O Bairro Popular em Cuiabá: as habitações da Fundação Casa Popular e as transformações urbanísticas recentes

July 13, 2017 | Autor: Louise Logsdon | Categoria: Politicas Publicas, Habitação De Interesse Social
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Porto Alegre, de 04 a 07 de maio de 2010

O Bairro Popular em Cuiabá: as habitações da Fundação Casa Popular e as transformações urbanísticas recentes Douglas Queiroz Brandão(1); José Afonso B. Portocarrero(2); Gisele Carignani(3); Amay Porto(4); Louise Logsdon(5) (1)

Depto. de Engenharia Civil, UFMT, Brasil. E-mail: [email protected] Depto. de Arquitetura e Urbanismo, UFMT, Brasil. E-mail: [email protected] (3) Depto. de Arquitetura e Urbanismo, UNEMAT, Brasil. E-mail: [email protected] (4) IPDU/Prefeitura de Cuiabá; PPGEEA, UFMT, Brasil. E-mail: [email protected] (5) IPDU/Prefeitura de Cuiabá; Brasil. E-mail: [email protected] (2)

Resumo: Situado na Região Oeste de Cuiabá, o Bairro Popular teve sua origem no início da década de 1950, com a construção do Conjunto Habitacional Popular, que foi o primeiro conjunto habitacional de Mato Grosso, executado através de recursos da Fundação Casa Popular (FCP). A qualidade das casas e sua tipologia arquitetônica motivaram a permanência dos moradores por décadas na região. No princípio era considerado longe do centro, mas com o crescimento acelerado da cidade, em pouco tempo o bairro foi envolvido pela estruturação intra-urbana do município, adquirindo localização privilegiada. Assim, a partir da década de 1980 iniciaram-se as especulações imobiliárias, e o uso e a ocupação do solo do bairro Popular foram sendo transformados. Problemas urbanos e ambientais surgiram na região devido ao adensamento propiciado pela implantação de edifícios residenciais e, também, pela implantação de novos usos, principalmente o de bares e restaurantes, ocorridos nos últimos anos. Este trabalho descreve a maneira como essas transformações têm influenciado na vida dos moradores do bairro. Mostra como a Prefeitura de Cuiabá tem agido mais recentemente com relação às mudanças citadas. O artigo apresenta, ainda, algumas críticas e propostas que podem ser feitas para este setor da cidade. Palavras-chave: habitação de interesse social; transformações urbanas; políticas públicas. Abstract: Situated in the West Region of Cuiabá, the Popular Neighborhood had its origin in the beginning of 1950 decade, with the construction of the “Conjunto Habitacional Popular”, witch was the first housing of Mato Grosso, built with the subsides of “Fundação casa Popular” (FCP). The houses’ quality and their architectonical typology motivated the residents’ permanence for decades in the region. In the beginning it was considered far from the middletown, but with the fast enlargement of the city, the neighborhood was soon involved by the intra-urban structuring, acquiring privileged localization. So, from 1980’s decade, the properties’ speculation began, and the use and occupation of the Popular Neighborhood’s land were being modified. Urban and environmental issues emerged in the region, because of the density afforded by the residential building’s deployment, and from the deployment of new uses, especially bars and restaurants, occurred in recent year. This work describes how these modifications had influenced in neighbors’ living. It shows how the City Hall has acted more recently in relation to the changes mentioned. The article presents some critics and proposes that can be done for this sector of the city. Key-words: social housing; urban changes; public policies. 1. INTRODUÇÃO Situado na região oeste do município de Cuiabá, o Bairro Popular foi criado pela Lei nº 2.529, de 15 de janeiro de 1988, que o nomeou com a identificação corriqueira utilizada pelos antigos moradores da cidade. Sua origem, entretanto, está no início da década de 1950, com a criação do Conjunto Habitacional Popular, construído com recursos da Fundação Casa Popular (FCP). Representava naqueles anos, de acordo com Castor (2007), uma resposta do Presidente da República Eurico Gaspar Dutra aos sérios problemas de ordem sanitarista que afligiam sua terra natal.

