O Arquivo do Conde da Barca: \"Mnemósine\" de um Ilustrado.

June 3, 2017 | Autor: Abel Rodrigues | Categoria: Information Science, CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, Archivistics, Arquivistica
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O Arquivo do Conde da Barca: Mnemósine de um Ilustrado * Abel Rodrigues **

À Memória da Senhora Dr.ª Maria da Assunção Vasconcelos Directora do Arquivo Distrital de Braga

Introdução Na Teogonia de Hesíodo , Mnemósine (Memória) e Letes (Esquecimento) germinaram de fontes próximas, mas completamente opostas e, desde então, o processo de construção do conhecimento histórico tem sido condicionado pelos seus legados. Partindo do princípio que “a escrita (e a leitura) da história constrói-se a partir de traços e de representações que visam situar, na ordem do tempo, algo que se sabe ter existido, mas que já não existe , o acesso às fontes primárias – verdadeiros “artefactos” destinados a perpetuar um tempo vivido – configura-se como o primeiro e indispensável passo para um processo que visa “rememorar” fidedignamente o passado. A esta prática, não pode ser alheia a indubitável verdade de que o documento encerra uma informação concebida e registada num tempo * O presente texto é o resultado da catalogação do arquivo Conde da Barca que vinha sendo realizada no Arquivo Distrital de Braga/Universidade do Minho, sob a égide da Ex.ma Senhora Doutora Maria da Assunção Vasconcelos. Todavia, no início deste trabalho, quis o destino subtrair ao nosso convívio a presença sempre estimulante e dedicada da Ilustre Directora desta Instituição a quem, aliás, estava reservada a condição de co-autora deste trabalho. Como tal, não podemos nem queremos deixar de o dedicar, muito reconhecidamente, à Sua memória. ** Técnico Superior do Arquivo Distrital de Braga/ Universidade do Minho; Mestrando em História das Instituições e Cultura Moderna e Contemporânea na Universidade do Minho  Cf. Hesíodo, Teogonia. Trabalhos e dias, prefácio de Maria Helena da Rocha Pereira, introdução, tradução e notas de Ana Elias Pinheiro e de José Ribeiro Ferreira, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005, vv. 51-54.  Cf. Fernando Catroga, Memória, História e Historiografia, Coimbra: Quarteto Editora, 2001, pp. 41-42.

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e de um modo precisos, o qual está intrinsecamente ligado ao acto info-comunicacional. Como tal, a informação cristalizada no suporte documental não pode ser desprovida do contexto que condicionou/favoreceu a acção humana e social que gerou essa mesma informação. Neste sentido, importa abordar o arquivo do conde da Barca em moldes cientificamente adequados. Porque a custódia é tudo, menos displicente e fortuita , apresentamos na I parte deste trabalho a salvaguarda da “Memória” de António de Araújo de Azevedo, conde da Barca (1754-1817), relatando um processo que foi iniciado no Rio de Janeiro, logo após a sua morte, e que culminou com a entrada do acervo no Arquivo Distrital de Braga, em 1926, data em que foram iniciados os trabalhos arquivísticos conducentes à disponibilização da documentação aos investigadores. Na II parte, apresentamos o quadro orgânico-funcional do Sistema de Informação – decorrente da aplicação do paradigma emergente de uma arquivística com enquadramento epistemológico na Ciência da Informação – no qual estão fixados os diversos contextos espaciais e temporais onde se situaram a génese da informação, os quais permitem ceder ao investigador um suporte informativo adicional aos próprios documentos.

I. O “fundo Barca-Oliveira”: do Rio de Janeiro ao Arquivo Distrital de Braga 1.  A salvaguarda da “Memória”: a acção de João António de Araújo de Azevedo no Brasil A 21 de Junho de 1817 , faleceu na chácara do Bom Retiro, no Rio de Janeiro, António de Araújo de Azevedo, conde da Barca, Conselheiro de Estado, Ministro da Marinha e dos Domínios Ultramarinos e interino das restantes Secretarias de Estado. Três dias antes, tinha declarado as suas últimas vontades num testamento, muito sucinto, realizado em três meias folhas, no qual nomeou para seus testamenteiros com livre e geral administração de todos os bens o conselheiro José Egídio Álvares de Almeida, secretário particular de D. João VI, e o desembargador José Duarte da Silva Negrão Coelho,  Cf. Casa de Mateus, Catálogo do Arquivo, Vila Real: Fundação da Casa de Mateus, 2005, pp. 20-21.  Domingos de Araújo Afonso e Ruy Dique Travassos Valdez, Livro de Oiro da Nobreza, Braga: «Pax», 1932, vol. 1, p. 230.



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por ambos terem dado prova de verdadeiros amigos no decurso de muitos anos . Por se ter conservado sempre no estado de solteiro, António de Araújo não tinha herdeiros forçados e, como tal, instituiu por herdeiro universal o seu irmão João António de Araújo de Azevedo, Conselheiro da Fazenda, que, no momento, se encontrava no Brasil. No testamento consignou-lhe o direito de imediatamente requerer a El Rey Nosso Senhor qualquer remuneraçam que seja servido em razão dos cerca de trinta anos de serviços prestados à Coroa. Como a maioria dos homens de Estado portugueses do seu tempo, o conde da Barca morreu quasi pobre, deixando como bens principaes no Rio de Janeiro uma casa à Rua do Passeio, alguns bons quadros e sua livraria, duas vezes preciosa, por seu inestimavel valor litterario, e esses mesmos subjeitos a dívidas na importância de rs. 10.161$994 . João António  tinha viajado para o Rio de Janeiro, em 1815, provavelmente, a pedido de seu irmão, que nesse ano tinha visto o seu estado de saúde agravar-se  ou, então, com o propósito de fazer acelerar o deferimento de alguma súplica pendente na Corte . Independentemente das  Cópia do traslado existente às folhas 30-verso a 36 dos autos de incorporação dos Próprios e Nacionais da casa sita na rua do Passeio e que fora do Excelentíssimo Conde da Barca, de 17.08.1825. BNRJ‑Secção Manuscritos‑cód. II-35,05,005.  Ver J. Z. Menezes Brum, “Do Conde da Barca, de seus escriptos e livraria”, in: Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, vol. II, fascículo n.º 2, Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger & Filhos, 1877, p. 359.  João António de Araújo de Azevedo (1764-1823), fidalgo da Casa Real e cavaleiro da Ordem de Cristo. Formou-se em Cânones na Universidade de Coimbra, tendo sido, sucessivamente, juiz de fora da vila de Viana do Castelo, provedor da comarca de Coimbra, desembargador efectivo da Relação do Porto e, finalmente, Conselheiro da Fazenda. Ver ADB/UM‑SIFFA/ SC 08.02 in: Abel Rodrigues, “Sistema de Informação Família Araújo de Azevedo. Estudo orgânico-funcional aplicado ao Cartório da Casa de Sá”, Actas do I Congresso Internacional da Casa Nobre: Um Património para o futuro, Arcos de Valdevez, no prelo.  Luís Joaquim dos Santos Marrocos numa das suas cartas datadas de 1815 referia-se ao conde da Barca como estando sacramentado e informava que “A sua moléstia é antiga, e está muito agravada; dizem ser moléstia das entranhas; eu não vejo nele senão inchação e tremulência; e S. A. F. disse a minha vista que ele já não podia assinar…”, apud Oliveira Lima, D. João VI no Brasil, 3.ª edição, Rio de Janeiro: Topbooks, p. 536, nota 724.  Durante a permanência da Corte no Brasil, o deferimento das súplicas submetidas à Regência do reino em Lisboa só ocorria após um longo processo que incluía o envio do requerimento à competente Secretaria de Estado no Rio de Janeiro onde eram objecto de consulta e só depois subia à presença do Soberano para que este assinasse. Neste processo, que podia demorar meses, não haviam garantias de que o resultado fosse positivo. Ora, esta situação era transversal a todos os quadrantes da sociedade portuguesa e tinha até resultados nefastos na própria administração do Estado. Veja-se, a título de exemplo, os obstáculos colocados pela Regência do Reino ao Marechal Beresford, quando tentou empreender uma reorganização do exército e que o levou a embarcar, em 1815, para o Rio de Janeiro com o intuito de expor pessoalmente os seus propósitos ao Príncipe Regente. Cf. Fernando Pereira Marques, Exército e Sociedade em Portugal no declínio do Antigo Regime e advento do Liberalismo, Lisboa: Alfa, 1989, p. 130.

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razões que motivaram esta viagem, o papel do Conselheiro viria a ser crucial na salvaguarda da “memória” do conde da Barca, ou seja, do seu arquivo e da sua livraria particular. Logo em 1817, viu-se na necessidade de proceder ao inventário dos bens e dívidas herdadas no sentido de assegurar o futuro e o engrandecimento da Casa de Sá, que agora era sua. Vendida a Casa da Rua do Passeio, morada do Conde da Barca no Rio de Janeiro, as suas atenções viraram-se para o arquivo, verdadeiro repositório das múltiplas e sucessivas actividades de Barca e, naturalmente, para a livraria. Conhecedor do valor probatório da informação que o arquivo encerrava e da sua influência para a Casa optou pela sua conservação no seio da família. A sua primeira medida, ainda no Brasil, foi a de compulsar toda a documentação, e muito particularmente a correspondência particular, com o intuito de proceder a um recenseamento dos bens adquiridos e/ou vendidos e, também, de obter um conhecimento factual dos serviços prestados que fossem passíveis de remuneração régia. É frequente encontrarem-se nos documentos de carácter pessoal, como cartas e outros pequenos apontamentos, várias anotações nas margens sobre os autores e o teor do próprio documento. Deste procedimento terá resultado o requerimento que dirigiu a D. João VI no qual alegou que o conde deixou ao supplicante os seus serviços, para que pudesse requerer imediatamente qualquer remuneração, que V. Magestade fosse servido conferir ao supplicante, impondo-lhe o ónus de dar anualmente do útil dessa remuneração duzentos mil réis a cada uma das suas sinco Irmãs, durante a sua vida 10. Como tal, em 1820, João António recebia a mercê de uma vida na comenda de São Pedro do Sul 11, que agora como vinte anos antes 12, vinha enriquecer o património familiar. Verificou-se, assim, uma primeira recuperação e utilização objectiva daquela informação que foi sendo produzida por Barca ao longo da sua vida, a qual proporcionou a celebração de um compromisso entre [Requerimento do] Conselheiro João António de Araújo Azevedo – pedido dos serviços de seu falecido irmão, o Conde da Barca, historiando todos os serviços prestados desde que o mesmo entrou para a carreira diplomática em 1787. BNRJ - Secção de Manuscritos, “Coleção Biográfica”, C-521,18. 11 Alvará de mercê de uma vida na Comenda de S. Pedro do Sul da Ordem de Cristo, em 16 de Março de 1820, dado a João António de Araújo de Azevedo. IAN/TT - Registo Geral de Mercês/07/167715. 12 António de Araújo de Azevedo tinha recebido o alvará da Comenda de São Pedro do Sul na Ordem de Cristo, a 26 de Maio de 1800, em remuneração dos serviços prestados na negociação do Tratado de Paz de 10 de Agosto de 1797. IAN/TT - Registo Geral de Mercês, D. Maria I, liv. 29, fl. 376. Mais tarde, em 1810, foi elevado a Grã-cruz da Ordem de Cristo. 10



