O autossacrifício da forma: “Berenice”, de Edgar Allan Poe

June 4, 2017 | Autor: William Silva | Categoria: Mythology, Literature, Short story (Literature), Edgar Allan Poe
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— WILLIAM AUGUSTO SILVA

RESUMO Este trabalho analisa o conto “Berenice”, de Edgar Allan Poe. Observa-se na trajetória de seu protagonista a realização da dialética na qual o indivíduo, no intento de se autopreservar, termina por realizar seu próprio sacrifício. A análise prossegue relacionando então esse aspecto da história às características presentes na própria forma, atribuindo o predomínio de elementos abstratos e não narrativos ao sacrifício do material literário HQYROYLGRQDFRPSRVL¦¢RGRWH[WRDƮPGHVHREWHUDXQLGDGHGHHIHLWRSUHWHQGLGDSHORDXWRU(VER¦DVHDR ƮQDOXPDSRVVLELOLGDGHGHFU¬WLFDGDIRUPDGRFRQWRWDOFRPR3RHDFRQFHEH Palavras-chave: Edgar Allan Poe, Berenice, conto, forma, autossacrifício. ABSTRACT 7KLVSDSHUDQDO\]HVWKH(GJDU$OODQ3RHŞVVKRUWVWRU\Š%HUHQLFHš:HREVHUYHLQWKHWUDMHFWRU\RILWVSURWDJRQLVW the realization of the dialectic in which the individual with the intent to preserve itself, ends up performing his own VDFULƮFH7KHDQDO\VLVWKHQFRQWLQXHVUHODWLQJWKLVDVSHFWRIWKHVWRU\WRIHDWXUHVRIIRUPDQGDWWULEXWLQJWKHSUHGRPLQDQFHRIDEVWUDFWHOHPHQWVDQGQRWQDUUDWLYHWRWKHVDFULƮFHRIOLWHUDU\PDWHULDOLQYROYHGLQWH[WFRPSRVLWLRQLQ RUGHUWRJHWWKHXQLW\RILPSUHVVLRQbLQWHQGHGE\WKHDXWKRU$WWKHHQGZHRXWOLQHGWKHSRVVLELOLW\RIFULWLFL]LQJWKH ZD\3RHFRQFHLYHVWKHIRUPRIWKHVKRUWVWRU\ Keywords: (GJDU$OODQ3RH%HUHQLFHVKRUWVWRU\IRUPVHOIVDFULƮFH

I m artista literário habilidoso constrói um conto. Se é sábio, não

U

amolda os pensamentos para acomodar os incidentes, mas, depois de conceber com cuidado deliberado a elaboração de um

certo efeito único e singular, cria os incidentes, combinando os eventos

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de modo que possam melhor ajudá-lo a estabelecer o efeito anteriormente concebido. Se a primeira frase não se direcionou para esse efeito, ele fracassa já no primeiro passo. Em toda a composição não deve haver sequer uma palavra escrita cuja tendência, direta ou indireta, não leve àquele único plano pré-estabelecido. Com tal cuidado e habilidade, atraY¨VGHVVHVPHLRVXPTXDGURSRUƮPVHU SLQWDGRHGHL[DU QDPHQWH de quem o contemplar um senso de plena satisfação. A idéia do conto apresentou-se imaculada, visto que não foi perturbada por nada. Este é XPƮPDTXHRURPDQFHQ¢RSRGHDWLQJLUb POE, 2011, p.338-339)

1DVHJXQGDUHVHQKDTXH3RHGHGLFDDTwice-told talesGH1DWKDQLHO+DZWKRUQHM VHDQXQFLDYDRSULQF¬SLRTXHSRXFRVDQRVPDLVWDUGH JDQKDULDIRUPXOD¦¢RODSLGDUQRIDPRVRLQưXHQWHHSRO©PLFRŠThe PhiORVRSK\RI&RPSRVLWLRQ”. O conhecido ensaio de Poe foi publicado pela SULPHLUDYH]HP$UHVHQKDGROLYURGH+DZWKRUQHTXDWURDQRV antes, em 1842. Mas a noção de unidade de efeito, conquanto só tenha se aprimorado e mostrado toda sua força nesses dois textos, parece já acompanhar o autor desde um período mais remoto de sua carreira literária. O que nas resenhas e ensaios ganha clara e precisa formulação já se insinuava de forma surpreendente e cheia de consequências em ao menos em um de seus primeiros contos. Em 1835 o 6RXWKHUQ/LWHUDU\0HVVHQJHU de Richmond publicou o conto “Berenice”. A história de um protagonista desequilibrado que equivocadamente enterra sua noiva ainda com vida e depois lhe extrai os dentes movido por um impulso irracional de preservar sua presença não teve boa acolhida do público, o que levou o autor à própria autocensura nas publicações posteriores do texto, suprimindo alguns trechos considerados excessivamente grotescos. O autor, contudo, a julgar pela FRUUHVSRQG©QFLDWURFDGDFRPVHXHGLWRUƮ]HUDXPDDSRVWDDUULVFDGDQR gosto do público da época: “7KHKLVWRU\RIDOO0DJD]LQHVVKRZVSODLQO\WKDW WKRVHZKLFKKDYHDWWDLQHGFHOHEULW\ZHUHLQGHEWHGIRULWWRDUWLFOHVVLPLODULQ QDWXUHWR%HUHQLFH>Ŧ@7REHDSSUHFLDWHG\RXPXVWEHUHDGDQGWKHVHWKLQJV DUHLQYDULDEO\VRXJKWDIWHUZLWKDYLGLW\” (POE, apud FORCLAZS  Ainda quanto ao contexto em que “Berenice” foi escrito, é de se mencionar também que o conto não apenas visava a atender ao gosto do público (ávido por determinados gêneros bastante populares na época, como histórias góticas ou contos de vampiros), como também parecia estar em certa sintonia com sua realidade cotidiana. Observou-se que uma das possíveis fontes de inspiração do conto foi uma notícia publicada num jornal local a respeito de ladrões que assaltavam túmulos em busca de dentes para dentistas (FORCLAZ, idem, p. 25).