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O projeto foi possibilitado pela Lei n.º 15, de 4 de setembro de 1948, que, em seu artigo 1º, declarou de utilidade pública e desapropriou nos termos do decreto-lei federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941, trinta e dois imóveis. O artigo 2º dessa mesma lei determinou que a área resultante da despropriação fosse entregue a FCP, para a construção de um conjunto habitacional com 104 casas populares. Pela FCP, entretanto, segundo Castor (2007), foram construídas 128 casas, 56 delas eram na cidade Corumbá - hoje pertencente ao estado de Mato Grosso do Sul - e 72 em Cuiabá, apesar do projeto original do Conjunto Habitacional Popular ter previsto 104 casas (Figura 1). Em 1951, foi então inaugurado o primeiro conjunto habitacional de Mato Grosso, pelo presidente da República, a quem se deve o nome da praça central do referido conjunto.

Figura 1 – Projeto do loteamento do Conjunto Habitacional do Popular. Fonte: Acervo IPDU.

De acordo com Castor (2007), o chamado Bairro Popular contribuiu para impulsionar e disciplinar o crescimento da região oeste da cidade, por sua localização, então relativamente afastada do centro, e configuração bem definida de ruas, lotes e praças. Visto o boom de crescimento da capital, em pouco tempo essa região - a princípio considerada uma das mais distantes - foi vinculada ao centro da cidade durante seu processo de estruturação intra-urbana, sendo que hoje o Bairro Popular possui localização privilegiada e extremamente valorizada. Casas térreas com alvenaria de tijolos cerâmicos, telhas de barro e esquadrias de madeira foram dispostas isoladamente no interior de pequenos lotes, de modo a favorecer a iluminação e a ventilação natural dos cômodos. Malgrado seu aspecto neo-colonial, tal solução urbanística rompia com o padrão das antigas moradias cuiabanas, estas sim de origem genuinamente colonial, que não contavam com recuos laterais nem frontais. Felizmente, algumas residências ainda preservam suas feições originais, a despeito dos “nobres” estabelecimentos comerciais que, à sua maneira, restabeleceram o status de referencial urbano do antigo conjunto, que de popular, hoje, só guarda o nome (FREIRE apud CASTOR, 2007). A qualidade das casas do conjunto habitacional, sua tipologia arquitetônica e sua localização estratégica na cidade, provavelmente motivaram a boa aceitação dessas residências e a notável apropriação do bairro por parte dos moradores, fazendo do Popular um bairro tradicional de Cuiabá. Além disso, muitas das casas chegaram ao começo do século XXI com pouquíssimas alterações, como se pode ver mais adiante. Em contrapartida, transformações no uso e ocupação do solo vêm ocorrendo rapidamente nessa região, desde o fim da década de 1980. Edíficios Residenciais, lojas, consultórios, escritórios e clínicas médicas constituíram a invasão iniciada nos anos 1990. Já nos anos 2000 ocorre o que se pode chamar de segunda

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fase de invasão, quando se pode verificar que a região foi tomada por bares e restaurantes, principalmente no entorno imediato da praça. A área se tornou um pólo gastronômico, com agitada vida noturna, trânsito congestionado, problemas de limpeza, dentre outros transtornos. De que maneira essas transformações têm influenciado na vida dos moradores do bairro? Como a Prefeitura de Cuiabá tem agido com relação às mudanças citadas? Quais críticas e quais propostas podem ser feitas para este setor da cidade? É nesse contexto que se insere a pesquisa deste trabalho. 2. OBJETIVOS E MÉTODO EMPREGADO O objetivo geral do presente trabalho é avaliar as antigas habitações do Bairro Popular e analisar as rápidas transformações pelas quais vem passando o bairro, sobretudo no entorno da Praça Eurico Gaspar Dutra, também conhecida como Praça Popular. Especificamente, são analisados o projeto original da casa, as transformações de uso e ocupação do solo na região, além das recentes intervenções feitas na Praça e no trânsito local. Para o desenvolvimento da pesquisa, fez-se um levantamento bibliográfico das publicações referentes ao Bairro Popular. Foram buscadas as leis relacionadas ao tema, artigos científicos e notícias de jornais das décadas de 1990 e 2000. Foram obtidas informações dos funcionários da Prefeitura Municipal de Cuiabá e antigos moradores do bairro, assim como, visitas ao local foram realizadas para observação e registro fotográfico. 3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 3.1. A casa do Popular Como dito anteriormente, as casas eram térreas com alvenaria de tijolos cerâmicos, telhas de barro e esquadrias de madeira. Implantadas no interior dos lotes, novidade para a época em que foi construída, favoreciam a iluminação e a ventilação natural dos cômodos. Havia dois modelos básicos que se distinguiam pela fachada, ora em arco, ora com pilares simples em alvenaria de tijolos (Figuras 2 e 3).