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o passado (os serviços prestados por um membro da família) e o futuro (a subsistência da Casa). Por outro lado, perante as dificuldades óbvias do herdeiro, a livraria particular de Barca, riquíssima pelo seu valor informativo, não podia trazer nenhuma mais valia à causa a não ser pelo dinheiro a ser arrecadado através da sua alienação. Desse vasto conjunto de livros, composto por mais de 7.000 volumes, o conselheiro João António optou por conservar cerca de 400, tendo providenciado, logo de seguida, a catalogação dos restantes que seriam levados a leilão, em 1819, pelo valor de 15.620$1800 13. Perante o seu inquestionável valor, D. João VI ordenou ao Padre Joaquim Dâmaso, bibliotecário da Biblioteca Régia da Corte do Rio de Janeiro 14, que se apresentasse no local e que arrematasse a livraria num único lote. Assim, aquela livraria que António de Araújo de Azevedo fora compondo pacientemente desde o seu ingresso na carreira diplomática era agora incorporada na Real Biblioteca Pública do Rio de Janeiro que via, assim, o seu núcleo inicial substancialmente enriquecido. 2.  O regresso do arquivo à Casa de Sá Tratados que estavam os bens do conde no Brasil, João António empreendeu, por volta de 1822, o regresso a Portugal e à Casa de Sá, em Ponte de Lima, trazendo consigo o arquivo do irmão e aquelas 400 obras. A “memória” do conde da Barca era, assim, reincorporada na Casa de Sá e reunida aos “papéis” dos seus Maiores onde permaneceu durante os 80 anos subsequentes. Depois da morte do Conselheiro João António, a 16 de Junho de 1823, sucedeu na Casa de Sá o seu sobrinho António de Araújo de Azevedo Pereira Pinto 15, que manteve unida a totalidade dos bens de família impedindo a sua fragmentação mesmo depois da extinção definitiva dos institutos vinculares por decreto de 19 de Maio de 1863, numa prática seguida, depois do seu perecimento, pela sua esposa D. Ana Maria dos Prazeres Calheiros Magalhães Barreto Amorim 16. Ver J. Z. Menezes Brum, op. cit., p. 383. Id., ibid. 15 António de Araújo de Azevedo Pereira Pinto (1809-1868), moço fidalgo da Casa Real, tenente-coronel de Cavalaria. Era filho do brigadeiro Francisco António de Araújo de Azevedo, governador e capitão‑general dos Açores entre 1816 e 1821, e de Francisca Antónia Pereira Caldas de Sá Sotomaior. Ver ADB/UM‑SIFFA/SSC 09.02, in: Abel Rodrigues, loc. cit. 16 Ana Maria dos Prazeres Calheiros Magalhães Barreto Amorim (1818-1875) filha de José Calheiros de Magalhães Barreto, Senhor da Casa do Souto em São Miguel de Brandara e da do Matobom em Esturãos, e de sua mulher Maria Isabel de Araújo de Abreu Bacelar. Ver ADB/ UM‑SIFFA/SSC 09.03, in: Id., ibid. 13 14

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Ao manter a propriedade una e indivisa e destinada a ser transmitida de geração em geração, também os documentos deviam ser inalienáveis dada a sua condição de verdadeiro repositório das actividades estruturais da família e, como tal, com valor probatório para a posse dos bens materiais. A 29 de Julho de 1879, os herdeiros de D. Ana Maria dos Prazeres reuniram-se para efectuar a partilha amigável dos bens de família e estando hoje melhor informados estão convencidos que com effeito não tem a natureza de vinculo os bens que composeram a meação da mãe e que, por esse motivo, eram de natureza livre e alludial 17. Coube à filha segunda Marquesa Margarida de Araújo de Azevedo e a seu marido José Mimoso de Barros e Alpoim 18 ficarem na posse da Casa de Sá onde se encontravam outros bens como uns livros que foram avaliados em 250 mil réis 19. 3.  A compra do arquivo pelo Dr. Manuel José de Oliveira O momento marcante do percurso deste conjunto documental ocorreu por volta de 1908 ou 1909, altura em que o mesmo deixa de pertencer à sua entidade produtora, a Família Araújo de Azevedo, para passar para as mãos de uma entidade estranha à produção da informação que ali estava encerrada. A circunstância marca, obviamente, uma transmutação na finalidade com que se passou a aceder àqueles documentos. Ora, a partilha de 1879 foi o acto final de um longo processo, com mais de quatrocentos anos, em que a família foi constituindo e estruturando um arquivo no sentido de legitimar os seus actos e de providenciar um engrandecimento da Casa. A partir de agora o arquivo passava a deter um único interesse: o histórico. Foi então que emergiu a figura do Dr. Manuel José de Oliveira 20, republicano convicto, erudito e bibliófilo, que adquiriu o arquivo da Casa 17 Escritura de partilha que fazem as Exmas. D. Francisca Antónia de Araújo de Azevedo, Dona Amália de Araújo de Azevedo, solteiras e D. Margarida de Araújo de Azevedo e marido, da freguesia de Sá, com respeito à herança de sua mãe e sogra a Exma. D. Ana dos Prazeres Calheiro, em 21 de Julho de 1897 e também a Exma. D. Maria Filomena de Araújo de Azevedo, viúva da Cidade do Porto. Ver ADB-SIFAA/SSC 10.01/DOC. 4,126. 18 José Mimoso de Barros e Alpoim (1834-1909) bacharel em Direito foi magistrado no Ultramar. Era filho de Francisco da Costa Mimoso, da Casa da Avelenda em Arcos de Valdevez, e de Sebastiana Maria de Meneses de Barros Barbosa de Abreu Lima, Senhora da Casa da Carcaveira. Ver ADB/UM‑SIFFA/SSC 10.01, in: Abel Rodrigues, loc. cit. 19 Escritura de partilha que fazem as (…) em 21 de Julho de 1897 (…), fl. 14. Ver ADB-SIFAA/ SSC 10.01/DOC. 4,126. 20 Manuel José de Oliveira (1877-1918) era filho de Tomás José de Oliveira e de Maria Maximina de Oliveira e irmão de Joaquim José de Oliveira, que depois veio a ser ministro da Instrução entre 1919 e 1920, no governo de Sá Cardoso. Iniciou os estudos na sua terra natal e concluiu-os no Liceu de Braga, onde, aliás, começou a demonstrar uma orientação política



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de Sá aos descendentes de Marquesa Margarida e de José Mimoso, a quem assistia como médico em Ponte de Lima. Os “papéis” do conde da Barca, o membro mais ilustre daquela família, possuíam um inegável interesse para o estudo do crepúsculo do Antigo Regime e, principalmente, para o estudo da Guerra Peninsular, cujo primeiro centenário se comemorava em 190821. Aliás, é de crer que o ciclo de Comemorações, ou das “ritualizações da História” como lhe chamou Fernando Catroga 22, teve alguma influência na decisão de Manuel Oliveira em adquirir o conjunto documental, como adepto que era de uma renovação historiográfica fundamentada nos pressupostos positivistas. A sua devoção à análise documental como validação do conhecimento histórico e da busca de uma causalidade directa do facto histórico comprova-se pela aquisição que fez, não só, deste conjunto documental, como também, do arquivo dos velhos senhores donatários de Ponte de Lima 23 e, ainda, de um conjunto de cartas que haviam pertencido a Francisco José Maria de Brito, Oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, secretário e amigo do conde da Barca 24. A sua biblioteca era, bem à maneira dos eruditos do seu tempo, um espaço de trabalho, um “laboratório” destinado a possibilitar o surgimento de um conhecimento do passado com um cunho marcadamente nacionalista. Segundo Francisco de Magalhães era rica, na qualidade, a

no sentido de defesa dos ideais republicanos através dos periódicos A Alma Nova e A Pátria, órgão da Comissão Nacional Republicana de Braga, dos quais fora redactor principal. Ficaram célebres as campanhas contra a exploração clerical, bem como, as cartas que endereçou ao Arcebispo bracarense pugnando contra a Companhia de Jesus, o que lhe valeu diversos ataques do jornal católico A Palavra. Formou-se, em 1904, em Medicina pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto, tendo defendido uma tese subordinada ao tema O Problema de Lombroso. Foi, depois, nomeado médico municipal em Ponte de Lima, tendo estabelecido o primeiro laboratório de análise bacteriológica do distrito. Desempenhou vários cargos políticos de relevo, como o chefe do Partido Democrático do concelho, deputado à Assembleia Constituinte em várias legislaturas e, ainda, Governador Civil do Porto. Cf. Abel L. F. Rodrigues, “A colecção de gravuras do Arquivo Distrital de Braga: estudo e catálogo”, in: Forum, n.º 35, Jan.-Jun. 2004, Braga: Conselho Cultural da Universidade do Minho, 2004, pp. 71-73. 21 Cf. Fernando Catroga, “Ritualizações da História”, in: História da História em Portugal. Séc. XIX-XX, 2.ª ed., [s.l.] Temas e Debates, vol. 2, pp. 332-334. 22 Cf. Id., ibid., pp. 221 e segs. 23 Manuel de Oliveira revelou num trabalho que estava na posse deste conjunto documental devido a uma extrema gentileza das Senhoras do Paço. Ver Manuel de Oliveira, “Pro Veritate”, in: Almanaque Illustrado de O Commercio do Lima, coord. por António de Magalhães, Ponte de Lima: Tip. Confiança, 1909, p. 257. 24 Foram adquiridas em 1912 no leilão da biblioteca de Aníbal Fernandes Tomás. Cf. Nuno Daupiás de Alcochete, Humanismo e Diplomacia. Correspondência Literária (1789-1804) de Francisco José Maria de Brito com Dom Frei Manuel do Cenáculo, Paris: Fundação Calouste Gulbenkian/Centro Cultural Português, 1976, p. 5.

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inestimável biblioteca, formada por milhares de volumes 25 de Literatura Moderna, Medicina e História, que Oliveira partilhava com amigos como Artur Araújo 26 e Maximiliano Lemos 27, respectivamente seu colega e professor na Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Contudo, Manuel de Oliveira usufruiu pouco tempo da sua livraria particular pois veio a falecer, precocemente, a 6 de Janeiro de 1918, na casa de sua irmã no largo da Senhora-a-Branca em Braga quando sinais havia a esperar do seu talento de polígrafo e de scientista 28. No seu testamento, Manuel de Oliveira dispôs da sua literatura moderna e de medicina em favor de seus sobrinhos António e do primeiro que se formasse em Medicina; a colecção de livros e manuscritos sobre a Etiópia, cartas e autógrafos dos jesuítas daquela missão (século XVII) o manuscrito do P. Pêro Pais e a primeira edição do Preste João, assim como a colecção dos livros e opúsculos e manuscritos sobre a guerra peninsular deseja que, pelo seu justo valor sejam adquiridas por uma das Câmaras do Norte de Portugal, sobretudo Braga ou Porto, ou pelo Estado 29.

A “Colecção Oliveira” foi, então, adquirida nos anos vinte pela Câmara Municipal de Braga pelo preço de 250.000$00 30.

25 Francisco de Magalhães, “Médicos de Ponte de Lima”, Separata do Elucidário Regionalista de Ponte de Lima, Ponte de Lima: Tipografia de Augusto de Sousa, 1950, p. 16. 26 Artur da Cunha Araújo (1883-1935) médico, político e escritor. Quando ainda era aluno da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, publicou umas “Cartas do Abbade Corrêa da Serra ao Conde da Barca” que pertenciam ao particular amigo Dr. Manuel d’Oliveira; e, também, uns “Subsídios para a monografia do médico Ribeiro Sanches”. Cf. Artur Araújo, “Subs����������� ídios para a monographia do célebre médico portuguez António Nunes Ribeiro Sanches������� ”, in: Gazeta dos Hospitais do Porto, n.º 22 [s.l.: s.n.], 1909; Id., “Cartas do abbade Corrêa da Serra ao Conde da Barca”, in: Arquivos de História da Medicina Portuguesa, Nova Série - 3.º ano, Porto: Lemos & C.ª, Suc., 1912. 27 Maximiliano de Lemos (1860-1923) médico, professor na escola Médico-Cirúrgica do Porto e publicista fecundo. O seu reconhecido interesse pela História da medicina levou-o até aos manuscritos originais de Ribeiro Sanches. Nesse trabalho, Maximiliano de Lemos salienta que a colecção pertence ao meu distinto colega Dr. Manuel de Oliveira, de Ponte de Lima. Não só me permitiu examiná-la, mas confiou-me durante o tempo que reputei de necessário os manuscritos de Sanches que possue.Cf. Maximiliano Lemos, Ribeiro Sanches, a sua vida e a sua obra, Porto, 1911, p. VII, apud Ribeiro Sanches, Dificuldades que tem um reino velho para emendar-se e outros textos, apresentação de Vítor de S������������������������������� á������������������������������ , Porto: Inova, pp. 63 e segs. 28 Artur Araújo, “Lembrando o passado. A propósito do aniversário da morte do Dr. Manuel de Oliveira”, in: Primeiro de Janeiro, 53.º ano, 6 de Janeiro de 1921. 29 Apud Henrique Barreto Nunes, “Fundo Barca-Oliveira”, in: Da biblioteca ao leitor. Estudos sobre a leitura pública em Portugal, Braga. Autores de Braga, p. 322. 30 Cf. Henrique Barreto Nunes, op. cit., p. 321.



