O Brasil depois das eleições de outubro de 2014: entre a Espanha e a Itália (artigo não publicado por JLACS

May 27, 2017 | Autor: Giuseppe Cocco | Categoria: Brasil, Economic Crisis, Pluralismo, Esquerda
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(Esse texto foi enviado à revista JLACS em 11 de junho de 2015 a pedido de membros do corpo editorial e .... não foi publicado com base em um "parecer ad hoc" que o censurou politicamente)

O Brasil depois das eleições de outubro de 2014: entre a Espanha e a Itália Giuseppe Cocco No dia 26 de outubro de 2014, a Presidenta Dilma Roussef (do Partido dos Trabalhadores - PT) saiu vencedora do segundo turno das eleições brasileiras. Muitos observadores, estrangeiros e não, deduziram dessa vitória eleitoral que os “governos progressistas” da América do Sul estão “vivos”, capazes de manter sua hegemonia. Com a reeleição de Dilma, o Brasil chega assim ao quarto governo federal presidido pelo PT1. Apesar do resultado mais apertado da breve história da democracia brasileira, os 51,64% dos sufrágios validos foram conseguidos com uma verdadeira mobilização social que chegou a produzir um upgrade do discurso eleitoral que dominava na fase inicial da campanha eleitoral, transformando o voto pelo “menos pior” em um voto para “barrar a volta do neoliberalismo e da direita”. Essa mobilização se concentrou na fase final do segundo turno, quando as chances de vitória do candidato da oposição, Aécio Neves do PSDB, pareciam reais, tendo ele recebido também o apoio que Marina Silva - candidata derrotada que totalizou no primeiro turno 21% dos votos. Quem olhar ao Brasil de hoje (maio de 2015) na perspectiva desse resultado eleitoral ficará desnorteado, totalmente incapaz de explicar o que está acontecendo. Já em dezembro haviam sinais de um certo “mal estar”, com várias manifestações de protesto contra a vitória do PT. Naquele momento, a reposta do PT e do governo foi lacônica: são setores “golpistas” da “elite branca”, “poucos” numerosos e concentrados em São Paulo, querendo impor um “terceiro turno”. Só que era apenas uma antecipação de algo maior: no dia 15 de março de 2015, milhões de pessoas foram às ruas das cidades de todo o país protestando contra o governo federal, contra a corrupção e até pedindo o impeachment de Dilma. Chamadas pelas redes sociais (sobretudo pelo WhatsApp), as manifestações de março foram paradoxalmente reforçadas pela tentativa governista de organizar, por antecipação, uma contramanifestação: assim, no dia 13 de março, chamados pelo PT e pela CUT e alguns outros movimentos organizados, poucos milhares de pessoas, a maioria delas aparelhadas, mostraram toda a fraqueza governista e da esquerda tradicional: exatamente o contrário da multidão de junho, ou seja um rebanho uniformizado e manipulado (e até pago) sem objetivos coerentes e definidos. No dia 15, ao contrário, aconteceu a mobilização de uma verdadeira indignação, espontânea e horizontal, mas atravessada por um viés conservador. Paradoxalmente, é o 15 de março que é mais parecido com junho, como indica a participação dos moradores da favela do Morro dos Cabritos em Copacabana ao panelaço que houve na noite do mesmo dia, durante a transmissão pelas TV da coletiva de imprensa dos ministros da Justiça e da Casa Civil. “Nem que a Vaca Tussa”

