O Armistício de 1919 e a Pavimentação do Caminho a 2ª Guerra Mundial

June 15, 2017 | Autor: Marcio Tótoli | Categoria: SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, Primeira Guerra Mundial, Tratado de Versalles
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Márcio Gandolfo Tótoli
UNIVERSIDADE DE FRANCA

O Armistício de 1919 e a Pavimentação do Caminho a 2ª Guerra Mundial

Após quatro anos de beligerância, era assinado na floresta de Compiégne, próxima a Rethondes, na França, às 5 da manhã (horário de Paris) de 11 de novembro de 1918, o armistício da Tríplice Entente com a Alemanha e os países da Tríplice Aliança. Este armistício, a princípio, era de duração de 36 dias; entretanto, foi prolongado e suplementado pelas Convenções de 13 dezembro de 1918, 16 de janeiro de 1919 e 16 de fevereiro de 1919. Ainda, houve uma emenda em 4 de abril de 1919. Essas convenções e suplementos foram de suma importância para o cessar das agressões, que seria selado em Versailles em 28 de junho de 1919. Assim, o armistício serviu para controlar as relações entre os países em guerra durante o período de negociações do Tratado de Versailles. É importante ressaltar, no entanto, que os Estados Unidos da América não assinaram este armistício, mas cessaram as hostilidades mediante um outro tratado de paz assinado em Berlim em 25 de agosto de 1921.
O Armistício foi dividido em 6 itens, a saber: 1) Cláusulas relacionadas à fronteira Ocidental; 2) Cláusulas relacionadas à fronteira Oriental; 3) Cláusula relacionada ao Leste da África; 4) Cláusulas gerais; 5) Condições Navais; e 6) Duração do Armistício. Além disso, o texto possui dois anexos (o primeiro acerca das condições e forma da retirada das tropas alemãs, o segundo acerca das comunicações, linhas férreas e marítimas, estradas, portos marítimos e fluviais, e comunicações telegráficas e telefônicas), um adendo e, uma declaração assinada pelos plenipotenciários alemães.
Com relação às cláusulas relacionadas à fronteira do Ocidente, três delas merecem destaque: a Cláusula II, na qual "Evacuação imediata dos países invadidos – Bélgica, França, Luxemburgo, assim como a região de Alsácia-Lorena – fica assim ordenada a ser completada em 15 dias a contar da assinatura do armistício.". Uma das características de outras cláusulas deste mesmo documento é a urgência da retirada alemã: a Tríplice Entente é contundente, nas condições do Anexo I, que a retirada se desse em três estágios (em três linhas geográficas determinadas), sendo o primeiro a ser completado em 5 dias, o segundo em 9, e o terceiro em 15 dias após a assinatura do armistício. Isto leva a análise da Cláusula X, na qual exige-se
A imediata repatriação, sem reciprocidade, de acordo com condições detalhadas a serem fixadas, de todos os prisioneiros de guerra das forças aliadas e dos Estados Unidos, inclusive aqueles em julgamento ou condenados. Às forças aliadas e aos Estados Unidos ficam a decisão de como lidar com estes prisioneiros. Esta condição anula quaisquer outras convenções acerca de prisioneiros de guerra, incluindo a de julho de 1918, que está sendo agora ratificada. Entretanto, a devolução de prisioneiros de guerra internados na Holanda e Suíça deve continuar como até então. A devolução de prisioneiros de guerra alemães deve ser arranjada na conclusão das preliminares de paz.
Por outro lado, de acordo com a Cláusula VI, em termos gerais, alemães ficam proibidos de danificar bens ou causar dolo a quaisquer cidadãos dos países invadidos, mesmo aqueles que foram atores de atividades militares anteriores a assinatura do documento. Esta é apenas uma das evidências da unilateralidade do documento em favor dos países vencedores. Ainda, é ordenada a entrega de um número significativo de armamentos e equipamentos em geral – como 1700 aviões, por exemplo –, além de transformar a área a Leste do Reno – 10 quilômetros dentro do território alemão – em Zona Neutra. A região de Alsácia-Lorena, a segunda zona mais industrializada da Alemanha, tomada dos franceses na Guerra Franco-Prussiana, voltava a ser território francês e, com isso, grande ênfase nas comunicações, como locomotivas, vagões, linhas férreas e caminhões foi dada; as minas e depósitos de carvão, importante fonte de energia da época, deveriam ser entregues intactas e em pleno funcionamento.