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4.  A aquisição da “Colecção Oliveira” pela Câmara Municipal de Braga e a sua entrada no Arquivo Distrital e Biblioteca Pública de Braga A recepção da “Colecção Oliveira” na Câmara Municipal de Braga parece não ter sido pacífica. Na verdade, comentava-se em surdina, já há algum tempo, a má aquisição feita pelo Presidente, até que, na sessão de 30 de Janeiro de 1925, o vereador António Ferreira de Almeida usou da palavra para criticar a compra que esta câmara fez da livraria que foi do falecido Doutor Manuel d’Oliveira, propalando-se que […] fez mal em adquirir tal livraria atendendo a que a mesma se compõe apenas de livros de medicina sem valor algum, devendo a quantia por que ela foi adquirida ser aplicada em obras da cidade 31. O Presidente da Instituição esclareceu, então, que a referida livraria não possuía quaisquer espécies de medicina e que o seu valor era inquestionável, conforme o comprovava o interesse constante de livreiros de Lisboa. Além disso, se a Câmara Municipal de Braga não tivesse avançado para a compra duvida alguma há que ela seria comprada pela Câmara do Porto perdendo-se, assim, a oportunidade de adquiri-la nas melhores condições como, na realidade, acontecera 32. Todavia, a livraria Oliveira continuou, de tal forma, a não ser consensual que a 25 de Setembro desse mesmo ano, a Câmara decidiu que (…) se oficie ao Senhor Bibliotecário da Biblioteca Publica desta cidade para fazer a seguinte proposta às instâncias superiores. Que a Câmara de Braga cede àquela biblioteca a título de depósito a livraria que adquiriu do Doutor Manuel d’Oliveira, que não poderá ser alienada ou transferida; como desta cedência resultam duplicações de espécies, serão estes duplicados entregues a esta Câmara, que deles fará o uso que entender 33.

Perante a proposta recebida, o Dr. Alberto Feio, director do Arquivo Distrital e da Biblioteca Pública de Braga, dirigiu-se, então, ao Dr. Júlio Dantas, Inspector das Bibliotecas Eruditas e Arquivos, solicitando a autorização para proceder à permuta justificando os elevados benefícios daí decorrentes, pois a livraria em questão contém muitas espécies de extrema raridade não possuídas por esta Biblioteca, constando, além disso, de uma colecção muitíssimo importante, com mais de um milhar de peças, sobre a Guerra Peninsular. Mas o que sobretudo a torna notável é o valiosíssimo conjunto de manuscritos que encerra, pertencentes outrora, na maior parte, ao Conde da Barca 34.

Acta de vereação da Câmara Municipal de Braga de 30 de Janeiro de 1925, fls. 73v.‑74v. Id. de 30 de Janeiro de 1925, fls. 73v.‑74v. 33 Id. de 25 de Setembro de 1925, fls. 119v.‑120. 34 Apud Henrique Barreto Nunes, op. cit., p. 321. 31 32

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O bibliotecário-arquivista salientava, ainda, que para a Câmara Municipal seguiria um número inferior a 2000 exemplares provenientes, na maior parte, das recentes incorporações das casas congreganistas, de pequeno valor bibliográfico, livros vulgares de direito canónico, crónicas religiosas, sermões e história eclesiástica 35.

Obtida a autorização necessária do Ministério da Instrução Pública, de quem dependia o Arquivo Distrital e a Biblioteca Pública de Braga foi, provavelmente, em 1926 que se promoveu a permuta. 5.  O labor arquivístico junto do “fundo Barca-Oliveira” É de crer que, logo no momento da entrada no Arquivo e na Biblioteca, a colecção tenha passado a ser designada por “fundo Barca-Oliveira”. Ora, esta designação provém da influência historicista que se impôs na afirmação de um modelo arquivístico que tinha estado na génese dos arquivos distritais 36. O respeito pelo princípio da proveniência e a observância da regra da manutenção da ordem original configuravam-se como pressupostos inalienáveis de uma arquivística concebida como uma disciplina auxiliar da História, nomeadamente de uma historiografia erudito‑metódica. A Alberto Feio ‑ erudito bibliotecário-arquivista, a quem ficaram a dever-se as traves mestras da estrutura em que ainda hoje assenta a […] organização e funcionamento da Biblioteca 37 – deve-se a incorporação do conjunto documental, um primeiro “reconhecimento” da documentação existente e, ainda, a divisão entre manuscritos e impressos que foram distribuídos entre o Arquivo e a Biblioteca, consoante a natureza do serviço. Por outro lado, a divulgação de documentação inédita foi, também, um dos vectores da sua actuação, sendo de sublinhar os artigos que saíram da sua lavra 38 e de outros ilustres académicos do tempo 39. Id., ibid., pp. 322-323. Cf. Armando Malheiro da Silva [et al.], Arquivística 1. Teoria e prática de uma ciência da informação, Porto: Edições Afrontamento, 1999, pp. 114-116. 37 Cf. Henrique Barreto Nunes, “O centenário de Alberto Feio e os 140 anos da Biblioteca Pública de Braga”, loc. cit., pp. 266-267. 38 Ver a título de exemplo Alberto Feio, “A Livraria e os ex-libris do Conde da Barca gravados por Bartolozzi. Novos subsídios biográficos do Artista”, in: Anais das bibliotecas e Arquivos, vol. IX (1-2), Janeiro-Junho (33-34), 1931, pp. 26-34; e a colaboração na edição de Pêro Pais, História da Etiópia, introdução por Elaine Sanceau, nota bio-bibliográfica por Alberto Feio, Leitura Paleográfica de Lopes Teixeira, [s.l.], Livraria Civilização-Editora, 1945. 39 Ver Abílio Fernandes, “Quatro cartas inéditas de Brotero para o Conde da Barca”, separata da Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, vol. XVI, Coimbra: Tipografia da Atlântida, 1947; Marquesa de Alorna: inéditos, cartas e outros escritos, selecção, prefácio e notas de Hernâni Cidade, Lisboa: Sá da Costa Ed., 1941. 35 36



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Um outro tópico de extrema importância na estruturação dos manuscritos do “fundo Barca-Oliveira” aconteceu com a deslocação física de várias memórias científicas e literárias avulsas e de outros códices para a Secção de Manuscritos, os quais foram perdendo a inegável ligação ao seu contexto original de produção com o passar dos anos. A Secção de Manuscritos, ainda hoje existente, foi formada em meados da década de 30 do século XX, provavelmente, logo após a transferência das instalações do Arquivo e Biblioteca para o reconstruído Paço dos Arcebispos. É composta por espécies de natureza literária, histórica e filosófica procedentes das Livrarias Monástico-Conventuais 40 mas, também, de documentos provenientes de outros acervos. Os cerca de mil registos que a corporizam foram agrupados e arrumados nas estantes por dimensões, o que veio potenciar a sua heterogeneidade e o seu carácter de construção artificial que se baseou numa seriação inorgânica que permitiu juntar documentos avulsos a diminutos núcleos documentais com o intuito de proporcionar uma maior expressão a todos eles e de potenciar o seu valor informativo. Ali passaram a figurar, sem registo da sua entidade produtora, vários títulos do “fundo Barca-Oliveira”, como as poesias de Bocage, as de Filinto Elísio e as de António Dinis da Cruz e Silva (ou Elpino Nonacriense como era conhecido entre os árcades), os manuscritos de Ribeiro Sanches, a História da Etiópia do Padre Pêro Paes, as Cartas Ânuas da Missão da Etiópia, a Sentensa do Padre António Vieyra, o Ensaio Sobre as minas de José Anastácio da Cunha e os restantes opúsculos que, até hoje, se conservavam inéditos, a Colecção recôndita de algumas obras políticas do Illustríssimo e excelentíssimo Marquez de Pombal Sebastião Joze de Carvalho e Mello, as Obras de D. Luís da Cunha e as Memórias de Salvador Taborda, entre muitos outros opúsculos que – hoje se sabe – figuram nos catálogos manuscritos da livraria particular de António de Araújo de Azevedo. Assim permaneceu o “fundo Barca-Oliveira” até meados da década de Sessenta. Em 1968, e ao abrigo do despacho de 28 de Dezembro que permitiu interditar à consulta pública a documentação necessária para teses de doutoramento, o Dr. Nuno Daupiás de Alcochete – primeiro como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e, depois, do Instituto Português do Património Cultural – iniciou um processo de inventariação que visava a edição de um catálogo “monumental”, o qual não seria terminado por razões várias 41. 40 Ver António de Sousa Araújo e Armando B. Malheiro da Silva, Inventário do Fundo Monástico Conventual, Braga: Arquivo Distrital de Braga/Universidade do Minho, 1985, p. 41, nota 81. 41 Apesar de não ter concluído a inventariação do conjunto documental, Nuno Daupiás de Alcochete trouxe a lume algumas cartas e outros documentos inéditos pertencentes ao “fundo

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Em 1978, com a integração do Arquivo Distrital e da Biblioteca Pública na recém-criada Universidade do Minho, verificou-se a cisão definitiva do conjunto documental: no primeiro ficaram os manuscritos enquanto que na segunda ficaram os impressos 42. Quase dez anos depois, perante as inúmeras solicitações de vários investigadores e académicos, a Reitoria da Universidade do Minho, pelo despacho de 9 de Maio de 1986, ordenou a elaboração imediata de um inventário simples do arquivo do conde da Barca, tendo em vista a sua disponibilização à consulta pública 43. Era o fim de um ciclo do “fundo Barca-Oliveira”.

6.  O culminar de um processo: o inventário simples e alguns comentários adicionais Ao longo do processo que acabamos de narrar várias, foram as configurações e modalidades de acesso ao conjunto documental. A terminar esta primeira parte, parece-nos ser da mais elementar necessidade apresentar a estrutura interna (ou a representação dominante) com que o acervo chegou até aos nossos dias. Assim sendo, a extensão e a riqueza informativa dos documentos que foram produzidos/ recebidos pelo conde da Barca consignaram-lhe uma posição dominante face aos “papéis” dos seus antepassados, irmãos, e sucessores. Vejamos: 1. Fundo do Conde da Barca ‑ constituía-se como o fundo principal e estava subdividido em cinco grandes áreas temáticas:

1.1. Actividade diplomática – documentação produzida durante as várias enviaturas diplomáticas ocorridas entre 1787 e 1803;

Barca-Oliveira”. Ver Nuno Daupiás de Alcochete, “Lettres de Jacques Ratton a Ant��������������� ónio de Araújo de Azevedo, Co������������������������������ mte da Barca: 1812-1817”, in: Bulletin d’Études Portugaises, 25, Lisbonne: Institut Fran����������������������������������������������������������������������������������������� çais au Portugal, 1964������������������������������������������������������������������� , pp. 137-256; Id., “Ideias econ����������������������������������� ómicas de Jácome Ra���������������� tton em rela���� ção ao Brasil������� ”, in: Actas do V Col����������������������������������������������� óquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, Coimbra: [s.n.], 1965; Id., “Lettres de Diogo Ratton a Antonio de Araujo de Azevedo, comte da Barca: 1812‑1817”; [avant-propos] Jos���������������������������������������������������������������������������� é V. de Pina Martins�������������������������������������������������������� , Paris: Centro Cultural Portugu������������������������ ês, 1973. �������������� Id., “Les pamphlets portugais anti-napol����������������������� éoniens���������������� ”, separata dos Arquivos do Centro Cultural Portugu�� ês, Paris: Funda������������������������������ ção Calouste Gulbenkian, 1978. 42 Ver Biblioteca Pública de Braga, “Catálogo do Fundo Barca-Oliveira (Impressos)”, in: Portugal. Da Revolução Francesa ao Liberalismo. Actas do Colóquio, org. Unidade Científico‑Pedagógica de Letras e Artes da Universidade do Minho, Braga: Universidade do Minho, 1986, pp. 85-289. 43 Arquivo Administrativo do A.D.B. – Despacho da Reitoria da Universidade do Minho de 09.05.1989.



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1.2. Actividade política – documentação relacionada com a política interna (como legislação e assuntos militares) e externa (que abarca o período de 1787 e 1817, e que engloba correspondência com Príncipes e outras entidades oficiais e, ainda, vários textos de carácter diplomático); 1.3. Correspondência Particular – vasto conjunto de cartas dirigidas ao conde da Barca por vários autores como a marquesa de Alorna, Félix de Avelar Brotero, o abade Correia da Serra, Jácome Ratton, entre muitos outros; 1.4. Livraria – cópias manuscritas de textos diversos de cariz literário, económico, político, militar etc.; 1.5. Papéis Pessoais – Administração do bens do conde da Barca, de seus irmãos e da família em geral; e uma secção denominada de “vária”.