                                                                                                                1  Os

dois primeiros (2003 – 2006 e 2007 – 2010) tiveram como Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No dia 12 de abril, as manifestações se repetiram, com um pouco menos de participação, mas confirmando uma forte adesão. Os manifestantes protestaram contra a corrupção (por causa do escândalo da Petrobras), contra o ajuste fiscal e pedindo o impeachment da Presidenta. No dia 1 de Maio, Dilma teve que renunciar a fazer o tradicional pronunciamento oficial nas TVs para evitar mais um panelaço Quando foi o PT – no dia 5 de maio - a fazer um programa político na TV para paliar o silêncio da Presidente, o panelaço aconteceu de maneira ainda mais generalizada: várias favelas e bairros da periferia bateram panelas. O governismo e o PT tentaram desqualificar também esses protestos usando duas argumentações básicas: a primeira foi de dizer que quem bateu panelas era a “elite branca” e alguns grupos fascistas que defendem a volta dos militares ao poder. A segunda foi de denunciar que essa mesma “elite” se manifestava de maneira violenta e sexista contra a Presidenta Dilma (que era chamada de “vaca”). As duas argumentações respondem sempre ao intuito de deslegitimar os protestos e mais uma vez com base na mistificação. Se os panelaços começaram nos bairros nobres das capitais, eles rapidamente se propagaram até as periferias e acontecem também nas favelas: por isso que Dilma e o PT hoje não tem outra opção que evitar de aparecer nas TV nacionais; a presença de grupos de extrema direita é exaltada pelas mídias governistas mas de fato é ultra minoritária e seus lideres foram impedidos de falar nas passeatas; por sua vez, o sexismo é com certeza uma realidade violenta em um pais violentíssimo, mas atribui-lo apenas aos protestos contra a Dilma é totalmente hipócrita e instrumental e isso por pelo menos 3 razões: em primeiro lugar, o aparelho bilionário de propaganda petista – sendo que esses recursos todos vem da corrupção (nas empresas estatais e no grupo das grandes empreiteiras que monopolizam os contratos das grandes obras públicas, como os estádios da Copa do Mundo ou as megabarragens que destroem a Amazónia e as reservas indígenas) - massacrou Marina Silva inclusive como mulher (negra e pobre) e naturalmente não houve nenhuma queixa governista sobre o machismo dessa campanha; em segundo lugar, a multidão não é “politicamente correta” e em junho de 2013 milhões de pessoas trataram o governador e o prefeito do Rio de Janeiro no mesmo tom que os panelaços tratam hoje a Presidente. Enfim, durante a campanha eleitoral, a Dilma prometeu vária vezes que não tocaria aos direitos trabalhistas e não faria uma política de austeridade, “nem que a vaca tussa” e ... “a vaca tossiu”. “A Vaca Tossiu” O estupor do observador não se limitará apenas à pujança e radicalidade dos protestos que começaram logo depois da vitória eleitoral. A própria composição do novo governo Dilma e ainda mais as decisões tomadas já em novembro, nos dias seguintes ao fechamento das urnas, desmentiram brutalmente toda a retórica eleitoral do PT e a promessa de não tocar aos diretos dos trabalhadores “nem que a vaca tussa”. Assim, logo depois de Dilma ser reeleita e antes mesmo do novo governo tomar posse, o Banco Central decidiu um primeiro (de uma série de 5, até o dia de hoje) aumento da já elevadíssima taxa de juros e o governo decretou um corte imediato de gastos sócias da ordem de R$ 18 bilhões (cortando o seguro desemprego e as pensões por morte do cônjuge). Ao mesmo tempo, a imprensa anunciava a composição de um governo ultraconservador, em particular com a nomeação de um economista neoliberal, um Chicago Boy, para o Ministério da Fazenda e da Senadora Katia Abreu, conhecida também com “miss motosserra”, representante do agronegócio que mais agride as reservas indígenas e desmata a floresta Amazónica. Uma violenta política de austeridade (em torno de R$ 80 bilhões de cortes dos gastos públicos federais) era assim planejada ao mesmo

