O AUTOCONHECIMENTO BRASILEIRO ATRAVÉS DO TEMPO (2015)

July 5, 2017 | Autor: Rodrigo Corrêa | Categoria: Culture
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O AUTOCONHECIMENTO BRASILEIRO ATRAVÉS DO TEMPO Rodrigo Pardini Corrêa História da Música Brasileira I, 2015/01

No Brasil, a busca pela definição da “autenticidade cultural brasileira”, ora na procura de funções diversas de modo a se auto analisá-la, ora utilizando-a de mecanismos para promover mudanças. Tal preocupação teve como início, a independência do Brasil, procurando romper a relação entre colônia e metrópole, baseando-se na cultura indígena para se contrapor à dita “universal” e praticamente europeia por essência. Por volta de 1870, surgem especialistas que se preocupavam com o estudo e o diagnóstico da delimitação da cultura, entretanto tais estudos não compreendiam todas as vertentes e influencias culturais que a cultura brasileira comportava, excluindo, por exemplo, a parte africana da cultura brasileira, bem como os particularismos das subculturas que aqui existem, sendo considerados como “atraso do progresso” brasileiro. Ainda que a cultura europeia estivesse em parte excluída nesta fase, ela ainda se encontrava altamente influente no Brasil, servindo muitas vezes de referência na comparação entre a nacional e a mesma. Alguns pesquisadores, entretanto, passaram a considerar a cultura brasileira como integrante menor da europeia, em oposição aos outros, encarando a última como um bloco monolítico, superestimando o conhecimento objetivo e empírico sobre o intuitivo, elemento básico da mentalidade europeia. Era considerado, nesse período, a diferença entre cultura “erudita” e “popular”, de forma a responsabilizar a última como “deturpada” ou “atrasada” em relação ao centro dominante que era a Europa, surgindo preconceituosamente o termo folclore para defini-la. Destaca-se como precedente de tal preconceito, a música, sendo expurgada a música proveniente das classes sociais inferiores, sobretudo no meio mais abastado. À medida que as camadas populares se distanciavam dos grandes centros da elite, a música produzida pelas classes sociais inferiores se mostrava menos reprimida. A partir da segunda metade do século XIX, observou-se a tentativa da inserção de músicas tradicionais nas composições de obras destinados ao público mais abastado, referenciando tais obras ao contexto brasileiro de forma consideravelmente nacionalista. Após a virada do século, as composições musicais “eruditas” passaram cada vez mais a se distanciar dos elementos próprios brasileiros em repúdio às influências “populares”.

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A cultura dita “popular” passou então a ser tratada como intuitiva e cujos conhecimentos não mereciam o nome de “saber”, sendo diminuída, porém, os pesquisadores aderentes a tal corrente acreditavam que este conhecimento deveria ser mantido não como elemento integrante de cultura, mas como apenas uma curiosidade. A noção que se tinha de cultura deixava de ser vista como uma totalidade, passando então a se dividir nos dois modos de pensar até então concebidos, o “comum” e o “dos sábios”. Nas décadas de 50 e 60, passou-se a dominar um pensamento que afirmava a não existência de uma cultura brasileira própria, uma vez que esta é, na verdade uma mistura de influências sem controle, que garantia a não identidade cultural, bem como se questionava a noção de música “erudita” e “popular” brasileira. Surge-se então, a necessidade de descobrir o que era “realmente significativo na vida nacional”, tanto nas camadas inferiores quanto nas superiores da sociedade, que ainda tinham como pensamento a ideia de progresso da nação, de contornos bastante nacionalistas. Um dos marcos de maior destaque neste período foi a Semana de Arte Moderna (1962), revelando os elementos culturais de origem europeia e não europeia, tendo seu impacto exercido principalmente através da literatura, entretanto o preconceito eurocêntrico persistia, fazendo do Brasil, para a elite intelectual, uma anomalia, já que se identificavam com contextos analíticos mais complexos. A cultura brasileira não podia então ser subordinada e classificada como “subcultura”, mas sim como outra, de igual importância. Entretanto, para os pesquisadores desta época, mesmo valorizando os elementos culturais tipicamente nacionais sobre os europeus, permaneciam ainda, mesmo que subentendido, a íntima afirmação da superioridade das características europeias, principalmente em relação ao progresso técnico-científico, persistindo uma leve delimitação entre o saber popular, inferior e o saber erudito, superior. Foi a partir da década de 60 que se passou a utilizar a cultura não como modo de visão, mas de ação na sociedade. Neste contexto, afirmavam os estudiosos, que a cultura era o modo de relação de uma sociedade com o seu ambiente. Entretanto, tal pensamento foi muitas vezes interpretado como uma afirmação da divisão da cultura entre camadas sociais. A partir deste período, observa-se a divisão dos pontos de vista compartilhados pelos estudiosos em três, se tornando heterogêneo, diferente dos tempos anteriores. Haviam então os que tendiam à manutenção da “cultura da camada superior”, que servia aos propósitos das camadas dominantes; os que utilizavam a cultura popular como instrumento de dominação da camada inferior; e os que, conscientes dos problemas causados pela segregação entre as classes, defendiam e mantinham a cultura mais inferior, que nesse sistema se tornara frágil.

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Diferentemente dos anteriores, esta geração de estudiosos conferiram a si mesmos a função de “formar” uma identidade cultural brasileira dita “autêntica”, de forma a que em sua visão, os “intelectuais” deviam instruir a cultura ao povo. Atualmente, observa-se ainda em mãos dos estudiosos a função formadora, pelo menos ao que se refere à música “erudita” no Brasil. Geralmente, tais estudiosos se localizam em conservatórios e faculdades, fazendo muitas vezes com que estes locais sejam atribuídos à própria música “erudita”. Concomitantemente, a música “popular” se insere no cotidiano em escolas de musica de tendências mais inovadoras, sem grande influência dos estudiosos com influências de seus predecessores do passado. Ainda em nosso tempo, podemos perceber o quão intrínseco em nossa cultura, a divisão entre a música “popular” e a “erudita”, entre a música estrangeira e a local, muitas vezes sendo atribuídas as populares e locais como a parte mais “pobre” e “menos válida” da cultura, sem nos dar conta de que valorizamos as outras como uma colônia em relação à sua metrópole.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

QUEIRÓZ, Maria Isaura Pereira de. Cientistas sociais e o auto-conhecimento da cultura brasileira através do tempo. Centro de Estudos Rurais e Urbanos. Departamento de Ciências Sociais, USP. Sem data. CASTAGNA, Paulo. Apostila do curso História da Música Brasileira. Instituto de Artes da UNESP. São Paulo: 2003. v.12. CASTAGNA, Paulo. Apostila do curso História da Música Brasileira. Instituto de Artes da UNESP. São Paulo: 2003. v.14.

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