O Arco Norte da fronteira brasileira: entre a lógica militar de defesa e segurança e os projetos de infraestrutura e integração da América do Sul. Anais do IX ENABED. Florianópolis-SC: ABED, 2016.

June 1, 2017 | Autor: C. Pereira Carnei... | Categoria: Border Studies, Borders and Frontiers, Fronteras, Zonas De Fronteira
Share Embed


Descrição do Produto

IX Encontro Nacional – ENABED 2016 Florianópolis, 06 a 08 de julho de 2016

Área temática: AT5 - Forças Armadas, Estado e Sociedade

O ARCO NORTE DA FRONTEIRA BRASILEIRA: ENTRE A LÓGICA MILITAR DE DEFESA E SEGURANÇA E OS PROJETOS DE INFRAESTRUTURA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL

Camilo Pereira Carneiro PPGEEI-UFRGS

Resumo: O Arco Norte da fronteira do Brasil é uma zona estratégica do território nacional, tanto pela presença de imensas reservas minerais, como pelo fato da Amazônia ser a região de maior biodiversidade do planeta. Essa porção do território nacional constitui uma zona vulnerável em termos de segurança e defesa, em virtude da baixa densidade demográfica e por abranger seis das dez díades que o país possui com seus vizinhos sul-americanos. Trata-se de um território historicamente gerido sob uma lógica militar que enfatiza as tradicionais funções da fronteira de controle e separação. O processo de ocupação da região pelas tropas luso-brasileiras teve início no século XVII, quando o planejamento governamental passou a implementar a ocupação da fronteira setentrional por meio da instalação de colônias militares. Algumas delas, posteriormente, dariam origem a núcleos populacionais importantes. Quatro séculos após a conquista e ocupação da porção norte da Amazônia brasileira, as Forças Armadas continuam tendo papel fundamental na manutenção do território. Todavia, nos últimos anos, o governo federal brasileiro tem mostrado um duplo enfoque para a fronteira, pois, ao mesmo tempo em que reforça funções tradicionais, através de operações como Sentinela e Ágata, também atribui novas funções, como integração e contato, por meio de iniciativas como o COSIPLAN-IIRSA e o PAC 2. As novas infraestruturas e as operações militares têm alterado o cenário de algumas localidades, em especial o das cidades que as recebem. O presente trabalho tem o objetivo de analisar os impactos causados nas últimas duas décadas pela política governamental de defesa e pelos projetos de infraestrutura no Arco Norte da fronteira brasileira.

Palavras-chave: Arco Norte; Amazônia; defesa; COSIPLAN-IIRSA; Ágata; Calha Norte; integração sul-americana.

1. INTRODUÇÃO

Composto por áreas da faixa de fronteira dos estados do Amapá, Pará, Amazonas, Roraima e Acre, o Arco Norte da fronteira do Brasil é uma zona estratégica do território nacional, tanto pela presença de imensas reservas minerais, como pelo fato da Amazônia ser a região de maior biodiversidade do planeta. Essa porção do território nacional constitui uma zona vulnerável em termos de segurança e defesa, em virtude da baixa densidade demográfica, que varia entre 2,01 hab./km², em Roraima, e 6,07 hab./km², no Pará (IBGE, 2010), como também por abranger seis das dez díades que o país possui com seus vizinhos sul-americanos. Trata-se de um território historicamente gerido sob uma lógica militar que enfatiza as tradicionais funções da fronteira de controle e separação. A partir do século XVII, em virtude da ameaça representada pelas investidas de ingleses, franceses e holandeses, Portugal estabeleceu uma série de fortificações militares para a defesa de seus domínios na Amazônia. Dessa maneira, surgiram o Forte do Castelo do Senhor Santo Cristo do Presépio de Belém (1616), o Forte de São José da Barra do Rio Negro (1669), o Forte dos Tapajós de Santarém (1697), o Forte de São Gabriel da Cachoeira (1763), a Fortaleza de São José de Macapá (1764), o Forte de São Joaquim do Rio Branco (1775), o Forte de São Francisco Xavier de Tabatinga (1776), etc. Muitas dessas fortificações dariam origem a importantes cidades, como Belém, Manaus, Macapá, entre outras. De acordo com Costa (2014), as fortificações na Amazônia faziam parte da política da Coroa Portuguesa de fortificar, demarcar, ocupar e povoar a região. Idealizador da estratégia, o Marquês de Pombal objetivava substituir as missões religiosas por freguesias, confiada a representantes do rei e a militares. Quatro séculos após a conquista e ocupação da porção norte da Amazônia brasileira, as Forças Armadas continuam tendo papel fundamental na manutenção do território, sobretudo através dos Pelotões Especiais de Fronteira (PEF). Subordinados ao Comando Militar da Amazônia (CMA), que tem jurisdição sobre a área da 8ª Região Militar / 8ª Divisão de Exército, com sede em Belém e sobre a 12ª Região Militar, com sede em Manaus, os PEF são responsáveis pela vigilância da fronteira, cooperando ainda com a vivificação dessas áreas, remotas e de difícil acesso (MIRANDA; NASCIMENTO, 2013). De acordo com Becker (2004), o governo brasileiro, em resposta à situação de vulnerabilidade das fronteiras da Amazônia setentrional, tem se manifestado por meio de três estratégias de defesa: projetos militares, como o Programa Calha Norte e o SIVAM/SIPAM; propostas de criação de novos estados e territórios (no que tange ao Arco Norte, no Congresso Nacional existem propostas para a criação dos estados de Solimões e

de Juruá e dos territórios do Alto Rio Negro e de Oiapoque); e a integração física sulamericana, por meio de iniciativas como o COSIPLAN-IIRSA.