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Mas esse lastreamento no contexto sócio-histórico da época que tornou possível a escrita de “Berenice” sofre um minucioso processo de apagamento quando da elaboração do conto. O trabalho de seu auWRUDFUHGLWDPRVFRQVLVWLXHPWUDQVƮJXUDUWRWDOPHQWHDVUHIHU©QFLDVDR mundo histórico e material de onde o conto foi gerido. Purgar o material que o constitui de toda e qualquer mácula de historicidade: precisamente nessa tentativa residem as peculiaridades que permitem problematizar a teoria do conto tal como proposta por Poe. 'RFRQWU ULRFRPRLQWHUSUHWDUSRUH[HPSORRIDWRGHTXHRDXWRU A citação traduzida segundo

tenha resolvido buscar num autor árabe do século II a citação em latim1

a edição que utilizamos: “Diziam

que serve como epígrafe de seu conto, ao invés da notícia de jornal na

[1]

meus companheiros que visitando o túmulo de minha amiga encon-

qual se baseou para desenvolver seu argumento, ou os vários contos de

traria alívio para meus pesares.

vampiro tão em voga naquela época? Seu modelo, pretende dizer-nos o

Ebn Zaiat” (POE, 2013, p. 191).

autor, não está nas páginas dos jornais ou nos livros ordinários que qualquer um lê por aí. É como se tudo devesse girar em torno de um material livresco e erudito, assinalando que o único universo possível da literatura V¢RRVOLYURVDELEOLRWHFD1HVVHVHQWLGRRSU²SULRSURWDJRQLVWDGRFRQWR assume a imagem do autor. Vê-lo como um alter ego de Poe não deve causar nenhuma objeção daqueles que conhecem sua vida. Os elemenWRVDXWRELRJU ƮFRVSUHVHQWHVQRFRQWRV¢REDVWDQWHHYLGHQWHVDPRUWH da mãe do personagem quando ainda criança, a doença da prima noiva

A crítica de fato já associou

que aos poucos a vai consumindo, etc2. O desejo de querer situar-se fora

o tema da morte da mulher, em

da história e dentro do universo estritamente literário é um dos motivos

[2]

geral bela, a eventos da vida do próprio autor: “Doubtless, Poe lost

mais recorrentes do conto. O uso de citações e referências eruditas que

an unusual number of beautiful,

SLSRFDPDTXLHDOLDRORQJRGDOHLWXUDIRUQHFHVLJQLƮFDWLYRWHVWHPXQKR

relatively young, nurturing females

dessa intenção (e Jorge Luis Borges, que um século mais tarde reescreverá

in his lifetime: his mother, Eliza

esse conto de Poe, fará uma apropriação paródica desse procedimento,

Poe; his foster mother, Fanny Allan; the mother of one of his friends,

levando-o à irrisão). O modo como o protagonista descreve a si mesmo

Jane Stanard; and his own wife,

¨VXƮFLHQWHPHQWHFODURDHVVHUHVSHLWR

Virginia Clemm. Poe witnessed his mother’s death before he turned three, and this traumatic

1HVVHOXJDU>DELEOLRWHFDGDIDP¬OLD@QDVFL'HVVHPRGRGHVSHUWDQGRGD

event caused him not only to

longa noite do que parecia, mas não era, a não existência, subitamente

seek desperately for replacement

PHUJXOKDGRQDVYHUDVUHJL´HVGRSD¬VGDVIDGDVŜQXPSDO FLRGH

caregivers but to re-enact this

LPDJLQD¦¢RŜQRVHUPRVGRP¬QLRVGRSHQVDPHQWRHHUXGL¦¢RPRQ V-

bereavement in his poetry and prose.” (WEEKS, 2004, p. 149)

WLFRVŜQ¢RFDXVDHVS¨FLHTXHHXFRQWHPSODVVHHPWRUQRGHPLPFRP XPROKDUHVSDQWDGRHDUGHQWHŜTXHHXFRQVXPLVVHPLQKDLQI¡QFLD QRVOLYURVHGLVVLSDVVHPLQKDMXYHQWXGHHPGHYDQHLRVPDV¨GHHVtranhar que, com o decorrer dos anos, e com o apogeu da virilidade F ROKHQGRPHDLQGDQDPDQV¢RGHPHXVSDLVŜ¨H[WUDRUGLQ ULRRPRGR FRPRDHVWDJQD¦¢RVHDSRVVRXGHPLQKDVIRQWHVYLWDLVŜH[WUDRUGLQ ULD a completa inversão que se operou na natureza de meus pensamentos

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mais comuns. As realidades do mundo pareciam-me visões, e não mais do que apenas visões, ao passo que as fantásticas ideações do SD¬VGRVVRQKRVWRUQDUDPVHSRUVXDYH]ŜQ¢RDPDW¨ULDPHVPDGH PLQKDH[LVW©QFLDFRWLGLDQDŜPDVFRPSOHWDHXQLFDPHQWHDSU²SULD existência em si. (POE, 2013, p. 192)

Essa tentativa de se localizar fora da história é explorada ostensivamente na caracterização do personagem, tornado-se tema da obra. 6XDYLGDRSHUDXPDLQYHUV¢RHQWUHUHDOLGDGHHƮF¦¢RUHFOXVRQDPDQsão de seus pais, o personagem quase não tem contato com a realidade empírica exterior e vive a realidade fantástica dos livros como a sua verdadeira realidade. As “realidades do mundo” são “visões”, enquanto que a literatura, o “país dos sonhos”, se tornou “completa e unicamente a própria existência em si”. Essa vida de reclusão é aquilo que motiva o comportamento obsessivo do personagem, que comentaremos logo à frente. Por não ter olhos para vida empírica em tudo o que ela pode ter de variado, mas apenas para os objetos limitados de uma pequena e reclusa realidade, essa atenção só pode se comportar com os objetos de um modo exclusivo, que leva à obsessão. Preso à literatura por um lado, Egeu – assim se chama o protagonista – também está preso à mitologia por outro. É possível compreender seu nome como uma clara referência a seu ilustre antecessor mitológico. Assim como o Egeu da mitologia, que se atira ao mar por acreditar HUURQHDPHQWHTXHVHXƮOKR7HVHXKDYLDPRUULGRQRFRQIURQWRFRPR Minotauro, também o protagonista é levado a cometer um equívoco brutal em razão de sua leitura errada da realidade, arrancando os dentes de Berenice ainda viva. O Egeu de Poe tende a aproximar-se de um KHU²LWU JLFRQ¢RWDQWRSRUVHXFDU WHUPDVSHODVFLUFXQVW¡QFLDVGH VHXHUUR0DLVHVSHFLƮFDPHQWHRKHU²LWU JLFRVRIRFOLDQRDTXHOHTXH¨ injustamente vitimado pelo destino. A queixa com que o narrador abre o conto “A miséria é múltipla. A desgraça do mundo é multiforme” (POE, idem, p. 191) é o grito de pathos que o herói grego externa diante da catástrofe – aqui reproduzido logo no início do conto e antecipando todo RVHQWLGRGRHTX¬YRFRTXHV²VHU UHYHODGRQRƮPDSHUPXWDELOLGDGH entre vida e morte. A aproximação ao trágico, mais do que caracterizar o protagonista como uma vítima do destino, pretende também situáORIRUDGDKLVW²ULD6LJQLƮFDXPDFRQGHQD¦¢RŸHWHUQDUHSHWL¦¢RGR mito, reencenando num caso particular o modelo arquetípico do equívoco que o protagonista encarna: “Mas é simplesmente ocioso dizer TXHHXQ¢RYLYHUDDQWHVŜTXHDDOPDQ¢RSRVVXLH[LVW©QFLDSU¨YLDš (POEbLGHPbSb 