tempo que todos os preços administrados (em particular as tarifas de transportes públicos, gasolina e eletricidade) passaram (e passam) por fortes aumentos (que em alguns casos beiram o “confisco”). A assistência estudantil e as Universidades públicas ficaram sem dinheiro, Estados e Municípios mostrando crescentes dificuldades para pagar os fornecedores e até os salários. Por um lado, a significação da recente vitória eleitoral apareceu como sendo muito mais contraditória e ambígua do que podia-se pensar, a começar pela evidência incontestável que o marketing eleitoral do PT tinha se organizado em torno da mistificação e até da mentira sistemáticas. Pelo outro, os protestos atravessados por simbologias e regimes discursivos de direita (a camisa verde-amarela, a presença de grupos pedindo uma intervenção militar e também a linguagem sexista contra a Dilma) se dirigem ironicamente contra um governo petistas e abertamente conservador. Enfim, para completar a confusão, as malogradas tentativas do PT e do governismo de mobilizar suas “tropas” acontecem com base em palavras de ordem que, apesar de totalmente genéricas, se opõem às medidas econômicas do governo do ... PT. Vários comentários nas redes sociais tentaram sintetizar as dimensões paradoxais e quase irônicas desse cenário: “na sexta dia 13 de março, manifestaram em apoio ao governo Dilma setores e movimentos sociais que criticam sua política econômica; no domingo 15, manifestaram contra o governo setores sociais (e organizações) que aprovam sua política econômica”. Muita gente gostou desse tipo de definições, compartilhou, eventualmente definindo a situação como “surreal” ou dizendo que “só mesmo no Brasil” podemos assistir a esse nível de confusão e incoerência. Na realidade, não há confusão nenhuma, a não ser aquela que o “governismo”, um estranho fenômeno que se avolumou no segundo turno das eleições de 2014 graça à adesão do chamado “voto crítico”, pretende produzir para ... se reproduzir. Ao contrário de seus efeitos retóricos, a situação política atual é bastante nítida e permite, aliás, de avaliar muitas das análises e afirmações que foram feitas em junho de 2013, nos meses seguintes, durante a Copa da FIFA de junho de 2014 e depois na campanha eleitoral. Assim, diremos que a conjuntura atual tem uma primeira grande explicação no próprio resultado eleitoral de outubro de 2014: contrariamente ao que a demagogia governista disse e o voto acrítico quis (e quer) acreditar, quem foi derrotado nas eleições não foi nem o Aécio Neves e ainda menos a “direita” brasileira, mas o movimento de junho de 2013. As eleições de outubro de 2014 completaram um longo trabalho de desqualificação, repressão e desconstrução que começou já em junho de 2013, quando a multidão do trabalho metropolitano se fez de maneira autônoma e irrepresentável no terreno de luta da mobilidade 2 . As eleições foram uma tremenda restauração, um verdadeiro thermidor: “Dilma e Aécio (são) ‘o Estado contra a sociedade’” 3 . É exatamente à realização desse desenho que estamos assistindo: aplicado e operado por um partido (o PT) que, para salvar seus interesses (em particular, as condições de negociação das consequências judiciárias do caso de corrupção na Petrobras, com os desdobramentos anunciados para a Copa da FIFA e o BNDES), está levando toda a esquerda para o impasse, impedindo ao novo de constituir-se.

                                                                                                               

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Sobre o movimento brasileiro de junho de 2013, vide Giuseppe Cocco (ed.), “The Insurgent Multitude in Brazil”, South Atlantic Quarterly (SAQ), 113-4, Fall 2014, Duharan: Duke University. Giuseppe Cocco (ed.), DevenirBrésil Post-Lula”, Multitudes, #56, été 2014, Paris: Association Multitudes. Vide também Bruno Cava e Giuseppe Cocco (orgs.), Amanhã Vai ser Maior, 2014, São Paulo: Anna Blume. 3 Giuseppe Cocco, “Dilma e Aécio são ‘o Estado contra a sociedade’. Duas faces de um mesmo esgotamento”, IHU-OnLine, Unisinos, São Leopoldo, disponível em http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/536610-dilma-eaecio-duas-faces-de-um-mesmo-esgotamento-entrevista-especial-com-giuseppe-cocco-