2. PROGRAMAS FEDERAIS E A DEFESA DA AMAZÔNIA SETENTRIONAL

A Amazônia brasileira possui cerca de 9 milhões de habitantes e abriga 30% da população indígena do país. O cotidiano da população amazônica é caracterizado pela escassez de remédios, escolas, transporte público e atendimento médico. Além disso, o acesso a boa parte dos municípios é um entrave ao desenvolvimento da região (BRASIL, 2016). Com o objetivo de reprimir crimes como o narcotráfico, o contrabando de armas, a biopirataria, a exploração ilegal de madeira e minérios, além de impedir invasões estrangeiras, o governo do Brasil criou, em 1921, os Pelotões Especiais de Fronteira (PEF). Com efetivo entre 20 e 80 soldados cada um, os primeiros PEF foram criados nas díades com Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela e Guiana. Em 2013, o Comando Militar da Amazônia contava com 27 Pelotões Especiais de Fronteira e Destacamentos Especiais de Fronteiras (DEF), instalados ao longo da faixa de fronteira do Brasil com sete países amazônicos. Atualmente, seis estados da Amazônia brasileira contam com PEF, muitos dos quais foram instalados no âmbito do Programa Calha Norte, criado na década de 1980, com o objetivo de defender a fronteira setentrional amazônica (MIRANDA; NASCIMENTO, 2013). Praticamente abandonado por anos, devido à falta de verbas, no início do século XXI, o Programa Calha Norte começou a ser resgatado com vistas a subsidiar a estratégia de desenvolvimento do governo federal para a Amazônia setentrional. A partir do ano 2000, além do Calha Norte, começam a surgir outros programas e iniciativas com enfoque no Arco Norte da fronteira brasileira, na maioria das vezes dotados de um viés militar, mas em alguns casos contendo também um viés integracionista. Dentre esses, podem ser citados a IIRSA, a Operação COBRA1, o SIVAM/SIPAM e o Plano Estratégico de Fronteiras. Esses programas e iniciativas defendidos por um discurso oficial desenvolvimentistaintegracionista, no entanto, sofreram críticas por uma parte da academia. De acordo com Baines (2013), o Programa Calha Norte, bem como o COSIPLAN-IIRSA e o SIVAM/SIPAM constituem iniciativas promovidas pelo governo federal brasileiro que englobam um conjunto de políticas econômicas para regiões como a Amazônia setentrional. Tais iniciativas, que 1

A Operação COBRA foi criada no ano 2000, sendo realizada pela Polícia Federal, com o apoio logístico das Forças Armadas. Trata-se de um conjunto de ações desenvolvidas para a proteção da fronteira Brasil-Colômbia, com vistas a combater sistemas produtivos de entorpecentes estabelecidos na região fronteiriça (BECKER, 2004).

segundo o discurso oficial, serviram para revigorar uma relação de cooperação idealizada no antigo Tratado de Cooperação Amazônica, assinado pelos países amazônicos em 1978, apoiariam, na realidade, a expansão capitalista na Amazônia.

2.1 O PROGRAMA CALHA NORTE

No sentido de promover o desenvolvimento ordenado e sustentável e vigiar e proteger as fronteiras setentrionais do Brasil, em 1985, o governo federal criou o Programa Calha Norte (PCN), que é coordenado pelo Ministério da Defesa, conta com a participação das Forças Armadas, que implementam as ações, e têm como objetivo principal a defesa da soberania brasileira na Amazônia. Embora tenha nascido com a preocupação de promover uma presença mais efetiva do Estado e a ocupação militar de uma faixa do território nacional situada ao norte da calha dos rios Solimões e Amazonas, o PCN sofreu algumas alterações nos últimos trinta anos. Atualmente, o programa abrange também os estados de Rondônia e Acre, localizados ao sul da calha do Solimões e do Amazonas, e sua área de abrangência ocupa 1,2 milhões de quilômetros quadrados, o que corresponde a 15% do território brasileiro (BRASIL, 2016). O Programa Calha Norte transcende o aspecto de vigilância, atendendo às carências das comunidades locais, tanto por meio da implantação de obras de infraestrutura como portos, pontes e rodovias, como também pela construção de escolas, hospitais, poços de água potável e redes de energia elétrica. As ações são promovidas através de convênios entre o Ministério da Defesa, as Forças Armadas e governos estaduais e municipais. Funcionando em 194 municípios, em seis estados da região Amazônica, uma das maiores contribuições do PCN para o desenvolvimento da fronteira setentrional do Brasil é a fixação da população amazônica em suas comunidades, o que serve para coibir o êxodo demográfico e a ocorrência de atividades ilícitas (BRASIL, 2016). O Programa possui onze ações, sendo três projetos (construção de embarcações para segurança e controle da navegação fluvial; implantação de infraestrutura básica nos municípios da região; e implantação de unidades militares); e oito atividades (que consistem em manutenção e conservação da infraestrutura da região, apoio aéreo e assistência às comunidades locais). No que tange à implantação e ampliação de unidades militares, os Pelotões Especiais de Fronteira do Exército Brasileiro (destacados em verde na figura 1) implantados a partir do Programa Calha Norte têm a função de fortalecer o poder estatal na região, auxiliando na defesa da soberania nacional, inibindo a proliferação de crimes, além de servir de núcleo de colonização e apoio às comunidades locais.