Por seu lado, os “Papéis pessoais” eram compostos da seguinte forma: 1.5.1. subfundo de João António de Araújo de Azevedo, desembargador da Relação do Porto, Conselheiro da Fazenda e sucessor de Barca na Casa de Sá; 1.5.2. subfundo de António Fernando de Araújo de Azevedo, abade de Lóbrigos e inspector das obras do encanamento do rio Lima e das estradas e canais de rega e de transporte e da arborização na Província do Minho; 1.5.3. subfundo de Francisco António de Araújo de Azevedo, irmão dos precedentes, brigadeiro, governador e capitão-general dos Açores; 1.5.4. subfundo de António de Araújo de Azevedo Pereira Pinto, sobrinho do conde da Barca, tenente‑coronel de Cavalaria e sucessor na Casa de Sá. 1.5.5. subfundo Cartório da Casa de Sá, entendido como um conjunto de documentos familiares que estavam, na sua maioria, relacionados com a gestão da propriedade familiar. 1.6.6. “Vária” – documentos da família Cabeças de Sousa, cartas de Francisco José Maria de Brito e uma colecção de gravuras 44. Ver o estudo recentemente publicado por Abel L. F. Rodrigues, “A colecção de gravuras do Arquivo Distrital de Braga: estudo e catálogo”, in: Forum, n.º 35, Jan.-Jun. 2004, Braga: Conselho Cultural da Universidade do Minho, 2004. 44

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II. O Sistema de Informação Família Araújo de Azevedo 1.  A metodologia Nos finais dos anos noventa, o Arquivo Distrital de Braga/Universidade do Minho retomou o projecto de inventariação do “fundo BarcaOliveira”. Por intermédio do Doutor Armando Malheiro da Silva, então Assistente de Investigação da Universidade do Minho, foi projectada uma abordagem empírica que consistia na superação da mera lógica tecnicista e descritiva desenvolvida por uma arquivística “clássica”, concebida como uma disciplina auxiliar da História, e que se revelava como um obstáculo à problematização do fenómeno da produção informacional e como circunstância decorrente, ao acesso, recuperação e reutilização da informação plasmada no suporte documental. Foram, então, lançadas as bases fundamentais – ainda que de uma forma incipiente face à extensão do conjunto documental – de um trabalho que, mais tarde, seria retomado por nós. Como tal, a descrição dos documentos existentes no arquivo do conde da Barca, assenta nos pressupostos teórico-metodológicos da arquivística, entendida como um ramo teórico-prático de Ciência da Informação 45, que já vem sendo aplicada a outros conjuntos documentais com inegáveis proveitos 46. Partimos, então, do princípio que a Ciência da Informação investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que regem o fluxo informacional e os meios de processamento de informação para a optimização do acesso e uso. [E que] está relacionada com um corpo de conhecimento que abrange origem, colecta, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transformação e utilização da informação 47.

Como tal, o nosso objectivo consiste essencialmente na reconstituição dos contextos genésicos da produção informacional com o objectivo de tornar célere o acesso, a recuperação e a (re)utilização dos documentos. No fundo, trata-se de devolver virtualmente todos os documentos ao 45 Ver Armando Malheiro da Silva [et al.], Arquivística: teoria e prática de uma ciência da informação, Porto: Edições Afrontamento, 1999, pp. 214-216; Id., Fernanda Ribeiro, Das ciências documentais à ciência da informação: ensaio epistemológico para um novo modelo curricular, Porto: Edições Afrontamento, 2002. 46 Ver por exemplo o trabalho desenvolvido em Casa de Mateus, Catálogo do Arquivo, Vila Real: Fundação da Casa de Mateus, 2005. 47 Armando Malheiro da Silva, “Abordagem aos arquivos familiares e pessoais como sistemas de informação”, in: Arquivo & Administração, vol. 3, n.º 1/2, Jan.-Dez. 2004, Rio de Janeiro: Associação de Arquivistas Brasileiros, 2004, p. 23.



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tempo e ao espaço originais de forma a proporcionar ao utilizador um suporte informativo adicional ao próprio documento. Num artigo desta dimensão não interessa dissecar a metodologia aplicada. Interessa, sim, reconhecer os traços gerais de um processo que promoveu a metamorfose do “fundo Barca-Oliveira” no Sistema de Informação Família Araújo de Azevedo. Antes de mais, importa referir que o “fundo Barca-Oliveira” ou o “arquivo do conde da Barca” não é um arquivo pessoal e diplomático, nem tão pouco um arquivo semi-público. Como tal, não se pode verificar a primazia de um fundo sobre os demais subfundos baseada no valor qualitativo e quantitativo da informação que cada um deles encerra. Esta noção implica a validação de uma estrutura interna do conjunto documental que consagra, efectivamente, uma hierarquia e uma subsidiariedade artificiais, porque inorgânicas, de um arquivo que foi sendo produzido ao longo dos séculos por uma entidade familiar na prossecução de objectivos concretos. Na verdade, a existência (ou melhor, a persistência no tempo) de documentação produzida entre os anos de 1479 e 1875 por membros de várias gerações desta família Araújo de Azevedo comprova, objectivamente, a utilidade da conservação dos “papéis” de família (devido ao seu valor probatório) para as gerações subsequentes. Utilidade essa bem visível através da efectivação de várias estratégias relacionadas com a conservação, reprodução, e protecção socio-económica da família. Apesar do conjunto documental possuir hoje um interesse meramente histórico de onde sobressai inegavelmente a figura do conde da Barca, não podemos olvidar a extrema importância da documentação familiar para a vivência de um presente e para a projecção do futuro da Casa. Foi por essa razão que se assistiu ao retorno dos “papéis” do conde da Barca à Casa de Sá em 1822 e à sua “recontextualização” no espaço simbólico da família, conforme já aqui referimos. Neste sentido, não será demais salientar que querer compreender António de Araújo de Azevedo, conde da Barca, fora do seu contexto natural é, efectivamente, não querer compreender a sua verdadeira dimensão. Assim sendo, devemos obrigatoriamente considerar o conjunto documental como um arquivo de família no qual deve imperar uma estrutura orgânica que é sustentada pelas várias linhas de sucessão e de parentesco da entidade familiar. Consentindo na existência de uma permanente correlação entre as partes (os membros) e o todo (a família) 48, facilmente se compreende ����� Id., ibid., p. 26.

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a emergência e o desenvolvimento da estrutura interna do Sistema de Informação Família Araújo de Azevedo. Por outro lado, as actividades desenvolvidas a título individual por cada um dos elementos deverão ser igualmente restituídas ao seu contexto originário. A separação entre particular e oficial é demasiado simplista para um processo que revela uma profunda complexidade, sendo, por isso, necessário recorrer à organicidade pessoal que assenta na infância, adolescência/juventude e na adultez/velhice 49 para descortinar, não só, o encaixe da documentação pessoal na familiar como, também, para compreender os vários contextos em que foi sendo produzida/recebida a informação por António de Araújo nas suas várias (e por vezes concomitantes) funções. Na normal linha de evolução da Subsecção 08.01‑António de Araújo de Azevedo, será de salientar, ainda, a existência de documentação que corporiza diversos subsistemas de informação. Estes subsistemas de “função” que são materializados pela documentação produzida durante o exercício dos vários cargos, possuem um enquadramento administrativo que está devidamente instituído e regulamentado pelas instruções, normativas e pela legislação em vigor ao tempo do desempenho dessas funções. Ou seja, essa documentação conheceu tramitação no expediente dos diversos serviços em cuja estrutura administrativa prestou serviços. Por outro lado, é de registar, igualmente, a integração de subsistemas de informação de natureza familiar, cuja existência pode ser comprovada de duas formas: a primeira, pela realização de alianças matrimoniais que, não raras vezes, são o pretexto da incorporação de dotes no património da família receptora cuja posse é validada pela documentação que acompanha esse capital económico e/ou simbólico; a segunda, pela doação de propriedades por elementos exteriores ao ramo principal da família (ou até mesmo da própria família) e que são legitimados por actos jurídicos diversos como são as escrituras de doação, testamentos, etc. 50 Para finalizar, importa salientar que a aplicação do instrumento de descrição multinível ISAD(G), devidamente ajustado à teoria sistémica, permitiu normalizar a descrição da totalidade dos documentos que compõem o Sistema de Informação e fazê‑la convergir para uma única

����� Id., ibid., p. 34 A propósito das estratégias ou normas de sucessão na propriedade fundiária ver Margarida Durães, “No fim, não somos iguais: estratégias familiares na transmissão da propriedade e estatuto social”, in: Boletín de la Associación de Demografia Histórica, X, 3, 1992, p. 126 e a bibliografia aí citada. (Consultado a 22 de Outubro de 2006 no Repositorium dos Serviços de Documentação da Universidade do Minho: ). 49 50



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estrutura estabelecida pela dinâmica familiar envolvente e que emergiu da análise dos documentos constantes no Cartório da Casa de Sá. O quadro orgânico-funcional que a seguir se apresenta é um processo em permanente construção e, como tal, pretende simplesmente fixar os diversos contextos em que o conde da Barca foi produzindo/ recebendo a informação constante no seu arquivo. • Abreviaturas utilizadas ADB/UM – Arquivo Distrital de Braga/Universidade do Minho ANRJ

– Arquivo Nacional do Rio de Janeiro

BNRJ

– Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

CR

– Correspondência Recebida

DOC

– Documento

EEH

– Enviado Extraordinário na Haia

HL

– Homem de Letras

ISAD(G) – General International Standard Archival Description MAP

– Morgado e Administrador de Propriedades

MPP

– Ministro Plenipotenciário em Paris

MPSP

– Ministro Plenipotenciário em São Petersburgo

SC

– Secção

SEMD

– Secretário de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos

SENEG – Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra SIFAA

– Sistema de informação Família Araújo de Azevedo

SR

– Série

SSC

– Subsecção

SSR

– Subsérie

SSSC

– Sub-Subsecção

SSSSC

– Subsub-Subsecção

SUBSI

– Subsistema

Estudante

Tutoria

Universidade de Coimbra

Juventude (1765-1778?)

Cartório

Morgado e Administrador de Propriedades (1783-1817)

Diplomata (1787-1803)

Reino (1807-1808?; 1817)

Marinha e Domínios Ultramarinos (1814-1817)

São Petersburgo (1801-1803)

Negócios Estrangeiros e Guerra (1804-1808; 1814?-1817)

Paris (1796-1798; 1801)

Haia (1787-1802)

Secretário de Estado (1804-1808; 1814-1817)

SSC 08.01: António de Araújo de Azevedo, conde da Barca (1754.04.15-1817.06.21)

Sistema de Informação Família Araújo de Azevedo (1479-1875)

ADB/UM

Organigrama da subsecção 08.01

Adulto (1778?-1817)

Conselheiro de Estado (1807-1817)

Presidente da Real Junta do Comércio (1807-1808?; 1817)

“Homem de Letras»

Sócio de Academias Científicas e Literárias

Livraria

(1814-1817)



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2.  Quadro orgânico-funcional SSC 08.01 – António de Araújo de Azevedo, Conde da Barca (1754.05.14-1817.06.21) António de Araújo é o membro 1 da Secção 8 do Sistema de Informação Família Araújo de Azevedo 51. Nasceu a 14 de Maio de 1754 52, em Santa Maria de Sá, em Ponte de Lima, e faleceu a 21 de Junho de 1817, no Rio de Janeiro 53. Era filho primogénito de António Pereira Pinto de Araújo de Azevedo Fagundes, Senhor da Casa de Sá, em Ponte de Lima, e de sua mulher Marquesa Margarida de Araújo de Azevedo, Senhora da quinta da Prova, em Ponte da Barca. António de Araújo de Azevedo distinguiu-se ao longo da sua vida pelos seus desempenhos como diplomata, ministro e secretário de Estado e, ainda, como “Homem de Letras”. A extensa documentação que produziu/ recolheu tem o seu contexto orgânico no Sistema de Informação Família Araújo de Azevedo.

SSC 08.01.01 – Juventude (1765-1778?) A sub-subsecção “Juventude”, concebida como uma etapa da evolução vital, destina-se a contextualizar a documentação produzida entre os anos de 1765, quando iniciou no Porto os seus estudos, e 1778, data provável do seu regresso a Ponte de Lima.

SSSC 08.01.01.01 – Estudante (1765-1778?) Agrega a documentação produzida durante a fase de estudante. Segundo Sebastião de Mendo Trigoso 54, António de Araújo fez os estudos menores em Ponte de Lima e aos onze anos passou ao Porto, onde vivia o seu tio o Brigadeiro António Luís Pereira Pinto. Ali estudou francês, inglês e italiano que veio a falar fluentemente e as línguas latina e grega. Mais tarde, debruçou-se sobre a Filosofia Racional e Moral. Movido pelo interesse nas Ciências Naturais seguiu, depois, para Universidade de Coimbra, onde frequentou como voluntário o primeiro ano do curso Filosófico, logo a seguir à reforma de 1772. Contudo este projecto não foi avante por motivos que hoje se ignorão 55. Empreendeu o regresso ao Porto para se dedicar à Matemática e à História – na qual alcançou huma vastíssima erudição – e, ainda, às Belas Letras. Ver Abel Rodrigues, “Sistema de Informação Família Araújo de Azevedo. Estudo orgânico-funcional aplicado ao Cartório da casa de Sá”, in: Actas do I Congresso Internacional da Casa Nobre, realizado em Arcos de Valdevez, no prelo. 52 Sentença de justificação e habilitação pela qual o Sr. António de Araújo de Azevedo Pereira Pinto se habilitou herdeiro de seu tio o Sr. António Fernando Pereira Pinto de Azevedo. Ver ADB/ UM-SIFAA/SSC 08.01/SR/CARTÓRIO/DOC. 3,74, fls. 29f.-30f. 53 Domingos de Araújo Afonso e Ruy Dique Travassos Valdez, op. cit., p. 230. 54 “Elogio Histórico do Conde da Barca, recitado na Assembléa Publica de 24 de Junho de 1819, pelo Sócio Sebastião Francisco de Mendo Trigoso”, in: História e memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo VIII, Parte II, Lisboa: Typografia da Academia, 1823, p. XVI. 55 ���� Id., ib., pp. XVI-XVII. 51

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Por volta de 1778, regressa a Ponte de Lima onde desempenhará as suas primeiras actividades sociais.

