O Brasil e o Leste asiático: apontamentos para uma análise histórica

July 3, 2017 | Autor: E. Vargas Garcia | Categoria: Brazilian Foreign policy
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O BRASIL E O LESTE ASIÁTICO: APONTAMENTOS PARA UMA ANÁLISE HISTÓRICA

Eugênio Vargas Garcia *

Capítulo de livro publicado In: Albene Menezes (org.), História em movimento: temas e perguntas. Brasília, Ed. Thesaurus, 1999, p. 235-248. [ISBN 85-7062-181-7]

Na bibliografia de História do Brasil, estudos específicos sobre política externa brasileira são relativamente escassos e o estudante por vezes se ressente da falta de maior tradição de pesquisa na área. O campo da História das Relações Internacionais do Brasil, no entanto, tem evoluído consideravelmente nos últimos anos, tanto em termos de produção acadêmica, em número e qualidade crescentes, quanto de avanços teóricos e metodológicos dentro da disciplina. Na Universidade de Brasília, por exemplo, o Departamento de História possui ativa linha de pesquisa em estudos internacionais, cobrindo as relações exteriores do Brasil em diversos campos: Cone Sul, Estados Unidos, países da Europa, África, entre outros. A Ásia, porém, está praticamente ausente. Este artigo tem por objetivo introduzir brevemente alguns tópicos de interesse para a compreensão histórica do fenômeno da ascensão da Ásia no contexto internacional recente, a partir de uma perspectiva brasileira, como ponto de partida para pesquisas ulteriores sobre o assunto. Evidentemente, já de tão comentado, o “milagre” asiático, assim chamado em função do notável dinamismo econômico verificado nas últimas décadas naquela região, tornou-se lugar-comum entre estudiosos das relações internacionais contemporâneas. Podese mesmo falar em algo como uma Asiamania na mídia ocidental, que, para citar um exemplo na área de publicidade e propaganda, passou a fazer referências ao global business recorrendo freqüentemente a imagens com algum pano de fundo asiático, seja um encontro de negócios em Hong Kong seja um mercado flutuante de verduras no Vietnam. A própria noção de “Ásia” esconde uma realidade complexa e heterogênea, pois coloca em um mesmo caldeirão culturas e sociedades distintas, cujas semelhanças e peculiaridades pouco compreendidas seriam de molde a identificá-las, aos olhos ocidentais, como parte de um conjunto genericamente classificado sob a rubrica de “oriental”. Hoje em dia, quando se fala em “Ásia”, o vínculo geográfico é apenas tênue, uma vez que se exclui o Oriente Médio e até a Rússia, o país asiático de maior extensão territorial. Em seu sentido *

Mestre em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e diplomata.