Figura 1 – Mapa dos Pelotões Especiais de Fronteira do Programa Calha Norte

Fonte: Elaborado pelo autor (2016).

Na direção contrária ao discurso oficial, Oliveira (1990) entende que no Programa Calha Norte, os interesses militares/estratégicos seriam apenas uma parte das intenções originárias do seu órgão idealizador, o Conselho de Segurança Nacional (renomeado de Conselho de Defesa Nacional pela CF/1988). Dentre os objetivos do programa estariam também: a ampliação da infraestrutura viária; a aceleração na produção de energia hidrelétrica; a interiorização de polos de desenvolvimento econômico; e a ampliação da oferta de recursos sociais básicos. O referido autor destaca ainda que o potencial mineral seria priorizado como a principal riqueza regional.

2.2 O SISTEMA SIVAM/SIPAM

Alguns programas do governo federal, ainda que não tenham um enfoque exclusivo na zona de fronteira, geram impactos expressivos nesta. Caso do SIVAM/SIPAM, criado pelo governo brasileiro no início do século XXI com o objetivo de assegurar o controle, proteção e monitoramento da Amazônia Legal. De acordo com Becker (2004), o sistema foi uma resposta às pressões internacionais, tendo sido inspirado em uma estratégia de defesa contra a intervenção territorial externa em nome da droga e do meio ambiente. Inaugurado em 2002, o sistema SIVAM/SIPAM consiste em um gigantesco projeto do governo federal do Brasil pautado na utilização de tecnologia moderna (fornecida pela

empresa estadunidense Raytheon), inspirado em uma estratégia de defesa contra o tráfico internacional de drogas e crimes ambientais. No que tange à estrutura organizacional do sistema, o SIPAM (Sistema de Proteção da Amazônia) ficou sob coordenação da Casa Civil da Presidência da República, enquanto o SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia) foi colocado sob tutela do Ministério da Defesa (BECKER, 2004). No âmbito do SIVAM, o Comando da Aeronáutica recebeu grande quantidade de equipamentos e sistemas de computação que servem para aumentar a segurança de vôos e a vigilância do espaço aéreo brasileiro na Amazônia. Quanto ao SIPAM, além da defesa das áreas de fronteira, o sistema funciona também no controle do desmatamento; no combate à biopirataria; na proteção dos parques nacionais; na proteção das reservas indígenas e dos recursos minerais estratégicos, além de auxiliar programas sociais direcionados a populações da Amazônia. O sistema SIVAM/SIPAM é um instrumento de grande potencial para a cooperação entre os países amazônicos, sobretudo porque seus radares de grande alcance também monitoram áreas que se encontram além dos limites internacionais brasileiros, uma parte da Amazônia que não pertence ao Brasil. Um fato que poderia facilitar a elaboração de políticas conjuntas de defesa para a região.

3. O PLANO ESTRATÉGICO DE FRONTEIRAS

Criado em 2011, o Plano Estratégico de Fronteiras (PEF) originou duas operações: a Operação Sentinela e a Operação Ágata. A primeira é de caráter permanente e está subordinada ao Ministério da Justiça, sendo de responsabilidade da Polícia Federal. A segunda tem caráter eventual e está sob a coordenação do Ministério da Defesa e do Comando do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), cabendo sua execução às Forças Armadas. Além do combate a ilícitos, a Operação Ágata contempla também ações cívico-sociais, que consistem em atividades como atendimento médico, odontológico e hospitalar aos locais onde se concentram famílias carentes. Ainda no âmbito do Plano Estratégico de Fronteiras, em 2011 foi criado o Programa ENAFRON (Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras), cujo plano operacional abarca 588 municípios brasileiros e prioriza o combate ao tráfico de armas e drogas, crimes financeiros, fiscais, ambientais e homicídios. As ações da ENAFRON são realizadas em trinta e quatro pontos identificados como vulneráveis ao longo da faixa de fronteira do Brasil. Nas operações, atuam em conjunto homens do Exército Brasileiro, da Força Nacional, da Polícia Federal e da Polícia Civil.