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0DVVH(JHXSHUVRQLƮFDDQHJD¦¢RGDKLVW²ULDSUHWHQGLGDSRUVHX autor, será em contrapartida em Berenice que ela se manifestará – sob a forma do furor destrutivo do tempo. É Berenice quem se revela mais sujeita ao tempo. É nela que o tempo promoverá sua ação corruptora. E RTXHHOHPRGLƮFD¨VXDSU²SULDLGHQWLGDGHRXVHMDMXVWDPHQWHDTXHOH aspecto de continuidade da experiência temporal, que se opõe à experiência desintegradora da sucessão: $GRHQ¦DŜXPDGRHQ¦DIDWDOŜVHDEDWHXFRPRXPVLPXPVREUH seu corpo, e, diante de meus próprios olhos, o espírito da mudança desceu sobre ela, permeando sua mente, seus hábitos e seu caráter, e, da maneira mais sutil e terrível, perturbando até mesmo a identidade GHVXDSHVVRD$LGHPLPRGHVWUXLGRUYHLRHSDUWLXHDY¬WLPDŜ RQGHHVWDYDHOD"(XQ¢RDFRQKHFLDŜRXQ¢RPDLVDFRQKHFLDFRPR Berenice. (POE, idem, p. 193)

Berenice deixa de ser a mesma. O que o tempo corrompe é sobretudo sua natureza física, em especial sua beleza. Em sua caracterização como DOJX¨PVXMHLWDŸFDWDOHSVLDWDPE¨PƮFDVXJHULGDDLGHLDGHDOJX¨PTXH está o tempo todo transitando pelos limites cada vez mais incertos ao ORQJRGRFRQWRHQWUHYLGDHPRUWH1RHQWDQWR(JHXQXQFDVHLQWHUHVVRX por Berenice e sua beleza. A ideia de casar-se com sua prima só lhe ocorre diante da possibilidade de sua morte. O que o passa a atrair, parece, é o efeito do tempo, a corrupção. É esse estado de decadência que lhe chama a atenção quando a encontra em sua biblioteca. A passagem do tempo adquire presença no corpo doente de Berenice. E é isso o que interessa a Egeu, paradoxalmente. Enquanto Berenice entra em “transe” e, de certa forma, se desliga do mundo, Egeu desenvolve a sua “doença” que consiste, ao contrário, numa atenção extrema a determinados objetos: Cismar por longas infatigáveis horas com a atenção cravada nalgum IU¬YRORPRWLYRŸPDUJHPRXQDWLSRJUDƮDGHXPOLYURGHL[DUPHDEVRUver pela maior parte de um dia de verão numa esquisita sombra cainGRREOLTXDPHQWHVREUHDWDSH¦DULDRXVREUHRVRDOKRDEDQGRQDUPH GXUDQWHWRGDXPDQRLWHREVHUYDQGRDFKDPDƮUPHGHXPDODPSDULQD RXDVEUDVDVGHXPIRJRVRQKDUSRUGLDVDƮRFRPRSHUIXPHGHXPD ưRUUHSHWLUPRQRWRQDPHQWHDOJXPDSDODYUDFRPXPDW¨TXHRVRPŸ força da frequente repetição, cesse de transmitir qualquer ideia à menWHSHUGHUWRGDVHQVD¦¢RGHPRYLPHQWRRXH[LVW©QFLDI¬VLFDSRUPHLR da absoluta placidez corporal longa e obstinadamente mantida: – tais

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eram alguns dos mais comuns e perniciosos caprichos induzidos por uma condição das faculdades mentais, não, decerto, inteiramente sem SDUDOHORPDVGHƮQLWLYDPHQWHGHVDƮDQGRWRGDDQ OLVHRXH[SOLFD¦¢R (POE, idem, p. 193-194)

Enquanto a primeira vai aos poucos se desligando do mundo, o segundo, ao contrário, se liga mais a ele, ainda que parcialmente. O efeito do tempo sobre ambos é distinto: em Berenice, é o efeito da corrupção e GDGLVVROX¦¢RHP(JHX¨RHIHLWRGDSUHVHUYD¦¢RHPERUDDTXLORTXHVH preserve termine fragmentado: “repetir monotonamente alguma palavra FRPXPDW¨TXHRVRPŸIRU¦DGDIUHT»HQWHUHSHWL¦¢RFHVVHGHWUDQVmitir qualquer ideia à mente”. O paralelismo desse processo talvez seja motivado pela doença de Berenice. Quanto mais Egeu nota os efeitos GHVWUXLGRUHVGRWHPSRWDQWRPDLVHOHSURFXUDVHSUHVHUYDUVXDƮ[D¦¢R nos objetos é sua maneira de tentar não sofrer a passagem do tempo, recolhendo-se em si. A reclusão de Egeu (dentro de si, dentro de biblioteca, dentro do mito) exprime seu desejo de fuga do tempo que conduz à morte, “o voo silencioso das horas com suas asas de corvo” (POE, idem, p. 192). Mas em meio à destruição, ele encontra uma possibilidade de estabilidade nos objetos pelos quais se enlouquece. Em meio à morte que avança sobre Berenice, transformando-a, seus dentes surgem como uma imaJHPGRLQFRUUXSW¬YHO(JHXVHƮ[DQHOHVFRPRVHƮ[DHPTXDOTXHURXWUR objeto banal que encontra, mas com o objetivo de se furtar à passagem do tempo, evitando o que ele tem de contingente. Esse comportamento parece ser uma forma de não se perder aquilo que o objeto representa: os dentes são Berenice. Eles substituem, por contiguidade, o objeto prestes DVHSHUGHU1DGHVƮJXUDGDLPDJHPGHVXDSULPDQRLYDRVGHQWHVV¢RR ¹OWLPRUHI¹JLRGHVXDLQWHJULGDGHSRLVHVVDVƮJXUDVHVSHFWUDLVHPUD]¢R GHVXDQDWXUH]DLQRUJ¡QLFDHVW¢RLPXQHVŸPRUWHHŸGHFRPSRVL¦¢R(OHV adquirem, então, um caráter imaterial. São idéias: 'H0DGŞVHOOH6DOO¨EHPM VHGLVVHŠque tous ses pas étaient des sentiments”, e de Berenice eu acreditava muito seriamente que “tous ses GHQWV¨WDLHQWGHVLG¨HV'HVLG¨HVšŜDKHLVD¬RSHQVDPHQWRHVW¹SLGR que me destruiu! “'HVLG¨HVšŜDKHUDSRULVVRTXHHXRVFREL¦DYDW¢R loucamente! Sentia que sua posse era a única coisa que me devolveria a paz, ao restituir-me à razão. (POE, idem, p. 197-198).

