O barão da República

July 19, 2017 | Autor: Claudia Antunes | Categoria: Diplomacia, História da Política Externa Brasileira, Barão do Rio Branco
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O barão da república
Nos cem anos da morte de Rio Branco, o legado do chanceler à diplomacia e
sua atualidade são tema de discussões e exposição
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Na Catedral Nacional de Washington, três vitrais de 1949 simbolizam a
América do Sul. Neles figuram dois líderes militares da independência da
América espanhola, Simón Bolívar e José de San Martín, e o brasileiro José
Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, chanceler de 1902 a
1912.
Citados no livro "O Dia em que Adiaram o Carnaval" (Unesp), em que Luís
Cláudio Villafañe analisa a influência da diplomacia na formação da
identidade nacional, os vitrais não evocam apenas a singularidade de o
Brasil ter se tornado República décadas depois dos vizinhos.
Ao retratar um diplomata junto a próceres com espadas, o tríptico alimenta
dois eixos persistentes na construção da imagem internacional do país: a
preferência pela resolução pacífica de disputas e a habilidade negociadora.
TRATADOS
Rio Branco, só superado em tempo no cargo pelo ex-chanceler Celso Amorim,
foi reconhecido em sua época pelos tratados que consolidaram o mapa
nacional -rara razão de orgulho na turbulência inicial da República, como
observa o embaixador Rubens Ricupero, estudioso do barão.
No fim do Estado Novo, ele foi institucionalizado como patrono do
Itamaraty, onde hoje, dia do centenário de sua morte, uma exposição abre os
eventos comemorativos.
Além dos acertos fronteiriços, Rio Branco deixou três marcas até hoje
evocadas, às vezes fora do contexto.
1) Uma "aliança não escrita" com os EUA, que sistematizou o programa da
República de trocar a relação preferencial com Londres pela América, quando
Washington já comprava metade do café brasileiro. Rio Branco quis usar o
peso da então potência ascendente para contrabalançar pretensões
imperialistas da Europa e pressões da vizinhança.
2) A pregação da não ingerência em assuntos internos dos vizinhos, um
afastamento das ações intervencionistas do Império e uma forma de defesa
contra alianças regionais opostas ao Brasil.
3) A busca de prestígio e reconhecimento global, simbolizada pela
participação na 2ª Conferência de Haia (1907).
Hoje estudiosos de Rio Branco preferem defini-lo como "pragmático", termo
guarda-chuva. "Tentar usar um evangelho do barão é bobagem. Sua atualidade
é ter sabido ler o seu tempo e buscar caminhos para o Brasil ter a maior
autonomia possível", diz Villafañe, diplomata e curador da exposição.
A ênfase no pragmatismo não impede que o barão seja usado para comentar a
atualidade. Clodoaldo Bueno, historiador da República Velha, cita um lema
dele - "seja suave nos modos e forte no conteúdo". "Ele nunca alardeou
liderança."
Maria Regina Soares de Lima, da Universidade do Estado do RJ, lembra que a
não intervenção foi relativizada quando o país aceitou comandar a força de
paz no Haiti.
Para Ricupero, a soberania, de fato, não pode ser estrita, "o que não
significa ajudar governos com que temos simpatias ideológicas, como na era
Lula com Bolívia e Venezuela".
Soares define esses movimentos como uma tentativa de "liderar pela
inclusão", Diz que eles esbarraram numa posição defensiva sedimentada pelo
barão, que faz com que a integração sul-americana não seja consenso entre
as elites.
Já Ricupero e Villafañe dizem que Rio Branco foi precursor da coordenação
regional, mas esbarrou na rivalidade real entre Brasília e Buenos Aires, só
superada ao fim do regime militar.
No imaginário nacional, o americanismo e seu oposto também foram
simplificados. Na Guerra Fria, o chanceler San Tiago Dantas teve que evocar
o barão em cadeia nacional para explicar a abstenção no voto que expulsou
Cuba da OEA, em 1962.
Agora, Ricupero dá o tema por superado. "À medida que EUA passaram a ter
interesses globais não coincidentes com os do Brasil, como na invasão do
Iraque, os caminhos de ambos se separaram."
Há ainda na trajetória de Rio Branco uma característica que reforça a
aversão a rupturas da história oficial. "Ele apresenta sua política como de
continuidade. É símbolo dessa transição curiosa, um monarquista que faz
fama na República e fica conhecido como barão, título extinto", diz
Villafañe.
Cristina Patriota de Moura, sobrinha do chanceler Antonio Patriota, destaca
em seus estudos antropológicos como o barão "faz a mediação" entre Império
e República. Ele e o pai, o visconde do Rio Branco, são citados como uma
dinastia, embora seus títulos não fossem hereditários. Para a professora da
UnB, o barão é um mito eficaz porque "polissêmico". "Ele pode ser o boêmio,
o asceta, o nobre. Todo mundo pode se identificar. Já vi diplomata dizendo
que tem a ver com o barão porque sua mulher é atriz, como a dele."
O crescimento dos quadros tirou do Itamaraty parte da formalidade, mas a
leitura da biografia "oficial" do barão, de Álvaro Lins, continua
obrigatória. Segundo um diplomata jovem, fala-se mal de políticas, mas não
de Rio Branco, o que seria atacar o "espírito" da instituição.
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