O amor na vida e nos versos de Vinícius de Moraes

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Reflexão e prática 76

ENCARTE DO PROFESSOR

Do poeta ao diplomata: o amante

Como Vinicius de Moraes usou e abusou do tema o teve como

central em sua vida e obra por meio de diálogos, versos e prosas

No banquete com o poetinha De Vinicius de Moraes a Platão: uma leitura inusitada

Com a curadoria de Carolina Desoti e Victor Costa Carolina Desoti é graduada em Filosofia pela PUC-Campinas e atua nas áreas da Filosofia Política e Psicanálise pelo viés do Cinema. Victor Costa (@costa_victor) é formado pela PUC-Campinas e em roteiro pela EICTV (Cuba). Estudou Artes Visuais e Comunicação na Unicamp. É professor, roteirista, redator e produtor cultural.

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O AMOR NA VIDA E NOS VERSOS DE VINICIUS DE MOR AES

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inicius de Moraes nasceu no ano da graça de 1913, na cidade do Rio de Janeiro respirando ares de Modernidade, profundamente impactada pela Belle Époque francesa. Sua vocação para as letras se mostrou clara desde menino, de modo que foi escolhido pela família como aquele a quem seriam direcionados todos os recursos necessários para que, por meio dos estudos, “se tornasse alguém na vida”. tomou contato com a arte desde logo. Seu pai era, doutor em latim, professor de francês, piano e violino, poeta amador. Sua mãe, pianista, fruto de uma família de boêmios e amantes da música popular. Entre o rigor do pai e a liberdade da mãe, no princípio se entregou ao primeiro. Amante da poesia romântica francesa, despontou desde logo como um poeta talentoso e jamais abandonaria completamen-

te os elementos tradicionais da poesia. Como diz o crítico literário Antonio Candido (1919), “Vinicius de Moraes era um homem apegado à métrica, apegado à rima; um homem apegado às formas poéticas tradicionais, como o soneto, como a ode etc. Portanto era um poeta inserido na tradição”.1 Vinicius foi, no início, um poeta sério, disciplinado, sóbrio. Um poeta que, alinhavava em formas clássicas os temas morais e religiosos, e flertava com a juventude integralista. Entrou para o serviço diplomático do Itamaraty e ganhou o primeiro lugar do Concurso Brasileiro de Literatura. Ao que tudo indicava, parecia cumprir com os planos da família. Havia “se tornado alguém na vida”. Jovem, já estava entre os grandes poetas brasileiros. 1

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Por Thiago Fernandes Franco e Robson Gabioneta

Vinicius de Moraes, – uma biografia. Filme dirigido por Miguel Faria Jr. (2005)

Th iago Fernandes Franco, bacharel em relações internacionais (Facamp), bacharel em Sociologia e Política (Unicamp), mestre e doutorando em História Econômica (Unicamp). Robson Gabioneta, bacharel e mestrando em Filosofi a (Unicamp), secretário do centro do pensamento antigo (CPA), professor da rede pública do Estado de São Paulo.

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ETAPA I: ENTRE O RIGOR E A LIBERDADE ATIVIDADE I:

O GRITO DE LIBERDADE DE VINICIUS

Em certo sentido, Vinicius simboliza uma ampla mudança na Literatura brasileira – quiçá mundial –, questionando as formas tradicionais em busca de uma maior liberdade poética. Aquela vida da diplomacia, dos protocolos, comendas, caviares, champagnes e tome gravata parecia não dar conta da enorme intensidade emocional que Vinicius imprimia em cada atitude. De repente, não mais que de repente, iniciou uma lenta transformação na direção oposta. Aquele poeta clássico, romântico, dos temas morais, da religião e da morte se tornaria o poeta da canção popular, da bossa-nova e dos afro-sambas. O poeta da canção do amor demais despertou para o amor, que lhe traria muitas alegrias e também muitas angústias. Certa vez, Carlos Drummond de Andrade (1901-1987) – que o tinha na mais alta estima na condição de poeta e amigo – disse que muitos fizeram poesia, mas “Vinicius é o único poeta brasileiro que viveu como poeta”.1 Um poeta de paixões, de pulsões, de vícios e de amores. Uma vida intensa, apaixonada. Uma vida na eterna busca da realização de si por meio do amor romântico, do amor total. Foi, portanto, um poeta do presente. Um poeta do mundo. Um poeta moderno que nunca se contentou em escrever poesias. Ele queria viver poesias, como nos seus versos eternizados, no famoso Soneto da fidelidade. Paradoxalmente, foi aos poucos se afastando da sisudez da juventu1