$S²VƮ[DUVHQRVGHQWHVGDSHUVRQDJHPRQDUUDGRUUHODWDDSDVVDgem de dois dias, nos quais passou absorvido pela imagem. A marcação

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temporal nesse momento é bastante acentuada e se contrapõe à marcação GDFRQWLQXLGDGHGDƮ[D¦¢RGH(JHX$LPXWDELOLGDGHGDLPDJHPGRV dentes se opõe às mudanças de luzes da passagem temporal. Mas ela FXOPLQDU ƮQDOPHQWHQDPRUWHGH%HUHQLFHŠ(XWHULDGDGRPXQGRV SDUDIXJLUśSDUDHVFDSDUGDSHUQLFLRVDLQưX©QFLDGDPRUWDOLGDGHśSDUD respirar uma vez mais o puro ar dos céus eternais” (POE, idem, p. 200). Essa frase resume bem o comportamento de Egeu (e na verdade todo o conto). Pois, de fato, é o que ele faz ao longo do conto: tentar escapar ao confronto com a morte. Mas a morte de Berenice, ou o que ele acredita VHUVXDPRUWHHQƮPQ¢RSRGHVHUFRQWRUQDGD

II Š(VFDSDUGDSHUQLFLRVDLQưX©QFLDGDPRUWDOLGDGHš2QDUUDGRUQ¢R SRXSDUHFXUVRVSDUDHVWHƮP(¨LVVRRTXHFRQIHUHDŠ%HUHQLFHšRVHX maior interesse, quando nos voltamos para sua forma. Considerando agora o próprio material verbal que o conto mobiliza, pode-se mesmo dizer que a recusa do mundo material é um dado observável diretamente na fatura do conto. Isso explica o incômodo que toma o leitor logo em suas primeiras linhas. O tedioso palavreado que se arrasta durante toda a primeira parte do texto deve-se ao predomínio marcante de um certo WRPPHGLWDWLYRDEVWUDWL]DQWHTXHWHQGHDDWURƮDUDD¦¢R A miséria é múltipla. A desgraça do mundo é multiforme. Cingindo o vasto horizonte como o arco-íris, suas colorações são tão variadas quanWRDVFRORUD¦´HVGRIHQ³PHQRŜHWDPE¨PW¢RGLVWLQWDVHFRQWXGRW¢R intimamente combinadas. Cingindo o vasto horizonte como o arco-íris! &RPRSRGHVHUTXHGDEHOH]DGHULYHLXPWLSRGHGHVHQFDQWR"bŜGD aliança da paz um símile da tristeza? Mas assim como, em ética, o mal é consequência do bem, igualmente, com efeito, da alegria nasce a tristeza. Ou a lembrança de uma felicidade passada é a angústia do hoje, ou as agonias existentes têm sua origem nos êxtases que poderiam ter existido. (POE, idem, p. 191).

Como nos melhores contos do autor, esse começo é representativo de todo o conjunto, pois antecipa, submerso no discurso especulativo, o VHQWLGRƮQDOGRFRQWR1RWDPRVDTXLRSUHGRP¬QLRWRWDOGHFRQVLGHUD¦´HV abstratas de ordem geral, caracterizadas pelo uso do tempo verbal no presente e por substantivos que se referem a conceitos genéricos, não a coisas ou situações particulares. Menciona-se a desgraça, a miséria, sem nenhuma

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forma de determinação que as vincule ao infortúnio que o personagem sofreu. Essa universalização também pode ser notada no emprego das conjunções comparativas “como”, que são duas no parágrafo. A princípio, parecem se limitar à mera função ilustrativa, explicativa. Mas, na verdade, e considerando o contexto em que ocorrem, elas apontam para uma ideia de similaridade que é quase uma continuidade entre as coisas comparadas. O primeiro “como” relaciona conceitos abstratos a fenômenos naturais, sugerindo uma identidade entre ambos e desfazendo o antagonismo entre aquilo que é da ordem da cultura e o que é da ordem da natureza. O segundo, com função semelhante, procura vincular a teoria da ética ao particular do parágrafo, isto é, àquilo que está sendo comentado. Procura-se aplicar os princípios da ética à compreensão da alegria/tristeza, generalizando-os ao campo da psicologia. A experiência particular do narrador dilui-se, assim, na generalidade das formas gramaticais empregadas. Vemos, portanto, que neste primeiro parágrafo a narrativa propriamente dita ainda não começou, embora a produção de sentidos sim: a continuidade aqui sugerida é a célula abstrata da imbricação entre vida e morte, que o texto ruminará continuamente. Mas este começo, de fato, DLQGDQ¢RQDUUDDSHQDVVHOLPLWDŸUHưH[¢RGHPRGRTXHQ¢RHVWDPRV diante de narração. Seus elementos, para falar com a terminologia do estruturalismo, são antes índices que funções.3 Ainda que contribuam

[3]

para o sentido, nenhuma função desempenham na ação, que permanece

que atuam no nível da ação, re-

inerte. Logo, o conto começa, mas a narrativa não. Pode-se dizer que

Ao contrário das funções,

gidas por uma relação de causa e consequência, os índices reme-

há um efeito de retardamento da narrativa, efeito esse que não coloca o

tem “não a um ato complementar

tempo em marcha, mas na verdade o suspende.

e consequente, mas a um conceito

Esses aspectos, no entanto, não se limitam ao primeiro parágrafo, ainda que nele sejam mais exemplares e próximos da “pureza”. A priPHLUDSDUWHGRFRQWR¨HPJUDQGHPHGLGDDWUDYDQFDGDSRUUHưH[´HV por tempos verbais no presente, estados mentais da personagem, etc., que em nada contribuem para a ação. As marcações do tempo quando HQƮPDSDUHFHPV¢RVXPDUL]DGDVSRU¨PQ¢RFRPDƮQDOLGDGHGHUHODWDU grande período de tempo transcorrido, pois elas aparecem praticamente isoladas e únicas: “As memórias de meus anos mais tenros estão ligadas DHVVHOXJDUHDVHXVWRPRVŜGRVTXDLVQDGDPDLVGLUHL$OLPRUUHX minha mãe. Ali nasci” (POE, idem, p. 191). Parecem na verdade tentar limitar pelo laconismo a menção à passagem do tempo. O que notamos, então, é que o começo paradoxalmente posterga e DQWHFLSDRƮPSRVWHUJDGRSRQWRGHYLVWDGDD¦¢RTXHSUDWLFDPHQWHQ¢R acontece (ali não encontramos nenhum “núcleo” que desempenhe função GLQ¡PLFDQRVDFRQWHFLPHQWRVGRFRQWR DQWHFLSDSRU¨PGRSRQWRGH vista do sentido global do conto, que é sugerido em várias de suas partes.

mais ou menos difuso, necessário entretanto ao sentido da história: índices caracteriais concernentes aos personagens, informações relativas à sua identidade, notações das ‘atmosferas’, etc.” (BARTHES, 1972, p. 31).

