O Amor Cortês e sua transformação: D. Dinis, Dante e Drummond.

May 31, 2017 | Autor: Pablo Rodrigues | Categoria: Dante Studies, Literatura Comparada, Carlos Drummond de Andrade, D. Dinis
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 11 de Março de 2013.
Aluno: Pablo Baptista Rodrigues – DRE: 11120197 – Turma: LED
Matéria: Literatura Comparada 1
Professor: Marcelo Diniz



O Amor Cortês e sua transformação: D. Dinis, Dante e Drummond.



Não existe se quer um tempo, um simples momento em que o amor não
tenha sido retratado. Assim como o homem se transformou diante de sua
realidade temporal, esse sentimento, seguindo também a influência da
história, se modificou. Assim sendo, esse vocábulo demasiadamente usado
traz consigo todas as inúmeras significações que lhe atribuíram ao logo da
história da humanidade. Encarregada de retratar e de dar forma a essa
realidade, fazendo isso de um jeito próprio, com uma linguagem particular,
a Literatura nos apresenta toda essa evolução do amor que aponta ao período
medieval.

Voltar a Idade Média é retratar todo um período histórico que além de
distante, apresenta suas peculiaridades na cultura, política e economia.
Dessa forma, se deparar com a "manifestação literária" em tempos medievais
é reconhecer toda singularidade dos escritos da época, e também sua
pluralidade. Não tomando o termo Literatura Medieval como algo que coloca
toda "produção" desse tempo em um mesmo patamar.

Em especial, no período correspondente aos fins da Idade Media,
observou-se a perda da influência da Igreja Católica Romana, não sendo essa
mais a guardiã absoluta do conhecimento e também a única manifestação
linguística em tempos medievais. E ainda, o florescimento intelectual por
parte das universidades, como bem aponta Jacques Le Goff:



Homem de ofício, o intelectual tem consciência da profissão que tem de
assumir. Reconhece a ligação necessária entre a ciência e ensino. Já
não pensa que a ciência deve ser entesourada, antes está persuadido de
que deve ser posta em circulação. As escolas são oficinas donde se
exportam ideias como mercadorias. No trabalho urbano o professor se
aproxima, num mesmo movimento produtor, o artesão e o mercador […]
Estas corporações de mestres e estudantes serão, no sentido da
palavra, as universidades. Será essa a obra do século XIII." (GOFF,
1973, p. 69-70)




Isso tudo ocorre devido a diversos fatores, entre eles: à expansão
demográfica, o crescimento urbano, o "renascimento comercial" e o do desejo
das cidades por maior autonomia. Neste caso com a expansão urbana dos
séculos XI-XIII e com a crescente divisão social do trabalho, o antigo
modelo de sociedade não mais correspondia à realidade do homem medieval.
Logo, temos o apontar para uma modificação dos tempos medievais.

Nessa época, no campo literário, na Baixa Idade Média, apareceram de
maneira mais presente textos em língua vulgar, ao lado dos textos
tradicionalmente escritos em latim. Destacaram-se nesse período as canções
de gesta, fabliaux, a literatura enciclopédica e a lírica trovadoresca, que
buscava exaltar o amor romântico, espiritual e cavalheiresco. Período em
que surge a Suma Teológica de São Tomás de Aquino, no século XIII, e a
Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321), sendo esta considerada a
interpretação do período de transição do fim da Idade Medieval e o início
de novos tempos.

Esse período de transição apresentado por Dante, bem como o que a sua
obra configurou posteriormente é mais bem compreendida pela produção feita
antes mesmo da grande obra Italiana, ou seja, é possível perceber o
desenvolver da literatura, bem como o tema que a cerca desde os tempos
medievais , o amor, na comparação de obras literárias posteriores, o que
pode ser analisado na seguinte canção de amor de D. Dinis:




Que grave coita, senhor, é
a quem [há] sempr'a desejar
o vosso bem, que nom há par,
com'eu faç'! E, per bõa fé,
5 se eu a Deus mal mereci,
bem se vinga per vós em mi.