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estrito, a “Ásia”, para todos os efeitos, engloba o Leste asiático (o Japão, as duas Coréias, a China e todo o Sudeste asiático) e, às vezes, a Ásia Meridional (Índia e entorno), sem incluir a Austrália e a Nova Zelândia (Oceania), identificadas com o conceito de “ÁsiaPacífico”. No plano econômico, a Ásia concentra 39% do Produto Mundial Bruto (PMB) e 32% do comércio global (o crescimento médio da riqueza da região foi de 7,6%, entre 1985 e 1992). As economias do Leste asiático progridem a um ritmo 4 vezes superior ao das nações industrializadas e sua participação no PMB excede os 25% (nos anos 60, não passava de modestos 8%). Por volta de 2020, entre as oito maiores economias do mundo provavelmente cinco serão asiáticas (China, Japão, Índia, Indonésia e Coréia do Sul). Do mesmo modo, estudo recente do Banco Mundial sobre crescimento econômico aponta a China, a Índia, a Indonésia, a Rússia e o Brasil como os “cinco novos gigantes” do século XXI, se continuarem a promover as reformas necessárias para a modernização de suas economias. O comércio transpacífico superou o transatlântico desde o final dos anos 70, e o intercâmbio entre os países asiáticos já ultrapassa as trocas entre a Ásia e os EUA  no início do próximo século, o Extremo Oriente será a maior zona de progressão de consumo no mundo. A Ásia recebe também o maior fluxo de investimentos externos diretos (sobretudo a China, com US$34 bilhões) e é fonte de importantes investidores, com destaque para o Japão, Taiwan, Hong Kong, Cingapura e Coréia do Sul. Em termos de história de longa duração, o renascimento da Ásia reveste-se de grande significado. A expansão da sociedade internacional a partir das Grandes Navegações, no final do século XV, pode ser entendida como um processo de disseminação das regras e características do sistema europeu de Estados nacionais da Idade Moderna. O eurocentrismo dominou as relações internacionais até o século XX, quando um novo centro de poder emergiu na América do Norte. Sob a hegemonia norte-americana, consolidou-se o eixo ocidental-atlântico de liderança nos assuntos internacionais, desafiado (mas não vencido) durante a Guerra Fria. Agora, o que se presencia é o surgimento de um terceiro centro de poder, desta vez na Ásia, cuja ascensão, ao contrário do que ocorreu com a exUnião Soviética, pode-se dizer de impacto duradouro para o sistema internacional global. Há quem veja na prosperidade do Leste asiático o prenúncio de um “século do Pacífico”, espécie de asiocentrismo em gestação. Previsões à parte, tem-se a certeza de que o futuro da política mundial passará necessariamente pela interação tripolar América do Norte-EuropaÁsia. A origem de muitos dos problemas que hoje ocupam a agenda diplomática no Leste asiático pode ser melhor entendida recorrendo-se ao estudo histórico da política internacional na região, o qual nos mostra por vezes um quadro de rivalidades regionais e disputas de poder intra-asiáticas. Veja-se, por exemplo, o caso do Japão. O pilar da inserção internacional do Japão tem sido a aliança com os Estados Unidos, dentro do que se convencionou chamar de

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Doutrina Yoshida, em referência ao primeiro-ministro Yoshida Shigeru (1948-1954). Diante do bipolarismo da Guerra Fria, a melhor alternativa para o Japão seria estabelecer uma relação especial com os Estados Unidos, cujo guarda-chuva nuclear iria garantir a defesa do país contra o comunismo e eventuais ameaças militares, enquanto o esforço nacional seria prioritariamente dirigido à recuperação econômica e à promoção de exportações, progressivamente baseadas no domínio de tecnologias de alto valor agregado, na esteira do livre comércio engendrado pela Pax Americana. O Tratado de Segurança Mútua Japão-EUA, assinado em 1951, em meio à urgência imposta pela Guerra da Coréia, selou essa opção, seguida a partir de 1955 sob a direção conservadora e monopolista do Partido Liberal Democrático (PLD). O eixo estruturante Tóquio-Washington, construído sobre essas premisas, continua vigente em suas linhas mestras 1. Contenciosos à parte, o Japão e os Estados Unidos, que juntos somam quase 40% do PIB mundial, se encontram em uma situação de inescapável interdependência (economia nichibei) e a manutenção dessa aliança complexa transcende os conflitos menores que permeiam a agenda bilateral. Na política regional, a ocupação no passado de países vizinhos pelo militarismo expansionista nipônico ainda desperta ressentimento em muitas partes do continente. Durante a Segunda Guerra Mundial, com a idéia de estabelecer uma “esfera de co-prosperidade asiática”, presenciou-se o fato inédito da conquista da Ásia por uma nação asiática, o que terminou por acelerar a retirada das potências coloniais européias (revitalização de movimentos nacionalistas e processo de descolonização). Depois de Hiroshima e Nagasaki, da derrota e da ocupação americana comandada pelo general MacArthur, o Japão recebeu uma nova Constituição (1946), cujo famoso Artigo 9, de renúncia à guerra, ajudou ao longo dos anos a implantar um forte sentimento pacifista no país. Com a Coréia, colônia japonesa de 1910 a 1945, o Japão procura avançar no sentido de liquidar satisfatoriamente o legado de seu passado colonial. Recorde-se que tensões ligadas ao problema da divisão das Coréias (reconhecida de facto em 1948 entre República da Coréia ao Sul do paralelo 38 e República Popular e Democrática ao Norte), já resultaram em guerra com envolvimento de terceiras potências (1950-53) e em constantes ameaças de conflitos, nos quais o componente nuclear se faz amiúde presente. Estando a reunificação da península coreana aparentemente distante, em virtude da ausência de diálogo entre Seul e Pyongyang, o Japão oscila entre a boa vizinhança com a Coréia do Sul, cada vez mais percebida como competidora econômica, e a normalização das relações com a Coréia do Norte. Quanto à Rússia, há interesse de Moscou em contar com a cooperação nipônica no desenvolvimento do Extremo Oriente russo, embora permaneçam traços de desconfiança e ressentimento, do lado japonês, ligados à questão da anexação, pela União Soviética de Stalin, das ilhas Kurilas do Sul (ao norte de Hokkaido) às vésperas da rendição do Japão, em agosto de 1945. Esse é o maior obstáculo para o estabelecimento de uma agenda bilateral positiva, pois, segundo a política Northward japonesa, condiciona-se a