Figura 2 – Conjunto Habitacional Popular, na década de 60. Fonte: A Gazeta.

Figura 4 – Croqui da planta original da casa, sem escala. Fonte: Acervo GHA.

Figura 3 – Casas do Popular, na década de 60. Fonte: A Gazeta.

Figura 5 – Croqui da planta atual de uma casa, sem escala. Fonte: Acervo GHA.

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Um morador elaborou um croqui da planta de sua casa (Figura 5) e, a partir desta, reconstituiu o que era o projeto original (Figura 4). Através dele, observa-se que a casa possuía dois quartos, banheiro, sala, cozinha e varanda. Em 2005, mais de 50 anos após a contrução do Conjunto, foi feita uma visita ao Popular. Percebia-se que alterações foram feitas no intuito de ampliar a casa, mas várias delas mantinham a mesma fachada. As varandas em arco ou pilares estavam da mesma forma como foram construídas em 1951 (Figuras 6 a 11).

Figura 6 – Casa, em 2005. Fonte: Acervo GHA.

Figura 7 – Casa, em 2005. Fonte: Acervo GHA.

Figura 8 – Casa, em 2005. Fonte: Acervo GHA.

Figura 9 – Casa, em 2005. Fonte: Acervo GHA.

Figura 10 – Casa, em 2005. Fonte: Acervo GHA.

Figura 11 – Casa, em 2005. Fonte: Acervo GHA.

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3.2. As transformações urbanas e suas conseqüências 3.2.1. As alterações de uso e ocupação do solo A Lei de Uso e Ocupação do Solo de Cuiabá elaborada em 1988 permitiu, para a região que abrange o bairro Popular, o adensamento de quatro vezes a área do lote, e atribuiu-lhe múltiplos usos: residencial, institucional, comunitário, comércio e serviço local. Como o bairro já possuía localização privilegiada na cidade, a aprovação da lei intensificou a implantação de comércio, e favoreceu a implantação de edifícios residenciais multifamiliares, fatores que, juntos, valorizaram ainda mais a região. Na década de 1990, como apontado por Negrão (1995), prevaleceu a idéia de que o Popular era um bairro interessante para negócios, principalmente pela facilidade de acesso e estacionamento, livre nas vias locais. Consultórios, escritórios e lojas de comércio variado foram então ocupando, aos poucos, o lugar de algumas antigas casas do Conjunto Habitacional Popular. A partir dos anos 2000, tornou-se comum a instalação de bares e restaurantes principalmente no entorno imediato da praça, e em pouco tempo a grande maioria das casas ali situadas foram sendo modificadas – e muitas vezes demolidas – para formar o centro gastronômico do Popular, trazendo consumidores de toda a capital e, junto, problemas de trânsito, excesso de lixo, barulho, entre outros, para alguns poucos moradores remanescentes. É comentada, inclusive, a existência de tráfico de drogas, conforme reportagem de Campos (2009). No começo de 2008, segundo Alves (2008), o Ministério Público do Estado (MPE) precisou intervir nas decisões urbanísticas referentes à Praça Popular, no intuito de por fim às irregularidades. Uma obra que tinha alvará apenas de reforma, ao começar a execução, demoliu a casa existente (neste artigo apresentada na Figura 11, fotografada em 2005) e tinha a intenção de ali edificar um bar com boate, sendo que o segundo uso não é permitido na região. Outro impasse era que, mesmo depois de ser aprovado pelos moradores, o novo projeto da praça - elaborado pelo Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU) - que seria executado neste mesmo ano de 2008, não era aprovado pelos empresários, que brigavam por uma segunda opção de projeto (ou terceira, como veremos adiante). Entretanto, de acordo com o MPE, a proposta tinha uma visão puramente comercial do local, em relação àquela elaborada pelo IPDU que, sendo mais abrangente, atendia as exigências urbanísticas e sócio-culturais. Foi então executado o projeto proposto pelo IPDU, porém o que se vê é a falta de consciência dos empresários, que chegam ao ponto de colocar o seu lixo dentro da praça, como é mostrado à Figura 12. Além disso, o que realmente ocorre, é que a maioria dos empreendimentos não limpa adequadamente a sujeira deixada por seus consumidores no final do expediente. O lixo da madrugada é deixado inclusive nas calçadas, e só é recolhido no final da tarde, quando os bares estão abrindo novamente (Figura 13).