Castello, 2005

de e tornando-se mais jovem. Sua poesia se afastava cada dia mais da temática clássica e refrescava-se em ares modernistas, em que a temática do prosaico e do cotidiano assumia a preponderância e as cores do Brasil por principalmente do Rio de Janeiro. Para tristeza dos poetas canônicos – principalmente João Cabral de Melo Neto (1920-1999), para quem ele era o mais talentoso dos poetas brasileiros –, Vinicius cada vez mais deixava de lado a poesia “séria” e se envolvia de corpo, alma, copo e pena no mundo da música. trocaria enfim, de modo definitivo, o silêncio das bibliotecas e do escritório burocrático pela musicalidade dos bares e das praias cariocas. Como a família da mãe, parecia destinado a se tornar boêmio e músico. Como a poesia brasileira, passa-

ria por metamorfoses em busca de maior liberdade. A despeito de todo o talento, Vinicius não entrou para a História como um “grande poeta”, mas – ainda bem! – como o poetinha vagabundo. Entrou para a História como um dos maiores letristas do cancioneiro popular brasileiro. Entrou para a História como o poeta dos choros do Pixinguinha, das jabuticabeiras no quintal, da torcida pelo Botafogo. Enfim, como disse o poeta Ferreira Gullar (1930), nisso Vinicius parece ser mais radical que outros poetas contemporâneos, porque experimentar novas formas poéticas é uma coisa, cair nos braços do cancioneiro popular e entrar no “esculacho total” é outra.2 Não se tratava meramente de liberdade na Vinicius de Moraes, – uma biografia. Filme dirigido por Miguel Faria Jr. (2005)

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Paris era um grande centro, não só cultural, mas também de diversão. Dança no Moulin Rouge (1890), de Henri de Toulouse-Lautrec, Museu de Arte de Filadélfia

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Em itálico, estão indicadas diversas poesias de Vinicius. Procure ao menos três delas e compare a visão de amor por elas apresentada. Escreva um pequeno texto comentando-as. O soneto, forma poética ligada à tradição oral, era uma das formas preferidas de Vinicius. Procure – atentando às questões de forma, de rima e de métrica – escrever um soneto expressando a sua visão sobre o amor. Em pequenos grupos, escreva canções sobre o amor pensando na relação entre a letra e a música. Para a realização dessa atividade, é adequado que haja parceria com o professor de música da sua escola. Posteriormente, pleiteiem a organização de um festival em que sejam apresentadas essas canções para outros colegas, funcionários e convidados. Essa atividade, pode também se transformar em uma “semana de arte”, em que essas pessoas sejam convidadas a expressar as suas próprias visões sobre o amor. Nesse sentido, poderiam ser organizados espaços para artes gráficas, leituras de poesias, apresentações musicais, teatrais, vídeos e muitas outras. poesia, mas de exercer – cada vez de forma mais intensa – essa liberdade na vida. A cada um de seus parceiros, Vinicius se entregou com devoção, com direito a ciúmes e tudo o mais. A cada um deles procurou entregar o seu melhor, dedicando-se com paixão. A cada dimensão da sua vida, imprimia necessariamente relações de afeto e, quando o fogo apagava, precisava se entregar novamente com paixão a um novo relacionamento. Sua entrada no mundo da música seria marcada pela primeira parceria importante, com o então desconhecido Antônio Carlos Jobim (1927-1994), que se tornaria um de seus mais amados parceiros e amigos. Sua peça, Orfeu da Conceição, musicada por tom, é uma adaptação do mito grego ambientada nas favelas do Rio de Janeiro, dos sambistas do morro, da malandragem, dos negros com os quais tanto se identificava: “Vinicius de Moraes, poeta e diplomata, o branco mais preto do Brasil, da linha direta de Xangô, Saravá!”. 3 Posteriormente, em parceria com Baden Powell (19372000) e por meio de uma de suas esposas – fi lha de santo –, abandonaria definitivamente o ateísmo materialista da juventude para abraçar o “mistério sensual dos orixás” 3