SSC 08.01.02 – Adulto (1778-1817) Corresponde a uma fase de maturação de evolução do ser humano e destina-se a incorporar toda a documentação produzida por António de Araújo durante os vários contextos que se situam cronologicamente entre 1778, data provável do seu envolvimento na Sociedade dos Amigos do Bem Público de Ponte de Lima 56, e o ano de 1817, data sua morte.

SSSC 08.01.02.01 – Morgado e Administrador de Propriedades (1783-1817) A sub-subsecção Morgado e Administrador de Propriedades é consubstanciada pela documentação resultante da administração do morgadio e também da gestão de outros bens e propriedades não vinculadas. António de Araújo sucedeu a seu pai António Pereira Pinto de Araújo de Azevedo Fagundes, em 1783, no Morgado de Sá, na freguesia de Santa Maria de Sá, em Ponte de Lima, e, assim, no morgado antigo de Santo António do Sobreiro, na freguesia de Aboim das Choças, termo dos Arcos, na quinta da Prova, em Ponte da Barca, no prazo do Soutelo e nos prazos da Várzea, ambos em Penafiel. Não obstante, as prolongadas ausências (primeiro, durante a sua carreira diplomática e, depois, durante a estadia no Brasil) o morgadio conheceu uma fase fecunda durante a gestão de António de Araújo 57, o qual delineou uma estratégia de ascensão social da família que veio a culminar com a obtenção da mercê do título de Conde da Barca em 17 de Dezembro de 1815 58. Por outro lado, a boa administração do vínculo exigia um conhecimento preciso da natureza e proveniência das propriedades que o materializavam. Provavelmente entre 1808 e 1815, Araújo incumbiu o monge beneditino Frei Francisco de São Luís de proceder à (re)organização do Cartório da Casa de Sá numa medida de claro pendor iluminista 59. Este conjunto de documentos, entendido como a Memória dos seus Maiores, era formado por várias escrituras de compra e venda e de doações, procurações, testamentos, certidões várias, contratos de arrendamento, atestações de serviço de vários membros da família, etc., os quais interessava manter em ordem para bom uso 60. Cf. Moses Bensabat Amzalak, A Sociedade económica de Ponte de Lima: Séc. XVIII, Lisboa: Ed. Império, 1950. 57 Como Homem de charneira que era, Araújo empreendeu uma dinamização das propriedades agrícolas e esboçou, também, uma tentativa de industrialização, em 1806, juntamente com Jácome Ratton ao lançar as bases de uma sociedade por quotas para estabelecer uma fábrica de fiação na quinta da Prova, em Ponte da Barca. Sobre os contornos do projecto e a produção da fábrica de fiação da quinta da Prova, ver Recordaçoens de Jacome Ratton (…) sobre occurrencias do seu tempo em Portugal (…) de Maio de 1747 a Setembro de 1810 (…), Londres, H. Bryer, 1813, pp. 49-53. 58 Decreto de mercê do título de Conde da Barca. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/DOC. 43,17 (cota provisória) 59 Sobre a organização do cartório da Casa de Sá, cf. Abel Rodrigues, “Sistema de Informação Família Araújo de Azevedo. (…), loc. cit. 60 Cf. Casa de Mateus, op. cit., p. 20. 56



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O engrandecimento da Casa passou também pela anexação dos bens de Tomás Vicente Cabeças de Sousa que doou todos os seus bens ao morgado de Sá, conforme consta de escritura lavrada em Lisboa aos 5 dias do mês de Junho de 1805 61. Em relação aos bens não vinculados, importa salientar a gestão dos proveitos advindos da comenda de São Pedro do Sul que António de Araújo recebeu por mercê de 26 de Maio de 1800 62; a administração da casa que habitou em Belém durante o exercício ministerial; e, ainda, os bens adquiridos no Rio de Janeiro entre 1808 e 1817, como a casa da Rua do Passeio, a chácara do Bom Retiro e as sesmarias na capitania de Porto Seguro. v. Subsistema Cabeças de Sousa

SSSC 08.01.02.02 – Diplomata (1787.06.25-1803.10.30) É composta pela informação produzida durante a carreira diplomática que se iniciou a 25 de Junho de 1787, com a enviatura na Haia, e terminou com a recepção da carta revocatória de 30 de Outubro de 1803, quando estava em São Petersburgo. A entrada de António de Araújo na carreira diplomática permanece envolta em algum mistério e tem sido atribuída, unicamente, às influências junto da Rainha do Duque de Lafões 63, de D. Gaspar de Bragança, arcebispo de Braga, e/ou do arcebispo de Tessalónica, Confessor de D. Maria I 64. Nomeado para Enviado Extraordinário na Haia em 25 de Junho de 1787, permaneceu em Lisboa nos dois anos subsequentes dedicando-se ao estudo dos tratados e convenções assinados entre Portugal e diversas potências. A 2 de Junho de 1789 saiu de Lisboa em direcção a Inglaterra. Visitou Oxford e Londres, onde foi recebido pelo Rei de Inglaterra, Manchester e Liverpool. Na capital inglesa conviveu com Price, Pitt e Fox 65 e visitou a Royal Society a convite de Sir Joseph Banks que, nessa altura, lhe ofereceu um conjunto de manuscritos portugueses como a História da Etiópia do Padre Pêro Paes, as cartas anuais da Etiópia e os poemas em sânscrito Ramaiana, Mahabarta e Bhágavat Purana 66. Depois de uma breve hesitação, em virtude dos tumultos que se viviam em Paris, decidiu passar à capital francesa onde foi recebido pelo embaixador D. Vicente de Sousa Coutinho. Em França, assistiu aos debates da Assembleia Constituinte e

61 Título de doação e anexação ao morgado de Sá dos bens que deixou a esta caza o Illmo. Senhor Tomaz Vicente Cabeças de Souza, Cavalleiro Professo na Ordem de Cristo. ADB-UM/SIFAA/ SSC 08.01/SSSC MAP/DOC. 44,2. 62 Alvará da Comenda de S. Pedro do Sul, bispado de Viseu, na Ordem de Cristo. IAN/TT, Registo Geral de Mercês, D. Maria I, liv. 29, fl. 376. 63 Cf. Elogio Histórico (…), pp. XX-XXI. 64 Cf. Eurico Brandão de Ataíde Malafaia, António de Araújo de Azevedo, conde da Barca, Diplomata e Estadista. 1787-1817. Subsídios documentais sobre a época e a personalidade, Braga: Arquivo Distrital de Bagra/Universidade do Minho, 2004, p. 19. 65 Cf. Elogio Histórico (…), p. XXII. 66 Cf. Alberto Feio, “Nota bio-bibliográfica”, in: Pêro Pais – História da Etiópia, Livro 1, Porto: Livraria Civilização Editora, 1945, pp. XXVIII-XXIX.

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tratou com Montmorin, Necker, Baily, maîre de Paris, e, na casa deste, conviveu com Fourcroy, Lallande, Marmontel e Lavoisier 67. Passou, finalmente, a Haia onde chegou no mês de Agosto de 1790. Nas Províncias Unidas permaneceria ininterruptamente até 1796, tendo por companheiros Francisco José Maria de Brito, secretário da legação e que o acompanhava desde Lisboa, e Filinto Elísio, a quem amparou entre 1792 e 1797 68. Em 1796 foi nomeado para se deslocar a Paris em missão especial com o carácter de Ministro Plenipotenciário para negociar a paz com o Directório Executivo. Durante os dois anos subsequentes, manteria o duplo estatuto de Enviado Extraordinário na Haia e de Ministro Plenipotenciário em Paris. A sua missão em França culminaria com a assinatura do célebre tratado de paz de 10 de Agosto de 1797 e com a sua detenção de Araújo na Torre do Templo, em virtude da tardia ratificação do diploma pela corte de Lisboa. Em Abril de 1798, regressou às Províncias Unidas, mais precisamente a Bosbeek, nos arredores de Harleem, onde deveria aguardar pelas ordens régias. Consigo seguira viagem Silvestre Pinheiro Ferreira, professor da Universidade de Coimbra que aparecera em Paris fugido das malhas da Inquisição 69, e que o acompanharia até ao seu regresso a Portugal em 1801. Todavia, a incessante luta empreendida por Araújo nas Províncias Unidas, à revelia do interesse do ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra Luís Pinto de Sousa, para estabelecer a paz com a França, levou a que o mesmo ministro o desviasse para Hamburgo, onde deveria aguardar por ordens ulteriores 70. Partiu então em Dezembro rumo à grande cidade livre onde veio a encontrar o morgado de Mateus 71. Aliás, seria D. José Maria de Sousa 72 que, a 30 de Maio de 1799, fez publicar anonimamente, em Hamburgo, a Ode de Dryden para o dia de Santa Cecília, e outras três de Gray, intituladas Sobre o progresso da poesia, Hymno à adversidade, Vendo ao Longe o colégio de Eton que tinham sido vertidas para o português em igual número de versos por António de Araújo. Por essa mesma altura, seria igualmente publicada a sua Tradução da Elegia de Gray, composta no Cemitério de uma igreja d’aldea 73. Como as instruções tardavam em chegar, Araújo solicitou uma licença de serviço para empreender uma viagem de instrução pela Alemanha – a viagem da Razão como diria Voltaire – o que foi prontamente concedido. Partiu com Silvestre Pinheiro Cf. Elogio Histórico (…), p. XXIII Cf. Fernando Moreira, Filinto Elísio: O exílio ou o regresso impossível, Braga: Edições APPACDM, 2000, pp. 187 e segs. 69 Minuta do ofício n.º 41 de António de Araújo para Luís Pinto de Sousa, datado de 1797.10.08. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI MPP/DOC. 1,98. 70 Cf. Eurico Brandão de Ataíde Malafaia, op. cit., 2004, p. 285. 71 ���� Cf. Elogio Histórico (…), p. XXV 72 O morgado de Mateus estava, na altura, de regresso de Copenhaga onde tinha desempenhado as funções de enviado extraordinário e ministro plenipotenciário. Cf. ���������� Anne Gallut, “Documents inédits sur le Morgado de Mateus et son Édition des «Lusíadas»”, in: Bulletin des Études Portugaises, Institut Français au Portugal, Lisboa: Livraria Bertrand, Nouvelle Série, Tomo XXVI, 1965, p. 200. 73 Cf. Inocêncio Francisco da Silva, Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo I, Lisboa: Imprensa Nacional, MDCCCLVIII, pp. 88-89. 67 68



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Ferreira e o casal Suzzane e Abraham Cappadoce com destino a Brünswick passando, em seguida, pelo importante centro universitário de Göttingen, onde frequentou as aulas de Blumenbach. Dirigiu-se, depois, a Cassel e ao ducado de Saxe-Coburgo‑Gotha, onde desenvolveu uma amizade com o barão de Zach, directório do observatório astronómico local e que o levou a colaborar no seu importante periódico. Conheceu Wieland e Herder em Weimar e a 30 de Setembro encontrou-se em Iena com Goethe, que nesse tempo dedicava o seu tempo às Ciências Naturais. Goethe diria mais tarde a Von Voigt que: O Comendador Araújo agradou-me muito. A sua índole tem algo de meigo e natural, e, ao mesmo tempo, porta-se com discreção e dignidade, qualidades essas que é raro encontrarem-se juntas. Ele é muito instruído e culto 74.