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Cf. Gerald L. Curtis (ed.). Japan's foreign policy after the cold war: coping with change. Armonk, M. E. Sharpe, 1993.

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ajuda financeira à devolução das ilhas, em um caso típico de disputa territorial em que política e economia estão interligadas. Já com a China, ocorre o inverso: permeia o relacionamento a separação entre a economia e a política, fato que ajuda a contornar as diferenças ideológicas entre os dois países. Com isso, a tradicional rivalidade (vide a Guerra Sino-Japonesa de 1894-95, seguida da anexação de Taiwan, a invasão da Manchúria nos anos 30, etc.) vem cedendo espaço à expansão do intercâmbio econômico desde a retomada das relações diplomáticas em 1973, não sem um interlúdio de mal-estar verificado após o incidente da Praça da Paz Celestial, em 1989. Mesmo apresentando pedidos oficiais de desculpas, o Japão ainda não logrou superar totalmente o peso da história e estabelecer um tipo de relacionamento com a China similar ao da Alemanha com a França após a Segunda Guerra Mundial. Contudo, a cooperação empresarial transfronteiras e os fluxos de investimentos que promovem a expansão econômica das redes de produção no Leste asiático (a partir do impulso irradiador inicial do Japão e, agora, crescentemente sustentada pelo universo chinês), apontam para uma convergência de interesses, ao menos enquanto persistirem as altas taxas de crescimento na região 2. O universo chinês, aliás, engloba não só a República Popular da China (RPC), mas também a próspera Taiwan (ou Formosa, nome dado pelos portugueses quando chegaram à ilha no século XVI), Hong Kong (ex-possessão britânica, incorporada à China como Região Administrativa Especial desde julho de 1997), e as minorias de etnia chinesa (overseas Chinese), espalhadas pelo Sudeste asiático (onde controlam setores importantes das economias locais) e alhures. A área econômica chinesa está em franca ascensão e cada vez mais integrada. Caberá observar, nos próximos anos, como evolui a situação interna na China, incluindo a consolidação da liderança de Jiang Zemin como forte candidato a sucessor político de Deng Xiaoping. Nesse sentido, uma das questões centrais a ser respondida é a de se saber se as nações asiáticas escolherão o caminho do progresso, pela continuidade pacífica dos fluxos de comércio e de investimentos recíprocos, ou se, ao contrário, sucumbirão às tentações da Realpolitik, revivendo velhos diferendos bilaterais e veleidades de potência, com repercussões negativas para a estabilidade regional. Alguns desses embates são disputas territoriais, de que são exemplos: a) as reivindicações de soberania sobre as Ilhas Spratlys; b) a posse das Ilhas Paracell, confrontando China e Vietnam; c) o domínio sobre a Ilha Senkaku, opondo China e Japão; d) o direito sobre as Ilhas Tok-Doh, rivalizando Japão e Coréia; e e) o contencioso já citado entre o Japão e a Rússia em relação às Kurilas do Sul. Para o encaminhamento de algumas dessas questões, destaca-se a criação do Foro Regional da ASEAN (ARF), em 1994, com a finalidade de reforçar a cooperação em assuntos ligados à segurança, incluindo medidas de construção de confiança, desenvolvimento de mecanismos de solução de conflitos e diplomacia preventiva. Participam das reuniões do ARF os nove países-membros da ASEAN (Associação das 2

Idem, passim.