3.1 OPERAÇÃO ÁGATA

Em 2011, teve início a Operação Ágata, cujo objetivo é o fortalecimento da segurança das fronteiras terrestres do Brasil no sentido de prevenir e reprimir a criminalidade na faixa de fronteira. Ao longo da Operação Ágata, militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica vêm realizando missões táticas destinadas a coibir crimes como narcotráfico, contrabando e descaminho, tráfico de armas e munições, imigração ilegal, garimpo clandestino e tráfico de animais. As ações desenvolvidas na Operação Ágata abrangem a vigilância do espaço aéreo e operações de patrulha e inspeção em rios e estradas da faixa de fronteira. Doze ministérios e vinte agências governamentais participam das ações, que têm o planejamento e a mobilização realizados de forma integrada por militares das Forças Armadas e agentes de segurança pública nos níveis federal, estadual e municipal (a saber: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional de Segurança Pública, Agência Brasileira de Inteligência, IBAMA, FUNAI, Receita Federal e órgãos de segurança estaduais). De todos os programas voltados à faixa de fronteira do Brasil, a Operação Ágata se destaca em virtude de reunir políticas integradas não somente entre Marinha, Exército e Aeronáutica, como também por contar com a participação de órgãos federais da esfera civil, em uma articulação contínua entre militares das Forças Armadas e agentes de segurança pública das três esferas de governo. Criada em meio a uma demanda motivada pela crescente interação transfronteiriça, a Operação Ágata vem ocorrendo ao longo da faixa de fronteira do Brasil, em quatro áreas delimitadas pelas Forças Armadas, onde ocorrem ações lideradas pelos Comandos Militares do Sul, do Oeste, da Amazônia e do Norte. As edições da Operação Ágata vêm sendo caracterizadas pela apreensão de grande quantidade de bens oriundos do descaminho e do contrabando. Na 10ª edição da Operação Ágata, por exemplo, a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, baseada em Roraima, apreendeu mais de 200 mil reais em materiais oriundos do descaminho (ROCHA, 2015). Em junho de 2016, foi deflagrada a 11ª edição da Operação Ágata, tendo como objetivo o combate a crimes transfronteiriços e ambientais. Essa edição da operação foi planejada para ser desenvolvida em áreas limítrofes da Amazônia e estados do oeste e sul do país.

4. A INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA: A INICIATIVA COSIPLAN-IIRSA

Criada no ano 2000, a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional SulAmericana (IIRSA) constitui um programa que reúne os doze países da América do Sul. No momento de sua criação, o pano de fundo eram as exigências e novos desafios da globalização e da inserção sul-americana na economia mundial. No entanto, a materialização da iniciativa se deve, sobretudo, à determinação do Estado brasileiro em realizar grandes projetos de infraestrutura no sentido de reforçar o papel de liderança do Brasil no cenário sul-americano. Idealizada com o objetivo oficial de promover a integração física dos países da América do Sul por meio da modernização da infraestrutura de transportes, energia e telecomunicações, em 2009, a IIRSA foi incorporada ao Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) como um Foro Técnico responsável pela Carteira de Projetos de Infraestruturada União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). Além dos países membros e de empresas do setor privado, estão envolvidas no projeto três instituições financeiras multilaterais: Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF) e Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA). Todavia, o BNDES tem se destacado como maior financiador dos projetos da carteira do COSIPLAN-IIRSA. O banco público brasileiro tem disponibilizado recursos a empresas brasileiras para a exportação de bens e serviços, incluindo serviços de engenharia e construção. Durante os governos Lula e Dilma, o BNDES, ao mesmo tempo em que financiou obras em prol da integração da América do Sul, também serviu à internacionalização de grandes empreiteiras brasileiras, como Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Carioca, OAS e EIT. Críticos à iniciativa, como Luce (2007), têm afirmado que o banco atua como agente econômico brasileiro no COSIPLAN-IIRSA, ao projetar os interesses nacionais sob a retórica da integração sul-americana. Além disso, as empreiteiras brasileiras gozariam de uma reserva de mercado, visto que ao contar com o apoio do BNDES, asseguram uma presença competitiva para as licitações pelos contratos das obras de infraestrutura. Por fim, ganhos de escopo também seriam contemplados na exigência de aquisição de máquinas e equipamentos brasileiros, o que beneficia a indústria de bens de capital do país. Apesar das críticas, originalmente a COSIPLAN-IIRSA foi concebida sob o princípio do regionalismo aberto, tendo nascido com o objetivo oficial de eliminar os gargalos e as barreiras internas ao comércio no espaço geoeconômico sul-americano por meio da implementação de projetos que sustentem as atividades produtivas de escala regional.

No âmbito do COSIPLAN-IIRSA, foi definida a Agenda de Projetos Prioritários de Integração no intuito de reorganizar o espaço sul-americano em faixas multinacionais que concentram fluxos de comércio existentes e potenciais. Tais faixas foram organizadas em dez eixos de integração e desenvolvimento, ou EIDs: Amazonas, Andino, Andino do Sul, Capricórnio, Do Sul, Escudo das Guianas2, Hidrovia Paraná-Paraguai, Interoceânico Central, MERCOSUL-Chile e Peru-Brasil-Bolívia. Juntos, os eixos reúnem cerca de 600 projetos, com investimentos estimados em US$ 182 bilhões (COSIPLAN-IIRSA, 2016). Os EIDs constituem corredores articulados pela infraestrutura de transportes, energia e comunicações que facilitam os fluxos de bens e serviços, pessoas e informações, tanto dentro do seu próprio território como em relação ao resto do mundo. São destinados, em larga medida, a facilitar a exportação de matérias-primas. No que tange à Amazônia setentrional brasileira, dois EIDs contemplam seu território: o Eixo do Amazonas e o Eixo Escudo das Guianas (figura 2). Figura 2 – Mapa dos EIDs originais na Amazônia setentrional brasileira

Fonte: Elaborado pelo autor (2016).

Um dos principais objetivos dos EIDs é facilitar a interconexão oceânica. Permitir que o fluxo de produtos circule internamente, com maior facilidade, de um lado a outro da 2

O Escudo das Guianas também é conhecido por Planalto das Guianas.