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A recusa do tempo, uma característica do protagonista, como vimos, está sendo também desde o começo realizada na própria forma, na ausência de elementos propriamente narrativos. O que predominam são índicesTXHQ¢RSDUWLFLSDPGDD¦¢RDSHQDVGRVHQWLGRGRVLJQLƮFDGR ƮQDOGRFRQMXQWR0HVPRTXDQGRQ¢RK QDUUD¦¢RK DOJRVHQGRGLWRGH modo que não se pode dizer que se trata de uma recusa ou incapacidade GRQDUUDGRUGHQDUUDURGHVIHFKRFDWDVWU²ƮFRGHVXDKLVW²ULD 'DSULPHLUDSDUWHSDUDRƮQDODD¦¢RFRPH¦DƮQDOPHQWHDVHUQDUUDda, porém com o predomínio quase que total de “sumários narrativos” e GLOX¬GDHPHVSHFXOD¦´HVƮORV²ƮFDVHRXWURVSURFHGLPHQWRVQ¢RSURSULDmente narrativos, como citações e comparações. Mesmo alguns momentos importantes do ponto de vista da ação surgem como que rebaixados e imperceptíveis na medida em aparecem inseridos na narração sumarizada que predomina até a metade do conto. O primeiro núcleo da narrativa, isto é, o primeiro acontecimento com função no desenvolvimento da história, é o surgimento da doença de Berenice. Esse acontecimento, contudo, ocorre dentro de um sumário narrativo e é quase que um detalhe a concluir o lapso temporal narrado. Outros momentos importantes do conto também são tratados de forma semelhante, como por exemplo, quando o personagem fala do surgimento de sua “doença”, ou da proposta de casamento feita a Berenice. Em todos esses momentos, a narração ocorre GHIRUPDVXPDUL]DGDRTXHVLJQLƮFDGL]HUTXHDVD¦´HVV¢RQDUUDGDV da forma mais abstrata o possível, da forma mais depurada de detalhes, GHVFUL¦´HVHRXWURVHOHPHQWRVTXHOKHVFRQƮUDFRQFUHWXGH Mas se as considerações abstratas, os enunciados de caráter geral e os sumários narrativos diluem e enfraquecem a ação, esses momentos não são os únicos. Ainda que no conto predomine um tratamento sumarizado do material narrativo, ele também contém cenas, que são três: o encontro de Egeu com Berenice na biblioteca, sua visita ao cadáver de %HUHQLFHHDFHQDƮQDOQRTXDUWRGH(JHX9DOHDSHQDQRVGHWHUPRV na análise da primeira: (HQƮPRSHU¬RGRGHQRVVDVQ¹SFLDVVHDSUR[LPDYDTXDQGRHPFHUWD WDUGHQRLQYHUQRGHVVHDQRŜXPGHVVHVGLDVH[WHPSRUDQHDPHQWH TXHQWHVFDOPRVEUXPRVRVTXHV¢RDDPDGDOLQGD$OF\RQHŜVHQtava-me eu (e sentava, assim pensei, sozinho) no gabinete interno da biblioteca. Mas, erguendo os olhos, vi Berenice diante de mim. (UDPLQKDLPDJLQD¦¢RH[DOWDGDŜRXDLQưX©QFLDQHEXORVDGDDWPRVIHUDŜRXDYDJDOX]FUHSXVFXODUGRDSRVHQWRŜRXRVFLQ]HQWRV WHFLGRVTXHFD¬DPHPWRUQRGHVXDƮJXUDŜTXHOKHHPSUHVWDYDXP

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FRQWRUQRGHWDOPRGRLQGHFLVRHLQGLVWLQWR"1¢RSRVVRDƮUPDU(OD Q¢RGLVVHSDODYUDHHXŜQHPSRUPLQKDYLGDWHULDSURIHULGRXPD V¬ODEDTXHIRVVH8PFDODIULRJHODGRSHUFRUULDPHXFRUSRXPDVHQVD¦¢RGHLQVXSRUW YHODQJ¹VWLDPHRSULPLDXPDFXULRVLGDGHGHYRUDGRUDWRPRXFRQWDGHPLQKDDOPDHDIXQGDQGRGHYROWDQDSROWURQD permaneci por algum tempo imóvel e com a respiração suspensa, os olhos cravados em sua pessoa. Ai de mim! Sua emaciação era excessiva e nem um único vestígio do antigo ser espreitava em uma OLQKDVHTXHUGHVHXFRQWRUQR$W¨TXHPHXVROKDUHVDUGHQWHVHQƮP pousaram em seu rosto. 6XDIURQWHHVWDYDDOWDHPXLWRS OLGDHVLQJXODUPHQWHSO FLGDHRV cabelos outrora negros como azeviche caíam parcialmente sobre a testa, e toldavam as têmporas encovadas com inumeráveis anéis agora GHXPY¬YLGRDPDUHORHHPFKRFDQWHGLVFRUG¡QFLDSRUVHXFDU WHU fantástico, com a melancolia preponderante de seu semblante. Os olhos estavam sem vida, e sem brilho, e como que sem pupilas, e me encolhi involuntariamente ante aquele olhar vidrado e contemplei RVO ELRVƮQRVHHQUXJDGRV(OHVVHHQWUHDEULUDPHQXPVRUULVRGH peculiar expressão os dentes da transformada Berenice revelaram-se YDJDURVDPHQWHŸPLQKDYLV¢R4XLVHUD'HXVTXHMDPDLVRVKRXYHVVH contemplado ou que, uma vez o tendo feito, houvera eu morrido! (POE, LGHPS 

(VWDFHQDVHFDUDFWHUL]DSRUXPDGLƮFXOGDGHGHQDUUDUHPDOJXPD PHGLGD2EVHUYHVHDLPSUHFLV¢RQDƮJXUDGH%HUHQLFHLPSUHFLV¢R essa que o narrador não sabe bem explicar a origem (“ou...ou...ou…”). A ação é mínima e se reduz a pequenos espasmos, retraimentos, sensa¦´HV1¢RK GLDORJRHRSU²SULRQDUUDGRUID]QRWDUHVVHDVSHFWRbśTXH DOL VFDUDFWHUL]DVLJQLƮFDWLYDPHQWHRFRQWRLQWHLUR1DIDOWDGHD¦¢R vigorosa, a cena se concentra, por um lado, nas sensações do narrador e, por outro, na descrição de Berenice. A vívida descrição de sua decadência física corresponde à imagem da morte com a qual se confronta o protagonista, e que deve ser trazida em sua integridade apenas para melhor mimetizá-la. Parece que esta cena também paralisa o tempo, como tendem a fazer outros momentos do conto, pois não há marcações precisas de sua duração, embora haja uma breve menção ao transcurso do tempo. As principais ações que a cena narra transmitem a ideia de recolhimento e paralisia. Mas nesse ambiente de imobilidade, o narrador nota o aspecto transformado de Berenice, índice do tempo que transcorre, da morte