Passa depois a Dresden, para visitar a fábrica de porcelana de Meissen e conhecer as célebres colecções de Arte 75. Ali, decidiu analisar a colecção mineralógica do Eleitor do Saxe, a qual estava a cargo de Charles Titius que, anos mais tarde, oferecer-lhe-ia a oportunidade de adquirir uma colecção idêntica. Passou a Freyberg, onde visitou as minas sob os ensinamentos de Werner e Charpentier, e finalmente, no Inverno de 1799, chegou a Berlim. Na capital da Prússia estudou botânica com Wildenow e química nos gabinetes de Scherer e Klaproth 76. Araújo projectava passar ainda à Silésia e à Hungria mas, entretanto, recebeu ordem para empreender o regresso a Lisboa sem perda de tempo 77. No regresso, passou pela Holanda para tratar de alguns bens pessoais e, naturalmente, da sua inestimável livraria particular dirigiu-se, depois, a Inglaterra. Finalmente, aportou em Lisboa em Abril de 1801. Foi, então, incumbido de passar a Paris para negociar a paz directamente com o Primeiro Cônsul. A missão seria um fracasso. Bonaparte, por intermédio do contra‑almirante Denis Décres, impediu o diplomata de desembarcar em Port Lorient. Regressou novamente a Lisboa, onde se manteve até Dezembro de 1801, altura em que foi novamente acreditado para Haia. Araújo ia, ainda, a caminho do seu posto, quando recebeu a credencial de D. João de Almeida de Melo e Castro que o nomeara para São Petersburgo. No entanto, deteve-se cerca de um ano na República Batava e só em Setembro de 1802 é que iniciou a viagem para a Rússia Imperial. Chegou à corte do Czar Alexandre I a 3 de Dezembro de 1802 78 onde permaneceu até Outubro de 1803.

Apud Albin Eduard Beau, “Goethe e a cultura portuguesa”, in: BIBLOS - Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, vol. XXV, Coimbra: Coimbra Editora, Lda., 1949, p. 403. 75 António Pedro de Sousa Leite, “O Conde da Barca e o seu papel em alguns aspectos das relações culturais de Portugal com a Inglaterra e a Alemanha”, separata de Armas e Troféus, S. 2, 3, Braga: [s.n.], 1962, pp. 28 e segs. 76 Id., ibid. 77 Despacho de Luís Pinto de Sousa para Araújo datado de 1800.08.10. ADB/UM-SIFAA/ SSC 08.01/SUBSI EEH/DOC. 3, 272,1 78 Cf. Eurico Brandão de Ataíde Malafaia, op. cit., p. 306. 74

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SSSSC 08.01.02.02.01 – Enviado Extraordinário na Haia (1787.06.25‑1802.08) Nomeado a 25 de Junho de 1787, só iniciou funções a 6 de Agosto de 1789. Manteve-se como diplomata acreditado junto dos Estados Gerais das Províncias Unidas até Agosto de 1802. v. Subsistema Portugal/Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra – Legação na Haia

SSSSC 08.01.02.02.02 – Ministro Plenipotenciário em Paris (1796.07.19-1798.04; 1801.04) Indigitado para ir a Paris negociar a Paz com o Directório Executivo, em missão especial e com o carácter de Ministro Plenipotenciário, António de Araújo entrega as credenciais a Charles Delacroix em Outubro de 1796. Manteve este estatuto até 29 de Março de 1798. Regressaria em Abril de 1801. v. Subsistema Portugal/Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra – Legação em Paris

SSSSC 08.01.02.02.03 – Ministro Plenipotenciário em São Petersburgo (1801.12.29-1803.10.31) É nomeado para a legação em São Petersburgo a 29 de Dezembro de 1801, inicia funções em Dezembro de 1802 e recebe a carta revocatória em Outubro do ano seguinte. v. Subsistema Portugal/ Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra – Legação em São Petersburgo

SSSC 08.01.02.03 – Secretário de Estado (1804.06.06-1808.03.11; 1814.02.14-1817.06.21) A sub-subsecção Secretário de Estado condensa a documentação produzida durante os exercícios ministeriais entre 1804 e 1808 e entre 1814 e 1817. Araújo chegou a Lisboa em Junho de 1804, sendo logo nomeado para Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Mais tarde, no decorrer de 1807, seria nomeado para Conselheiro de Estado, Ministro interino do Reino e Presidente da Real Junta do Comércio, tendo exercido todas estas funções em simultâneo. Os três anos que decorreram entre a sua nomeação e a partida da corte para o Brasil foram dominados, essencialmente, pela intensa actividade política em virtude do cenário calamitoso que se vinha desenhando sobre Portugal desde o falhanço do tratado de 1797 79. No entanto, no momento em que Araújo estava no Ministério, 79 Cf. José Baptista Barreiros, Preliminares da Primeira Invasão Francesa em Portugal, Braga: Delegação Bracarense da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, [1959].



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as relações com a França conheceram um agravamento, principalmente, depois do decreto do bloqueio continental promulgado por Napoleão Bonaparte em 21 de Novembro de 1806. Por outro lado, a persistência da Inglaterra – camuflada pela secular aliança com Portugal, mas marcada por uma verdadeira intransigência na defesa dos seus interesses económicos – fazia sentir-se desde Agosto, quando entrou no Tejo uma poderosa armada com tropas de desembarque comandada por Lord Rosslyn. Perante este cenário, a possibilidade do Príncipe Regente garantir a tão desejada neutralidade era quase nula. Como resultado destas movimentações a linha de fractura das camarilhas cortesãs tornou-se de tal forma vincada que a oposição entre o partido inglês, chefiado por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, e o partido francês, liderado por António de Araújo de Azevedo 80, embaraçou a tomada de qualquer decisão. A crise entrava pelo ano 1807 e, quando Junot chegou a Portugal, a 20 de Novembro, a solução não podia ser outra que não a da partida da corte para o Brasil. Sancionada pelo Conselho de Estado a 24 de Novembro, a viagem começou, nessa mesma noite, a ser preparada. Araújo, acoimado pelo povo de ser o responsável pela tragédia que se abatia sobre o reino, teve de embarcar às escondidas na nau Medusa. A sua bagagem era composta por 34 grandes caixotes que continham os papéis da Secretaria de Estado e, também, a maior parte da livraria particular, a colecção de estampas, uns instrumentos químicos e, ainda, uns prelos que tinham acabado de chegar a Lisboa provenientes de Inglaterra. No dia 29 a corte iniciava a sua viagem rumo ao Brasil. À chegada ao Rio de Janeiro, no dia 11 de Março de 1808, solicitou a exoneração do cargo de Secretário de Estado e, dois dias depois, o Príncipe Regente nomeou um novo Ministério com D. Rodrigo de Sousa Coutinho, futuro conde de Linhares, à cabeça. Arredado do ministério nos primeiros seis anos no Brasil, o seu quotidiano seria marcado pelos interesses económicos, científicos e culturais. Dedicou-se, então, à botânica iniciando a criação da hortus araujensis e colaborando, também, com Étienne-Paul Germain no Real Jardim da Lagoa de Freitas, e aos ensaios químicos no laboratório que estabeleceu em sua casa e onde, em pouco tempo, começou a funcionar uma aula de química. Por outro lado, assumiu-se cada vez mais como o protector de artistas como Francesco Bartolozzi, Henry l’Évêque – que dedicou a Araújo a edição dos Portuguese Costumes 81 – e Gregório Francisco de Queirós, mas, também, de cientistas como Varnhagen, Wilhelm Feldner e o barão d’Eschwege. Segundo Jean Baptiste Debret, Araújo era o novo mecenas, o protetor das ciências e da indústria, o verdadeiro amigo do progresso do Brasil 82. Em 11 de Fevereiro de 1814, afastada que estava a oposição inglesa da corte, Araújo regressava novamente ao ministério, desta vez para a Pasta da Marinha e dos Domínios Ultramarinos. Cf. Graça e J. S. Silva Dias, Os Primórdios da Maçonaria em Portugal, 2.ª edição, Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1986, vol. I, tomo II, pp. 422 e segs. 81 Henry L’Évêque, Portuguese Costumes, edição facsimile, introdução de Martim de Albuquerque, Lisboa: Inapa, 1993. 82 Cf. Jean Baptiste Debret, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, São Paulo: Círculo do Livro, [s.d.], vol. 2, pp. 611-612. 80

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Nos últimos seis meses da sua vida detinha todas as secretarias de Estado e atingia o patamar que um dia tinha sido prognosticado por um parente: ministro de Estado, Conde, e outro Marquês do Pombal 83.

SSSSC 08.01.02.03.01 – Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (1804.06.06-1808.03.11; 1814?-1817.06.21) Desempenhou o cargo por duas vezes. A primeira entre Junho de 1804 e Março de 1808, altura em que requereu a exoneração do cargo. A segunda com início provável em 1814 e fim a 21 de Junho de 1817. v. Subsistema Portugal/Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ‑ Secretário de Estado (1804.06.06-1808.03.11; 1814?-1817.06.21)

SSSSC 08.01.02.03.02 – Secretário de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos (1814.02.11-1817.06.21) Desempenhou o cargo entre Fevereiro de 1814 e Junho de 1817. v. Subsistema Portugal/Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos ‑ Secretário de Estado (1814.02.11-1817.06.21)

SSSSC 08.01.02.03.03 – Secretário de Estado dos Negócios do Reino (1807.02.25-1808.03?; 1817.01.24-1817.06.21) A Pasta do Reino, que estava vaga desde a morte do conde de Vila Verde, em Novembro de 1806, foi confiada interinamente a António de Araújo entre Fevereiro de 1807 e Março de 1808. Regressou ao cargo principal do ministério, novamente em interinato, entre Janeiro e Junho de 1817. v. Subsistema Portugal/Secretaria de Estado dos Negócios do Reino - Secretário de Estado

SSSC 08.01.02.04 – Conselheiro de Estado (1807.02.25-1817.06.21) António de Araújo de Azevedo recebeu a nomeação a 25 de Fevereiro de 1807 e exerceu funções ininterruptamente durante os dez anos subsequentes. v. Subsistema Portugal/Conselho de Estado - Conselheiro (1807.02.05‑1817.06.21)

83 Carta de José Calheiros dirigida ao conde da Barca, datada de Brandara, 1816.������� 03.30. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SSSSC SEMD/SRCR/DOC. 2,32,2.



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SSSC 08.01.02.05 – P  residente da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação (1807.02.25-1808?; 1817.01.24-1817.06.21) Foi nomeado a 25 de Fevereiro de 1807 para Presidente da Real Junta do Comércio. Exerceu funções provavelmente até à chegada ao Rio de Janeiro. Regressou ao cargo a 24 de Janeiro de 1817 e nele se manteve até à sua morte em 21 de Junho de 1817. v. Subsistema Portugal/Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação - Presidente

SSSC 08.01.02.06 – “Homem de Letras” A condição de “Homem de Letras” 84 contextualiza a produção literária e científica de António de Araújo de Azevedo e, ainda, a sua livraria particular. Araújo nunca foi um mero curioso ou dado a uma erudita e estéril acumulação do saber 85. Antes pelo contrário, pertencia ao grupo daqueles que participavam na redefinição do papel do Homem no mundo, que baseavam o seu discurso num conhecimento empírico e eminentemente pragmático conforme era postulado pelo Iluminismo. E esta condição de homem de estudo e de leitura está intrinsecamente ligada a todas as acções que empreendeu ao longo da vida. António de Araújo demonstrou, desde sempre, uma apreciável aptidão para a escrita, muito embora nem sempre tenha publicado os seus trabalhos, talvez por opção ou até pela simples razão da falta de tempo, devido ao surgimento de outros afazeres bem mais consentâneos com a sua condição de homem político. Desde cedo, Araújo começou a demonstrar uma clara apetência pelo pensamento de vanguarda quando desempenhou o cargo de Presidente da Sociedade dos Amigos do Bem Público de Ponte de Lima, agremiação fundada em 1779 sob os auspícios do arcebispo de Braga D. Gaspar de Bragança, cujo o objectivo era o de promover melhoramentos na agricultura, comércio e indústria limianos. Este fora o pretexto para iniciar uma correspondência com o duque de Lafões e com o abade Correia da Serra, respectivamente, Presidente e Secretário da Academia Real das Ciências de Lisboa que havia sido fundada nesse mesmo ano 86. Admitido como sócio correspondente da Academia no momento da sua fundação 87 é nessa qualidade que, em 1788, submete a concurso, sob anonimato, uma tragédia intitulada Ósmia que viria a arrecadar o primeiro prémio 88. Mais tarde, ����������� Cf. Roger Chartier, “L’homme de lettres”, in: L’Homme des Lumières, dir. de Michel Vovelle, Paris: Éditions du Seuil, 1992, pp. 159-209. 85 António Pedro de Sousa Leite, op. cit., p. 11. 86 Artur da Cunha Araújo, O Perfil do Conde da Barca, Porto: Livraria Tavares Martins, MCMXL, p. 13. 87 Cf. Christovam Ayres, Para a História da Academia das Sciências de Lisboa, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1927, pp. 121-122. 88 Cf. Jean Gagé, António de Araújo de Azevedo, Auteur d’Osmia, Coimbra: Coimbra Editora, 1946. 84

