do sentido do laico, uma verdadeira “falsificação”, convergindo com o crescente fenômeno, observado não apenas na França, de aversão ao estrangeiro, ao diferente, aversão esta que, principalmente após os atentados de 11 de setembro em Nova York, Estados Unidos, recebeu uma face mulçumana, isto é, como escreve Baubérot, “o Islã torna-se a repre-

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sentação da imigração perigosa”. Com efeito, como salientou uma vez o ex-Presidente Nicolas Sarkozy, a laicidade, na França, não pode se desvincular da identidade francesa de raízes cristãs (“racines chrétiennes”), identidade esta que exigiria uma certa adaptação ou acomodação da fé islâmica no interior da sociedade francesa. Esta estratégia de se traduzir a laicidade a partir do confronto com o pluralismo religioso pode estar ocultando, nas entrelinhas, um discurso anti-imigração, bastando ressaltar o fato de que, na atualidade, uma das maiores defensoras do estado laico é a líder do partido da extrema direita Frente Nacional, Marine Le Pen, conhecida por suas posições radicalmente contra os imigrantes, o que conduziu Jean Baubérot a ironizar, afirmando que a mesma parlamentar era “la championne de la laïcité dominante”. A título ilustrativo, devemos lembrar que, entre tantos outros momentos, a referida Marine Le Pen comparou os religiosos mulçumanos existentes nas ruas francesas (“prières de rue”) a uma verdadeira ocupação do território da França, como a ocorrida durante a Segunda Grande Guerra, só que sem tanques ou soldados. Diante de interpretações instrumentalizadas e “fechadas” da laicidade, não estaria havendo como que uma “subordinação” ou “predomínio” da noção de identidade nacional enquanto unidade, em relação a identidade constitucional e a sua dimensão pluralista? A exigência de laicidade não estaria sendo posta, primeira e principalmente, aos cidadãos e não ao Estado francês, colocando em xeque a própria noção de liberdade de consciência? Como anota Baubérot, esta laicidade, que chamaríamos de identitária e cultural, não estaria atrofiando as liberdades individuais e denegando a própria separação entre o poder do Estado e o poder religioso? Com efeito, diferentes orientações e identidades religiosas podem, com justificativa da defesa da laicidade, serem enviadas apenas ao privado? Em suma, estaríamos ou não diante de um contexto em que as restrições aos direitos fundamentais soariam, em realidade, como condição de possibilidade da democracia constitucional, não sendo exclusivamente direcionadas a “certos” movimentos religiosos, mas sim a todos aqueles “fundamentalismos”, incluindo os “nacionalismos

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secularistas”, não sendo estratégicas responsivas e/ou midiáticas? Isto é, pode-se, dentro de uma democracia constitucional de base plural, vedar-se a exposição pública de símbolos e condutas religiosas, como o véu islâmico, tendo como fundamento de legitimação a defesa da laicidade e como justificativa o interesse público de diminuir tensões sociais e preservar a autonomia e liberdade das mulheres? Apropriando-nos de um pensamento desenvolvido por Newton Bignotto ao refletir sobre as tensões entre tolerância e diferença, também indagaremos se não estaria ocorrendo como que um processo de “nomear o outro e mesmo persegui-lo”, onde esta ação de constituir a diferença não estaria, nas entrelinhas, pretendendo “criar a identidade do corpo político pela sua negatividade” (BIGNOTTO, 2004: 68). O que buscaremos é tentar iluminar o que subjaz nas sombras de leis como as francesas, isto é, o potencial emprego estratégico da defesa da laicidade, de direitos, como forma de subordinar, além de uma enorme pretensão normativa de se procurar configurar e controlar a construção das identidades pessoais, da vida, através de “leis”, desconhecendo a dimensão do risco, de produzir-se o que se busca combater: o reforço de identidades religiosas de postura fundamentalista. Observe-se que o pano de fundo de nossas indagações e assertivas é o constitucionalismo e suas exigências modernas de liberdade, igualdade e diferença, de pluralismo constitutivo, onde a identidade constitucional reflete uma abertura e uma incompletude normativa em relação aos direitos fundamentais, os quais exigem, de modo crescente, maior problematização diante de disposições restritivas. Palavras-Chave: Laicidade, Instrumentalização, Exclusão, Democracia Constitucional.

O direito ao esquecimento (right to oblivion) Leonardo Netto Parentoni

Currículo Lattes completo: http://lattes.cnpq.br/3612200644224606

Como afirmado num dos mais tradicionais escritos sobre o tema, do século XIX, as questões afetas à privacidade são tão antigas quanto a própria humanidade (WARREN; BRANDEIS, 1890, p. 193). A despeito disto, é preciso, de tempos em tempos, enfrentar novos desafios e repensar o alcance desse direito. Já naquela época, preocupava-se a doutrina norte-americana com uma faceta da privacidade conhecida como o “direito de ser deixado em paz” (right to be let alone), a qual carecia de tratamento específico, tanto na legislação quanto na jurisprudência. Na época, as ameaças a esse direito provinham, principalmente, de algumas recentes invenções mecânicas, como a máquina fotográfica instantânea, ou da mudança de hábitos sociais, que propiciaram a proliferação dos jornais sensacionalistas (yellow journalism). Vem dessa época a célebre frase de Warren e Brandeis segundo a qual: “o que é sussurrado no closet pode vir a ser proclamado, em alta voz, a partir do telhado” (Ibid., p. 194). Ou seja, há mais de um século os citados autores advertiram que as modificações sociais e o advento de novas tecnologias estavam expondo aspectos da vida privada, contra a vontade das pessoas, muitas vezes com o intuito comercial de lucro. Se, por um lado, a preocupação com o tema não é nova; por outro, o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, principalmente com a invenção dos computadores pessoais e da internet, trouxe uma miríade de problemas e questionamentos referentes à privacidade, anteriormente inimagináveis (SOLOVE, 2008, p. 04). A internet relativizou distâncias, permitindo a comunicação praticamente instantânea entre partes opostas do mundo, com som e imagens de alta definição. E, juntamente com os benefícios, o progresso tecnológico trouxe também novos riscos.

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Adaptando a clássica frase de Warren e Brandeis a esta nova realidade, pode-se afirmar que, atualmente: o que é sussurrado no closet pode vir a ser reproduzido não apenas no telhado e para poucas pessoas, mas em qualquer canto do mundo, para um número indeterminado de pessoas, a um custo geralmente muito baixo. E mais, pode continuar sendo reproduzido indefinidamente, enquanto houver alguém interessado em acessar esse conteúdo, mesmo contra a vontade dos sujeitos envolvidos. Em razão de suas próprias características estruturais, a internet reacendeu as discussões a respeito da privacidade. De um lado, há quem sustente que cabe ao indivíduo, em última análise e por sua única vontade, decidir se deseja ou não tornar públicos aspectos de sua vida privada. Quem assim pensa admite um direito fundamental da pessoa em retirar da internet informações a seu respeito. Alguns até consideram esta faculdade como parte dos direitos humanos. Em sentido oposto, há quem faça uma ponderação entre a pretensão individual ao esquecimento e o interesse coletivo de certas informações, de maneira a justificar a publicação e preservação destas últimas, mesmo contra a vontade dos envolvidos. Este trabalho insere-se no citado debate, realizando uma ponderação de valores entre memória e esquecimento, à luz do tratamento de dados pessoais. Não tem por objetivo limitar-se a comentar o texto da recente proposta de Regulamento Comunitário Europeu, mas sim contextualizar juridicamente o direito ao esquecimento de forma ampla, enfocando seus antecedentes judiciais e normativos, bem como traçar-lhe a natureza jurídica, objeto, legitimidade ativa e passiva, prazo para exercício, limites e barreiras tecnológicas à sua plena efetivação. Referências: SOLOVE, Daniel. Understanding Privacy. Cambrige: Harvard University Press, 2008. WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review. Cambridge: Harvard University Press. v. IV, n. 05, p. 193-217, Dec. 1890.

O chumbo e o discurso: Jeremy Waldron e Ronald Dworkin sobre liberdade de expressão Leonardo Gomes Penteado Rosa

Bacharel e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor assistente de Teoria do Direito na Universidade Federal de Lavras. País: Brasil. Contato: [email protected] ou [email protected].

Em livro recente, Jeremy Waldron produziu – entre outros – um argumento interessante sobre o modo pelo qual a liberdade de expressão é compreendida2. Waldron convida o seu leitor a considerar as consequências de se pensar a regulamentação do meio-ambiente como alguns pensam a regulamentação do discurso, a saber, de modo a que se exija à limitação do discurso de ódio, por exemplo, que se mostre que há uma “causation” específica entre o discurso de alguém e o efetivo dano a outrem (“clear and present danger”)3. Se assim for, argumenta Waldron, seria o caso de que dele – como um motorista – não se demande o uso de filtros que diminuam a poluição causada por seu carro “a não ser que alguém possa mostrar que o meu carro causa poluição por chumbo em detrimento direto e dano iminente à saúde de indivíduos identificáveis”4. A sugestão é absurda e Waldron, é claro, quer com seu exemplo sugerir que devemos deixar de pensar a liberdade de expressão como por vezes fazemos em direção a esquema outro: por exemplo, o que usamos para proteger o meio-ambiente5. Neste trabalho, minha ideia é criticar o exemplo (ou analogia, como diz Waldron) e o argumento construído em torno dele. Embora interessante a comparação, a cogência do argumento é colocada em questão por uma série de indagações que se podem fazer. Em especial, pelo menos tanto quanto parece haver uma “analogia” entre os danos provocados pela poluição proveniente de carros e os danos provocados por certos tipos de discurso, há importante “desanalogia” entre o suposto direito do motorista de trafegar sem filtro e o do emissor do discurso de falar o que bem entender. Podemos tratar a liberdade de

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expressão como tratamos a liberdade – qualquer que seja, e que talvez nem exista – que justifique trafegar sem filtro no escapamento? Meu objetivo é bastante restrito: pretendo enfrentar este ponto e talvez outros acerca do argumento de Waldron exposto acima. Apesar disso, acredito que seja possível chegar a considerações mais gerais acerca do tipo de considerações que se podem formular a favor de restrição da liberdade de expressão. Em especial, acredito que diversos aspectos da teoria dos direitos de Ronald Dworkin explicam e dão corpo à intuição de que o exemplo de Waldron tem desanalogia relevante com a liberdade de expressão. Em poucas palavras, Dworkin rejeita a existência de um direito geral à liberdade6: para ele, o que há são direitos a liberdades específicas7, o que, se de um lado gera ônus de defesa individualizada destas liberdades8, de outro permite atenção ao fundamento de cada um delas – no caso da liberdade de expressão, uma exigência da justiça integrada a uma concepção de bem viver (em Dworkin, uma concepção de dignidade)9. Assim, para Dworkin cada direito precisa ser justificado; disso decorrem pelo menos duas coisas: 1) nem tudo é direito – não há, por exemplo, direito de andar em ambas as mãos numa via pública10 e 2) os direitos que existem são fortes, isto é, não se submetem a especulação sobre as más consequências de certas hipóteses de seu exercício11 e não se submetem ao jogo de interesses ordinário da política12 (aqui se insere a distinção dworkiniana entre princípios e políticas: quando não há direito, a questão se resolve por julgamento sobre a política preponderante, mas, quando há, juízo deste tipo é injusto13). Estas reflexões de Dworkin esclarecem a desanalogia que escapa a Waldron: as consequências ruins do discurso de ódio não justificam a sua violação da mesma forma que as consequências da poluição por chumbo justificam a exigência de filtro porque liberdade de expressão é um direito forte enquanto trafegar sem filtros é faculdade que pode ser restrita sem perigo de atentar à dignidade do motorista. Daí não ser de mesmo tipo a justificação de restrição aceitável da liberdade de expressão e a justificação de restrição aceitável da faculdade de trafegar com carro mais poluente; daí não se poder tratar uma coisa

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como se trata a outra. Por óbvio, isso não significa que nenhum tipo de discurso possa ser regulado ou proibido: significa apenar que não se pode tratar o discurso como se trata o chumbo. Notas Este resumo decorre da minha pesquisa de mestrado, que culminou em dissertação intitulada “O liberalismo igualitário de Ronald Dworkin: o caso da liberdade de expressão”, defendida na Faculdade de Direito da USP em 10.02.2014 em banca composta pelo orientador, prof. Ronaldo Porto Macedo Júnior, e pelos professores Rafael Mafei Rabelo Queiroz e Júlio César Casarin Barroso Silva, a quem agradeço pela presença na banca e pelas sugestões feitas; agradeço também aos professores Samuel Rodrigues Barbosa e José Reinaldo de Lima Lopes pela presença e sugestões feitas na banca de qualificação (e fora dela). A minha pesquisa de mestrado foi financiada pela FAPESP, processo 2011/15618-4, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Reconheço e agradeço o financiamento da Fundação. “As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP”. Pelo apoio, conversas, sugestões, revisões etc. agradeço à Renata do Vale Elias, à Luciana Silva Reis, ao Yuri Corrêa da Luz, ao Pablo Antônio Lago, ao Artur Péricles e ao Rodrigo Belda. Agradeço em especial ao prof. Ronaldo Porto Macedo Jr. pela orientação e aos participantes dos grupos de estudo que o professor tem realizado nos últimos anos na Faculdade de Direito da USP. Reprodução completa dos agradecimentos da dissertação é inviável pelo espaço que ocupam, mas fico à disposição por e-mail. 2 Jeremy Waldron, The Harm in Hate Speech. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 2012. 3 Waldron, The Harm in Hate Speech, op. cit., pp. 96-7. 4 Waldron, The Harm in Hate Speech, op. cit., p. 97, traduzi, itálicos de Waldron (no original, “unless someone can show that my automobile causes lead poisoning with direct detriment and imminent harm to the health of assignable individuals”, p. 97, itálicos no original). 5 Nas palavras do autor, um esquema que trabalhe com a ideia de que “(...) the tiny impacts of millions of actions—each apparently inconsiderable in itself—can produce a large-scale toxic effect that, even at the mass level, operates insidiously as a sort of slow-acting poison, and that regulations have to be aimed at individual actions with that scale and that pace of causation in mind”, Waldron, The Harm in Hate Speech, op. cit., p. 97. 1

Liberdades democráticas e suas restrições • 173 Ronald Dworkin. “Que direitos temos?” in Levando os Direitos a Sério. Tradução Nelson Boeira. Revisão da tradução Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2001; no original, Ronald Dworkin. “What Rights Do We Have?” in Taking Rights Seriously. London: Gerald Duckworth & Co. Ltd, 2005 (terceira impressão), publicado inicialmente em 1977. 7 Ronald Dworkin. “O lugar da liberdade” in A virtude soberana: teoria e prática da igualdade. Tradução Jussara Simões; revisão técnica e da tradução Cícero Araújo e Luiz Moreira. São Paulo: Martins Fontes, 2005; no original, Ronald Dworkin. “The Place of Liberty” in Sovereign Virtue: The Theory and Practice of Equality, Cambridge/London: Harvard University Press, 2001 (terceira impressão). 8 Veja nota acima e também Ronald Dworkin “Levando os Direitos a Sério” in Levando os direitos a sério, op. cit.; para o original, veja “Taking Rights Seriously” in Taking Rights Seriously, op. cit.. 9 Ronald Dworkin. Justiça para Ouriços. Tradução Pedro Elói Duarte, Revisão Joana Portela, Coimbra: Almedina, 2012, caps. 9 e 17; no original, Ronald Dworkin. Justice for Hedgehogs, London/Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2011, caps. 9 e 17. Veja ainda Ronald Dworkin, “Por que a liberdade de expressão?” in O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Tradução Marcelo Brandão Cipolla, revisão técnica Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Martins Fontes, 2006; no original, Ronald Dworkin, “Why Must Speech be Free?” in Freedom’s law: the moral reading of the American Constitution. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1996. 10 Ronald Dworkin “Levando os Direitos a Sério” in Levando os direitos a sério, op. cit., p. 293; para o original, veja “Taking Rights Seriously” in Taking Rights Seriously, op. cit., pp. 191. 11 Ronald Dworkin, “Levando os Direitos a Sério”, op. cit., esp. pp. 289-90, 310; no original, veja “Taking Rights Seriously”, op. cit., esp. p. 188, 202. 12 Ronald Dworkin, “Devaluing Liberty”. Index on Censorship, 1988, 17: 7. 13 Ronald Dworkin “Casos difíceis” em Levando os direitos a sério, op. cit., pp. 141 e ss.; no original, Ronald Dwrokin “Hard Cases” in Taking Rights Seriously, op. cit., pp. 90 e ss.. Veja ainda Ronald Dworkin, “Temos direito à pornografia?”, “O caso Farber: repórteres e informantes” e “A imprensa está perdendo a Primeira Emenda?”, os três em Uma questão de princípio. 2ª Ed. Tradução Luís Carlos Borges. Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2005; para o original, Ronald Dworkin, “Do We Have a Right to Pornography?”, “The Farber Case: Reporters and Informers” e “Is the Press Losing the First Amendment?”, os três em A Matter of Principle. London/Cambridge(Massachusetts): Harvard University Press, 1985. Veja ainda Ronald Dworkin, “Devaluing Liberty”, op. cit. 6

Liberdade de expressão e democracia: pluralismo e justiça nas sociedades contemporâneas

Marina França Santos

Doutoranda – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Brasil – [email protected].

Estados Unidos e Brasil. Em comum, duas democracias em construção, fundadas, dentre os seus mais basilares princípios, na garantia da liberdade. Em ambas as histórias contemporâneas, um coincidente debate público em que se reivindica, justamente, a melhor concepção acerca destes idênticos valores: a democracia e a liberdade de expressão. Mais especificamente, disputa-se a compatibilidade ou não do regime democrático com a restrição, pelo Estado, da utilização desses bens escassos e cruciais à liberdade de expressão que são as vias públicas de comunicação. O presente trabalho nasce a partir dos debates promovidos sobre o controle da propaganda eleitoral, por ocasião do julgamento pela Suprema Corte dos EUA do caso Citizens United vs Federal Election Comission, e sobre o controle da mídia, em função das iniciativas de produção de um marco regulatório brasileiro da comunicação, ambos responsáveis por trazer à tona posições contrastantes sobre a relevante questão da legitimidade da imposição de limites à liberdade de expressão nas sociedades democráticas contemporâneas. No caso norteamericano, o Judiciário analisou a pretensão da organização “Cidadãos Unidos”, obstada, pela Comissão Eleitoral Federal do Distrito de Columbia, de divulgar o filme Hillary. The Movie, produção destinada à crítica de uma das principais candidatas nas prévias do Partido Democrata na eleição presidencial norte-americana de 2008, a então senadora Hillary Clinton. No Brasil, a discussão do marco regulatório da comunicação e do controle social da mídia passou pelos três poderes da federação: no Congresso Nacional, com a análise de dois Projetos de Lei (Projeto nº 6.817, de 2002, e 3.985, de 2004) que pretendiam criar, respecti-

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vamente, a Ordem dos Jornalistas do Brasil e o Conselho Federal de Jornalismo, no Governo Federal, com o lançamento de proposta de regulação no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos e no Supremo Tribunal Federal, em razão do julgamento da ADPF 130, em que se questionava a recepção da Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) pela Constituição da República de 1988. A análise dos argumentos utilizados nas discussões públicas ocorridas nos dois países permite observar que, em ambos os casos, os lados opostos em disputa, conquanto estivessem na defesa de políticas distintas, justificaram suas posições na proteção dos mesmos valores, a liberdade de expressão e a democracia, atribuindo-lhes, entretanto, condições e consequências jurídicas completamente distintas. Pretende-se demonstrar que tal divergência se deve à persistência de dois problemas teóricos, a existência de um forte hiato entre a concepção de liberdade de expressão defendida pela concepção hegemônica e o aprofundamento do caráter democrático das sociedades contemporâneas e, ao mesmo tempo, a persistência de uma dicotomia injustificável nos discursos sobre liberdade. A questão que se propõe enfrentar, portanto, sintetiza-se na indagação de qual a concepção de liberdade de expressão mais adequada às sociedades democráticas contemporâneas. Para tanto, será proposta uma análise de caráter político-normativo que se vale da contribuição da teoria da justiça, por meio das concepções de liberdade contidas nos estudos de John Rawls, Michael Walzer e Ronald Dworkin, filósofos políticos contemporâneos comprometidos com um projeto de identidade entre ética e política. Defende-se, finalmente, uma concepção de liberdade de expressão fundada na igualdade, com o sustentáculo irrecusável do pluralismo democrático contemporâneo.

A liberdade de expressão e o público infanto-juvenil Thaís Fernanda Tenórico Sêco

Mestre em direito civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Graduada em direito na Universidade Federal de Juiz de Fora. Professora de pósgraduação lato sensu em direito civil na PUC-Minas, Juiz de Fora. País: Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

É comum que a proteção ao público infanto-juvenil contra informações abusivas opere pela exclusão do conteúdo de esferas de seu acesso como escolas ou determinados horários de espetáculos públicos e programação de TV. Preservado o direito do público adulto de acessar qualquer conteúdo, tem-se por resguardada a liberdade de expressão. No entanto, essa não será uma solução satisfatória, ao menos com relação a conteúdos especialmente direcionados a crianças e adolescentes. Um caso ocorrido no Texas em 2010 pode ser revelador do pano de fundo ético-político que subjaz à questão. A obra ‘Brown bear, brown bear, what do you see?’, um inofensivo jogo de palavras com animais, cores, rimas e ritmo, foi excluída do programa de educação do estado pelo temor de que estivesse promovendo visões marxistas junto ao público infantil. Os temores partiram de uma confusão em torno do nome do autor, Bill Martin, que é homônimo de um professor de filosofia da Univerdade DePall em Chicago e autor de textos que criticam o capitalismo e o estilo de vida norte-americano. Em respeito à liberdade de expressão, as obras “marxistas” voltadas para o público adulto permaneceram intocadas, mas ‘Brown bear...’ foi retirada das escolas. Na verdade, os arranjos normativos do ordenamento, tanto quanto as estruturas administrativas criadas para o fim de proteger a criança e o adolescente permitem indagar se existe, afinal, alguma liberdade de expressão que se afirme em relação ao público infanto-juvenil. Por força do princípio do melhor interesse, toda norma jurídica assume feições peculiares diante da criança e do adolescente. Trata-se de um princípio de conteúdo aberto e assim deixado para ser preenchido diante de cada caso concreto. O esvaziamento do princípio o

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transforma em pretexto de justificação para a flexibilização de diversas normas jurídicas nas mais diversas circunstâncias, as quais serão especialmente pertinentes com relação a temáticas de índole moral. Em teoria, o princípio do melhor interesse indica uma circunstância especial em que o paternalismo se faz necessário. Mas, pela atribuição descomprometida de interesses à criança e ao adolescente em cada caso, conforme a visão subjetivista daquele a quem se reconheceu a competência para fazê-lo, esse paternalismo, na prática, se transforma em “perfeccionismo moral” e em um mecanismo manipulador do tipo de mentalidade que se pretende vigente na sociedade do futuro. Historicamente, o pensamento político em torno da criança e do adolescente tem apresentado problemas desde sua origem. Entendia-se no séc. XIX que uma criança filha de judeus preferiria uma educação cristã e, no séc. XX, que uma criança filha de mulher solteira preferiria ser adotada por uma “família estruturada”. O relativismo da moral convencional encontra na universalidade da moral pós-convencional um argumento e uma justificativa para fazer-se impor, mesmo em sociedades que buscam a promoção da pluralidade e da tolerância. Mas foi com o nazismo que se percebeu a partir do pensamento evolucionista o potencial de transformação social contido nas gerações mais jovens. Elevou-se, então, a atenção política sobre a criança e o adolescente projetando sobre si “interesses coletivos” postos acima de seus interesses pessoais. Não por acaso, Hitler expressamente mandou queimar os exemplares do clássico ‘Ferdinando, el toro’, por conter mensagem pacifista e valorizar a individualidade – a semelhança com o caso de ‘Brown bear...’ não deve ser desprezada. Identifica-se uma fenda aberta no sistema de direitos pela qual podem diversas violações podem buscar justificativas de difícil desconstrução. Podem ser citados diversos termos contidos no Projeto de Lei 5.921/2001, que visa regular a publicidade infantil, dentre os quais uma emenda que estabelece, para a “proteção da criança” que somente famílias formadas por homem e mulher podem ser representadas em anúncios publicitários.

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Para que a eleição dos conteúdos adequados ao público infanto-juvenil perca a conotação de “ato discricionário” que tem implicitamente assumido, e para que se faça viável um controle judicial e constitucional da questão e para que se faça possível um controle dos sentidos que têm sido atribuídos ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é preciso resgatá-lo do abstracionismo perigoso em que tem sido mantido por meio do estudo das conotações que assume mediante hipóteses concretas. O trabalho proposto visa contribuir com um esforço amplo de decodificação do sentido jurídico-político de proteção à criança e ao adolescente, preservando a fluidez social que a permeia. A diversidade de dados nesta seara pode traduzir entendimentos importantes e necessários à construção de uma sociedade verdadeiramente tolerante e plural.

Legitimidade do controle de constitucionalidade no marco da separação funcional entre direito e política: a jurisdição constitucional pode estar aberta à decisão com base em razões pragmáticas?

André Freire Azevedo

Aluno do curso de mestrado em Direito Constitucional no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira. Pesquisador bolsista da CAPES-REUNI. Estagiário docente nos cursos de graduação em Direito e Ciências do Estado da UFMG. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2013. Advogado. Contato: [email protected].

Em brilhante obra recentemente lançada (Constitutional Courts and Deliberative Democracy), Conrado Hübner Mendes elabora a tese de que as cortes constitucionais podem e devem ser “deliberadores especiais”, no sentido de que podem e devem desenvolver qualidades deliberativas sem as quais as democracias constitucionais restam empobrecidas. Partindo do pressuposto de que essa qualidade não pode ser a elas presumidamente atribuída, o livro apresenta uma substantiva contribuição para o delineamento de um quadro conceitual sobre as variáveis envolvidas na análise do desempenho deliberativo das cortes constitucionais, tema ainda pouco explorado. Para o autor, na prática não é possível verificar uma efetiva divisão, em termos funcionais, entre a atividade de cortes constitucionais no controle concentrado de constitucionalidade e a atividade legiferante do parlamento. A atividade jurisdicional, nesse caso, não se encaixaria em noções rígidas de legislação ou adjudicação, mas teria natureza mais próxima da de um teste exógeno com atributos legislativos, distinto da atividade do parlamento apenas em termos estruturais e temporais, mas não em termos funcionais. A questão sobre se há uma justificação normativa ou não para essa atividade

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“legislativa” das cortes é então, diante dessa indistinção funcional, endereçada por meio da ideia de desempenho deliberativo como medida de legitimidade. Essa concepção seria argumentativamente mais ambiciosa do que a de cortes entendidas, por exemplo, como “tutoras da deliberação política” (como em Habermas) ou como “fóruns de princípio” (como em Dworkin). O modelo proposto é “pragmático ainda que principiológico” uma vez que, a despeito das constrições impostas pela linguagem jurídica – única que pode ser adequadamente empregada nesse fórum deliberativo específico – caberia à corte se basear em alguma medida “em seus instintos” para medir suas habilidades de manter as circunstâncias políticas sob controle, em um espaço aberto para considerações pragmáticas e consequencialistas. O presente trabalho, reconhecendo a importância da obra citada, tomou a questão específica da abertura do modelo proposto à possibilidade de decisão, por parte de cortes constitucionais, com base em argumentos pragmáticos, como uma provocação para a realização de um estudo sobre essa questão específica. A jurisdição constitucional deve estar aberta à decisão com base em razões pragmáticas? Dessa forma, o trabalho busca demonstrar que os modelos teóricos propostos por Habermas e Dworkin estão baseados numa fundamentação normativa para a legitimidade democrática do controle de constitucionalidade que finca raízes na distinção entre direito e política (entre argumentos de princípio e argumentos de política, num autor como Dworkin; e entre justificação e aplicação normativa, para Habermas, com Günther). Nesses modelos, as cortes constitucionais não aparecem como instituições cuja atuação é tautologicamente legitimada pela sua mera existência fática na vida social, mas instituições com imperativos funcionais próprios, cuja legitimação concreta se vincula à imposição de constrangimentos epistemológicos específicos aos seus membros, justamente para que o controle de constitucionalidade não se confunda com o exercício de um “poder constituinte permanente” ou mesmo de um poder legislativo ordinário. A discricionariedade do aplicador do direito (pressuposta, por exemplo, pelo positivismo de Kelsen e Hart) é, em Dworkin e Ha-

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bermas, um problema normativo quanto à própria legitimidade da atuação jurisdicional – em especial no controle de constitucionalidade. O Judiciário não deve criar, mas aplicar o Direito. Nesse contexto, o trabalho avança a tese de que se, por um lado – diante da proeminência que o controle concentrado de constitucionalidade no STF tem ganhado no Brasil e em uma sociedade aberta de intérpretes da constituição – a corte constitucional deve estar aberta, no controle concentrado de constitucionalidade, ao influxo de interpretações proveniente de uma esfera pública ampla, formal e informal, de forma que seu desempenho deliberativo é de fato um importante elemento de legitimação; por outro lado, a peculiar legitimidade democrática das decisões tomadas em controle de constitucionalidade – que se distingue da legitimação pelo “princípio majoritário” ou pelo processo político democrático – encontra fundamento normativo em uma separação funcional entre direito e política que pressupõe um caráter não pragmático dos discursos de aplicação das normas constitucionais, pois, com Habermas, “somente as instâncias que aplicam o direito legitimam-se pelo simples direito; isso, porém, impede que elas mesmas o normatizem”.

A separação dos poderes e a expansão da jurisdição constitucional: uma análise da mutação do artigo 52, X, CF/88 Adriano Souto Borges

Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Especialista em Direito Processual pela Universidade Estadual de Montes Claros. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros. Brasil. Endereço Eletrônico: [email protected].

No contexto da expansão pós-positivista da jurisdição constitucional no Brasil, o Supremo Tribunal Federal, antidemocraticamente, tem avocado a si a prerrogativa de interpretar a Constituição de 1988 contrariamente a seu texto, em prejuízo da separação dos poderes (autonomia do Legislativo), na chamada tese da “mutação constitucional” - especificamente, no caso do artigo 52, X. Assim, em que pese o texto normativo da carta política dizer que “compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”, para os ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, o Senado teria apenas a função de dar “mera publicidade” às decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso de constitucionalidade. Ou seja, a constituição teria sofrido uma mudança em seu sentido, muito embora não houvesse alteração de seu texto, pelo que se denomina “mutação constitucional.”1 No entanto, nota-se, facilmente, que a defesa da mencionada tese não significa apenas a atribuição de um novo sentido possível ao texto original. É óbvio que o STF “pretendia retirar o alcance do texto da norma e, então, constituir outro inteiramente diverso”2, como se a corte constitucional fosse um verdadeiro “poder constituinte originário permanente”.3 Assim, pela referida tese, busca-se excluir um mecanismo constitucional de restrição ao próprio “judicial review”, de modo a ampliar as atribuições do STF no controle difuso (através da expansão da abrangência dos efeitos de suas decisões) e restringir significativamente a participação do Senado a um reles publicizador das decisões.

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Isso tudo demonstra uma feição excessivamente forte4 do “judicial review”, que não encontra limites de interpretação nem na própria constituição federal, já que, partindo das premissas defendidas na mutação, a constituição poderia vir a significar qualquer coisa que entenda a maioria dos ministros da corte judicial. Assim, espera-se demonstrar a arbitrariedade (imprevisibilidade, falta de razão e ilegitimidade política) do referido tipo de deliberação pela corte suprema que subverte a autonomia do Legislativo e o próprio mecanismo de freios e contrapesos, dificultando a concepção de diálogos institucionais. Em contrapartida, numa sociedade que discorda em questões morais, políticas, e, inclusive, jurídicas, pretende-se apresentar as vantagens da participação popular na construção do sentido e alteração da constituição, através da “regra da maioria” (do povo e, não, de juízes), sob a base filosófica do constitucionalismo político de autores como Jeremy Waldron. Para ele, “there is always a loss to democracy when a view about the conditions of democracy is imposed by a non-democratic institution, even when the view is correct and its imposition improves democracy.”5 Essa perda é muito maior, então, se a visão da corte é errada e sua imposição não melhora a Democracia, como é o caso da mutação defendida no artigo 52, X. Portanto, o aspecto de democraticidade impõe, no mínimo, limites hermenêuticos ao “judicial review”. Desse modo, como alertaram Thomas Bustamante e Evanilda Godoi sobre a referida mutação constitucional, “If this interpretation prevails, a constitutional mutation implicitly derogating a particular Constitutional provision will be explicitly recognized.”6 E se a uma corte judicial tiver poderes para derrogar normas originais da constituição, isso seria o suprassumo da arbitrariedade judicial e, nas palavras de Montesquieu, sobre a concentração de poderes, “tudo então estaria perdido” 7. Notas Gilmar Ferreira Mendes, “O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional,” Revista de informação legislativa, v. 41, n. 162, abr./jun. (2004): 164-165, acessado em 05 de outubro de 2014. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/953>.

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184 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política Cruz, Álvaro Ricardo de Souza; Meyer, Emilio Peluso Neder; Rodrigues, Eder Bomfim. Desafios Contemporâneos do Controle de Constitucionalidade no Brasil. (Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012), 117. 3 Streck, Lenio Luiz; Cattoni de Oliveira, Marcelo Andrade; Lima, Martonio Mont’ Alverne Barreto. “A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional.” Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1498, 8 ago. (2007). Acesso em 05 de outubro de 2014. Disponível em: . 4 “In a system of strong judicial review, courts have the authority to decline to apply a statute in a particular case (even though the statute on its own terms plainly applies in that case)” Jeremy Waldron, “The core of the case against judicial review,” The Yale Law Journal (2006): 1354. 5 Waldron, Jeremy. Law and Disagreement. (New York: Oxford University Press, 1999), 302. 6 Thomas Bustamante e Evanilda de Godoi Bustamante, “Constitutional Courts as ‘negative Legislators’: The Brazilian Case.” Colombia: Revista Jurídica Piélagus (2010), 151. 7 Montesquieu. Do Espírito das Leis. Tradução de Jean Mellville. (São Paulo: Martin Claret, 2007), 166. 2

Julgando pelas consequências: o pragmatismo cotidiano de Richard Posner e sua influência no processo de tomada de decisões judiciais

Mariah Brochado Ferreira

Pós Doutora em Filosofia pela Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg (Philosophisches Seminar), Alemanha (Bolsa Capes Estágio Sênior- 2012/2013). Doutora em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Especialização em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante

Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista CAPES. Mestre em Direito pela Universidad de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direito Social pelo Centro Universitário Newton Paiva. [email protected].

Uma análise da relação entre direito, justiça e eficiência é sempre muito controvertida. Essa análise torna-se ainda mais árdua dado o fato de vivermos em uma sociedade pluralista que apresenta diversas concepções de ‘bem’, de significados do que seja ‘viver bem’, e de fontes morais que determinam os padrões de comportamento humano. Nesse contexto, os juristas normalmente buscam na filosofia uma resposta (ou um caminho que leve a respostas) para suas questões mais angustiantes. É nesse cenário, pois, que muitos conceitos são distorcidos e muitas teorias são criadas no intuito de se buscar conciliar o justo e a eficiência, ou, ainda, de defender que ter um sistema jurídico eficiente seria o mesmo que ‘fazer justiça’, já que, conforme a célebre frase de Rui Barbosa: “justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”. Os entendimentos têm se diversificado, os tribunais têm divergido e, com isso, os processos judiciais tornam-se cada dia mais arrastados. No anseio de se fazer justiça, especialmente em um judiciário abarrotado, como o é o brasileiro, alguns excessos podem ser cometidos, como, por

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exemplo, a prática quase que constante do ativismo judicial, movimento esse que vem crescendo em nosso país. Pensar nas implicações da decisão judicial diante de um caso difícil parece ser uma atitude sensata. Mas, em que medida as decisões devem ser guiadas por suas consequências? Richard Posner12, com sua polêmica teoria do pragmatismo cotidiano, não só acredita que o processo de tomada de decisão deva ser guiado pelas consequências da decisão, como afirma que, intimamente, é assim que os juízes atuam. O pragmatismo de Posner foi por ele nomeado como pragmatismo cotidiano ou everyday pragmatism, cuja característica principal é a prática do dia-a-dia sem universalizações, teorizações, generalizações e ponderações filosóficas, em que os juízes seguiriam uma disposição geral de fundamentar suas decisões em fatos e consequências e não em, segundo o autor, ‘conceitualismos’ e generalidades. Trata-se de uma versão totalmente distorcida do pragmatismo clássico, filosófico, sendo por ele utilizado no sentido mais comum do termo. Posner foi incapaz de importar para o direito os ensinamentos do pragmatismo clássico. E, talvez, não tenha sido mesmo sua intenção. Para o autor, as decisões devem ser fundamentadas em uma relação de custo benefício, empiricamente informada e preferivelmente quantitativa, pensadas no bem estar da sociedade. A teoria jurídica por ele preferível é aquela que seja contextual e adaptável ao sistema jurídico, mas que privilegie consequências a argumentos tidos por ele como teóricos e abstratos. O pragmatismo jurídico de autores como Posner encontra suas raízes em movimentos como a escola do Realismo Jurídico que se desenvolveu nos Estados Unidos. Para essa corrente, as instituições jurídicas devem estar atentas a necessidades sociais que objetivam suprir. Desse modo, o direito seria constituído (ou criado) a partir das execuções das decisões judiciais e, por isso, não estaria vinculado tão somente à aplicação das regras. Sustentam que os juízes exerceriam os seus poderes de forma discricionária, sendo que os resultados dos julgamentos estariam diretamente relacionados à realidade vista pelo julgador. Os adeptos dessa corrente defendem, ainda, que os juízes devem considerar as consequências (socioeconômicas futuras, em especial) de suas decisões, pois entendem que teriam uma função de legislador ocasional.

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 187

O juiz pragmatista, na visão de Posner, precisa decidir de acordo com as consequências que “melhor” promovam os fins. Mas, quais seriam os melhores fins? Cada juiz terá sua própria concepção de bem comum (de senso comum) e de melhor consequência da decisão judicial. O pragmatismo cotidiano parece autorizar (ou validar) uma subjetividade latente no processo de tomada da decisão judicial, pois um dos grandes problemas dessa teoria é que Posner não é capaz de dizer quais seriam tais fins, pois “diferentes juízes, cada qual com sua própria idéia sobre as necessidades e interesses da comunidade, pesará as consequências diferentemente”3, o que, ao contrário do que afirma Posner, gera sim insegurança jurídica. O pragmatismo jurídico, como se argumenta, aconselha e ratifica a ilegitimidade, aceitando e abarcando a inevitabilidade de que casos semelhantes não sejam tratados da mesma forma, já que juízes diferentes pesam as consequências de maneira diversa, dependendo da formação, temperamento, treinamento, experiência e ideologia de cada um. Nesse contexto, o trabalho buscará expor a teoria e o pensamento de Posner, bem como contrastá-la com o pragmatismo filosófico, demonstrando a distorção perpetrada pelo chamado pragmatismo cotidiano, tentando demonstrar o que é o pragmatismo cotidiano e no que ele se difere do pragmatismo clássico. Objetiva-se, ainda, analisar qual a influência do pragmatismo cotidiano no processo de tomada de decisões, mais especificamente em como os juizes decidem, a partir de exemplos de casos jurídicos brasileiros. Notas POSNER, Richard A. Law, Pragmatism and Democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2003. 2 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 3 HERDY, Rachel. O Pragmatismo Jurídico “levado a sério”. Boletim CEDES [on-line], Rio de Janeiro, outubro/novembro de 2008, pp. 15-23. Acessado em 18.11.2013. Disponível em http://cedes.iuperj.br ISSN:1922-1522, p. 19. 1

O pragmatismo, o Supremo Tribunal Federal e o amianto Gabriela Miranda Duarte

Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Analista Judiciário no Tribunal de Justiça do Amapá. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Carlos Fernando Silva Ramos

Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Juiz Titular da 4.ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões do Tribunal de Justiça do Amapá. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]

Este artigo investiga a utilização dos argumentos consequencialistas e extrajurídicos no Poder Judiciário brasileiro no que toca à matéria ambiental, tomando como referência o voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 3.937, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contra a lei estadual paulista n.º 12.687/2007, proibitiva do uso de produtos que contenham amianto. Nesse caso, cujo julgamento ainda está em curso, o voto acima referido denota clara preocupação com os impactos econômicos da decisão, apoiando-se em dados técnicos de outras ciências para fundamentá-lo e afastando-se de uma análise puramente técnico-jurídica. Tal constatação torna-se mais evidente quando esse voto é confrontado com outro proferido pelo Ministro Ayres Britto na ADI n. º 3.357, também ajuizada pela CNTI, contra a lei estadual gaúcha n.º 11.643/2001, proibitiva da produção e comercialização de produtos à base de amianto no Estado. Nesse, o relator, considerando que o amianto, independentemente do tipo, é normativamente caracterizado “como nocivo à saúde e põe em situação de fragilidade o meio ambiente”, afirma ser constitucional a lei gaúcha. A Constituição Federal de 1988, nos termos dos arts. 225 e 170, concedeu ao meio ambiente ecologicamente equilibrado status privilegiado no conjunto de valores constitucionalmente protegidos, a ponto de torná-lo condicionante do desenvolvimento econômico, o que significa dizer que a variável ambiental integra a própria noção desenvolvimento econômico no Brasil, o qual deve ser, do ponto de vista jurídico, sempre

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sustentável. A efetividade dessa diretriz constitucional depende, contudo, de sua consideração pelos agentes públicos e particulares que têm poder de decisão na área econômica e ambiental, o que inclui, necessariamente, o Poder Judiciário. Os juízes, como agentes de transformação social que são, ao aplicarem a lei ao caso concreto, devem promover os valores sociais constitucionalmente protegidos, inclusive os ambientais, mormente em uma sociedade que cada vez mais consome e esgota os recursos naturais não renováveis. A despeito disso, no voto do Ministro Marco Aurélio é possível inferir um posicionamento que valoriza o desenvolvimento econômico desgarrado da preservação ambiental. O debate que se propõe tem como objeto justamente essa tensão entre a diretriz estabelecida pela Constituição Federal, a favor do meio ambiente, e o pensamento da jurisprudência brasileira, que, algumas vezes, inclusive no âmbito dos tribunais superiores, se orienta por um viés pragmático, pautado predominantemente no interesse econômico. A proposta é no sentido de superação dessa tensão, por meio do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e as exigências da preservação ambiental, de modo que os dois interesses sejam, na medida do possível, realizados conjuntamente. Essa superação tem como suporte teórico a teoria do direito formulada por Dworkin, a qual considera que os princípios do direito, extraídos da Constituição, da História e da Moral, não podem submeter-se a orientações pragmáticas apoiadas em motivações exclusivamente políticas e econômicas. O artigo será desenvolvido com amparo nas duas teses acima mencionadas, sendo cada uma delas abordada em tópico próprio, assim sintetizadas: 1) conquanto o pragmatismo jurídico não tenha sido adotado expressamente no Brasil, é possível detectar sua presença em alguns julgamentos, a exemplo do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio, o qual incorpora uma análise consequencialista da decisão, bem como o exame de argumentos extrajurídicos na interpretação constitucional; 2) a constitucionalização do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um valor autônomo com efeito transversal, que, além de condicionar o conceito de desenvolvimento, determinando que seja necessariamente sustentável, requer a sua inserção nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário. O método empregado na pesquisa é o dialético, com suporte em análise documental e bibliográfica, além de uma abordagem específica do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio.