Samba da Benção

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Na mitologia grega, Orfeu era conhecido não pelas suas qualidades de guerreiro, mas pelas suas qualidades musicais

e dos afro-sambas. Mas sem antes se envolver com Carlos Lyra (1939) e toda a juventude bossa-nova, na qual se destacaria como o principal letrista e uma espécie de guru (a contragosto). Quando se sentia envelhecido, deixava as gerações para trás e procurava uma turma ainda mais jovem. Até que encontrou na

parceria com toquinho (1946) o desejo de se entregar de vez aos palcos e se mostrar ao grande público como um bom cantor e um intérprete extremamente carismático, viajando o Brasil e o mundo para mostrar a sua poesia, os seus causos e o seu canto. O canto de Vinicius, contudo, não é um canto de felicidade, mas um canto que, ainda que alegre, traz um tanto de saudade. Sua marca mais frequente foi a intensidade. E com a intensidade das alegrias, tomavam-lhe a tristeza e a melancolia. Ali, no mundo da música, do uísque e das mulheres, procurava fugir da dor da existência e encontrar a felicidade que o vento vai levando pelo ar. Que voa leve, mas tem a vida breve. Sempre em busca de uma nova música, uma nova parceria, um novo amor. tantos quantos fossem necessários. Porque Vinicius sabia que, para se viver um grande amor, é preciso entregar-se por inteiro, seja lá como for. Para o “poetinha”, a razão de viver se dava somente com a eterna procura do amor total, da completude inalcançável. Quem me dera amar-te, quem me dera ter-te, quem me dera morar-te até morrer-te. Em suas canções, Vinicius deu muitas defi nições para o amor. Uma poesia tão visceral e tão intensa dependia muito do estado de espírito do poeta. Porque o amor, assim como a vida, se transforma, se intensifica, se esgota. O amor, como o fogo, vira brasa até se consumir por completo e se apagar. O amor deve ser eterno, enquanto dura. De nada adianta querer que dure mais ou dure menos. O amor, como a vida, tem seu próprio tempo e nenhuma solidão é maior do que a do ser que não ama. Por mais que se passe a vida em busca de uma defi nição para o amor, de nada adiantará. O amor não é para ser defi nido. O amor, como a poesia, é para ser vivido, em toda a sua intensidade. E o verdadeiro amor de quem se ama tece a mesma antiga trama que não se desfaz e a coisa mais divina que há no mundo é viver cada segundo como nunca mais.

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EXERCÍCIO I: O AMOR NA COMPREENSÃO DO POETINHA

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ETAPA II: CONTRADIÇÕES E CONFLITOS ATIVIDADE II

O AMOR PLATÔNICO

Sugerimos que o “amor romântico” é uma característica importante da Modernidade, na qual a questão do indivíduo ganha destaque quando pautada pela necessidade de efetivação do presente. Da realização. Da experiência vivida. Como sabemos, esse tipo de amor não é universal e não está presente em todos os lugares. Em várias sociedades, os casamentos atendem a interesses tribais e familiares, pouco importando os interesses e desejos individuais. Amor e casamento são, portanto, em geral, coisas muito diferentes. Desse fato, decorre uma longa tradição literária sobre as impossibilidades de realização do amor. A esse amor casto, irrealizável, distante, frequentemente inconfesso ou tido por impossível costuma-se denominar “amor platônico”. Mas o que seria o amor para Platão? Como Vinicius, que nasceu e viveu com pai e mãe de características

