O ANDAR BÍPEDE E A LINGUAGEM HUMANA: CONTRIBUIÇÕES DE LENNEBERG AOS ESTUDOS DA LINGUÍSTICA MODERNA

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O ANDAR BÍPEDE E A LINGUAGEM HUMANA: CONTRIBUIÇÕES DE LENNEBERG AOS ESTUDOS DA LINGUÍSTICA MODERNA

JÔNATAS FERREIRA DE LIMA SOUZA Aluno do Curso de Letras (Português- Hebraico) DRE N° 115044769

Trabalho entregue a Profª. Doutora Maria Carlota Rosa, na disciplina Linguística I, turma LEH, código LEF140.

Faculdade de Letras Rio de Janeiro, 1º semestre de 2015

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O ANDAR BÍPEDE E A LINGUAGEM HUMANA: CONTRIBUIÇÕES DE LENNEBERG AOS ESTUDOS DA LINGUÍSTICA MODERNA

JÔNATAS FERREIRA DE LIMA SOUZA

Resumo Desde a primeira metade do século XX, linguistas têm buscado, por meio de comparações com outras ciências, como a Biologia, a História, a Antropologia e mesmo a Sociologia, por exemplo, uma resposta quanto à questão pertinente do lugar da linguagem (ou do falar) na ciência Linguística. Autores como Edward Sapir localizavam a linguagem no campo da cultura, isto é, instintiva, porém desenvolvida em meio à sociedade (no meio cultural). Muitos autores têm entendido esse lugar da linguagem como Sapir defendia. Um deles era Mattoso Camara Júnior. Nessa linha, destacaremos alguns autores que se posicionaram a favor da linguagem como elemento essencialmente cultural e autores que acreditam que a linguagem é parte da mecânica inerente a biologia humana (a mente, o cérebro). O trabalho centrará na hipótese de Eric Lenneberg, cuja linguagem é comparada ao andar bípede, teoria esta, contrária aquela que vigorou nos primeiros anos do século XX. Muitos linguistas modernos, como Steven Pinker, concordam com o posicionamento de Lenneberg, pois este já levara em consideração o fator cognitivo da linguagem possibilitado por meio de setores do cérebro humano.

Palavras-chave: Mattoso Camara Jr.; andar bípede; linguagem humana; Eric Lenneberg.

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1. Introdução Este trabalho tem por objetivo discutir brevemente uma série de questões que remetem ao avanço acadêmico com relação aos estudos que buscaram e ainda buscam perceber o lugar da linguagem nas ciências. Para isso estabelecemos um conciso diálogo entre as teorias fundamentadas na primeira metade do século XX com as que foram surgindo na segunda metade desse mesmo século. Nessa linha, destacaremos alguns autores que se posicionaram a favor da linguagem humana como elemento essencialmente cultural e autores que acreditam que essa linguagem é parte da mecânica inerente a biologia humana (a mente, o cérebro). O trabalho centrará na hipótese de Eric Lenneberg, cuja linguagem é comparada ao andar bípede, teoria esta, contrária aquela que vigorou nos primeiros anos do século XX. E o que Lenneberg quis dizer com isso? Acreditamos que a ideia biológica (ou seria neurobiológica), aplicada à linguagem, tem fundamentos mais claros e precisos para se estabelecerem hipóteses mais atraentes ao conhecimento linguístico do que aquela cultural, cuja ideia seria mais geral, que induz ser a linguagem fruto, puramente, dentre outras possibilidades, do desenvolvimento das relações de poder inseridas e travadas nos variados grupos sociais. Apresentaremos, necessariamente, elementos que fortaleçam o ponto de vista de Lenneberg, pois, foi este autor, um dos que mais deram vital contribuição para os estudos atuais sobre a linguagem.

2. O critério da variabilidade na espécie: o andar bípede Desde a primeira metade do século XX, linguistas tem buscado, por meio de comparações com outras ciências, como a Biologia, a História, a Antropologia e mesmo a Sociologia, por exemplo, uma resposta quanto à questão pertinente do lugar da linguagem (ou do falar) na ciência Linguística. Autores como Edward Sapir (1884-1939) localizavam a linguagem no campo da cultura, isto é, instintiva, porém desenvolvida em meio à sociedade (no meio cultural). Para isso, Sapir desprendeu claramente a linguagem dos mecanismos biológicos inerentes ao ser humano. Para esse autor a linguagem não funciona como o ato de andar por duas pernas e coluna ereta (o bipedalismo). Segundo o que o linguista entendia na época, ou seja, o andar bípede como um elemento da estrutura biológica do ser humano – não desenvolvida com a necessidade de imposição, mas como um mecanismo quase automático de baixíssima variedade –, a linguagem só seria instigada pelo convívio com outros seres falantes, variando muito de grupo para grupo, sendo localizada na variabilidade da experiência histórica desses grupos (cultural) e não como uma questão naturalmente