Em seguida, é preciso enfatizar que quem está querendo um “terceiro turno” não é a direita, mas o “governismo”. A direita já estava no governo antes das eleições e o movimento de junho tinha essa ambiguidade positiva de ser contra o governo também e sobretudo pela presença da direita. Hoje (final de maio de 2015), depois de apenas 5 meses da posse de Dilma2, temos uma situação absurda: o governo é ainda mais de direita, mas o regime marqueteiro das eleições e do terceiro turno que o PT procura para continuar polarizando diante dos escândalos de corrupção e da crise vertical da aventura neodesenvolvimentista, faz com que a direita hegemonize a (justa) indignação nas ruas também. Quem salva o governo do PT hoje é mesmo a grande imprensa e a oposição conservadora que, por um lado, não bancam o clamor das ruas e pelo impeachment ajudando a abafar o escândalo da Petrobras e, pelo outro, fica de camarote assistindo o PT realizar uma brutal política de austeridade. E assim, “a vaca tossiu”: o governo realiza as políticas de ajuste fiscal, de redução dos direitos trabalhista (em particular o seguro desemprego) e de aumento das já altíssima taxa de juros, ou seja tudo aquilo que dizia que nunca faria, “nem que a vaca tussa”. Ao mesmo tempo, no níveis locais, todas as tentativas de resistência são esmagadas pelo rodo compressor da repressão: 70 trabalhadores da limpeza urbana do Rio (os Garis) são demitidos por ter feito greve, as favelas que estão no caminho das Olimpíadas são removidas com bombas, balas de borrachas e cassetetes, os estudantes que protestam são criminalizados ... ao passo que os jovens pobres e negros das favelas continuam sendo assassinados na hipócrita “guerra” ao narcotráfico e mais em geral na violência civil que assola todas as grandes e pequenas cidades brasileiras. Os impasses da luta contra a máquina binária da representação A comparação com a Espanha é bem produtiva e vai nos permitir de esclarecer melhor o que acontece no nível da crise da representação no Brasil pós-junho de 2013. Na Espanha, no 15 de maio de 2011, centenas de milhares de indignados tomaram as ruas das cidades da península ibérica para protestar contra a austeridade de maneira autônoma, contra todo o sistema de representação e em particular contra a esquerda que governava (o PSOE). Quando vieram as eleições, o 15M não se deixou chantagear e não teve medo de derrotar o PSOE, mesmo que isso significasse a volta da direita, do PP. As redes do 15M sabiam que a vitória do PP seria (apenas) eleitoral e que as lutas continuariam: e continuaram, desdobrando-se ao longo de mil formas de mobilização cidadã: desde o PAH (Plataforma de Afectados por las Hipotecas) até as Mareas de mobilizações categoriais dos trabalhadores da educação e da saúde, passando pelas experiências de organização nos bairros. É nesses desdobramentos que se constituíram as bases de uma novo municipalismo e as recentes vitórias de Madrid Ahora e Barcelona en Comú (no dia 24 de maio). Contrariamente a algumas declarações retóricas, o “governismo” brasileiro (o PT) não tinha nenhum interesse na potência de renovação democrática do 15M espanhol. Apenas estava interessado para entender a ameaça que ele representava pelo fato de fugir ao falso binarismo “direita versus esquerda” e, pois, à chantagem básica que a esquerda constrói quando está no poder: “se tu me criticas, estás com a direita, és uma quinta coluna do inimigo, um espião do imperialismo”. Desde que, em junho de 2013, o monstro da multidão mostrou sua terrível potência e abriu a brecha democrática, o PT e o governismo o identificaram como o inimigo a ser derrotado: derrotar “junho” virou o grande objetivo do “lulismo” 4 exatamente porque junho significava a destruição da

                                                                                                                4

Vide Bruno Cava, “When Lulism Get Out of Control”, in Giuseppe Cocco, “Insurgent Multitude in Brazil”, cit.