Nas cláusulas da fronteira do Leste, o teor das demandas não é diferente. Além de evacuação das tropas alemãs de territórios conquistados, é mandatório que as fronteiras voltem a ser aquelas de 1º de agosto de 1914; ainda, a Alemanha fica proibida de acesso aos suprimentos vindos da Romênia e da Rússia. Quanto à África, a cláusula única também prevê a retirada das tropas alemãs. As Cláusulas Gerais refletem as demandas anteriores: iniciam com o repatriamento não-recíproco de prisioneiros de guerra e dita os termos, na Cláusula XIX, sobre a reparação financeira, expressa em uma sentença assaz abrangente, que diz "Reparação por danos.". Em seguida, se torna mais específica:
Restituição imediata em depósito no Banco Nacional da Bélgica e, em geral, retorno imediato de todos os documentos, espécie, ações, dinheiro em papel, juntamente com a planta para sua emissão, afetando interesses públicos ou privados dos países invadidos.
Restituição do ouro rendido ou tomado de Rússia e Romênia pela Alemanha.
O ouro deve permanecer sob custódia dos aliados para sua segurança até que a paz se conclua.
Nas Condições Navais, é exigido a rendição de todos os U-boats (submarinos) e minas – em pleno funcionamento e com material completo –, e repatriamento não-recíproco de marinheiros e mercantes. A principal cláusula é a que define o número da frota que deve ser rendida aos aliados e aos Estados Unidos: 6 cruzeiros de batalha, 10 navios de batalha, 8 cruzadores leves e 50 destroyers do modelo mais moderno (Cláusula XXIII).
O Anexo II mais uma vez exibe um tom de vingança dos vencedores sobre os vencidos. Em termos gerais, bases e aparelhos ficam sob comando das forças aliadas e dos Estados Unidos da América, porém devem continuar sendo financiados pelo governo alemão. Além disso, corrobora a volta da linha férrea Alsácia-Lorena sob o jugo francês, juntamente com todo o pessoal e maquinário. A Alemanha é forçada a devolver materiais bélicos, de comunicação e suprimentos em funcionamento e bom estado.
Como resultado, o armistício seria a ponta do fio do novelo que se desembaraçaria durante os próximos anos e culminaria no Tratado de Versailles e, consequentemente, na 2ª Guerra Mundial – para muitos historiadores, apenas uma continuação da 1ª – com Adolf Hitler. Como visto no anexo I, a urgência da retirada das tropas alemãs dos territórios ocupados demonstra que os alemães assinaram os termos de rendição com seus exércitos em pé e em terreno conquistado, o que não foi aceito por Hitler e outros alemães que foram se aliando a extrema direita. Além disso, a forma pela qual os termos de evacuação e reparação foram impostos tem tom ofensivo e, como previsto na Declaração dos Plenipotenciários Alemães, que "[...] o seguimento deste acordo [deixaria] o povo alemão em estado de anarquia e fome", o que realmente ocorreu. A evidência de que o armistício era apenas temporário – pelo menos para os alemães – está no último parágrafo do da Declaração, que diz que:
"O povo alemão, que se manteve de pé e sozinho por 50 meses contra um mundo de inimigos, irá, apesar de qualquer força que possa vir exercer sobre ele, preservar sua liberdade e unidade. Um povo de 70.000.000 sofre mas não morre.".
O revisionismo causado pelo Armistício, principalmente nos países perdedores da guerra, seria ainda mais mortal e arrasador que o tempo nas trincheiras. O caráter revanchista destes documentos, tanto do Armistício quanto do Tratado de Versailles, acenderia o fogo do ódio e apontaria a culpa da derrota e da humilhação para judeus, comunistas, socialistas, e qualquer minoria que fosse encontrada pela frente. Fomentaria o racismo e disputa por hegemonia de grupos étnicos dentro de fronteiras mal estabelecidas, que provocaria os horrores que abalaram a Europa – e o mundo – no período entre 1939-1945.


Referência bibliográfica:
PARIS PEACE CONFERENCE. 66º Congresso, 1919, Paris. Armistice with Germany. Paris, pp. 9-19.

History 202: European Civilization, 1648-1945. Lecture 20 - Successor States of Eastern Europe. Disponível em: http://oyc.yale.edu/transcript/589/hist-202. Acessado em: 23/09/2015.




PARIS PEACE CONFERENCE. 66º Congresso, 1919, Paris. Armistice with Germany. Paris, p. 9.
Ibidem.
Ibidem, p. 10.
Ibidem, p. 15.
PARIS PEACE CONFERENCE. 66º Congresso, 1919, Paris. Armistice with Germany. Paris, pp. 11, 12.
Ibidem, p. 13.
PARIS PEACE CONFERENCE. 66º Congresso, 1919, Paris. Armistice with Germany. Paris, p. 13.
Ibidem, p. 19.
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