América do Sul, facilitando o escoamento principalmente de commodities em direção à Ásia, à Europa e à América do Norte (FERNÁNDEZ, 2012). Nesse sentido, o Eixo do Amazonas se destaca como um dos corredores mais importantes da iniciativa, reunindo projetos voltados à interligação de portos do Pacífico (Tumaco, na Colômbia; Esmeraldas, no Equador; e Paita, no Peru) a portos do Atlântico (como Belém, na foz do rio Amazonas). Esse eixo potencializa a passagem de minérios dos Andes em direção à Europa e de produtos amazônicos (carne, madeira e soja) em direção aos continentes asiático e norteamericano (FUSER, 2008). Composto originalmente por três projetos estruturantes (Eixo Viário Paita-TarapotoYurimaguas; Eixo Viário El Callao-La Oroya-Pucallpa; e Acesso Nordeste ao Rio Amazonas), o Eixo do Amazonas abarca corredores intermodais (fluvial, marítimo e rodoviário) cuja função é conectar as economias internamente. Na região Amazônica, o transporte hidroviário (marítimo e fluvial) possui grande importância em virtude da extensa rede hidrográfica. Isso explica a ênfase dos projetos do Eixo do Amazonas na promoção da infraestrutura de transportes e no fortalecimento dos serviços logísticos na Amazônia (PASSOS, 2013). No ano de 2013, foram incorporados à área do Eixo do Amazonas os nove estados da região Nordeste do Brasil e os estados de Tocantins e Goiás. Com essa alteração, o EID do Amazonas ampliado passou a constituir o maior de todos os eixos da iniciativa (COSIPLAN-IIRSA, 2016). Por sua vez, a porção da Amazônia setentrional que não foi inserida no Eixo do Amazonas foi incorporada no Eixo do Escudo das Guianas, para o qual o COSIPLAN-IIRSA estabelece um conjunto de projetos que reproduz um modelo extrativista e exportador através do agronegócio, da exploração mineral e florestal e da geração de energia proveniente de hidroelétricas (FERNÁNDEZ, 2012). O eixo está articulado em quatro grupos, que reúnem vinte projetos voltados, em sua maioria, à interligação da porção oriental da Venezuela à Amazônia setentrional brasileira e aos territórios da Guiana e do Suriname. Dezoito desses projetos estão relacionados ao setor de transportes e os outros dois aos setores de energia e telecomunicações. Até 2014, foram concluídos seis projetos, enquanto cinco estavam em execução, dois em préexecução e sete ainda em estudo (LIMA, 2015). Entre as obras concluídas destaca-se a ponte sobre o rio Tacutu, que conecta as cidades gêmeas de Bonfim (Brasil) e Lethem (Guiana). A ponte constitui um primeiro passo na direção da abertura de um novo corredor que irá facilitar o escoamento de produtos agrícolas e minérios da Amazônia. Um corredor que ainda depende da conclusão de outros projetos, como o planejado asfaltamento da estrada entre Lethem e Georgetown, assim como a ampliação do porto de Georgetown, que poderá receber embarcações de grande porte.

4.1 O COSIPLAN-IIRSA E A QUESTÃO INDÍGENA

No Brasil, o COSIPLAN-IIRSA e alguns programas federais, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), constituem o desdobramento de uma longa história de expansão dos Estados nacionais. No presente, essa expansão vem sendo articulada em âmbito internacional, na Amazônia, sobre áreas indígenas. No que tange a questão indígena, cabe destacar que no final dos anos 1980 foi implantada uma nova política indigenista no país, que ampliou a infraestrutura da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) na Amazônia e seguiu um modelo mal sucedido de ação indigenista na intenção de criar dependências, corromper e cooptar líderes indígenas, neutralizar os críticos e dividir os grupos. Além disso, no decorrer da elaboração do texto da Constituição de 1988 ocorreram pressões de grupos do setor de mineração no sentido de adequar a delimitação de áreas indígenas ao aproveitamento de seus recursos naturais no âmbito de projetos de desenvolvimento regional (OLIVEIRA, 1990). Embora nos últimos anos os indígenas tenham tido algumas conquistas a nível local, que amenizaram as duras condições em que se encontram, e ainda que tenha ocorrido um fortalecimento do protagonismo indígena, grande parcela das populações indígenas da Amazônia setentrional vem sofrendo os impactos de políticas neoliberais desenvolvidas pelos atuais governos nacionais da região. Tais políticas constituem um crescente desafio para as sociedades indígenas face ao aumento das desigualdades sócio-econômicas (BAINES, 2013). Projetos do COSIPLAN-IIRSA atingem diversas áreas indígenas. No que tange ao Eixo do Escudo das Guianas, por exemplo, algumas comunidades autóctones têm observado com desconfiança as obras da iniciativa. A preocupação de povos como os Wapichana e os Makuxi, cujos indivíduos habitam terras no Brasil e na Guiana desde a definição da fronteira internacional, em 1904, é corroborada por Baines (2013), que entende que com a internacionalização de políticas desenvolvimentistas, há o risco de que medidas governamentais que objetivam o crescimento econômico pautado no aumento da produção de grãos e da extração mineral ameacem as áreas indígenas. Em relação à mineração em terras indígenas, cabe ressaltar que essa atividade é permitida pela Constituição Federal de 1988 (art. 231, § 3°) desde que haja anuência dos povos indígenas e aprovação do Congresso Nacional. Para Baines (2013) a legislação dá respaldo à estratégia do governo federal, que desde o final da década de 1980 tem atuado junto a grandes empresas mineradoras, no sentido de facilitar a demarcação e homologação de algumas terras indígenas e, ao mesmo tempo, estimular povos indígenas a assinar acordos e contratos de exploração mineral com órgãos públicos e empresas privadas.