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Nações do Sudeste Asiático) 3, os dez parceiros de diálogo (Austrália, Canadá, China, Coréia do Sul, Estados Unidos, Índia, Japão, Nova Zelândia, Rússia e União Européia), Camboja como observador e Papua Nova Guiné como país convidado. O ARF, único foro no Leste asiático que trata especificamente de segurança regional, surgiu da preocupação dos países da ASEAN em multilateralizar a discussão sobre a disputa em torno das Ilhas Spratlys (ou Nanchas), que a China tradicionalmente preferia tratar bilateralmente. As Spratlys são um arquipélago de pequenas ilhas, bancos de areia e corais (vários submergíveis) no Mar do Sul da China, de grande importância estratégica por sua localização geográfica no caminho de rotas marítimas que ligam os oceanos Índico e Pacífico, objeto de reivindicações da China, Vietnam, Filipinas, Malásia, Brunei e Taiwan. Devido à sensibilidade da disputa, sua discussão ainda é incipiente no âmbito do ARF, mas permanece aberto o canal de diálogo. A última reunião do ARF teve lugar em Kuala Lumpur, em julho/97, ocasião em que foram discutidos, entre outros, temas relativos às disputas no Mar do Sul da China, ao desarmamento e aos direitos humanos (notadamente a situação em Myanmar). Outra questão, igualmente importante, está relacionada às mudanças de mentalidade e comportamento, visíveis nas novas gerações, em função da assimilação de idéias e produtos tipicamente ocidentais. Os padrões de consumo mudaram e o capitalismo vai penetrando fundo nas sociedades asiáticas, disseminando subsidiariamente o primado do individualismo e do bem-estar material. A adesão a valores como democracia e direitos humanos, por parte de grupos expressivos e camadas médias da população, poderá ter sérios desdobramentos na política interna de vários países. Há, a propósito, um debate civilizacional em torno dos “valores asiáticos”, inspirados na sabedoria oriental (Confúcio, entre outros), que colocariam a harmonia coletiva e a disciplina social acima dos direitos individuais. Tal perspectiva constitui-se em linha de defesa para algumas elites asiáticas na tentativa de promover a modernização sem ocidentalização. Merece lembrança, por fim, o foro de Cooperação Econômica da ÁsiaPacífico (APEC), criado em 1989, o qual reúne 18 membros e tem por objetivo estreitar a cooperação econômica e comercial dos dois lados do Oceano Pacífico. A primeira Cúpula teve lugar em Seattle/1993. Sobre as metas para a liberalização comercial no âmbito da APEC, estabeleceu-se que, segundo a Declaração de Bogor (1994), os produtos atingiriam tarifa zero em 2010, para os países desenvolvidos, e em 2020, para os países em desenvolvimento. Durante a última Cúpula da APEC (Manila/1996), foi assinado Acordo específico sobre Tecnologia de Informação (ITA), com vistas à eliminação de tarifas no setor já no ano 2000. A próxima Cúpula será em Vancouver, em novembro/97.

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A ASEAN, instituída pela Declaração de Bangkok (08 de agosto de 1967), foi inicialmente fundada por cinco países: Cingapura, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia, aos quais posteriormente se juntaram Brunei (1984) e Vietnam (1995). Em Kuala Lumpur (24-25 de julho/97), os Chanceleres da ASEAN aprovaram a adesão de dois novos membros: Laos e Myanmar. O principal foro de decisão da Associação é constituído pelas Reuniões de Cúpula dos Chefes de Governo dos Países-Membros, realizadas a cada três anos. Com sede em Jacarta, o Secretariado-Geral da ASEAN funciona como órgão central de coordenação.