Economic arguments and judicial review: the alternative of Neil MacCormick’s framework Vinícius Klein

Doutor em Direito pela UERJ, Doutor em Economia pela UFPR, Filiação: Universidade Federal do Paraná, Brazil, [email protected].

The judicialization of politics is a strong trend in the current Brazilian scenario. This situation brings a challenge for legal theory: the need to work with extrajuridical arguments in legal reasoning. This problem is not an exclusivity of constitutional law, but it happens also in private law cases, for example in business contract decisions where the importance of the economic argument is increasing. The solution must include at least a partial resort to consequentialist reasoning. So, the aim of this article is to discuss new judicial reasoning models that are able to deal with consequentialist reasoning, trough a substantive pattern of judicial justification1, but without losing the control function of judicial reasoning on judicial decisions. This work will focus on one extrajudicial argument: the economic argument. This economic argument will be discussed as a substantive reason in the terminology presented by Robert S. Summers2. To design this model the use of economic arguments must came with some resort to consequialist reasoning. So, one alternative is Posnerian Economic Analysis of Law, where the economic argument is incorporated in the judicial justification. This article concludes that this option is inadequate and supports Maccormick’s argumentative theory as the most promising, although some adjusts are necessary. The first one is the use of the extrajuridical consequences when necessary. Maccormick’s theory is very skeptic these possibility3. For that task the economic argument must be used as a scientific argument and the judge must play the role of a gatekeeper4. In this task the judge must take into account the scientific compatibility between the aims of the law and the alternatives in the scientific area in ques-

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 191

tion. In the case of the economic argument the best alternative is not the one that is most used in the economic community, but the one that has a better match with the aims of the law. The reasoning used in antirust cases is a good example of a juridical option between conflicting economic arguments. We also need to focus on local coherency instead of global coherency. Although Maccormick’s proposition is grounded on global coherency it is possible to find support in his writings for local coherency, mainly in his differences with Ronald Dworking5. Another issue is the use of incomplete theorized arguments as developed by Cass Sustein6, which can be applied not only to juridical arguments but also on extrajuridical ones. In this context it is possible to design a judicial reasoning that includes consequentialist reasoning and extrajuridical arguments and maintain the control of the judicial activity with the three C’s from Maccomick’s theory (consequences, coherency and consistency requisites). In this framework we can conclude that economic arguments can be included in judicial justification as a scientific ones and the judge must choose between the available scientific theories. This choice must be made with publicity, so the reason of choosing a certain scientific theory must be part of the process of giving reasons. In the perspective a substantive pattern of justification is necessary. The use of local coherency and incomplete theorized arguments provide a way of reducing complexity. This solution provides a model of judicial reasoning capable of dealing with the challenge of bringing extrajuridical arguments in the judicial reasoning. References MACCORMICK, Neil. Rhetoric and The Rule of Law: a theory of legal reasoning. Oxford: Oxford University Press, 2009. MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (ed). Interpreting Statutes: a comparative study. Ashgate: Dartmouth, 1991.

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SCHUARTZ, Luis Fernando. Interdisciplinaridade a adjudicação: caminhos e descaminhos na ciência do Direito. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, v. 232, ano 58, 2009. SUMMERS, Robert S. Essays in legal theory. Dordrecht: Kuller Academic, 2000. SUNSTEIN, Cass R. Legal Reasoning and Political Conflict. Oxford: Oxford University Press, 1996.

Notas 1 MACCORMICK; SUMMERS, 1991, p. 496-508. 2 SUMMERS, 2000, pp. 321-358. 3 MACCORMICK, 2009, pp.103-104. 4 SCHUARTZ, 2009, p. 149. 5 MACCORMICK, p. 120. 6 SUNSTEIN, 1996, pp. 35-38.

O princípio da eficiência na efetividade dos direitos sociais: a inaplicabilidade da análise econômica para as decisões judiciais

Rebeca Borges Machado A. Leitão

Advogada. Estudou Direito na Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais – Brasil. Correio eletrônico: [email protected]

Davi Augusto Santana de Lelis

Bacharel em direito pela Universidade Federal de Viçosa, mestre em extensão rural pela Universidade Federal de Viçosa, doutorando em direito público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Brazil. Bolsista da FAPEMIG. Correio eletrônico: [email protected].

No contexto da concretização dos direitos sociais fundamentais no Brasil os debates acerca da atuação do Poder Judiciário são intensos. O pensamento tradicional utiliza argumentos da Teoria da Reserva do Possível e estudos da Análise Econômica do Direito para afirmar que o orçamento estatal é limitado para a efetivação de direitos sociais via Poder Judiciário. A via judicial é considerada ineficiente por ignorar o planejamento estatal de políticas públicas para a concretização destes direitos. Assim, através de uma análise de viés estritamente econômico, afirma-se que a atuação do Poder Judiciário, em virtude da má utilização dos recursos públicos, obstaculiza a concretização dos direitos sociais fundamentais e resulta em maior injustiça social. O presente trabalho buscou questionar a linha argumentativa tradicional, construindo uma resposta mais ampla para a questão: a atuação judicial na concretização de direitos sociais fundamentais é ineficiente e injusta? O Poder Judiciário, ao condenar o Estado ao cumprimento de uma demanda individual, estaria de fato obstaculizando a concretização coletiva dos direitos sociais e, assim, contribuindo para uma realidade social injusta; ou esta é apenas uma suposição mascarada de racionalidade lógica? Com o escopo de investigar tais considerações em profundidade, este trabalho buscou compreender, através de pesquisas bibliográficas

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e documentais, a aplicação do princípio constitucional da eficiência no ambiente do Estado brasileiro. Buscou-se problematizar o conceito de eficiência, com a finalidade de perquirir os domínios de sua aplicação no contexto do Estado e da sociedade. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica no âmbito da Análise Econômica do Direito e da Teoria da Reserva do Possível para construção de um argumento crítico às posições tradicionais. Em seguida foi realizada pesquisa bibliográfica de teóricos da ciência econômica para a compreensão do conceito “eficiência” e da sua possível mensuração no âmbito da atuação do Estado. Por fim, houve uma análise de dados do orçamento público federal do ano de 2013. Assim, foi possível a construção de uma resposta alternativa ao pensamento tradicional, que perpassou duas vertentes: a primeira é a de que a afirmação tradicional – a concretização de direitos sociais via poder judiciário é ineficiente e injusta – é insustentável teoricamente; e a segunda é a de que as ideias tradicionais não se confirmam na prática. O estudo revelou que o conceito de eficiência da corrente principal da economia (mainstream) possui um modelo matemático intrínseco, que reduz a complexidade social a meras equações, apresentando limites para a leitura da realidade. Constatou-se, em contraposição à eficiência matematizada, a existência de diversos fatores sociais que envolvem a aplicação dos recursos públicos para a concretização dos direitos sociais fundamentais no Brasil. A análise da eficiência da atuação judicial se mostra como uma leitura simplista da realidade brasileira e desconsidera fatores relevantes para a injustiça da distribuição dos recursos públicos. Deste modo, o pensamento tradicional estaria contribuindo para um direcionamento equivocado na busca pela solução dos problemas orçamentários da concretização dos direitos sociais fundamentais. Assim, na atual conjuntura política, social e econômica brasileira, a prestação judicial pode contribuir positivamente para a justiça social em âmbito coletivo. Concluiu-se pela inaplicabilidade da análise econômica do direito, pela inconsistência das teorias eficientistas e pela manutenção da justiciabilidade individual dos direitos fundamentais sociais como método capaz de contribuir para a eficácia do texto constitucional. Apoio: CNPq e FAPEMIG.

A interpretação pro homine e suas perplexidades Luís Fernando Matricardi

LL.M. pela Ludwig-Maximilians-Universität München. Master pela Università degli Studi di Genova. Doutorando em teoria do direito pela Universidade de São Paulo, Brasil.: ( [email protected]).

O debate sobre concorrência de direitos floresceu especialmente entre os direitos internacional e constitucional, em boa medida pelos esforços dos internacionalistas. Mais preocupados do que os constitucionalistas com a aplicabilidade de normas supranacionais no direito interno, o critério de solução a esse tipo de conflito foi por alguns encontrado na chamada “interpretação pro homine”, a qual, em sua acepção mais conhecida, defende a aplicação da norma mais favorável ao indivíduo titular do direito concorrente.1 A proposta, afeiçoada ao chamado “diálogo das fontes”, teria a vantagem de relegar a segundo plano o intrincado debate sobre a posição hierárquica de tratados internacionais no ordenamento brasileiro. Sem avaliar diretamente a verdade nessa vantagem, o presente artigo sugere que a proposta pro homine é inapta ao fim almejado. Isso é assim porque ela pressupõe uma constelação clássica de direitos fundamentais, nas quais estes direitos são garantidos contra interesses coletivos, personificados no Estado. As modernas dogmáticas constitucional e internacional, porém, amparadas no reconhecimento de deveres de proteção e eficácia horizontal, reconhecem constelações complexas, nas quais se garantem direitos contra ameaças advindas de outros indivíduos, que, por seu turno, também são titulares de direitos. O exemplo do aborto facilita a compreensão: o Estado tem o dever de proteger a vida do nascituro (d1) contra a ação abortiva da mãe, que por sua vez é amparada em um direito de livre disposição do corpo (d2) que tem prima facie contra esse mesmo Estado. A relação forma um triângulo com os vértices nascituro, Estado e mãe, ou: (d1) ∙ (E) ∙ (d2). 2 Não é difícil perceber que o reconhecimento de deveres de proteção e da eficácia horizontal, que na literatura de origem aparece atrelado à chamada “dimensão objetiva

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dos direitos fundamentais”, tem por insumo básico justamente interesses coletivos, os quais agora são agora reconstruídos como direitos muitas vezes de titularidade individual. Nessas constelações complexas, em que não se identifica uma única posição individual, a proposta pro homine é inócua: as normas concorrentes priorizarão, cada uma, um indivíduo diferente, que ela não consegue escolher. O artigo investigará se resta alguma acepção interessante à interpretação pro homine dentro e fora de tais constelações, para concluir que, embora subsista margem para seu uso, ela é reduzida, e pode decepcionar seus defensores. Notas 1 Cf. Humberto Henderson, “Los tratados internacionales de derechos humanos en el orden interno: la importancia del principio pro homine”, in: Revista IIDH, v. 39, 2004, pp. 71-99. No Brasil, por todos: Valério de Oliveira Mazzuoli,”O controle jurisdicional da convencionalidade das leis: o novo modelo de controle da produção normativa doméstica sob a ótica do ‘diálogo das fontes’”, in: Revista Argumenta UENP, v. 15, 2011, pp. 77-114. 2 Cf. Christian Calliess, Rechtsstaat und Umweltstaat: Zugleich ein Beitrag zur Grundrechtsdogmatik im Rahmen mehrpoliger Verfassungsverhältnisse. Tübingen: Mohr Siebeck, 2001, p. 258; Dieter Grimm, “The Protective Function of the State”, in: G. Nolte (ed.). European and US Constitutionalism. New York: Cambridge, 2005, pp. 137-155 (149).

Constitucionalismo e diálogo institucional: uma análise dos limites pragmáticos e normativos da noção de ativismo judicial.

Danilo Nunes Cronemberger Miranda

Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo – Brasil. O contato com o autor pode ser feito pelo correio eletrônico [email protected].

O constitucionalismo conheceu as mais variadas formas de desenvolvimento nas diferentes realidades em que tentou ser implementado. A pretensão de controlar as arbitrariedades do poder nas relações entre pessoas possibilitou o surgimento de inúmeros instrumentos de canalização dos poderes políticos para espaços delimitados por normas e princípios. A luta pela constituição, nesse sentido, toma o ar de uma luta pela constitucionalização do Poder. Cortes e parlamentos são exemplos de espaços decisórios de afloramento do poder social, através de procedimentos pré-estabelecidos. A alocação de embates políticos dentro de espaços procedimentais, no entanto, não extinguiu as dificuldades concernentes à constitucionalização do Poder. Regras, normas e procedimentos não possuem existência fora de suas próprias conjunturas de aplicação. Ao mesmo tempo que moldam e influenciam a conduta de parlamentares e juízes, constituições também são continuamente “ressignificadas” e desenvolvidas pela atuação destes agentes. Normas constitucionais estão a todo momento submetidas à interpretação dos agentes políticos. Isto significa que, se uma teoria sobre o constitucionalismo se preocupa em entender e prescrever mecanismo de controle do poder, parte destas preocupações passa por questionamentos sobre que tipo de relação pode-se extrair da convivência de interpretações e entendimentos diversos sore a constituição, produzidos por juízes e parlamentares. Como, quando e por quê juízes e parlamentares devem atuar dessa ou daquela forma, são perguntas óbvias que surgem destas constatações. O ati-

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vismo judicial surge, em alguma medida, sobre considerações acerca da legitimidade de instituições no cumprimento e respeito ao procedimento e às regras pré-estabelecidas. A interação entre instituições, no entanto, nem sempre sai como planejada. Cortes, frequentemente vão além do que a priori define-se como seu campo de atuação, “invadindo” espaços caros ao legislativo. Minha hipótese é de que esta noção de ativismo judicial, em boa parte compartilhada e propagada pela literatura nacional, reflete características de um modelo de constitucionalismo baseado em certa visão estática sobre a relação interinstitucional. Parte da hipótese de trabalho aqui enunciada entende que o ativismo judicial, baseando-se em tal modelo estático de constitucionalismo, é incapaz de compreender e perceber determinados problemas relacionados à interação institucional. A noção de ativismo judicial parece possuir limites explicativos que comprometem seu potencial normativo como método de identificação, justificação e definição da legitimidade de determinado arranjo constitucional. O ativismo judicial, da forma como entende majoritariamente a literatura nacional, carece de maiores considerações sobre a natureza histórica e institucional das relações entre tribunais constitucionais e parlamentos. Por “institucional” entende-se especificamente a noção do “institucionalismo” como lente de observação e compreensão das relações entre agente sociais, mais especificamente, no presente caso, das relações entre juízes e parlamentares como atores políticos imersos em contextos regulados por práticas e regras formais e informais. Em face de tais desdobramentos, o trabalho visa oferecer novas perspectivas para a compreensão crítica da atuação de instituições como o Judiciário e o Legislativo. Nesta perspectiva, a imagem do diálogo institucional, oferecida pelas recentes Teorias do Diálogo, podem oferecer novas bases normativas para uma compreensão mais apurada da legitimidade democrática de arranjos institucionais, bem como da atuação de juízes e parlamentares. Vale ressaltar que meu objetivo não é identificar erros metodológicos ou teóricos nas noções de ativismo judicial. Diferentemente, pretendo explorar limites dessas ideias, conforme minha hipótese inicial de que o modelo de

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constitucionalismo estático em que se escora a noção de ativismo judicial possui limitações tanto pragmáticas quanto normativas. Tal posição não implica a conclusão apressada de que a teoria deva deixar de analisar e criticar decisões judiciais, inclusive pelo ponto de vista de sua legitimidade democrática. Significa apenas que talvez devamos trocar nossas lentes para poder enxergar novos problemas e entender melhor velhos desafios. Considero que a compreensão da legitimidade democrática de tribunais constitucionais e parlamentos não pode ser suficientemente explicada fora de seu contexto institucional e que, portanto, a construção de um novo modelo de constitucionalismo passa pela superação do modelo estático e pela adoção de um modelo dialógico e deliberativo. Palavras-Chave: Constitucionalismo; Ativismo Judicial; Diálogo, Separação de Poderes, Interação Institucional.

Separação dos Poderes, Cortes Constitucionais e o Constrangimento da Razão Pública Rafael Bezerra Nunes

Mestrando em Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Brasil. ([email protected]).

Neste trabalho, procurei demonstrar como determinadas premissas relacionadas a uma visão tradicional da separação dos poderes são responsáveis pela paralisação do desenvolvimento institucional, uma vez que se vislumbra apenas uma dentre muitas possibilidades de concretização de um ideal específico, sem levar em conta as práticas que efetivamente se realizam nessas instituições e o potencial ganho que variados desenhos ou arranjos poderiam acarretar. Se a teoria da separação dos poderes em muitos momentos é clara a respeito da distribuição de funções e competências entre o Judiciário e Legislativo, em outros, essa distinção se torna penumbrosa. Assim é o caso da interação entre cortes constitucionais e parlamentos. Nesse âmbito, sustentar a distinção entre aplicação e criação do direito é fazer pouco caso do desacordo prático sobre o que significa cada função em casos constitucionais controversos. Argumentar pela clareza de uma divisão do trabalho entre poderes para resolver conflitos concretos é não observar que o que está em jogo é o próprio significado e alcance dessa divisão. É na interação política cotidiana que ambas instituições buscam espaço e reconhecimento. Mas também observam os demais atores, ajustam suas ações às possibilidades e aceitam acomodações prudenciais. Para captar esse fenômeno, Conrado Hübner Mendes argumenta que há uma redundância funcional entre cortes e parlamentos na determinação do significado da constituição. Porém, essa redundância funcional não gera equivalência institucional. A razão disso são as diferenças estruturais e procedimentais dos dois espaços: suas capacidades epistêmicas, importância simbólica, capital político, desenho institucional, tempo e forma de resposta. A interação entre

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os poderes têm muito a ganhar se assumir uma forma cooperativa e deliberativa, ao invés de puramente adversarial. Ressalto, todavia, que a defesa aqui proposta de uma corte constitucional deliberativa não é uma defesa incondicional da deliberação. Ela parte da intuição de que cortes, por não dependerem de uma satisfação periódica de seus constituintes através de um processo eleitoral, podem contribuir de modo específico na interação entre os poderes se buscarem maior legitimidade através do aumento de sua qualidade deliberativa. Entretanto, podem existir circunstâncias em que os custos da deliberação podem superar seus benefícios. O valor da deliberação depende de um cálculo consequencialista sobre as expectativas das vantagens e desvantagens de se deliberar. Essa defesa não-deontológica da deliberação, ao mesmo tempo em que a torna mais adequada a lidar com condições não-ideais e dilemas do mundo real, bem por isso, adiciona complexidade à já difícil tarefa de operacionalizar em uma instituição concreta o ideal de uma corte constitucional deliberativa. A categoria do desempenho deliberativo propõe à corte a observância de um contexto político de sua atuação, momento em que razões prudênciais e razões-de-segunda-ordem entrariam em jogo. Essas razões, que seriam essencialmente considerações sobre o consenso possível e seus benefícios, e sobre a efetividade de implementação da decisão, estão em tensão com a noção de razão pública. Se em decorrência de seu desenho institucional, a legitimidade da corte muito se deve às razões que oferece e o modo de oferecê-las, sendo essa uma característica peculiar, existe uma tensão entre racionalidade jurídica, entendida como aquilo que é devido em razão dos direitos que as pessoas possuem segundo uma prática institucionalizada, e análise prudencial, considerações consequencialistas, ou de second-best, decorrentes do contexto político. É preciso distinguir entre duas coisas: a) uma defesa da deliberação como fator adicional de legitimidade política para além das razões oferecidas e b) que tipos de razões podem ser consideradas pelos espaços deliberativos, a depender das instituições que estão em jogo. É possível fazer uma defesa da deliberação que incorpore a utilização de razões consequencialistas pela corte. É pos-

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sível ainda defender uma visão de racionalidade jurídica que seja compatível com considerações desse tipo, em se tratando de cortes lidando com casos constitucionais controversos. Ocorre que, nesse caso, a redundância funcional dilui uma divisão moral do trabalho entre cortes e parlamentos, e deve enfrentar a objeção de que juízos sobre o bom tem mais legitimidade no foro legislativo. Mesmo autores que enxergam um papel protagonista de cortes, como Rawls e Dworkin, incorporam alguma forma de divisão moral do trabalho. A atuação da corte com relação ao elementos constitucionais essenciais e à ideia de razão pública (com a prioridade do justo sobre o bom), bem como a distinção entre princípios e políticas pretendem desempenhar esse papel nas respectivas teorias.

Uma abordagem descritiva (e suas conseqüências normativas) das relações entre constitucionalismo e democracia

Cláudio Ladeira de Oliveira Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (graduação e pós-graduação), Brasil, [email protected].

Neste trabalho analiso temas tradicionais da teoria constitucional adotando uma perspectiva “descritiva”, objetivando extrair conclusões capazes de orientar os debates de cunho “normativo”. Análises “normativas” justificam a adoção de arranjos institucionais, argumentando em defesa de sua legitimidade política. Exemplos de modelos normativos são as formulações de Dworkin (2000) sobre os tribunais constitucionais enquanto “fóruns do princípio” e Waldron (1999) acerca da supremacia parlamentar. Uma perspectiva “descritiva” analisa explica as ações e as estratégias de indivíduos e grupos, descritos como agentes buscam promover seus interesses e valores apoiados em crenças (sobre as conseqüências prováveis de suas ações e os comportamentos dos demais indivíduos e grupos), limitados/autorizados por instituições. Uma abordagem “descritiva” de tais problemas não é neutra do ponto de vista normativo, pois (i) justifica a rejeição de modelos normativos que, embora dotados de argumentos morais convincentes, estão apoiados em premissas teóricas cuja falsidade ou inviabilidade foi revelada; e (ii) justifica a adoção de arranjos institucionais “não-ideais”, porém empiricamente mais aptos a estimularem o acatamento de instituições razoavelmente democráticas. Neste trabalho apresentarei submeterei alguns temas fundamentais a uma análise descritiva (constitucionalismo, democracia e separação de poderes). Ao final serão desenvolvidas as conclusões imprescindíveis para o debate normativo. (1) O ideal constitucionalista pretende impor limites jurídicos ao poder político, constituindo um governo que seja “das leis” e não “dos homens”. No entanto, as instituições jurídicas que limitam o

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poder político precisam ser criadas, interpretadas e aplicadas, e tais atividades só podem ser realizadas por seres humanos: “as leis não podem governar. Governar é uma atividade, e leis não podem agir” (SÁNCHEZ-CUENCA, 2003: 62). Assim, é necessário identificar os motivos pelos quais elites políticas, que possuem acesso privilegiado aos meios de coerção, acatam os limites impostos ao seu poder. A questão é “por que pessoas com poder aceitam limites ao seu poder? Por que pessoas com armas obedecem pessoas sem armas […] Na teoria jurídica a questão correlata é: porque políticos muitas vezes transferem poder a juízes?” (HOLMES, 2003: 24). (2) Numa democracia as forças políticas organizadas competem por votos em eleições e representam interesses e valores divergentes, muitas vezes irreconciliáveis. Sendo assim, um processo democrático inevitavelmente produz “vencedores” e “derrotados” quanto à disputa pela autoridade de estabelecer as regras que valerão sobre toda a comunidade (PRZEWORSKI, 2010). Os derrotados devem obedecer decisões das quais discordam e por isso podem ser tentados a subverter a ordem democrática; também os vencedores podem ser tentados a fazê-lo, caso avaliem que podem impor seus interesses e valores sem os constrangimentos constitucionais. Portanto, sistemas democráticos levantam o problema do “acatamento” das instituições pelas forças políticas organizadas. Instituições democráticas vigoram quando expressam um “equilíbrio” entre as forças políticas e sociais que a princípio poderiam derrubá-las; quando as forças políticas aceitam permanecer sob as instituições sob a condição de que as demais forças façam o mesmo: as democracias são “auto-sustentáveis”. (PRZEWORSKI, 2010). Também aqui a questão do “acatamento” é fundamental: quais são os arranjos institucionais capazes de estimular o acatamento das instituições pelas forças políticas relevantes? (3) O Estado, a burocracia que detém o monopólio do uso legítimo da força, não é um “terceiro imparcial” em relação aos conflitos entre as forças políticas, mas um agente interessado em tais conflitos e no acatamento das instituições constitucionais, já que estas a princípio

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deveriam também organizar e limitar o seu próprio poder. Tampouco o Estado é um agente plenamente coeso: os indivíduos e grupos que ocupam postos na burocracia possuem interesses e valores institucionais potencialmente conflitantes e possuem capacidade institucional distinta para promovê-los. A “separação de poderes”, os arranjos institucionais que distribuem competências políticas distintas entre setores do Estado, fornece alguns dos mais importantes exemplos de tais problemas, em especial os poderes legislativo e Judiciário: “instituições povoadas de pessoas” (FEREJOHN e PASQUINO, 2003), cujos membros desenvolvem interesses e valores próprios e dispõem de recursos específicos para promovê-los, tais como o processo legislativo e o controle de constitucionalidade. Neste caso, a questão é existem arranjos institucionais que comprovadamente tendem a promover o acatamento das ordens constitucionais democráticas? Referências bibliográficas DWORKIN, R. 2000. Uma questão de Princípio. São Paulo: Martins fontes. WALDRON, J. 1999. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press. SÁNCHEZ-CUENCA, I. 2003. Power, Rules, and Compliance, in Maravall, Przeworski (2003: 62-93). MARAVALL, J.; PRZEWORSKI, A. (orgs). 2003. Democracy and the rule of law. Cambridge: Cambridge University Press. HOLMES, S. 2003. Lineages of the rule of law. In Maravall, Przeworski (2003:19-61). PRZEWORSKI, A. 2010. Democracy and the limits of self-government. Cambridge: Cambridge University Press. FEREJOHN, J. PASQUINO, P. 2003. Rule of Democracy and Rule of Law, in Maravall, Przeworski (2003: 242-260).

Em busca do verdadeiro papel da Lei Orçamentária e suas possíveis correções pela via judicial

Daniel Giotti de Paula

Doutorando em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ, Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional, Professor-convidado do Programa de Pós-Graduação em sentido lato da UFJF e Coordenador Acadêmico do INTEJUR-Juiz de Fora-MG – Brasil. Email: [email protected].

O legislador constituinte originário tentou reposicionar as finanças públicas no Brasil. Estabeleceu-se um modelo segundo o qual a legalidade seria a garantia de que os gastos públicos surgiriam de uma decisão compartilhada e de que não ficariam no terreno das promessas irrealizadas. A força normativa dada ao orçamento representa garantia mínima do Estado de Direito, que não pode ser renegada pelo uso retórico da discricionariedade para afastar a obrigatoriedade de seu cumprimento. Não se desconhece, por óbvio, que dentro da ambivalência da Sociedade de Risco e as incertezas que a modernidade líquida traz, deve haver algum espaço para discricionariedade em matéria financeiro-orçamentária, mas o espaço discricionário seria a exceção, e não a regra geral. Algo trivial precisa ser demarcado: lei deve ser levada a sério, pois possui normatividade, dentro do modelo de Estado de Direito, na formulação que utilizam juristas de corte analítico, como Joseph Raz e John Finnis. O que particulariza o orçamento, porém, é que ele é ao mesmo tempo um possível criador de despesas públicas e um concretizador de direitos fundamentais e políticas públicas já previstas no ordenamento jurídico. Daí que, além do aspecto formal de canalizar os meios de concretização de direitos fundamentais e políticas públicas, haja uma preocupação com que o orçamento seja substancialmente legítimo, incorporando-se uma série de princípios para seu controle judicial. Contudo, a “força normativa dos fatos” subverte essa lógica e tenta transformar o orçamento numa mera autorização de gastos públicos, uma ideia que parece

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estar fora do lugar e sequer concretizando os conceitos básicos do Estado de Direito. Destarte, como pode se viver sob uma realidade de alteração das despesas públicas pela via judicial? O ativismo em matéria orçamentária é um bem em si mesmo? Existiria discricionariedade na execução orçamentária? Pode-se mudar dotação de recursos por decreto ou outros atos infralegais? O controle judicial do orçamento se justifica em todos os ciclos do orçamento? Responder a cada uma dessas questões implica explicar e assumir sentidos possíveis para problemas e termos tão caros à Teoria do Direito, à Filosofia Política e ao Direito Constitucional: o que é discricionariedade e quais seus sentidos; a separação de poderes é um modelo apriorístico ou uma noção construída dinamicamente; o que seria ativismo, sobretudo a partir da jurisprudência analítica, construção teórica que tenta retirar valoração sobre a prática judicial ativista. Superados esses pontos, pode-se pensar em que medida uma Constituição, como a brasileira, na qual critérios substanciais de controle das finanças teriam sido incorporados, pode sugerir o abandono de soluções formais de autorização legislativa para se alterar qualitativa e quantitativa os recursos financeiros. Tangencialmente, investiga-se ainda que situações pretensamente ativistas escondem apenas o atingimento da legalidade no Brasil, país que possui déficits de cumprimento de promessas da modernidade e que sequer atingem aquele núcleo mínimo do Estado de Direito. Esse quadro de desconsideração da Constituição Financeira sugere que a normatividade deve ser recolada em seu devido lugar. Para os céticos, isso representaria a necessidade de mudar o que está posto na Constituição; para os entusiastas, tudo dependeria de rearranjar institucionalmente a prática de órgãos e entidades administrativas. Palavras-chave: ativismo, legalidade, orçamento, jurisprudência analítica, controle judicial do orçamento.

Audiência pública o ‘lugar’ dos argumentos consenquencialistas

Égina Glauce Santos Pereira

Bacharela em Direito (FADISETE) e Letras (UFMG). Pós-graduada em Direito Publico (NEWTON PAIVA) e Criminologia (PUC-MINAS). Mestre e doutoranda em Linguística - Análise do Discurso (UFMG). BRASIL. [email protected].

A definição de ‘lugares’, mais especificamente de ‘lugares comuns’, é ampla, desde a antiguidade, seja Aristóteles, Cícero ou Quintiliano, todos afirmam ser esse elemento importante para a construção de um discurso persuasivo focado no auditório, e poderia se conceituar, inicialmente, como valores partilhados ou valores comuns. Atualmente, Amossy (2005; 2010) continua afirmando a importância do conjunto de valores, de evidências, de crenças, sem os quais todo diálogo não poderia acontecer, ou seja, o discurso deve pautar-se por uma doxa comum, pela qual se busca a adesão pelo compartilhamento de pontos de vista. Sabe-se que a modernidade proporciona um ambiente argumentativo vasto, com valores cada vez mais pluralistas. Para Meyer (2014) é a retórica que possibilita a negociação da distância entre os pontos de vista a propósito de uma questão, de um problema. Pode-se dizer que é a retórica que reduziria a distância entre os pluralismos existentes. Nesse sentido, segundo Meyer (2010), a função dos valores é essencial, pois estabelece a ponte entre as diversas esferas de atividade (como o direito, a economia, a politica, ou a religião). Chaïm Perelman, em suas obras: “Lógica Jurídica” (2004) e “Tratado da Argumentação: a nova retórica” (2000), produzido com Lucie Olbrects-Tyteca, discute a aplicabilidade da ‘lógica dos julgamentos de valor’, visto que não se aceitava, no discurso jurídico, que as decisões fossem apenas movidas pelas emoções, interesses e impulsos pessoais, ou seja, é necessário legitimar as decisões, principalmente no discurso constitucional, tor-

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nando a decisão aceita pela sociedade e não apenas coercitiva. Para Perelman (2004, p. 200) o julgador tem como função conciliar os valores dominantes na sociedade com os valores legais e as instituições estabelecidas, devendo evidenciar não apenas a legalidade, mas “o caráter razoável e aceitável de suas decisões.” Na nossa sociedade pluralista e complexa, as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) devem também ser fundamentadas e deveriam ser pautadas pela ampla participação social. Isso porque a subsunção não é suficiente para a aplicação das normas e devido ao papel ocupado por este Tribunal no sistema jurídico, como guardião da Constituição. É exatamente nessa perspectiva que se viabiliza as audiências públicas, enquanto mecanismo processual apto a viabilizar, institucionalmente, o diálogo com os diversos setores da sociedade, conferindo legitimidade às decisões tomadas no âmbito dessa jurisdição, em situações necessárias. Assim, o gênero Audiência Pública tem se mostrado um objeto interessante para a argumentação, principalmente pela exposição de argumentos consequenciais, conforme MacCormick (1978). Isso acontece já que a argumentação se pautará por consubstanciar decisões a respeito de temas que não apenas despertam grande interesse na sociedade, mas que são de elevada complexidade, os quais demandam a visão tanto dos interessados como também dos experts. Frise-se, então, que as audiências públicas acontecem porque os assuntos tratados nas discussões sobre a constitucionalidade da norma ultrapassam os argumentos meramente jurídicos e, portanto, foca-se o procedimento nos argumentos extrajurídicos e/ou consequenciais. Para MacCormick (1978) o conceito de consequência não se restringe às implicações para as partes processuais e ao valor da utilidade, mas alcança as consequências da norma em que se baseia a decisão e outros valores como: justiça, conveniência pública e senso comum. Então, a retórica é o elemento chave para se analisar esse processo argumentativo. A Audiência Pública como gênero jurídico, discutirá se a norma é justa, mas também útil, que se depreende do gênero deliberativo, não sendo possível distingui-los pelo assunto, como Aristóteles (1982) determinou. Ele distinguia três gêneros: o deliberativo,

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para a assembleia, referente ao útil, o judiciário, para o tribunal, o justo, e o epidíctico, ou demonstrativo, o belo, o honorífico, que se destinava ao elogio ou ao vitupério de uma pessoa. No presente caso, observa-se a possibilidade de empréstimo de lugares e, consequentemente, de argumentos. Pode-se afirmar que a Audiência Pública é o lugar jurídico-político em primazia dos argumentos consequenciais e o reforço dos lugares comuns, ao se estabelecer quais valores serão abordados e como esses se desencadearão, proporcionando a possibilidade ou não de adesão. Por isso, utilizar-se-á como ferramentas os elementos da Análise do Discurso (AD), que permitem verificar a construção de significados, que irão auxiliar na compreensão dos fenômenos culturais, sociais e jurídicos, que interferem na elaboração da ordem jurídica, e, consequentemente, no discurso constitucional produzido nas audiências públicas. Tal fato possibilitará compreender a estrutura argumentativa utilizada para a adesão ou não do auditório, que não se dará apenas pelo lógos, mas também pelo éthos e pelo páthos, como aspectos fundamentais para a persuasão, e, porque não para a possível legitimação da decisão a ser proferida. Palavras-Chave: Discurso Constitucional; Audiência Pública; Retórica; Lugares; Juízo De Valor; Argumentos Extrajurídicos; Argumentos Consequencialistas.

Norma fundamental como axioma de legitimação principiológica em Ronald Dworkin Sherman Soares Silva Hans Kelsen ao erigir o conceito de Norma Fundamental na sua Teoria Pura do Direito, demonstra a existência de um axioma fundamental de validade de qualquer ordenamento de caráter jurídico. Sendo que a mesma, por se tratar de um fundamento pressuposto, não recai nas análises comuns de validade utilizadas à verificação das normas jurídicas (legitimidade na esfera legislativa e controle de constitucionalidade), cabe assumi-lo como ponto de partida preexistente, sem a qual qualquer ordenamento tenderia a retroagir infinitamente na busca de normas hierarquicamente superiores que a justificassem. Kelsen demonstra que o fundamento primeiro de todo ordenamento jurídico é metajurídico, ou seja, toda estrutura normativa de um sistema advém de um axioma fundamental de legitimação jusfilosófica que pela forma se denomina Norma Fundamental. Esse axioma servirá, portanto, não somente de argumento de validade para o ordenamento jurídico, em um contexto de análise purista do Direito, como o austríaco utilizou, mas, de argumento de legitimidade para o atual debate da filosofia do Direito acerca da fundamentação principiológica das decisões, em um modelo que o juiz exerça sua parcela no contraditório (perspectiva não hierárquica do processo) e as partes reconheçam a decisão construída como legítima e eficiente, como no modelo de Direito como Integridade de Ronald Dworkin. O primeiro fato a destacar é que Kelsen, por tentar formular uma teoria pura, obrigou-se a valorar de forma reducionista certos conceitos inerentes à própria análise da estrutura geral do ordenamento jurídico, de modo a manter a rigidez que caracterizaria sua obra e o principal mártir no fundamentalismo do jurista foi a própria formulação da natureza da Norma Fundamental.

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Como já destacado, a norma fundamental é um axioma que serve de análise última tanto para a análise de validade de uma norma em específico quanto do ordenamento por inteiro, entretanto se trabalharmos pela perspectiva de Dworkin de princípios como standards de legitimação da decisão, encontramos a aplicação de uma preposição metajurídica em um sistema jurídico, percebemos que a norma fundamental é também o pressuposto que operacionaliza a utilização dos mesmos na construção argumentativa da decisão. Os princípios por se tratarem de argumentos metajurídicos, podem ou não conter uma posterior positivação no ordenamento, mas, devido a percepção moral estar intrinsecamente refletida em seu conteúdo, não podem ser tratados de maneira reducionista durante tal processo, pois sua aplicação prática é sujeita à diversas variáveis que somente são verificáveis na aplicação ‘in casu’, e que, possuindo um aspecto constitutivo dinâmico, se modificam a cada aplicação, aparecendo aí a percepção construtiva dos precedentes na metáfora romance em cadeia, utilizada pelo jusfilósofo norte americano. Princípios, não são passíveis de julgamento de validade, mas, somente de análise de peso em um caso concreto, portanto aparece a segunda função da norma fundamental, que assim como a primeira tem uma construção singular em cada paradigma cultural quanto ao conteúdo, mas estruturalmente idênticas entre si, que é a dar legitimidade aos princípios. Se princípios, apesar de serem argumentos pressupostos, são em um caso concreto, sujeitos a uma análise de peso, essa análise somente pode ser coesa se um axioma de cunho também metajurídico, a norma fundamental, o tornar legítimo. Princípios, sendo imunes à percepção de validade normativa e, consequentemente da regulação a ela imposta, careceriam de passibilidade de aplicação sem a legitimação advinda da norma fundamental. Dworkin diferencia a aplicação silogística da norma da aplicação dos princípios com a noção de Direito como Integridade, que vincula o mesmo ao paradigma histórico-cultural de uma comunidade. Entretanto, por mais que pareça simplista e hoje, extremamente natural percebermos a atuação dos princípios nas decisões, os mesmos só o podem

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fazê-lo, sem uma análise de validade, por passarem por uma análise de legitimidade, o que remete à estrutura da norma fundamental. Se com Kelsen aprendemos que uma norma só é válida porque uma norma anterior e supra jurídica a concedeu legitimidade (no sentido de validade, que o mesmo usa), para considerarmos sua construção da forma completa, temos que perceber que nos princípios o mesmo ocorre, porém com a definição no sentido de justificação no caso prático. Palavras-Chave: Norma Fundamental, validade, legitimação, princípios.

O Acórdão Omega do Tribunal de Justiça da União Europeia e sua Contribuição Teórica para a Construção de um Constitucionalismo Global Jeison Batista de Almeida

Mestre em Direitos Humanos pela Universidade do Minho (Portugal). Professor Adjunto da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT (Brasil). E-mail: [email protected].