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já na condição de Sócio Honorário, ex-officio de Ministro e Secretário de Estado, apresentou outras duas Memórias em sessões daquela agremiação: a primeira intitulava‑se Memoria em defeza de Camoens contra Monsieur de la Harpe 89 na qual defendia o poeta português da imperfeita tradução d’Os Lusíadas que tinha sido empreendida por aquele poeta francês; a segunda memória, apresentada a 22 de Janeiro de 1806, intitulava-se Memória em defesa de alguns Authores Portuguezes, que escreverão sobre a Ethiopia (…) em que atribuía a descoberta da nascente do Nilo aos Jesuítas portugueses, conforme comprovava hüa collecção de manuscritos relativos à Abixinia de que me fez prezente o Cavalheiro [Sir Joseph] Banks e que era composta pela História da Etiópia do Padre Pêro Paes, por diversos opúsculos do Patriarca Afonso Mendes, dos Padres Manuel de Almeida, Manuel Barradas e Tomás de Barros, assim como, pelas cartas annuaes de vários outros jezuítas, que rezidirão na Ethiopia desde o principio até o meio do decimo septimo século 90. Para além das memórias, Araújo dedicou-se ainda à poesia. Durante a carreira diplomática, e mais concretamente na Haia, iniciou a tradução das odes de Horácio 91, num projecto que seria retomado durante a prisão na Torre do Templo, mas que jamais seria terminado. Em Hamburgo, como vimos, foram publicadas a Ode de Dryden e as Odes de Gray que tinha vertida para o português em igual número de versos, por António de Araújo e, ainda, a Tradução da Elegia de Gray, composta no Cemitério de uma igreja d’aldea 92. Por outro lado, os assuntos económicos eram também um dos seus alvos. O manuscrito intitulado Un voyageur contre quatre ou examen dês ouvrages suivans (…) jamais seria terminado 93. No entanto, na base de toda a sua produção literária e científica, e também da sua acção nos mais variados domínios, estava a valiosa livraria que foi compondo desde os tempos da Haia e cujo ritmo de crescimento não abrandaria com a sua partida para o Brasil, devido às remessas feitas pelos seus colaboradores e correspondentes 94. No entender de um seu biógrafo a livraria terá sido o primeiro e quase único suporte para a sua vasta erudição 95. O catálogo de 1818, demonstra todo o esplendor da livraria de Araújo. A sua desvelada dedicação aos livros fê-lo conceber vários catálogos e conservar uma série 89 Foi publicada nas Memórias de Literatura Portugueza, publicadas pela Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo VII, Lisboa, na Officina da mesma Academia, MDCCCVI, pp. 5-16. 90 Memória em defesa de alguns Authores Portuguezes, que escreverão sobre a Ethiopia, e particularmente sobre pertencer a Descuberta das origens do Nilo a Indivíduos, desta Nação Mr. Bruce, Author da viagem em Núbia, e Abissínia (…) ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SSSC HL/DOC. 40,21. 91 ADB/UM-SIFAA/SSC 08. 01/SSSC HL/DOC. 41,4. 92 Cf. Inocêncio Francisco da Silva, Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo I, Lisboa: Imprensa Nacional, MDCCCLVIII, pp. 88-89. 93 Un voyageur contre quatre ou examen dês ouvrages suivans: “Etat présent du Portugal” par le General Dumouriez; “Voyage en Portugal” par Mr. Murphy Architect Anglois; “Tableau de Lisbonne”; “Voyage en Portugal” par Mr. Du Chatelet publié par le Citoyen Bourgoing. ADB/UMSIFAA/SSC. 08. 01/SSSC HL/DOC. 41,10 - 41,17. 94 Ver José Viriato Capela, “António de Araújo de Azevedo e o Brasil. A importância do arquivo de António de Araújo Azevedo, 1.º Conde da Barca para a história do Brasil no fim do período colonial”, in: Bracara Augusta, vol. XLIII, n.º 94/95 (107/108), Anos de 1991/92, p. 14. 95 Eurico Brandão de Ataíde Malafaia, op. cit., p. 53.



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de recibos referentes à aquisição de obras, de guias de remessa, mas também de uns interessantes e minuciosos apontamentos de empréstimos de livros. O referido catálogo encerrava a descrição de 6705 volumes distribuídos por seis classes gerais como Teologia, Jurisprudência, Ciências e Artes, História Natural, Belas Letras e História 96. Ali conviviam harmoniosamente os livros antigos e as obras mais recentes, os códices e as memórias avulsas, as obras impressas e os documentos copiados pelo seu próprio pulso, as grandes colecções e uns ínfimos opúsculos. Como já referimos, dessa valiosa livraria apenas quatrocentas obras vieram para Portugal 97 e a maioria dessas que estão hoje no Arquivo Distrital de Braga são manuscritos copiados pelo próprio Araújo e pelos seus colaboradores num tempo em que a arte de bem copiar à mão era uma prática comum que permitia uma difusão cultural de largo alcance e assegurava a perenidade e o culto do seu autor. No que concerne à produção científica, depois de chegar ao Brasil Araújo veio a revelar-se um herdeiro do experimentalismo de Setecentos ao conceber e estruturar um laboratório químico e no qual realizou algumas experiências com interessantes títulos, e certamente de melhor aplicação prática, como a Rábia dos cães; Branqueação e tinturaria; Gorujaba, peixe que se pesca no Pará, de cuja bexiga, chamada buxo, se podia fazer um ramo de comércio vantajoso; Luparo, lúpulo, lupolo, cuja flor entra na composição da cerveja; Processo ou modo de extrair o óleo de Mamona ou rícino, por infusão e por expressão etc. 98.

SUBSISTEMAS DE INFORMAÇÃO 1. Subsistema Cabeças de Sousa Tomás Vicente Cabeças de Sousa, cavaleiro professo na Ordem de Cristo, era residente no Concelho de Santo Estêvão de Riba Lima. Encontrando-se sem herdeiros forçados, doou todos os seus bens ao morgado de Sá, conforme consta de escritura lavrada em Lisboa aos 5 dias do mês de Junho de 1805 99. 2. Subsistema Portugal/Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra – Legação na Haia: Enviado Extraordinário (1787.07.25-1802.08) O primeiro dos subsistemas de informação de “função” de António de Araújo de Azevedo agrega toda a documentação que tramitou no expediente da legação portuguesa na Haia. Catálogo dos Livros do Conde da Barca. 1818. BNRJ‑Manuscritos, 19,4,4. Catálogo [dos livros de João António de Araújo de Azevedo]. ADB/UM-SIFFA/SSC. 08.02/ Doc. 42,53. 98 ADB/UM-SIFAA/SSC. 08.01/SSSC HL/DOC. 16,32 ‑ DOC. 16,44. 99 Título de doação e anexação ao morgado de Sá dos bens que deixou a esta caza o Illmo. Senhor Tomaz Vicente cabeças de Souza, Cavalleiro Professo na Ordem de Cristo. ADB-UM/SIFAA/ SSC 08.01/SSSC MAP/DOC. 44,2. 96 97

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Apesar de ter sido nomeado a 25 de Julho de 1787 100 com o carácter de Enviado Extraordinário junto dos Estados Gerais das Províncias Unidas, o início efectivo de funções só aconteceu a 6 de Agosto de 1790, quando Araújo fez a entrega da credencial 101. A documentação produzida no expediente da legação da Haia deixa transparecer que as obrigações do diplomata seriam a de zelar pela vigência dos tratados políticos e económicos e comerciais em vigor entre os dois países 102, a de prestar apoio aos súbditos portugueses, bem como, a de estar vigilante às transformações sociais, políticas e económicas ocorridas naquela República. A sua missão na Haia durou cerca de 15 anos e pode ser dividida em quatro momentos distintos. O primeiro situa-se entre a sua chegada e o mês de Setembro de 1796 103, altura em que se deslocou para Paris para negociar o tratado de paz com o Directório Executivo; o segundo momento acontece entre Maio 104 e 26 de Julho de 1797, dia em que empreende o regresso a Paris 105; o terceiro período ocorre entre Maio de 1798 106 e Dezembro de 1799, altura em parte para Hamburgo 107; a última estadia na Haia situa-se entre Agosto de 1801, quando foi acreditado por Carta do Príncipe Regente na República Batava 108, e Agosto de 1802 quando foi recebido em audiência de despedida pelo Presidente do Governo da mesma República 109. A 28 de Setembro de 1802 parte definitivamente para São Petersburgo 110.

 Aviso da Secretaria de Estado participando ao Exmo. Senhor António de Araújo de Azevedo havê-lo S. Majestade nomeado seu Enviado Extraordinário aos Estados Gerais das Províncias Unidas. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SR/CARTÓRIO/DOC. 3,75. 101  Cf. Artur da Cunha Araújo, op. cit., p. 25. 102  Ver, por exemplo, a Minuta da Memória apresentada por António de Araújo de Azevedo, Enviado Extraordinário de S.M.F., aos Altos e Poderosos Senhores dos Estados Gerais da República das Províncias Unidas dos Países Baixos sobre o comércio e a navegação na Costa de Àfrica. 1791.03.09. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SSSC DIPL/SUBSI EEH/DOC. 1,1. 103 Minuta do ofício n.º 408 de António de Araújo para Luís Pinto de Sousa, datado de 1796.09.30. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI EEH/DOC. 1,26. 104 Cópia da carta de António de Araújo de Azevedo para Luís Pinto de Sousa, datada de 1797.05.06. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI EEH/ DOC. 2,133. 105 Minuta do ofício n.º 24 de António de Araújo para Luís Pinto de Sousa, datado de 1797.07.26. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI EEH/DOC. 2,142. 106 Minuta do ofício n.º 1 de António de Araújo para Luís Pinto de Sousa, datado de 1798.05.01. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI EEH/DOC. 1,35. 107 Minuta do ofício n.º 24 de António de Araújo para Luís Pinto de Sousa, datado de 1798.12.?. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI MPP/DOC. 1,59. 108 Cópia da carta credencial do Príncipe Regente nomeando António de Araújo de Azevedo para Enviado Extraordinário na Haia, datada de 1801.08.28.ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI EEH/DOC. 3,314. 109 Ofício de Mr. Van der Goes, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da República Batava, para António de Araújo, datado de 1802.08.09. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI EEH/DOC. 3,315. 110 Minuta do ofício de António de Araújo para D. João de Almeida de Melo e Castro, datado de 1802.09.28. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI EEH/DOC. 3,316. 100



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3. SUBSISTEMA Portugal/Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra – Legação em Paris: Ministro Plenipotenciário (1796.07.19-1798.04; 1801.04) António de Araújo tomou a iniciativa, ainda na Haia, de averiguar a predisposição do Directório Executivo da República Francesa para iniciar as negociações para o estabelecimento da paz com Portugal. Perante receptividade demonstrada por aquela República, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Pinto de Sousa, nomeou-o, pelo despacho de 19 de Julho de 1796 111, com o carácter de Ministro Plenipotenciário para se deslocar a Paris em missão especial no sentido de entabular as negociações. A primeira negociação decorreu entre 12 de Outubro de 1796 112 e 26 de Abril do ano seguinte, durante a qual negociou com Charles Delacroix, Ministro das Relações Exteriores 113. A segunda negociação decorreu entre 5 de Agosto de 1797 114 e prolongou-se até ao dia 10, dia da assinatura do Tratado 115. Desta feita, o interlocutor de Araújo foi Charles Maurice de Talleyrand, o antigo bispo de Autun, que havia substituído Delacroix à frente do Ministério. Todavia, a tardia ratificação deste tratado pela corte de Lisboa – demorou quase três meses – produziu resultados verdadeiramente nefastos para o diplomata e para Portugal. O Directório duvidou das reais intenções portuguesas e, para a estupefacção de toda a Europa, ordenou que António de Araújo fosse encarcerado na Torre do Templo a 29 de Dezembro de 1797 sob a acusação de ter conspirado contra a segurança da República em virtude de ter urdido uma trama em que pretendia comprometer alguns membros do Directório. A 29 de Março de 1798 recebeu ordem de soltura e regressou a Haia 116. Em 1801, e depois de uma licença de serviço, Araújo era novamente designado para ir a Paris tentar negociar a paz com o Primeiro Cônsul. Nomeado a 13 de Abril de 1801 117, dirigiu-se para Port Lorient onde aguardou pela autorização para seguir para a capital francesa. A missão veio a revelar-se infrutífera e Araújo regressou a Lisboa, em Junho do ano seguinte, onde tomou conhecimento de que a paz tinha sido firmada em Badajoz, a 5 de Junho de 1801, num tratado assinado entre Luís Pinto de Sousa, Godoy e Luciano Bonaparte 118.