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que se aproxima, a despeito de toda tentativa de evitá-lo. Em meio à SHWULƮFD¦¢RGRVSHUVRQDJHQVTXHQDGDGL]HPHSHUPDQHFHPSDUDGRV surge a imagem do tempo na Berenice descaracterizada pela doença. A paralisia e a retração de Egeu correspondem ao medo diante dessa LPDJHP1HODVHFLIUDDDPHD¦DGDPRUWHGDTXDORSURWDJRQLVWDFRUUH o tempo todo. Mas agora, contra a ameaça feita imagem em sua frente, o primitivo comportamento mimético de Egeu é despertado e ele proFXUDIXJLUGRSHULJRSHODSDUDOLVLD(OHVHƮQJHGHPRUWRSDUDHVFDSDUŸ morte: “A proteção pelo susto é uma forma de mimetismo. Essas reações de contração no homem são esquemas arcaicos da autoconservação: a vida paga tributo de sua sobrevivência assimilando-se ao que é morto”. (ADORNO e HORKHEIMERSS Egeu regride então para um estado arcaico anterior ao próprio mito, revelando a verdadeira natureza de sua relação com a mitologia: seu autossacrifício reencena o suicídio de seu antecessor mítico. As aporias do processo de individuação se consubstanciam na personagem de modo paradigmático. Buscando a autoconservação pela renúncia ao tempo em seu caráter de indeterminação e risco, o sujeito se anula HQTXDQWRWDO(JHXHQIUHQWDDPRUWHQDƮJXUDGH%HUHQLFHDportadora da vitória – mas da vitória alheia. E sai vitorioso do confronto, tanto quanto Ulisses sai do embate com seus inimigos míticos: às custas de sua própria vida, mutilado. “Quem pratica a renúncia dá mais de sua vida do que lhe é restituído, mais do que a vida que ele defende” (ADORNO e HORKHEIMERLGHPS $YLGDGH(JHXDSDUHFHGHVGHR início ligada à morte: “Ali morreu minha mãe. Ali nasci” (POE, idem, p. 191). O entrelaçamento entre vida e morte, que o conto trabalha inFHVVDQWHPHQWHDGTXLUHƮQDOPHQWHDLPDJHPGDLGHQWLƮFD¦¢RGH(JHX com o cadáver de sua noiva: (UJXLEUDQGDPHQWHRVGUDSHDPHQWRVQHJURVGRVFRUWLQDGRV'HL[DQGR que tornassem a descer sobre meus ombros, e desse modo me isolando dos vivos, encerrei-me na mais estrita comunhão com a falecida. A mera DWPRVIHUDWUHVDQGDYDDPRUWH2RGRUSHFXOLDUGRFDL[¢RPHQDXVHRX e imaginei que um cheiro deletério já exalava do cadáver. Eu teria dado PXQGRVSDUDIXJLUŜSDUDHVFDSDUGDSHUQLFLRVDLQưX©QFLDGDPRUWDOLGDGHŜSDUDUHVSLUDUXPDYH]PDLVRSXURDUGRVF¨XVHWHUQDLV0DV Q¢RHVWDYDPDLVHPPLPDFDSDFLGDGHGHPHPRYHUŜPHXVMRHOKRV WUHPLDPVREPLPŜHSHUPDQHFLSODQWDGRQROXJDUFRQWHPSODQGRR corpo rígido em todo seu pavoroso comprimento que ali jazia estendido no caixão escuro sem tampa. (POE, idem, p. 199).

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III Ao notar a parcela rarefeita que a ação ocupa na cena em que Egeu encontra Berenice na biblioteca, fomos levados pela análise da forma à conclusão de que o protagonista realiza o que tem sido o trágico destino do indivíduo moderno, cuja necessidade de autoconservação converte-se autossacrifício. Analisávamos alguns aspectos formais do conto e novamente nos vimos enredados em aspectos relativos ao conteúdo. Mas gostaríamos de propor que nada há de acidental nessa passagem da análise da forma para uma análise do conteúdo da obra. Acreditamos que a autoconservação do protagonista é na verdade um dado da própria forma. Seu conteúdo, as vicissitudes da história de Egeu, pode ser lido, na verdade, como uma metáfora da própria obra de arte autônoma, em todas suas ambivalências. As exigências de autonomia e coerência que as obras de arte modernas se impõem parecem de alguma forma ecoar as contradições do indivíduo autodeterminado. Observando a questão da necessidade de coerência interna das obras de arte, Adorno escreve: $REULJD¦¢RGHDVREUDVGHDUWHVHLGHQWLƮFDUHPFRQVLJRPHVPDV a tensão em que caem e que as liga ao substrato do seu contrato LPDQHQWHHSRUƮPDLGHLDWUDGLFLRQDOGDKRPHRVWDVHDFRQVHJXLU precisam do princípio de consequência lógica: tal é o aspecto racional das obras de arte. Sem a sua obrigação imanente, nenhuma seria objetivada. (ADORNO, 2008, p.209)

É precisamente essa coerência interna, no intento de estabelecer e preservar sua autonomia, que se revela não apenas a virtude, mas também e a fraqueza de toda obra de arte: Tal é, porém, a melancolia da forma, sobretudo nos artistas em que SUHGRPLQD(ODOLPLWDVHPSUHRTXH¨IRUPDGRGHRXWURPRGRR VHXFRQFHLWRSHUGHULDDVXDGLIHUHQ¦DHVSHF¬ƮFDUHODWLYDPHQWHDR IRUPDGR,VWRFRQƮUPDRWUDEDOKRDUW¬VWLFRGRIRUPDUTXHLQFHVVDQtemente seleciona, amputa e renuncia: nenhuma forma sem recusa. (ADORNObLGHPbS

Esse aspecto contraditório da necessidade de coerência interna também está presente na obra de Poe. O próprio Adorno reconhece o escritor norte-americano, ao lado de Baudelaire, como um dos primeiros artistas a lidar com essa contradição:

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Os arautos da modernidade, Baudelaire, Poe, foram como artistas os primeiros tecnocratas da arte. Sem a adição do veneno, virtualmente a negação do vivo, o protesto da arte contra a opressão da civilização seria uma consolação impotente. (ADORNO, idem, p.205)

“7KH3KLORVRSK\RI&RPSRVLWLRQ”, que reúne os princípios gerais da estética de Poe (e não apenas da lírica), talvez seja o melhor texto para pensar como o autor concebe as questões relativas ao problema da coeU©QFLDLQWHUQDGDVREUDVGHDUWH1HVWHHQVDLRFRPRVDEHPRVRDXWRU pretende nos convencer de seu controle absoluto sobre os elementos envolvidos na composição de seu famoso poema “The Raven”: É meu desígnio tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso, ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a sequência de um problema matemático. (POE, 2009, p. 115).

