O Brasil independente e a defesa do Impêrio através da escultura pública

July 9, 2017 | Autor: A. Martín Chillón | Categoria: History of Sculpture, ESCULTURA, Brazilian Art
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O Brasil independente e a defesa do Império através da escultura pública El Brasil independiente y la defensa del Imperio a través de la escultura pública The Independent Brazil and the defense of the Empire through public sculpture

Alberto Martín Chillón 1*

Recibido: 06/04/2015 Aceptado: 11/05/2015 Disponible en Línea: 30/06/2015

Resumen Dom Pedro I, libertador, defensor perpetuo e pai da pátria, ganhou estes títulos por conseguir a independência do território brasileiro. Desde esse momento surgiram várias tentativas de construir um monumento público, destacando o papel de libertador do imperador, e reforçando a ideia da monarquia como a melhor opção. Estas tentativas só se concretizaram no reinado de dom Pedro II, no monumento a dom Pedro I, de Louis Rochet, inaugurado em 1862, como afirmação do projeto monárquico. Nos mesmos anos se criou o frontão do Cassino Fluminense, um complexo manifesto de intenções, que continua a mensagem política recuperando a longa tradição de defesa monárquica desde a independência, conseguindo, ao mesmo tempo, convertir-se num monumento ao futuro de paz e progresso que o Império pretendia. Palavras-chave: Escultura pública, Brasil, Arte imperial, Imagem nacional, Século XIX

Revista Kaypunku / Volumen 2 / Número 1 / Junio 2015, pp. 159-197 Documento disponible en línea desde: www.kaypunku.com Esta es una publicación de acceso abierto, distribuido bajo los términos de la Licencia Creative Commons ReconocimientoNoComercial-SinObraDerivada 4.0 Internacional. (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/), que permite el uso no comercial, compartir, descargar y reproducir en cualquier medio, siempre que se reconozca su autoría. Para uso comercial póngase en contacto con [email protected] *

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. [email protected]

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Resumen Don Pedro I, libertador, defensor perpetuo y padre de la patria, ganó estos títulos por conseguir la independencia para el territorio brasileño. Desde ese momento surgieron varios intentos de construir un monumento público, destacando el papel de libertador del emperador, y reforzando la idea de la monarquía como la mejor opción. Estos intentos solo cristalizaron en el reinado de Pedro II, en el monumento a don Pedro I de Louis Rochet, inaugurado en 1862, como afirmación del proyecto monárquico. En los mismos años se creó el frontón del Casino Fluminense, un complejo manifiesto de intenciones, que continúa el mensaje político recuperando la larga tradición de defensa monárquica desde la independencia, consiguiendo, a la vez, convertirse en un monumento al futuro de paz y progreso que el imperio perseguía. Palabras claves: Escultura pública, Brasil, Arte imperial, Imagen nacional, Siglo XIX

Abstract Don Pedro I, liberator, perpetual defender and father of the nation, won these titles because of his achievement in obtaining the independence for Brazil. Since then, several attempts to build a public monument emerged, highlighting the liberator role of the emperor, and reinforcing the idea of monarchy as the best option. These attempts were only chrystallized during the reign of Pedro II, with the monument to Pedro I by Louis Rochet, in 1862, as an affirmation of the monarchical project. In the same years the tympanum of Cassino Fluminense was built, a complex manifestation of intentions, that continues the political message recovering the long tradition of monarchical defense since independence was established, achieving, at the same time, to become a monument to the future of peace and progress that the empire pursued. Keywords: Public sculpture, Brazil, Art of the empire, National identity, 19th century

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A casa de Bragança deve mostrar-se eternamente agradecida aos brasileiros e ao excelso príncipe D. Pedro; pois sem o apoio de ambos nesta conjuntura, nem reinaria no Brasil, nem este florescente império existiria senão reduzido à miseranda condição das repúblicas hispano-americanas. (Pascual, 1862, p. 70).

Independência ou morte: Brasil como reino autônomo1 «Independência ou morte», essas foram as legendárias palavras que proferiu em 7 de setembro de 1822 Dom Pedro, futuro primeiro imperador brasileiro, nas margens do rio Ipiranga, conhecidas como o Grito do Ipiranga , quando se rebelou abertamente contra as ordens recebidas do seu pai desde Portugal, que manteriam o Brasil sob o domínio português e, ao desobedecê-las, iniciou o caminho do Brasil como território autônomo. Sem entrar em consideração sobre todos os elementos legendários deste fato e as caraterísticas, origens e repercussões de uma situação altamente complexa, o Grito do Ipiranga supõe a construção de um momento e um protagonista necessários para o processo de independência, a constituição de um fato fundador da nação brasileira. Como bem analisa Iara Lis Carvalho de Souza (1999, p. 252) se transforma em um grito contra o inimigo português, e suporia uma tentativa de unir os brasileiros em uma primeira comunhão cívica a favor da felicidade geral da nação. «Independencia o muerte» se transformaba en un lema capaz de despertar, en cada brasileño, la virtud cívica, el sentimiento que le unía a su tierra natal (Souza, 1999, p. 252). A necessidade de definir um momento exato para o nascimento da nova nação propiciou a criação do Grito do Ipiranga, construção que culmina no quadro homônimo de Pedro Américo, pintado em Florença em 1888 por encomenda da família imperial. A escolha deste momento, entre os eventos ligados à Independência, se deveu a seu caráter «mais rebelde e liberal, aquele que simbolizou o verdadeiro rompimento com a Metrópole» (Murano, 2003, p. 17). E se a nova nação já tinha uma origem clara e determinada, necessitava, do mesmo modo, de um herói responsável pela proeza heroica. Uma figura que representasse a liberdade contra a tirania, a renovação contra o antigo, e desse início a uma nova era, e quem melhor que o primeiro imperador, na época príncipe regente, aquele que conseguiu enfrentar a opressão portuguesa e libertar o seu povo. Sem dúvida, a situação foi muito mais complexa, e diversos setores da população não aceitaram estas ideias, criando amplos debates em torno da independência e da validade da figura do imperador, com uma grande diversidade de discursos. Contudo, o interesse deste trabalho não é investigar essa diversidade de propostas e discursos sobre o conceito de nacional e o modelo de nação e seus símbolos, e sim aprofundar no discurso imperial, que tenta de um modo intenso e recorrente, legitimar o modelo monárquico como melhor opção para a nação, com o imperador na cabeça, insistindo na construção dos conceitos de pátria e nação, apresentando o imperador como libertador e garantidor da paz e da estabilidade, e principalmente da 1

Este trabalho foi realizado com o apoio do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa (PNAP) FBN/MinC. Brasil.