5. GARIMPEIROS: PRESENÇA BRASILEIRA NA AMAZÔNIA SETENTRIONAL

Políticas do governo federal direcionadas à Amazônia brasileira muitas vezes geram impactos nos países vizinhos. Nesse sentido, projetos de colonização e de mineração implantados pelo regime militar (1964-1985) na região Norte atraíram migrantes de outras partes do país (sobretudo do Nordeste), que passaram, ao longo do tempo, a ocupar áreas na zona de fronteira entre o Brasil e seus vizinhos do Planalto das Guianas. Grande parte do contingente de garimpeiros que se encontra hoje na Amazônia setentrional está relacionada ao Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste, criado em 1971. O programa acabou beneficiando grandes proprietários de terra, grandes empresas do Centro-Sul do país e multinacionais. Com isso, um grande contingente de migrantes (a maioria constituída por agricultores sem terra), atraídos pelo sonho da riqueza, não foi absorvido. Frente a um cenário de conflitos pela terra em virtude da concentração fundiária, a garimpagem se tornou uma alternativa de sobrevivência. Somado ao estímulo à migração promovido pelo governo federal, durante as décadas de 1970 e 1980, uma intensa febre do ouro ocorreu na Amazônia. Nesse período, a garimpagem conheceu uma grande expansão, que foi responsável por uma mobilidade sem precedentes na história da região. A garimpagem tornou-se rapidamente uma alternativa de sustento para milhares de brasileiros (OLIVEIRA, 2013). Limitada, em um primeiro momento, aos aluviões, onde eram aplicadas técnicas rudimentares, a garimpagem, em poucos anos, sofreu um processo de mecanização que trouxe para a Amazônia, além de pessoas sem terra, um contingente razoável de pequenos empresários com capital para investir. A atividade garimpeira em expansão era vista pelo governo federal como uma possibilidade de efetivar a ocupação do território amazônico e aumentar a produção de ouro do país, gerando impactos positivos para a balança comercial brasileira. Nesse contexto, o garimpeiro passou a ser visto como um pioneiro e um agente de apoio para projetos e colonização do governo federal, que, num primeiro momento, incentivou tanto os projetos de mineração como o garimpo manual. Foram criadas iniciativas como o Projeto Garimpo (1977) e o Grupo de Trabalho do Programa Nacional de Incremento à Produção Nacional de Ouro (1979), que tinham o objetivo de estabelecer regras e destinar áreas específicas para a garimpagem, bem como controlar a produção de ouro (OLIVEIRA, 2013). Não obstante, num segundo momento, o governo federal começou a controlar e fiscalizar o garimpo e a facilitar a ocupação desses por empresas de mineração. Situação que agravou conflitos existentes e provocou outros. Alguns conflitos chegaram a atingir a

faixa de fronteira e terras indígenas. Valendo-se da repercussão internacional dos conflitos e das manifestações em apoio às populações indígenas e contrárias ao garimpo, o governo federal iniciou uma política de criminalização e perseguição aos garimpeiros, que se materializou com a Operação Selva Livre (LIMA, 2015). Criada após a CF 1988, a Operação Selva Livre proibiu a garimpagem em terras indígenas e na faixa de fronteira. A situação dos garimpeiros ficou mais difícil desde então. A inadequação da legislação que rege a mineração e a garimpagem, somada à corrida pelo ouro relegaram grande parcela dos garimpeiros à informalidade. A partir de 1990, os garimpeiros passaram a ser retirados de terras indígenas e de outras áreas na Amazônia brasileira. Como consequência, parte desse contingente passou a migrar para o outro lado da fronteira, para destinos como Venezuela, Colômbia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Em 2010, o Itamaraty estimava que o número de garimpeiros brasileiros nesses países era de aproximadamente 60 mil indivíduos (BRASIL, 2010). Do outro lado da fronteira setentrional do Brasil, o garimpo foi responsável pelo surgimento de uma comunidade brasileira cujos indivíduos são provenientes, em sua maioria, dos estados do Maranhão, Amazonas e Pará. Em Paramaribo, por exemplo, o bairro Tourtonne é conhecido como Belenzinho por abrigar muitos brasileiros, dentre os quais um grande número de paraenses. No Suriname, os brasileiros trabalham, em sua maioria, como comerciantes, músicos ou garimpeiros e no caso das mulheres, na prostituição. Grande parte se encontra em situação irregular no país, estando sujeita à prisão e a achaques da polícia. Situação semelhante ocorre na República Cooperativa da Guiana. Por sua vez, na Guiana Francesa, os cerca de vinte mil brasileiros que atuam no garimpo têm dificuldades maiores, pois sofrem o combate das autoridades policiais francesas, que os perseguem e ao capturá-los, costumam queimar seus pertences e equipamentos, os prender e posteriormente os expulsar para o Brasil.

6. DESAFIOS NA FRONTEIRA SETENTRIONAL DA AMAZÔNIA

A precariedade da infraestrutura é uma característica de grande parte do território amazônico. Os órgãos responsáveis pela segurança do Arco Norte da faixa de fronteira do Brasil apresentam baixo grau de investimentos e carência de recursos humanos, materiais e financeiros. Há necessidade de mais aeronaves, sistemas de comunicação interoperáveis, instalações físicas e cães farejadores, por exemplo (BRASIL, 2015). Tal fato aumenta a vulnerabilidade dessa porção do território nacional e agrava sua condição de ambiente propício a ilícitos como o tráfico de drogas e de armas, entre outros.