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pertinente ao âmbito biológico como, exemplifica o autor, seria o andar bípede (SAPIR, 1971: 17-18). Muitos autores têm entendido esse lugar da linguagem como Sapir defendia. Um deles era Mattoso Camara Júnior (1904-1970). No entanto, após a segunda metade do século XX, surgem linguistas que passam a levar em consideração a questão biológica como motor da linguagem. Um dentre eles foi Eric Lenneberg (1921-1975). Lenneberg inseriu a linguagem na mesma categoria biológica do andar bípede. Para ele o falar era uma condição inerente ao ser humano assim como é o caminhar em dois pés, além de, dessa forma, ter uma baixa incidência de variabilidade. O andar bípede, para esse autor, era distinto da escrita, por exemplo, por esta ser, segundo ele, um elemento desenvolvido/criado pela experiência das culturas humanas com um alto grau de variação nas formas de se escrever, já que cada escrita, no geral, seguiu um caminho histórico distinto em diversas regiões do mundo. Já o andar bípede (assim como a linguagem), é característico do ser humano, sendo parte constante e pouco variável da história do homem. Ou seja, para Lenneberg a linguagem é um elemento predisposto que precisa ser apenas instigado/ensinado no meio social, mas não querendo dizer que ela seria criada pela sociedade culturalmente – a linguagem precisa ser exercitada e todas elas possuem uma lógica estrutural semelhante (LENNEBERG, 1964: 61-63; 65). Dessa forma, podemos perceber que o andar bípede pôde ser utilizado pelos linguistas no século XX, tanto para distanciar quanto para inserir a linguagem como elemento da biologia humana. Muitos linguistas modernos, como Steven Pinker (1954-), concordam com o posicionamento de Lenneberg, pois este já levara em consideração o fator cognitivo da linguagem possibilitado por meio de setores do cérebro humano. Levando em consideração os estudos de Lenneberg, temos visto algumas descobertas no campo da locomoção que poderiam por em risco a ideia de que o andar bípede é espontâneo na história humana. Seriam os casos de algumas pessoas que se locomovem utilizando as mãos e os pés (como quadrúpedes). Isso implicaria na ideia de que o ser humano pode simplesmente escolher o modo de como caminhar naturalmente, sugerindo inserir o andar da humanidade no campo cultural, e nem tanto mais no biológico. No entanto, tais questões foram já diagnosticadas como síndromes, isto é, doenças e não escolhas. Estamos falando da síndrome de Uner Tan na Turquia. Em uma família com 19 irmãos, 5 possuem a síndrome em modo completo. Essa doença que atinge o cérebro gera uma falta de equilíbrio, além de coordenação e distúrbios cognitivos. Ela induz aos doentes

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caminharem de forma quadrúpede. Ou seja, não foi escolha dessas pessoas (SHAPIRO, 2014: 8). Assim, podemos notar que, a teoria de Lenneberg segue adiante, uma vez que uma doença não é uma escolha cultural, mas uma exceção a norma natural (mãos são sempre biologicamente distintas dos pés). O andar bípede segue como o melhor exemplo para Lenneberg, a respeito da linguagem.

3. A linguagem humana: Lenneberg e Mattoso Camara Jr. Sendo contemporâneos e atuando na mesma área, a Linguística, Mattoso Camara Jr. e Eric Lenneberg, seguiram por caminhos bem diferentes, como já mostramos anteriormente, com respeito à condição da linguagem ser um elemento cultural ou biológico da humanidade. Em suma, para Camara Jr., a linguagem [...] é vocal, fundamentada em sons produzidos por um conjunto de órgãos que constituem o aparelho fonador. Não é, entretanto, inerente ao organismo humano, mas ao contrário um “fato de cultura”, concretizando-se em sistemas “arbitrários” de comunicação vocal, ou línguas, que cabe à lingüística estudar em seus princípios diretores. Em relação à cultura integral de uma comunidade humana, a língua é uma de suas manifestações, mas dela se destaca como um microcosmos cultural, que a engloba e comunica. Assim, a lingüística se aproxima e se distingue, ao mesmo tempo, da antropologia cultural, ou etnologia, e da psicologia; e as relações, destarte existentes, condicionam disciplinas intermediárias — a etnolingüística e a psicolingüística [...] (CAMARA JÚNIOR, 1973: 33-34).