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unidade, contrapondo-o ao exemplo das repúblicas latino-americanas, onde reinariam, segundo este discurso, a anarquia e a desordem. Nascia assim a figura do libertador nacional, o Imperador constitucional, Defensor perpétuo da nação, Anjo do Brasil e Gênio do Brasil, alguns dos títulos outorgados ao imperador por «unir o território e afastar-se do risco efetivo de o país ser fraturado da mesma forma que a América Hispânica» (Schiavinnato, 2003, p. 83). Este discurso não só permeará o pensamento imperial, como também se refletirá em suas manifestações culturais, tomando aqui várias manifestações artísticas, e especialmente a escultura monumental como uma dupla testemunha, não só do processo de independência brasileiro, como também da situação, em contraposição com o Brasil, das repúblicas latino-americanas, ao apresentá-la como um modelo falido a evitar.

Um primeiro passo para a Independência Um dos primeiros exemplos conhecidos do desejo de construir um monumento público que perpetuasse um momento histórico relevante se remonta a 1822, quando, no dia 26 de fevereiro, o Senado projeta um monumento no Largo do Rocio, atual Praça Tiradentes, para o qual se propõe o nome de Praça da Constituição, perpetuando a memória do dia 26 de fevereiro de 1821, quando o rei se comprometeu a jurar por uma constituição colocando fim ao absolutismo. Nos lugares públicos se fixaria a seguinte nota escrita por José Clemente Pereira, que liderou o movimento conhecido como o «Dia do Fico», em 9 de janeiro de 1822, quando o príncipe regente Dom Pedro de Alcântara contrariou as ordens das cortes portuguesas de voltar de imediato à Lisboa, permanecendo no Brasil: Qual será o emblema mais nobre, duradouro e simples, que, levantado em monumento eterno no Rocio desta cidade, leve aos últimos dias da posteridade a memória sempre veneranda do faustíssimo dia 26 de Fevereiro de 1821, primeiro da regeneração política do Brasil? Eis o trabalho glorioso, para quem dignamente o desempenhar, que o senado da camara, identificandose com os votos do povo constitucional, que tem a fortuna de representar, propõe aos cidadãos amantes da constituição e da pátria, hoje que o Brasil e toda a nação portugueza celebra com Jubilo o sagrado anniversario do maior de todos os dias. Logo que o importante plano deste monumento, representação da liberdade pela constituição, tiver chegado às mãos do mesmo senado, cuidará este de obter que se decrete; e solicitará dos verdadeiros patriotas os fundos necessários para a sua mais prompta e effectiva execução. (Morais, 1871, p. 77) Possivelmente um dos projetos apresentados neste momento, «dia em que o Brasil recebeu a primeira prova firme de sua permanente felicidade» (Morais, 1871, p. 78) que já anunciava a futura independência, é o projeto conservado na Biblioteca Nacional do Brasil, denominado Prospecto, e Planta do Monumento para a Praça da Constituição da Cidade do Rio de Janeiro, em memória do dia 26 de fevereiro de 1821 de autoria de Francisco Pedro do Amaral (Fig. 1). Sobre uma plataforma triangular com cinco degraus se ergue

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Figura 1. Francisco Pedro do Amaral (1822). Prospecto, e Planta do Monumento para a Praça da Constituição da Cidade do Rio de Janeiro, em memória do dia 26 de fevereiro de 1821. Fundação Biblioteca Nacional, Río de Janeiro, Brasil.

o monumento, um grande prisma quadrangular central, sobre o qual se eleva outro prisma quadrangular de menor tamanho, coroado pela figura em pé de Dom Pedro I jurando a constituição, situada em um pedestal com o escudo português, por sua vez ladeado por quatro pedestais prismáticos retangulares que cercam o núcleo central e que apresentam quatro figuras. Na parte frontal do monumento um jovem coroado e com um colar com a esfera armilar, apoiada em sua mão esquerda, com o braço estendido, um templo clássico no qual se situa um pequeno busto, provavelmente Dom João VI, rei nesse momento. À direita de Dom Pedro, Minerva com um elmo e vestimentas clássicas, com o escudo da cabeça de Medusa e lança na mão esquerda e o caduceu à esquerda. À esquerda uma figura feminina apoia um livro em seu braço esquerdo estendido e um sol no direito. Na parte traseira uma figura masculina alada e barbada, coroada de flores, apoia em seu braço esquerdo estendido um estandarte com a data 26 de fevereiro e o símbolo zodiacal de peixes. Apesar de desconhecer parte da iconografia utilizada, as representações alegóricas eram muito frequentes nas festividades cívicas como a recepção dos monarcas, festejos de vitórias, comemorações de datas marcadas, abrindo um amplo leque de representações alusivas à virtudes, conceitos como paz, união, fidelidade, comércio, assim como divindades clássicas, representações de territórios, etcetera. A iconografia de outro projeto conhecido, mas não conservado, que talvez fizesse parte também deste primeiro empreendimento monumental, resulta mais clara, e seu autor, Manuel Dias de Oliveira, conhecido como O brasiliense, concebe um conjunto no qual as figuras da União e da Tranquilidade ladeiam a figura de

