O ANTICIENTÍFICO PARADÍGMA DAS CIÊNCIAS ECONÔMICAS

June 1, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Sociology, Economics, Development Economics, Social Sciences, Sustainable Development
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O ANTICIENTÍFICO PARADÍGMA DAS CIÊNCIAS ECONÔMICAS Fernando Alcoforado* Nenhuma escola de pensamento econômico considerou a economia como um sistema aberto. Todas as escolas de pensamento econômico — da marxista aos neoclássicos, da keynesiana à schumpeteriana, etc. — compartilham uma visão de sistema econômico isolado do ambiente natural. Assim, a visão do sistema econômico como sendo circular e fechado tem orientado as mais diversas escolas e teorias. O pensamento de GeorgescuRoegen (1906-1994), economista romeno, representa o rompimento com o paradigma que considerava o sistema econômico como um sistema fechado. Georgescu-Roegen afirma que o sistema econômico é apenas um subsistema de um sistema maior chamado meio ambiente. O sistema econômico (enquanto atividade produtiva) deveria estar submetida a um sistema maior chamado ambiente, e não o contrário. É questionável, portanto, o fato de ainda prevalecer no ensino das ciências econômicas, o paradigma que insiste em orientar tal campo do conhecimento baseando, como pressuposto de análise geral, apenas a visão do diagrama de fluxo circular, envolvendo empresas e famílias, de um lado, e os mercados de bens e serviços e de fatores de produção, de outro. Dessa visão estreita do sistema econômico sobre um fluxo circular “fechado” que não permite inputs do ambiente e outputs para o ambiente, é importante destacar que o diagrama do fluxo circular apresenta uma visão irreal de qualquer economia, por considerá-la como um sistema isolado no qual nada entra do meio ambiente natural e nada sai para o meio ambiente natural, uma vez que nessa concepção nada existe no exterior dele mesmo. O diagrama de fluxo circular é estritamente uma representação da circulação do dinheiro na economia e dos bens em sentido inverso. Se fosse um sistema aberto interagindo com o meio ambiente, o sistema econômico deveria considerar no cálculo do PIB, além do consumo das famílias e das empresas, investimento das empresas e do governo, consumo do governo, receita com exportação e despesa com importação, o custo ambiental resultante do esgotamento dos recursos naturais do planeta e o custo ambiental resultante da poluição dos solos, recursos hídricos, oceanos e do ar. No sistema econômico fechado, o cálculo do PIB não inclui esses custos ambientais. O modelo de sistema econômico hoje adotado não considera na saída a poluição e os resíduos para o ambiente e não considera na entrada matéria e energia do ambiente como recursos limitados. Além disso, no modelo de sistema econômico hoje adotado não é levado em conta, também, o fato de ser ele um sistema dinâmico que nunca alcança a situação de equilíbrio que requer, sistematicamente, ajustes constantes em sua operação. O modelo de sistema econômico hoje adotado opera como se fosse uma máquina de moto-perpétuo, ou seja, uma máquina capaz de produzir trabalho ininterruptamente independentemente do meio ambiente natural. Todavia, isso é irreal porque contradiz umas das principais leis da Física: a primeira lei da termodinâmica, da conservação da energia. Sobre esta questão, é recomendável recorrer ao físico italiano Enrico Fermi (1901-1954) que define a primeira lei da termodinâmica como sendo a afirmação do princípio de conservação da energia para sistemas termodinâmicos. Como tal, pode ser expressa do seguinte modo: A variação de energia num sistema durante qualquer transformação é igual à quantidade de energia que o sistema troca com o ambiente. A 1

visão estreita da economia não prevê troca com o meio ambiente desobedecendo a lei da conservação da energia. O modelo de sistema econômico hoje adotado não respeita, também, a segunda lei da termodinâmica, a lei da entropia, porque apresenta rendimentos decrescentes em sua operação como é o caso da tendência decrescente do crescimento econômico do PIB mundial e da taxa de lucro no sistema capitalista mundial. Parece, portanto, evidente que a entropia que ocorre no mundo material se reflete, também, na atividade econômica. O enunciado Kelvin-Planck fala da impossibilidade do "motor ideal" ou moto-perpétuo porque toda máquina sempre produzirá energia a ser utilizada com desperdício de parte desta em calor a ser perdido. Analogamente, toda economia ou máquina de produção de riqueza consome materiais e energia do ambiente com desperdício de parte deles sob a forma de resíduos que retornam para o ambiente. Com base nesses argumentos, trata-se de um imperativo a quebra do paradigma vigente na análise de sistemas econômicos que desconsidera a existência de uma estreita e profunda relação entre a economia e o ambiente. Georgescu-Roegen discorreu que energia, economia, entropia e ecologia eram termos e conceitos que não deviam ser discutidos (e ensinados) em separado, como até então se praticava e ainda se pratica hoje (GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas. The Entropy Law and the Economic Process. Cambridge: Harvard University Press, 1971). Para Georgescu-Roegen, o futuro da economia não deveria estar condicionado a taxas altas de crescimento do produto, mas, ao contrário deveria considerar a necessidade do “decrescimento econômico”, pois o progresso, nos moldes em que estava se consolidando, era potencialmente gerador de caos e desordem. Até a década de 1970, pouco ou quase nada se falava de forma enfática nos chamados “limites do crescimento econômico”. O posicionamento de Georgescu-Roegen sobre a necessidade de questionar o crescimento econômico foi anterior à primeira conferência em escala internacional em Estocolmo para se discutir a atividade econômica e seus impactos sobre o meio ambiente. Onze anos depois desse primeiro encontro em Estocolmo, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a“Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento” que produziu, tempos depois, o Relatório Brundtland, “Nosso Futuro Comum”, complementando outro importante relatório produzido pelo Clube de Roma, em 1972, “The Limits to Growth”, (Os Limites do Crescimento) que descrevia as interações catastróficas entre as ações humanas e seus impactos ambientais. O ponto principal do Relatório Brundtland era o de que a economia global deve atender às necessidades e desejos legítimos das pessoas, mas o crescimento teria de se adequar aos limites ecológicos do planeta coincidente com o posicionamento de GeorgescuRoegen. O Relatório Brundtland ainda atestava que a humanidade tem a capacidade de tornar o desenvolvimento sustentável – de assegurar que ele atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender às suas próprias necessidades. A partir desses encontros internacionais, a comunidade acadêmica começava a ensaiar suas observações consistentes sobre a relação economia e meio ambiente. Ao afirmar que era fundamental que todos entendessem que o desenvolvimento humano dependeria da retração da atividade econômica e não de uma expansão sem freios e a qualquer preço que tem sido a prática de todos os países do mundo ao longo da história, 2

a visão de Georgescu-Roegen constitui realmente um rompimento com o paradigma dominante na Economia. A consideração da Lei da Entropia no raciocínio econômico proposta por Georgescu-Roegen exigiria revisões profundas no corpo teórico convencional, a começar pela representação básica do funcionamento de um sistema econômico. A noção de entropia tem implicações epistemológicas drásticas para todo o edifício teórico do paradigma dominante na Economia. Entretanto, a ruptura maior está na admissão de que o processo de geração de ordem (estabilidade econômica), que é o objetivo da produção econômica vem necessariamente acompanhado da geração de desordem. Esta engloba desde impactos ambientais locais até o fenômeno das mudanças climáticas antropogênicas catastróficas. O primeiro passo, segundo Georgescu-Roegen, consiste no abandono do paradigma que considera o sistema econômico como um sistema fechado. *Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: [email protected].

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