Os Afro-sambas (1966), de Baden e Vinicius, é um álbum de elogio às religiões de matriz africana e ao sincretismo religioso brasileiro. Uma das faixas do disco foi dedicada a Iemanjá

opostas: na concepção de Platão, Eros – o deus grego que se costuma traduzir por Amor – também tem como genitores seres opostos: a Riqueza e a Pobreza. O mito do nascimento de Eros é narrado por Sócrates no diálogo O banquete. Platão conta que, em comemoração ao nascimento de Afrodite, a Pobreza aproveitou-se do descuido da Riqueza, que dormia no jardim de Zeus embriagada com o néctar dos deuses para ter um fi-

lho com ela. E, assim, teria nascido Eros. Por ser filho da Pobreza, carrega consigo a carência, a pequenez, a infelicidade e a feiura. Mas, por outro lado, por ser filho da Riqueza, carrega consigo a abundância, a grandeza, a felicidade e a beleza. O mito explica a crítica que Sócrates faz a Agatão, que dizia que Eros era o mais jovem e mais belo dos deuses. Para Sócrates, o amor é desejo. Logo, quem ama não possui

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EXERCÍCIO I: O QUE É O A MOR?

Nos discursos sobre o amor em O banquete, podemos encontrar diversas frases de efeito, como se fossem o que, hoje, temos por “ditados populares”. Por exemplo:

Sugerimos que o professor peça para os alunos dissertarem sobre cada uma das frases. O aluno pode, num primeiro momento, dissertar apenas sobre o seu ponto de vista, isto é, dizer se concorda ou não. Depois, num segundo momento, ele pode dissertar sobre a comparação entre os pontos de vista apresentados em O banquete e o seu próprio. EXERCÍCIO II: QUE TAL UM BA NQUETE?

Organizar um piquenique no pátio da escola ou em algum outro lugar mais adequado, de modo que os estudantes vivenciem uma experiência análoga a O banquete. Nessa experiência, que deve preferencialmente ser realizada sem a pressão dos horários das aulas, é importante que os estudantes partilhem da comida e se envolvam na conversa. Para essa atividade, sugerimos que os estudantes tragam de sua casa textos (podem ser poesias ou prosa) que falem sobre o amor e relatos que partam da observação de seu cotidiano em busca do amor das pessoas (amor pelo trabalho, amor pelos filhos, amor pelos pais, amor que pode ser explicado, amor que não pode ser explicado). Ao professor, sugerimos que traga alguma antologia dos poemas de Vinicius, de modo que ambos textos sejam lidos em voz alta e todos debatam, procurando discutir sobre suas próprias experiências amorosas. Sugerimos que o professor não deixe de problematizar a questão da vivência prática do amor e aproveite a ocasião para discutir temas polêmicos como a sexualidade, a heteronormatividade, a idealização da mulher e o machismo, bem como as compatibilidades e incompatibilidades do modelo de família nuclear com relação à ideia de amor. É altamente recomendável que as músicas sejam tocadas ao violão ou, na ausência de alguém capacitado, se reproduzam também por meio de algum aparelho eletrônico para se problematizar as diferenças entre a poesia e a canção e experimentar diversas formas de vivência.

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Com a música e o sucesso da bossanova, a maior parte das composições de Vinicius amenizaram um pouco seu pessimismo da fase de “poeta de livros”

aquilo que ama, e, portanto, o amor não é belo, pois busca a beleza; não é bom, pois busca a bondade; não é saber, pois busca a sabedoria. Se fosse belo, bom e sábio, não precisaria buscá-los. Quem ama busca no amor o que lhe falta. Como o Eros de Sócrates. Como Vinicius de Moraes. A concepção de “amor platônico”, que se costuma identificar como irrealizável, idealizado, impossível não corresponde às visões que Platão apresenta em O banquete. Essa ideia, contudo, seria uma deturpação de uma afirmação que aparece no texto, quando, a certa altura, alguém alega: que “deve-se amar mais a alma do que o corpo”. Como observamos, não é dito que o amor corporal, o amor sexual é errado, ruim ou pecaminoso. Não é afirmado que não se deve amar o corpo, mas que “deve-se amar mais a alma do que o corpo”. Amar a alma, para Platão, é amar os produtos da alma. Amar a alma é buscar aquilo que ele julga como o mais precioso no homem: o saber, a Arte, a Ciência, a Poesia, a felicidade coletiva. Sendo assim, muito longe de ser o amor irrealizável e impossível, o Amor para Platão é a busca daquilo que deixa o homem feliz.