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Dom Pedro I sobre uma esfera, com coroa e cetro. No pedestal apareceriam os quatro fatos fundamentais que, na visão do artista, deveriam ser recordados: o dia 16 de dezembro de 1815, quando o rei concede ao Brasil a categoria de reino; o dia 6 de fevereiro de 1818, data da aclamação de Dom João VI; o dia 26 de fevereiro de 1821, juramento da constituição; e o dia 9 de janeiro de 1822, conhecido como o «Dia do Fico». Segundo Ana Flora Murano, que reúne a informação sobre o monumento: No universo da monarquia começava uma luta simbólica entre o Antigo Regime e algo novo, que neste momento ganhava uma tonalidade nacionalista representada pela atitude de D. Pedro de não retornar a Portugal. Legitimar este momento significava acalmar, temporariamente, os ânimos liberais e republicanos que afloravam já há algum tempo. (Murano, 2013, p. 14). Esta dicotomia entre o Antigo Regime e «algo novo» se pode ver nos projetos destes dois monumentos. O primeiro apresenta o rei com a Constituição como principal atributo, outorgando a liberdade a seus súditos; e o segundo, mais em linha com as tradições absolutistas, opta por representar o rei com seus atributos seculares, coroa e cetro; talvez este último muito mais parecido a representações dessa mesma inspiração, como a de Auguste Taunay. Ele confecciona um painel para uma representação no Teatro Real, que segundo diferentes opiniões seria “Himeneu, drama alegórico em quatro atos”. De acordo à inscrição que acompanha o painel, este fez parte da decoração do Ballet histórico, apresentado no dia 13 de maio de 1818 (Schwarcz, 2008, p. 222). Segundo outras versões, a tela fez parte do Elogio a Dom João VI (Trevisan, 2009), ou também de um baile chamado O triunfo do Brasil, em cujo intervalo havia sido apresentada a tela. Nesta complexa representação, da qual se conservam duas versões, a gravura da obra Viagem pitoresca e histórica e Brasil e a aquarela da coleção Castro Maia, o rei, rodeado de deuses e outras figuras alegóricas, como o Gênio Tutelar, a Discórdia, a Fortuna e a Fama (Schwarcz, 2008, p.222), preside a composição adornado com cetro e coroa, e sustentado pelas personificações dos reinos unidos de Portugal, Brasil e Algarves. A necessidade de acalmar não só movimentos discordantes como também diretamente sufocar revoltas declaradas, foi um contínuo na conturbada época da independência, marcada por uma grande instabilidade. Um exemplo fundamental foi conhecido como a Guerra ou Independência da Bahia. Este processo culminaria com a definitiva independência de Portugal, mas antes da própria declaração de Independência do Brasil; e, ainda sem ter explodido formalmente a guerra entre partidários da independência e a continuação como colônia, em 21 de maio de 1822, se comemoraria na Igreja de São Francisco do Rio de Janeiro um dos episódios deste conflito. Um grande quadro, entendido como um projeto para um monumento público pela historiografia 2, foi o centro de um grande mausoléu para uma missa dedicada pelos cidadãos da Bahia aos mortos, tanto brasileiros como europeus, e presidida pelos monarcas. O esboço para esta obra, único testemunho conservado, faz parte do Museu Imperial de Petrópolis: um desenho em sépia e carvão (Taunay, 1983), 85x68 cm (Bandeira, 2003) (Fig. 2), com o título atual de Grupo Alegórico da Restauração da Bahia, mas com a inscrição «Ao Gênio do Brasil»: 2

O Jornal do Brasil (1941, 27 de agosto) afirma que este esboço havia sido realizado para um monumento público a erguer-se na Bahia, e a maioria da crítica aceita que foi um estudo para um baixo-relevo. A informação dada pela Gazeta do Rio de Janeiro, (1822, 25 de maio), afirma que foi utilizado como um grande quadro em uma homenagem prestada aos mortos na Bahia.

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Figura 2. Auguste Taunay (1822). Grupo alegórico da Restauração da Bahia. [Tinta no papel]. 85 x 68 cm. Museu Imperial Petrópolis, Río de Janeiro, Brasil.

hum bello quadro em que allegoricamente se repressentava o Genio do Brazil na figura de hum mancebo vestido de armas brancas; tendo no braço esquerdo hum Escudo com a cabeça de Meduza com o qual repelia os três monstros, A Anarchia, a Discordia, e a Intriga, que precipitados huns sobre os outros hiam cahindo por terra. Na mão direita tinha huma espada, e a este lado lhe ficava a Bahia symbolisada em huma gentil Dama abraçada com o Templo da Paz, onde se lia a epigrafe, União (Gazeta do Rio de Janeiro. 1822, 25 de mayo).

Taunay estava recorrendo a elementos propagandísticos do Antigo Regime e às monarquías europeias, especialmente hispânicas, durante o período da invasão napoleônica, quando proliferam os gênios do patriotismo e os gênios nacionais, elementos patrióticos definitivamente. Tão importantes como o grande quadro central, o Gênio do Brasil acabando com os males que assolavam a Bahia, eram as inscrições do conjunto, que funcionava como um monumento público em memória dos heróis:

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O Regente do Brazil sabeis quem he,/ Que firme, resoluto, e aguerrido, / A discórdia suplanta da Bahia / Restituindo a Província ao Reino Unido. / Se vitimas fomos, Gênio Amado, / Vingança não pedimos, só piedade / Evitar sim, que a discórdia continue / A exercer o furor da iniquidade (Gazeta do Rio de Janeiro. 1822, 25 de maio).