Figura 12 – Lixo deixado na Praça Eurico Gaspar Dutra. Fonte: Acervo GHA.

Figura 13 – Sujeira na calçada do Popular, em frente a um bar, em uma manhã de domingo. Fonte: Acervo GHA.

Sendo assim, questiona-se: Uma praça, que é um equipamento comunitário, não deveria estar propiciando lazer aos moradores do bairro durante o dia todo? Com todo o lixo deixado pelos consumidores dos empreendimentos, cuja grande maioria não é moradora do bairro, o real uso da praça não está sendo prejudicado? Se a praça é um bem de interesse difuso, não é o interesse público que deveria ser

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preservado? A resposta parece óbvia. Sendo assim, a Prefeitura deve intervir de forma que o setor privado respeite rigorosamente o espaço público, proibindo e fazendo cumprir a idéia de que este espaço não pode, de forma alguma, ser apropriado por interesses particulares. 3.2.2. A Praça Eurico Gaspar Dutra / Praça Popular O projeto original do Conjunto Habitacional Popular já previa, nos anos 1950, uma praça central (Figura 14). Até a metade da década de 1970, segundo depoimento de moradores, as vias ainda não eram asfaltadas e a praça, que também era toda de terra, possuía dois pequenos campos de futebol. Em1975 as ruas do entorno da praça foram asfaltadas e, logo em seguida a praça recebeu uma reforma, quando, no lugar de um dos campos de futebol, foi construída uma quadra de esportes (existente até os dias atuais).

Figura 14 – Perspectiva do projeto original da praça. Fonte: Acervo IPDU.

De acordo com a Folha do Estado (2002), a Praça Eurico Gaspar Dutra, também conhecida como Praça Popular, foi passando por algumas reformas pouco significativas. Em 2002, depois de 15 anos sem nenhuma intervenção, sofreu uma revitalização mais efetiva, quando recebeu novos bancos, lixeiras, um novo playground. A quadra de esportes, cuja remoção chegou a ser cogitada pelos comerciantes, foi mantida, estando lá até os dias de hoje (figuras 15 e 16).

Figura 15 – A praça, em 1996. Fonte: A Gazeta.

Figura 16 – A praça, em 2002. Fonte: Folha do Estado.

No ano de 2006, em consultoria à Prefeitura Municipal de Cuiabá, o arquiteto Jaime Lerner veio à Cuiabá e propôs, entre outras intervenções urbanas, uma solução para a Praça Popular. Em sua proposta, transformava uma das vias lindeiras da praça em calçadão, estendendo-a até a calçada dos bares. Invertia a posição da quadra e colocava, no calçadão, uma cobertura de bambu (figuras 17 e 18). De acordo com Chagas (2006), no entanto, o projeto não foi aceito pelos moradores, que alegaram que o projeto só considerava a vida noturna do bairro e não previa espaço cultural, nem tampouco parque para recreação das crianças.

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Figura 17 – Projeto de Jaime Lerner para a Praça Popular. Fonte: Acervo IPDU.

Figura 18 – Projeto de Jaime Lerner para a Praça Popular. Fonte: Acervo IPDU.

Figura 19 – Projeto atual da Praça Popular. Fonte: Acervo IPDU.