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o amante sente vergonha diante do amado o amor faz que os homens vençam guerras é preciso proibir os jovens de se amarem deve-se amar às claras deve-se amar a alma mais que o corpo o amor está em tudo os amantes buscam as suas metades amor é desejo o amor sacia o desejo amor é desejo, então quem ama não tem aquilo que ama, logo amor não pode ser belo ou bom, mas algo intermediário amor está entre a sabedoria e a ignorância ascensão amorosa: deve-se amar primeiro um corpo, depois todos os corpos, depois os costumes, depois as ciências e depois o ser em si

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NAS BANCAS! No diálogo Fedro, o Amor aparece como subtema. Nesse diálogo, a personagem Fedro lê o discurso de Lísias, no qual este defende que é preferível entregar-se a quem não se ama, uma vez que aquele que ama quer exclusividade do seu amado e não quer que este conviva com outras pessoas. Nesse mesmo diálogo, Sócrates, por sua vez, faz um discurso corroborando essa tese. Para tanto, usa o seguinte exemplo: um belo jovem tinha vários admiradores. Um deles, para ganhar a disputa, convence-o – com a justificativa de que o amante quer o amado apenas para ele – de que se deve amar aquele que não se ama. Logo em seguida, para se retratar, Sócrates faz outro discurso. Diz que sem Eros as coisas ficam

mecânicas, sem sentido e sem valor. Diz também que os maiores benefícios da cidade foram feitos por homens apaixonados e cita o exemplo de um poeta, que, sem amor, apenas com a técnica, produz poesia sem valor - diferentemente de Vinicius, que busca o Amor intensamente, e, por isso, nunca o encontra, ou o encontra e perde novamente. Porque, assim, o Amor se parece com o mito de Narciso, que se apaixona pelo seu próprio reflexo. O ser amante “também ama, porém não sabe a quem ama por não perceber que ele se vê no seu amante como num espelho: junto dele esquece-se, longe deseja-o”.4 4

Platão, 2010

EXERCÍCIO III: O MACHISMO NA OBRA DE VINICIUS

Para Vinicius, o amor era a motivação de suas atitudes para com a vida e as pessoas. Em especial, para com as mulheres. Podemos verificar, ao longo de sua obra, uma série de idealizações e desejos sobre as mulheres, sob formas de amor, muitas vezes, bastante problemáticas. E não é raro que suas proposições sobre as mulheres comunguem com posturas machistas. Na poesia de Vinicius, a mulher constantemente é colocada num papel submisso; noutras vezes, é colocada sob um pedestal na forma da idolatria, ignorando as imensas diversidades da vida humana em nome de uma mulher idealizada. Assim, vemos constantemente o poeta se referir “a mulher”, em vez de “as mulheres”, ou “aquela pessoa”, por exemplo. Desse modo, sugerimos que o professor questione os estudantes sobre a problemática das discussões de gênero e o quanto de gentileza e amor, por vezes, podem apresentar efeitos muito negativos. Por outro lado, pensamos que, pelas próprias características do amor, muitas vezes contrapostas à razão, não podemos deixar de pensar na questão do impulso, do desejo, da idealização; tão humanas quanto a racionalidade. Tais questões devem ser consideradas sem perder de mente a todo momento as formas concretas de opressão. Podemos discutir também como a supressão dessas pulsões por vezes materializadas como “machismo”, contraditoriamente, podem impactar em uma espécie de desumanização do amor, igualmente opressora, em que aquele que produz o discurso internaliza formas de normalização que, em nome da eliminação da opressão, acaba por ser uma auto-opressão. Como questionamento e tentando pensar sempre nas contradições, o quanto dos versos de Vinicius reflete o machismo e o quanto expressa a sua relação conflituosa e múltipla com a amada? Sugerimos, para a realização do debate, que o professor selecione poemas de Vinicius que tratem do tema “mulher” sob as mais variadas óticas e discuta com os estudantes sobre as contradições encontradas e as mudanças de posição do poeta ao longo de sua vida. Procure problematizar sobre os impactos da emancipação feminina nas relações amorosas e familiares depois de décadas de movimento feminista.