Com diversas alusões à cultura clássica, tanto na língua, com inscrições em latim, como nas alusões a Marte, os Manes ou à serpente Cadmea, a mensagem transmitida pelo monumento é essencialmente, o patriotismo. A ideia de pátria, mesmo antes da independência, é uma preocupação fundamental do Império. Pretende-se criar na consciência coletiva a ideia de um bem superior, de uma entidade maior que transcende o indivíduo, pela qual é digno oferecer a vida, para alcançar desse modo a vida imortal, como mostra uma das inscrições: «In perpetuum vivere intelliguntur, qui pro Patria creciderunt. Eterna gloria tem quem à Pátria o sangue deu» ou num fragmento de outra: «Com fogo, e peito mais que varonil,/morrestes pela Pátria; e a vossa sorte/Vos vai fazer viver além da morte» (Gazeta do Rio de Janeiro. 1822, 25 de maio). Ao redor do mausoléu apareciam, além do mais, inscrições alusivas à heroica ação e à memória das vítimas: Thus, lacrymas, que Tibi vovet Brazilia Mater, O´mestae Patriae Libera Sacra Cohors; Sidera dum pulsas incensa illius amore; Criminis auctor Acer mergitur elli luto: Luce Aeterni vos Saueta requiescite Manes; Vindictam metuit dura caterva ferox. O Brazil te dedica incenso, e pranto, Ó Sagrada porção da pátria aflicta; Por amor della em quanto aos astros sobes No immundo lodo se mergulha o crime, Gozai, ó Manes, do descanso eterno, Que exposto aos ódios se amedronta o monstro. (Gazeta do Rio de Janeiro. 1822, 25 de maio).

A mensagem fundamental era a união do Império como prioridade principal, ameaçado pelo o que será uma preocupação recorrente, deter o avanço de ideias independentistas, republicanas ou separatistas, que estavam no auge em toda América do Sul, e que se identificavam com a anarquia, ao contrário da ordem proporcionada pelo sistema monárquico: o mais exaltado Patriotismo consagra ao descanso, e a memoria de seus conterrâneos; e dos que o não sendo, ali foram vítimas da prepotência ou da ignorância dos que cuidam que bem governam, quando governam por systemas nunca d’antes imaginados (Gazeta do Rio de Janeiro. 1822, 25 de Maio). A mensagem recebida pelos numerosos assistentes se estenderia ainda mais, já que, devido a sua importância, o elogio fúnebre, recitado depois da missa pelo capelão real Frei Francisco de Sampaio, seria publicado pela imprensa.

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Desde antes da independência, a noção de unidade e pátria se situa em um lugar primordial; a união do território acima de tudo, união que garantiria o juramento da Constituição, em 25 de março de 1824, que fazia do novo Império, um Império constitucional. O Illustrissimo Senado da Camara desta muito Heroica, e Leal Cidade do Rio de Janeiro tem o incomparavel prazer de annunciar ao Publico, que S. M. o Imperador, Annuindo aos votos da maioria da Nação Decretou o dia 25 do corrente para o solemne juramento da Constituição [...] hum dia, que fixa sem duvida huma das epocas mais gloriozas do Imperio, pois que nelle vai a Povo Brasileiro receber a maior dadiva que lhe podia Dar o Seo Incomparavel Imperador, Defençor Perpétuo (Diário de Rio de Janeiro, 1824, 24 de Março). Depois de comprometer-se em 26 de fevereiro de 1821 com a assinatura de uma constituição, nesse momento inexistente, o imperador finalmente decretou no dia 25 de março de 1824 que juraria, agora sim, a constituição. Em suas palavras, como Defensor Perpétuo do Império, e seguindo os votos de sua coroação, de defender a Pátria, a Nação e a Constituição, se ratificava nelas, e aceitava a constituição por estar ditada pela razão e não pelo capricho, e por buscar a felicidade geral. «Uma Constituição, que colocando travas inacessíveis ao despotismo, bem real, bem aristocrática, bem democrática, afugente a anarquia e plante a árvore da liberdade, sob cuja sombra deve crescer a união, tranquilidade e independência deste Império, que será o assombro do novo e do velho mundo.»

O Libertador da nação: o primeiro grande monumento público carioca 3 Libertador é o principal epíteto que acompanha, nos discursos favoráveis à monarquia, o nome de Dom Pedro I, fundador do Império e responsável pela independência e felicidade de seu povo. Quem senão ele poderia ser o protagonista do primeiro monumento público erguido na capital do novo Império. Depois das tentativas de 1822 foi, de novo, em 6 de outubro de 1824 quando o redator de O Despertador Constitucional apresentou um plano para consagrar um monumento para o fundador do Império. Esta ideia foi recebida pelo presidente do Senado, que em sessão extraordinária, em 11 de maio de 1825, decidiu solicitar, no dia 13, a permissão ao imperador: Senhor. O senado da camara desta muito leal e heroica cidade do Rio de Janeiro, tendo sido até aqui fiel interprete dos sentimentos da nação brazileira, e executor dos seus desejos em todas as épocas memoraveis da sua feliz emancipação, sondando actualmente a opinião publica, tem penetrado ser sua vontade que à muito leal e poderosa pessoa de V. M. I. se inaugurasse um monumento publico que, fazendo recordar à presente e futuras gerações a memória dos altos feitos de V. M., possa ao mesmo tempo servir de etorno padrão da sua sensibilidade e de sua gratidão. (Azevedo, 1877, p. 10). Assim o Senado decidiu erguer una estátua de bronze, de preferência fundida em território nacional e por artistas nacionais para ser colocada no lugar em que o imperador determinasse, abrindo um concurso público para financiar as obras e nomeando uma comissão de artistas e literatos para apresentar o projeto e planos do monumento. A comissão estava formada por José da Silva Lisboa, Francisco Carneiro de 3

Para o conhecimento deste monumento: Knauss (2010).