O tema da presente pesquisa consiste numa análise e discussão do Acórdão Omega (2004), do Tribunal de Justiça da União Europeia e sua contribuição para a construção de um constitucionalismo global, com vistas as particularidades de Direito doméstico dos Estados. Em que pese o fracasso da aprovação de uma carta constitucional europeia, a doutrina contemporânea tem admitido a existência de uma constituição material que tem como finalidade, sobretudo, a proteção dos direitos fundamentais. A proteção dos direitos fundamentais no contexto da União Europeia é subsidiada, em grande escala, pela jurisprudência do Tribunal de Justiça que, desde o Acórdão Stauder (1969), vem argumentando em favor da proteção dos direitos fundamentais. No contexto da produção jurisprudencial do Tribunal de Justiça, infere-se que a proteção dos direitos fundamentais na União Europeia, funda-se em três fontes, sendo elas: os princípios constantes dos tratados constitutivos da União; as tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e; os instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos. Tendo em vista esta tríplice proteção dos direitos humanos/ fundamentais, quando se está em demanda uma norma que assegure estes direitos, por efeito de uma regra na teoria geral dos direitos fundamentais, comuns aos níveis de proteção (nacional, europeu e internacional), preza-se pela norma que assegure, na esfera jurídica do destinatário, a proteção mais elevada entre os níveis de proteção existentes. Deste modo, questiona-se a aplicação do princípio do primado na norma de direito europeu, que a grosso modo, pode ser explicado como

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um meio para garantir a aplicação da norma europeia em detrimento da norma interna dos Estados-Membros, ainda que em grau constitucional. Diante desse quadro, é possível levantar-se algumas problemáticas, tais como: um direito previsto pela norma europeia pode ser restringido por ser contrária aos valores fundamentais protegidos pela Constituição de um Estado-Membro? Se o direito que têm os Estados-Membros de obstar as liberdades fundamentais garantidas pelo Direito Europeu, depende da condição desta restrição se basear numa concepção de Direito comum aos Estados-Membros? Ilustração da jurisprudência discursiva do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Acórdão Omega enfrenta a problemática posta. O acórdão em apreço em poucas linhas assim se resumiria: a) tem-se um padrão nacional no direito alemão de proteção dos direitos fundamentais exigidos pela Constituição; b) a ter em vista esse padrão de resguardo dos direitos fundamentais – a dignidade humana, em especial –, autoridades competentes, proibiram que um jogo que vai de encontro a este padrão de proteção fosse comercializado; c) uma vez que o jogo proibido utilizava produtos e serviços oriundos de outro Estado-Membro da União Europeia, a referida proibição afetava as liberdades garantidas pela ordem comunitária; d) a União Europeia assegura a proteção aos direitos fundamentais e; e) o Tribunal de Justiça admite que mesmo que o padrão de proteção dos direitos fundamentais na Alemanha não seja comum aos outros Estados-Membros – ao revés disso é uma proteção mais elevada –, está apta a obstar as liberdades asseguradas no Direito Europeu, se o exercício de alguma liberdade for violadora dos direitos fundamentais. Através da análise do referido acórdão, buscamos identificar elementos teóricos que possam subsidiar a construção de um constitucionalismo global. Para desenvolver esta problemática, partiu-se do método dedutivo, valendo-se da pesquisa bibliográfica na doutrina especializada, da análise dos tratados constitutivos da União Europeia e especialmente na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Busca-se, portanto, na experiência jurídica europeia e na respeitada jurisprudência do Tribunal de Justiça, os elementos teóricos que visam proporcionar a proteção dos direitos fundamentais, numa comunidade global, mas sem deixar às margens as concepções domésticas de proteção destes direitos.

Red judicial interamericana y constitucionalismo multinivel Paola Andrea Acosta Alvarado

Doctora Suma cum Laude en derecho internacional y relaciones internacionales, Universidad Complutense de Madrid. Docente investigadora, Universidad Externado de Colombia. Bogotá. Colombia. [email protected]

Desde nuestro punto de vista, gracias a la creciente interacción entre los jueces de protección, nacionales e internacionales, es posible hablar de la existencia de una red judicial que ayuda a la constitucionalización del escenario internacional. En la primera parte de nuestro trabajo, daremos cuenta del contexto, las normas y las herramientas jurisprudenciales que permiten el diálogo interjudicial que da lugar a la red judicial interamericana. Así mismo, expondremos los efectos que tiene la existencia de esa red (entre otras, resaltaremos la existencia de un ius commune interamericano y el papel de la CorteIDH como tribunal constitucional) sobre el derecho internacional, el derecho constitucional nacional, las relaciones entre ambos y, en general, sobre la efectividad de la protección ofrecida a los individuos. En la segunda parte, expondremos la relación entre la red judicial interamericana y el proyecto de constitucionalización multinivel en el escenario regional. Desde nuestro punto de vista, dicha red es herramienta y, al mismo tiempo, resultado del proceso de constitucionalización internacional, así como motor del mismo. Por una parte, la red judicial pone en evidencia tanto la necesidad cuanto la posibilidad de que se ejerzan funciones constitucionales y que se persigan objetivos constitucionales desde el escenario internacional. Por la otra, la interacción en la que se basa ayuda a perfeccionar la forma de ejercer dichas funciones. Así, desde el punto de vista sustancial, el proceso de interacción judicial ayuda a reivindicar la existencia de ciertos valores comunes de la comunidad internacional y desde la perspectiva formal, su aporte radica en la articulación de normas, procedimientos y estructuras para el ejercicio de funciones constitucionales desde el escenario internacional principalmente

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la protección de dichos valores esenciales y, con ello, el desarrollo ‘the rule of law’ tanto a nivel nacional cuanto internacional. Finalmente, la red judicial, en especial el ius commune que de ella emana, sirve como ente articulador del proceso constitucional más allá de la región y más allá del asunto de los derechos humanos.

Sistema carcerário brasileiro e Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: uma análise do caso da unidade de detenção Urso Branco

Cinthia de Cerqueira Alves

Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); Bahia, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Vive-se no Direito Internacional a expectativa da efetivação dos direitos humanos através do fomento de medidas que possam fortalecer a existência humana. Tal intento é buscado através do funcionamento de sistemas globais e regionais de proteção e promoção dos direitos humanos. Nesse cenário, o Brasil integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), sendo membro do Sistema Regional Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH). Tal sistema, composto pela Comissão e pela Corte Interamericana, atua como órgão fiscalizador da implementação de medidas públicas que visem à satisfação das necessidades humanas, e também como via contenciosa ao apurar denúncias de violações de direitos humanos em qualquer dos Estados partes. Desse modo, os indivíduos que sofrerem violações de direitos humanos podem recorrer ao sistema para obter a reparação quando há a incapacidade das instâncias nacionais em promover a justiça. O SIPDH objetiva promover mudanças abrangentes, pois os efeitos das decisões e medidas tomadas não se restringem ao caso apreciado, mas abarcam a coletividade a fim de impedir a ocorrência de novas violações. A efetivação dos direitos humanos ainda é um desafio na realidade brasileira, onde há um imenso fosso entre o ideal de proteção promovido pelo SIPDH e os fatos. Para ilustrar essa dissonância, trazemos a análise da situação do sistema prisional brasileiro através do caso que foi alvo de Medidas Provisórias emanadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, e está relacionado às violações de direitos huma-

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nos cometidas na Casa de Detenção José Mário Alves, conhecida como Presídio Urso Branco, localizada no estado de Rondônia. Dentro dessa unidade prisional ocorreram vários episódios de tortura e homicídios perpetrados pelos presos e pelos agentes penitenciários, há também um contexto de superlotação e falta de bens e serviços básicos, como água, medicamentos, produtos de higiene e atendimento médico. Essa análise visa verificar o nível de facticidade interna das decisões emanadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos diante de países soberanos como o Brasil. O recorte proposto mostra relevância ao analisar os impactos internos em termos políticos e judiciais que são gerados pela apreciação de casos de violação de direitos humanos pela Corte Interamericana. Propõe, dessa forma, avaliar como se opera o modelo de coerção internacional frente ao direito interno no Brasil, analisando uma situação específica (o desrespeito aos direitos humanos no sistema carcerário), a partir de um caso concreto apreciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Urso Branco). Preocupa-se não só com a facticidade das decisões condenatórias da Corte interamericana, mas também com a efetividade de todo o sistema de medidas que o SIPDH utiliza para combater a violação dos direitos humanos. Por fim, observando o objetivo do SIPDH de que suas resoluções e decisões em casos isolados repercutam de modo geral no âmbito interno, evitando novas violações de direitos humanos, ponderamos como as Medidas Provisórias emanadas pela Corte Interamericana no caso Urso Branco podem servir de parâmetro para analisar situações de desrespeito aos direitos humanos em outros presídios brasileiros. Desse modo, o esforço proposto visa identificar em que medida as autoridades brasileiras encarregadas de dar efetividade aos parâmetros constitucionais consideram decisões emanadas de uma instância internacional para tomar suas próprias decisões. Em última análise, pretende-se identificar a abertura do constitucionalismo brasileiro para o diálogo com uma ordem jurídica internacional.

Constitucionalismo global: novo paradigma para a proteção dos direitos humanos

Priscilla Saraiva Alves

Pós-graduanda lato sensu em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza. Brasil. [email protected]

O que se denominou de Estado de Direito Internacional, surge da comunhão coordenada de vontades entre as nações, constituindo o que Valério Mazzuoli denomina de terceira onda evolutiva do Estado, do Direito e da Justiça: o Internacionalismo. A base principiológica desta terceira onda evolutiva decorreu da passagem do princípio do domestic affair (ou da não ingerência) para o do international concern, implicando uma responsabilidade internacional no que concerne à proteção dos direitos e garantias fundamentais, que é a finalidade maior de todos os ordenamentos jurídicos. As velhas estruturas sofrem pressões pela necessidade de serem repensadas, remodeladas e rediscutidas, política e culturalmente. Problemas antes vinculados às fronteiras domésticas dos Estados se tornaram questões de legítimo interesse da comunidade internacional. A globalização, acelerou a transnacionalização das relações econômicas e financeiras, oportunizando principalmente a intensificação das relações sociais e enfraquecimento do Estado-Nação, conectando e transformando-os, em prol de um pacto internacional pela proteção de direitos de caráter supranacionais. Apesar dos constantes esforços para que o Direito Internacional não se confunda com um simples aglomerado de regras, todas dispostas aleatoriamente, sem critérios pré-definidos que as tornem um todo coerente, tal confusão se observa com a globalização advinda pós século XX. Os diversos organismos internacionais proferem decisões baseadas em normas conflitantes entre si (caso Mox Plant, por exemplo), comprometendo, esta assimetria, na construção de um diálogo entre as diversas fontes do Direito Internacional, que busca resolver as contradições e os conflitos no pla-

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no externo. Como consequência disto, o Direito Internacional vem apresentando fissuras em sua unidade, revelando um caráter extremamente fragmentário na contemporaneidade, comprometendo o fortalecimento e a coerência das jurisdições internacionais, as quais tornaram-se fracas, e desse modo, incapazes de lograr êxito no seu objetivo principal de garantia da concretização dos Direitos Humanos. O Direito Constitucional não pode alhear-se da realidade que o cerca, o que implica a necessidade de ampliação do constitucionalismo para um nível global a partir de uma reflexão acerca das três teses sobre o direito global, bastante exploradas por Gunther Teubner, quais sejam, a teoria do pluralismo jurídico, que leva em conta os processos espontâneos da formação de direito na sociedade mundial, a tese de que o direito global não é Direito Internacional, mas constitui, um ordenamento jurídico diferente, e a tese de que a distância desse novo direito mundial da política nacional e do Direito Internacional não significa a formação de um direito apolítico, longe disso, considerando que o agir dos novos atores jurídicos globais contribui para a sua repolitização, talvez não por meio de políticas institucionais convencionais, mas de processos pelos quais o direito é vinculado a discursos sociais altamente politizados. A projeção global de um catálogo de direitos, baseados naqueles encontrados nas declarações da ONU, bem como, um núcleo pétreo de temas que contaria com proteção máxima, propugnariam pela formação de um constitucionalismo cooperativo, onde residiria a maior vantagem desse sistema. Muito tem-se discutido acerca da necessária superação de fronteiras e remodelação do conceito de soberania, arraigado na teoria de Maquiavel e Jean Bodin, para uma mudança de paradigma no discurso constitucional, que vinculado à realidade interna, deve ser inserido na realidade global. Acerca da soberania externa, argumenta-se que esta não se coaduna com a sujeição do poder à lei, e igualmente é contrária à vigência das atuais cartas internacionais que proclamam direitos. Considerando a força de um Direito Internacional, embasado na autonomia dos povos, e não na soberania dos Estados, é que autores como, Luigi Ferrajoli, são deferentes à adesão de valores

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relativos a um constitucionalismo de caráter mundial, munido de garantias jurisdicionais globais acompanhados de uma filosofia política liberal-socialista. Apesar de ser uma realidade ainda insipiente, faz-se necessário o reconhecimento da pertinência de uma constituição material global, munida de jus cogens internacional e de princípios compartilhados, em suma, integrada por valores comuns, tendo como suporte as experiência consumadas nas sociedades democráticas e a jurisprudência consolidada pelas cortes internacionais, especialmente em matéria de Direitos Humanos, concluindo por conceber um Direito Constitucional global, que emerge da comunhão de valores, principalmente aqueles ligados à dignidade da pessoa humana.

A teoria jusnaturalista dos princípios de Antônio Augusto Cançado Trindade e a sua reconstrução à luz da teoria do discurso de Jürgen Habermas Bruno de Oliveira Biazatti

Estudante do 7º período do curso de Graduação em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

O jurista brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade leciona que o Direito Internacional não é composto somente por regras, mas também por princípios. Esta perspectiva conceitual é o resultado do processo de humanização das normas internacionais, iniciado no fim da Segunda Guerra e que se alonga até os dias atuais, caracterizado pela expansão e consolidação dos direitos humanos no sistema jurídico internacional. Tal fenômeno acarretou a reconsideração dos fundamentos do Direito Internacional, levando a desconstrução de modelos positivista/voluntaristas e deslocando a ênfase do próprio Direito para o bem estar do homem. Diante disso, segundo ele, se faz evidente o despertar de uma consciência jurídica universal, como reflexo deste novo paradigma, já não mais estatocêntrico, mas que posiciona os interesses da humanidade como objetivo último do fenômeno jurídico. Esta consciência jurídica universal, definida como o sentimento de preservação da pessoa humana e que permeia toda a Comunidade Internacional, é o fundamento direto dos princípios. Em linhas gerais, todas as normas internacionais encontram fulcro na consciência universal, sendo, portanto, a fonte suprema de validação normativa. Cançado Trindade defende que a consciência jurídica universal deve ser lida como uma concepção jusnaturalista de validação, impondo certos pressupostos transcendentais de natureza axiológica, que garantem coesão, coerência e legitimidade ao corpo normativo internacional. Nesse prisma, o jurista brasileiro assevera que os princípios internacionais são, em última análise, princípios

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de Direito Natural, pois o sistema jurídico precisa da proeminência de valores superiores, capazes de orientar a dinâmica internacional e atender as aspirações humanas. Assim, o Direito Natural na visão de Cançado Trindade não busca resgatar concepções jusnaturalistas clássicas, mas sim reafirmar de maneira enfática padrões mínimos de justiça e, desta forma, reforçar a universalidade dos direitos humanos, que estão totalmente fora do escopo de barganha pelos Estados. In fine, o restabelecimento do jusnaturalismo contribui para a sedimentação do primado de valores homocentristas, de forma a constituir-se, no fim, um processo de moralização do próprio Direito, como um imperativo da humanidade que transcende a vontade estatal. A grande ambição de Cançado Trindade é, portanto, deslocar a formação do Direito Internacional do consentimento e da vontade estatal para as necessidades da humanidade. Tirar a pessoa humana da posição de mera coadjuvante, que simplesmente assisti a formação e transformação do Direito Internacional pelos e para os Estados, a fim de coloca-la no status de protagonista, cujos interesses se tornem o centro e a finalidade maior do sistema normativo internacional. De tal modo, os princípios internacionais são indispensáveis, pois constituem o substrato da ordem jurídica, baseada no conceito de justiça objetiva, advinda tipicamente do Direito Natural. Eles são superiores a própria vontade dos sujeitos internacionais, vez que são o reflexo direto da busca de justiça pela humanidade e peça chave para a edificação de um sistema normativo verdadeiramente universal. É nesse sentido que Cançado Trindade os defini como os “pilares básicos do sistema jurídico internacional”. Todavia, não é difícil perceber que a tese deste douto brasileiro é problemática. Seu trabalho é louvável quando advoga que a moral tem papel relevante no Direito Internacional e também o homocentrismo que permeia as normas internacionais, em detrimento do protagonismo dos Estados. Todavia, adotar uma concepção jusnaturalista para fundamentar a influência axiológica no Direito se revela uma argumentação ultrapassada para defender uma teoria atual e muita promissora. Acredito que uma solução mais atraente é usar a racionalidade prática linguisticamente

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concebida, a fim de criar uma tese condizente com o giro linguístico-pragmático da Filosofia Contemporânea. Nesse prisma, fez-se mister citar o alemão Jürgen Habermas, quando defende a Ética do Discurso, voltada para a concepção de normas que gozem de aceitabilidade universal entre todos os participantes do discurso (princípio da universalização). Assim, o conteúdo do Direito Internacional só será legítimo, caso decorra de um discurso regido por regras procedimentais racionais. Substitui-se, dessa maneira, o recurso a elementos jusnaturalistas por um procedimento balizada nas regras do discurso, onde espontaneamente argumentos morais aflorarão e serão aceitos ou rejeitados conforme a força destes argumentos. Destaca-se que o discurso será realizado num “auditório ideal”, onde todos os falantes possuem igual condição de fala, livres de qualquer tipo de coação ou de qualquer interesse egoístico. O próprio Direito Internacional, como positivado na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969), se preocupa em impor regras mínimas para evitar a concepção de tratados mediante corrupção e coerção. Assim, apesar dos méritos da doutrina de Cançado Trindade, são identificáveis certos equívocos em seu trabalho. O presente artigo visa identificar alguns destes pontos fracos e substituí-los por argumentos mais persuasivos, de forma a maximizar o poder de convencimento da tese humanista de Cançado Trindade.

La naturaleza como “grundnorm” e “tertium comparationis” del “constitucionalismo global” Michele Carducci

Profesor ordinario de Derecho Constitucional Comparado, Centro Didáctico Euroamericano sobre Políticas Constitucionales, Universidad del Salento, Lecce, Italia, [email protected].

Lidia Patricia Castillo Amaya

Doctora en Derecho por la Universidad de Bari en Italia, Posdoctoranda PNPD/CAPES en Programa de Posgraduación en Derecho de la Universidad Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil, [email protected]

La humanidad se encuentra en “déficit ecológico” respecto a la Tierra, pues los sistemas de producción obtienen recursos naturales más allá de cuanto la naturaleza misma es capaz de proporcionar. Una “crisis de civilización” del consumo y la explotación de los recursos naturales, legitimada por las instituciones que han construido dicha civilización y por las desigualdades globales que la han avalado, parece ser inminente. ¿Cómo es posible pensar en una sociedad mundial más igualitaria, más justa, más digna en el respeto de los derechos y de las libertades , si los Estados, cuyas Constituciones nacionales persiguen dichos “valores”, hacen poco o nada para evitar la auto-destrucción del planeta? En el presente trabajo pretendemos problematizar las actuales interrogativas respecto a la relación entre ecosistema terrestre y el constitucionalismo nacional y global, descubriendo la relación entre las semánticas del constitucionalismo y la naturaleza, evidenciando las concepciones de comparación constitución que se difunden en la actualidad en el debate sobre el constitucionalismo global, y discutiendo nuevas y originales propuestas alternativas. Así, iniciamos discutiendo el logos eurocéntrico y antropocéntrico del derecho constitucional, que encuentra su fundamento en la idea de que la convivencia humana está determinada únicamente por la dialéctica entre libertad y autoridad entre los seres humanos, y que

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hemos denominado, citando a Rousseau, el “dilema del cazador”. Este logos reduce además a la naturaleza a “objeto” legitimando y justificando así la relevancia de la economía sobre la ecología, y ha otorgado hasta hoy, las bases para todas las propuestas políticas y metodológicas sobre la convivencia en el planeta tierra. Continuamos argumentando que el debate sobre el constitucionalismo global, entendido como “diálogo judicial”, se mantiene dentro de ese mismo logos y reproduce el “dilema del cazador” (libertad individual versus autoridad) predicando el valor absoluto de la libre autodeterminación de la libertad individual, ignorando la necesidad urgente de debatir el futuro no sólo de los individuos, sino del conjunto de la humanidad entera como un ser vivo en el planeta Tierra; olvidando que el “déficit ecológico” del planeta requiere de una respuesta rápida en términos de “autoridad” global y no de “libertad” global ; y terminando por hacer caso omiso de la paradoja ambientalmente catastrófica de la condición humana, es decir, decidir sobre su propia supervivencia a través del consenso; y por lo tanto, a la vez que oculta que el verdadero reto del “constitucionalismo global” no reside en la conquista continua de nuevas libertades, sino más bien en la construcción de una “autoridad” de democracia global “eco-compatible”. Además, apuntamos las limitaciones del enfoque comunicativo originado por las decisiones judiciales acerca de derechos humanos para la construcción de un derecho verdaderamente general, por medio del cual las “autoridades” de la escena mundial puedan llegar a garantizar supervivencia humana como un beneficio común global. Ante esas limitaciones, analizamos y valoramos los innovadores y relevantes aportes del “nuevo constitucionalismo” andino y las propuestas de la constitucionalización global del “derecho a la democracia” de la Unión Africana, como tentativas constitucionales, provenientes de la “periferia” de la modernidad, que presentan un elemento común muy importante: emanciparse del individualismo metodológico del “dilema del cazador”. Ambas propuestas convergen en la importancia de un constitucionalismo, que no sea confiado a la “comunicación trans-judicial” solamente, sino que discuta la legitimidad democráti-

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ca de la convivencia social asumiendo a la naturaleza, y no a la libertad o a la autoridad, como “Grundnorm” de las opciones de “buen vivir” de toda la humanidad (contribución del “nuevo constitucionalismo” andino), y la democracia como praxis cotidiana de discusiones y debates participativos sobre el futuro de la especie humana (propuesta de la Corte Constitucional internacional de la Unión Africana). Finalmente proponemos debatir sobre una ontología de las Constituciones “en sentido natural”, relacionada con el reto de la supervivencia humana dentro ecosistema terrestre, y definir a la naturaleza como “tertium comparationis” del “constitucionalismo global”: como un elemento ineludible de evaluación de las políticas constitucionales presentes y futuras., pues sostenemos que discutir la función de las Constituciones respecto al “déficit ecológico” es un imperativo mucho más importante, imprescindible y prioritario, que discutir sobre el “diálogo judicial” y cuales derechos individuales deban o no globalizarse.

Memória, estigmas e compreensão do Direito Muçulmano Marcelo Kokke Gomes

Formado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pósgraduado em Processo Constitucional pelo Instituto Metodista Izabela Hendrix. Mestre e Doutorando em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC - Rio. Aperfeiçoamento em Constitutional Struggles in the Muslim World University of Copenhagen. Professor de Direito Constitucional - Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor de pós-graduação PUC-MG e IDDE. Professor Colaborador da Escola da Advocacia-Geral da União. Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Especializada junto ao IBAMA em Minas Gerais. Brasil – [email protected]

A busca por um constitucionalismo global e análise de bases para construção potencial de uma comunidade de princípios internacional exige o enfrentamento do debate da alteridade, com a tematização de compreensões diversas do Direito e do que envolve o próprio constitucionalismo. O debate da alteridade, apoiado em questionamentos de pensamentos hegemônicos, reclama compreensão e abertura para entendimento do Direito Muçulmano, da configuração constitucional elaborada sob esta matriz. Uma em cada cinco pessoas no mundo professa a compreensão muçulmana da realidade, fechar as portas para buscar entender os pilares que sustentam sua forma de ver, pensar e formular o Direito equivale a fraturar o próprio debate da alteridade e inviabilizar a real busca por um constitucionalismo global. Estes fatores impelem tomada do jurídico enlaçada a fatores histórico-culturais, em um Direito que é inerentemente concebido sob o prisma moral na perspectiva jurídica islâmica da Sharia. A religião, embora fonte do Direito Muçulmano, não pode ser considerada como “o fator” de conformação jurídico-social da realidade vivenciada pelos países islâmicos. Elementos econômicos e políticos, ligados principalmente à forma como se procedeu à incursão da Modernidade em seu patamar hegemônico europeu, são determinantes na apresentação contemporânea da realidade dos países muçulmanos. A expressão hegemônica de uma forma de progresso

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que impôs aos países muçulmanos um custo humano desmedido, convertendo realidades, culturas e sociedades em instrumentos ou meio foi determinante na desagregação e abertura para movimentos de vertente extremista hoje erigidos em desafio visualizado pela comunidade internacional. A forma como se procedeu à incursão de instituições de controle e instrumentalização a favor de políticas e da economia dos ocidentais centrais levou ao sufocamento da tolerância e à abertura ao extremismo, desconstruindo uma realidade secular, principalmente na região correspondente ao desintegrado Império Otomano, onde se destacavam o sistema Millet e o regime Dhimmi. Dois dos fatores proeminentes para a análise de impactos justificados sob a imagem da implantação do progresso próprio da Modernidade são a política imperialista, pretensamente legitimada pela Liga das Nações, de 1919, e a instrumentalização econômica relativa ao petróleo. A conjuntura jurídica e constitucional dos países islâmicos está ligada à perspectiva própria do Direito, cuja matriz é originalmente forjada nas relações comunitárias e privadas, sem uma organização política institucionalizada. A razão é combinada com a revelação na geração e construção da Sharia, sendo encadeadas relações de vida em sua totalidade para compreensão do papel do jurídico, que não pode ser apartado da moral e da vida da comunidade. Neste cenário, o Autor-Jurista assume o papel de ponte entre a produção normativa do Mufti e a aplicação do Juiz, mas sua ascendência é superior a ambos, pois cabe a ele extrair e desenvolver na maior medida o Direito Muçulmano, com tratados sobre a Sharia. As bases do Fatwa são expandidas, procedendo os Juízes ao estudo e à aplicação de seus entendimentos. A tarefa do Juiz no Direito Muçulmano, na Sharia, não se resume à adjudicação. O Juiz assume funções extrajudiciais, por isto não é somente Juiz, seu papel é denominado por Qadi. A elaboração de prescrições de conduta não se aparta da produção moral comunitária, presente nos Fatwa e moral-religiosa, exponenciada pelo Hadith. O Qadi é o Juiz judicial e extrajudicial da Sharia, com função de guardião jurídico e moral da comunidade, tutelando-a em vários aspectos do contexto social, cabendo-lhe desde a resolução de

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conflitos até tutoria de órfãos e menores.1 A questão dos problemas sociais ligados aos países muçulmanos possui raiz em fontes econômicas e políticas, muito mais do que em causas religiosas, o que reflete no constitucionalismo. Compreender o Direito Muçulmano é passo necessário para pensar um constitucionalismo global e uma real comunidade internacional. Para tanto, faz-se necessário quebrar estigmas e estabelecer um novo padrão de reflexão, centrado em Walter Benjamin, manejando o constitucionalismo por meio da memória e da redenção como meios de afirmação da alteridade. Notas A abordagem do Direito Muçulmano em si é abordada com base nas seguintes obras: Hallaq, Wael B. An introduction to Islamic Law. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2009. Afsah, Ebrahim. Constitution-Making in Islamic Countries – A Theoretical Framework. In: Constitution-Making in Islamic Countries: Between Upheaval and Continuity, ed. by Rainer Grote and Tilmann Röder Oxford: Oxford University Press, 2010. Ahamed, Farrah. Personal Autonomy and the Option of Religious Law. Oxford Student Legal Research Paper Series Paper number 12/2011. October – 2011.

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A aprovação da Lei Geral da Copa e a suspensão de direitos: entrelaçamentos e interferências transnacionais na ordem constitucional

Cícero Krupp da Luz

Doutor em Relações Internacionais pela USP. Professor do Mestrado em Constitucionalismo e Democracia da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM. Brasil. [email protected]

Não há um Poder Legislativo no âmbito mundial, tampouco uma constituição mundial. Há, contudo, uma notória, hipercomplexa, interferência de processos e representação legislativa que tem ganhado força e eficácia na incorporação de normas internacionais ao âmbito doméstico. Esses dois vértices – processo legislativo e diplomacia parlamentar – dão consistência à análise ao Poder Legislativo, por serem a forma legislativa e representação democrática na atual configuração do direito internacional: fragmentado, descontínuo e heterárquico . Na perspectiva de uma sociedade hipercomplexa/policontextural, ambivalências tradicionais, como nacional/internacional, esquerda/direita, nacional/estrangeiro, tornam-se insuficientes para dar conta da intensa malha de ordens jurídico-políticas e da diversidade de temas e regimes internacionais que tencionam a literatura para um novo debate. Esse novo debate retoma o tema da legitimidade e déficit democrático do direito internacional. A descontínua e fragmentada ordem internacional é resultado de ordens supranacionais e transnacionais emergentes, que proporcionam casos de processos e representação legislativa de natureza singular, como os casos do entrelaçamento de ordens transnacional /nacional no caso FIFA/Brasil, caso a ser explorado no presente trabalho. O déficit democrático geralmente é associado ao debate sobre governança. Essa noção compreende um governar por preferências e normas, regimes e práticas que não têm centro localizável ou ethos. Constantemente compreende, também, um penetrar e redefinir a soberania dos Estados na disputa por espaços de ação no plano mundial.

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Os entrelaçamentos legislativos devem ser analisados com os preceitos constitucionais de formas democráticas de processos, como garantia no procedimento adotado e acesso a representantes diretamente eleitos pela sociedade. A diplomacia parlamentar é a representação apta a projetar uma governança que desenvolva um papel fundamental de accountability (ou fiscalização democrática) e legitimidade. Portanto, o esclarecimento sobre a natureza desse fenômeno torna-se um novo ponto de debate para o desenvolvimento democrático de um processo político no plano mundial. Essa dimensão na escala de poder abre espaço para a multiplicidade de atores que geram mudanças na forma da sociedade mundial, e tem-se a passagem de um sistema hierárquico para uma heterarquia, fruto da participação global de diferentes níveis dessas organizações: locais, nacionais, supranacionais e/ou transnacionais. Dá-se início, então, a um projeto horizontal de relações internacionais, por meio de novas esferas autônomas de autoridade. Se a resposta waltziana enfatiza o caráter do Estado como ator incondicional, nos contextos da globalização e da governança global, tem sido sustentado o contrário: sua diluição entre outros atores, com importância cada vez maior na construção de uma heterarquia, em que o Estado é apenas um ator entre tantos, na busca de interesses próprios ou coletivos.Esses casos são fontes primárias na busca de uma unidade jurídica internacional frente ao avanço entrópico de iniciativas e processos legislativos (supra/inter/ trans) nacionais que moldam um sistema em que a sua síntese mais apurada se parece com um entrelaçamento constitucional instável. A partir desse cenário, o objetivo do artigo é avaliar no caso concreto da aprovação da Lei Geral da Copa, o papel das ordens transnacionais, nesse caso, da Lex Sportiva do Futebol, para a incorporação de novas legislações que suspendam direitos ou garantias constitucionais.

A problemática de um constitucionalismo global em face da soberania dos estados

Eduardo Silva Luz

Estudante do 6º Período de Direito, na Associação de Ensino Superior do Piauí. Brasil. [email protected].

Hodiernamente nossa sociedade, de acordo com Neves¹, nossa sociedade já nasce desvinculada de organizações políticas e territoriais de um único Estado, devido principalmente ao contato constante, com outras culturas e outros países. Esse processo é decorrente do que passou-se a chamar no final do século XX de Globalização. O Conceito de Globalização desenvolve-se principalmente pelo aumento das relações econômicas e interdependência dos países entre si, porém embora tenha sua gênesis devido ao livre comércio e a criação de Blocos Econômicos entre os países, após o final da Segunda Guerra Mundial, hoje esse conceito se torna cada vez mais abrangente com o desenvolvimento tecnológico, combinando um conjunto de fatores, sociais, políticos e culturais, que causam uma interação maior entre as pessoas, causando principalmente a sensação de pertencimento a uma comunidade mundial. Com essa nova sociedade integrada, e a relação de dependência entre os países, cada vez maior, e o avanço do Direito internacional, na regulação das relações entre os estados, surge no mundo jurídico, o conceito de Constitucionalismo Global este deverá ter o condão de garantir a busca pela paz mundial e a internacionalização dos direitos individuais e sociais, e no atual estágio de desenvolvimento humano um constitucionalismo global tem que proteger e garantir também os Direitos Fundamentais de Terceira Geração como exemplo o Meio Ambiente Ecologicamente Correto. A primeira questão a tratar deve ser, sobre o que seria o Constitucionalismo e a diferença dele para Constituição, afinal é possível haver o primeiro sem a necessária existência do segundo, exemplo do

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Common Law Inglês, em que existiu um Movimento Constitucionalista, mas não propriamente uma constituição. Sobre Constitucionalismo podemos transcrever a definição de Bobbio² em seu Dicionário Político, “a técnica jurídica pela qual é assegurado aos cidadãos o exercício dos seus direitos individuais e, ao mesmo tempo, coloca o Estado em condições de não os poder violar”. O Constitucionalismo Global, só teria o condão de legitimar o que já passou ocorrer desde o Fim da Segunda Guerra Mundial, quando o individuo de forma mais clara, passou a ser sujeito de direito internacionais e poder exercer esses direitos, a esse respeito, temos os vários Tratados que Garantiam os Direitos Fundamentais. Porém, quando tratamos de um constitucionalismo global, passa-se a bater de frente com os conceitos de soberanias de um Estado, tornando-se esse o motivo de certa aversão por parte de alguns doutrinadores e países na realização plena de Constitucionalismo Global. A Soberania tal como concebemos decorre, principalmente da formação dos Estados-Nacionais, do mundo moderno, que buscavam sua afirmação, e garantir seus poderes dentro de seus territórios sem sofrer nenhuma influência externa. Daí deriva o conceito de soberania de ser uma autoridade que não se limita a nenhum outro pode. Temos então uma Soberania plena, que não poderia sofrer nenhuma limitação. Porém, deve-se entender que esse conceito de soberania está ultrapassado, pois que com a interdependência entre os países, e a busca por uma garantia de direitos fundamentais universais, temos que a Soberania passaria a ser limitada, a princípios internacionais e a um começo de Constitucionalismo Global. A respeito assevera Luigi Ferrajoli ³ que a soberania “a deixa de ser, com eles, uma liberdade absoluta e selvagem e se subordina, juridicamente, a duas normas fundamentais: o imperativa da paz e a tutela dos direitos humanos.” Assim essa limitação no conceito e aplicação da soberania, não seria um retrocesso, mas sim uma evolução, decorrente de um fortalecimento do Direito Internacional, e do Jus Cogens que segundo Canotilho4 seria proteção à vida, liberdade e segurança, e o direito à autodeterminação como direito básico da democracia, com isso tería-

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mos uma soberania constituinte limitada a princípios internacionais, dando origem assim ao Constitucionalismo Global. A respeito do que já foi exposto alhures, conseguimos, apreender que o Constitucionalismo Global, de maneira alguma viria suprimir a Constituição de um Estado, esse argumento é uma falácia. De maneira inicial, esse novo modelo constitucionalista, estabeleceria regras gerais, como exemplo o caso Direitos Humanos, e Fundamentais, que deveriam servir de moldes para as Constituições dos Estados. E nesse sentido as Constituições dos Países Latino-Americanos, já demonstram um avanço pois trazem em seus artigos, um tratamento diferenciado, aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Porém ainda existe um longo caminho a avançar. Os Estados e suas sociedades, estão caminhando para uma universalização de direitos e normas, e a existência de um Constitucionalismo Global torna-se necessário, principalmente para uma maior proteção aos direitos individuais e a consagração da paz, que não devem ser previstas e restritas apenas a Tratados, mas devem constar nas constituições e ter meios que possam garantir sua validade. Palavras-Chaves: Constitucionalismo Global, Direitos, Estados, Soberania. Referências ¹NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 26-27. ²MATTEUCCI, Nicola. Verbete “Constitucionalismo”. In: BOBBIO, Norberto; Dicionário de política.Tradução de João Ferreira . Brasília: Editora UnB, 1986. p. 120. ³FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39-40. 4

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. Ed. Coimbra: Almedina, 2008. p. 1370-1371.

KELSEN, Hans, CAMPAGNOLO, Umberto. Direito Internacional e Estado Soberano. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

A Hierarquia Constitucional dos Tratados de Direitos Humanos Incorporados ao Ordenamento Jurídico Brasileiro Ana Carolina Rezende Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil. [email protected]

O trabalho busca analisar a importância dos tratados internacionais de direitos humanos enquanto instrumentos de efetividade na consolidação do sistema constitucional de proteção dos direitos e garantias fundamentais, bem como dos próprios objetivos do Estado Democrático de Direito. Apesar da persistência de controvérsias acerca da interpretação do art. 5º, §3º, da Constituição da República de 1988 com relação à posição hierárquica assumida por esses tratados no plano das fontes normativas do ordenamento jurídico brasileiro, conclui-se que a inclusão do referido parágrafo em nada alterou a estatura constitucional dos tratados de direitos humanos. O ordenamento jurídico brasileiro, através dos arts. 1º a 4º da CR/88, dispõe que o Estado Democrático de Direito formado terá como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana; no âmbito das relações internacionais, o art. 4º, II, reitera que a República reger-se-á, da mesma forma, pela prevalência dos direitos humanos. O reconhecimento expresso do primado da dignidade humana como princípio norteador da República, internamente ou nas suas relações internacionais, demonstra a abertura constitucional ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos1. Somam-se a esse quadro os §§ 1º e 2º, do art. 5º, da CR/88, segundo os quais as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata e incluem os direitos decorrentes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Desta forma, faz-se necessária uma interpretação constitucional sistemática, visando à efetivação

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dos direitos consubstanciados nesses tratados e, consequentemente, dos próprios objetivos da República. Os tratados internacionais de direitos humanos apresentam-se, portanto, como importantes instrumentos para a consolidação do sistema constitucional de proteção dos direitos e garantias fundamentais, permitindo a ampliação do rol de direitos protegidos e aperfeiçoando o Estado Democrático de Direito2. Trata-se de ferramenta essencial para a construção dos Direitos Humanos na perspectiva do constitucionalismo moderno, fundado em uma sociedade plural, no qual a Constituição é um projeto em desenvolvimento contínuo, em decorrência do próprio caráter histórico dos Direitos Humanos3. A partir dessa análise, verifica-se que a introdução do § 3º do art. 5º pela Emenda Constitucional 45/2004 não logrou sucesso em seu objetivo de sanar as divergências acerca da hierarquia dos tratados de direitos humanos. A CR/88 já assegurava a estes tratados a natureza de norma constitucional em virtude da disposição do § 2º do art. 5º, por se tratar de cláusula de abertura da Constituição aos direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil é parte, os quais, conforme § 1º do mesmo artigo, também já gozavam de aplicabilidade imediata. Por força do disposto no § 2º, esses tratados, independentemente de seu quorum de aprovação, serão normas materialmente constitucionais, bastando, para se converterem em normas formalmente constitucionais, que percorram o procedimento de aprovação pelo quorum qualificado explicitado pelo § 3º4. Em ambos os casos, porém, integrarão o “bloco de constitucionalidade”5, conforme interpretação condizente com os objetivos sistematicamente expressos pelo texto constitucional, que prima pelos direitos e garantias fundamentais, bem como pelo respeito aos direitos humanos em suas relações internacionais. Conclui-se, mesmo os tratados de direitos humanos ratificados anteriormente à Emenda Constitucional 45/2004 apresentam hierarquia constitucional6. Se, antes da inclusão do § 3º pela referida Emenda Constitucional, a interpretação dos §§ 1º e 2º do art. 5º mais benéfica ao ser humano e à efetividade dos Direitos Humanos era aquela segundo a qual os tratados de direitos humanos gozam de

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aplicabilidade imediata e estatura constitucional, não seria possível, após sua inclusão, uma interpretação mais restritiva e discriminatória da nova regra, exigindo-se que os tratados já ratificados passassem por um novo processo de aprovação pelo Legislativo para serem alçados à condição de normas constitucionais. Notas PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008. p. 30. 2 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito Internacional e Direito Interno: sua Interação na Proteção dos Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em 3 out 2014. 3 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008. p. 56. 4 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 50-51. 5 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: DelRey, 2010. p. 317. 6 O Min. Celso de Mello entende que estes tratados gozam de estatura materialmente constitucional: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 87585-8/TO, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJ 25-06-2009. Voto-vista do Min. Celso de Mello. Para Flávia Piovesan, são normas material e formalmente constitucionais: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008. p. 72-74. 1

As constituições democráticas em face de um constitucionalismo global

Frederico Antonio Lima de Oliveira

Professor da Universidade da Amazônia – UNAMA. Promotor de Justiça de 3ª Entrância do Ministério Público do Estado do Pará. Doutor em Direito de Estado (sub-área - Direito Constitucional) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Público (sub-área - Direito Administrativo) pela Universidade Federal do Pará (UFPa). Pós-graduado em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP), em Direito Sanitário pela Universidade de Brasília (UNB), em Direito Ambiental e Politicas Publicas pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPa) e em Direito Eleitoral pela Universidade Federal do Pará (UFPa). Mestre em Direito Público pela Universidade da Amazônia – UNAMA. (Brasileiro, e-mail: [email protected]).

Alberto Papaleo Paes

Professor da Universidade da Amazônia – UNAMA. Professor da Faculdade de Belém – FABEL. Mestre em Direito Público pela Universidade da Amazônia – UNAMA. (Brasileiro, e-mail: [email protected]).