Mesmo instituições como o Exército Brasileiro (EB) enfrentam grandes dificuldades na região. As instalações do EB nas áreas mais remotas da região de fronteira sofrem com a precariedade da infraestrutura de comunicações (problemas de conexão de internet, racionamento de energia elétrica, ausência de sinal de celular, telefonia fixa escassa), além de enfrentarem problemas relacionados ao abastecimento de água, combustíveis, comida e remédios, cujos carregamentos chegam a demorar até 45 dias, dependendo da disponibilidade de um avião (STOCHERO, 2013). Os Pelotões Especiais de Fronteira têm na logística uma dificuldade natural, pois os meios de transporte são precários. Não há rodovias e o sistema hidroviário não é equipado, muitos rios não são navegáveis durante alguns meses do ano. Alguns pelotões enfrentam problemas como pistas de pouso ruins e curtas demais, sem condições para grandes aeronaves, o que limita o contingente de militares mantidos no local. Outro problema enfrentado pelos Pelotões Especiais de Fronteira concerne à coordenação e a coerência, a serem exercidas pelos ministros da Justiça, da Defesa e da Fazenda. Não existe uma definição clara dos papéis e responsabilidades dessas instituições coordenadoras, assim como não há critério para designação de comando relativo às operações conjuntas ou para os colegiados no gerenciamento das ações. A situação de crise, em virtude da escassez de recursos e dos problemas de má gestão, parece não favorecer um prognóstico de melhora em curto prazo. Isso porque, nos últimos dez anos, a percentagem do PIB investido em defesa tem girado em torno de 1,5%, segundo o Ministério da Defesa (STOCHERO, 2013). Cabe destacar que entre 2011 e 2015 o PIB nacional (em dólares) registrou uma queda contínua. Somado a esse fato, nos últimos anos, as Forças Armadas vêm sofrendo com o contingenciamento de recursos. Perante a histórica escassez de recursos e as dificuldades representadas pela precariedade das infraestruturas, o governo federal desenvolveu uma estratégia para áreas remotas na Amazônia setentrional. Dessa forma, a zona de fronteira que abrange a porção norte do Pará, o noroeste do Amapá e as fronteiras políticas com Suriname e Guiana passou a ser concebida como “fronteira de preservação” (BECKER, 2004). Essa área se caracteriza pela dificuldade de acesso, pela diminuta densidade demográfica e pela presença de muitas áreas de conservação e terras indígenas. A estratégia do governo federal para essa porção da Amazônia brasileira é assegurar sua preservação com iniciativas como a criação de parques nacionais. Um exemplo foi a criação do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, em 2002, na faixa de fronteira amapaense. No que tange à gestão da faixa de fronteira na Amazônia setentrional, a atuação governamental tem se mostrado problemática. De acordo com auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), as ações governamentais direcionadas à faixa de fronteira estão sujeitas às prioridades estabelecidas em cada governo, não havendo, assim,

uma política nacional integradora de todos os entes, com a identificação de responsabilidades e redução de sobreposições e lacunas de competências. Segundo a auditoria, o Plano Estratégico de Fronteiras deixou de evidenciar as funções a serem exercidas por cada órgão (BRASIL, 2015). Para o TCU, a inexistência de um projeto que possibilite a visualização da coordenação do conjunto de componentes da política pública (insumos, atividades, produtos e impactos) inviabiliza a adoção de ações que caracterizem uma lógica de intervenção das políticas governamentais direcionadas à faixa de fronteira. Outro ponto destacado pelo tribunal foi o fato da participação social da população fronteiriça ser limitada. Apesar das dificuldades e problemas existentes, a auditoria do TCU deu destaque ao Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), administrado pelo Exército Brasileiro, que conta com uma rede de sensores instalados na linha de fronteira com o objetivo de gerar informações para a tomada de decisões. A previsão é de que em dez anos o sistema esteja implantado em toda a faixa de fronteira do Brasil.

7. CONCLUSÃO

O governo brasileiro ainda encontra muitos problemas para garantir o controle e a segurança em suas fronteiras, em especial no Arco Norte. Nesse sentido, apesar das críticas tecidas por alguns acadêmicos, iniciativas como o Programa Calha Norte, o SIVAM/SIPAM, as operações do Plano Estratégico de Fronteiras e mesmo o COSIPLANIIRSA significam o retorno do Estado no âmbito da ocupação, defesa e controle da Amazônia setentrional. Tais iniciativas, ao promoverem a presença do Estado, auxiliam no combate à criminalidade em uma área onde redes ilegais articulam os tráficos de drogas, armas e pessoas, além da promoção de crimes ambientais. Não obstante a existência das referidas iniciativas, recente auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União apontou que as práticas de governança de políticas públicas para o fortalecimento da faixa de fronteira precisam ser aperfeiçoadas. É necessário, para tanto, que sejam definidos instrumentos que possibilitem a construção de uma arquitetura interorganizacional eficaz para que as áreas de competência de cada ente governamental estejam claras e sob supervisão de agências públicas instaladas na fronteira. Nas últimas três décadas, a Amazônia setentrional brasileira vem sendo impactada por uma série de políticas públicas no âmbito da defesa e da integração, cuja implementação tem favorecido, concomitantemente, a expansão do Estado e a expansão do grande capital. Nesse contexto, destacam-se entre os beneficiados: as empreiteiras contempladas pela carteira de projetos do COSIPLAN-IIRSA; e as grandes mineradoras que atuam na Amazônia. Por sua vez, do lado dos perdedores estão: as comunidades