111 Despacho de Luís Pinto de Sousa para António de Araújo, datado de 1796.07.19. ADB/ UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI MPP/DOC. 2,215. 112 Minuta do ofício n.º 1 de António de Araújo para Luís Pinto de Sousa, datado de 1796. 10.15. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI MPP/DOC. 2,114. 113 Minuta do ofício de António de Araújo para Luís Pinto de Sousa, datado de 1797.04.26. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI MPP/DOC. 2,132. 114 Minuta do ofício não numerado de António de Araújo para Luís Pinto de Sousa, datado de 1797.08.05. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI MPP/DOC. 1,78. 115 Sobre o Tratado de 10 de Agosto de 1797, ver José Baptista Barreiros, “O tratado de paz de 10 de Agosto de 1797 e a prisão de António de Araújo no Templo”, in: Independência. Revista de Cultura Lusíada, n.º 18, Ano XVIII, Junho, MCMLVIII, pp. 17-61. 116 Cf. Eurico Brandão de Ataíde Malafaia, op. cit., pp. 239 e segs. 117 Id., ibid., p. 292. 118 Id., ibid., p. 297.

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4. SUBSISTEMA Portugal/Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra – Legação em São Petersburgo: Ministro Plenipotenciário (1801.12.29-1803.10.31) A 29 de Dezembro de 1801, Araújo é nomeado para a legação portuguesa em São Petersburgo com o carácter de Ministro Plenipotenciário 119. A chegada à Rússia ocorreu no dia 3 de Dezembro de 1802 tendo a credencial sido entregue 16 dias depois. Permaneceu pouco tempo na corte do czar Alexandre I pois, a 31 de Outubro de 1803, recebeu a carta revocatória escrita pelo punho do Visconde de Anadia, ministro e secretário de Estado da Marinha, na qual lhe era ordenado que empreendesse a viagem ao Reino 120.

5. SUBSISTEMA Portugal/Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra: Ministro (1804.06.06-1808.03.11; 1814?-1817.06.21) Tomou posse como Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra a 6 de Junho de 1804 121. O expediente dos “Negócios Estrangeiros” foi marcado por uma intensa actividade diplomática. Araújo remetia constantes despachos com instruções para os embaixadores portugueses D. Domingos de Sousa Coutinho, em Londres, Cipriano Ribeiro Freire e o conde da Ega, em Madrid, D. José Maria de Sousa e D. Lourenço de Lima, em Paris, entre outros. Na volta do correio, recebia extensos ofícios, uns em cifra outros abundantemente documentados, expondo as deliberações daqueles governos e as movimentações do corpo diplomático internacional. A posição de Portugal no conflito e, por consequência, a delicada situação dos súbditos ingleses e franceses residentes em Lisboa eram também alvo de intensas negociações com o corpo diplomático acreditado em Portugal nomeadamente com Junot, embaixador francês em Lisboa em 1805, e com Lord Strangford, encarregado de negócios inglês. Por outro lado, o expediente da “Guerra” foi marcado por uma tendência claramente reformista com o objectivo de reavivar a disciplina militar e de regulamentar as estruturas já existentes. Os principais actos de Araújo foram, sem dúvida, a reorganização do exército, que coincidiu com o novo plano de uniformes por decreto de 19 de Maio de 1806, e a distribuição dos limites dos sete governos militares do reino no sentido de facilitar o recrutamento e a criação de novas brigadas de Ordenanças 122. Todavia, a crise irrompeu definitivamente quando Junot, à cabeça do exército francês, cruzou a raia no dia 20 de Novembro, e o Príncipe Regente decidiu empreender a viagem para o Brasil a 29 de Novembro de 1807.

119 Ver Instituto Diplomático, Relações Diplomáticas Luso-Russas. Colectânea documental conjunta (1722-1815), volume I, Lisboa: Instituto Diplomático, p. 751. 120 Carta do visconde de Anadia para António de Araújo de Azevedo, datada de 1803.10.31. Ver ADB-UM/ SIFAA/SSC 08. 01/SUBSI MPSP/DOC. 3,319. 121 Aviso do conde de Vila Verde para António de Araújo de Azevedo. ADB/UM-SIFAA/SSC 08.01/SUBSI SENEG/DOC. 43,15. 122 Elogio Histórico (…), p. XXXIII, nota a.



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À chegada ao Rio de Janeiro, no dia 11 de Março de 1808, António de Araújo requereu a exoneração do cargo 123, mas o processo de passagem da Pasta para o seu sucessor D. Rodrigo de Sousa Coutinho, futuro conde Linhares, iria prolongar-se por vários meses. Araújo regressaria novamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com certeza, depois de 24 de Janeiro de 1817, em substituição do falecido marquês de Aguiar124. Todavia, a vasta documentação existente no seu arquivo, leva-nos a crer que Araújo esteve incumbido interinamente desta Secretaria desde a morte do conde das Galveias, ocorrida a 18 de Janeiro de 1814125 ou, então, que coadjuvou o marquês de Aguiar no exercício destas funções. 6. SUBSISTEMA Portugal/Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos: Secretário de Estado (1814.02.11-1817.06.21) A 11 de Fevereiro de 1814 126, subia novamente chamado ao Ministério, desta vez, para sobraçar a pasta da Marinha e dos Domínios Ultramarinos. A seu cargo estava a gestão da Marinha portuguesa, a questões ligadas à navegação no império português e a vigilância sobre a Alfândega e os seus rendimentos. O Secretário de Estado da Marinha supervisionava, também, o Conselho Ultramarino, organismo responsável pela coordenação das questões coloniais à excepção das matérias de justiça (competentes às duas casas de Relação no Brasil e aos tribunais metropolitanos), às questões eclesiásticas e as relativas às ordens militares 127. A administração dos territórios ultramarinos era assegurada através da correspondência com os governadores das capitanias brasileiras e com as autoridades das colónias africanas e asiáticas. Exerceu estas funções até 21 de Junho de 1817. 7. SUBSISTEMA: Portugal/Secretaria de Estado dos Negócios do Reino: Secretário de Estado (1807.02.25-1808.03?; 1817.01.24-1817.06.21) Em Fevereiro de 1807 António de Araújo passou a responder interinamente pela Pasta do Reino 128, a qual detinha alguma precedência face às restantes secretarias de 123 Decreto de exoneração do cargo de Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, solicitado por António de Araújo de Azevedo. Palácio do Rio de Janeiro, 1808.03.11. ANRJ‑Secção Histórica, Colecção 15, livro 1, fl. 1v. 124 O marquês de Aguiar, D. Fernando José de Portugal e Castro, faleceu a 24 de Janeiro de 1817, deixando vaga a Secretaria do Reino. Cf. Nobreza de Portugal e do Brasil, dir. de Afonso Zuquete, Lisboa: Editorial Enciclopédia, 1989, vol. II, p. 211. 125 Id., vol. II, pp. 631-634. 126 Decreto de nomeação para o cargo de Ministro, e Secretario de Estado dos Negócios da Marinha, e Domínios Ultramarinos. 1814.02.11. ANRJ‑Secção Histórica, Colecção 15, livro 3, fl. 153v. 127 Heloísa Liberalli Bellotto, “O Estado português no Brasil: Sistema Administrativo e Fiscal”, in: Nova História da Expansão Portuguesa, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. VIII: O Império Luso-Brasileiro, coord. de Maria Beatriz Nizza da Silva, Harold Johnson, Fréderic Mauro, Lisboa: Editorial Estampa, 1986, pp. 288 e segs. 128 Elogio Histórico (…), p. XXXIII.

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Estado na medida em que secretaria o Rei, e como tal, recepciona as consultas ao Rei, trata dos seus despachos, regista-os e remete-os para os tribunais e conselhos, sendo também da sua responsabilidade o expediente da Casa Real 129. Mais tarde e já no Brasil, regressaria novamente à Secretaria do Reino depois de 24 de Janeiro de 1817, tendo desempenhado o cargo até 21 de Junho do mesmo ano.

8. SUBSISTEMA Portugal/Conselho de Estado: Conselheiro (1807.02.25‑1817.06.21) A nomeação para Conselheiro de Estado ocorre a 25 de Fevereiro de 1807 130. Araújo acumulou estas funções com as de Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Ministro interino do Reino e de Presidente da Real Junta do Comércio até à partida da Corte para o Brasil. Da acção que desenvolveu ao longo de dez anos como membro deste órgão consultivo, resultaram diversos pareceres: sobre a possibilidade de se enviar o Príncipe da Beira para o Brasil com o título de Condestável do Reino e de se criar, no Rio de Janeiro, um Conselho Provisório da Guerra e Justiça; sobre a adesão ao sistema continental e, por consequência, sobre a declaração de guerra à Inglaterra, sobre a clausura dos portos portugueses à navegação britânica e a expulsão do ministro inglês em Lisboa 131. Curiosamente, ou não, ficaram na posse de Araújo algumas das actas originais das sessões do Conselho onde constam as assinaturas autógrafas de todos os seus membros 132. São estes documentos o voto geral que o Conselho submetia à consideração do Príncipe Regente antes deste se pronunciar definitivamente sobre o assunto em questão. O Tratado de Comércio de 1810 com a Inglaterra foi também um dos assuntos sobre o qual Araújo se pronunciou. Aí, invocou o seu patriotismo puro e firme e aquele amor ardente pelo Soberano e pela prosperidade da Monarquia para desferir um forte ataque àqueles que promoviam a aplicação em Portugal dos pressupostos dimanados pela Riqueza das Nações de Adam Smith. A desmedida ambição inglesa colocaria em risco a viabilidade económica do Reino e provocaria um espectáculo de desolação e miséria de onde não resultaria senão nímia pobreza. O futuro conde da Barca estava certo que Adam Smith assim votaria se tivesse a honra de achar-se agora sentado neste

Cf. José Subtil, op. cit., p. 178. Cf. Eurico Brandão de Ataíde Malafaia, op. cit., p. 477. 131 Sobre a importância do Conselho de Estado antes da partida da Corte para o Brasil, ver Enéas Martins Filho, O Conselho de Estado Português e a transmigração da família real em 1807, Rio de Janeiro-GB, 1968. 132 A análise das actas do Conselho de Estado existentes no arquivo de António de Araújo vem demonstrar a importância que este órgão assumiu na governação do reino nos primeiros anos de Oitocentos até à partida da Corte para o Brasil e até mesmo por alturas da negociação do Tratado de Comércio de 1810. A sua existência num arquivo “particular”, fora da esfera dos Arquivos públicos portugueses, tem levado a alguns equívocos na análise e compreensão da importância deste órgão nos actos governativos. Cf. José Subtil, “Os poderes do Centro”, in: História de Portugal, dir. de José Mattoso, 4.º volume: O Antigo Regime (1620-1807), coord. António Manuel Hespanha, [s.l.]: Círculo de Leitores, 1993, p. 180. 129 130



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lugar, assim como Rosseau e Locke, sendo chamados a traçar as bases constitutivas de governos se afastarão das suas teorias filosóficas 133. 9. SUBSISTEMA Portugal/Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação: Presidente (1807.02.25-1808?; 1817.02.03-1817.06.21) A nomeação para Presidente da Real Junta do Comércio, organismo coordenador das actividades económicas e industriais do reino, ocorreu a 25 de Fevereiro de 1807, portanto no mesmo dia em que foi empossado como Conselheiro de Estado. A acção reformista que desenvolveu no seio da Real Junta do Comércio ficou bem patente quando obteve o decreto de 24 de Junho de 1807, pelo qual Sua Alteza houve por bem destinar annualmente 4000$000 de réis para serem empregados pela Real Junta do Comércio em a colleção de livros, mappas, modelos ou desenhos de máquinas para promover os diversos ramos da industria nacional, fazendo este depósito em hum local dentro do edifício destinado à mesma Junta. Estes fundos devião sahir do cofre dos contrabandos; de sorte que aquelles meios empregados pelos estrangeiros para amortecer a nossa industria, virião a servir para anima-la e faze-la mais florecente 134.

Todavia, o projecto não seria executado em virtude da partida da corte para o Rio de Janeiro. A 23 de Fevereiro de 1817, Araújo reaparece como Presidente da Real Junta do Comércio no Rio de Janeiro 135. O estudo de inúmeras memórias, roteiros e itinerários descritivos de sertões, rios e as barras fluviais, mas também dos mapas da produção, rendimentos e despesas de várias capitanias, levou-o a reconhecer as dificuldades de comunicação no interior do Brasil. Empreendeu, então, vários projectos como a abertura de estradas e o desenvolvimento dos correios entre as capitanias no sentido de proporcionar um melhor escoamento das produções brasileiras.

Tratado de Comércio com a Inglaterra. Um rascunho das minhas opiniões. Apud Política, Administração, Economia e Finanças Públicas Portuguesas (1750-1820), estudos introdutórios de José Viriato Capela, Braga: edição do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 1993, pp. 173‑182. 134 Elogio Histórico (…), p. XXXIX. 135 Decreto da mercê do cargo de Presidente da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas, e Navegação do Reino do Brasil e Domínios Ultramarinos. 1817.02.03. ANRJ‑Secção Histórica, Colecção 15, livro 5, fls. 81v.-82. 133

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