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O Brasil, como o demonstram as visitas presidenciais à China e Malásia (dezembro/95), à Índia (janeiro/96) e ao Japão (março/96), está buscando aproximar-se dos países asiáticos, a fim de ampliar sua presença na região que mais cresce no mundo. A coincidência de posições e interesses, em muitos casos, ajuda a elevar o patamar das relações bilaterais, ainda que historicamente não tenham sido tão densas. Com a China, os primórdios do relacionamento nos remetem à missão brasileira que visitou aquele país em 1879 4. Buscava-se então a criação de uma corrente migratória asiática para atender às necessidades de mão-de-obra para as plantações de café em crescente expansão no Estado de São Paulo, em uma época em que já se antevia o fim do trabalho escravo como fator de produção disponível. Mesmo não tendo logrado alcançar o objetivo de promover a vinda de trabalhadores chineses para o Brasil, por reações internas contrárias dos dois lados, a missão teve como resultado concreto a condução de negociações para um Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, efetivamente assinado em 1881. Em função desse primeiro encontro entre a China e o Brasil, foi aberto um Consulado brasileiro em Xangai, em 1883. Daí em diante, foram poucos os contatos bilaterais na primeira metade deste século, devido à guerra civil naquele país. Mais tarde, a vitória comunista de 1949, no contexto da Guerra Fria, resultou no rompimento entre os dois países e, em 1952, o Brasil chegou a abrir uma Embaixada em Taipé. A missão de João Goulart à China, como VicePresidente, em 1961, serviu de ensaio para um entendimento sino-brasileiro mais promissor no futuro, o qual não teve seguimento no período imediatamente posterior à instalação do regime militar de 1964 (em 1965, por exemplo, seriam expulsos do Brasil os funcionários do escritório comercial chinês, sob a acusação de “atividades subversivas”) 5. A partir de 1974, ano do reconhecimento brasileiro da República Popular da China e do restabelecimento das relações diplomáticas, começou-se a delinear um processo de aproximação, reforçado pela histórica visita de João Figueiredo, em 1984, acompanhado por 100 empresários (a primeira de um Presidente brasileiro à China), bem com a do Presidente José Sarney, em 1988. No momento atual, a opção por uma parceria estratégica norteia a cooperação bilateral, que inclui áreas de alta sofisticação, como a de lançamento de satélites de sensoriamento remoto desenvolvidos conjuntamente por Brasil e China. As relações com o Japão são tradicionais, tendo sido iniciadas em 1895 com o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre os dois países, firmado em Paris. Uma das motivações principais para a assinatura daquele Tratado, à semelhança do ocorrido com a China, residia também na tentativa brasileira de buscar fontes alternativas de suprimento de mão-de-obra para as lavouras paulistas 6. A diferença fundamental esteve no fato de que 4

Cf. Fábio Lafaiete Dantas. Origens das relações entre o Brasil e a China: a missão especial de 1879. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 1986. 5 Consultar o artigo de Antônio J. Barbosa: “Outros espaços: África do Norte, Oriente Próximo, continente asiático e Japão nas relações internacionais do Brasil”, in Amado L. Cervo (org.). O desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930 a nossos dias. Brasília, Ed. UnB, 1994. 6 Cf. Roberto J. H. Yamamura. “O estabelecimento das relações Brasil-Japão no século XIX”. Textos de História, vol. 4, n. 1, 1996, p. 125-148.