máquina binária, da dialética que compõe a gramática grosseira do marketing governista. Armou-se assim um verdadeiro festival de ataques e intrigas de todos os tipos e o governismo - em parceria com a “odiada” grande imprensa (chamada de “Partido da Imprensa Golpista”, PIG), passou a cobrar por repressão dos “mascarados”, qualificar os manifestante de “coxinhas” e falar do “ódio nas redes” e, em particular, “pelo PT”. Os intelectuais residuais do governismo se juntaram assim aos tenores da direita para condenar o “niilismo” universitário dos que ousavam entender o evento. Uma filósofa (que deveria ser uma especialista da ética) passou a dar lições de moral, atribuindo a violência aos seguidores “de Michel Foucault, Giorgio Agamben e Antonio Negri” além de chamar de fascistas os jovens manifestantes “mascarados” até em palestras para essa instituição “democrática’ que é a Polícia Militar do Rio de Janeiro, e isso quando não dava lições desembestadas sobre o “fascismo da classe média”. Sem espaços institucionais onde poder dar vazão aos seus conatus constituintes (como aconteceu com as ocupações de Câmaras e Assembleias que aconteceram em Porto Alegre, Campinas, Vitória, Belo Horizonte e no Rio de Janeiro), o movimento brasileiro de junho foi refluindo entre uma repressão cada vez mais arbitrária e um ativismo cada vez mais extenuado. Em termos repressivos, esse processo se afirmou como um verdadeiro trator durante a Copa da FIFA. Por um lado, o governismo lançava uma vergonhosa campanha de marketing que, além de defender os improváveis legados da Copa, apelava para o patriotismo, dizendo que quem não vestisse a camisa da Seleção seria um “traidor”. Pelo outro, o governo federal articulou com os diferentes estados federados um incrível esquema repressivo que praticamente impediu às manifestações de acontecerem sitiando-as desde o local de concentração e montando uma operação judiciaria contra o ativismo no Rio de Janeiro com um inquérito policial que envolve mais de 70 coletivos e 23 prisões que aconteceram às vésperas da final. O esmagamento do movimento e dos protestos só não foi totalmente arrasador porque a pressão das ruas reapareceu onde ninguém a esperava: na alma dos jogadores da seleção, vergonhosamente goleados pela Alemanha5. Mas o auge foram mesmo as eleições de outubro. Foi uma apoteose de cinismo e mentiras deslavadas: na propaganda eleitoral do PT a comida desaparecia do prato dos pobres se Dilma perdesse a eleição ao passo que blogueiros governistas dissertavam doutamente sobre o sexo dos anjos, ou seja a “autonomia e/ou independência do Banco Central”. E assim voltou o mecanismo que junho tinha varrido: era mais importante “ser de esquerda” do que “descobrir” o que é hoje uma prática de esquerda ou, em outros termos, que a esquerda só pode ser uma prática. A necessidade impérios de manter a máquina binária apareceu claramente diante do dramático acaso que levou Marina Silva a disputar uma eleição da qual tinha sido eliminada de maneira bem pouco democrática. O Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) tinha recusado a homologação do Partido Rede de Marina Silva com base no fato que os cartórios eleitorais curiosamente haviam “reconhecido” apenas 442 mil das mais de 900 mil assinaturas coletadas, 95 mil a menos das necessárias para isso6. A ex-senadora e ex-ministra do PT optou para se apresentar como Vice na chapa de Eduardo Campos, candidato pelo PSB que não tinha nenhuma chance