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ETAPA III: JUVENTUDE, INDIVIDUALIDADE E ARTE EM MOMENTOS HISTÓRICOS DE RUPTURAS SOCIAIS EXERCÍCIO I:

Como sempre, é importante que os estudantes sejam incentivados a questionar, duvidar e encarar o documentário com o espírito crítico sempre atento às apologias e inverdades. Sugerimos que os professores estimulem os estudantes a se questionarem sobre os limites entre o gênero documentário e os gêneros dramáticos. A que se deve a ideia de que os documentários se aproximam mais da transmissão da verdade e qual é a relação entre “real” e “ficção” em cada um dos gêneros? Sugerimos que os estudantes sejam estimulados a produzir vídeos de ambos os gêneros sobre seu próprio cotidiano, de modo que possam experimentar o papel de produtores de arte e de conhecimento. Quanto da nossa sensibilidade não se deve às músicas escutadas, livros que lemos, fi lmes a que assistimos? Qual é o caráter pedagógico e coletivo dessas formas de expressão de argumentos e sensibilidades? Qual é o papel da “indústria cultural” na seleção das ideias transmitidas e, portanto, quanto da nossa sensibilidade depende dessa reprodução que não controlamos? Qual é o papel da canção de Vinicius para a constituição de uma sensibilidade amorosa brasileira pautada na intensidade e na inconstância? Quais são

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Para a atividade interdisciplinar, sugerimos que o professor programe para assistir com os estudantes o documentário Vinicius de Moraes – uma biografia (2005), dirigido por Miguel Faria Jr. Além dos dados biográficos, o documentário apresenta uma interessante relação com as transformações da cidade do Rio de Janeiro (e do mundo), na medida em que se avança a modernidade e se intensificam relações de socialidade urbanas e capitalistas. Por outro lado, também apresenta comentários interessantes do crítico Antonio Candido e do poeta Ferreira Gullar sobre a importância de Vinicius para a tradição poética brasileira, bem como da sempre tensa relação entre erudito e popular e entre poesia “séria” e canção. Um ponto bastante interessante do documentário é quando se apresentam as visões das fi lhas de Vinicius e as consequências para as pessoas que viveram no entorno de sua personalidade sempre intensa. Um ponto forte do documentário é que – apesar de claramente apresentar uma visão elogiosa do poeta – ele não deixa de apresentar também consequências negativas, sobretudo para essas pessoas. Sugerimos ao professor que questione com os estudantes o modo de apreensão da biografia e dos limites que esse tipo de abordagem carrega em si.

Vinicius de Moraes – uma biografia/Direção: Miguel Faria Jr. Ano de lançamento: 2005/ Duração: 124min.

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REFERÊNCIAS

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as consequências individuais e sociais que geram essa busca infi nita pelo amor total, ainda que efêmero? Ainda procurando questionar as possibilidades de integração – afetiva e confl ituosa – pautada nas várias formas de amor, sugerimos que o professor questione a ideia de sucesso representada pela trajetória que a família esperava de Vinicius e em que medida ele optou por alcançá-la e se afastar dela. Em que medida essa pressão social – o amor familiar em específico – afeta a vida dos estudantes? Sugerimos que o professor estimule uma discussão sobre os critérios de normalidade e as expectativas criadas em torno das atitudes dos jovens e as diversas formas de opressão e castração que eles sofrem em seu cotidiano. Por que determinadas trajetórias são identificadas com o “sucesso”, ou com o “certo”? Quem estabelece essas normas? A quem elas interessam? todos são atingidos da mesma maneira? Como estabelecer a equação entre desejo e felicidade? Como lidar com as dificuldades decorrentes das opções consideradas “anormais”, em especial na relação familiar? Lembrando do discurso que apresentamos no trecho de O banquete, quais são os problemas desse tipo de amor que não quer que o ser amado se relacione com o mundo (por ciúmes, mas também, no caso do amor familiar, por “superproteção”)?

CASTELO, J. Livro de letras: Vinicius de Moraes. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. PLATÃO. Apologia de Sócrates, o banquete e Fedro. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2010. Vinicius de Moraes – uma biografia. Filme dirigido por Miguel Faria Jr., 2005.

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