Tal coita mi dá voss'amor
e faz-me levar tanto mal,
que esto m'é coita mortal
10 de sofrer; e por en, senhor,
se eu a Deus mal mereci,
bem se vinga per vós em mi.


Tal coita sofr', há gram sazom,
e tanto mal e tant'afã
15 que par de morte m'é de pram;
e senhor, por esta razom,
se eu a Deus mal mereci,
bem se vinga por vós em mi.


E quer-se Deus vingar assi,
20 como Lhi praz, per vós em mi.




Observa-se que a cantiga de amor do rei português, ou também rei-
trovador, D. Dinis apresenta uma confissão amorosa a uma dama inacessível,
através do pronome senhor, algo típico das canções trovadorescas, e a
presença do sofrimento (coita). A relação com a religiosidade medieval é
bem presente pela invocação a Deus. Há também uma sintaxe extensa e a
continuação do verso na linha seguinte, revelando uma estrutura mais
trabalhada. Diferente da voz lírica feminina das cantigas de amigo, temos
aqui o eu lírico masculino. Esse amor cantado era, portanto, idealizado,
inatingível devido à posição em que a mulher cultuada se encontrava, isto
é, distante em classe, geograficamente, e principalmente por ser casada.

Esse amor cantado pelos trovadores então, é paradoxal no sentido que
há uma relação de amor e sofrimento, ao qual não pode ser separada. Ao
cantar à mulher idealizada o trovador se sente realizado, mas sofre. É o
que seria denominado de Amor Cortês, que envolve o desejo e o perigo de que
este amor seja descoberto, gerando o fim da relação amorosa e a desonra da
dama. Ficando claro que esse amor não é diretamente correspondido.

O Amor Cortês pode ser visto, portanto, como resposta a uma sociedade
feudal. E essa analise pode ser feita através de diferentes correntes
historiográficas que se interessam sobre o tema. Leva-se em consideração
então, a diversificação dos fenômenos sociais da Idade Media. Atentando-se
apenas a um desses fenômenos temos esse amor cortês presente na lira
trovadoresca associada à estrutura social e política do período medieval
sendo essencialmente um produto da hierarquização feudal. Ou ainda fruto de
mudanças nas condições femininas no século XII. Ou até, o fruto de um
feudalismo mais estável para uma sociedade mais dinâmica. Associa-se a esse
último ponto os eventos das Cruzadas, que podem ser consideradas como um
fator de dinamização que afeta a rigidez feudal, pelo contato que teve com
os povos conquistados. E ainda o surgimento da burguesia.

Karl Marx em o Manifesto Comunista, aponta para o surgimento da classe
burguesa, sendo essa revolucionária e modificadora da estrutura medieval.
Assim sendo, não somente a estrutura da sociedade como a "estrutura da
literatura" será modificada. Soma-se então, a todos os pontos que
influenciaram as modificações da Idade Media ao surgimento da burguesia.
Dessa forma, representam essa fase escritores como Dante Alighieri com a
Divina Comédia.

Como marca de um período de transição, ainda temos em Dante os ideais
de representação do amor cortês. Beatriz pode ser vista como mulher
exaltada nas cantigas de amor de D. Diniz ou outro trovador. E se o
trovador era andante, um traço característico, Dante nada mais fez em sua
epopeia de cunho teológico e religioso do que provar o amor por Beatriz, se
propondo a desbravar o Inferno, o Purgatório e o Céu. É certo que na Divina
Comédia temos a nomeação da mulher amada, Beatriz, o que não acontece na
lira de amor trovadoresca. Temos também em Dante a posição transcendente
que a amada ocupa, diferente também da relação vertical da sociedade
medieval. Tudo aponta então, para a modificação da representação do amor, o
amor cortês, em toda a literatura.
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