A Constituição dos antigos podia ser concebida como uma ordem ideal, onde, prescritivamente, o texto constitucional pudesse ser entendido como um ordenamento posto, capaz de preservar e defender o Estado dos desequilíbrios porventura existentes. Os fatores reais de poder nasceram na obra de Ferdinand Lassalle quando lecionou acerca da essência das constituições. Para a contemporaneidade a sistematização do Na antiguidade, as preocupações com estrutura estatal eram bem visíveis, sobretudo, com relação à res publica e a polis, com a construção de uma unidade política e uma cidadania comum. Essa característica da história Constitucional antiga perde espaço para um discurso constitucional medieval, onde, as preocupações constitucionais deixam de pertencer aos campos da política e da moral e passam a pertencer ao mundo do Direito. Estava nascendo alí um direito público fundamentalmente contratual, mas, com sentido eminentemente plural. O período moderno trouxe-nos um choque

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entre o conceito de soberania e o sentido de Constituição, fazendo com que o absolutismo político de um poder soberano e indivisível, contrasta-se com a nova necessidade de sua limitação. Eis que se encontrava o mundo moderno a discutir a natureza do poder soberano que, dado a sua própria natureza, escapa da dimensão constitucional de controle e de contra peso pelos poderes. O debate candente acerca dos novos modelos de representação política do Estado, a presença de um novo povo soberano e a necessidade de se garantir a integridade do texto constitucional, impedindo a inserção de elementos de caráter particular que ameaçavam as características gerais do texto constitucional formaram um tripé de preocupações que haveria de serem conformados pelo constitucionalismo, absorvendo a Constituição o poder soberano e estabelecendo limites e garantias para o seu exercício, sem com isso comprometer a integridade do Texto Maior. As revoluções que instrumentalizaram o final do século XIX deram abertura ao século XX, iniciando um debate sobre as chamadas constituições democráticas onde se procurou uma forma constitucional mais estável de se adequar no plano constitucional o encontro entre democracia e constitucionalismo. Ao chegarmos a esse contexto de análise, concebemos as idéias de Konrad Hesse acerca da força normativa das constituições, como o elo entre a Constituição Jurídica e a Constituição Real. Dessa forma, já enfrentada uma evolução conceitual necessária, aportamos no ambiente especifico deste estudo, que, na contemporaneidade, para os propósitos deste articulado, torna-se importante se contemplar um conceito de constituição que tenha o processo de globalização como um fator real de poder, uma vez que interfere diretamente nas relações econômicas, políticas e sociológicas (culturais). Neste sentido o presente trabalho possui como provocação principal: realizar um diálogo acerca da globalização como um fator real de poder para teoria constitucional. Para tanto será necessário o atendimento de algumas questões norteadoras, como por exemplo: a) fundamentação teórica dos termos “fatores reais de poder” para a teoria de Lassalle e de “Força Normativa” em Konrad Hesse; b) a ideia, ou compreensão de Globalização como um fenômeno que

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acontece para a contemporaneidade; e c) o diálogo teórico jurisprudencial dentro da tradição recente do Brasil. Pragmaticamente, a fim de testar a validade da premissa metodológica da presente pesquisa utilizar-se-ão Jurisprudências do Supremo Tribunal Federal capazes de absorver o processo de globalização para o constitucionalismo, dessa forma, travando uma relação (intrínseca) com os §2º e 3º do artigo 5º da Constituição brasileira.

Constitucionalismo global e as interações entre Direito Internacional e Direito Interno: um olhar crítico sobre o papel dos três poderes na Constituição de 1988 Fabrício Bertini Pasquot Polido

Professor Adjunto de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Professor do Corpo Permanente de Pós-Graduação em Direito da UFMG. Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo. [email protected].

Lucas Costa dos Anjos

Mestrando e graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). [email protected].

Apesar de reconhecido em diversos âmbitos da ordem jurídica interna na atualidade, o debate sobre a relação entre Direito Internacional e Direito Interno, como importante tópico nas disciplinas do Direito Constitucional e do Direito Internacional, carece de revisão. Em tempos da chamada “governança global”, Estados, organizações internacionais e indivíduos são crescentemente vinculados à observância das normas internacionais. Enquanto destinatários de direitos e de obrigações na ordem internacional, esses sujeitos ocupam posição de destaque no cumprimento, no respaldo, e na garantia do Direito Internacional no âmbito interno dos Estados. É no contexto interno que o Estado exerce seus direitos, em resposta à soberania, à territorialidade e aos poderes de legislar e de julgar, com vistas à materialização da justiça. Especialmente no que diz respeito à Constituição Federal de 1988, é necessário revisar os papeis atribuídos aos três poderes da organização do Estado brasileiro nas relações internacionais, de forma a aproximá-los da ideia de um constitucionalismo global. Ainda que o Brasil privilegie, na atualidade, uma solução consentânea com a aceitação e a observância das normas internacionais, em particular no domínio do Direito Internacional dos Direitos Humanos, as divergências entre monismo e dualismo ainda despertam incongruências.

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A interação entre Direito Internacional e Direito Interno também é particularmente relevante no que diz respeito ao absenteísmo dos Poderes Legislativo e Judiciário em relação a temas contemporâneos da agenda de política externa brasileira. Na sistemática dos atos internacionais estabelecida pela Constituição de 1988, tem o Congresso Nacional atribuições meramente formais, de deliberação sobre o texto de tratados e de convenções negociadas e celebradas segundo a competência exclusiva do Presidente da República. A insuficiência do processo dialógico entre Executivo e Legislativo termina por afetar a compreensão de como o processo legislativo interno poderia ser aperfeiçoado pelas incursões em temas da Globalidade, como a proteção do meio-ambiente e dos direitos humanos, a regulamentação dos direitos de propriedade intelectual, e a universalização das formas de incentivo à ciência, tecnologia e inovação nos Estados. Fenômenos como a paradiplomacia ou a cooperação entre distintos níveis federalistas (municípios, estados federados, províncias e regiões) no plano internacional também intensificam as rupturas do modelo tradicionalmente adotado pela Constituição brasileira. Após quase três décadas, o tratamento do tema pelo Judiciário também parece anacrônico e distante dos paradigmas contemporâneos do pluralismo jurídico e da legitimidade discursiva das normas internacionais. A título de exemplificação, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no Recurso Extraordinário nº 80.0041, que, na hipótese de conflito entre tratado e lei interna posterior, deve prevalecer a norma de Direito Interno, ainda que o Brasil possa ser responsabilizado internacionalmente pela violação de obrigações internacionalmente assumidas, em claro desacordo com a racionalidade que inspira a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 e princípios fundantes da Carta da Nações Unidas. Em seu acórdão, o STF não afirmou existir a possibilidade de revogação de um tratado pela lei posterior, sobretudo porque ambas as modalidades de fontes (Direito Interno e Direito Internacional) têm distintas formas de elaboração, seus próprios meios de formação e de revogação. Não havendo na Constituição dispositivo expresso sobre a prevalência ou a primazia

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dos tratados, os tribunais estariam obrigados a emprestar eficácia ao Direito Interno, porque oriundo do Congresso Nacional, poder representativo da soberania nacional. As demandas da sociedade internacional, na atualidade, entre as premissas do constitucionalismo global e de princípios de governança no Direito Internacional e nas relações internacionais (democracia, transparência, responsabilidade, proteção dos direitos humanos, participação da sociedade civil e das redes de cooperação transnacionais) reclamam novas abordagens. Nesse contexto, o estudo pretende, primeiramente, estabelecer o quadro analítico dos poderes atribuídos pela Constituição Federal de 1988 aos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, no que tange às relações internacionais empreendidas pelo Brasil. Posteriormente, questionam-se a efetividade da atuação desses poderes, bem como a necessidade de revisão do atual modelo ou conformação de competências nos contextos nacional e internacional. Finalmente, o trabalho propõe a revitalização e um regime de convergência das competências de cada um dos poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário - como elemento propulsor ou indutor de maior efetividade à inserção do Brasil nas relações internacionais, fomentando cooperação, desenvolvimento e adequação ao regime internacional de Direitos Humanos. Com isso, pretende-se verificar de que modo o tema da interface entre direito internacional e direito interno se reencontra com problemas do constitucionalismo global. Palavras-chave: Direito internacional; pluralismo jurídico; constitucionalismo global; fontes do direito internacional; relações internacionais; direito interno; monismo e dualismo; direitos humanos; meio ambiente; tecnologias; Constituição de 1988 Bibliografia preliminar: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos. In: Arquivos do Ministério da Justiça, v.46, n.182, 1993, p.27-54.

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FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direito Interno. Rio de Janeiro: Forense, 1998. JÄNTERÄ-JAREBORG, Maarit. Foreign law in national courts: a comparative perspective. In: Recueil des Cours, vol. 304, 2003, pp. 181-385. OLIVEIRA, Amâncio Jorge de; ONUKI, Janina. Política externa brasileira e Legislativo: a atuação dos grupos de interesse. In: Papeis Legislativos, n. 8, dez. 2007. Disponível em < http://observatorio.iesp.uerj.br/ images/pdf/papeis/12_papeislegislativos_PL_n_8_dez_2007.pdf>, acesso em 5 de outubro de 2014. PELLET, Alain; DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª edição. Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. VALLADÃO, Haroldo. Primado do Direito Internacional sobre Direito Interno. Rio de Janeiro: Leuzinger, 1940.

Notas 1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 80.004. Rel. Min. Xavier de Albuquerque. Publicação em 1º de junho de 1997.

Os conflitos de nossa época e a exigência de uma orientação ético-política universal Lilian Márcia de Castro Ribeiro

Advogada e Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. [email protected]

No momento atual da história mundial nos deparamos com o fenômeno de magnitude sui generis que é a globalização. De acordo com o filósofo alemão Karl-Otto Apel, estamos imersos em uma “paradoxalidade da situação-problema”, uma vez que a Ciência e seus avanços, apregoados com uma suposta neutralidade científica, atingiram uma proporção tal em que seus efeitos não mais se limitam espácio-temporalmente, ou seja, tomaram uma dimensão planetária, exigindo assim, uma responsabilidade solidária por seus efeitos. Contudo, ao mesmo tempo em que surge a necessidade de uma macro-ética universal, deslumbra-se com a impossibilidade de tal fundamentação. Em outros termos, temos de um lado, a necessidade de uma ética intersubjetivamente vinculatória, de responsabilidade solidária da humanidade, diante das consequências de atividades e conflitos humanos nunca foi tão urgente, mas por outro lado, parece que a fundamentação racional de uma ética intersubjetivamente válida para a superação de conflitos nunca foi tão difícil. Assim, os conflitos de nossa época exigem uma orientação ético-política fundamental, tendo em vista que, em face das ameaças que pairam atualmente sobre a “bio ou ecoesfera humana por causa de problemas como a escassez de reservas energéticas e destruição do ambiente” etc., exige-se algo semelhante a uma modificação do sistema em medida planetária. Diante do questionamento ético-político sobre o que devemos fazer diante de tal cenário, surge a exigência de uma ética de responsabilidade solidária para a superação de conflitos. O pano de fundo de tal teoria é a virada linguístico-pragmática, que substitui o conhecimento de uma estrutura monológica por uma

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dimensão intersubjetiva do discurso argumentativo que possui quatro pressupostos transcendentais intransponíveis para se alcançar um consenso: a) pretensão de validade (um sentido intersubjetivamente válido); b) pretensão de verdade; c) pretensão de veracidade; e d) pretensão de correção. Mas além dos pressupostos transcendentais, há ainda os pressupostos reais que remetem à constatação de que não se argumenta sozinho, já que nascemos em uma comunidade real de comunicação que nos leva à necessidade de considerar o outro como detentor de igual direito na argumentação. A aproximação da comunidade real de comunicação à comunidade ideal é uma noção importante para o propósito de um constitucionalismo global e de uma comunidade de princípios internacional, uma vez que para Apel, as respostas a perguntas sobre assuntos como o Direito, Política, verdade e Justiça em uma época de conflitos multiculturais necessita de um conteúdo ético em uma perspectiva universal, que ultrapasse os limites particulares de cada forma de vida cultural para conciliar discursivamente interesses e necessidades. Desse modo, apenas em uma comunidade universal de princípios compartilhados intersubjetivamente torna-se possível um constitucionalismo global, capaz de solucionar estrategicamente e a longo prazo as diversificadas demandas possíveis. Isso por possibilitar discursos práticos que sejam eticamente responsáveis, implementando o entendimento consensual a longo prazo. Portanto, uma decisão globalmente política em que podemos supor uma autêntica consciência de responsabilidade e uma orientação sobre princípios éticos universais, deve se esforçar “com recursos políticos buscados no sentido de uma estratégia de longo prazo” por atuar sobre a intermediação otimista nas condições da atual situação histórica. Assim, um constitucionalismo global, consistiria numa estratégia de busca da controlada transformação do nosso sistema-humanidade. E isso significa uma política de reformas modificadoras do sistema que não fira as regras do jogo da democracia, que segundo Apel, “podem valer como realização institucional da comunidade ideal de comunicação”.

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Desse modo, é imprescindível a busca por um constitucionalismo global apoiado numa ética universal que possibilite a garantia do ingresso da sociedade global e multicultural a participar de forma intersubjetivamente válida na construção de uma discussão democrática e universal de direitos, onde o político e o cidadão eticamente responsável, além de uma orientação ético-política de base, deverão considerar uma série de ulteriores informações sobre as condições colaterais do agir político nas decisões sobre os problemas compartilhados universalmente.

O constitucionalismo de Direito internacional privado: inspiração pluralista e tradução metodológica. Kellen Trilha Schappo

Pesquisadora, FGV Direito Rio, Rio de Janeiro, Brasil; doutoranda, Sciences Po Law School, Paris, França; mestre e bacharel em Direito pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, Paris, França. Endereço eletrônico: [email protected].

1.- O constitucionalismo intervém como resposta à fragmentação do direito global em uma série de ordenamentos e regimes cuja ação desconcertada conduz a dificuldades na regulação de atividades que superam os limites locais. O risco, todavia, de adotar uma perspectiva constitucionalista em um contexto global é o de se atrelar a um raciocínio monista, concentrado em identificar e propor, de cima para baixo, princípios uniformes. Apesar da simplicidade de tal solução, ela peca em dois pontos principais. Inicialmente, ela ignora o pluralismo próprio ao direito global: se o interesse em adotar essa perspectiva é justamente o de admitir a diversidade das fontes que participam na globalização, essa abertura é limitada pela imposição a posteriori de princípios uniformes. Em seguida, a aplicação desses não pode ser verificada em prática. Cada ordenamento jurídico decidindo em termos de princípios universais na realidade transpõe a uma escala global a sua própria concepção sobre qual deveria ser o conteúdo de tais princípios. 2.- Diante dessas dificuldades, autores como Günther Teubner1 e em seguida, de maneira mais detalhada, Christian Joerges2 chegaram à intuição de que o Direito internacional privado, ramo do Direito dedicado à interação entre diferentes ordenamentos jurídicos, poderia fornecer pistas de análise importantes para o desafio da fragmentação. Essa proposição, que começou a ser explorada pela literatura anglófona de Direito internacional privado3, ainda não dispõe, contudo, de uma tradução técnica completa, que demonstre de que maneira essa forma de constitucionalismo seria realizada em prática. Tal é o objetivo deste trabalho, que tem o intuito de apresentar brevemente

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quais instrumentos da disciplina contribuem para a realização de um quadro constitucional de Direito internacional privado. 3.- A disciplina é comumente associada a três principais questões: a jurisdição competente para julgar um caso; a lei em aplicação da qual o caso será julgado; o reconhecimento e a execução de uma decisão estrangeira. Portanto, de maneira geral, o Direito internacional privado remete à abertura de um ordenamento jurídico ao que vem do exterior. Tal abertura pode ser mínima – a lei estrangeira não será aplicada, acordos sobre a competência não serão reconhecidos –, ou apresentar um maior grau de tolerância. O que faz com que o Direito internacional privado inspire uma forma de constitucionalismo global não é o seu aparato técnico em si, ou as digressões teóricas que circundam há anos a questão da lei aplicável, mas essa característica de diálogo, abertura e coordenação entre ordenamentos jurídicos. Como as dificuldades ligadas ao direito global podem ser assimiladas à existência de conflitos – não somente entre leis ou regulamentos contraditórios, mas entre regimes funcionais (e respectivas racionalidades) em colisão – o raciocínio próprio ao Direito internacional privado é promissor na medida em que a interação entre regimes pode ser organizada de modo a evitar conflitos e impor limites a fontes normativas autônomas. 4.- É proposta ao longo do estudo uma apresentação em duas dimensões do constitucionalismo de Direito internacional privado. A primeira estabelece uma conexão entre o espaço reconhecido pela disciplina à autonomia das partes e a possibilidade para que regimes autônomos se constituam e produzam decisões eficazes. A segunda dimensão responde, quanto a ela, à questão, essencial no constitucionalismo global, relativa aos limites a serem impostos a fontes normativas autônomas (organizações internacionais, agências de notação, empresas e demais regimes funcionais desprovidos de uma estrutura coordenando a legitimidade e a responsabilidade do órgão tomador de decisões). O artigo se inspira em um dos principais mecanismos de Direito internacional privado – a exceção de ordem pública interna-

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cional – para propor um sistema de interlimitação em rede, pelo qual o reconhecimento do que é exterior ao ordenamento é acompanhado da possibilidade de impor limites aos seus excessos. Notas Andreas Fischer-Lescano e Gunther Teubner, “Regime-Collisions: The Vain Research for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law”, Michigan Journal of International Law 25 (2004): 999-1046. 1

Christian Joerges, “The Idea of a Three-Dimensional Conflicts Law as Constitutional Form”, in ed. Christian Joerges and Ernst-Ulrich Petersmann, Constitutionalism, multilevel trade governance and international economic law (Oxford and Portland: Hart Publishing, 2011). 3 Em especial Jacco Bomhoff, “The constitution of the conflict of laws”, Law Society and Economy Working Paper Series, WP4/2014, London School of Economics and Political Science; Horatia Muir Watt, “Private International Law Beyond the Schism”, Transnational Legal Theory 2.3 (2011): 347-428; Robert Wai, “Conflict and comity in transnational governance : Private international law as mechanism and metaphor for transnational social regulation through plural legal regimes”, in ed. Christian Joerges and Ernst-Ulrich Petersmann, Constitutionalism, multilevel trade governance and international economic law (Oxford and Portland: Hart Publishing, 2011). 2

Constitucionalismo global, cortes e o exercício de autoridade pública internacional: redefinindo as bases de legitimidade do direito internacional contemporâneo? Fabia Fernandes Carvalho Veçoso

Doutora e mestre em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo. Brasil. E-mail: [email protected].

João Henrique Ribeiro Roriz

Doutor em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre (LLM) em direito internacional pela London School of Economics and Political Science. Professor Adjunto no curso de Relações Internacionais e no mestrado interdisciplinar em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás. Brasil. E-mail: [email protected].

A atuação de cortes e tribunais internacionais tem se intensificado nas últimas décadas. Além da criação de novas instituições no período pós-Guerra Fria (Project on International Courts and Tribunals - The international Judiciary in Context, quadro sinótico de cortes internacionais disponível em: ), o número de decisões proferidas por cortes e tribunais internacionais é crescente desde 1989 (ALTER, Karen J., The Evolving International Judiciary, working paper n. 11-002, junho 2011, disponível em: . Acesso em: 24 jul. 2014a. BARROSO, Luís Roberto. Um depoimento na primeira pessoa. In: Retrospectiva 2011 Direito Constitucional e o Supremo Tribunal Federal: um ano para não se esquecer. Disponível em: . Acesso em: 24 jul. 2014b. BRASIL. Câmara dos Deputados. Regimento Interno. Brasília: 2013. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/ legislacao/Constituicoes_Brasileiras/regimento-interno-da-camara-dos-deputados> Acesso em: 20 jul. 2014. BRASIL. Câmara dos Deputados. Representação nº 20. Brasília: 2013a. Disponível em: Acesso em: 20 jul. 2014. BRASIL. Câmara dos Deputados. Sessão Extraordinária nº 249 - 28/08/2013. Brasília Câmara dos Deputados. Brasília: 2013b. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2014. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: Acesso em: 26 jul 2014. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal nº 396. Brasília: 2013c. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2014. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 32.326. Relator Luis Roberto Barroso. Brasília: 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2014. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança 32.326. Relator Luis Roberto Barroso. Brasília: 2013d. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2014. CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os Direitos Fundamentais e a (in)certeza do direito. A produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Hermenêutica jurídica e(m) debate: o constitucionalismo brasileiro entre a teoria do discurso e a ontologia existencial. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. A resposta correta: incursões jurídicas e filosóficas sobre as teorias da justiça. Belo Horizonte: Editora Arraes, 2011. CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. DUARTE, Bernardo Augusto Ferreira. Além do positivismo jurídico. Belo Horizonte: Arraes, 2013. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; GUIMARÃES, Ana Carolina Pinto Caram. Regras e Princípios: uma visão franciscana. In: CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (Coord.). Nos Corredores do Direito, vol. I, 2014a. No prelo. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; WYKROTA, Leonardo Martins. In: CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (Coord.). Nos Corredores do Direito, vol. I, 2014b. No prelo.

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DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. Tradução Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 5 ed.Salvador: Juspodivm, 2013. HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009. PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey: 2001 RAZ, Joseph. Legal principles and the limits of law. In: COHEN, Marshall (ed.). Ronald Dworkin and Contemporary Jurisprudence. Totowa, Nova Jersey: Rowman & Allanheld, 1984. STRECK, Lênio Luiz, O estado da arte da interpretaçãoo do direito nos vinte anos da Constituição do Brasil. In: SIQUEIRA, Julio Pinheito Faro Homen de; TEIXEIRA, Bruno Costa; MIGUEL, Paula Castello (Coord.). Uma homenagem aos 20 anos de Constituição Brasileira. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008.

O ativismo judicial como mecanismo para a efetividade do processo civil democrático

Isabela Dias Neves

Doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Professora Adjunta de Direito Processual Civil da Universidade Federal de Lavras e consultora jurídica. Brasil. E-mail: [email protected].

O ativismo judicial é um mecanismo hermenêutico imprescindível para o processo civil moderno, principalmente porque o Estado Democrático de Direito (acolhido pelo texto constitucional) exige que a jurisdição seja exercida a partir de um verdadeiro processo justo, apto a dar efetividade aos direitos e às garantias fundamentais, aproximando-se da verdade real. A atuação hermenêutica dos juízes é relevante para a obtenção de provimentos legitimamente democráticos, pois a sociedade não busca a aplicação puramente dedutiva dos textos legais em seus casos concretos. Por mais criativo que seja o legislador, não há como prever todas as situações controvertidas, além do fato de que, muitas vezes, é imprescindível uma adequação das normas à realidade. Ademais, o ativismo não compromete a imparcialidade do juiz, na medida em que aquele possui limites impostos pelo texto constitucional. Tendo em vista a regra constitucional de que todo poder emana do povo (parágrafo único do art. 1º da CRFB/1988), a jurisdição também tem este caráter, a partir do momento em que as partes, juntamente com o juiz, constroem o provimento final de maneira colaborativa. O povo, a que se refere a Constituição, representa as partes envolvidas no processo, assim como terceiros que queiram intervir e fiscalizar a relação processual. Para que exista uma decisão justa, o magistrado deverá proceder a uma válida individualização e interpretação da norma a ser aplicada ao caso concreto, reconstruindo verdadeira e racionalmente os argumentos colacionados pelas partes envol-

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vidas no processo. O provimento não pode, portanto, se dissociar da realidade prevista nos autos, eis que o juiz deve submeter ao contraditório argumentos que por ventura não tenham sido ventilados pelas partes; com isso, não há que se falar em surpresas em um processo verdadeiramente democrático, na medida em que há necessidade de se dialogar com as partes de forma colaborativa, a fim de atingir um resultado legítimo. A justiça da decisão, caracterizada pelo seu grau de aproximação à realidade dos fatos, coloca em evidência a função do processo como mecanismo apto ao acertamento da verdade real. O ativismo judicial exige que o comportamento dos juízes seja mais ativo, no sentido de se utilizar de técnicas hermenêuticas aptas a resolver as questões que forem objeto de controvérsias individualmente, haja vista que não são apenas meros aplicadores das letras frias da lei. É importante ressaltar, ainda, que o ativismo precisa atentar às técnicas processuais, preocupando-se primordialmente com a satisfação do direito material tutelado. Além disso, é por meio do ativismo que o juiz pode implantar a verdadeira igualdade jurídica das partes dentro do processo, viabilizando o respeito à constitucionalidade vigorante. Nessa linha de raciocínio, o órgão jurisdicional serve ao direito quando reconhece que as regras que surgiram em uma geração remota podem atender perfeitamente às demandas de uma sociedade em determinado contexto, mas, quando necessário, devem ser descartadas e readequadas às demandas atuais da sociedade. Não cabe ao juiz apenas aplicar o direito de maneira dedutiva como se fosse uma operação matemática, porque exerce um papel fundamental na adequação do direito à realidade social, sem engessá-lo. O trabalho do juiz, dessa maneira, compreende a otimização do direito posto. Considerando que o direito a ser aplicado e tutelado não se resume à lei, que hoje o processo é instrumento de concretização de direitos e garantias fundamentais, o juiz tem por obrigação conduzi-lo, em cooperação com as partes, de modo a criar um espaço discursivo-democrático de tomada de decisões. Em virtude disso, é possível afirmar que a função jurisdicional será exercida a partir dos limites impostos pelo ativismo judicial dentro da perspectiva democrática.

Ativismo judicial e comportamento judicial • 365

O compromisso com a verdade e a igualdade impõe o reforço dos poderes do juiz, retirando-o de uma posição de mero espectador, para torná-lo sujeito ativo na elaboração do provimento jurisdicional. O ativismo judicial, porém, não deve ser confundido com a arbitrariedade, pois há de ser praticado com moderação, de forma a superar a neutralidade indesejável, respeitando o direito vigente. Compete ao Judiciário, em suma, manter o equilíbrio necessário ao bom funcionamento do mecanismo processual, agindo de forma imparcial e tornando efetiva a vontade da lei concretizada para o caso dos autos. Ante o exposto, releva ressaltar que o ativismo judicial, adequadamente empregado, pode contribuir para o exercício da democracia e para a eficiente atividade jurisdicional, garantindo aos cidadãos a real satisfação do direito material tutelado.

Collegiality and deliberative democracy Rafael Dilly Patrus

LL.M. candidate, Assistant professor, Federal University of Minas Gerais (Universidade Federal de Minas Gerais), Brazil. E-mail: [email protected].

Recent proposals of restructuring the constitutional distribution of powers in Brazil bring forward an old but renewed research agenda: the necessary reanalysis of the repartition of competencies and prerogatives between the Legislature and the Judiciary, namely in what concerns two specific activities: reviewing the constitutionality of legislation, and interpreting the Constitution. Some of the most profound and prompting constitutional debates of the past decades have tried to examine the phenomenon of constitutional jurisdiction in light of the modern democratic rule of law.1 In this regard, the judicial deliberative procedure is elevated to a central position. The subject refers not only to the traditional issues on legal reasoning, but also to the structure of a court’s opinion. In light of a more democratic distribution of assignments between the State’s deliberative spaces, the way judges deliberate and decide plays a key role in determining the premises on which a legislative dialogue will eventually establish itself. As far as the jurisdictional collegial enterprise is concerned, Conrado Hübner Mendes argues that collegiality must consist in more than a mere judicial commitment towards cooperation.2 Through the deliberative process of interacting and communicating with his colleagues, a judge must assume the responsibility of supraindividual action, especially when spontaneous consensus does not come forth. The purpose is to push deliberators to find pragmatic yet principled compromises where unprompted agreements prove unviable: “second-order reasons can push a judge who believes he is right to alleviate his first-best choice and join the group”.3

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Although this defense rightfully acknowledges that the legitimacy of courts depends entirely upon their deliberative performances, I believe that Hübner Mendes’ idea of collegiality is utterly contrary to the democratic institutional operation of a constitutional State. In spite of the relevance of interaction and communication, collegiality cannot disguise the existence of different views and opinions among the deliberators. A legitimate method of adjudication is therefore one that puts in evidence the full reasons and disagreements within the deliberation process, however insignificant they are. Considering the intensity of a preference implies the recognition that every question arouses a varied degree of involvement, interest and principled conviction.4 In public deliberation, these degrees must be necessarily brought to light. A majority cannot present its weak inclination in a false shell, since the democratic game requires that intense minorities may plead, claim, discuss and persuade based on the strength of their preference. This dialectical dynamism is the fundamental basis of a regime in which groups with less space are able to engender their demands through efficient channels. In this sense, the mentioned pragmatic yet principled model of constitutional argumentation, which intends to strike a balance between the legal and political constraints that interfere in the deliberative activity of a court, is unquestionably dangerous to the maintenance of an open and continuous space of democratic decision-making. The reinstallation of apparently closed discussions depends largely on the intensity of the preferences that support the closing decisions. Hence, a transparently non-unanimous decision taken by a court is much more easily reintroduced into the debate arena than a falsely unanimous one. And more, the allocation of the Legislature as a genuine space of deliberative containment, which I consider to be one of the most important pillars of our modern democratic rule of law, strongly relies upon the sincerity and the clarity of the motivation that upholds any public resolution, mainly the opinions delivered by a court in a circumstance of profound and authentic disagreement.

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Notes See e.g. R Dworkin, A Matter of Principle (Belknap 1985), Law’s Empire (Belknap 1986), Freedom’s Law: The Moral Reading of the American Constitution (Belknap 1996), and J Waldron, Law and Disagreement (OUP 1999). 2 C Hübner Mendes, Constitutional Courts and Deliberative Democracy (OUP 2013) 130-132. 3 ibid 130. 4 G Sartori, A teoria da democracia revisitada: o debate contemporâneo (Ática 1994) 300-351. 1

O problema da votação seriatim e a ADPF 132 Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave

Doutora em Direito Constitucional pela UFPE, Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP, graduada em Direito pela PUC-SP. Professora e Coordenadora do Curso de Direito da UFRN. Brasileira. [email protected]

O Supremo Tribunal Federal (STF) exerce no Brasil uma função extremamente importante, pois realiza – em única ou última instância – o controle de constitucionalidade das normas aplicáveis no sistema jurídico nacional. Este tipo de controle torna possível a manutenção da coerência interna no sistema jurídico, pois permite que o Tribunal, em constatando a incompatibilidade da norma inferior com a Constituição Federal, declare a sua inconstitucionalidade e promova a reorganização sistêmica. Para que as decisões do STF cumpram sua função de maneira adequada no sistema, o projeto do novo Código de Processo Civil1 (NCPC) prevê que a vinculação de tais decisões se dá pelas razões determinantes dos julgados, e não pelo seu dispositivo. Nesta perspectiva, analisamos neste trabalho a forma de tomada de decisão do STF (seriatim), tratando das diversas possibilidades decisórias da Corte, em especial o acórdão, já que é este o instrumento de veiculação das decisões tomadas pelo plenário. Abordamos também a previsão do projeto de lei a respeito da utilização dos precedentes, de modo a constatar se a forma de votação utilizada pelo STF é adequada para a realização desta função, permitindo que haja coerência interna no sistema jurídico. Diversos aspectos problemáticos decorrentes do seriatim foram abordados, como a possibilidade de voto-vista e o decurso de prazo entre o início e o final da colheita de votos – que em casos emblemáticos chegou a quase uma década (Rcl 4335-AC). Para a elaboração da pesquisa foram estudados, dentre outros, trabalhos de Laffranque (2003), Oscar Vilhena Vieira (2008), Conrado Hübner Mendes (2010), Vojvodic, Machado e Cardoso (2009) e Dimoulis e Lunardi (2011).

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Para contextualizar a problemática, analisamos os votos proferidos pelos Ministros do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132-RJ (Ação direta de Inconstitucionalidade - ADI 4277-DF), abordando cada uma das manifestações apresentadas pelos Ministros. O objetivo da análise do caso foi verificar empiricamente o maior problema decorrente da votação seriatim, qual seja a impossibilidade de se estabelecer qual o valor que orientou o julgamento, tampouco se mostra possível perceber a linha argumentativa que foi afirmada pelo STF. Em síntese, a análise do caso demonstrou que não existe uma “posição do Tribunal” acerca da problemática levada a juízo, mas apenas uma convergência no que tange ao dispositivo da decisão. Se não há como se estabelecer os motivos determinantes do julgado, não há como extrair qualquer norma jurídica do julgamento, senão aquela que decorre estritamente do dispositivo – in casu a interpretação conforme a Constituição do art. 1723 do Código Civil para o fim de reconhecer a possibilidade de união estável entre pessoas do mesmo sexo para fins de proteção jurídica do Estado. Outro ponto relevante tratado no estudo – e que também decorre do seriatim - diz respeito à efetiva colegialidade dos julgamentos, já que o acórdão acaba por se compor de um somatório de votos, de um dispositivo e de uma ementa, sendo esta última elaborada unicamente pelo relator do processo e, curiosamente, é o único elemento utilizado pela maioria absoluta dos juristas para referenciar as decisões adotadas pelo Tribunal. A pesquisa apontou para a necessidade de alteração no sistema de votos do STF, pois o seriatim causa inúmeros transtornos e inviabiliza a extração da “posição da Corte”. A sugestão é que seja elaborado um voto único vencedor, contendo a posição do Tribunal sobre o tema, com a possibilidade de existência de votos vencidos, o que facilitaria a extração do que foi julgado e decidido pelo Tribunal, mantendo-se a possibilidade de divergência interna na Corte. Notas 1 Projeto de Lei 8046/2010, em redação final da Câmara dos Deputados de 26 de março de 2014.

Como pensam os juízes: entre o pesadelo e o nobre sonho Katya Kozicki

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1986) e graduação em Ciências Econômicas pela Faculdade Católica de Administração e Economia (1988). Mestrado em Filosofia e Teoria do Direito (1993) e doutorado em Direito, Política e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Visiting researcher associate no Centre for the Study of Democracy, University of Westminster, Londres, 1998-1999. Visiting research scholar, Benjamin N. Cardozo School of Law, Nova York, 2012-2013. Atualmente é professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e professora associada da Universidade Federal do Paraná, programas de graduação e pós-graduação em Direito. Pesquisadora (bolsista de produtividade em pesquisa) do CNPq. [email protected].

William Soares Pugliese

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2008). Mestre em Direito das Relações Sociais pelo PPGD/UFPR. Doutorando em Direitos Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná. Membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/PR. Professor dos Cursos de Pós-graduação strictu sensu do Centro Universitário Curitiba e da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Advogado. [email protected].

São diversas as obras que procuram analisar o raciocínio e a argumentação que devem ser utilizados pelos advogados. Destacam-se, dentre elas, as obras de Frederick Schauer, Kenneth J. Vandevelde, Antonin Scalia e Piero Calamandrei. Por outro lado, porém, são escassas as fontes que se ocupam de examinar a forma como os juízes se comportam (ou devem se comportar) diante do ato de decisão judicial. Muito se produz sobre interpretação, mas a relação específica do magistrado com a norma não se revela um tema caro aos juristas. Dentre as poucas referências encontradas estão a obra clássica de Benjamin N. Cardozo, sobre “A natureza do processo judicial” e a de Richard Posner, “How Judges Think”, bastante criticada por autores como Dworkin, mas ainda assim relevante pela análise pragmática do processo de decisão judicial. De todos os temas que essa discussão pode tocar o que se revela cada vez mais relevante no cenário jurídico

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brasileiro é o da criação do direito pelas vias judiciais (ou judicial lawmaking). Afinal, foi somente após o advento da Constituição de 1988 e da ampliação do escopo do Direito Constitucional que questões sociais e políticas passaram a ser levadas ao Poder Judiciário, sob o manto dos princípios, das cláusulas abertas e do conteúdo valorativo dos direitos fundamentais. Desse modo, apenas nas três últimas décadas é que a criação do direito pelos juízes passou a ser um tema relevante para o Direito brasileiro. Até então, vale lembrar, o raciocínio jurídico nacional era muito próximo do positivista, no sentido de que a fonte do direito era a lei e que o magistrado não inovava ao decidir. Esta discussão, porém, há muito vem sendo travada entre os autores oriundos da common law, tradição jurídica da qual decorre, por exemplo, a doutrina do controle de constitucionalidade, que teve sua origem em uma decisão judicial. Dentre os autores que se preocuparam com o tema, o que parece ter melhor descrito a tensão existente foi Herbert L. A. Hart, quando expôs que as opiniões a respeito da criação do direito pelos juízes se situam entre um pesadelo e um nobre sonho. O pesadelo é a criação do direito propriamente dita, enquanto o nobre sonho se justifica pela declaração de uma resposta pré-existente à decisão. Entre esses dois pontos, porém, observa-se uma esfera de outras possibilidades nas quais diversos juristas construíram suas teorias – e nas quais há sempre um ponto maior ou menor de criação. Destaca-se, aqui, o trabalho de revisão desenvolvido por Edmund Ursin, em que os pensamentos de magistrados como Richard Posner, Henry Friendly e Roger Traynor são descritos, comparados e criticados. É possível extrair deste espectro uma série de questões que merecem ser consideradas e refletidas, tendo o presente trabalho foco em duas delas: a primeira é a legitimidade dos tribunais brasileiros de criar o direito ao decidir, especialmente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, e se essa criação de fato existe, se o procedimento para a tomada dessas decisões é democrático; a segunda tem relação com a noção denominada de backlash (repercussão) das decisões, especialmente no que toca à recepção desse direito criado nos tribunais pela sociedade, bem como

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no âmbito de relacionamento entre o Judiciário e os demais poderes do Estado. Se o Judiciário pode criar o direito, não se pode deixar de examinar sua legitimidade para tanto, nem os efeitos produzidos por essa criação. Para tratar do primeiro tema, o artigo se utiliza das concepções filosóficas de quatro autores: Hart e Dworkin, que ilustram os limites entre o pesadelo e o nobre sonho, Schauer e MacCormick, que se situam entre os limites desenvolvidos pela teoria. O trabalho também pretende comparar as concepções filosóficas com decisões dos tribunais brasileiros, a fim de investigar em que medida cada uma das teorias é compatível com a situação nacional. Esta mesma proposta de análise teórica e aplicação prática será empregada no segundo tema: a questão do backlash será inicialmente trabalhada a partir dos textos de Cass Sunstein, Robert Post e Reva Siegel; em um segundo momento, discute-se as repercussões de uma decisão no direito brasileiro, especialmente no que toca à recepção do que foi decidido pela sociedade e pelos Poderes Executivo e Legislativo. Em conclusão, diante dos resultados obtidos, procura-se demonstrar que a racionalidade do magistrado – especialmente das cortes supremas – deve ir muito além do raciocínio clássico de que uma decisão afeta apenas as partes envolvidas. Pelo contrário, uma decisão pode provocar profundas mudanças sociais, de modo que o magistrado tem o dever de pensar nos efeitos de suas decisões.

Justiciabilidade dos Direitos Fundamentais Sociais e Conflito de Competências Cláudia Toledo

Doutorado em Filosofia e Teoria do Direito (Universidade Federal de Minas Gerais); Pós-doutorado em Filosofia do Direito (Universidade Federal de Santa Catarina). Pós-doutorado em Filosofia do Direito (Christian-Albrechts Universität zu Kiel, Alemanha). Professora adjunta na Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil. [email protected].

Justiciabilidade significa exigibilidade judicial. É característica crescentemente atribuída aos direitos à ação positiva fática do Estado, os direitos fundamentais sociais. Os processos judiciais sobre direitos fundamentais sociais são os maiores geradores de conflitos de competência. Questiona-se a adequação da atuação do Judiciário em relação a ações dos demais poderes. Debate-se se essa atuação é decorrência do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou se configura “ativismo judicial”, expressão que assumiu conotação negativa, associada à ingerência indevida do Judiciário na competência dos outros poderes, contrariando os princípios da separação dos poderes e da democracia. O princípio da separação dos poderes determina a tripartição dos poderes. O princípio da democracia protege a liberdade do indivíduo para decidir através debate legislativo. Argumenta-se também que o Judiciário não possui nem visão macro da realidade social, nem conhecimento técnico para a tomada de decisões políticas. Em tese, não há dúvida do acerto desses argumentos. No entanto, também em tese, não há dúvida do acerto de seus contra-argumentos. Compõe a estrutura do Estado Democrático de Direito o controle do Judiciário sobre os atos dos demais poderes. A questão está no equilíbrio, que deve ocorrer tanto entre a revisão judicial e a separação de poderes, quanto entre a liberdade do legislador e a proteção aos direitos fundamentais.

Ativismo judicial e comportamento judicial • 375

Equilíbrio exige ponderação, o que implica gradação. De um lado está o princípio material da liberdade do legislador, representante do indivíduo, resguardado pelo princípio formal da democracia; do outro, está a proteção pelo Judiciário dos direitos fundamentais, declarados em princípios materiais, fundada no princípio formal da inafastabilidade do controle jurisdicional. A competência originária para decidir é do Legislativo, porque liberdade é o princípio elementar da democracia. Como princípio, ela deve ser realizada na maior medida possível, do que decorre a prioridade da competência do Legislativo. Com isso relaciona-se o conceito alemão Spielraum ou espaço de ação do legislador para decidir, espaço que é prioritário na democracia. Entretanto, essa liberdade não é irrestrita. Seu limite está nos direitos fundamentais. Mas não se trata de uma questão de tudo-ou-nada e sim de gradação da afetação aos direitos fundamentais pelo legislador. Como se decide sobre valores, a gradação não é algo exato, sendo possível apenas uma determinação do grau de interferência em um princípio como leve, moderado ou grave. Os direitos fundamentais são protegidos pela revisão judicial. Mas essa é cabível apenas em caso de (i) clara inadequação ou completa insuficiência das ações do legislador em relação aos fins propostos ou (ii) sua completa omissão na regulamentação das normas constitucionais. A imposição de que a inadequação seja “clara” e que a insuficiência ou omissão sejam “completas” conduz à exigência de evidência da deficiência. Tal exigência é denominada “controle de evidência”. Se observado tal controle, não há ingerência indevida do Judiciário. Outros fatores que influenciam na definição de competências são: 1. Qualidade da decisão – Quanto maior a qualidade da decisão, maior a competência do legislador. A qualidade é determinada pelos argumentos utilizados. Quanto mais abrangentes e convincentes, maior a qualidade da decisão;

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2. Conhecimento técnico – Quanto maior a exigência de conhecimento técnico, maior a competência do legislador; 3. Efetividade do ordenamento jurídico – Quanto maior a efetividade do ordenamento jurídico como um todo, maior a qualidade da decisão do legislador. Isto é, quanto maior o grau de observância da ordem jurídica, maior a competência do legislador; 4. Incerteza epistêmica quanto ao objeto – Quanto maior a incerteza epistêmica quanto ao objeto, maior o peso das instituições com autoridade especial para resolver essa incerteza. Assim, tanto maior será a competência do legislador, quanto menor for a certeza epistêmica. A incerteza pode ser normativa ou empírica: a. Incerteza normativa – Quanto mais politicamente controversa a questão, maior a competência do legislador. Inversamente, quanto maior o conteúdo jurídico da questão, maior a competência do Judiciário. Quanto maior o consenso sobre as questões normativas, menor a discricionariedade do legislador; b. Incerteza empírica – Quanto maior a incerteza empírica sobre a questão, isto é, quanto menor o conhecimento técnico sobre o objeto, maior a competência do Legislativo; c. Legitimidade democrática – Quanto maior a busca de legitimidade democrática da decisão, maior a competência do Legislativo; d. Relevância dos princípios materiais – Quanto mais relevantes os princípios materiais, menor a competência do Legislativo, pois menor é sua margem de interferência nos direitos fundamentais. A definição de competências não é, portanto, questão de fácil implementação. Não obstante, é crescente o desenvolvimento doutrinário de parâmetros nesse sentido. Afinal, da dificuldade do fornecimento de resposta racionalmente articulada não decorre a impossibilidade de sua realização.