A associação de moradores, inclusive, apresentou uma nova proposta, elaborada por um membro arquiteto. O IPDU, então, em consenso com os moradores, definiu o projeto final da Praça Popular e previa também uma intervenção nas vias, de modo que elas pudessem ser fechadas à noite, para integrar a praça aos bares (figura 19). Em 2008 foi executado apenas o projeto da praça, sem a intervenção viária prevista. Consequentemente, inúmeras outras intervenções no trânsito foram feitas, na tentativa de amenizar os problemas de tráfego, como veremos a seguir. 3.2.3. Intervenções no Sistema Viário A tomada do entorno da Praça Popular por bares e restaurantes gerou, nos últimos anos, um grave problema de trânsito. À noite, a dificuldade de tráfego nessa região é causada pela grande quantidade de veículos que transitam vagarosamente ao redor da praça, seja para encontrar uma vaga de estacionamento, seja para simplesmente “olhar o movimento”. Aliado a isso, nenhum dos empreendimentos oferece estacionamento privativo, o que obriga o estacionamento de carros ao longo das ruas, reduzindo a largura útil da caixa de tráfego e prejudicando ainda mais o fluxo de veículos. A Secretaria Municipal de Transporte Urbano (SMTU) vem tomando várias medidas para amenizar a situação. Segundo Dióz (2009), ao fim de 2008, durante a noite, foram interditadas as duas vias paralelas à praça, para evitar que os motoristas ficassem contornando a mesma, apenas a passeio, para ver o movimento de cada bar. A medida gerou polêmica entre os donos dos bares, diziam que a medida privilegiava uns e prejudicava outros. Por isso, em poucos meses deixou de funcionar.

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Figura 20 – Sentido do tráfego antes da intervenção. Fonte: Diário de Cuiabá.

Figura 21 – Sentido do tráfego após a intervenção. Fonte: Diário de Cuiabá.

As Figuras 20 e 21 representam uma nova estratégia, sugerida por moradores, que invertia o fluxo de veículos nas vias paralelas à praça, de modo que ela não pudesse mais ser contornada. A SMTU aceitou a sugestão dos moradores e também proibiu o estacionamento de veículos em um dos lados das vias, implementando a nova decisão em janeiro de 2010, como relatado por Lima (2010). De acordo com Cruz (2010), a alteração dos sentidos das vias, entretanto, causou um congestionamento inesperado na Rua Brigadeiro Eduardo Gomes e, por isso, no mês de março, alteraram também o sentido da Rua Sírio Libanesa, transformando-a em uma segunda opção para quem quer deixar a região da praça. 3.3.3. A polêmica “público versus privado” O Popular é um exemplo claro da força que exerce a iniciativa privada nas políticas públicas. Os grandes problemas enfrentados pelos moradores são causados – direta ou indiretamente – pelos bares e restaurantes. Ainda assim, são estes que parecem “ditar as regras” locais. Segundo Wogel (2005), através da Lei de Incentivo à Cultura, em 2003, foi criado o Projeto Chorinho (Figura 22). Todas as sextas-feiras, músicos regionais se reuniam na Praça Popular e atraíam público interessado em música brasileira. Na época, só existiam dois bares no entorno da praça, que se associaram ao projeto. Em dois anos, novos bares surgiram e iniciaram um movimento contra o Chorinho, alegando que a praça só foi valorizada pelos investimentos arquitetônicos das casas comerciais e que aquela manifestação cultural popular trazia um público “diferente” à praça, colocando em risco a segurança de seus clientes. De um lado a associação de moradores, a favor do Chorinho, de outro, os empresários. Em pouco tempo o projeto decaiu.

Figura 22 – Projeto Chorinho. Fonte: Diário de Cuiabá

Em compensação, o uso de calçadas pelos bares para a distribuição de mesas e cadeiras era mais do que freqüente. Segundo Dióz (2009-b), audiências públicas foram feitas em busca de soluções, até que se determinou que cada empreendimento poderia utilizar um terço da calçada para este fim. Quando, em