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a imigração japonesa para o Brasil realmente deslanchou, iniciada em 1908 com a chegada do cargueiro Kasato Maru ao porto de Santos. O fenômeno terminou por se constituir em fluxo migratório que faria da colônia nipônica em território nacional a maior fora do Japão (o número de nipo-brasileiros aqui residentes atualmente ultrapassa 1 milhão e 300 mil). Durante a Segunda Guerra Mundial, estando o Japão aliado ao Eixo, houve rompimento de relações, restabelecidas em 1949. A partir do final dos anos 50, cresceram os investimentos japoneses no Brasil, tendo em vista que as trading companies do Japão começavam a buscar áreas receptivas para investimento no exterior. A atuação inicial dessas companhias no país privilegiou as áreas de siderurgia (Usiminas em 1958, expansão da Cosipa e da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN) e energia hidrelétrica (obras em Furnas, Paulo Afonso e Cemig). Os investimentos nipônicos atingiram seu ápice na época do Burajiru Bumu (“boom Brasil”), na década de 70. Em parceria com estatais brasileiras de peso, foram exploradas jazidas minerais na região Norte (Alunorte, Carajás); investiu-se na modernização de portos e em corredores de exportação; importou-se minério de ferro através da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD); expandiu-se a produção de soja na região do cerrado (programa PRODECER); e aumentou-se o volume da assistência oficial ao desenvolvimento para o Brasil. Em 1976, a visita do Presidente Ernesto Geisel ao Japão, dentro da lógica de redução de dependências do “pragmatismo responsável”, estabeleceu um marco nas relações bilaterais por ter sido a primeira de um Chefe de Governo brasileiro àquele país. O Presidente João Figueiredo, em 1984, também visitou o Japão, ocasião em que foi assinado um Acordo de Cooperação em Ciência e Tecnologia, embora já se verificasse visível retração da presença japonesa no Brasil, no contexto da crise da dívida externa. Ainda nos anos 80, assinale-se o surgimento dos dekasseguis, brasileiros que emigraram para o Japão em busca de trabalho e realização financeira, que hoje já somam mais de 210 mil. Na presente década, o ciclo de visitas do mais alto nível e de representantes de diferentes setores de atividade de um e outro país consolidou a retomada das relações bilaterais em patamar elevado. Em termos econômicos, a cooperação financeira ganhou novo ritmo. Vários contratos financeiros, referentes a projetos aprovados quando da visita presidencial, foram negociados ou assinados. Anúncios recentes de investimentos, como os da Nippon Steel e Nisho Iwai, são indicativos de uma nova atitude da parte japonesa em termos de maior envolvimento com o Brasil. A Federação da Organizações Econômicas do Japão (Keidanren) e a JAIDO (Japan Development Organization Ltd.), para citar um único caso, estão trabalhando em projeto piloto com o objetivo de promover investimentos japoneses em setores importantes da economia brasileira, em especial no setor de autopeças, decorrentes da instalação no Brasil de fábricas de automóveis da Toyota e da Honda. Com os demais países da região, sobretudo do Sudeste asiático, o registro histórico do relacionamento não é expressivo. Em 1959, o Presidente Sukarno, da Indonésia, foi o primeiro Chefe de Estado asiático a visitar o Brasil. Em 1981, o Governo brasileiro enviou uma missão comercial aos países da ASEAN, chefiada pelo Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, iniciativa que ajudou a identificar novas frentes de

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cooperação bilateral. Durante 21 dias, a missão brasileira, composta por 71 pessoas, manteve cerca de 2500 contatos com autoridades governamentais e empresários de cinco países: Cingapura, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia. Mais recentemente, em 1995, a visita do Presidente Fernando Henrique Cardoso à Malásia marcou momento especial na aproximação do Brasil com aquela região, cujo modelo promissor de cooperação Sul-Sul pode trazer benefícios ainda maiores tanto para a América do Sul quanto para o Sudeste asiático. Realizou-se também o I Encontro Ministerial Mercosul-ASEAN (almoço informal), em Cingapura, em dezembro/96. Na oportunidade, houve basicamente troca de informações sobre os respectivos processos de integração regional, tendo sido alcançado consenso sobre a necessidade de envidar maiores esforços para promover o comércio e os investimentos entre as duas regiões. Vale abrir um parêntese para lembrar que com a Austrália e a Nova Zelândia, idêntico esforço de aproximação vem sendo levado a cabo já há alguns anos, destacando a visita do ex-Chanceler Celso Amorim àqueles dois países em 1994. No âmbito do diálogo Mercosul-CER (Australia-New Zealand Closer Economic Relations Agreement), prossegue o trabalho de compilação de informações e de intercâmbio de experiências. Os temas de interesse recíproco incluem, entre outros, os facilitadores de comércio (harmonização de procedimentos alfandegários, redução de barreiras nãotarifárias), questões fitossanitárias, intercâmbio de informações sobre ISO 14000, compilação de dados sobre práticas comerciais restritivas dos países desenvolvidos, e troca de opiniões sobre questões econômicas internacionais e as experiências CER-APEC e Mercosul-ALCA. A análise da política brasileira para a Ásia esteve até pouco tempo vinculada à perspectiva de aproximação com o chamado “mundo afro-asiático”, particularmente nos anos 60, segundo o conceito então em voga de “Terceiro Mundo”. Nessa linha de interpretação, alguns estudos pioneiros foram realizados, como o livro de Adolpho Bezerra de Menezes, O Brasil e o mundo ásio-africano, publicado originalmente em 1956, e, mais tarde, a Tese de Doutorado de Wayne Selcher, The Afro-Asian dimension in Brazilian Foreign Policy (1956-1968) 7. Nos anos 70, em parte como resultado do lançamento de uma política brasileira para a África, os estudos africanos proliferaram e ganharam relevância, constituindo-se em área de investigação autônoma. O mesmo não aconteceu com a parcela “asiática” da antiga equação. De qualquer modo, existe considerável aporte de estudos sobre as relações Brasil-Japão, grande parte relacionados à imigração e a aspectos do intercâmbio econômico-comercial, e incipiente produção sobre as relações Brasil-China. Quanto aos países do Sudeste asiático, o vazio é quase total, o que não deixa de ser compreensível, tendo em vista a falta de densidade que caracterizava o relacionamento do Brasil com aquela sub-região, considerada distante e exótica. Atualmente, alguns núcleos de pesquisa sobre a Ásia-Pacífico vão surgindo no cenário acadêmico, bem como professores e