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Campos, Frei Antonio de Arrabida, Henrique José da Silva, José de Christo Moreira, Aureliano de Souza Oliveira, Francisco Cordeiro da Silva Torres, Domingos Monteiro, Augusto Henrique Victorio Grandjean de Montigny, João Baptista Debret, João Joaquim Alão, Francisco Ovide, Pedro Alexandre Cavré e Marcos Ferrez. Como retrata Moreira de Azevedo (Azevedo, 1877, p. 12 y ss.), que documenta de modo exaustivo o processo de construção do monumento, Grandjean de Montigny apresentou dois projetos. O primeiro, a ser erguido na Praça da Constituição, apresentava o imperador a cavalo sobre um pedestal simples, sobre uma base em forma de escada e rodeado por uma cerca dórica. O segundo, a ser erguido na Praça da Aclamação, apresentava a estátua sobre uma base circular, na qual se situavam as 19 províncias oferecendo coroas ao imperador, que com cetro, coroa e manto, se vestia no estilo moderno, enquanto que as províncias portavam vestimentas clássicas. A abdicação de Dom Pedro, em 7 de abril de 1831, e a instabilidade subsequente fizeram com que o projeto não pudesse ser realizado. Foi retomado em maio de 1838, quando José Antônio Lisboa, Antônio Peregrino Maciel Monteiro, Paulo José de Mello, Azevedo e Brito, Miguel Maria Lisboa, João Evangelista de Faria Lobato, Francisco Gomes de Campos, Francisco Cordeiro da Silva Torres, Cornélio Ferreira França e Manuel de Araújo Porto Alegre decidiram erguer um monumento a Dom Pedro e a seu conselheiro José Bonifácio. Segundo Moreira de Azevedo, devido à época de transição pela qual passava o país e a menoridade de Dom Pedro II, não era a época adequada para realizar ideias grandiosas e obras monumentais. Precisamente desta nova tentativa monumental (1839) data o projeto de Zeferino Ferrez e Grandjean de Montigny, uma estátua equestre do imperador e pedestre de José Bonifácio, destacando de novo a conveniência do emprego de materiais nacionais, estimulando a exploração das minas de mármores da província de São Paulo para o desenvolvimento da arte nacional: A Estátua equestre do Senhor D. Pedro 1º, que representa o momento em que elle parou o ginete, e proclamou a independencia do Imperio, deve ser de bronze e fundida de uma peça. O Heroe será caraterisado com as vestes do tempo; afim o jaez do seu cavallo para em tudo apparecer a verdade historica. O pedestal será de marmore ou granito, e o baixo-relevo e mais ornatos de bronze; o da frente figurando o Genio do Brasil escrevendo sobre o escudo da Sciencia a epoca da Independencia do Imperio. A balaustrada de bronze pode ser substituida por columnatas de ferro fundido, na fabrica d´Ipanema, o que será mais economico e igualmente elegante. (Descrição das estátuas, 1839). Como destaca Paulo Knauss (2010) não era uma casualidade o fato de recuperar nesse momento o projeto de uma estátua pública do primeiro monarca do Brasil que representava a política de centralismo monárquico, já que havia cobrado nova força as críticas ao sistema de regência do tipo federalista. Retomando de novo o projeto em 1844, José Clemente Pereira, que encabeçou a primeira tentativa de construção do monumento ao imperador em 1822, encomendou um esboço do monumento a Manuel de Araújo Porto Alegre; este foi modelado em gesso pelo escultor Ferdinand Pettrich, mas não conseguiu prosperar. Os três protagonistas desta nova tentativa resultam extremamente importantes para a história da

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arte brasileira, pois segundo Migliaccio (2004) o caráter civilizador do Império, que continuava o processo empreendido pelas missões e sua identidade americana, se contrapondo ao modelo de república protestante dos Estados Unidos, aparece em uma série de encomendas de monumentos públicos, em grande parte inspirados por Manuel de Araújo Porto Alegre, com o apoio político do próprio José Clemente Pereira; estes compreendem uma série de obras no Hospício de Dom Pedro II e na Santa Casa de Misericórdia, onde se desenvolve um programa de escultura monumental de procedência italiana, novo no Brasil. Neste programa se evidenciam conceitos que inspiram a ação social do soberano, através de personificações e representações de figuras históricas, em sintonia com a iconografia dos monumentos públicos promovidos pelas instituições estatais nas cidades europeias da época. Abandona-se a representação devota da imagem sagrada presente nas instituições religiosas da época colonial para adotar a representação personificada de conceitos racionais, seguindo a orientação cívica, didática e filosófica da arte neoclássica (Migliaccio, 2004, pp. 240-241). Ferdinand Pettrich será o principal artífice deste projeto monumental, realizando várias esculturas em mármore, material novo no país, que abriria, segundo Porto Alegre, uma nova era para as artes. Realizou, para o Hospício de Dom Pedro II, a Caridade e a Ciência, São Pedro de Alcântara e as efígies de Dom Pedro II e José Clemente Pereira. Para a Santa Casa da Misericórdia, cujo frontão representando a Caridade foi encomendado ao italiano Luigi Giudice, confeccionou as estátuas em gesso do Padre Anchieta e Frei Miguel de Santa Cruz. Além do mais se conserva no Liceu de Artes e Ofícios duas pequenas maquetes em gesso, presumivelmente de dois monumentos públicos, representando Napoleão em seu exílio de Santa Helena e Homenagem aos navegantes portugueses. Apesar deste ambicioso programa monumental, o grande projeto de um monumento público ao fundador do Império continuava sem ser realizado, e na sessão municipal de 29 de dezembro de 1852, o conselheiro Domingos de Azeredo Coutinho de Duque Estrada abriu uma consulta popular para tentar erguer de novo a estátua, abrindo concurso para que qualquer artista pudesse enviar suas propostas. Esta iniciativa, contudo, ficaria esquecida, assim como a do deputado João Antônio de Miranda que apresentou um projeto para autorizar a construção de um monumento nas margens do rio Ipiranga e outra na capital do Império, ou a do literato membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Joaquim Norberto de Souza. No final, em 7 de setembro de 1854, Roberto Jorge Haddock Lobo apresentou um projeto para construir na Praça da Constituição uma estátua em homenagem a Dom Pedro I, financiada por recursos públicos, onde apareciam todos os cidadãos que junto ao príncipe participaram da independência do Império, eleitos estes pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A comissão de nove membros, responsável por autorizar, desenhar e executar o plano da obra depois de aprovado, estava formada pelo conselheiro Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso Câmara como presidente, o barão de Bomfim como tesoureiro, o barão de Riobonito como vice-presidente e algumas personalidades políticas e militares mais, destacando entre os membros a presença de Manuel de Araújo Porto Alegre, único relacionado com o âmbito artístico. Aprovada a proposta por unanimidade, Porto Alegre, no dia 30 do mesmo mês, introduziu uma mudança substancial no projeto, destacando a dificuldade de reunir os nomes dos protagonistas da independência, assim como de obter seus retratos e colocá-los no reduzido espaço do pedestal, por isso a presença destes protagonistas da independência foi eliminada.