                                                                                                                5

Giuseppe Cocco, La paura mangia l’anima. Sulla Coppa FIFA – Brasil 2014”, in Euronomade, disponível in http://www.euronomade.info/?p=2918 6 O numero de assinaturas necessário pela lei era de 492 mil. Marina declarou que na região do ABC paulista, feudo do PT, os cartórios descartaram algo como 80% das assinaturas. Vide Fernanda Calgaro, “Por 6 votos TSE rejeita fundação da Rede, partido de Marina Silva”, in Uol-Online, disponível in http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/10/03/maioria-do-tse-vota-contra-criacao-do-partido-demarina-silva.htm

de incomodar o bi-polarismo eleitoral. Impedida de participar pela sua “virtude” (com seu Partido), Marina passou a disputar a presidência em primeira pessoa por causa da “fortuna”: a morte trágica de Campos 7 . Até o final da campanha do primeiro turno, Marina era dada como vitoriosa em todos os cenários e o candidato da “direita”, Aécio Neves, parecia eliminado. Diante desse cenário, o marketing eleitoral do governismo foi implacável: esqueceu o candidato conservador e dirigiu sua máquina milionária contra não a candidatura mas a pessoa de Marina, usando as manipulações mais cínicas e a mentira mais deslavadas (sem que movimento feminista nenhum se comovesse) para impedir uma triangulação que atrapalharia o funcionamento desembestado da demagogia bi-polarizadora. Assim, Marina, que foi companheira do Chico Mendes, militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR) com Tarso Genro, fundadora do PT, duas vezes ministra de Lula, virou uma “fundamentalista religiosa”, uma candidata não apenas de “direta”, mas até de “extrema” direita. Quando os economistas de sua equipe ousaram dizer que o Brasil estava numa difícil situação econômica, foi um festival de ataques e acusações: o PT (e também a extrema esquerda, o PSOL), acusando Marina de querer “acabar com os direitos trabalhistas” e deixar o Banco Central aumentar as taxas de juros, ou seja acusando que querer fazer o que o governo do PT fez ao longo de 12 anos e está fazendo agora ... em muito pior. Sendo que a disputa eleitoral era totalmente iniqua: Marina dispondo de menos de 2 minutos de tempo de TV , ou seja 6 vezes menos que o PT. A triangulação foi destruída, a candidata da Rede eliminada no primeiro turno e o candidato da “direita” ressuscitado pela violenta campanha da “esquerda” (do PT). Assim, a máquina da mistificação pôde enfim voltar a funcionar a pleno regime. a “binarização” do debate e chegou ao seu maior sucesso no segundo turno, criando uma verdadeira mobilização social em torno do .... nada: uma simbologia de “esquerda” totalmente vazia e logo preenchida por um governo de direita. A Pravda estalinista ficaria vermelha de vergonha pelo nível de boçalidade que o PT consegue mostrar na mistificação da clivagem “direita” e “esquerda”. Bastará citar dois casos emblemáticos: no Estado e na Cidade do Rio de Janeiro, o PT governa com uma direita ultraconservadora que usa os megaeventos esportivos (a Copa e agora as Olimpíadas), para remover os pobres e militarizar as grandes favelas); o recém eleito governador petista da Bahia não apenas mandou sua PM executar 12 (doze) jovens da periferia de Salvador 8 , mas também comemorou a matança e ainda debocha o governador (tucano!) de São Paulo por não ter a mesma determinação assassina. Pior, quando o Ministério Público confirma formalmente que se tratou de execuções sumárias, o dirigente petista continuará defendendo a atuação da polícia como um grupo de extermínio9. Ironicamente, o que sobrou de “esquerda” no PT (e nos seus aliados, como o PCdoB) é apenas – mas é muito grave – o estalinismo. Lembremos, quais são as caraterísticas fundamentais do estalinismo? A primeira, é aquela que nos mostrou o escritor soviético Vassily Grossman em Vida e Destino: o regime combatia ferozmente a “esquerda” acusando-a de traição e ao mesmo tempo se aliava à pior direita (o hitlerismo): os “campos” eram o elemento comum aos dois regimes10:

                                                                                                               

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Eduardo Campos faleceu na queda do avião que o transportava do Rio de Janeiro a Santos, no dia 13 de agosto de 2014. 8 Bruno Wendel, “Laudos indicam que 12 suspeitos foram executados na Cabula”, Correio 24 horas, 5 de maio de 2015 Disponível em http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/laudos-revelam-que-12-mortos-no-cabulaforam-executados/?cHash=ccc92d18bd5cd79551a1df8444f2df6e . 9 Bruno Wendel, “Mortes de 12 homens na Cabula foram execuções, confirma Ministério Público”, Correio 24 horas, 12 de maior de 2015. Disponível em http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/morte-de-12homens-no-cabula-foi-execucao-diz-mp-policiais-seraodenunciados/?cHash=9cc0567b569bdbe83b2aa06242ec07f5 10 Vie et Destin (1960), Julliard – L’age de l’homme, Paris, 1983, p. 378.