Será puro exagero retórico ou força de expressão quando o autor diz nenhum ponto? Borges certa vez ponderou que obter um texto completamente isento da contribuição do acaso seria prerrogativa exclusiva GDGLYLQGDGHDŠLQWHOLJ©QFLDLQƮQLWDšTXHUHGLJLXDVVDJUDGDVHVFULWXUDV das quais tanto se ocupam os cabalistas. O texto dos homens não seria assim. O texto da comunicação cotidiana, como uma notícia de jornal, SRUH[HPSORHVW UHSOHWRGHDFDVRVRWH[WRGRVSRHWDVDSHQDVPRGLƮFD o lugar onde o acaso se manifesta: não na forma, mas no conteúdo. O texto do “escritor intelectual”, contudo, seria o que mais se aproxima desse propósito, em sua tentativa de limitar o arbitrário: (VWHVHMDHPVHXPDQHMRGDSURVD 9DO¨U\'H4XLQFH\ VHMDQRGR verso, certamente não eliminou o acaso, mas o recusou na medida do possível, e restringiu sua aliança incalculável. Remotamente se aproxima do Senhor, para Quem o vago conceito de acaso não tem nenhum sentido. (BORGES, 2011, p. 491, tradução minha).

'LJDPRVHQW¢RTXHDTXLORTXH3RHPHQWHQRIDFWXDOUHYHODVHYHUGDdeiro no que se refere às suas intenções. Ainda que inalcançável, é ambição mesmo do poeta uma composição em que tudo esteja absolutamente determinado. Ao lidar com a impossibilidade incontornável do controle realmente absoluto, só caberia a esses escritores essa espécie de tour de force que os levaria à tentativa de reduzir ao máximo a contingência da forma, sendo o FRQWRSRHDQRQR¡PELWRGDQDUUDWLYDHPSURVDRPHOKRUFDPLQKRSDUDLVVR

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Para tanto, Poe estabelece alguns princípios. O mais célebre é o sempre citado trecho do segundo parágrafo do ensaio: 1DGD¨PDLVFODURGRTXHGHYHUHPWRGDVDVLQWULJDVGLJQDVGHVVHQRPH ser elaboradas em relação ao epílogo, antes que se tente qualquer coisa com a pena. Só tendo o epílogo constantemente em vista, podemos dar a um enredo seu aspecto indispensável de consequência, ou causalidade, fazendo com que os incidentes e, especialmente, o tom da obra tendam para o desenvolvimento de sua intenção. (POE, idem, p.113)

Poe estabelece aqui o princípio que amarra ou prende toda a obra, aquilo que mantém unido e coeso seu material e o que determina a neFHVVLGDGHGHFDGDFRLVDGHQWURGHXPWH[WRRƮQDO1RWHVHSRU¨P que o que está em jogo aqui é mais do que uma trama bem construída, na qual cada elemento do enredo tem uma funcionalidade do ponto de YLVWDGDD¦¢R1¢RDSHQDVRVincidentes, mas também o tom deve estar subordinado à intenção do autor. Uma forma prática de compreender tal distinção é relacioná-la àquela já mencionada anteriormente entre funções e índicesUHVSHFWLYDPHQWH1HVWHVHQWLGRDLGHLDGHHIHLWRƮQDO¨GHQDWXUH]DPDLVVHP¡QWLFDGRTXHQDUUDWLYD1¢RVHWUDWDDSHQDVGHGHIHQGHUD prioridade do “acontecimento puro”, como sustenta Cortázar.4 Também

[4]

os comentários marginais, também os detalhes não propriamente nar-

mente a maneira de construir

UDWLYRVSRGHPVHUVLJQLƮFDWLYRVHŠ%HUHQLFHš¨RPHOKRUH[HPSORGHVVD DƮUPD¦¢R,QFLGHQWHV ou tons são meros meios para se atingir o efeito

“Poe descobriu imediata-

um conto, de diferenciá-lo de um capítulo de romance, dos relatos autobiográficos, das crônicas ro-

desejado pelo autor e, como tais, estão à sua livre disposição, podendo

manceadas do seu tempo. Com-

VHUPDQHMDGRVOLYUHPHQWHYLVDQGRŸHƮF FLDGRGLVFXUVR

preendeu que a eficácia de um

Mas, além dessa concepção teleológica de narrativa, em que tudo GHYHHVWDUVXERUGLQDGRDRHIHLWRLQWHUHVVDWDPE¨PD3RHGHƮQLURHIHLWR como unitário. A unidade de efeito é uma de suas idéias mais importantes sobre o conto:

conto depende de sua intensidade como acontecimento puro, isto é, que todo comentário ao acontecimento em si (e que em forma de descrições preparatórias, diálogos marginais, considerações a posteriori alimentam o corpo de

Se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma assentada,

um romance e de um conto ruim)

devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensamente importante que

deve ser radicalmente suprimido”

deriva da unidade de impressão, pois, se requerem duas assentadas, os negócios do mundo interferem e tudo o que se pareça com totalidade é imediatamente destruído [...] e o conjunto se vê privado, por sua extrema extensão, do vastamente importante elemento artístico, a totalidade, ou unidade de efeito. (POELGHPS

'HL[DQGRGHODGRDTXHVWLRQ YHOMXVWLƮFDWLYDSVLFRO²JLFDLQYRFDGD pelo autor, a saber, que emoções intensas são breves por necessidades

(CORTÁZAR, 2008, p.122).

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René Wellek observou que

psíquicas5, a questão da brevidade da composição pode corresponder

“o argumento contra o poema e

ao desejo de domínio total sobre o material literário, na medida em que

[5]

o romance longos é plausível somente nos moldes de uma teoria

é mais exequível fazê-lo em 20 páginas do que em 200. Mas a brevidade

psicológica segundo a qual o

é também a garantia de sua totalidade. A necessidade de que o conto

efeito estético depende antes de

ou o poema seja lido de uma só assentada para que os negócios da vida

um momentâneo excitamento

SU WLFDQ¢RLQWHUƮUDPHPVHXHIHLWRH[SUHVVDQDYHUGDGHDH[LJ©QFLDGH

nervoso do que da contemplação de uma estrutura verbal possivelmente extensa. Mesmo em funda-

DXWRQRPLDGRVHQWLGRGRWH[WR,VVRƮFDPDLVFODURQDUHVHQKDGHGLFDGD DROLYURGH+DZWKRUQHM PHQFLRQDGDQDDEHUWXUDGHVWHWUDEDOKR

mentos psicológicos, a continuada imersão durante vários dias, a convivência com uma obra de

Os interesses do mundo que intervêm durante as pausas da leitura

arte, podem ser defendidas com

PRGLƮFDPGHVYLDPDQXODPHPPDLRURXPHQRUJUDXDVLPSUHVV´HV

sucesso.” (WELLEK, 1971, p.162)

GROLYUR>@1RFRQWREUHYHQRHQWDQWRRDXWRUSRGHOHYDUDFDERD WRWDOLGDGHGHVXDLQWHQ¦¢RVHMDHODTXDOIRU'XUDQWHDKRUDGHOHLWXUD a alma do leitor está nas mãos do escritor. (POE, 2011, p. 338).