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Figura 3. Louis Rochet (1862). Monumento a don Pedro I. [Escultura em bronze]. Río de Janeiro, Brasil.

Para a realização do projeto se abriu um concurso dirigido a artistas nacionais e internacionais até o dia 12 de março de 1855, depois se prorrogou até 12 de maio, para permitir a chegada das propostas estrangeiras. Julgados todos os projetos, em agosto de 1855, obtiveram o primeiro lugar Independência ou morte, de João Maximiano Mafra, o segundo Dem bertem strebe nach, de Ludwig Georg Bappo, alemão, e o terceiro Vivere arbitratu suo, de Louis Rochet; estes foram premiados com um conto de réis. No dia 6 de maio de 1856 se assinou em Paris o contrato com Luis Rochet para executar em bronze o esboço de João Maximiano Mafra no qual foram introduzidas algumas mudanças (Coli, 2010), como a substituição do pedestal de granito por um de bronze, a colocação de casais de índios nas laterais, em vez de só uma figura ou a eliminação da iluminação prevista originalmente em forma de palmeiras com frutos, que já tinham sido empregadas nos arcos efémeros para celebrar a aclamação de Dom Pedro I, em 12 de outubro de 1822, em um arco dedicado ao gênio brasileiro na mesma Praça da Constituição (Morais, 1871). A estas mudanças Moreira de Azevedo acrescenta a modificação do pedestal retangular, preferindo a forma octogonal, e a substituição do livro que o imperador apoiava em sua mão pela constituição, talvez a mudança mais relevante quanto ao significado do monumento.

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A estrutura do monumento ficou conformada assim por um grande pedestal em bronze, com quatro representações fluviais em seus quatro lados, duplas em seus lados maiores, e individuais nos menores, personificando os grandes rios nacionais, Madeira, São Francisco, Amazonas e Paraná. Recurso este de incluir alegorias fluviais como indígenas em representação do território que bebe de uma longa tradição.4 Ao redor do pedestal os escudos das províncias e as armas dos Bragança em ambos os lados, e em frente, uma placa com a legenda: «A Dom Pedro I. Gratidão dos brasileiros». A grade posterior que circunda o edifício ostenta várias datas relevantes da vida do monarca (Fig. 3).

Clamava a imprensa diante da impossibilidade da realização no país e por um artista nacional, por que: Para escrever no granito, no mármore ou no bronze a epopéa nacional de um povo deve o artista ter enthusiasmo pátrio, viver embalado nas tradições nacionaes, trazer no peito o coração aquecido pelo fogo do amor pátrio, e palpitante pela religião, pelos costumes, pelos sentimentos, e idéas do povo, cuja historia quer perpetuar ; é o enthusiasmo patriótico que dá ao artista a flamma da inspiração para imprimir em sua obra a expressão, o colorido, o typo, a cór local que é a physionomia da arte; assim como da litteratura (Azevedo, 1877, p. 40).

Assim, finalmente, o monumento a Dom Pedro I era inaugurado em 30 de março de 1862, como se pensou pela primeira vez no projeto de Francisco Pedro do Amaral, representando o imperador como libertador de seu povo através da constituição, onde aparece a inscrição «Independência do Brasil». Este monumento marcaria a história da escultura no Brasil, como bem afirma Knauss, não só por seu tamanho, materiais ou qualidade artística, como também porque abriu a era da escultura cívica monumental que mobilizava a sociedade em torno ao culto da nação, e além do mais estabeleceu um novo lugar para a escultura na sociedade, integrando o Brasil no contexto de uma prática do mundo ocidental liberal. Knauss (2010) analisa o conjunto com brilhantismo e afirma que: A estrutura narrativa da escultura monumental se evidencia ao relacionar tempo, espaço e sujeito da história, afirmando um enunciado-chave. O tempo da história aparece na cronologia inscrita no gradil; o espaço da história é tratado no pedestal pelas alegorias dos rios nacionais e pelos brasões das províncias imperiais; o sujeito da história e o produto de sua ação se inscrevem na estátua do imperador com a Constituição na mão. Há assim, claramente a demarcação do tempo, do espaço e do sujeito da história para contar a história da afirmação do Estado nacional, por meio da escultura. A chave de leitura da história se afirma, no entanto, pela inscrição do enunciado da gratidão, que explica a razão do culto da imagem e a lembrança do passado no presente. Explicita-se certo uso do passado que afirma o caráter cívico da história e da arte, definindo a escultura monumental como imagem do civismo. Como destaca Murano, a ideia do resgate iconográfico do Grito do Ipiranga, em uma época na qual o dilema entre o modelo republicano e monárquico estava muito presente, nos revela uma necessidade de afirmação por parte de Dom Pedro II, que procura no ato de seu pai uma legitimação do sistema monárquico 4

Sobre este tema: Chillón (2014b).