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2009, a Secretaria Municipal de Transportes Urbanos (SMTU) resolveu interditar duas vias paralelas à praça, na tentativa de melhorar o congestionamento, imediatamente os bares utilizaram o espaço das ruas para colocar mesas e cadeiras. Provavelmente estes bares foram aqueles que mais defenderam a interdição das vias. Dada a possibilidade de valorização de uma área urbana, logo surgem aqueles que pretendem lucrar com isso. Fato natural, que não pode e nem deve ser evitado. Deve ser regulamentado. As conseqüências da implantação de qualquer empreendimento devem ser avaliadas em seu contexto urbano, de maneira que a vizinhança não seja prejudicada e que o direito privado não prevaleça sobre o público. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como constata Villaça (1998), a estruturação intra-urbana de um município se dá pela movimentação das classes mais altas, em busca de boa localização e acesso. À medida que a cidade cresceu, com a construção de vias estruturais como a Avenida Getúlio Vargas e a Avenida Isaac Povoas, o Popular adquiriu localização privilegiada, com fácil acesso ao centro da cidade, e chamou a atenção das classes mais altas. A partir do momento que foi possibilitado, pela lei de 1988, o uso múltiplo e o adensamento dos lotes, naturalmente a especulação imobiliária focou no Bairro Popular, e ocorreram todas as transformações citadas neste trabalho. Este processo é natural das grandes cidades, mas a crítica feita aqui se refere às intervenções que estão sendo (ou não) feitas no intuito de amenizar os impactos causados pelo mesmo. Até que ponto aquela região vai suportar esses impactos? O que se tem pensado em termos de sustentabilidade? Nota-se, pela quantidade de lixo gerada e pela situação caótica que aquela região é encontrada durante as manhãs, que muito pouco se tem feito. Em contrapartida, é surpreendente o tempo que as casas persistiram na região, certamente adaptadas e personalizadas, mas com o mesmo aspecto visual proveniente da fachada original. Só a localização não seria responsável por isso. A demolição de casas para construção de comércio e edifícios é realmente mais lógica. De qualquer forma, o trabalho espera fornecer subsídios aos que lidam com estudos e pesquisas em temas habitacionais e urbanos, aglomerando informações que podem contribuir para muitos tipos de trabalho nesta área. Entende-se que a ordenação do conhecimento no corpo do artigo e os resultados obtidos na pesquisas sobre o Bairro Popular, podem trazer contribuições tanto para a área acadêmica quanto para os profissionais que atuam na área de habitação e urbanismo. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, A. MPE tenta pôr fim às irregularidades na Praça Popular. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 20 jan. 2008. BRASIL. Decreto-lei n. 3.365 de 21 de junho de 1948. BRASIL. Lei n. 15 de 04 de abril de 1948. CAMPOS, D. Venda de drogas ameaça Praça Popular. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 11 jan. 2009. CASTOR, R. S. Núcleos habitacionais de interesse social em Mato Grosso: Condições originais e atuais. In: II SEMINÁRIO MATO-GROSSENSE DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL, 2007, CuiabáMT. Anais. CD-ROM. CHAGAS, A. Projeto da Prefeitura encontra resistência. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 06 de abr. 2006. CRUZ, A. Outra rua tem sentido mudado para melhorar fluxo de carros. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18 mar. 2010. CUIABÁ. Lei n. 2.529 de 15 de janeiro de 1988. DIÓZ, R. SMTU media impasse na Praça Popular. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 21 mar. 2009. DIÓZ, R. Uso de calçadas é tema de audiência pública. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 26 nov. 2009.

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LIMA, M. Contorno na Praça não é mais permitido. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 27 jan. 2010. NEGRÃO, J.S. Bairro é um lugar para bons negócios. A Gazeta, Cuiabá, 20 ago. 1995. NOVO Ponto de Lazer – Conhecida como Popular, praça desperta atenção. Folha do Estado, Cuiabá, 04 mar. 2002. PROJETO volta ao Popular um ano depois. A Gazeta, Cuiabá, 03 jul. 1996. VILLAÇA, F. Espaço Intra-urbano no Brasil. São Paulo. Studio Nobel/ FAPESP/ Lincoln Institut,1998. WOGEL, N. Polêmica no Chorinho da Praça Popular. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 02 out. 2005. 6. AGRADECIMENTOS Aos moradores do Bairro Popular e aos funcionários da Prefeitura Municipal de Cuiabá, que prestaram depoimentos importantes ao desenvolvimento desta pesquisa. Ao IPDU e ao GHA (Grupo Multidisciplinar de Estudos da Habitação), pela disponibilização de seus respectivos acervos.

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