indígenas, cujas terras são alvo de cobiça pelo capital internacional; e os garimpeiros brasileiros que habitam o Planalto das Guianas, uma população cujo direito à cidadania é limitado tanto no exterior como em seu próprio país, mas que constitui um elemento geopolítico interessante para o Estado brasileiro em sua relação com os vizinhos da Amazônia setentrional. Por fim, cabe destacar que a realidade do Arco Norte vem sendo marcada, há décadas, por programas governamentais direcionados à fronteira que ou são interrompidos ou sofrem alterações de rumo a cada mudança de governo. Programas que comumente possuem uma gestão desorganizada, o que gera desperdício de recursos, já tão escassos. Em meio a esse cenário, o Exército Brasileiro, presente na região há mais de quatro séculos e hoje enfrentando problemas como o sucateamento de suas instalações e a escassez de recursos, segue exercendo um papel chave no controle do território nacional e na defesa do espaço amazônico. Não raramente, sendo a única instituição a levar a presença do Estado a comunidades isoladas aos olhos deste.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAINES, Stephen G. Povos indígenas na fronteira Brasil-Guiana e os megaprojetos de integração econômica. In: Ciência e Cultura, vol. 65, n° 1, São Paulo, jan. 2013.

BECKER, Bertha K. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. 172 p.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Governo brasileiro vai definir políticas para os garimpeiros brasileiros nas Guianas, Venezuela e Colômbia. In: Brasileiros no Mundo, 7 mai. 2010. Disponível em < http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br>. Acesso em: 9 jun. 2016.

___. TCU avalia governança em ações de faixa de fronteira. TCU Imprensa, 10 set. 2015. Disponível em . Acesso em: 9 jun. 2016.

___. Programa Calha Norte. Disponível em . Acesso em: 10 jun. 2016.

COSIPLAN-IIRSA. COSIPLAN: Foro técnico IIRSA. Disponível em . Acesso em: 12 jun. 2016.

COSTA, Graciete Guerra da. Fortificações na Amazônia. In: Revista Navigator, vol. 10, n° 20, 2014. Disponível em . Acesso em: 10 jun. 2016.

FERNÁNDEZ, Luis Ventura. Territorialidades e integração: o Escudo Guianês no contexto da iniciativa IIRSA. In: Textos & Debates, Boa Vista, n.21, p. 37-58, jan./jun. 2012.

FUSER, Igor. (IIRSA) Integração Regional: Infraestrutura a serviço do grande capital. In: EcoDebate:

Cidadania

&

Meio

Ambiente,

jul.

2008.

Disponível

em

. Acesso em: 10 jun. 2016.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Disponível em . Acesso em: 9 jun. 2016.

LIMA, Suely Aparecida de. Eixo Escudo das Guianas da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA): Possibilidades e Desafios. In: Anais do 5° Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI: Redefinindo a Diplomacia num Mundo em Transformação. Belo Horizonte, jul. 2015.

LUCE, Mathias Seibel. O subimperialismo revisitado: a expansão do capitalismo brasileiro e a política de integração do governo Lula da Silva na América Latina. Dissertação (Mestrado). Departamento de Relações Internacionais da UFRGS. Porto Alegre: UFRGS, 2007. 136 p.

MIRANDA, Wando Dias; NASCIMENTO, Durbens Martins. A defesa nacional na Amazônia Brasileira: um estudo sobre a constituição dos Pelotões de Fronteira. In: Fronteiras em perspectiva comparada e temas de defesa e segurança da Amazônia. Durbens M. Nascimento, Jadson L. R. Porto (orgs.). Belém: NAEA, 2013, pp. 281-309.

OLIVEIRA, J. P. de. Segurança das fronteiras e o novo indigenismo: formas e linhagens do Projeto Calha Norte. In: Projeto Calha Norte: militares, índios e fronteiras. Oliveira, J. P. de (editor). Rio de Janeiro: UFRJ/PETI – Museu Nacional, 1990, pp. 16-33.

OLIVEIRA, Rafael da Silva. Mobilidades transgressoras, geografias ignoradas: itinerários e emaranhamentos

envolvendo

territorialidades

de

garimpeiros

no

Suriname.

(Doutorado). Departamento de Geografia da USP. São Paulo: USP, 2013. 400 p.

Tese

PASSOS, Thaís Virga. A Importância da Integração Física no Eixo Amazonas: Transportes e Oportunidades de Desenvolvimento. In: Conjuntura Global, Curitiba, vol. 2, n° 2, abr./jun., 2013, pp. 92-96.

ROCHA, Ribamar. Ágata 10: Exército divulga balanço de operação contra crimes transfronteiriços em Roraima. Folhaweb. Boa Vista, 2 nov. 2015. Disponível em . Acesso em: 8 jun. 2016.

STOCHERO, Tahiane. Soldados que defendem fronteiras da Amazônia vivem na idade da pedra. G1, 9 dez. 2013. Disponível em . Acesso em: 8 jun. 2016.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.