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(Knauss, 2010). Já Dom Pedro I, apesar de um governo com uma ideologia própria do Antigo Regime, utilizou, segundo Murano, uma iconografia para propagar sua imagem como a de um monarca liberal, ligado aos interesses da pátria (Murano, 2013, p. 151). Nos elogios e escritos publicados na época, as palavras «liberdade» e «libertador» são as mais frequentes, querendo apresentar o imperador como libertador e pai da pátria, à maneira dos generais da América espanhola. A necessidade de gratidão a quem poderia ter abandonado o Brasil com toda sua família, deixando o país na mais espantosa anarquia, era um fato remarcado pelos textos da época. Quem sabe quanta idéa... sim... quem sabe, Ha de lembrar essa matéria inerte?! Por mais que o tempo o gyro eterno aperte Não ha poder que essa memoria acabe! É a estatua do heróe – o tempo invade... Foi rei... foi rei... mas rei da liberdade! Roma – fundou-a o braço do bandido, A Grécia surge annuviada e triste; Mas no brazilio céo onde luziste O rei foi povo, e o povo rei tem sido! Salve heróe, que na coroa tens illesa A gloria, a liberdade, a realeza (Pascual, 1862, p. 119).

Foi rei, mas rei da liberdade; o rei foi o povo e o povo foi o rei, duas ideias básicas, a identificação do rei como libertador e como pai e formador da pátria, representante e parte do povo brasileiro que estava em dívida com seu monarca. Mas paga está a grande divida nacional à memória do rei libertador e legislador; erguido pela gratidão dos Brazileiros deve a pátria venerar esse monumento, epopéa de bronze, que memora o passado inteiro do Brazil, a independência, o Império, a constituição e a liberdade; padrão levantado pelo patriotismo e reconhecimento publico exprime esse bronze a liberdade e a organisação politica do paiz, symbolisa a nossa historia, e por isso deve a nação amá-lo e venerá-lo sempre (Azevedo, 1877, p. 40). Como afirma Moreira de Azevedo, através dos monumentos recordamos os artistas que os ergueram, assim como os homens eminentes: poetas, literatos, governadores, bispos e outros servidores da nação, que prestaram grandes serviços e gravaram seus nomes em antigas inscrições; encorajando o desejo de conservar as notícias, memórias, tradições e crônicas que, se não fossem agora lembradas talvez ficassem sepultadas na imensidão do tempo (Azevedo, 1877, p. 2). Mas mais importante ainda para compreender o papel do monumento resulta a opinião de Manuel de Araújo Porto Alegre, que nas mesmas datas do concurso para o monumento, expõe suas ideias sobre a escultura pública (Porto Alegre, 1854), ideias relevantes pela participação de Porto Alegre nas tentativas monumentalizadoras, que vão mais além do monumento como

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simples lembrança da história. Porto Alegre diferença dois tipos de artistas, escultor e estatuário. Define a escultura como a arte de esculpir, cinzelar e entalhar, e a estatuária como a arte que representa o homem e o diviniza. O escultor é o artista que modela, trabalha todos os materiais, e cria todo tipo de escultura subordinada à arquitetura, enquanto que o estatuário conserva sua independência, trabalhando os materiais mais nobres, mármore e bronze, porque sua obra domina o pedestal sobre o qual repousa, transcende o nicho no qual se eleva, enobrece os tímpanos que anima, e consagra os altares nos quais coloca suas majestosas representações. O estatuário, historiador do povo, é o tradutor da gratidão nacional, que exibe a glória e perpetua a memória do homem, imortalizando-o. Depois de consagrados em um monumento, os personagens começam uma nova vida, uma gloriosa existência marmórea que tem sempre dois pedestais: um de grandeito e outro em todos os corações agradecidos. Assim o estatuário mostra ao mundo o estado moral do povo para quem trabalha, «immortalisar o heroismo, ou outra virtude social, a sua obra magnifíca o paiz em que elle está, exorna o solo em que se mostra, e ensina na praça publica o culto de todos os dotes da moral eterna» (Porto Alegre, 1854). Por este motivo, as nações só poderiam ter estatuários nas suas épocas orgânicas, quando a razão pública se levanta por cima de todos os prejuizos da inveja, e triunfa sobre as recriminações da mediocridade. O monumento devia estar precedido de outro monumento, de outros alicerces que não os materiais, e sim os alicerces morais, principalmente quando a forma de governo se afastava da monarquia pura, porque na monarquia o poder que pensa realiza imediatamente seu pensamento. Porto Alegre com este discurso legitima a época e o governo de Dom Pedro II como uma época gloriosa, digna da construção de um monumento e da presença de estatuários. Não em vão, neste mesmo texto, aparentemente dedicado ao novo estatuário, Honorato Manuel de Lima, constrói um discurso em torno às belas artes no Brasil e seu principal impulsor, o imperador. Deste modo o monumento a Dom Pedro I adquire tanto um caráter de testemunha do presente e promessa de futuro, como de recuperação do passado. Não só supõe uma tentativa de reafirmação política olhando para o passado, como também uma proposta de futuro, de progresso e civilização. Precisamente a civilização, o progresso e a equiparação com as nações desenvolvidas suporão uma das maiores preocupações do Império, que junto com a defesa da permanência do modelo monárquico, constituirão dois dos principais pilares imperiais. Porto Alegre destaca que até esse momento as artes estavam mortas, porque a arquitetura —a arte fundamental para o desenvolvimento das demais artes— era tratada com indiferença pelos políticos, mais preocupados com eles mesmos que com a pátria: o culto havia expirado, a educação havia sido abandonada e o estudo deixado de lado, em uma época de perturbação, na qual aos artistas, aos filhos das musas, aos representantes da civilização, não lhes era permitido a passagem para o templo da felicidade. Em contrapartida, apresenta o imperador, Dom Pedro II, filho da independência, como o iniciador de uma nova época, na qual se produziu uma reforma intelectual e um grande progresso, e estendeu os benefícios da arte ao grosso da população: ISSN: 2410-1923