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Ver referências bibliográficas ao final deste artigo.

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especialistas em universidades e alunos de pós-graduação com teses na área. No quadro geral, há muito ainda por fazer. O Leste asiático constitui área de grande interesse para o Brasil. Atentos às mudanças que se verificam no cenário internacional, temos procurado reforçar antigos laços e criar novas pontes de contato e cooperação com os países da orla do Pacífico, à luz de nossa vocação natural para o universalismo e pela condição de parceiro comercial de alcance mundial. A Ásia (exclusive o Oriente Médio) absorve cerca de 17,6% das exportações brasileiras. Em virtude do aumento das importações brasileiras de bens de consumo (sobretudo veículos, eletrônicos, têxteis e brinquedos), a balança comercial, tradicionalmente superavitária, passa a tender ao equilíbrio. O grande incremento nas importações provenientes da região ocorre em função da própria abertura progressiva da economia brasileira. Com a estabilização macroeconômica e o atrativo adicional representado pelo mercado ampliado do Mercosul, muitas empresas asiáticas, mais que exportar para o Brasil, têm decidido investir crescentemente na instalação de fábricas no país (como tem ocorrido com o setor automobilístico), bem como estabelecer jointventures com empresas brasileiras, notadamente na área de comunicações (Coréia), suprimento energético (China) e agroindústria (Malásia). A importância inconteste do Leste asiático no futuro, próximo ou longínguo, torna, se não indispensável, ao menos conveniente que se estimulem cada vez mais pesquisas sobre as relações internacionais naquela região, notadamente na esfera do desenvolvimento econômico e na identificação de oportunidades para o Brasil. Do ponto de vista brasileiro, o interesse no acompanhamento da evolução dos acontecimentos no Leste asiático não se origina apenas do desejo de identificar oportunidades comerciais e de investimentos. A política asiática do Brasil envolve também o intercâmbio de idéias e de experiências, em todos os níveis, sobretudo naquelas áreas em que se verifica ampla convergência de aspirações. Um exemplo dessa atitude pró-ativa está no aprendizado constante com a experiência asiática de desenvolvimento, cujo êxito no médio e longo prazos não pode ser medido por dificuldades conjunturais que, muitas vezes, refletem circunstâncias às quais todos os países economicamente abertos estão sujeitos, em maior ou menor grau, em um contexto de trocas globais. A História, neste caso, poderá contribuir em muito para nosso maior entendimento das mudanças em curso ou por vir no Oriente.

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Revistas e periódicos de interesse para a pesquisa: Asiaweek (Hong Kong) China Newsletter (Tóquio) East Asian Review (Seul) The Economist (Londres) Far Eastern Economic Review (Hong Kong) Foreign Affairs (New York) Japan Quarterly (Tóquio) Korea Journal of International Studies (Seul) Pacific Affairs (Ottawa) The Pacific Review (Londres) Política Externa (São Paulo)

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