Existe uma relação entre a unidade de efeito e o tempo da leitura, como se durante esse período as “impressões do livro” devessem ser exclusiYDPHQWHLQưXHQFLDGDVŦSHOROLYURŠ$LGHLDGRFRQWRDSUHVHQWRXVHLPDculada, visto que não foi perturbada por nada.” (POE, idem, p. 339). Mas, parafraseando Mallarmé, um livro não se faz com ideias ou impressões, VHID]FRPSDODYUDV1DSU WLFDSRUWDQWRHVVDSURSRVWDSUHWHQGHOLPLWDU DVSRVV¬YHLVUHYHUEHUD¦´HVVHP¡QWLFDVGRPDWHULDOYHUEDOHPSUHJDGR Aquilo que se situe fora do sentido pretendido será um erro, um desvio. Tomando por base uma distinção estabelecida por Antonio Candido a respeito das funções que os detalhes assumem na narrativa, podemos dizer que a realização da unidade de efeito em “Berenice” equivale a uma tentativa de supressão quase total daquilo que o crítico chamou função referencial dos pormenores (isto é, o detalhe bruto e desprovido de sentido) em proveito unicamente de sua função estrutural, aquela que “reVXOWDGRDUUDQMRHTXDOLƮFD¦¢RGRVHOHPHQWRVSDUWLFXODUHVTXHQRWH[WR JDUDQWHPDIRUPD¦¢RGRVHXVHQWLGRHVSHF¬ƮFRHDGHTXD¦¢RUHF¬SURFD das partes (coerência)” (CANDIDOS ˆDVVLPTXHVXJHULPRV entender a noção de unidade de efeito em Poe: como uma particularização dos sentidos das palavras empregadas, que passam a ser internamente limitadas e determinadas pelo contexto da obra, pela sua unidade, e livres GDREULJD¦¢RGHƮGHOLGDGHGRFXPHQW ULDDRUHDO2XFRPRRFRQFHLWRGH “construção” da estética de Adorno, que “arranca os elementos do real DRVHXFRQWH[WRSULP ULRHPRGLƮFDRVSURIXQGDPHQWHHPVLDW¨HOHVVH tornarem novamente capazes de uma nova unidade.” (ADORNO, idem, p.94) A partir desse ponto de vista, aqui começam a se revelar os impasses da forma do conto em sua vertente poeana. Pois se “The Philosophy of

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&RPSRVLWLRQšSRGHVHUOLGRFRPRXPDƮUPHHSLRQHLUDGHIHVDGDDXtonomia artística, deve ser considerado também em tudo o que tem de problemático. A unidade de efeito, se por um lado garante a existência objetiva e autônoma da obra de arte, por outro terminar por exercer uma violência contra seus materiais, como Adorno observou, a propósito da obra de arte em geral: Š2PHLRSHORTXDORFRPSRUWDPHQWRGDVREUDVGHDUWHUHưHWHDYLRO©QFLD e a dominação social da realidade empírica é mais do que uma analogia. O fechamento das obras de arte enquanto unidade de sua multiplicidade transpõe imediatamente o comportamento dominador da natureza para algo removido de sua realidade” (ADORNO, idem, p.213).

O programa de completo domínio do material literário sintetizado no conceito de unidade de efeito parece já se manifestar em “Berenice”. Seu autor busca dominar totalmente o material, para que nada possa escapar ao seu controle, isto é, o efeito buscado. Para isso, Poe procura reduzir as palavras a puras portadoras do sentido buscado, ao evitar FRLVDVFRQFUHWDVLPDJHQVTXHSRVVDPUHPHWHUDDOJRQRPXQGR'D¬D DEXQG¡QFLDXPWDQWRLQF³PRGDGDVDEVWUD¦´HVHJHQHUDOL]D¦´HVTXHYLHmos observando ao longo da primeira parte deste trabalho. O predomínio de materiais verbais abstratos em “Berenice” equivale a uma tentativa de ID]HURVLJQLƮFDQWHQ¢RVHGHVYLDUGRVLJQLƮFDGRSUHWHQGLGR2PDWHULDO Q¢RGHYHFKDPDUDDWHQ¦¢RSDUDQDGDTXHQ¢RVHMDRƮPEXVFDGR¨R medo da dissolução no amorfo, de que falam Adorno e Horkheimer, que agora se manifesta como uma característica do próprio conto. A autoFRQVHUYD¦¢RVHWUDVODGDSDUDDIRUPDTXHŠVDFULƮFDšVHXPDWHULDOWDQWR quanto Egeu mutila Berenice e a si próprio, buscando preservar a vida: “As obras matam-no ao quererem fazer durar o transitório – a vida – e salvá-lo da morte.” (ADORNOLGHPS  O soterramento da ação em meio ao discurso abstrato parece corresponder ao imperativo de coerência do conto levado às suas últimas consequências. É como se o conto pretendesse evitar a precariedade e a imprevisibilidade do mundo empírico, sujeito às intempéries da temporalidade, evitando a mínima parcela do imotivado no discurso narrativo: a ação e os detalhes concretos de que ela necessita. Parece ser o modo como o autor constrói o sentido da maneira mais formalizada possível, isto é, livre da “mácula” de todo e qualquer vestígio de materialidade do mundo que as palavras trazem consigo. A forma do conto expressa o desejo de seu protagonista, o desejo de que os dentes de Berenice sejam “idéias” – e nada mais.

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Pode-se certamente objetar que neste conto de início de carreira o autor ainda não tenha alcançado certo equilíbrio, que a receita ainda não estava de todo aperfeiçoada. É possível. Mas talvez também não seja inoportuno sugerir que, em seu desajuste, “Berenice” termina por GHVYHODUXPDVLJQLƮFDWLYDWHQG©QFLDGDIRUPDGRFRQWRSUDWLFDGDSRU3RH e possivelmente de boa parte arte moderna que se seguiria.

WILLIAM AUGUSTO SILVA – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em

Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, [email protected]

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