Democracia, ética e jurisdição constitucional: Legitimidade e responsabilidade social do Supremo Tribunal Federal. Antônio Gomes de Vasconcelos

Doutor e mestre em Direito pela UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Público pela FDMM. Bacharel em Direito pela UFMG. Bacharel em Filosofia pela PUC – Pontifícia Universidade Católica, de Minas Gerais. Professor adjunto da UFMG, nos cursos de graduação em Direito e em Ciências do Estado e de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado), da Universidade Federal de Minas Gerais. Juiz titular da 45ª Vara do Trabalho de BH - Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região. Coordenador do Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho e à Administração de Justiça da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (Prunart-UFMG). Brasil. E-mail: [email protected].

Isabela Vaz de Mello Lima e Silva Almeida

Bacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Público pelo CAD – Centro de Atualização em Direito/Universidade Gama Filho. Pesquisadora do Prunart-UFMG. Brasil. E-mail: [email protected].

O problema que se propõe é o da legitimidade política do Supremo Tribunal Federal (STF) na contemporaneidade. Parte-se da hipótese de que o STF, enquanto órgão de cúpula e de caráter eminentemente político, não corresponde aos padrões de legitimidade das teorias contemporâneas da democracia e da ética do discurso. São analisadas duas teorias principais: da democracia participativa (BONAVIDES, 2008; SOUSA SANTOS, 2002; GESTA LEAL, 2001; ALVRITZER, 2009) e da democracia integral (CORTINA, 1995; 2010; VASCONCELOS, 2007, p. 473-509). Ainda que a democracia participativa, já existente na sociedade brasileira, tenha trazido avanços em relação à anterior democracia meramente representativa, a democracia integral pode oferecer maiores possibilidades de concreção do projeto societário constitucionalmente definido, por trazer em si um princípio de responsabilidade e de solidariedade, por se fundar na intersubjetividade, razão dialógica, bem

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como por ser voltada à ação e à responsabilidade dos sujeitos quanto às consequências que dessa possam advir. A ética do discurso a que se trata implica, não só questões de argumentação jurídica das decisões do STF, mas uma ética de responsabilidade solidária – em suma, uma ética que responsabiliza os sujeitos envolvidos na tomada de decisão pelas consequências sociais produzidas, com o respeito aos valores constitucionais, gerando uma responsabilidade social. Pressupõe-se o reconhecimento mútuo de todos os atores sociais enquanto sujeitos – caráter de emancipação do novo paradigma do direito proposto por Sousa Santos (2011, p 255-328). A análise de casos da jurisprudência e da administração do Judiciário demonstra que o STF ainda atua, por vezes, conforme os modelos liberal e elitista de democracia, motivo pelo qual é alvo de críticas doutrinárias. O caminho para a legitimidade requer do STF a assunção da responsabilidade social (FARIA, 1997; SOUSA SANTOS et al, 1996, p. 19-35), não apenas na mídia, mas nos resultados de suas decisões jurídicas e administrativas para os cidadãos afetados. Palavras-chave: Legitimidade política do STF. Responsabilidade social. Democracia. Ética da responsabilidade solidária. Referências AVRITZER, Leonardo (Org). EXPERIÊNCIAS NACIONAIS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL. São Paulo: Cortez, 2009. p 7-54. BONAVIDES, Paulo. TEORIA CONSTITUCIONAL DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: Por um Direito Constitucional... São Paulo: Malheiros, 2008. CORTINA, Adela. RAZÓN COMUNCATIVA Y RESPONSABILIDAD SOLIDARIA: Ética y política em K. O. Apel. Salamanca: Sígueme, 1995. p 79-232. ______. ÉTICA SEM MORAL. São Paulo: Martins Martins Fontes, 2010. p 136-221; 243-316.

Teorias contemporâneas da Democracia • 379

FARIA, José Eduardo (Org). DIREITO E JUSTIÇA: A função social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p 123-201. GESTA LEAL, Rogério. TEORIA DO ESTADO: Cidadania e poder político na modernidade. Porto Alegre: Livraria o Advogado, 2001. p 121-236. GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa. Acesso à Justiça como Promoção do Bem-Estar e da “Vida Boa”: Uma transformação possível? In ORSINI, Adriana Goulart de Sena; CORRÊA DA COSTA, Mila Batista; ANDRADE, Oyama Karyna Barbosa (Coord). JUSTIÇA DO SÉCULO XXI. São Paulo: LTr, 2014. p 51-58. SOUSA SANTOS, Boaventura de. A CRÍTICA DA RAZÃO INDOLENTE: Contra o desperdício da experiência: Para um novo senso comum: A ciência, o direito e a política na transição paradigmática. Vol 1. São Paulo: Cortez, 2011. p 255-328; 339-343. ______. PARA UMA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA DA JUSTIÇA. São Paulo: Cortez, 2007. p 9-44. ______. O DISCURSO E O PODER: Ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1988. SOUSA SANTOS, Boaventura de et al. OS TRIBUNAIS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS: O caso português. Porto: Afrontamento, 1996. p 19-35. VASCONCELOS, Antônio Gomes de. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E POLÍTICO-CONSTITUCIONAIS PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA INTEGRAL E DA ÉTICA DE RESPONSABILIDADE NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA: O sistema... 2007. 2 v. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Direito. Belo Horizonte. p 473-509. ______. O novo sentido da jurisdição na estratégia do Poder Judiciário Nacional e seu desdobramento na experiência do SINGESPA/TRT3-MG. In ORSINI, Adriana Goulart de Sena; CORRÊA DA COSTA, Mila Batista; ANDRADE, Oyama Karyna Barbosa (Coord). JUSTIÇA DO SÉCULO XXI. São Paulo: LTr, 2014. p 135-147.

Democracia Material – Um enfoque constitucionalista cético

Samira Costa Arcanjo

Graduanda em Direito – Universidade Veiga de Almeida – Campus Tijuca – RJ. Monitora da disciplina “Hermenêutica Jurídica”. Membro participante do programa institucional de Iniciação Científica – PIC/UVA – Brasil. Contato: [email protected].

Daniel Nunes Pereira

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito e Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas (PPGSD/UFF), Mestre em Ciência Política (PPGCP/UFF), Bacharel em Direito (UFF). Especialista CPE em História Europeia (U.U.-Utrecht). Professor I-RTI do Curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida. Professor Adjunto (Direito Público) da Faculdade de Direito de Valença – Brasil. Contato: [email protected]

O presente trabalho busca uma analise crítica sobre o fenômeno da democracia material, tendo por base a metodologia reflexiva do ceticismo, desviando-se da inserção de valores ao proceder ao estudo deste acontecimento que guarda em si caracteres peculiares e paradoxais. A democracia, como objeto a ser estudado pela filosofia e pelas ciências sociais, compreende terreno vasto e de difícil compreensão quando explorado sob apenas um aspecto, o que se justifica pelas suas variadas linhas adaptativas, conforme padrões culturais e prioridades político-ideológicas de um país. Apesar da complexidade etimológica e semântica atribuídas à palavra democracia ao longo de sua história, o conceito de Lei universal, atribuída a esta por seus adoradores, nunca foi abandonada. Com o ingresso do constitucionalismo, seus  pressupostos mantiveram suas características (GOYARD-FABRE, 2000:2). No entanto, reformulações adaptativas foram necessárias ao ingresso do novo sistema (GOYARD-FABRE, 2000:2).  Observamos no contexto constitucional, o fenômeno da materialização em forma de princípio de um dos padrões morais convencionados pela sociedade, que é o da dignidade da pessoa humana.

Teorias contemporâneas da Democracia • 381

Este se mostra imprescindível à concretização da democracia pelos parâmetros da nossa sociedade (HABERMAS, 1997:127). No entanto, sua generalidade, cuja característica é indiscutível, se mostra de difícil efetivação do mundo dos fatos, e até mesmo teoricamente, se analisado levando em consideração a pluralidade moral. (JHERING, 1915) Um dos paradoxos presente no sistema democrático material situa-se justamente na análise crítica e positivista do princípio acima mencionado. O que surge com o fim de equiparar e salvaguardar direitos e deveres acaba, na prática, insurgindo contra seu próprio propósito, a partir do momento em que a discricionariedade e ausência do necessário e correto uso das técnicas hermenêuticas atingem sentenças carregadas de concepções morais e políticas, oriundas de uma realidade que muitas vezes diverge daquelas de quem se submete ao judiciário, em busca do mínimo do princípio da isonomia prometido pela constituição. A ilusão do idealismo faz surgir na sociedade concepções eivadas de padrões morais abstratos, no qual nestas se debruça como arreio de esperanças e promessas de passividade e igualdade. Imersa a uma legião de princípios evocados a tutelar direitos e exigências que, em grande parte, conflitantes e subordinados à um mesmo sistema jurídico – político, a democracia se vê incapaz de suportar tal demanda que, em muitos casos, guardam pouca aproximação com questões efetivamente políticas. Como um ópio à sociedade moderna, a democracia carrega em si caracteres de algo ilimitado - no que se refere a possibilidades de modificações do cenário social-político- superior e salvador dos desarranjos políticos e erros da humanidade. (MAUS, 2000: 186). O que se mostra como um paradoxo, ao passo que as disparidades e decepções humanas possuem origem nela mesma. Tal relação de dependência de guarida por uma entidade-instituição, na qual toda esperança de salvação lhe é depositada, guarda alguma semelhança com o sentimento de religiosidade e outras neuroses de transferência paternal observado sob o ponto de vista da psicanálise (FREUD, 2010: 18, 23, 24). Por fim, caberá ao presente uma análise sobre esse fenômeno paradoxal, onde governantes e governados ocupam o

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mesmo lugar, bem como o possível sentimento de frustração dos que pretendem o fim dos males sociais através de sua materialidade. Referências bibliográficas FREUD, Sigmund. ‘’O Mal-estar na Civilização’’ FREUD, Sigmund. “L’Avenir D’une Illusion”. Paris: Presses Universitaires de France / Quadrige: 2010b. GOYARD-FABRE, Simone. ‘’ O que é Democracia?’’, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000. HABERMAS, Jürgen. “Direito e Democracia: entre a facticidade e validade. Vol. 2”. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. JHERING, Rudolf Von. “The Struggle for Law”. Nova Iorque: J. J. Lalor Editor. 1915. LESSA, Renato. ‘’ Agonia, Aposta e Ceticismo – Ensaios de filosofia política’’, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’. In. Novos Estudos CEBRAP, n. 58. São Paulo. 2000.

Jurisdição constitucional no Brasil: tecnologias de uma razão de Estado antidemocrática Adalberto Antonio Batista Arcelo

Doutor em Filosofia do Direito (UFMG); Professor da PUC Minas; Brasil; [email protected].

Tendo como base a análise microfísica do poder, em que Foucault aponta a genealogia de uma razão de Estado materializada em um complexo de jogos estratégicos de dominação que funcionam como dispositivos/tecnologias de normalização, identifica-se a dinâmica da jurisdição constitucional no Brasil com um aparato de normalização individual e social, posto que a Corte Constitucional brasileira, fazendo uso do controle de constitucionalidade, tem o poder de definir os sujeitos de direitos fundamentais. Percebe-se, neste cenário, a reprodução dos conceitos foucaultianos de poder disciplinar e de biopoder, ou seja, uma complementaridade entre dispositivos de poder que se exercem sobre o corpo dos indivíduos e dispositivos de poder que se exercem sobre a vida da sociedade, determinando assim indivíduos e grupos incluídos no restrito espaço de abrangência em que o Estado garante direitos. Denuncia-se, por tal perspectiva, a seletividade de uma tecnologia de inclusão e de exclusão que, sob a autoridade da jurisdição constitucional, define quem é e quem não é sujeito de direitos fundamentais. Analisa-se, a partir de tais elementos, os reflexos da construção teórica do paradigma político-jurídico do Estado Democrático de Direito na dinâmica da sociedade brasileira contemporânea, considerando-se a atuação do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição e dos direitos fundamentais. Em tese a Corte Constitucional brasileira, amparada pelo consenso teórico em torno da jurisdição constitucional, atuaria para garantir direitos fundamentais por meio de suas decisões, revisando leis e políticas sociais públicas sob a diretriz da fundamentalidade dos direitos. Contudo, suas decisões têm evidenciado um problema: trata-se

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de garantir direitos fundamentais universais, independentes do perfil identitário dos sujeitos que os demandam ou trata-se de assegurar uma tradicional razão de Estado pautada no padrão de utilidade reproduzido por uma estrita parcela da sociedade que se identifica com aqueles que têm poder de consumo? O aspecto delineador do amplo consenso quanto à democracia/democratização da sociedade brasileira atual consiste na institucionalização de um Estado de Direito fundado em princípios constitucionais que explicitam a universalização da dignidade humana e das garantias jurídicas fundamentais individuais e coletivas. O desenho formal do Estado Democrático de Direito brasileiro atinge certa consistência teórica, posto que descortina um sistema de direitos garantidos e promovidos por uma jurisdição constitucional. Mas a dinâmica político-jurídica desta mesma sociedade evidencia algo diverso: com a atual ênfase nos princípios constitucionais percebe-se a garantia e efetividade dos direitos individuais e coletivos fundamentais mantidas em suspenso, enquanto o Judiciário brasileiro decide conflitos orientado pelo atingimento de metas quantitativas e, confirmando a suspensão das garantias fundamentais, recepciona uma teoria dos princípios jurídicos que atenua sua força normativa no momento do controle de constitucionalidade. Para completar o atual cenário do Estado Democrático de Direito brasileiro – que uma análise sócio-antropológica denuncia como um Estado de Exceção – assiste-se a um processo sistemático de criminalização de movimentos sociais oriundos de grupos identitários minoritários e vulneráveis. A recepção da hermenêutica constitucional pelo Judiciário brasileiro tem gerado na dinâmica jurídico-judicial um protagonismo antidemocrático da Corte Constitucional que, sob o pretexto de uma jurisdição constitucional, monopoliza a interpretação e a aplicação – ou não – dos direitos fundamentais. Depois de dez anos de vigência da Emenda Constitucional Nº 45/2004, percebe-se que os obstáculos estruturais ao acesso à Justiça no Brasil permanecem: o Judiciário, antes de independente e autônomo, permanece uma célula opaca e intransparente que insiste em reproduzir a dinâmica de uma fábrica que produz decisões em série, sem pacificar

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conflitos e sem garantir direitos para expressiva parcela da sociedade. Essas considerações levam ao questionamento da plausibilidade do Estado Democrático de Direito brasileiro. Mantém-se um quadro de dominação autoritária legitimada pela violência simbólica reproduzida em grande medida pela dogmática jurídica e pela estrutura jurídico-judiciária brasileiras. Usa-se o conhecimento técnico como manutenção da insensibilidade e distanciamento desta organização em relação às demandas e necessidades humanas de grupos identitários marginais como trabalhadores rurais sem terra, trabalhadores urbanos sem moradia, consumidores sem poder de consumo. Para o enfrentamento de alguns dos problemas levantados – que em síntese projetam o Estado brasileiro atual como um Estado de Exceção, antes de um Estado Democrático de Direito – busca-se suporte nas contribuições do pensamento crítico e desconstrutivista contemporâneo para a tematização de uma dinâmica democrática nas sociedades hipercomplexas da contemporaneidade – como a brasileira. Neste mister as reflexões de Foucault possibilitam um perfil consistente para a problematização da dinâmica jurídico-judicial brasileira, vez que a jurisdição constitucional no Brasil tem garantido direitos fundamentais segundo a conveniência do próprio Estado – “na medida do possível” – retroalimentando um cenário de vulnerabilidade social e individual. Palavras-chave: Jurisdição Constitucional. Direitos Fundamentais. Estado Democrático de Direito. Estado de Exceção.

De Rashomon ao Senhor das Moscas: o processo de identificaçâo democrática com os fenômenos da esfera jurídica

Gustavo Augusto de Bourbon

3º Ano de Direito, Universidade Estadual Paulisa “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP Campus Franca, Brasil, [email protected].

Yuri Rios Casseb

3º Ano de Direito, Universidade Estadual Paulisa “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP Campus Franca, Brasil, [email protected].

É inerente ao ideário democrático uma identificação imprescindível entre a vontade expressa do povo e as decisões de seus representantes políticos - para algumas correntes da ciência política, ele revela-se tanto mais perfeito quanto maior a identificação existente entre o agir político e o dever ser efetivado1. De fato, os Estados Democráticos ditam-se “governos do povo” por acreditar-se que, em última instância, o povo sempre estaria governando. Entretanto, na realidade jurídica, o sistema legislativo não só prescinde de tal necessidade, como, muitas vezes, verifica-se um desconhecimento do agir jurídico-legislativo pelo agente comum, sujeito político do sistema democrático2. Não obstante, tem-se para esse agente comum, intermitentemente, uma noção de participação política despida do reconhecimento tácito dos elementos representativos que a compõe; ou seja, em muitos casos, a prática do agir eleitoral simboliza, para o cidadão comum, a própria efetivação de sua participação no processo de decisão legislativo, a despeito da correspondência do agir legislativo do representante a tal anseio3. Assim, não há vínculo definitivo entre a ideologia do Estado Democrático e a pretensa identidade do povo. No contexto dado, o presente artigo busca compreender como a forma democrática – publicamente embasada no ideário exposto – vincula os fenômenos da esfere jurídica ao dever ser popular, mesmo

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quando a própria forma democrática omite um vínculo definitivo entre o agir político do povo e o de seus representantes. A forma encontrada para realizar uma reflexão acerca da problematização exposta dá-se pela observação de duas grandes obras da literatura contemporânea, a título de exemplo. Primeiramente, em O Senhor das Moscas4, de William Golding, pode-se observar que, quando todos os membros de um grupo de indivíduos estão em um estado desindividualizado, seu funcionamento social se altera, passando-se a viver num momento de presente expandido, o que torna o passado e o futuro distantes e relativamente irrelevantes. Em tal estado, os processos cognitivos convergem rumo a uma internalização acelerada da ordem estabelecida, nesse, recém-fundada5. Argumenta-se, ainda, que o instrumento democrático na organização jurídica se dá, justamente, pela desindividualização do sujeito político. Formal e materialmente, o processo político no qual se expressa o poder do Estado na esfera jurídica estabelece uma relação arbitrária, aparentemente lógica, entre o grupo desindividualizado e a fonte de poder criadora da norma. Por si, entretanto, esse fenômeno de desindividualização não sustentaria a legitimidade do sistema jurídico perante o povo, tal como é demonstrado no Senhor das Moscas, uma vez que aquela sociedade, simplesmente estabelecida pela desindividualização e força do grupo, rapidamente se rompe em virtude de suas discordâncias pessoais. Contudo, eis que a dominação pelo método democrático necessita também de mais dois elementos. Um deles, encontramos numa breve reflexão sobre a obra Rashomon6, de Ryunosuke Akutagawa, e o outro, trata-se do conceito de ideologia proposto por Weber7. No conto, por mais que se apresente a verdade por meio de diversos pontos de vista discordantes, contempla-se que existe um outro ponto de vista escondido, legitimado acima dos outros, o da organização burocrática. Embora o Japão representado no conto não se configure como uma forma democrática, analisando o método que as autoridades legais utilizam para entender os fatos, nota-se que esse aproximá-se muito dos métodos processualistas jurídicos contempo-

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râneos; assim sendo, a genialidade de Akutagawa está em conferir aos depoimentos um certo grau de individualidade, fazendo as personagens pensar que, de fato, carregam parte da verdade, quando, na verdade, só são utilizadas para legitimar o processo burocrático. Quanto ao último ponto, o poder do sistema envolve um mecanismo de autorização e proibição, por meio dos aparelhos burocráticos. A legitimação desse sistema surge mascarada pelo manto da ideologia. Essa, por sua vez, legitima o funcionalismo jurídico do Estado, passando-se como natural para os membros da sociedade, uma vez que parece vincular o sistema jurídico enquanto resultado da participação democrática. Desenvolvida a problemática, o artigo busca, por meio da análise histórica do direito em alguns países, e de seus autores, elucidar quais pontos do campo jurídico sustentam a identificação com o povo por meio do agir democrático. Dentre os autores, cita-se Alexy8 e a pretensão a correção no Estado Alemão, John Rawls9 e o véu da ignorância no Estado Americano, e José Eduardo Faria10 e a Constituição idealizada no Estado Brasileiro. Em suma, pretende-se entender como a forma democrática sustenta a identificação do povo para com os fenômenos da esfera jurídica, através da percepção da desindividualização, da aparente individualidade e da dominação ideológica, trazendo essa análise para a realidade histórico desses países, com base nos autores supracitados. Notas AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. São Paulo: Globo, 2008, p. 325/6. Nas palavras de Müller “A identidade entre a vontade do povo – como totalidade – e de seus governantes, suportados nessa identidade, obivamente, facilmente recusaria tanto os direitos das minorias como também a necessidade de controle e de responsabilidade dos governantes”. MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 49. 3 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Fabris, 1991, p. 21. 4 GOLDING, William. O Senhor das Mosca. Alfaguara, 2014. 5 ZIMBARDO, Philip. O Efeito Lúcifer. Rio de Janeiro: Record, 2013, p. 310. 6 AKUTAGAWA, Ryunosuke. Rashomon e outros contos. Hedra, 2008. 1 2

Teorias contemporâneas da Democracia • 389 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UNB, 2012. Partindo da distinção estrutural entre regras e princípios, obter-se ia, como efeito, um parâmetro das normas do sistema jurídico. Assum, não bastaria que estivessem de acordo com o texto Constitucional em estrito sense, mas também que se conforme às normas atribuídas ao texto Constitucional. Por meio desse pensamento, Robert Alexy apresenta meios para garantir a legitimidade discursiva das discussões sobre direitos fundamentais. Sua ideia de pretensão à correção, portanto, justifica-se como o elo entre o povo alemão e a instituição jurídica alemã. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Forense, 2011. 9 Rawls pretende anular os efeitos das contingências que levam os indivíduos a oporem-se uns aos outros dentro do agir político. Dessa forma, ele parte do princípio de que as partes deverão estar situados em um véu da ignorância. O artigo demonstra que esse véu da ignorância é o fator de percepção dos indivíduos para com os fenômenos jurídicos. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Ed. Martins, 2008. 10 Para Faria, a Constituição de 1988 incorpora elementos diversos que impossibilitam sua concretização plena, entretanto, esse idealismo Constitucional é o que sustenta a aprovação popular da ordem vigente. FARIA, José Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica. São Paulo: EDUSP, 1988. 7 8

Relações de reconhecimento e a infraestrutura normativa da democracia

Luiz Philipe de Caux

Graduado em Direito (UFMG), mestrando em Filosofia (UFMG). Endereço eletrônico: [email protected]

Se não há, no sentido canônico, uma teoria democrática desenvolvida por Axel Honneth, há em sua obra em teoria do reconhecimento, por certo, uma crítica da teoria democrática. Seu sentido não é o de uma crítica do regime democrático enquanto tal ou de sua vertente parlamentar liberal em alguma medida vigente em parte significativa dos países do mundo, mas sim o de uma crítica da teoria democrática hegemônica a partir da explicitação de seus enunciados de fundo não tematizados, em vista de uma ampliação de seu âmbito objetual, a fim, pelo contrário, de melhor compreender as possibilidades e vias para efetivação dos ideais democráticos que constituem o solo normativo dessa teoria. Num sentido próximo ao do dito de Böckenförde sobre o Estado secular, Honneth sustenta que a democracia, compreendida em seu sentido formal, se alimenta de pressupostos para cuja reprodução ela certamente contribui, mas que não pode, por si só, garantir. É em vista desse fato que sua teoria do reconhecimento tomaria o rumo de uma reconstrução normativa das esferas de ação de uma “eticidade democrática”. Como Habermas, ainda que em termos distintos, Honneth quer demonstrar o vínculo entre autonomia pública e autonomia privada: não há participação democrática sem que todos os sujeitos envolvidos tenham condições de “vir a público sem sentir vergonha”, para usar uma expressão de Adam Smith frequentemente citada por Honneth. Investigando, no entanto, aquilo que é apenas pressuposto por Habermas, Honneth dedica-se a examinar as condições sociais tanto para a formação da autonomia pública quanto para a da autonomia privada, assim como a relação de condicionamento recíproco entre elas. Na base da crítica

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de Honneth, está a constatação de que os sujeitos necessitam de distintas formas de reconhecimento social para estarem em condições de efetivamente participar da formação da vontade democrática. Sem autoconfiança, autorrespeito e autoestima, autorrelações práticas positivas que os sujeitos adquirem respectivamente nas interações íntimas, jurídicas e profissionais, os sujeitos não se põem em condições plenas de tomar parte em pé de igualdade na esfera pública democrática. Assim, uma democracia não se encontra ameaçada apenas por obstáculos, por assim dizer, do mundo externo, como a corrupção, o desequilíbrio entre os poderes ou a má arquitetura das instituições, mas também por problemas ligados à constituição interna dos indivíduos, como a apatia ou o medo de agir politicamente. Honneth não está, no entanto, a propor uma crítica da teoria democrática desde uma redução psicologista, pois seu interesse recai na constituição social das patologias de reconhecimento que retiram as condições estruturais para a formação da vontade democrática. Tais condições Honneth encontra explicitamente na obra madura de John Dewey, que como que traduz sua concepção formal de eticidade para os termos da teoria democrática. Em Dewey, Honneth vê um modelo apto a superar as dificuldades tanto dos modelos democráticos liberais quanto dos procedimentais ou dos republicanos. Ao conceber a democracia como cooperação reflexiva de uma sociedade integrada pela divisão do trabalho e pela troca, Dewey pode entendê-la de forma mais substancial do que as concepções liberais e procedimentais, sem, todavia, vinculá-la a valores materiais compartilhados. Tal concepção encontrada em Dewey serve menos à prescrição normativa de um modelo democrático do que à explicitação das condições pré-políticas da democracia na distribuição econômica. Palavras-chave: Axel Honneth; John Dewey; teoria democrática; teoria da justiça; teoria crítica; desigualdade econômica; patologias sociais; reconhecimento.

Multiculturalismo en el siglo XXI: los modelos de interculturalidad en las sociedades contemporaneas

Daniel Antônio da Cunha

Estudiante de Derecho en la Universidad Federal de Minas Gerais en Brasil.

Este trabajo tiene el objetivo discutir la temática del multiculturalismo y las situaciones de conflicto entre el pluralismo cultural y las libertades individuales en el mundo globalizado de hoy. Por lo tanto, se hace necesario tratar sobre los modelos de interculturalidad existentes en las sociedades actuales, sobre todo las occidentales, para así definir un camino posible de convivencia de distintos grupos en una misma sociedad. Teniendo como estructura el análisis de Maria Elosegui Ixtaso, que en su obra se refiere a grandes filósofos contemporáneos como Taylor y Habermas, detallaremos las sociedades que se estructuran en el llamado modelo asimilacionista o monocultural, modelo este que se aparta de la esfera pública las minorías para rechazarlas. También evocará a los sociedades del llamado modelo multicultural cerrado, donde a fin de suprimir los problemas de la ausencia del estado en el modelo asimilacionista, se llena de un modelo muy interventor que nuevamente segrega las minorías, ahora con la argumentación de protección. Por fin, se tiene el modelo intercultural o multicultural abierto, existente en el Libro Blanco sobre Interculturalidad en Europa, que trae un analisis de un orden público que agregue las minorías y garantiza un ordenamiento protectivo y no segregador. Así se defiende que los conflictos deben ser resueltos mirando cada caso en concreto, haciendo todavía la ponderación de la realidad de cada país, sus normas y su comprensión de lo que debe ser tutelado positivamente y lo que no debe ser tratado. En realidad, es de profunda importancia definir pronto cuál es el punto de definición del modelo multicultural como referencia para las sociedades actuales. Por esto, en una línea de argumentación

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que agrega desde la idea de patriotismo constitucional habermasiana hasta las prácticas de “acomodamientos razonables” canadienses, ponerse los derechos humanos como referencia y como punto de salida para asegurar la diversidad dentro del Estado. Solamente con este análisis los estados de hoy pueden otorgar un tratamiento de protección a determinados grupos culturales, discerniendo cuales materias pueden ser protegidas, observando el respecto a los derechos humanos y mirando la justicia distributiva. Como parte de una convivencia posible e intercultural se hace necesário un cambio de un patriotismo étnico hacia un patriotismo cívico. Así se vuelve comprensible como aquel patriotismo que lucha en favor de las libertades y del respeto a la dignidad humana de una manera abierta y sin apasionamientos irracionales es decir, un patriotismo basado en la defensa de valores políticos democráticos. Por fin, se debe discutir sobre cuál Estado y cual orden público estamos hablando, se defiende en este trabajo un orden público que parte del respeto a la libertad y se hace un mecanismo de protección positiva que no degenera la colectividad al mismo tiempo que no se omite y no coacciona derechos de los individuos. Aún sea necesario una coacción positiva del orden público mientras también el respecto al ejercicio libre y pacífico de los derechos individuales, políticos y sociales reconocidos en el ámbito legal. Este reconocimiento pasa por un reconocimiento también constitucional por el Estado de la pretensión positiva del actuar de los ciudadanos, es decir, que los ciudadanos tienen la condición de cobrar una protección jurídica en cuanto al respecto a sus derechos individuales como una protección jurídica de la própia cultura por parte del Estado.

As exigências da igualdade democrática Paulo Baptista Caruso MacDonald

Doutor em Filosofia. Professor do Departamento de Direito Público e Filosofia do Direito da UFRGS e Professor Colaborador do Programa de PósGraduação em Filosofia da UFRGS. Brasil. E-mail: [email protected].

A importância da distribuição igualitária de poder político entre os cidadãos é reconhecida por vários dentre os principais autores do debate contemporâneo sobre justiça. Tratar todos os cidadãos com igual respeito e consideração não se reduz a resultados justos na distribuição de recursos materiais obtidos pela aplicação de normas jurídicas, pelo funcionamento das instituições sociais e pela adoção de políticas governamentais. O igual respeito e consideração devido a seres autônomos caracteriza-se também pela oportunidade de participar em pé de igualdade com os demais nas decisões que definirão, direta ou indiretamente, o conteúdo dessas normas, o arranjo institucional e as políticas públicas. Em outras palavras, está presente no debate contemporâneo sobre justiça a preocupação com a igualdade democrática. Há, entretanto, restrições que o próprio compromisso com a democracia impõe à implementação de uma concepção de justiça que contemple a igualdade democrática. Jeremy Waldron tende a considerar como antidemocrático um arranjo institucional em que decisões tomadas pela maioria dos cidadãos ou por seus representantes eleitos possam vir a ser revertidas pela ação de um poder que carece da mesma legitimidade, ainda que a reversão possa ser justificada nos termos de uma concepção de justiça com a qual o próprio autor concorde. O fórum deliberativo em uma democracia caracterizar-se-ia exatamente pela disputa entre concepções rivais de justiça, constituindo a obediência à vontade da maioria condição necessária à legitimidade da decisão. O principal exemplo de arranjo contramajoritário nas democracias contemporâneas residiria no controle de constitucionalidade das leis promovido por órgãos do Poder Judiciário. Com isso em vista, Waldron opõe-se frontalmente à concepção de democracia de Ronald

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Dworkin e alerta para as consequências antidemocráticas de uma certa interpretação da ideia de razão pública de John Rawls. Embora Waldron não abra mão de considerar o respeito à regra da maioria como condição necessária à igualdade democrática – e, consequentemente, à legitimidade das decisões políticas –, ele reconhece a insuficiência do cumprimento de tal regra. A igualdade democrática exige também uma distribuição justa no que diz respeito a uma série de direitos e liberdades fundamentais, os quais compreendem desde a liberdade de expressão até a ausência das situações apontadas por Rousseau de haver indivíduos suficientemente ricos para comprar concidadãos ou indivíduos pobres a ponto de precisarem se vender. Frente a isso, levantam-se as seguintes questões: (1) A noção de igualdade democrática que, segundo Waldron, legitima as decisões políticas não dependeria, em razão disso, de uma certa concepção de justiça? (2) A concepção de justiça de John Rawls poderia exercer esse papel ou ela abrangeria exigências que excederiam aquelas implicadas pela noção de igualdade democrática? (3) Até que ponto a existência de um poder contramajoritário responsável apenas por invalidar as decisões tomadas em violação da concepção de justiça exigida pela igualdade democrática seria incompatível com esta última? A busca por respostas a essas indagações insere-se em um projeto mais amplo de investigação acerca das tensões inerentes à noção de Estado Democrático de Direito.

A decisão majoritária é a mais justa ou a mais popular? A crise da legitimidade democrática da jurisdição constitucional diante do conflito entre as concepções agregativas e deliberativas de democracia

Deborah Dettmam

Professora de Direito da Universidade Federal do Piauí. Doutoranda em Direito na Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito da Faculdade de Direito do Recife – UFPE e Bacharel em direito da Universidade de Brasília. Brasil. E-mail: [email protected].

Desenvolvendo umas das teorias mais robustas contra o constitucionalismo, Jeremy Waldron busca desconstruir a tese na qual os tribunais constitucionais asseguram melhor proteção às minorias, atuando como órgãos contra-majoritários. Waldron argumenta que a supremacia judicial, ao optar por um procedimento majoritário de escolha de decisão vencedora, não fornece segurança substantiva aos direitos básicos da minoria, permitindo que os juízes possam invalidar as decisões da maioria, sempre que delas discordem, em desrespeito à igualdade política. Para Waldron, em uma democracia marcada pelo sufrágio universal, onde haja um poder judicial submetido ao império da lei, onde a comunidade esteja comprometida com os direitos individuais e coletivos (embora possa ter desacordos substantivos de boa-fé acerca da ideia desses direitos), a regra majoritária é o procedimento adequado, por sua natureza equitativa e igualitária, concedendo a cada um a mesma cota de influência e impacto sobre a decisão política. Diversos argumentos, porém, como a crise de governabilidade, a corrupção, o lobby das grandes corporações ou de movimentos sociais bem estruturados, o elitismo do sistema eleitoral, o afastamento do representante em relação ao eleitor, o déficit de representação de certos grupos ou segmentos ou o desigual poder de influência entre cidadãos têm levado diversos autores a não compartilhar do otimismo de Waldron acerca do valor igualitário

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da regra da maioria. Ronald Dworkin é um desses autores a questionar a regra majoritária como mecanismo intrínseco da democracia para resolução de todas as deliberações públicas. Ele sustenta que, em uma democracia justa, nem todas as decisões podem ser tomadas pela maioria e conclui afirmando que a melhor forma de democracia é a que tem mais probabilidade de produzir as decisões substantivas que tratem todos os membros da comunidade com igual consideração e respeito. Diante do conflito entre concepções agregativas, como de Waldron, e substantivas, como de Dworkin, surgem teorias democráticas que tentam conciliar, ou pelo menos minimizar, as tensões entre igualdade política e o valor epistêmico do melhor argumento defendendo que a deliberação, seguida de uma decisão majoritária, é capaz de fornecer os melhores resultados empíricos. Denominada de procedimentalismo epistêmico, é difundida por autores como David Elstund e Federico Arcos Ramíriz, que defendem que a decisão majoritária expressa um valor apto a identificar as decisões mais justas, admitindo, portanto, um juízo de correção. Não obstante, apesar de defender o caráter cognitivo da regra majoritária e de enfatizar a importância da deliberação, o procedimentalismo epistêmico ainda outorga preferência por um modelo de supremacia legislativa em detrimento de um constitucionalismo forte, aumentando as dúvidas acerca da capacidade da supremacia judicial encontrar amparo democrático. Diante disso, este trabalho objetiva enfrentar esses problemas, discutindo: a) se a regra da maioria é ou não um procedimento de decisão necessário em uma democracia ou se outras formas de decisão podem ser empregadas sem comprometer a legitimidade democrática; b) se é possível afirmar que a decisão da maioria é a melhor decisão ou apenas a decisão mais comum; e, finalmente, c) se é possível a conciliação entre igualdade política e a ética deliberativa em um constitucionalismo forte. Palavras-chave: Democracia. Regra da maioria. Constitucionalismo.

A internet como espaço deliberativo legítimo: As redes sociais podem ser um locus de legitimidade democrática à jurisdição constitucional? Thomas da Rosa de Bustamante

Professor Adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Brasil, email: [email protected].

Ana Luísa de Navarro Moreira

Professora Substituta da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Brasil, email: [email protected].

Como a interpretação é inerentemente um processo aberto, grande parte dos teóricos almeja encontrar limites à jurisdição constitucional. A busca por esses limites é frequentemente associada ao modo pelo qual se compreende a relação entre jurisdição constitucional e democracia1. Necessariamente há uma relação entre estas? Seria uma relação complementar, interdependente ou, por outro lado, antagônica? Do ponto de vista normativo não há Estado de Direito sem democracia2. O poder político é transformado em direito legítimo por meio da aplicação do princípio da democracia, que é a fonte de legitimidade da criação do direito3. O Princípio da democracia decorre da institucionalização do princípio do discurso e se insere como núcleo do sistema de direitos4. Somente serão válidas as normas jurídicas que obtiverem a concordância daqueles que podem ser afetados por elas, ou seja, é indispensável que o indivíduo se expresse discursivamente e racionalmente no âmbito político de produção dessas normas (princípio do discurso)5. A deliberação, nesse sentido, deve ser compartilhada através da esfera pública6 com cada uma das pessoas a fim de que estas sejam capazes de expressar suas escolhas em discursos racionais. Todos têm o mes-

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mo direito de serem ouvidos, porque a participação política é temperada por princípios de justiça e equidade. Qualquer que seja a ação, esta será democrática quão maior for a possibilidade de cada indivíduo exercer sua autonomia política e, assim, participar do exercício e controle do poder, minimizando as formas de dominação. Uma sociedade democrática se constrói, portanto, através de fortes valores como o da participação política que exige amplos e abundantes recursos de participação. Como a jurisdição constitucional desempenha um papel importante na integração social, em sintonia ao que se expos, a melhor maneira de ampliar a sua legitimidade é garantir uma maior atuação dos indivíduos no processo judicial de tomada de decisão. O processo interpretativo da Constituição, então, deve ser aberto à comunidade de intérpretes7 com base na “comunidade de princípios” Dworkiana8. Mas a questão central é: como viabilizar uma participação mais individualizada? Participar do processo argumentativo sobre o significado da Constituição é uma característica fundamental do Estado Democrático de Direito. No entanto, uma das dificuldades é a viabilidade fática dessa participação direta. A presente proposta, então, é que os argumentos que integram o processo constitucional argumentativo circulam entre espaços formais e informais, principalmente espaços informais nos dias de hoje. O rápido crescimento da Internet e suas vantagens sobre os formatos de comunicação tradicionais, em termos de flexibilidade e velocidade o tornam um instrumento viável para a participação individual direta. A troca on-line de argumentos pode realmente influenciar a forma como as decisões são tomadas, especialmente em jurisdição constitucional. Inclusive, destaca-se a viabilidade da utilização da internet para fins comunicativos citando-se o presente projeto “Você fiscal”9 disponibilizado por um professor da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, para fins de fiscalização direta e individual das eleições de 2014, por meio de um aplicativo que pode ser baixado gratuitamente. Assim, diante dos avanços tecnológicos da globalização, a proposta é revisitar o conceito de esfera pública Habermasiana. A esfera

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pública não é uma instituição ou um sistema, pelo contrario, constitui-se uma ampla rede de horizontes abertos que se reproduz por meio de influxos comunicativos. A rede de comunicação da esfera pública através da internet infiltra a esfera privada, de modo que as interações deliberativas de cada cidadão podem ser expandidas, fornecendo-lhes uma ampla participação para efeitos de justificação democrática das razões adotadas no exercício da jurisdição constitucional. Dessa forma, o modo como a Internet pode ser utilizada e compreendida através do prisma das teorias da democracia deliberativa torna-se um tema filosófico importante. O presente artigo, portanto, é uma explicação teórica sobre as razões pelas quais a jurisdição constitucional deve ser aberta a participação dos argumentos que permeiam as redes sociais, espaço deliberativo legítimo. Notas MENDES, Conrado Hübner . Controle de Constitucionalidade e Democracia. 1. ed. São Paulo e Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2007.  2 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro (estudos de teoria política). Trad. George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. 243. 3 HABERMAS, Jürgen. Factididad y validez. Sobre el derecho y el Estado democratic de derecho en terminus de teroia del discurso. Trad. Manuel Jiménez Redondo, Cuarta edición. 2005, p. 187. 4 Idem, p. 187. 5 Idem, p. 172. 6 HABERMAS, Jürgen. O espaço público 30 anos depois. Trad. Vera Lígia C. Westin e Lúcia Lamounier. Caderno de Filosofia e Ciências Humanas: a. VII, n. 12, abril, 1999b, p. 07-28. 7 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997. 8 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 272-332. 9 Disponível em http://www.vocefiscal.org/. 1

Os direitos políticos dos analfabetos: o caso brasileiro e o paradigma da democracia liberal

Alexander Augusto Isac Beltrão

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), Brasil, email: alexbeltrã[email protected].

Marcelo Sevaybricker Moreira

Doutor em Ciência Política e professor adjunto da UFLA, Brasil, email: [email protected].