“em nome da moral, a causa revolucionária tinha nos livrado da moral” e o “dissidente que era enviado a Buchenwald dizia “submeter-se a essa decisão’”11. A segunda, foi apresentada por um artigo profético e atualíssimo de Maurice MerleauPonty: “Um regime que quer fazer e não quer saber de nada trata o fracasso como sabotagem e a discussão como traição. (...). Ele se pensa como a virtude, a negação dos vícios do adversário e só percebe o que está fora dele como obstáculo ou auxiliar. Sua grande regra é julgar sem ser julgado”12. De maneira provisória, poderíamos concluir dizendo que as lutas pela urgente reabertura da brecha democrática no Brasil está no impasse entre a Espanha e a Itália. Na Itália, o velho partido comunista – depois de ter participado com o compromisso histórico à destruição do movimento autônomo da década de 1970 – foi derivando transformando-se numa figura desse extremismo de centro do qual fala Étienne Balibar, algo que já perdeu todas as forças a não ser aquelas que lhe permitem de impedir ao novo de constituir-se. Na Espanha, o 15M soube atravessar o deserto, não ter medo de levar as extremas consequências a critica da representação, rompendo radicalmente com o oportunismo neoliberal do PSOE e o saudosismo socialista de IU e hoje protagoniza a invenção de novas instituições, inclusive com essa abertura municipalista que indica um horizonte bem mais aberto do que caracteriza o próprio Podemos. O Brasil hoje está mais numa situação “italiana”: o PT parece um cadáver político que não quer deixar o novo nascer e para isso promove uma virada conservadora do eixo de governabilidade, agravada, por um lado, pelo fracasso econômico da aventura neodesenvolvimentista e, pelo outro, dois bloqueios da democracia brasileira. O fracasso da ilusão neoindustrial e dos investimentos em megaobras e megaeventos se traduz num violento aprofundamento do neoliberalismo. Treze anos depois da chegada ao poder do PT, as tímidas políticas sociais são canceladas por um ajuste ortodoxo sem precedente. Diante disso, a frágil democracia brasileira é bloqueada em dois níveis : por um lado, a legislação eleitoral engessa a criação de novos partidos (ao passo que se multiplicam as siglas de aluguel) e sobretudo não prevê a possibilidade de criação de listas municipais; pelo outro, a democracia do sufrágio universal e obrigatório que ainda não inclui o direito material dos pobres de fazer política ou, como dizia Hannah Arendt, “o direito (para os pobres) de terem direitos”. Mas, da mesma maneira que junho fez tremer a terra sem que ninguém o esperasse e ao mesmo tempo juntando todas as micro resistências que iam se multiplicando, hoje podemos ver nas lutas dos garis demitidos, nos moradores das favelas removidas, nos estudantes das universidades sucateadas, nas manifestações pelo passe livre o caminho de uma nova leva de inovações democráticas. Se não no terreno eleitoral, será talvez naquele de um novo tipo de sindicalismo - social e territorial - que as experiências moleculares de construção de círculos de cidadania tentam balizar que as novas brechas estão se abrindo: os pobres são como os vagalumes que persistem a dançar na escuridão da repressão ou na luz dos projetores da propaganda. Rio de Janeiro, 5 de junho de 2015

                                                                                                                11

12

Ibid., pp. 498-9. “Sur la déstalinisation” (1956), Signes, Folio - Gallimard, 1960, Paris, p. 481.

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