Por sua vez, Lenneberg rebate, mencionando que Há entre os cientistas sociais uma tendência a considerar a linguagem como um fenômeno puramente aprendido e cultural, um instrumento engenhosamente concebido, introduzido de forma proposital para desempenhar funções de natureza social, a veste artificial de uma capacidade geral e amorfa denominada inteligência. Não nos ocorre encarar a possibilidade de que o homem possa estar equipado com propensões biológicas altamente especializadas que favorecem e até mesmo dão forma ao desenvolvimento da fala na criança e que as raízes da língua possam estar tão profundamente fundadas na nossa constituição natural quanto, por exemplo, a nossa predisposição para usar as mãos. O propósito dêste trabalho é demonstrar a possibilidade lógica – para não dizer probabilidade – de tal situação. Consideramos que ter as ideias claras a respeito do problema dos fundamentos biológicos da fala é da maior importância na formulação de questões e hipóteses relativas à função, mecanismo e história da língua (LENNEBERG, 1964: 55).

A perspectiva da “biolinguagem” tem crescido nos últimos anos, o que nos leva a compreender que os estudos que fundamentam as “bases biológicas da linguagem” estão bem mais embasados cientificamente (atualmente) do que aqueles defendidos por Camara Jr., que apenas considerava o meio cultural como fundamental para o desenvolvimento/existência da

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linguagem humana, sendo que os estudos de neurolinguística, desde a década de 1950, têm contribuído para a tese/hipótese de Lenneberg.

Lenneberg contribuiu para a aproximação da ciência da linguagem aos estudos das ciências naturais, como a Biologia. Isso implica dizer que falar de linguagem é remeter ao biológico, bem mais que o social. Dessa forma a linguagem será semelhante ao andar bípede, isto é, baseada em “predisposições anatômicas e fisiológicas muito específicas” (1964: 92), em comparação com a escrita que, segundo o Lenneberg se baseia em “predisposições gerais” (1964: 92). Isso indica que a linguagem humana possui uma lógica estrutural que se mantém entre as diversas comunidades falantes do mundo. Assim complementa a autora Maria Carlota Rosa: [...] A faculdade da linguagem, com que todos os seres humanos nascem, designa a representação do conhecimento linguístico na mente. Ao nascer um indivíduo tem esse conhecimento em nível mínimo. É o estágio inicial (ou E0), também denominado gramática universal (GU), a base inata que tornará possível o desenvolvimento de qualquer língua (ROSA, 2010: 54 apud VELOSO, 2010: 252).

A aproximação da linguagem aos estudos da Biologia, ou mais precisamente da Neurociência, deu origem ao campo de estudos da Neurolinguística. Portanto, como nos mostra a autora, enxergar a linguagem, é entendê-la concebida primeiramente no espaço físico encontrado no cérebro.

4. Conclusão Assim sendo, concluímos que na segunda metade do século XX, encontramos teorias que inseriam a linguagem no campo da neurobiologia, aproximando essa área, que até o momento era vista essencialmente dentro das ciências humanas, das ciências naturais. Vimos como a hipótese de Lenneberg a respeito do andar bípede como sendo um exemplo para a linguagem é válida, pois ainda não existem provas contrárias, que mostrem que existam não só grupos humanos que culturalmente optam por andar como quadrúpedes, mas também que desenvolvam a capacidade da linguagem humana por imposição cultural. Ou seja, esses estudos de Lenneberg contribuíram para perceber que a linguagem inicia não na fala aprendida pelo convívio social, mas numa gramática primordial existente na mente (fisicamente no cérebro), que, caso sofra alguma lesão, torna prejudicada a capacidade motora e cognitiva da linguagem.

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Referências CAMARA JUNIOR, Joaquim Mattoso. 1973. Princípios de linguística geral. 4ª ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Acadêmica. LENNEBERG, Eric H. 1964. A capacidade de aquisição da linguagem. Trad. Miriam Lemle. In: COELHO, Marta; LEMLE, Miriam & LEITE, Yonne, org. Novas perspectivas lingüísticas. Petrópolis: Vozes. p. 55-92. PINKER, Steven. 1994. The language instinct: How the mind creates language. New York: William Morrow. ROSA, Maria Carlota. 2010. Introdução à (Bio)Linguística. São Paulo: Contexto. SAPIR, Edward. [1921]. A linguagem: introdução ao estudo da fala. Trad. J. Mattoso Camara Jr. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1971. SHAPIRO L.J., COLE W.G., YOUNG J.W., RAICHLEN D.A., ROBINSON S.R., et al. (2014) Human Quadrupeds, Primate Quadrupedalism, and Uner Tan Syndrome. PLoS ONE 9(7): e101758. doi:10.1371/journal.pone.0101758. Disponível em: . VELOSO, João. 2010. Recensão crítica de: Maria Carlota Rosa. Introdução à (Bio)Linguística. Linguagem e Mente. São Paulo SP: Contexto. 2010. 207 pp. Linguística – Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto. Vol. 5: 247-255.

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