Este artigo tem como propósito avaliar a construção dos direitos políticos dos analfabetos no Brasil, a luz das diversas variantes de um importante modelo da teoria política contemporânea, a democracia liberal. Com a promulgação da Lei de Saraiva de 1881, ainda durante o Brasil Império (o que também estaria previsto na Constituição da República de 1891), a exclusão dos direitos políticos por aspectos financeiros cedeu espaço a uma exclusão socioeducacional. Deve-se destacar que a participação eleitoral nesse período decaiu, quando comparada às décadas anteriores, dado que a imensa maioria da população nacional à época era analfabeta. A despeito das diversas reformas no sistema eleitoral brasileiro ao longo do século XX, essa barreira perduraria até a denominada “Constituição cidadã” de 1988, na qual os analfabetos conquistaram o direito facultativo de voto, mas ainda não o de elegibilidade. Porquanto, o debate sobre os direitos políticos dos analfabetos implica considerar igualmente diversos aspectos da teoria democrática, entre eles o da tecnicidade da política e o papel da participação popular. Argumentos contrários a essa última são facilmente identificáveis nos escritos de pensadores do elitismo democrático, tal como Joseph Schumpeter. No entender de tal corrente, a política consiste numa atividade que supõe uma competência técnica, devendo ser orientada, consequentemente, por poucos, educacionalmente capazes, sendo que a participação popular é vista com desconfiança, por estar supostamente mais sujeita à

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irracionalidade e à manipulação demagógica. Contudo, esta corrente pode ser confrontada com outra variante da democracia liberal, denominada de pluralismo democrático, representada por autores como John Stuart Mill e Robert Dahl, para os quais a própria participação popular assume um sentido positivo. Para o primeiro, a participação do indivíduo, além de garantir melhor os seus direitos, geraria o seu desenvolvimento, ao passo que a sua exclusão criaria uma situação de embotamento moral. Entretanto, é verdade que o próprio Mill propunha diferenciar os votos dos escolarizados dos não escolarizados, concedendo aos primeiros um peso maior. Dahl, por seu turno, assevera que quanto mais inclusivo é um regime político, mais poliárquico ele se torna, isto é, mais competitivo e mais responsivo perante a população. Um terceiro grupo de autores da democracia liberal, a chamada teoria da escolha racional, fornece outros elementos para se pensar a relação entre racionalidade, informação e participação. Anthony Downs, por exemplo, assegura que participar implica sempre em assumir um ônus (em se informar, por exemplo), escolha esta que só é racional se os benefícios esperados da participação superarem os seus custos. Racionalidade não deve, então, ser confundida com conhecimento. Percebe-se, portanto, que dentro da corrente da democracia liberal, como um todo, há variações para se pensar tanto a proibição do voto e da elegibilidade dos analfabetos, quanto a sua permissão, variações essas a serem exploradas criticamente por esse trabalho. No caso brasileiro, é importante considerar que o direito à educação é assegurado pela atual Constituição, sendo um dever do Estado provê-lo a todos os cidadãos. Sendo assim, não há razão em punir com a inelegibilidade, aqueles que são analfabetos não por vontade, e sim por serem vítimas circunstanciais da não efetividade de políticas públicas consistentes. Além disso, cumpre dizer que os analfabetos são sujeitos de todos os direitos civis e sociais, sendo considerados indivíduos plenamente capazes de discernimento, inclusive, tendo que cumprir com os deveres de quaisquer cidadãos. Logo, resta hoje como um resquício de nosso passado oligárquico a inegibilidade dos analfabetos. Como bem notou Wanderley Guilher-

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me dos Santos, em democracias contemporâneas, a grande disputa se dá em torno não de quem são os eleitores, mas em relação a quem são os elegíveis, o chamado eixo do “controle”. Sendo extremamente custoso retroceder e limitar o número dos que podem votar (em contextos em que tal direito já foi conquistado), a grande estratégia dos grupos que disputam o poder é restringir o número dos que podem ser votados. Como no mercado econômico, na disputa eleitoral, quanto menor o número de adversários, maior a chance de cada qual ser eleito. Nesse sentido, esclarece Santos, a democracia é a antípoda da oligarquia, assim como a livre concorrência o é do oligopólio. Ela deve ampliar ao máximo a competição não violenta pelo poder, institucionalizando a contestação pública e incluindo nela o maior número de indivíduos, o que, por sua vez, acarreta a valorização do voto de cada um, aumenta as possibilidades de escolha do cidadão e do seu controle sobre os governantes. Entretanto, passados quase vinte e sete anos da Constituição de 88 e de funcionamento regular da democracia no país, o debate sobre os direitos políticos dos analfabetos ainda não foi seriamente retomado.

Democracia procedimental e estado poiético: reflexões iniciais Leonardo Antonacci Barone Santos

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Bolsista de Iniciação Científica CNPq. Monitor de Teoria do Estado I. Contato: [email protected]

O objetivo deste ensaio é estabelecer uma interface entre o conceito e a organização do Estado Poiético, apresentado por Salgado1, e a concepção procedimentalista de democracia. Almeja-se, nesse passo, demonstrar como a democracia procedimental é uma face do Estado Poiético. Conclui-se assim, posto que as decisões não sejam mais tomadas pela substancia política, mas sim tomadas e validadas por meio de procedimentos que aparentam ter o melhor cálculo técnico para colher os votos e opiniões, estabelecendo o que seria justo e democrático. Quanto ao adjetivo “poiético”, Aristóteles (Ética a Nicômaco, 1140a) diferencia o produzir (poiein) do agir (pratein). O primeiro é aquele agir humano para produzir um resultado e, portanto, aplicado sobre as coisas. Nesse sentido, é a realidade que coordena a razão, de quem se torna serva. No poiein, a finalidade de produzir está fora de si mesmo. Paralelamente, o agir (pratein) ou sabedoria prática, se relaciona com a capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem. Atua, então, sobre o homem, sobre as pessoas. Não por menos, Aristóteles identifica essa capacidade com bons administradores de casas e Estados (1140 b). Seguindo esta linha de raciocínio, Salgado nos dá os contornos do Estado Poiético. Esta categoria surge quando um grupo da sociedade civil domina a técnica através do econômico e, passo seguinte, quer adentrar o Estado para usá-lo como produtor de regras para as relações sociais e econômicas, sem responsabilidades com o ético ou o jurídico. Doravante, não é mais o político que toma as decisões. Um grupo de tecnocratas, sob aparente manto de cientificidade, pretensamente exerce a soberania “de acordo com os melhores critérios técnicos”. O que este grupo tecnocrata empreende é despolitizar a decisão pública

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em prol da técnica. A pouco e pouco, o Estado de Direito perde seu fim ético, qual seja o de consagrar direitos fundamentais. Salgado, pois, afirma que o Estado Democrático de Direito apresenta uma cisão: entre o ético, axiologicamente centrado na liberdade, igualdade e fraternidade; e o poiético, com sua submissão ao fazer econômico. Na democracia procedimental prevalece o entendimento de que o tramitar em procedimentos racionais pré-estabelecidos entrega à norma jurídica legitimidade, legalidade conforme o ordenamento, justiça e garante sua qualidade democrática. Os procedimentalistas puros, tais como Kelsen ou Schumpeter, conceituam a democracia como uma série de estruturas formais que atendem a premissa majoritária e, por isso, a ordem jurídica é democrática quando seu destinatário participa da formulação das normas, através dos processos. Essa perspectiva procedimentalista, recorrendo ao liberalismo dos séculos XVIII e XIX, enxerga, através de uma lente atomística, uma sociedade pluralista onde inexiste uma ética material comungada pela comunidade que determine princípios morais e, por conseguinte, o Estado deve adotar uma postura neutra em favor do subjetivismo moral. O procedimentalismo é, então, alheio a substancia: se não há a necessidade de correção material das normas, valendo a separação entre moral e direito, então é valido o que for decidido pelo procedimento e todo conteúdo pode ser jurídico. Assim, o procedimento democrático se justifica como sendo o método para somar as distintas concepções éticas dos indivíduos e aferir a maioria de votos. A interface entre o Estado poiético e a democracia procedimental, em suma, aparece quando se busca apenas a legitimidade formal, e não material, das decisões e quando a democracia se limita a participações pontuais no processo decisório. Os tecnocratas empossados no poder dominam os procedimentos a fim de garantir que cheguem a decisões favoráveis à sua “governabilidade”. As decisões tomadas, por mais que agridam direitos fundamentais ou a soberania (ou quaisquer princípios caros à democracia) podem ser validadas porque não há controle político das normas. Estas não são questionadas porque passaram pelo procedimento adequado e, só por isso, são justas e democráticas. Os

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critérios políticos que deveriam determinar o conteúdo das decisões em um Estado Ético são então substituídos por critérios técnicos, o Estado Poiético. Por fim, substitui o Estadista pelo Gerente. O paradigma deve ser invertido. O Estado Poiético no mesmo passo que impede a consagração de novos direitos fundamentais, obstrui a efetivação dos já consagrados ao seu contragosto. Deve-se restituir o poder político ao povo e à soberania popular para que retomem o sentido do Estado Ético com decisões calcadas em critérios políticos que atendam os direitos fundamentais. Não queremos prescindir de procedimentos, mas submetê-los aos parâmetros da real democracia com fins éticos reunidos no centro axiológico do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade humana. Notas 1 SALGADO, Joaquim Carlos. “O Estado Ético e o Estado Poiético.” Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, abr./jun. de 1998: 37-68.

Democracia e justiça em Hans Kelsen: uma abordagem crítica do ideal democrático na teoria constitucional contemporânea e no Brasil

Mariane Andréia Cardoso dos Santos

Mestranda e graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Brasil. Contato Eletrônico: [email protected].

O presente trabalho tem como principal intuito realizar uma abordagem crítica do ideal democrático altamente difundido na atualidade, em duas perspectivas. Uma, referente às consequências da idealização da democracia como pressuposto absoluto de qualquer forma de Estado e fonte de direito considerados válidos ou, ainda, legítimos, a partir de uma tentativa de questionar, inclusive, os próprios conceitos de validade e legitimidade adotados no constitucionalismo moderno, como em Dworkin e Waldron. E outra, buscando traçar um panorama entre a abordagem crítica da ideia de democracia que se pretende desenvolver e as perspectivas atuais da democracia no Brasil. Segundo Hans Kelsen1, as revoluções burguesas de 1789 e 1848 quase transformaram o ideal democrático em lugar comum do pensamento político, tanto que aqueles que ousavam opor-se em qualquer medida à efetivação desse ideal, faziam-no com uma quase reverência cortês ao princípio fundamentalmente conhecido, ou, ao menos por trás de uma terminologia democrática. Justamente por isso, nos últimos decênios que antecederam as duas Guerras Mundiais, praticamente nenhum estadista importante ou pensador renomado ousou fazer qualquer confissão aberta e sincera em defesa da autocracia. De se notar, inclusive que, a despeito da luta de classes, crescente nesse período entre a burguesia e o proletariado, não existia oposição no que refere à forma de Estado. Democracia foi então a palavra de ordem nos séculos XIX e XX e, passadas duas Guerras Mundiais em que foi duramente violada por parte das potências que polarizaram os conflitos, permanece, ainda hoje no século XXI, dominando quase universalmente os espíritos,

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praticamente inatacável. Mas será que assim ela não acaba perdendo o sentido que lhe seria próprio? Afinal, uma democracia pressuposta que se impõe como obrigatória, inclusive como ideia, para cercear o discurso que nela se apresenta para criticá-la, para debatê-la, para propor (porque não?) alternativas à ela, ou, até mesmo, para questionar verdades tidas como absolutas, seria mesmo uma democracia de fato? Esses são questionamentos que o presente trabalho buscará abordar, talvez não com a finalidade de apresentar respostas, mas sim dúvidas diante de afirmações que hoje se tenham por inquestionáveis. Já a justiça, para Hans Kelsen2, em uma perspectiva coerente à sua posição eminentemente relativista, enquanto problema valorativo, situa-se fora da teoria do Direito, que se limita à análise do Direito Positivo, ou realidade jurídica posta. Segundo ele, a procura de um conceito geral de justiça é algo de que a ciência do direito não deve se ocupar. Após rigorosa análise das mais variadas teorias e normas de justiça, Kelsen conclui que não passam de teorias vazias porque necessitam pressupor uma ordem positiva que lhes dê conteúdo3. Portanto, partindo da perspectiva de justiça kelseniana, pretende-se restringir a possibilidade de construção de parâmetros de justiça para além de uma ordem jurídica posta, inclusive para delimitar uma concepção de democracia. Esse é o salto necessário para abordar especificamente a questão democrática no Brasil, que somente pode ser avaliada, na atualidade, sob o ponto de vista jurídico, à luz do que determina a Constituição da República de 1988. Não que se negue a possibilidade de apresentar propostas para alteração do atual panorama da democracia no Brasil, mas pretende-se retirar do discurso propositivo o caráter obrigatório, que ele tenta tomar das normas jurídicas, para situá-lo no seu espaço: o debate político. Assim, chega-se ao cerne da questão: atualmente, no Brasil, a democracia é o mecanismo que institucionaliza e permite o debate capaz de dar origem a alterações no ordenamento jurídico posto, que permanece incólume até que uma decisão válida emitida por um órgão competente (Parlamento, Corte Constitucional, Poder Executivo, a depender do caso) o modifique.

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Apesar de não ser fonte imediata de normas válidas o debate é fundamental para legitimar as decisões. Afinal, a força de uma ideia somente se prova diante de uma argumentação contrária forte, e não de argumentos fracos escolhidos por quem a sustenta. Portanto, trazendo as conclusões acerca do ideal democrático que serão construídas em um primeiro momento no presente trabalho, pretende-se apontar os fundamentos que impedem o cerceamento do discurso no âmbito político pelo seu conteúdo, caso se pretenda sustentar a existência atual de uma democracia. Caso contrário, ter-se-á que reconhecer não só a existência de um modelo autocrático (ou ao menos de um discurso de defenda um), como deverão ser apontadas as fontes dos parâmetros de conteúdo que se pretende impor para cercear o discurso em Estado, então, pseudodemocrático de direito. Notas 1 KELSEN, Hans. A democracia. Tradução: Vera Barkow, et. al. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 25. 2 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. XXVIII. 3 MATOS, Andytias Soares de Moura Costa. Filosofia do Direito e Justiça na obra de Hans Kelsen. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 319.

Construção e reconstrução normativa: a teoria democrática contemporânea entre política e moral na

Escola de Frankfurt Thiago Aguiar Simim

Mestrando em Direito na Faculdade de Direito da UFMG, Brasil. E-mail: [email protected]

A teoria crítica se ocupou desde seu início com a questão do poder político e seus desdobramentos, seja no círculo interno, com Max Horkheimer, Theodor Adorno e Walter Benjamin, ou no círculo externo, com Michel Foucault. Mas é com Jürgen Habermas que a discussão sobre o poder político na democracia e no direito moderno adentra na teoria crítica e ultrapassa seus debates internos. Habermas tem uma teoria política sobre a relação entre democracia e Estado de direito de cunho procedimental. Na discussão sobre os paradigmas do direito, ele afirma que o paradigma liberal sofreria do problema de enxergar a manutenção da autonomia privada através de direitos individuais burgueses e da idéia de liberdade negativa como garantia de participação na esfera pública. A concepção liberal de fundo é que sem obstáculos econômicos e político aos indivíduos, eles estariam livres para exercer também sua autonomia privada. O pressuposto do Estado Social seria que falhas e desigualdades geradas pelo mercado que minam a igual participação no processo de formação da vontade democrática devem ser corrigidas pela intervenção estatal. Isso provocaria um reforço da tese de que a garantia da autonomia privada é a condição da autonomia pública e resultaria ainda num déficit de legitimidade, pois as ações do Estado intervencionista minariam a autonomia pública dos cidadãos. Como solução histórica, Habermas afirma que a democracia procedimental seria a resposta para esta relação tensa, pois, pelo procedimento democrático, os destinatários da lei são também emitentes dela. Ou seja, autonomias pública e privada seriam cooriginárias.

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A forma do direito moderno e seu embricamento estrutural com a democracia teriam o papel de transpor ao sistema a normatividade da ação comunicativa do mundo da vida, como forma também de resistência da pressão sistêmica. Apesar de ter boa parte de sua obra realizada em debate com Habermas, Axel Honneth sofre a crítica de ter um déficit político pela ausência da teoria política sistematizada na sua obra. A teoria do reconhecimento de Honneth ajudaria a explicar as razões até mesmo pré-linguísticas da desigualdade na participação do procedimento democrático, pela análise de patologias sociais, porém não seria capaz de contribuir a priori para a teoria política democrática. O método da reconstrução normativa é, para Honneth, a maneira de se analisar as instituições sociais – em um sentido amplo – que já são normatizadas, pois possuem pretensões morais já dentro de sua estrutura e que podem ser sempre mais efetivadas. Poder político, neste caso não pode ser tratado como uma disputa vazia pelo poder, mas como uma disputa substancial e de conteúdo moral. Rainer Forst parece concordar com esta relação, quando desenvolve uma teoria política com fundamento normativo forte em sua base. Ele realiza, no entanto, uma teoria construtivista com princípio ético de fundo do direito à justificação. Para ele, o direito à justificação é o primeiro direito político, uma vez que nasce com a necessidade de legitimar o exercício do poder de uns sobre outros. Assim como Habermas, ele identifica este momento com o projeto da modernidade. O poder político deve estar justificado e esta justificação deve estar sujeito à crítica. De certa forma, esta é a explicitação do funcionamento interno da cooriginariedade entre autonomia pública e privada, para Forst. A relação prática determina os contextos de justificação, o que significa que, prescindindo do contexto, não é possível se realizar a crítica dessas relações. Por isso, o construtivismo de Forst teria o mesmo problema do de John Rawls: seu estofo empírico é amplo demais – a modernidade, o direito moderno e a experiência democrática ocidental. Uma teoria puramente construtivista sofreria do problema de colocar critérios pouco profícuos para o enfrentamento de questões

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concretas. Ao mesmo tempo, parece necessário se elaborar critérios de justificação do poder político na modernidade. Não existe uma arquitetura institucional perfeita para a relação entre poderes, mas deve-se adentrar ao contexto para análise concreta. Um “bom” funcionamento tem relação com a “cultura política” e especificidades de um contexto, como é o exemplo da relação entre poderes na Suiça, Nova Zelândia e Alemanha. As desigualdades sociais ainda existentes precisam ser enfrentadas agora não mais no paradigma do Estado Social e sim no Estado democrático de direito. A relação entre moral e política é uma boa alternativa para a crítica ao utilitarismo e, ao mesmo tempo, uma aproximação de teorias normativas às relações de poder. A defesa explicita neste trabalho, antes de ser uma defesa do modelo de democracia de Habermas e Forst, é de uma teoria crítica das instituições políticas, cuja possibilidade subsiste a partir de um critério imanente que possa universalizar, ou racionalizar, o que há de concreto nos contextos sociais.

Variações democráticas, emancipação de pluralidades Agnelo Corrêa Vianna Júnior

Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito/UFMG – Brasil – [email protected].

Quando se fala democracia imediatamente se lembra da declaração de Lincoln “do governo do povo, pelo povo, para o povo”. Porém, quando se aprofunda no tema, estudando os principais teóricos, constata-se uma profusão de conceitos e características para falar do mesmo fenômeno. Partem da conceituação histórica, mas divergem posteriormente. Entretanto, alguns elementos aparecem frequentemente, juntos ou não, como a livre manifestação de opiniões, representatividade, participação popular, eleições, princípio da maioria, sufrágio universal, voto direto, entre outros. O que se leva a indagar como um sistema predominante apresenta-se, assim, com tantas versões. A proposta do texto, com suas limitações, é analisar e comparar as algumas características de sistemas relevantes, com o objetivo de localizar convergências e divergências. Assim, pretende-se buscar formas de ação democrática capazes de emancipar a maior pluralidade possível de segmentos sociais excluídos. Para tanto, serão estudadas as teorias de Habermas, de Bourdieu, de Chantal, de Honneth e de Rancière, sobre a idéia de democracia. Pois são representativas da diversidade de modelos, baseados, respectivamente, no consenso, no simbólico, no agnóstico, no reconhecimento e no dissenso. A hipótese é que cada sistema surge como o mais adequado para a emancipação de um segmento específico de cidadãos ou para um conjunto de segmentos, conforme o contexto econômico, histórico, político e social em que estão inseridos. Além de demonstrar que a imposição de um modelo único, independente de suas características, inibirá a emancipação dos grupos que não se adequarem a essa metodologia.

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Habermas trabalha um modelo procedimentalista, onde o direito atua como medium, o discurso racionalmente motivado leva a prevalência do melhor argumento, reconhecido pelos participantes. Alcança-se, assim, um consenso, evitando-se o agir estratégico em defesa de interesses pessoais. Bourdieu trabalha a idéia de poder simbólico, aquele que domina sem ser percebido como imposição, por ser visto como natural. Portanto, os discursos são por ele moldado e limitado, através do habitus, do capital e do campo de ação a que pertencem. Impossibilita-se, assim, o consenso procedimentalista racionalmente motivado, pois inexiste racionalidade quando o argumento provém da posição simbólica de um campo de ação, forjada na tensão entre dominantes e dominados. A superação do poder simbólico é sua explicitação. Mas com cuidado para impedir que a emancipação transforme-se, por si mesma, em um novo poder simbólico. Chantal trabalha a idéia de desmitificar o consenso, que considera de difícil concretização, devido as diferenças de interesses entre as pessoas. Reconstrói a dicotomia schmittiana amigo/inimigo, suavizando-a para amigo/adversário. Considera imprescindível, para o fortalecimento democrático, a instrumentalização da classe trabalhadora com habilidades para influenciar a esfera cultural, econômica e social, além da política. Esquece-se que, no interior de cada classe social também atua o poder simbólico entre dominantes e dominados. Honneth identifica grupos sociais que foram historicamente excluídos para que sejam reconhecidos ou visibilizados pelas suas lutas, perdas e reivindicações. E, dessa forma, recebam estímulos específicos para valorizar suas identidades. O problema é que reconhecimento depende da ação de terceiros, em vez de representar uma conquista dos excluídos pela sua mobilização social. A emancipação legítima torna-se, assim, uma troca negociada, com um traço de subserviência implícita. O reconhecimento é uma divisão do sensível imposta, mesmo quando baseada nas conquistas da modernidade. Pois a modernidade

Teorias contemporâneas da Democracia • 415

é uma criação européia, cristã e branca, que impõem ao reconhecido à incorporação da sua homogeneização e dos seus interesses. Rancière considera que o consenso somente é possível entre iguais, entre os mesmos interesses, impedindo, assim, quaisquer resquícios de pluralidade social. A partilha do sensível somente define a essência, variando sua formatação conforme a disputa de visibilidade social, de quem pode aparecer e falar. Portanto, defende que somente existe democracia onde há dissenso. O consenso é autoritário, uma concertação entre iguais ou parecidos, pois é improvável chegar a um acordo mínimo quando as partes pensam e agem de forma completamente diferente. Conclui-se que os sistemas democráticos apresentados possuem suas qualidades e problemas em relação à viabilização da emancipação social. Mas a própria emancipação também carrega em si mesma a pluralidade de anseios a serem satisfeitos, dependendo da posição contextual dos excluídos. O denominador comum é a necessidade de expressar a identidade, a individualidade, que deve ser respeitada igualitariamente, apesar da dessemelhança. Portanto, os Estados devem evitar o encaminhamento monocórdio da manifestação da soberania popular, impondo um único sistema democrático, pois, assim, torna-se incapaz de perceber a variabilidade da diversidade. A proposta é disponibilizar vários sistemas de acesso, concretizando, assim, a emancipação social de uma pluralidade maior de segmentos historicamente excluídos.

O constitucionalismo democrático no paradigma do Estado Democrático de Direito: apontamentos acerca da legitimidade do direito a partir do princípio do discurso1

Adamo Dias Alves

Doutorando e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFMG. Professor Assistente do curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora campus Governador Valadares.

Benedito Silva De Almeida Junior

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, bolsista de Iniciação Científica.

O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre os elementos que distinguem o constitucionalismo democrático característico do paradigma do Estado Democrático de Direito das experiências presentes no contexto histórico do Estado Liberal e do Estado Social. Parte-se da premissa de que, a partir da Modernidade, os pressupostos fundamentais dos sistemas políticos e do Direito vêm sendo constantemente questionados. O processo histórico contínuo de racionalização da sociedade ocidental impossibilitou que assertivas transcendentais pudessem ser utilizadas para justificar o exercício do poder e a existência das leis – isso porque a razão progressivamente substituiu a fé, sendo que a gradativa conquista de autonomia dos indivíduos também foi fator imprescindível para tal contexto histórico específico que reclamou a reconstrução das bases do Estado, agora sob as balizas da razão. A problemática, entretanto, é muito mais complexa do que se pode imaginar a priori: a partir do momento em que as estruturas do Ancien Régime, embasadas sobretudo na religião, foram corroídas, a função da integração social a qual essa se ocupava também precisava ser repensada – nesse sentido, a própria forma pela qual a sociedade estrutura-se e o substrato das relações sociais precisaram adequar-se a essa nova realidade que é marcada sobretudo pela conquista progressiva das liberdades individuais num

Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 417

contexto de secularização da compreensão de mundo e de valorização da razão. É a partir disso que emerge o esforço teórico que aponta para as modernas ordens normativas democráticas: a fundamentação da legitimidade do sistema político na “soberania do povo” e da lei enquanto “vontade geral da nação” dá uma resposta razoável aos clamores da sociedade moderna racionalizada e propicia o exercício da autonomia dos indivíduos (enquanto “governar-se a si mesmo”) – nesse sentido, as leis só são consideradas legítimas se possuírem aceitabilidade social, o reconhecimento intersubjetivo dos indivíduos em relação a esse ordenamento jurídico enquanto válido ou antes, a participação desses indivíduo na própria elaboração dos conteúdos normativos. Ora, a partir do momento em que os indivíduos “trazem para dentro” do Direito seus costumes, crenças e valores, por mais variados que sejam, estão ao mesmo tempo reafirmando-os perante toda a comunidade jurídica – e é principalmente por causa disso que o próprio Direito obteve grande preponderância em relação a outros sistemas no cumprimento da tarefa de promover a integração social e a estabilização das expectativas de comportamento. Entretanto, essa proposta de adoção do Direito como o principal mecanismo promovedor da coesão social não se manteve por muito tempo, pela advento do “desencantamento” das ciências jurídicas por obra das Ciências Sociais, sob o argumento de que estas são demasiado insuficientes para cumprir satisfatoriamente essa tarefa – e da mesma forma a dificuldade de cumprir a promessa acerca da legitimidade. E essas duas críticas, principalmente, minaram essas pretensões do Direito. Ocorre que esse “desencantamento” apenas fez acentuar esses problemas, principalmente ao longo de um forte processo de complexificação e pluralização da sociedade: e é por causa disso que este artigo pretende rediscutir o papel do Direito a partir desse contexto específico, levantando a hipótese pela qual este poderia assumir a função de mediador entre a facticidade dos sistemas sociais e o sistema do Direito – a tensão entre facticidade e validade. O esforço teórico empreendido nesse artigo é no sentido de, primeiramente, atestar-se na realidade esse problema da legitimidade (existente/não-existente), em todas as suas nuances, e

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posteriormente desenvolver uma discussão acerca da possibilidade de o Direito voltar a desempenhar essa função da integração social nos moldes habermasianos, a partir do entendimento intersubjetivo que orienta as ações dos agentes inseridos em determinada comunidade jurídica. Notas Trabalho realizado com o apoio do Programa de Iniciação Científica BIC/ UFJF, no qual o primeiro autor é orientador e o segundo autor é orientando. 1

Ações afirmativas e igualdade de oportunidades: um conceito de justiça para atores sociais em disputa

Priscila da Silva Barboza.

Advogada, professora universitária (Unicuritiba), doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Brasil. [email protected].

As ações afirmativas tornaram-se uma política de Estado a partir da década de 60 nos Estados Unidos da América. Inicialmente foram tratadas como medidas compensatórias a danos suportados por trabalhadores que sofriam alguma forma de discriminação. Posteriormente, essa política assumiu dimensões redistributivas. Desde então, tem se difundido nos mais diversos países, ocasionando discussões em torno das noções de igualdade e diferença. Nesse contexto, tornou-se um dilema para o direito conciliar essas duas perspectivas, sempre em conflito, o que desafia a construção de um padrão de correção em torno de um conceito de justiça que englobe as complexidades atinentes à execução das ações afirmativas como uma política pública. Tanto é que, no país onde se originou, a Corte de Justiça questiona a viabilidade de sua aplicação, principalmente com relação à afirmação de minorias em função da cor da pele. Nesse contexto, pretende-se questionar nesse trabalho conceitos como igualdade de oportunidades (noção cara às teorias filosóficas da justiça), bem como ponderar a respeito da forma como grupos em disputa conciliam (ou não) seus interesses por meio das ações afirmativas, estando em uma estrutura social bastante hierarquizada e desigual. Como conciliar tantos extremos? Acredita-se que a construção das ações afirmativas perpassa por considerações a respeito da construção histórica que os atores sociais realizam na esfera pública em torno de seus interesses sempre em disputa. Ora legitimando-se como grupo e, assim, requerendo medidas afirmativas em prol do que entendem como uma minoria. Ora preservando a sua necessidade de serem vistos como sujeitos detentores de direitos, ou seja, assumindo uma identidade para além do grupo.

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Que característica define determinado grupo e/ou indivíduo como legítimo para ter seus direitos viabilizados por uma política de ação afirmativa? Ao direito resta o desafio de transmutar esses anseios para um conceito de justiça que equalize perspectivas em disputa e consiga enquadrar em uma noção de igualdade formal tantos indivíduos e/ou grupos.

Justiça Política e luta pela dignidade: explorando a política do reconhecimento de Charles Taylor Carlos David Carneiro

Mestre em Direito pela UERJ. Atualmente cursa programa de doutorado na mesma instituição.

A conferência de Charles Taylor para a inauguração do Princeton University’s Center for Human Values em 1990, intitulada “A política do Reconhecimento” despertou desde sua publicação uma série de interpretações, críticas e controvérsias1. Hoje, mesmo depois de 20 anos, as ideias apresentadas por Taylor na ocasião continuam a despertar interesse e a orientar alguns dos mais importantes debates políticos de nossa época. O que permite abordagens tão ricas quando diversas é justamente o fato de Taylor não só realizar uma leitura bastante ampla da tradição política que ele identifica com o as democracias liberais, quanto de suas fontes morais e possibilidades presentes. Neste artigo, pretendo revisitar “A Política do Reconhecimento”, analisando criticamente alguns de seus principais pontos e explorando seus desdobramentos em aspectos que serão apresentados a seguir. Em primeiro lugar, procurarei expor o conteúdo da conferência, reproduzindo os principais argumentos e pontos levantados por Taylor. Aqui procuro reconstruir a tensão apresentada por Taylor entre a política igual dignidade e a política da diferença, suas principais formulações e seu modo de lidar com a questão das identidades substanciais e a diferença no espaço público. Também reproduzo os argumentos de Taylor acerca da possibilidade de um novo liberalismo, o conceito de fusão de horizontes e a centralidade atribuída à política do reconhecimento. Em seguida, proponho-me a fazer uma leitura crítica dos principais pontos levantados na conferência, enfatizando a reconstrução elaborada por Taylor da luta por igual dignidade nas sociedades contemporâneas, sua crença na possibilidade de uma mediação racional de diferenças significativas no espaço público e, finalmente, sua proposta de um outro modelo de democracia, contraposta àquela que o filósofo canadense chama de “democracia da república procedimental”.

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No que diz respeito à luta por igual dignidade, reconstruo os passos normativos abordados em Taylor, retomando o ensaio de Berger no qual o autor se baseia para, em seguida, analisar a aparente contradição entre a assunção formal da dignidade ao nível das representações e as práticas concretas negadoras de dignidade, incrustrada no pano de fundo social das sociedades contemporâneas. Em relação à capacidade de mediação racional das diferenças profundas no espaço público, procuro analisar criticamente o conceito tayloriano de “fusão de horizontes”, baseado na hermenêutica de Gadamer, e seu modelo de razão prática, perquirindo em que medida esses recursos podem ou não promover a possibilidade de um entendimento racional entre diferentes e seus possíveis perigos para a estabilidade e o entendimento democrático. Finalmente, procuro, partindo da conferência acerca da “política do reconhecimento”, discutir em que medida a crítica de Taylor à democracia procedimental é bem sucedida e em que medida o modelo alternativo proposto pelo autor oferece um ideal atraente de democracia. Aqui, procuro mobilizar outros textos de Taylor acerca da democracia, como “Democratic Exclusion and Its remedies”, “The Dynamics of Democratic Exclusion” e o ensaio mais conhecido do autor acerca do tema “Debate Liberais-Comunitários: propósitos entrelaçados”. Mais do que isso, procuro mostrar como a ideia de um auto-governo em Taylor procura ancorar-se na possibilidade de uma versão democrática ao tema Hegeliano da “eticidade”, presente em seu “Hegel and Modern Society”. Meu objetivo, ao analisar esses pontos, é o de questionar em que medida o projeto de Taylor em “A Política do Reconhecimento” e outras obras, pode ser útil para se redimensionar os problemas políticos e jurídicos das sociedades contemporâneas em geral e do Brasil em particular. Notas 1 Para uma visão geral das diversas abordagens do tema do “reconhecimento”, bem como das principais críticas e interlocuções com texto de Taylor, ver MENDONÇA, Ricardo. A dimensão intersubjetiva da autorrealização: em defesa da teoria do reconhecimento. In: Revista brasileira de Ciências Sociais, vol.24, nº 70, PP.143-154, 2009.

Estado e locus civis versus os fundamentos políticofilosófico do constitucionalismo

Miguel Ivân Mendonça Carneiro

Mestre em Filosofia pela Universidade de Brasília, Mestre em Ciência da Família e bacharel em Filosofia pela Universidade Católica de Salvador. Atualmente é professor de Teoria Geral do Estado no Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB). Brasil, [email protected].

O presente resumo visa investigar os fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo, pois a vida em coletividade apresenta-se como inerente ao próprio ser humano, pois faz parte da natureza e existência humanas a necessidade pelo outro e do outro – na Política – o cidadão. A partir do século XX foi possível definir que a organização da vida pública em sociedade seria regida por documentos legislativos reunidos em Constituição. Nesse documento deveriam conter as diretrizes basilares do hipotético acordo das relações entre os homens, entre si e entre as instituições por ventura criadas por cada sociedade portadores de objetivos coletivos. Passou-se, então, o consenso de que a justiça seria viver em conformidade com as diretrizes constitucionais. Esperava-se, também, que os conflitos ideológicos, políticos, econômicos, religiosos fossem dirimidos a partir de cada singular Constituição, obrigando a sociedade a adotá-la, invariavelmente, como parâmetro de conduta moral e ética: o conjunto dos hábitos (Moral) para viver a Justiça (ideal do bem, Ética). Contudo, como sendo norma hipotética, a Constituição é insuficiente para transformar as ideias em atos. Julga-se ser esse o principal desafio para se fundar argumentos político-filosóficos, a saber: transpor para a Constituição o sentido de pertença do povo e não a mera dogmática jurídica do poder hegemônico ou mesmo de um “ideal particular” travestido em vontade geral. Nesse sentido, um dos principais desafios do constitucionalismo é responder à problemática: como se atingir uma sociedade justa e estável de cidadãos ao mesmo tempo ga-

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rantir-lhes liberdade e igualdade cívica? Enquanto Democracia, qual será a fronteira entre a força da minoria ou o poder da maioria? O que mantém uma sociedade unida? Se as crenças morais fundamentais, se as doutrinas religiosas, filosóficas e morais que subsistem ao longo do tempo em uma sociedade bem-ordenada já não conseguem manter o senso de justiça, qual deva ser o fundamento da sociedade justa? O que mantém uma sociedade unidade e justa? Para responder essas questões, vislumbra-se a teoria de John Rawls sobre a “ideia de razão pública revisitada” como a saída para a concórdia pública. Entende-se o Estado enquanto agente chancelador da vontade geral do povo (consciência coletiva). Depois da segunda metade do século XX, o ente estatal passa a ter governança no neoconstitucionalismo, que exige o retorno às questões de base do Direito e da Justiça, reconhecendo que a “a lei pela lei” já não asseguram o ideal de justiça e igualdade. Para tanto, analisar-se-á a sociedade (locus civis) enquanto espaço comum à todos os cidadãos, que deve ter prioridade porque antecede a própria criação do Estado, pois o monismo estatal já não se sustenta como porta-voz do justo. Urge o movimento inverso: é a consciência coletiva que forma e fornece os parâmetros do agir estatal elencados em constituição. O elo condutor entre Estado e sociedade é a própria ideia de bem comum que estão enfeixadas no agir do Direito (seja enquanto burocracia quanto hermenêtica) na consecução da igualdade, liberdade e dignidade humanas. Entende-se, portanto, que o Direito deva ser fruto da dialética do povo que compõe a sociedade. Trata-se, por fim, de configurar o Direito como o próprio pacto político público do viver em coletividade. Será debatida a obra “O liberalismo político” onde Rawls analisa a concepção da política e da justiça, da sociedade como um sistema equitativo de cooperação. A pessoa política integra um espaço definido como sociedade, por isso, John Rawls vai investigar quais são os pressupostos de uma “sociedade bem-ordenada” e os desafios das concepções abstrata nem de uma comunidade, nem de uma associação. A Segunda Conferência trata de “As faculdade dos cidadãos e sua representação”, onde o autor aborda o razoável e o racional, os

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limites da capacidade de juízo e as doutrinas abrangentes razoáveis. Destaque especial vai para os itens “autonomia racional: artificial, não política”, “autonomia plena: política, não ética”. Conclui Rawls a Segunda Conferência analisando as bases da motivação moral e a psicologia moral: filosófica, não psicológica. Na Terceira Conferência ocupa-se do construtivismo político, notadamente o construtivismo moral kantiano porque “seu construtivismo é mais profundo e adentra na própria existência e na constituição da ordem de valores. Isso é parte de seu idealismo transcendental” (RAWLS, 2011, p. 118). John Rawls indagará se é possível o liberalismo político e como se relacionam entre si “concepção” e “doutrinas”, objeto de análise da Quarta Conferência que é finalizada pela defesa de que uma concepção política não necessita ser abrangente. Na Quinta Conferência, o autor dedica-se a analisar “A prioridade do justo e ideias do bem”. Palavras-chave: Filosofia política. Constitucionalismo. John Rawls.

Teoria descolonial dos direitos fundamentais e filosofia intercultural dos direitos humanos

Konstantin Gerber

Advogado em São Paulo, mestre em filosofia do Direito e do Estado, com a dissertação “Antropologia Jurídica e Direitos Humanos: o etnocentrismo, o relativismo cultural e os direitos sociais”, PUC SP, onde integra o Grupo de Pesquisas em Direitos Fundamentais e assiste nas disciplinas de direito constitucional e historia constitucional na graduação. Email: [email protected].

Pretende-se discorrer em caráter literário sobre constitucionalismo, sua história, suas tendências, bem como sobre nossa jurisdição constitucional, de maneira descontraída dado haver manuais de direito constitucional ‘descomplicado’, ‘esquematizado’, ‘simplificado’, portanto já se faz hora de se editar um manual de direito constitucional esculhambado, pois nessa estória meus founding fathers são Zumbi, Chico Mendes, Frei Caneca, Luiz Gama, Cacique Tibiriçá, esse primeiro contratante, Plínio de Arruda Sampaio, Ulisses Guimarães e o Nelson Jobim, que incluiu serviços da dívida na CF. Se juristas da exceção tinham por objetivo ‘racionalizar a democracia’ e reformar o ordenamento jurídico nos moldes da ‘Revolução de 1964’, momento de se ‘viver a democracia’, ou de se ‘sentir a democracia’, remover o entulho autoritário com projetos de lei em favor da Revolução de 05 de outubro de 1988, ou como querem alguns, fazer a Revolução Caraíba, o que não deixa de sempre lançar perguntas sobre o conceito de democracia, em tempos de ‘novo constitucionalismo latino-americano’ e o conceito de cultura política, no pós manifestações de junho. Pretende-se revisitar a história do constitucionalismo brasileiro, ou mesmo sua pré-história em Dom João VI, pois ainda que tenha traços democráticos, seu perfil é oligárquico-liberal-conservador - e se apropriar do constitucionalismo proprietário dos Eua e França para recontá-la, por meio de outras categorias, para além do que se nomina de constitucionalismo popular, constitucionalismo de transformação ou constitucionalismo como mito, mas advogar por um

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constitucionalismo que se sente na pele, para além desse constitucionalismo de conservação, revisitar a origem do direito internacional dos direitos humanos, o que pode nos lançar para a história do direito subjetivo e suas variadas classificações, em tempos em que se escreve sobre o fim dos direitos humanos. Em realidade, se pretende percorrer novamente o tema dos direitos humanos e da filosofia intercultural, temas explorados em dissertação de mestrado, em que se procurou realizar uma carnavalização de saberes, para se aproximar do tema do relativismo cultural, com considerações sobre quilombos, terras indígenas, populações tradicionais, costumes proibidos, história da propriedade na América do Sul, com reflexão sobre o significado de direitos humanos, bem como sobre o que se debate atualmente na Filosofia do Direito: da estrutura medieval do pensamento à experiência religiosa ou amorosa do humano, da dimensão ética da visitação do outro, dos direitos humanos como acontecimento antropológico, ainda que não tenha havido pesquisa empírica para falar dos direitos humanos, de uma antropologia da violação dos direitos humanos. O método é o surrealista, que ganha novo fôlego com o chamado “pensamento descolonial e práticas acadêmicas dissidentes”, de modo a re-ler a teoria dos direitos fundamentais e re-pensar a historicidade dos direitos humanos, o que fará com que perguntas sobre o poder constituinte se mantenham acesas.

Críticas de Amartya Sen à teoria contratualista de John Rawls Luíza Kitzmann Krug

Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

O presente trabalho avalia a adequação da maneira como Amartya Sen reconstrói a teoria da justiça como equidade de John Rawls, bem como se as críticas a ela apresentadas são pertinentes, especialmente no que tange à substituição da ideia de bens primários, presente no princípio da diferença, pela abordagem baseada nas capacitações, elemento central à ideia de justiça de Sen e principal ponto de inflexão entre a sua teoria e a de Rawls. Na obra The Idea of Justice (2009), Amartya Sen desenvolve uma teoria da justiça que visa aprimorar a justiça e remover a injustiça, sem preocupar-se com a resolução de questões acerca da natureza de uma justiça perfeita. Diante disso, promove uma crítica à teoria da justiça de John Rawls, desenvolvida em obras como A Theory of Justice (1971) e Political Liberalism (1993). Segundo Sen, a teoria da justiça de Rawls funda-se em uma noção transcendental de justiça, inaugurada por Thomas Hobbes e desenvolvida com base na ideia de contrato social por autores como John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant. Trata-se de uma busca por instituições perfeitamente justas. Sen apresenta a ideia da equidade (fairness) como fundacional à teoria da justiça de Rawls, sendo, em sentido amplo, uma exigência por imparcialidade derivada da ideia de posição original (original position), a qual é, por sua vez, uma situação imaginária de igualdade primordial. Sob o véu de ignorância (veil of ignorance), que também consiste em uma situação imaginária de ignorância dos indivíduos a respeito de sua identidade, interesses e concepções de vida boa, são escolhidos de forma unânime os dois princípios de justiça, determinando as instituições sociais básicas que governarão a sociedade criada pelos membros da posição original.

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Sen considera que a justiça social é, em Rawls, um desdobrar em múltiplos estágios. Após a escolha, na posição original, dos princípios de justiça, no estágio constitucional são especificadas as instituições, levando em consideração as particularidades de cada sociedade. Já no estágio legislativo, o funcionamento dessas instituições leva a mais escolhas sociais. Essa sequência imaginada de movimentos levaria ao desenrolar de arranjos sociais perfeitamente justos. Dentre as lições positivas da teoria da justiça de Rawls apontadas por Sen estão a centralidade da ideia de equidade, sua tese sobre a natureza da objetividade na razão prática, o destaque às duas faculdades morais (moral powers) – capacidade para um senso de justiça e para uma concepção de bem –, a priorização da liberdade, o enriquecimento da literatura sobre inequidade nas ciências sociais, a atenção dada aos menos favorecidos através do princípio da diferença e, finalmente, o reconhecimento da importância da liberdade real de fazer o que bem se entende de sua vida implícito no enfoque dado por Rawls aos bens primários. O caráter extremo da prioridade total da liberdade e as falhas do princípio da diferença são tratados por Sen como problemas que podem ser efetivamente enfrentados, sem que se torne necessário abandonar a tese da justiça como equidade. Sen considera que Rawls falha ao julgar as oportunidades das pessoas através dos meios que possuem, sem levar em conta a variação na habilidade de converterem bens primários em boas condições de vida. Como solução, Sen propõe uma abordagem baseada na análise das capacitações (capabilities). Sen aponta ainda outras objeções à teoria de Rawls, indicando que necessitam de análise mais aprofundada. Rawls falha ao não associar a operação dos princípios de justiça a uma análise do comportamento real dos indivíduos, essencial para o desenvolvimento de uma teoria da justiça, limitando-se a destacar a necessidade de um comportamento razoável por parte deles. A segunda objeção consiste nas alternativas à abordagem baseada na ideia de contrato social, em especial a ideia do espectador imparcial (impartial spectator) de Adam Smith, que é visto por Sen como uma alternativa para embasar a análise da justiça nas demandas da equidade. A terceira objeção consiste

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na relevância das perspectivas globais para a análise da justiça em uma dada sociedade, fator que Sen vê negligenciado na teoria de Rawls. Em Politial Liberalism, Rawls responde à objeção de Sen a respeito da lista de bens primários tomando como base a ideia de que, tendo todos a capacidade de serem membros normais e cooperativos da sociedade ao longo de toda a vida, quando os princípios de justiça são satisfeitos, nenhuma das variações entre os cidadãos apontadas por Sen são injustas. Ante o exposto, este trabalho sustenta que a teoria da justiça como equidade de Rawls é compatível com a análise baseada nas capacitações proposta pela ideia de justiça de Sen. Conclui, ainda, que o cerne da teoria de Rawls sobrevive às críticas apresentadas pelo economista indiano, sendo possível compatibilizar-se o projeto de uma justiça transcendental com a análise de problemas sociais reais enfrentados pelas sociedades contemporâneas.

Em defesa da democracia deliberativa: uma possível resposta de Carlos Santiago Nino às críticas feitas por Jeremy Waldron José Arthur Castillo de Macedo

Estudante de graduação - e-mail: [email protected]

O presente trabalho apresenta uma resposta às críticas de Jeremy Waldron à concepção de democracia deliberativa defendida por Carlos Santiago Nino. Apesar de quase desconhecido no debate acadêmico ou constitucional no Brasil, Nino foi um importante constitucionalista argentino que faleceu prematuramente em 1993. Como intelectual e ativista dos direitos humanos teve um papel fundamental na redemocratização da Argentina, pois foi o assessor do presidente Raul Alfosin para temas ligados aos direitos humanos. Quando esteve próximo ao poder, Nino pode experimentar na prática, as ideias de um liberalismo igualitário que já vinha defendendo na academia. Seu papel foi fundamental para que os generais da ditadura argentina fossem levados à julgamento. Contudo, o presente trabalho centrará a atenção em outro aspecto da obra de Nino: a sua defensa de uma democracia deliberativa, a partir de sua crítica aos fundamentos jurídico, políticos e filosóficos às democracias e constituições latino-americanas, realizada especialmente nas obras “Fundamentos de Direito Constitucional” e “A Constituição da democracia deliberativa”, esta publicada após a sua morte. A partir de uma sofisticada construção que leva em consideração os aspectos históricos, os princípios morais e a dimensão política da legitimidade, Nino defende uma “Constituição da democracia deliberativa” a qual permitiria que fosse construída uma democracia mais justa, legítima, mas que conseguisse reconstruir de forma adequada os melhores aspectos da tradição constitucional de determinado país (a chamada metáfora da catedral). Dialogando com Rawls e Habermas, Nino sustenta a sua defesa de uma concepção deliberativa de democracia

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que conciliaria a concepção que os dois autores possuem de virtuoso e consistiria em um ganho naquilo que eles têm de deficiente. É por isso que Nino defende, diferente de Rawls e Habermas, que a democracia possui um valor epistêmico, pois as decisões democráticas possuem uma tendência a imparcialidade, a qual é reforçada em uma democracia deliberativa, na qual todos podem apresentar e debater as razões que justifiquem as suas posições. Todavia, segundo Nino, para que haja esse valor epistêmico da democracia é indispensável um arranjo institucional que o promova. Em um seminário realizado após a morte de Nino para discutir a obra “A Constituição da democracia deliberativa”, Jeremy Waldron crítica a concepção deliberativa defendida por Nino. Em primeiro lugar ele sustenta que é problemática a relação entre deliberação e votação, de um lado, e, de outro, entre deliberação e pluralismo. Waldron faz uma breve e – parcialmente – equivocada reconstrução da teoria de Nino para sustentar, em cinco pontos a sua teoria majoritária da democracia. Baseado na noção de “desacordo razoável” sobre questões de justiça e autoridade, Waldron desenvolve uma visão majoritarista da política, a qual, segundo ele, é mais adequada para compreender o funcionamento da deliberação das Cortes, e, também, seria mais adequada para a compreensão da forma adequada para lidar com o pluralismo, o que, segundo ele, seria um problema na teoria de Nino. O presente texto procura responder estas objeções feitas por Waldron a partir do caráter epistêmico que pode ter uma democracia deliberativa e do arranjo institucional que ela pressupôs e que Waldron ignora.

O Constitucionalismo moderno frente aos dilemas morais Victor Cristiano da Silva Maia

Aluno do 3º período de graduação do curso de direito da Universidade Federal de Lavras (UFLA) – MG – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]

O presente trabalho tem o intuito de analisar os pressupostos político-filosóficos do constitucionalismo moderno que retoma a categoria do “dever-ser”, e, portanto, uma interpretação do direito através de elementos axiológicos ou ético-valorativos. Esse movimento tem sua base no pensamento “pós-positivista” ou “não-positivista” (como preferem chamar alguns autores). O movimento positivista científico do final do século XIX tinha como característica principal a total rejeição à metafísica. Essa ideologia das ciências, que visava reduzir as ciências da cultura ao modelo das ciências naturais, tem como característica fundamental a sua avaloratividade, isto é, a distinção entre juízos de fato e juízos de valor, excluindo estes últimos do campo científico. Negava-se importância à filosofia dos valores, por se entender que, a axiologia, por definição, subjetiva, não poderia de modo algum pretender uma objetividade reservada à ciência empírica, que deveria, por sua vez, versar sobre fatos. As consequências da perspectiva positivista aplicada ao direito levaram a refletir sobre a possibilidade – e, talvez, a necessidade – da retomada da validade de uma interpretação valorativa das normas. A partir da segunda metade do século XX – período pós-guerra –, há o surgimento do pensamento “pós-positivista” que se propõe como superação do positivismo, porém, não necessariamente sua negação, retomando, as ideias de justiça e equidade promovendo uma reaproximação entre ética e direito. Tal reaproximação fica evidente quando estivermos diante de um caso complexo, isto é, de um caso que advogue uma instância de ordem superior, ou, simplesmente, de ordem diferente - por exemplo, e não por acaso - quando estivermos diante dilemas morais. Ronald Dworkin um dos maiores representantes do pensamento “pós-

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-positivista”, nos oferece um arcabouço argumentativo para debater tais problemas. O aborto, conforme Ronald Dworkin significa matar deliberadamente um embrião humano em formação, e a eutanásia, por sua vez, significa matar alguém por razões de benevolência. Ambos os casos, porém, compartilham um aspecto em comum, qual seja, há uma escolha pela morte. Tais discussões perpassem os tempos, porém, sem alcançarem uma conclusão definitiva. O principal problema diante de tais questões gira em torno do valor atribuído à vida. Para alguns uma vida digna é aquela na qual podemos alcançar nossas realizações. Nesse sentido uma pessoa em estado terminal que sofre de uma doença incurável e padece de dores terríveis não seria mais dotada de dignidade, pois o paciente não poderia desfrutar de mais nenhum prazer e deveria conviver ainda com a aflição contínua da dor; para outros a vida é tida como sagrada, possui um valor em si, intrínseco e inviolável, e que, por esse motivo, não temos a possibilidade de decidir sobre como e quando ela deve começar ou terminar. Diante disso, cabe a nós nos perguntarmos: a lei deveria permitir que os médicos suprimissem a vida dos pacientes terminais que, por estarem sofrendo dores terríveis, pedem para morrer? Na mesma esteira do problema da eutanásia segue também o problema do aborto. Para a maioria das pessoas o aborto não passa de uma questão moral e metafísica que envolve o problema de identificar quando a vida começa. Influenciados fortemente pela corrente tomista, temos aqueles que consideram o embrião como sendo uma criança, tanto quanto uma semente já é uma árvore; por outro lado, a corrente natalista considera como o início da vida somente a vida extrauterina, quando o bebê é então capaz de sobreviver independentemente da mãe. A ideia de que a vida é sagrada e inviolável é o ponto central para as discussões que dizem respeito aos dois extremos dela, seja em relação ao aborto ou a eutanásia. Sendo assim, pretende-se analisar, as premissas de Ronald Dworkin para tentarmos encontrar a forma com que o Estado deveria lidar com tais dilemas morais. Questões abstratas como estas expressam a importância dos princípios no ordenamento jurídico-constitucional. Quando não encontramos uma solução pré-de-

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finida no ordenamento, faz-se necessário uma interpretação do texto constitucional através dos aparatos hermenêuticos. Essas discussões cujo conteúdo envolve relação aos direitos e garantias fundamentais como a dignidade da pessoa humana, o direito à vida, à liberdade, bem como o fato de que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante, entre outras, exigem um novo olhar para o texto constitucional a fim de fazer com que se tornem efetivos os ideais de justiça e equidade. Palavras-chave: Constitucionalismo moderno; Ronald Dworkin; Dilema morais.

Uma análise sobre algumas das bases filosóficas e políticas do Processo de (re)dimensionamento Global e Intergeracional do Direito Constitucional Juliana Guedes Martins

Mestre em Direito –Instituições Jurídicas e Políticas- UFSC. Doutoranda em Direito Público na Universidade de Coimbra

O presente trabalho busca identificar aspectos das matrizes filosóficas e políticas dos princípios da Sustentabilidade/Intergeracionalidade a partir do reconhecimento de que tais princípios constituem um dos eixos legitimadores centrais do fenômeno jurídico e político denominado Transconstitucionalismo/Interconstitucionalismo e operam no Século XXI o “passo além” do papel que cumpriu e ainda cumpre o “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana” no Século XX. O fim da Segunda Guerra Mundial constitui o marco histórico que conduz ao “turning point” do Direito Constitucional que o desloca do Positivismo Jurídico para o Pós-positivismo Jurídico, quando ocorre a chamada virada Kantiana do significado de Soberania, momento no qual o sujeito nacional passa a ser o protagonista das preocupações estatais, segundo Kant a única e verdadeira razão de Estado é a defesa do individuo, ocorre então a abertura das Soberanias estatais a um sistema normativo internacional, cujo pilar principal é constituído pela Dignidade da Pessoa Humana. Em tal processo podemos situar como, um dos marcos o texto “Cinco Minutos de Filosofia do Direito” de Gustav Radbruch, que após a Segunda Guerra Mundial, escrito como manifesto dirigido aos alunos da Universidade de Heildelberg onde afirma: “Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas”. A força jurídica central e condicionante do Direito Constitucional passa a ser Dignidade da Pessoa Humana, cujo status é de núcleo fundamental, inicialmente através da Declaração Universal de Direitos

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Humanos e na seqüência densifica-se na via do constitucionalismo contemporâneo a kantiana idéia de humanidade como um fim em si mesma. O Século XXI é marcado pelo imperativo categórico de uma ética universalista dos Direitos Humanos e pela amplitude global e temporal da questão ambiental e econômica, cada vez mais, marcada pela repercussão que as decisões políticas locais são capazes de gerar no ambiente global. O “novo Imperativo categórico” de Hans Jonas, cuja proposta é a ética da responsabilidade, constitui a matriz filosófica do Princípio da Sustentabilidade/Intergeracionalidade e confere o suporte filosófico original do conceito de sustentabilidade, que eclode no Relatório da ONU sobre meio ambiente global denominado “ Nosso Futuro Comum” e pauta-se na comensuração da dimensão global e intergeracional das ações humanas, pressupostos inerentes ao próprio conceito de Desenvolvimento Sustentável que na atualidade ocupa centralidade não somente de ordem ambiental, mas também econômica, política e social. Tal discurso permeado por princípios axiológicos, e estabelecedores de tal redimensionamento do horizonte dos valores para uma ordem cosmopolita, global e intergeracional implicam no reconhecimento de uma identidade do indivíduo como cidadão do mundo, inserido como responsável em uma realidade que só faz sentido na dimensão de comunidade compartilhada pela humanidade. Juridicamente é sobretudo nas Constituições que tal sistema valorativo cristaliza os Direitos Humanos e a Questão Ambiental, situando a ótica do Estado Nação em uma Nova Ordem Jurídica Tal realidade jurídica instalada pelas Constituições confere “Força Normativa”(HESSE) ímpar e até então inédita aos Direitos Fundamentais, consagra-se na engenharia política e jurídica do Estado Democrático de Direito, cuja tônica decorre da marcada tensão entre Democracia e Direitos Fundamentais, no qual o protagonismo intepretativo desloca-se do interprete privilegiado e autorizado (KELSEN) para o cidadão que compõe a chamada sociedade aberta de interpretes (PETER HABERLE) e assume o papel não mais apenas de destinatário de direitos mas de co-autor do sistema jurídico na medida em que intepreta e os reinvidica através

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das vias políticas e jurídicas. Identifica-se aqui, que tal processo de renovação e redimensionamento das pautas ocorre principalmente com a ascensão hegemônica dos EUA e com a emergência do fenômeno da institucionalização desta mundialização. O processo em questão é operado, principalmente através de Organizações Internacionais sendo que a introjeção e o reconhecimento destes novos conceitos (p.e. sustentabilidade) efetua-se pela ciência e pela mídia. (LUHMANN). A dignidade da pessoa humana _ argumento nuclear na gramática compartilhada da interjusfundamentalidade _ constitui um fator indispensável no exame de legitimidade das conexões entre as instituições jurídicas e políticas que compõe a nova rede de instâncias processuais interjurisdicionais. A sociedade cada vez mais complexa e heterogênea possui como último cimento social a gramática compartilhada dos Direitos Fundamentais (HABERMAS). O Estado Democrático de Direito constitui suporte apto a conciliar tal renovação estrutural de ordem prática com a gramática axiológica e vinculativa dos Princípios Constitucionais. Tal processo de (re) significação deflagra e possibilita um processo permanente de (re)construção de sentidos e significados gerados pela Sociedade Aberta de Intérpretes, a partir da carga axiológica compartilhada e constitucionalmente positivada dos Direitos Fundamentais, que no Século XXI encontram-se redimensionados nas perspectivas espaço (global) e tempo (intergeracional).

Fundamentos filosóficos do direito à vida em John Finnis Dilson Cavalcanti Batista Neto

Doutorando em Filosofia do Direito e Teoria do Estado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Professor do UNASP (Centro Universitário Adventista de São Paulo, campus Engenheiro Coelho). E-mail: [email protected] e [email protected].

John Finnis é um dos mais relevantes propagadores na atualidade do Jusnaturalismo. Em sua principal obra, Natural Law and Natural Rights (2011c), busca contrapor críticos (geralmente positivistas, como H. L. A. Hart) que negam que a validade jurídica de uma norma dependa de qualidades substancialmente morais. A principal crítica que Finnis propõe sobre o pensamento de Hart (2009, p. 270-271) é que uma teoria do direito não deve simplesmente levar em consideração uma perspectiva interna (daquele que aceita o direito enquanto válido), mas a teoria deve assumir a visão desta perspectiva porque os indivíduos que se encontram no jogo de conceitos do direito acreditam que normas válidas geram obrigações morais (BIX, 2010, p. 217-218). Procura fundar sua teoria não num conceito de divindade, mas em bens autoevidentes: Vida, Conhecimento, Jogo, Experiência Estética, Sociabilidade (Amizade), Razoabilidade Prática e Religião. (FINNIS, 2011c, p. 81-99). Cada um destes bens é universal e eles conduzem todas as sociedades humanas, em todos os tempos. Possuem valor intrínseco, não sendo meio para atingir outros valores. Não se confundem com valores morais, mas os antecedem. A moral e os princípios de direito natural resultam da combinação de tais bens com os requisitos de razoabilidade prática. (WACKS, 2006, p. 14-18). Apesar de não ter escrito uma obra exclusiva sobre o direito à vida, John Finnis possui um trabalho substancial sobre o tema no qual faz uma contribuição que combina conhecimento jurídico e filosófico (KEOWN, 2013, p. 305) que se expõe, resumidamente e de forma exemplificativa, a seguir.

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No artigo Justice for Mother and Child (FINNIS, 2011a, p. 307314), afirma que qualquer tipo de experimentação ou observação que é susceptível de pôr em perigo o embrião é injustificável a menos que os procedimentos sejam destinados a beneficiar os próprios embriões. Sobre a fertilização in vitro, Finnis escreve no artigo CS Lewis and the Test-Tube Babies (FINNIS, 2011a, p. 273-281) que a existência humana não se inicia por conta de um ato de união conjugal, ou de qualquer fator social que dê significado ao “bebê no tubo”, que a vida começa no ponto culminante do processo de fertilização, quando se possui uma constituição genética e integração orgânica. Estes elementos mínimos são ratificados no escrito When Most People Begin (FINNIS, 2011b 287-292), quando reitera a importância do reconhecimento do elemento mínimo – zigoto composto de 46 cromossomos – como elemento de início da história do humano. Críticos desta visão, como Ronald Dworkin (2009), advogam o não status legal do feto ao afirmarem que a legislação antiaborto deve existir não para protegê-los, mas para garantir, entre outras coisas, a saúde da mãe. Em relação à discussão sobre o fim da vida, Finnis critica, p. ex., os defensores da eutanásia, ao afirmar que não se trata de um ato privado puramente. Aceitar isso seria comparável a aceitar um acordo para vender a si mesmo como escravo. Além disso, argumenta contra a ideia de proteção à autonomia do sujeito que se submete à eutanásia, pois estaria acometido, em certo grau, de algum tipo de enfermidade ou doença. No artigo Brain Death and Peter Singer (FINNIS, 2011b, p. 302-312), aponta insuficiências na ideia de que a vida de seres humanos em estado de coma irreversível não possui valor intrínseco. Trata-se de uma alternativa ao conceito operacional de vida sustentado por Peter Singer (2011, p. 155-190). Por fugir de padrões vazios de argumentação comumente presentes em debates sobre direito à vida, é que a contribuição de John Finnis merece atenção. Referências BIX, Brian. Natural Law Theory. In Dennis Petterson (ed.). A Companion to Philosophy of Law and Legal Theory. West Sussex: Wiley-Blackwell, 2010.

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DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Jeferson Luiz Camargo (trad). São Paulo: Martins Fontes, 2009. FINNIS, John. Human Rights and Common Good. Oxford: Oxford University Press, 2011a. (Collected Essays Vol. III) ______. Intention and Identity. Oxford: Oxford University Press, 2011b. (Collected Essays Vol. II) ______. Natural Law and Natural Rights. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2011c. HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Antônio de Oliveira Sette-Câmara (trad). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. KEOWN, John. A New Father for The Law and Ethics of Medicine. In KEOWN, John; GEORGE, Robert P. Reason, Morality and Law: The Philosophy of John Finnis. Oxford: Oxford University Press, 2013. SINGER, Peter. Pratical Ethics. 3ª ed. Cambrigde: Cambridge University Press, 2011. WACKS, Raymond. Philosophy of Law: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2006.

Novos Direitos: aportes a partir da Filosofia da Libertação Latino-Americana Ana Paula de Oliveira Mazoni Vanzela Paiva

Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba, Brasil). Email: [email protected].

O objetivo a ser perseguido consiste na análise da consecução dos novos direitos elaborado pelo filósofo argentino Enrique Dussel, através de sua fundamentação ética, buscando suas raízes de pensamento no conceito de dominação engendrado na expressão de ser do povo latino-americano, caminhando, na ocasião em que reconstrói o paradigma ético vigente através do método analítico, para uma ética mundial enquanto fundamento para a justiça, na medida em que destrói as éticas contemporâneas em crise e concretiza novos direitos fundamentais a partir da libertação do oprimido. Filosofia da libertação, dentro de uma análise paradigmática da própria filosofia, se caracteriza pela corrente de pensamento que rechaça o eurocentrismo, a partir da descolonização do ser, saber e viver (entre outros aspectos), e tem como ponto de partida e chegada a vida negada (para cria-la, reproduzi-la e desenvolvê-la), do outro enquanto Outro, pensado a partir de uma exterioridade que, de forma contra hegemônica, se liberta da totalidade totalizada. A função do filósofo, via de consequência, é ser servidor do Outro, comprometido com uma práxis de libertação. Enrique Dussel propõe uma ética da libertação fundada em uma utopia possível, qual seja a consideração do outro não apenas enquanto igual (o Mesmo rechaçado junto a uma totalidade colonizada), mas, sobretudo, enquanto diferente, em busca da passagem do dever ser para o dever viver. Ou seja, negando-se a negatividade da vida das vítimas (ainda que não intencionais) e tendo esse raciocínio como ponto de partida, seu projeto ético visa a opção pelos pobres e oprimidos a partir da realidade da América Latina e do resgate de sua identidade. Neste sentido, as concepções de justiça da epistemologia

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do norte (que se contrapõem a uma epistemologia do sul), pautadas por uma errônea ideia de justiça que parte da centralidade da Europa no sistema-mundo, são, na verdade, perpetuadoras de injustiças. Seu verdadeiro conceito parte, então, da periferia deste sistema-mundo, e, após a constatação de tais negatividades presentes na vida dos oprimidos (do latino-americano, negro, pobre, homossexual, mulher, entre outros), nega a negação, logrando afirmar outro modo de produção, reprodução e desenvolvimento de vida. Importante considerar que seu conceito de Outro se caracteriza como o condicionante anterior de toda e qualquer comunicação, do excluído da condição de partícipe da argumentação, não obstante afetado pelas decisões tomadas, sendo a vítima não intencional do sistema (que nunca será perfeito), o não-falante e não-ser (que ontologicamente é o nada). Não é o diferente da razão, mas a razão do outro, distante da realidade hegemônica, eurocêntrica, machista, autoritária e fetichizada (sob essa perspectiva, Enrique Dussel parte da problemática da indissolubilidade do outro ao sistema a que pertence, enquanto dificuldade de enxergar outro homem e não apenas outra engrenagem do sistema). Considera que o paradigma da linguagem, orientado por Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas não é suficiente para abarcar as necessidades da América Latina, que se encontraram por tanto tempo eivadas por uma filosofia europeia e norte-americana e que, exatamente por isso, não se encontram com possibilidades reais de resolução de seus conflitos pertinentes. A esse fenômeno de colonização do ser e saber dá-se o nome de eurocentrismo, fundado na falsa ideia de que o conceito de modernidade, enquanto emancipação, se dá por um esforço da razão a partir de processo crítico que tem na Europa o germe criador e fundamentador da sociedade moderna– como se os eventos ocorridos no interior da Europa fossem a força motriz de desenvolvimento da modernidade. Ou seja, desde a negação da origem da modernidade, engendra uma ética material (na medida em que informa ser insuficiente uma ética formal), com vista a ter na justiça o atendimento do pobre e excluído. A conceito de justiça para a filosofia da libertação, perpassa a compreensão de homem como

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supra-stância com poder-ser e práxis (enquanto modo de ser do homem no mundo) e, considerando a infinidade de caminhos possíveis a serem tomados por este homem assim considerado, escolhe valores pensados na ética dusseliana através das categorias supracitadas (erótica, família, pedagógica e política). A consecução de novos direitos passa, portanto, pela consciência de ser latino-americano, bem como pela análise de seus momentos éticos que buscam novos consensos (a partir de conflitos, também institucionalizados), com vistas à tornam hegemônicas práticas então contra hegemônicas, tendo como ponto norteador a produção, reprodução e desenvolvimento da vida, projeto transmoderno de libertação latino-americana.

Revisitando a jusfilosofia de Kelsen e seu constitucionalismo Daniel Nunes Pereira

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito e Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas (PPGSD/UFF), Mestre em Ciência Política (PPGCP/UFF), Bacharel em Direito (UFF). Especialista CPE em História Europeia (U.U.-Utrecht). Professor I-RTI do Curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida. Professor Adjunto (Direito Público) da Faculdade de Direito de Valença. Brasil. Contato: [email protected].

Patrick de Almeida Saigg

Graduando em Direito – Universidade Veiga de Almeida – Campus Tijuca – RJ. Brasil. Monitor da disciplina “Introdução à Ciência do Direito”. Membro participante do programa institucional de Iniciação Científica – PIC/UVA. Contato: [email protected].

O presente artigo visa desfazer alguns entreveros na interpretação da obra de Hans Kelsen, desconstruir o mito de um positivismo exegeta inexistente na jusfilosofia do mestre de Viena. Especificamente, a premência de uma Jurisdição Constitucional, a partir da teoria Kelseneana necessita de subsídios filosóficos de grande amplitude temática e elaborada complexidade, que constantemente não são adequadamente descritos ou interpretados. A argumentação constitucional do autor deriva de constructos filosóficos próprios, coerentes entre si, nos quais jazem os arcabouços epistemológicos próprios. Kelsen lidou com a Crise Antropológica da Vienna Fin-De-Siècle, momento e locus de crítica e indagação sobre as formas tradicionais de se pensar o homem e o mundo decorrentes de um descrédito existencial estabelecido pela desilusão com os projetos liberal e Iluminista (SCHORSKE, 1981: 181). A compreensão deste momento histórico é condição necessária para crítica cética à imanência do objeto intelectual a ser estudado (ADORNO, 1988: 207). Ou seja, a teoria kelseneana é construída a partir de uma Weltanschauung específica fundada na Crise Antropológica da Mitteleuropa. Ao contrário da mitificação de um positivismo autoritário, o autor estudado em sua acepção político-ju-

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rídica de Constitucionalismo migrou do Monarquismo à fundação da República Austríaca, sempre pela senda da socialdemocracia, nunca a dialogar com o obscurantismo que geraria a “experiência” Dollfuß (Stenographische Protokolle, 1918-1919: 32-33 apud LAGI, 2012: 276). O desiderato de Kelsen concernente a Estado, Democracia e Direito, depende de uma Ontologia específica, paradoxalmente, uma negação metafísica de qualquer crença ontológica última. Na teoria de Kelsen, em última análise, há duas formas político-jurídico antagônicas entre si: absolutismo filosófico e relativismo filosófico (KELSEN, 2000: 161), ao contrário da caricatura de um totalitarismo exegético por vezes esboçada. A Antropologia Política de Kelsen é eclética Ao tratar da questão antropológica do poder Kelsen atenta a três importantes categorias da Teoria Política: Renúncia (FREUD, 2010a: 50, 86), Autoridade (BURKE, 1823: 106) e Contrato Social Parricida (FREUD, 2010b: 18, 23, 24). Outro tema importante no constitucionalismo de Kelsen é o Estado, proposto em termos jurídicos e ontológicos, enquanto fenômeno e também enquanto personalidade distinta dos indivíduos que representasse determinada comunidade enquanto ordem jurídica nacional, autônomo de ordenações jurídicas internacionais (KELSEN, 1990: 188). Assim é que seu Constitucionalismo parte de algumas críticas e também concordâncias às Teorias do Estado de Weber e Jellinek (MOTTA, 2011: 10), concluindo que o “Estado é a sua ordem jurídica” (KELSEN, 1990: 185). Ao contrário do mito de um Kelsen “totalitário” seus escritos que tratam de Estado e Constituição evidenciam um defensor de ideais democráticos e dialógicos, crítico direto de Schmitt, Smend e Forsthoff (SOSA WAGNER, 2008: 84). O formalismo metodológico de significava a intensa luta pela Democracia material e pelo Direito como meio e não fim para consecução dos ideais de emancipação humana. O Estado Constititucional e Democrático para Kelsen imprescinde de dialogia, razão crítica e Regra da Maioria em respeito à minoria como em Tocqueville (KELSEN, 1990: 283). Para Kelsen, portanto, o Direito é conceituado como “Sistema de Regras”, cuja principal característica é a positividade lógica, se

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opondo ao Direito entendido como justiça, caracterizado por posição valorativa (KELSEN, 2003a: 18), é um meio para a Democracia material e não um fim em si mesmo. A revisitação ora proposta evidencia Kelsen como um campeão do Constitucionalismo Democrático, ao contrário da caricatura esboçada pela dogmática dita crítica. Referências Bibliográficas: ABÉLÈS, Marc “Anthropologie de l’État”. París: Armand Colin. 1990 ADORNO, Theodor, “Teoria Estética”. Lisboa: Edições 70, 1988 BURKE, Edmund. “Réflexions Sur La Révolutions de France”. Lyon: Egron. 1823 FREUD, Sigmund. “L’Avenir D’une Illusion”. Paris: Presses Universitaires de France / Quadrige: 2010b. _______ .“O Mal Estar na Civilização – Obras Completas Vol. 18”. São Paulo: Companhia das Letras. 2010a. KELSEN, Hans. “A Democracia”. 2ª ed., São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000. _________. “O Estado como Integração”. São Paulo: Martins Fontes. 2003b. _________. “Teoria geral do direito e do Estado”. São Paulo: Martins Fontes. 1990. _________. “Teoria Pura do Direito”. São Paulo: Martins Fontes. 2003a. LAGI, Sara. “Hans Kelsen and the Austrian Constitutional Court (19181929)”. In. Co-herencia vol.9 Nº.16. Medellín. 2012. MOTTA, Luiz. “Direito, estado e poder: poulantzas e o seu confronto com Kelsen”. In. Revista de Sociologia e Politica. vol.19 no. 38. Curitiba. Fevereiro. 2011. SCHORSKE, Carl E. “Fin-de-Siécle Vienna”. Vintage Book Edition. Nova Iorque: Vintage Books. 1981. SOSA WAGNER, Francisco. “Carl Schmitt y Ernst Forsthoff: Coincidencias y Confidencias”. Madrid: Marcial Pons Ediciones Juridicas y Sociales S/A. 2008.

Contribuição da experiência literária para a neutralidade liberal

Bruno Anunciação Rocha

Mestrando em Teoria do Direito pela PUC Minas. Brasil. E-mail: [email protected].

Galvão Rabelo

Mestrando em Teoria do Direito pela PUC Minas. Brasil. E-mail: [email protected].

As teorias políticas liberais formam uma tradição plural. Entretanto, todas elas possuem um núcleo comum, especialmente aquelas de matriz kantiana, que garante certa coesão a essa corrente de pensamento: todas elas trabalham com as ideias de autonomia e concepções individuais de bem (CASQUETTE, 2001). Partindo dessas duas ideias principais, as teorias liberais procuram formular modelos de Estado cujo objetivo central é propiciar aos cidadãos condições para agir com base em suas próprias convicções sobre aquilo que tem valor intrínseco na vida. Para tanto, a autoridade política não pode determinar que fins as pessoas devem se empenhar em realizar, supondo que haja uma doutrina universalmente verdadeira sobre o que constitui a vida boa, à qual todos os membros da comunidade política devem se conformar (VITA, 2013). Assim, as funções do modelo de Estado liberal se restringem à garantia dos direitos básicos dos indivíduos, relacionados à possibilidade de buscar a vida boa, segundo suas próprias concepções sobre o bem. Para cumprir essa função, o Estado deve assumir uma postura neutra diante da pluralidade de visões de vida boa. A autoridade política deve se abster de valorar os méritos relativos às diferentes concepções de bem, limitando-se a avaliar se a conduta humana se adequa à autonomia das outras pessoas: o Estado deve regular apenas os aspectos externos da ação, valendo-se do Direito para tanto.

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Embora o ideal de neutralidade tenha sido acolhido na matriz do Estado Democrático de Direito, a demanda pelo reconhecimento da importância das concepções de vida boa para a realização humana aparentemente o coloca em xeque. Contudo, esse problema adquire outro contorno quando se considera a neutralidade não como uma postura de tolerância pela indiferença, mas uma postura de tolerância pelo reconhecimento do outro e da importância do direito que cada um tem de perseguir seus objetivos de vida e realizar sua existência segundo valores que lhe são peculiares. Além de garantir a liberdade negativa, que se refere à não-interferência nos direitos e liberdades fundamentais, é preciso fomentar a autonomia política dos indivíduos, tornando-os cidadãos capazes de argumentar politicamente a partir de argumentos razoáveis, dos quais estão excluídos aqueles que se baseiam exclusivamente em concepções morais ou religiosas, cujos conflitos são insolúveis. Tal autonomia só é possível quando se reconhece o outro como um ser humano igual, cuja existência é permeada também por medos e desejos guiados por concepções de vida boa. Para isso, a experiência literária pode contribuir significativamente. Segundo Martha Nussbaum, a literatura possui relevante papel a exercer na esfera pública como instrumento para a formação de cidadãos comprometidos com o bem-estar alheio. Isso é possível porque a experiência da leitura de romances, em razão da forma como o discurso se desenvolve, é capaz de ativar a imaginação literária do leitor e provocar nele a identificação empática com a sorte das personagens (NUSSBAUM, 1997). A peculiaridade da contribuição da literatura para o reconhecimento do outro situa-se precisamente na formação de um elo emocional entre o leitor e as personagens envolvidas na trama. A imaginação literária possibilita que o leitor “sinta” o que significa estar na situação de outra pessoa, levando-o a compreender de modo mais abrangente o sentido de diversas escolhas valorativas. A neutralidade pode ser melhor compreendida pela ótica do “espectador judicioso”, a saber, daquele que, embora se relacione

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emocionalmente com as personagens, assumindo em grande parte suas emoções, situa-se numa posição de espectador – e não de ator – em relação aos acontecimentos. Por não estar pessoalmente envolvido, pode razoavelmente avaliar os sentimentos suscitados e eleger boas emoções como subsídios para as razões que fundamentam decisões na esfera pública (NUSSBAUM, 1997). A neutralidade não implica exclusão absoluta das convicções morais ou religiosas do discurso político; ela apenas limita o uso dessas convicções, rejeitando-as como fundamento exclusivo das normas pertinentes à estrutura básica da sociedade, que devem ser fundamentadas em razões e valores políticos que todos poderiam, em princípio, aceitar (VITA, 2013). É desejável que os cidadãos de uma sociedade democrática realmente internalizem as razões e valores políticos necessários para a convivência pacífica entre as diversas doutrinas abrangentes do bem. Nesse ponto, acredita-se que a experiência literária pode ser útil, pois ajuda a desenvolver cidadãos democráticos capazes de reconhecer o outro em sua plenitude, e não apenas agir com indiferença em relação a ele. Referências bibliográficas CASQUETTE, Jesús. Liberalismo, cultura y neutralidad estatal. Signos Filosóficos, Iztapalapa v. III, n. 6, p. 59-83, 2001. NUSSBAUM, Martha. Justicia Poetica: la imaginación literaria y la vida pública. Barcelona: Editorial Andrés Bello, 1997. 183p. VITA, Álvaro de. Sociedade democrática e tolerância liberal. Novos estud. – CEBRAP, São Paulo, n. 84, p. 61-81, 2009.

Palavras-chave: Liberalismo; Neutralidade; Direito e Literatura.

A legitimidade democrática do controle de constitucionalidade à luz da teoria de John Rawls Mariana Oliveira de Sá

Bacharelanda em Direito da Faculdade Arquidiocesana de Curvelo. Monitora das disciplinas Teoria Geral do Direito e Direito Civil da Faculdade Arquidiocesana de Curvelo. Estagiária do Ministério Público de Minas Gerais. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em DireitoCONPEDI. E-mail: [email protected].

A democracia constitucional é um sistema político, cuja as instituições submetidas ao império do Direito, possuem um arcabouço material e existencial, que atua procedimental e funcionalmente através da soberania popular. É nesse contexto que o presente estudo possui como objetivo demonstrar a necessidade do controle de constitucionalidade seguir parâmetros concernentes a uma legitimidade democrática, ou seja, ser a expressão das concepções de justiça dos detentores do poder político, o povo. Isso é o que expõe John Rawls em sua obra Political Liberalism (1993), que tem como fio condutor a ideia de razão pública, ou seja, o exercício do poder político através de deliberação de questões fundamentais. Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizou-se como metodologia análise bibliográfica das principais obras do autor, como seus conceitos elementares, bem como um estudo das ações apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede do controle de constitucionalidade. O objetivo central de Rawls é dar vazão ao pensamento que revela a possibilidade de possuir uma base de justificação razoável no que diz respeito às principais questões políticas fundamentais de uma sociedade. Rawls busca traçar o procedimento para alcançar decisões justas, tendo como cerne a ideia de razão pública, que é a razão de um povo democrático. A razão pública aplica-se especialmente a uma Corte Suprema ao realizar o controle de constitucionalidade de suas leis e atos normativos, pois é a ela que especifica quais são os princípios que devem ser adotados para a fundamentação das decisões do Estado,

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para que elas passem por um crivo democrático. A ideia de razão pública propõe um modo de caracterizar a estrutura e o conteúdo das bases fundamentais da sociedade que seja apropriado a deliberações políticas, e se aplica somente a questões que envolvem os elementos constitucionais essenciais e questões de justiça básica. Os elementos constitucionais abarcam os direitos e liberdades políticas, que podem ser incluídos em uma Constituição escrita, supondo que a mesma possa ser interpretada por uma corte suprema, ao passo que questões de justiça básica, envolvem questões de justiça social, econômica e outras matérias que não são abarcadas por uma Constituição. É assim, que, a ideia de razão pública, com todo o seu arcabouço, se aplica de forma especial ao Judiciário, e, sobretudo, a uma Suprema Corte. Ao realizar o controle de constitucionalidade, para que o mesmo seja revestido de legitimidade democrática, deve os magistrados fundamentar sua decisão de acordo com o conteúdo da razão pública, que é determinado pelos princípios e valores das concepções políticas de justiça, que devem ser completas, expressando princípios, padrões e ideais junto com diretrizes de investigação, para que os valores por ela explicitados ofereçam uma resposta razoável às questões que envolvem elementos constitucionais essenciais e matérias de justiça básica. É nesse contexto que a proposta rawlsiana se demonstra de suma relevância para que haja uma democratização do controle de constitucionalidade. A democracia para Rawls, consiste em um exercício de deliberação, e ao analisar questões de justiça básica e elementos constitucionais essenciais a Suprema Corte deve possibilitar uma abertura institucional apta a prover a participação da sociedade civil para apresentar os valores e princípios que expressam as diretrizes dos sujeitos constitucionais. Para tanto, é necessário mecanismos que possibilitem uma abertura institucional apta a proporcionar um diálogo entre os entes institucionalizados e os atores civis. O Supremo Tribunal Federal utiliza como ferramenta para possibilitar a participação popular as audiências públicas, cuja principal função é possibilitar o exercício do poder político consagrado constitucionalmente como um direito de todo cidadão, sendo portanto, uma

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garantia fundamental que deve ser efetivada pelo Estado. A audiência pública tem o condão de conferir uma legitimidade democrática às decisões proferidas pela Corte. Porém, este trabalho alcançou resultados no sentido de verificar que, no Brasil, as audiências públicas ainda não estão aptas a proporcionar uma legitimidade democrática nas decisões de controle de constitucionalidade, seja porque o número de participação dos cidadãos não é elevado, a educação cívica se apresenta defasada, e não há publicidade suficiente nem um estímulo para a participação nas mesmas. É sob esta perspectiva que se apresenta a proposta deliberativa de Rawls. Com ela tem-se o fortalecimento dos fóruns públicos para a constituição do direito, da política, e, assim, da própria sociedade. O modelo de deliberação pública rawlsiana, baseada na ideia de razão pública, permite com que os valores e princípios dos detentores do poder político cheguem até os responsáveis por emitir a decisão referente ao controle de constitucionalidade, e assim, garante que a interpretação da Constituição seja de acordo com a expressão da soberania popular, e assim, dotada de legitimidade democrática. Palavras-chave: Legitimidade; Democracia; Controle de Constitucionalidade; Audiências Públicas; John Rawls.

Poder Constituinte e Fundação Contínua em Hannah Arendt Ana Paula Repolês Torres

Doutora em Filosofia pela FAFICH/UFMG; Graduada e Mestre em Direito pela FD/UFMG. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, lotada na Escola Judicial. Brasil. E-mail: [email protected].

A partir da concepção do poder como sinônimo de liberdade em Hannah Arendt, buscamos refletir sobre o conceito de poder constituinte, o que nos leva a superar a identificação do poder constituinte originário como mero fato, como um poder ilimitado e desvinculado de qualquer parâmetro normativo. Isso não significa dizer que não exista regime jurídico instaurado com base na mera violência, mas sim que tal regime é antes um sistema de mando e de sujeição, de governantes e governados, do que um verdadeiro regime democrático. Ressalte-se que não estamos negando a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos, ou entre poder constituinte originário e derivado. O que pretendemos é superar a tópica do mítico e heroico fundador, e até mesmo a noção de que a fundação é realizada unicamente por uma Convenção ou Assembleia Constituinte Originária ou de Reforma, pois com Arendt sabemos que a fundação de uma comunidade política e jurídica não pode ser compreendida exclusivamente pela noção de fabricação, requerendo também a presença da ação política, a qual implica transcendência do momento inaugural e engajamento constante. Para tanto, cabe voltarmos às origens do pensamento político ocidental, analisando a substituição da praxis pela poièsis, isto é, da ação política pelo governo no pensamento de Platão. O que vemos aparecer então é a figura do Rei Filósofo, daquele que “sabe” e que por isso está apto a governar, a ditar leis aos súditos, aos quais resta apenas “executar” o que lhes foi determinado. O conceito de ação política em Arendt, por sua vez, permite-nos não separar o “saber-fazer” e o “executar”, pois ambos fazem parte do agir no espaço público. Assim, tanto os novos inícios

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quanto a realização concreta dos empreendimentos são dimensões da ação política, a qual é necessariamente uma ação plural, já que não somos capazes de governar soberanamente a nós mesmos e a outros. Ocorre que, de forma semelhante a esta substituição da ação política pela fabricação, existe uma tendência moderna, não obstante ser muito questionada atualmente, de considerar a Constituição apenas como uma lei positivada, como uma obra pronta e acabada, que foi fabricada em determinado momento histórico por alguns poucos cidadãos, os “sábios” legisladores. Questionamos, portanto, o papel dos “constituintes” e a redução do direito e da política aos experts, o que nos leva a pensar numa reatualização contínua do poder constituinte, pois somos todos autores/intérpretes das normas constitucionais. A questão é que, se não podemos negar que a Constituição em termos formais é uma aquisição evolutiva da modernidade, como nos diz Niklas Luhmann, a simples elaboração de um documento constitucional escrito não nos garante que exista efetivamente uma igualdade na diferença. Com Arendt, podemos pensar então em um poder constituinte permanente sem ser permanente, haja vista que há algo instransponível que é responsável pela própria natureza constituinte do poder. Defendemos então a existência de princípios intrínsecos à fundação, os quais delimitariam o próprio poder constituinte originário, o que significa dizer que estamos assumindo que para nos constituirmos como uma comunidade político-jurídica de homens e mulheres livres e iguais em deveres e direitos, há um pressuposto que é imprescindível, qual seja, o respeito à diferença, que não haja um consenso excludente, em outras palavras, estamos afirmando, com Arendt, e em oposição a Carl Schmitt, que a violência e a soberania não constituem uma democracia constitucional. Em suma, perguntamos: se cada vez mais se torna explícita a relação constitutiva entre constitucionalismo e democracia, não teríamos que rever nosso conceito dogmático de poder constituinte, caracterizando o mesmo necessariamente como poder legítimo e não mais apenas como a assunção fática do poder?

O Supremo Tribunal Federal e a utilização da hermenêutica constitucional como meio para o seu emponderamento na arena política

Paulo Alkmin Costa Júnior

Mestre em Direito Administrativo - UFMG, Doutorando em Ciência Política – UFMG, Brasil, [email protected]

O presente trabalho tem como objetivo contribuir para o conjunto de pesquisas acerca do papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal – STF – na arena política, em especial nos momentos em que o mesmo opera como Corte Constitucional. A intenção é estudar o fenômeno por meio da promoção de um maior diálogo entre duas diferentes tradições acadêmicas: aquela oriunda dos teóricos do constitucionalismo nos cursos de Direito, e outra orientada a partir da Ciência Política. Trata-se de um diálogo proveitoso e, fundamentalmente, necessário. Na Ciência Política, porém, nem sempre os seus trabalhos têm primado pela correta mobilização de um arcabouço teórico suficientemente atento para com aspectos relevantes do sistema jurídico, os quais impactam diretamente as análises feitas sobre o Poder Judiciário (prejudicando, assim, a capacidade preditiva de algumas das variáveis explicativas utilizadas porque se omitiu alguma variável dependente importante, ou porque há problemas de multicolinearidade ignorados). Com isto, os trabalhos na área acabam tendo muitas vezes um tom excessivamente descritivo; mesmo quando se busca a produção de inferências causais, esta nem sempre acaba precedida deste necessário esforço reflexivo, tornando-as, por vezes, passíveis de críticas substantivas quanto à capacidade de as variáveis dependentes mobilizadas realmente demonstrarem sua conexão causal com os fenômenos objeto de atenção da academia. Um exemplo do que ora se afirma é a baixa atenção dada pela academia para um tema candente no debate constitucionalista: a grande importância que os operadores do Direito conferem a uma hermenêutica constitucional valorativa dos princípios insertos na

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Constituição, com destacado uso de técnicas de ponderação de valores constitucionalmente inscritos, ainda que eventualmente em detrimento de regras que também detém estatura constitucional. Não se objetiva com este trabalho travar o debate acerca da legitimidade democrática desta espécie de hermenêutica constitucional, abordagem esta mais próxima da Filosofia do Direito ou da Filosofia Política. Trata-se, na verdade, de partir da constatação inegável de que esta chave interpretativa aumenta singularmente o campo de discricionariedade dos magistrados na tomada de suas decisões. O mesmo se diga da conhecida crítica de respeitáveis constitucionalistas quanto déficit de diálogo e coerência do STF com seus precedentes, assim como da crítica aos problemas existentes no enfrentamento adequado do ônus argumentativo de suas decisões. Dito de outro modo, o objetivo é aprofundar a perspectiva teórica, própria da Ciência Política, segundo a qual o papel do STF como veto player no processo político decorre de reconhecidas razões de natureza institucional (afinal, o desenho deste arranjo empreendido pelo constituinte originário de 1988 realmente importa) e dos incentivos para a ação que uma Corte detém em um regime de presidencialismo de coalizão, no qual se reduzam os riscos de retaliação dos demais poderes. A nossa contribuição passa por trazer para a agenda de pesquisas na área a perspectiva de que a postura ativista da Corte, especialmente após o Governo Lula, encontrou nesta referida chave hermenêutica principiológica um poderoso instrumento que serviu objetivamente para aumentar o grau de interferência dos Ministros no processo político brasileiro, conferindo-lhe uma centralidade que seu desenho institucional inicialmente não permitiria supor. Trata-se de propor, no Brasil, uma abordagem própria da clássica asserção da ciência política norte-americana, pela qual os juízes buscam maximinizar suas preferências no processo decisório, mas atuam constrangidos pelo que se espera que eles façam e também pelo marco legal/institucional no qual se inserem. Por fim, convém ressalvar que o trabalho também parte do pressuposto de que o termo que se convencionou denominar “ativismo judicial”, ainda que sabidamente não designe um conceito unívoco,

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será mobilizado para nos referirmos apenas ao exercício do judicial review que possa caracterizar uma extrapolação da competência assegurada a uma Corte Constitucional para interpretar a Constituição, em prejuízo do delicado sistema de checks and balances que demarca a relação do Poder Judiciário com o Executivo e o Legislativo; não trataremos do ativismo judicial que é entendido como o exercício do judicial review nos limites da potencialidade normativa da Constituição. Palavras-chave: Judiciário – Brasil - STF – ativismo - judicial – hermenêutica – constitucional – princípios – institucional.

A insurreição do “constitucionalismo político” sobre o “legal”: por que o processo legislativo pátrio (ainda) é visto com desconfiança? Matheus Henrique dos Santos da Escossia

Graduando da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES). Bolsista de Iniciação Científica da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES). Membro do Grupo de Pesquisa Hermenêutica e Jurisdição Constitucional da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES). Brasil. Email: [email protected]

O estudo do direito nas últimas décadas tem sido sinônimo de levar a sério o que a jurisprudência diz. O apego à lei sucumbiu ao entendimento dos Tribunais, bem como se passou a ter uma percepção de que os textos normativos só seriam direito após essas instituições dizerem que o fossem. Inevitavelmente, esse “preconceito” quanto à legislação foi um dos fatores que pavimentou o caminho pela predileção de um modelo de supremacia judicial. (WALDRON, 2003, p. 2) Em meio a essa ojeriza, a Teoria da Constituição se mostrou fértil em articular uma série de justificações em prol do “constitucionalismo jurídico”, a fim de demonstrar que seria preferível a “última palavra da Corte” sobre questões constitucionais. (MENDES, 2011, p. 68-88) No entanto, apesar da suposta hegemonia das teorias adeptas por um modelo de supremacia judicial, observa-se o alinhamento de inúmeros autores ao chamado “constitucionalismo político” (BELLAMY, 2010, p. 23). Essa corrente formula uma proposta de que as questões constitucionais seriam melhores desenvolvidas no seio de um processo democrático, ao invés de serem entregues para as Cortes decidirem. Em que pese as variadas percepções sobre esse fenômeno, diversos autores se inclinam nessa defesa, tais como Jürgen Habermas (2010, p. 266), Robert Dahl (2012, p. 298), Jeremy Waldron (2003, p. 3) e o próprio Richard Bellamy. O denominador comum entre esses autores repousa na ideia de que o processo legislativo não seria secundário quanto à legislação.

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Ao contrário, a defesa por um processo democrático como o melhor mecanismo para potencializar os direitos constitucionais passa pela noção de que a legislação não é fruto do acaso, mas sim um dos principais espaços de deliberação. Nesse contexto, cumpre fazer a leitura do processo legislativo brasileiro a partir dos fundamentos do “constitucionalismo político”. E poderiam ser apontados quatro entraves, numa perspectiva institucional, que ainda impedem enxergar os procedimentos legislativos como sinônimos de constitucionalismo e democracia: i) a manutenção do voto de liderança; ii) o poder deliberante das comissões (as leis comissionais); iii) o poder normativo do Executivo; iv) o controle judicial do processo legislativo. Esses entraves contribuem para esclarecer as dificuldades de se enxergar no Brasil o processo legislativo como “processo de justificação democrática do direito” (CATTONI, 2006, p. 141), além de sugerirem que o “constitucionalismo legal” seria o mais adequado para a realidade constitucional brasileira. Referências BELLAMY, Richard. Constitucionalismo Político: Una defensa republicana de la constitucionalidad de la democracia. Trad. Jorge Urdanóz Ganuza y Santiago Gallego Aldaz. Madrid, Barcelona, Buenos Aires: Marcial Pons, 2010. CATTONI, Marcelo. Devido Processo Legislativo. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006 DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. Trad. Patrícia de Freitas Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2012. HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez: sobre el derecho y e Estado democrático de derecho em términos de teoria del discurso. Trad. Manuel Jiménez Redondo. 6. ed. Madrid: Editorial Trotta. 2010.

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MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011. WALDRON, Jeremy. A Dignidade da Legislação. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Notas 1 Este texto repercute parcialmente as pesquisas e discussões desenvolvidas no Grupo de Pesquisa Hermenêutica Jurídica e Jurisdição Constitucional no Programa de Pós Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES).

Princípio da Proporcionalidade e Controle de Constitucionalidade Lucas Costa Gonçalves

Graduando da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Brasil, [email protected].

O presente trabalho tratará do princípio da proporcionalidade como instrumento necessário ao controle de constitucionalidade, por fornecer critérios objetivos e racionais para a solução dos conflitos principiológicos. Há de se ressaltar que o método a ser adotado é o da inferência, a partir da pesquisa bibliográfica realizada, de modo que se busque demonstrar, a parir dos conceitos e reflexões apresentados, a correta fundamentação da tese proposta. O princípio da proporcionalidade, com suas três máximas de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, consiste em critério interpretativo que objetiva a implementação, no maior grau possível, de normas principiológicas colidentes. Diante de um paradigma pós-positivista do Direito, o postulado da proporcionalidade encontra a sua justificação na própria estrutura das normas principiológicas, como afirma Robert Alexy. Tais normas, por admitirem concreção gradual, necessitam de um juízo de ponderação, tendo em vista a sua otimização em face das possibilidades jurídicas, e juízos de adequação e necessidade, considerando a sua otimização em relação às possibilidade fáticas. O controle de constitucionalidade, entendido como conjunto de procedimentos pelos quais se afere a eventual inconstitucionalidade de uma norma, lida necessariamente com a dimensão principiológica das normas, por ter o dever de garantir a compatibilidade das leis com as normas de Direitos Fundamentais. Deste modo, o princípio da proporcionalidade se demonstra instrumento essencial ao controle de constitucionalidade das leis, por se constituir como instrumento de solução de colisão principiológica indispensável à aferição da compatibilidade entre princípios antagônicos, de modo

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que se busque a máxima efetivação dos direitos fundamentais. Isso se verifica de modo mais acentuado em relação às leis restritivas de direitos fundamentais, nas quais temos claramente uma oposição legal ao âmbito de proteção de determinado direito fundamental. Assim, ao verificar a correção da norma, seja em sua análise abstrata ou na sua aplicação no caso concreto, o controle de constitucionalidade cumpre a função de garantia dos direitos fundamentais, atuando, consequentemente, como instrumento do poder Judiciário para o enfrentamento de eventuais abusos cometidos pelo poder Legislativo, quando na edição de lei. Aqui, podemos ver claramente os Direitos Fundamentais, a serem defendidos pelo judiciário, como limite à liberdade na ação legislativa. Critica-se o controle de constitucionalidade com base na utilização do princípio da proporcionalidade afirmando que tal prática implicaria em uma invasão do Judiciário na competência do Legislativo, ao incidir sobre o juízo de ponderação realizado na edição da norma. Contudo, devemos considerar que, pela vinculação do legislador à Constituição, há a necessidade de limitação da atividade legislativa de fixação dos fins legais com base em sua conformidade aos fins estabelecidos constitucionalmente. Outra crítica é a de que o princípio da proporcionalidade seria incompatível com o controle de constitucionalidade, por ser um procedimento que dá margem a subjetivismos e relativização da efetividade dos direitos. Contrapondo-se a esta crítica, deve-se ressaltar que o princípio da proporcionalidade não se encontra à mercê do arbítrio de quem o aplica, tendo em vista a sua sujeição a um controle racional, com a exigência de uma estrutura argumentativa racional para sustentar a solução dada ao conflito principiológico. Ademais, deve-se considerar que certo grau de subjetividade é sempre presente no discurso jurídico, tendo em vista a sua permeabilidade a valores. Deste modo, tendo em vista o exposto, conclui-se pela compatibilidade do princípio da proporcionalidade com o controle de constitucionalidade, sendo o primeiro exigência para a correta consideração da dimensão principiológica dos direitos fundamentais no controle de constitucionalidade das normas.

O cabimento dos embargos infringentes na Ação Penal 470: legitimidade da jurisdição constitucional no espaço democrático

Cristina Sílvia Alves Lourenço

Doutora em Direito Penal pela Universidade de Sevilha. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra. Professora Adjunta I e Diretora Geral do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade da Amazônia – UNAMA. Email: [email protected].

Maurício Sullivan Balhe Guedes

Acadêmico do Curso de Direito e Bolsista de Iniciação Científica da Universidade da Amazônia – UNAMA. Email: [email protected].

Iniciado no segundo semestre do ano de 2012, o julgamento da Ação Penal 470 foi amplamente acompanhado pela opinião pública. A imprensa, por seus diversos veículos, manifestou os mais variados juízos de valor sobre aspectos jurídicos pertinentes ao processo. A sociedade civil também não ficou alheia ao feito judicial e a pesquisa do Instituto Datafolha apontou que para 74% dos brasileiros, os réus do chamado “mensalão” deveriam ser conduzidos ao cárcere após a condenação, sem a possibilidade de recurso. A discussão acerca do cabimento dos embargos infringentes acirrou os ânimos no debate público. Diversos fatores contribuíram para tal fato: a notoriedade política de muitos dos réus filiados ao partido governista, a postura “lei e ordem” do Relator Min. Joaquim Barbosa diametralmente oposta à conduta garantista do Revisor Min. Ricardo Lewandowski, a alteração na composição da corte com o ingresso dos Ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, em decorrência da aposentadoria dos Ministros Ayres Britto e Cezar Peluso, dentre outros. O problema jurídico era o seguinte: (i) O art. 333, inc. I, do Regimento Interno da Suprema Corte brasileira preceitua que cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente a ação penal. Entretanto, (ii) tal dispositivo foi editado

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sob a égide da Constituição 1967-1969, o que permitiu questionar se foi ou não recepcionado à luz da Constituição de 1988. (iii) A Carta Magna atual atribui poder privativo aos Tribunais para elaborar os seus respectivos regimentos internos, desde que conforme as normas processuais vigentes (art. 96, inc. I, a), e dispõe que compete privativamente à União legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I). (iv) A Lei 8.038/90, ao instituir normas referentes ao trâmite processual perante o STJ e o STF, aponta que em ação penal originária a instrução se dará também conforme o Regimento Interno do Tribunal (art. 2o), e com o término de tal fase, o Tribunal procederá ao julgamento na forma determinada pelo Regimento Interno (art. 12). (v) Para cinco dos Ministros integrantes da Corte a não previsão legal do recurso impedia o acolhimento, frente ausência de taxatividade. (vi) Em 18 de setembro de 2013, o Plenário do STF decidiu pelo cabimento do recurso de embargos infringentes na Ação Penal 470, pois entendeu por maioria simples que o Regimento Interno do Tribunal foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988, e que o legislador não o revogou de forma tácita ou expressa quando se manifestou. Ao adotar tal posicionamento, a Corte divergiu da opinião pública formada em torno do caso, autorizando questões relativas à legitimidade democrática da deliberação judicial que se opõe ao entendimento majoritário no seio social. O problema não é novo, desde que a Suprema Corte Norte-Americana julgou o caso Marbury v. Madison em 1803, muitos foram os argumentos utilizados para se opor ao modelo de controle judicial, desde “juiz não tem voto” (dificuldade contramajoritária) até “o que juiz decide não pode ser revisto” (dificuldade democrática). Para a análise da problemática posta, o presente artigo adotou o método indutivo no qual foi possível alcançar uma regra geral a partir de um caso específico, em questão o cabimento dos embargos infringentes na AP 470 e o reflexo na discussão acerca da legitimidade democrática da jurisdição constitucional. Após o desenvolvimento, puderam-se obter as seguintes propostas conclusivas: (i) Não cabem embargos infringentes em ação penal originária, isto porque os arts. 2o e 12 da Lei 8.038/96, ao fazerem referência à

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figura do Regimento Interno do STF, em momento algum delegam competência normativa ao Tribunal para instituir recurso de natureza processual, devendo-se, assim, entender pela não recepcionalidade do art. 333 que faz referência aos embargos infringentes. (ii) Por outro lado, em mais de uma ocasião, a Corte monocraticamente afirmou a existência de tal figura recursal, o que implica dizer que tão somente na AP 470, por deferência à segurança jurídica, o Tribunal acertou pelo cabimento, porém deveria ter sido claro ao expor que se cuidava de situação excepcional. (iii) As constituições existem para que seus efeitos sejam perpetuados no tempo, e que não venham a sucumbir diante de maiorias transitórias, o STF foi capaz de manter sua tradição garantista mesmo com o forte apelo popular, que influenciou a conduta de Ministros integrantes da própria Corte. (iv) Neste sentido, legitimou-se democraticamente ao permitir o debate aberto sobre a matéria, feito de modo crítico, e com aporte argumentativo substancialmente fundamentado nos autos.

Construcción deliberativa de una dogmática constitucional del procedimiento parlamentario: El caso colombiano1 Leonardo García Jaramillo

Departamento de Gobierno y Ciencias Políticas, Universidad EAFITMedellín, Colombia. [email protected]. Profesor visitante, Instituto Tecnológico Autónomo de México (ITAM). Abogado con estudios en Filosofía. Magíster en Humanidades, con énfasis en estudios políticos. Estudiante del Master en Global Rule of Law and Constitutional Democracy, Istituto Tarello per la Filosofia del Diritto – Università Degli Studi Di Genova, Italia. Coeditor con Miguel Carbonell de El canon neoconstitucional.

Se ha argumentado que la Corte Constitucional Colombiana es el tribunal judicial más poderoso del mundo, incluso respecto de la Corte Suprema de los Estados Unidos2, asimismo que supone en Latinoamérica el punto de inflexión que marca el inicio y establece las bases para el desarrollo de una forma constitucional durante las dos últimas décadas. Con su numerosa jurisprudencia, particularmente sensible a la desigualdad y la discriminación, la Corte ha visibilizado muchos problemas permitiendo que adquieran relevancia política. En el contexto del diseño de estándares de constitucionalidad la Corte ha seguido el planteamiento neoconstitucional de alcanzar su legitimidad popular a partir del establecimiento de sólidos criterios argumentativos y de abordajes creativos e interdisciplinarios en casos difíciles. La Corte ha tomado una serie de decisiones sobre temas abandonados por la política tradicional. La multiplicidad de cuestiones sobre las que ha decidido y el contenido de sus sentencias (fundamentación, enfoque teórico, metodología y creatividad), así como el progresismo que las ha inspirado, son factores importantes en el examen sobre la novedad del constitucionalismo colombiano y sobre los asuntos en los que se ha situado a la vanguardia del constitucionalismo en la región. En su prolija jurisprudencia, además de legislación negativa, ha tomado decisiones que suscitan críticas desde

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diversos sectores pero que al tiempo han hecho a Colombia un país interesante en términos de derecho comparado3. Uno de los principales asuntos que han merecido la atención de la Corte –que sin embargo no ha merecido particular atención doctrinaria o académica– es la construcción de una dogmática constitucional del procedimiento parlamentario. A partir de esta dogmática puede reconocerse que la concepción democrática de los constituyentes, y la que ha reivindicado la Corte en su jurisprudencia, es la deliberativa en la versión defendida por autores como Nino, Sunstein y Habermas. Con esta dogmática la Corte ha desarrollado, respecto del procedimiento parlamentario de aprobación de leyes y actos legislativos, los principios constitucionales que consagran el carácter democrático, pluralista, transparente e incluyente del Estado Colombiano. La etapa propiamente deliberativa del procedimiento parlamentario, previa a la votación, cuenta con unos presupuestos particularmente importantes para realizar el principio democrático y para proteger el diseño de la forma de gobierno establecido por el Poder Constituyente. La dogmática constitucional estabiliza los argumentos y la interpretación del derecho. Este tipo de dogmática se concibe como un grupo de conceptos y categorías en los que se sostiene el derecho constitucional y a partir de los cuales se estructura. Conforme a tales conceptos y su interpretación el derecho adquiere coherencia interna4. La buena dogmática exige una adecuada fundamentación teórica, por lo cual la Corte ha recurrido a argumentos deliberativos en la fundamentación de su jurisprudencia sobre la elusión del Congreso de la normativa constitucional y reglamentaria que incorpora precisamente el ideal deliberativo de la democracia en el procedimiento de expedición de leyes y reformas constitucionales. El estudio de los precedentes es esencial para estructurar la naturaleza del derecho como una empresa racional guiada por la razón práctica5. En la ponencia se presentan los precedentes que se ha tomado la Corte Constitucional en desarrollo de la normativa sobre el procedimiento parlamentario en amparo de principios constitucionales. Los precedentes en esta materia se han organizado en

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los siguientes temas: Debate, deliberación y votación; principio de instrumentalidad de las formas; principios de consecutividad, identidad y unidad de materia; publicidad de proyectos y de convocatorias a sesiones; principio deliberativo y mayorías necesarias para aprobar proyectos; “No taxation without Representation” y racionalidad deliberativa; elusión deliberativa por falta de consulta previa; y relación entre amplitud deliberativa y capacidad de acción legislativa. Notas 1 Este artículo presenta algunos resultados de la investigación desarrollada como tesis de maestría en humanidades con énfasis en estudios políticos. Director: Mauricio García Villegas. 2 David Landau, “Political Institutions and Judicial Role in Comparative Constitutional Law”, en: Harvard International Law Journal. Vol. 51, No. 2, 2010. 3 Juan Carlos Henao (ed.) Diálogos constitucionales de Colombia con el Mundo. Bogotá, Universidad Externado - Corte Constitucional, 2013. 4 Manuel Aragón Reyes, “Las singularidades de la interpretación constitucional y sus diferencias respecto de la interpretación de la ley”, en: Juan Carlos Henao (ed.) Diálogos constitucionales de Colombia con el mundo. Op. cit. 5 Neil MacCormick – Robert S. Summers (eds.) Interpreting Precedents: A comparative study. Op. cit., p. 6.

A pressão judicial nos casos de omissão legislativa e a ausência de vontade política: uma introdução à necessidade do diálogo entre os poderes

Karina Denari Gomes de Mattos

Autora de diversos ensaios tais como “Fidelidade Partidária: análise crítica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” e “Supremo Tribunal Federal: O caso paradigmático da Corte Constitucional brasileira”, mestranda em Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FDUSP, Brasil, e-mail: [email protected].

Na esteira da doutrina constitucional europeia, a brasileira parte tradicionalmente do princípio da plenitude do ordenamento, e desta forma, a existência de vazios normativos é tida como uma anomalia do sistema – e necessariamente, passível de correção. Seja pela previsão de instrumentos constitucionais de combate à omissão legislativa e administrativa sobre a indeclinabilidade da jurisdição, seja pelos instrumentos do Mandado de Injunção e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão na Constituição Federal, a prevenção e repressão de lacunas é tida como consequência direta da adoção de um sistema jurídico de base positivista. Nos casos de omissão legislativa, quando o magistrado avoca para si a mens legislatoris muitas vezes o faz sem a dimensão acerca do juízo de oportunidade vinculado àquela diretriz, e ao catalisar este momento de regulamentação da lacuna normativa que, até então, não era relevante o suficiente para a atuação legislativa, gera algumas consequências no cenário político. Esta atuação do STF nos temas de omissão legislativa (censura política, concessão de prazo, correção direta da omissão - inter partes ou erga omnes), sugere uma decisão completamente apartada da deliberação parlamentar, o que sugere algumas reflexões: há identificação de pontos de vista entre o Legislativo e o Judiciário no reconhecimento das omissões normativas? Qual a consequência desta tomada de decisão produzida externamente ao órgão político responsável?

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Dois casos que podem ser brevemente mencionados servem de base ao debatemos a receptividade do Legislativo e Executivo à determinação judicial: a regulamentação do Fundo de Participação dos Estados - FPE e a regulamentação da criação de Municípios, ambos tratados pelo STF recentemente. No caso do FPE, o prazo dado pelo STF até dezembro de 2012, e posteriormente a extensão até 27 de junho de 2013, acabou gerando uma movimentação parlamentar que encerrou o processo legislativo finalmente. Com a edição da Lei Complementar n. 143/2013 a omissão normativa foi suprida. Porém, ainda que promulgada e publicada, segundo a doutrina ela não atende às previsões constitucionais, ou ao menos, às diretrizes postas pelo STF. Tanto o é, que em agosto de 2013, por meio da ADI n. 5.069 (Relator Ministro Dias Toffoli) o governador de Alagoas ataca parte das modificações que a LC n. 143/2013 procedeu na LC n. 62/1989. Argumenta o legitimado que a nova lei apenas renovou até 31 de dezembro de 2015 os coeficientes já declarados inconstitucionais pelo STF e os transformou em piso para os repasses a partir de 2016, mantendo por mais alguns anos o estado de inconstitucionalidade já reconhecido pelo STF. O ajuizamento desta ADI demonstra a singular situação jurídica em que a atuação legislativa sem a vontade política subjacente acabou por agravar a situação jurídica que já padecia de inconstitucionalidade. Ainda que a expressão seja popular, é caso típico em que vemos “pior a emenda que o soneto”. Outro caso representa a mesma situação é a questão ainda alvo de divergência entre Executivo e Legislativo sobre a lei regulamentadora da criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios no Brasil. Alvo de ação direta de inconstitucionalidade no STF, a ausência normativa tinha a intenção de barrar o aumento de despesa relacionado a este tipo de demanda dos entes federativos, e por este motivo nunca havia sido editada a lei complementar federal a que se referia o art. 18 §4º da CF. Após concessão de prazo de 18 meses para atuação na ADI n. 3682, foi publicada a Emenda Constitucional n. 57/2008 que anistiava a cria-

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ção dos municípios inconstitucionais até então. A demanda para atuação legislativa sobre o tema permaneceu, já que os municípios criados após o lapso previsto ainda estavam em situação de inconstitucionalidade. Tendo em vista a ausência de vontade política para a elaboração normativa, e por trazer à baila fatores orçamentários dificilmente pacificados entre os atores do processo legislativo, a lei ainda não foi criada e assistimos ao segundo veto integral da presidente sobre o projeto de lei referente ao tema (PLS n. 104/2014), ao dividir o Congresso acerca da melhor solução a ser adotada. O fortalecimento das instâncias políticas, mediante a valorização do diálogo entre as Casas é a única medida que permite, neste e em outros casos de omissão legislativa, a efetivação dos direitos democraticamente assegurados e o privilégio da vontade constitucional.

Two Levels of Social Rights: A Democratic Justification of Judicial Review Leticia Morales

Postdoctoral fellow at the Institute for Health and Social Policy and the Faculty of Law, McGill University, Montreal, Canada. E-mail: [email protected].

A vast increase in the number of social and economic claims in the last decade in Latin America and South Africa has produced strong views in favor of and against the idea of constitutional social rights. Many legal scholars and human rights practitioners hold that the guarantee of social rights is a requirement of a just society, which in turn justifies the imposition of strong judicial review over policy and legislation. However, theories of distributive justice and the principles they proscribe are always subject to persistent disagreement amongst the citizens of a modern democracy, resulting in considerable uncertainty about what follows from imputing such social rights. In addition, strong constitutional protection is deemed controversial because judges are an unelected body which is given considerable power to impose a particular conception of social justice upon the polity (or its elected representatives) when deciding the constitutionality of social rights policies. For these reasons, critics such as Jeremy Waldron or Richard Bellamy have condemned strong judicial review of rights in general (and presumably also social rights) as illegitimate in democratic societies, insisting it must remain the purview of democratically controlled institutions. This paper examines the legitimacy of constitutionally protecting social rights through the mechanism of judicial review. I argue for the protection of social rights as demands of democracy. In doing so, I distinguish between two levels of social rights. A first level should be understood as part of the preconditions of democratic legitimacy that safeguard the  effective political participation of all citizens. A

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second level, by contrast, consists of social rights as demands of social justice shared by the majority of the society. These rights are very important for promoting justice, but are not strictly speaking necessary for producing democratic legitimacy. The second level of social rights is therefore a legitimate focus for democratic disagreements. The two levels are distinguished internally through the test of preconditions. A careful empirical analysis of the practical conditions that guarantee political participation specifies the content of the first level. Adopting this pragmatic approach, I argue the proposed account is not vulnerable to the problem of persistent value disagreements in contemporary democratic societies. Finally, this paper claims that the compound model of social rights justifies a distinctive institutional division of labour in relation to its constitutional protection. The first level of social rights is legitimately protected through strong judicial review. Hard cases might be best solved by mechanisms of weak judicial review including dialogic proposals between different public institutions, while the content and scope of the second level of social right should be decided by the democratic assembly, and remain free of judicial interference.

A aplicação judicial do direito na Suprema Corte: o jogo do colegiado

Paula Pessoa Pereira

Doutoranda e mestre em Direito das Relações Sociais, com ênfase em Direito Processual Civil na Universidade Federal Paraná. Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal da Bahia. Membro do Núcleo de Pesquisa de Direito Processual Civil Comparado da UFPR. Membro da Asociación Colombiana de Derecho Procesal Constitucional. Membro da Asociacón Mundial de Justicia Constitucional. País: Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

A Jurisdição constitucional é vista como mecanismo contramajoritário para tomar decisões sobre assuntos em que os cidadãos consideram de extrema importância para a justiça e os direitos fundamentais. Nossa prática de delegar certas questões para os Tribunais Constitucionais para tomar a decisão final (ao menos no nível processual) reflete uma desconfiança na tomada de decisões democráticas na arena política. Mas essa desconfiança que temos, bem vistas as coisas, está nas pessoas e não na regra da maioria, uma vez que adotamos esta regra no campo processual para resolver os desacordos surgidos na interpretação constitucional. Desse modo, como podemos justificar a prática da regra da maioria na deliberação judicial colegiada? Os defensores do controle judicial de constitucionalidade, muitas vezes, argumentam em seu favor, a partir do potencial deliberativo dos tribunais e seu papel como representantes de uma “razão pública”, ao passo que os críticos da revisão judicial normalmente argumentam que a deliberação nos tribunais tende a ser muito pobre e, por isso, não justifica o seu caráter contramajoritário, até porque decidem através do método da regra da maioria, a mesma tomada no plano legislativo. Por certo, a falta de debate acerca das regras internas e das variáveis práticas de deliberação dos tribunais, pode promover ou dificultar fortemente a legitimidade de um tribunal. Neste contexto, a forma da deliberação acerca da interpretação constitucional nos tribunais apresenta-se como decisiva. Os recentes

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acontecimentos no Supremo Tribunal Federal, inclusive, nos demonstra o quão mal compreendemos a natureza do julgamento coletivo (que contam com votos estruturalmente aberrantes) e como problemático pode ser a falta de conhecimento sobre as questões decorrentes. E é neste ponto que reside o objeto desta pesquisa. Queremos dizer com isto que o presente artigo tem por objetivo investigar o desenho institucional do órgão colegiado a fim de verificar se esse é capaz de propocionar a realização da função normativa constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal, qual seja, a de definir a interpretação constitucional. A decisão coletiva pode ser feita por três processos principais: deliberação, negociação e votação. O que nos interessa aqui é a relação entre a deliberação e a votação. Muitos órgãos colegiados combinam deliberação e agregação. Quando não é necessária unanimidade, os membros de um grupo podem deliberar extensivamente e, se opiniões ficam aquém do consenso, a negociação não é uma opção, sendo a votação inevitável. Como regra, as decisões tomadas pela Suprema Corte não seguem o critério da uanimidade e a regra da maioria, haja vista os desacordos jurídicos existentes sobre a interpretação das normas constitucionais. Fato este que não mitiga o potencial deliberativo dos tribunais, quando bem compreendido o papel da regra da maioria. Nesse cenário, a questão que se coloca é a seguinte: na estrutura argumentativa da decisão judicial, onde esta regra deve ser aplicada, na fundamentação ou da conclusão? A investigação desta questão se impõe para que possamos fornecer elementos teóricos para a construção de uma justificação adequada para a regra da maioria como um princípio razoável para resolver o desacordo sobre mérito de questões complexas de justiça, direitos fundamentais e interpretação constitucional entre os membros da Suprema Corte Constitucional. Esse problema da regra da maioria na estrutura argumentativa da decisão e votação, embora seja estudado no âmbito da ciência política, cabe perfeitamente no estudo das decisões judiciais, dado que o que pode ser afirmado a propósito de um tribunal coletivo pode ser afirmado em relação a qualquer assembleia deliberativa, conforme a crítica proposta por Jeremy Waldron.

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Mas quais os problemas decorrentes da regra da maioria na estrutura argumentativa da decisão colegiada? Primeiro, a regra da maioria quando tomada em consideração apenas na conclusão da decisão pode acarretar o que a doutrina política chama de paradoxo doutrinal ou dilema discursivo, o que implica dizer que a decisão tomada não necessariamente reflete as questões consideradas e deliberadas pela Corte, uma vez que o resultado é divergente das premissas, fato este que acarreta a própria nulidade da decisão por ausência de coerência. Segundo, porque a aplicação do direito pela Corte Suprema Constitucional, que trabalha com a definição da interpretação e sentido da norma constitucional no sistema, implica a sua vinculação para todos os demais tribunais e juízes, de modo que o a criação do direito está na fundamentação da decisão e não na sua conclusão. Por fim, acrescentamos que o problema aqui exposto não é desacreditar ou deslegitimar o controle jursidicional de constitucionalidade das leis, mas, ao contrário, é reafirmar seu papel contramajoritário por meio da disposição do acesso à Corte para a tutela dos direitos fundamentais, colocando em pauta a discussão do método da regra da maioria na deliberação da decisão colegiada como forma de justificar a legitimidade da jurisdição constitucional enquanto instituição responsável pela criação do direito.

O Supremo Tribunal Federal no combate à deformação do processo político e eleitoral e a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Williana Ratsunne da Silva Shirasu

Aluna do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu (Mestrado) em Direito da Universidade Federal do Ceará. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Camile Araújo de Figueiredo

Aluna do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu (Mestrado) em Direito da Universidade Federal do Ceará. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Em conformidade com as lições de Konrad Hesse, a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung) pressupõe uma ordem normativa inquebrantável, sujeita a um constante processo de legitimação, mantendo-se vigente através de atos de vontade. Nesse contexto, a interpretação relaciona-se à concretização da norma, sendo decisiva para consolidar e preservar a força normativa da Lei Fundamental. Em busca de garantir a supremacia constitucional confere-se ao Supremo Tribunal Federal, no Brasil, a condição de intérprete maior das disposições constitucionais, cabendo-lhe, assim, dizer por último o direito. Tal atribuição consubstancia-se no controle de constitucionalidade, através do qual se torna possível afastar qualquer antinomia em relação aos preceitos constitucionais. O presente trabalho, a partir disso, volta-se à análise acerca do papel desempenhado pelo STF no contexto político eleitoral brasileiro no tocante à compatibilização das normas eleitorais aos ditames constitucionais. Objetiva verificar o papel desempenhado pela corte supracitada no combate à deformação do processo eleitoral sob a perspectiva da vontade de Constituição. Ademais, procura analisar se o exercício de tal atribuição, quando acarreta impactos na seara política, seria uma afronta à teoria da separação dos poderes e, em última instância, à soberania popular. Nesse sentido, o fito deste trabalho considera as premissas básicas

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do Direito Eleitoral, observando-se, sob certa ótica, a concretização da independência do eleitor e a lisura do processo eleitoral. Compreende também que o Poder Judiciário, no âmbito de atuação do STF, exerce papel fundamental visando a proteção da probidade e da moralidade na realização do processo político, sendo ente fundamental para trazer normalidade e legitimidade às eleições, afastando-se condutas intoleráveis, discrepantes da Constituição. Por corolário, é necessário apresentar casos em que a corte em epígrafe desempenha seu papel no tocante à concretização da vontade de Constituição. Um dos casos mais recentes foi o do reconhecimento da constitucionalidade da Lei Complementar nº. 135/2010, popularmente conhecida como “Lei da Ficha Limpa”. Esta lei foi objeto do controle de constitucionalidade concentrado de normas, quando da apreciação pelo STF das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs. 29 e 30, bem como da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4.578. Contudo, estes julgamentos enfrentaram o princípio da anualidade das normas que alteram o processo eleitoral, razão pela qual os efeitos daqueles julgados foram de natureza prospectiva (ex nunc), só valendo a partir das eleições de 2012. Nesse passo, através da atuação do STF, promoveram-se diversas alterações relevantes na compreensão dos normativos supracitados. Dentre estas, destacam-se a proibição de candidatos (instituição de inelegibilidade) pretendentes a mandatos eletivos que foram condenados em decisões colegiadas de segunda instância e a majoração da inelegibilidade de 3 (três) para 8 (oito) anos. Outra importante alteração, como preleciona Marlon Reis, deu-se na perspectiva de classificação das inelegibilidades, que já não são mais classificadas como normas de caráter sancionatório, pois são tidas como condições jurídicas que afastam o registro da candidatura quando sua hipótese de incidência é realizada no mundo fenomênico. Nesse passo, não há mais como aplicar os princípios do direito penal, como os da irretroatividade e da não culpabilidade, eis que a inelegibilidade possui o conteúdo de um requisito negativo. Dessa forma, vê-se que a competência do STF possui impactos em diversas esferas, transcendendo aspectos meramente infraconstitucio-

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nais para um perfeito alinhamento às diretrizes constitucionais. Com isso, tem-se assegurada a garantia da preservação da força normativa da Lei Fundamental, constantemente legitimada quando efetivada a vontade de Constituição. Inegáveis, porém, são os desafios vivenciados no contexto do processo político eleitoral brasileiro, que revelam que a garantia da vontade de Constituição não está concentrada absolutamente no Poder Judiciário, na figura do STF. Na verdade, sua realização vincula-se ao bom funcionamento dos três Poderes harmoniosamente, pois, ainda que seja profícua a atuação do STF como intérprete constitucional, a efetivação da Wille zur Verfassung possui essencialmente um viés material, de índole democrática, já que não se desvincula da realidade política e social. Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; vontade de Constituição; soberania popular.

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