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As portas do futuro estão escancaradas, o Imperador se assenta entre os homens de letras, entre os poetas, e à custa do seu bolcinho protege directamente as artes, fazendo elle só mais do que todos os millionarios no Brasil; porque a arte não está no retrato, que pertence ao egoismo, ou à vaidade. Cada anno do reinado d´este Brazileiro é marcado por um progresso saliente, por um melhoramento assignalado, por uma reforma intellectual, por uma conquista e por uma victoria que o deificão. Coração brazileiro, de um amor patrio sem liga, cabeça pensante, amigo do progresso, homem do futuro e organisado para a meditação profunda, conhece actualmente os elementos que o circulão e dos que precisa para a consummação de sua magnifica missão, d´essa prodigiosa epopéa que começa no Amazonas e se estende até o Uruguay. Perante um tal principe, creador d´este horizonte lisongeiro para as artes, o paiz não podia ficar estacionario, nem o pensamento recluso e encantoado nas modestas habitações do pobre, no fundo das escolas, sem se derramar sobre a massa geral da população (Porto Alegre, 1854). O monumento se converte em um símbolo desta mudança, desta reforma cultural, que levava a arte e o pensamento à população. Assim se constitui como uma reafirmação dual, política e cultural, um reflexo do projeto civilizador do Império e os avanços com os quais o monarca premiava seu povo, e também em um monumento ao passado e ao futuro. Precisamente pelas especiais caraterísticas do reinado de Dom Pedro II, a representação do futuro será um desafio, já que, segundo Knauss: A vontade do futuro de paz e progresso se contrapôs à vontade de lembrança do passado de guerra, que corresponde à lógica da arte monumental. A imagem de um passado, ainda que glorioso, não bastava para representar a imagem do progresso capaz de antecipar o futuro promissor. A imagem da transformação dos tempos exigia outros emblemas, que não estavam contidos na leitura linear da história e na imagem da perenidade do passado. Foi a arquitetura pública escolar que materializou esse discurso sobre o futuro próspero da sociedade nacional, sendo a educação o seu tema principal naquele contexto. A lógica da escultura monumental articulada na relação passado-presente não dava conta de representar o tempo do progresso. A escultura narrativa do monumento cívico não tinha referências plásticas para presentificar o futuro e contar sua história e tratar seu significado (Knauss, 2010). Este desejo de representar o futuro pode ser ilustrado com o pouco interesse que o Império outorgou a sua grande vitória militar, a Guerra do Paraguai (Knauss, 2010), para cuja comemoração pública se preparou uma grande estrutura efêmera com um grande templo, em cujos tímpanos apareciam a Paz, a Religião, a Nação e a Guerra, coroada pela representação da Glória em sua cúpula, arcos comemorativos e um monumento à Paz. Inicialmente estava contemplada uma Estatua ecuestre del emperador en la batalla de Uruguaiana (Figura 4), realizada em gesso pelo escultor Francisco Manuel Chaves Pinheiro, à semelhança da grande escultura equestre de seu pai. Contudo, e em um gesto muito eloquente, o rei declinou do oferecimento da colocação de sua efígie guerreira nas comemorações da vitória. Knauss destaca que o governo preferiu empregar esse dinheiro na construção de escolas públicas, assim:

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Figura 4. Chaves Pinheiro, F. M. (18661870). Estatua ecuestre de don Pedro II en Uruguaiana. [Gesso]. Museu Histórico Nacional, Río de Janeiro, Brasil.

Enquanto que o projeto da estátua monumental se caracterizou por valorizar a guerra, o projeto alternativo insistiu na paz. Nesse sentido, não era o passado da guerra que interessava sublinhar, mas o futuro de paz que se colocava em questão (Knauss, 2010).

Nesta comemoração, fortemente criticada pela imprensa da época como um grande desperdício, a estátua equestre do imperador foi substituída pela imagem alegórica da Paz, realizada por Cândido Caetano de Almeida Reis,5 o que reforçava ainda mais os interesses de progresso, paz e futuro do Império. Deste modo, a escultura imperial se encontrava em um ponto delicado: representar o futuro com os recursos da escultura monumental dedicada ao passado. Não era a guerra nem o passado o que se queria comemorar, e sim um futuro imaterial. A escultura poderia se adequar a esta nova necessidade? Poderia representar o futuro e, o que era mais difícil, recuperar o passado e unir estes dois tempos a um discurso político e de progresso?

Independência, monarquia e progresso: a perfeita união entre passado, presente e futuro Retomando o monumento equestre de Dom Pedro I, projetado por Zepherin Ferrez e Grandjean de Montigny em 1839, observamos como a parte frontal do pedestal estava dedicada ao Gênio do Brasil escrevendo sobre o escudo da Ciência, figura que também protagonizará a obra Restauração da Bahia. Esta figura nos leva a uma obra praticamente desconhecida, O Gênio do Brasil e as Musas, um relevo em gesso situado 5

Diário do Rio de Janeiro, (1870, 11 de julho): nesta notícia se percebe a autoria do artista nacional Reis, que deve ser Cândido Caetano de Almeida Reis, que havia retornado de seu período de estudos em Paris um ano antes.

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no frontão do Cassino Fluminense6 (Fig. 6), na cidade do Rio de Janeiro, inaugurado em 1860, mas que provavelmente estava terminado, ou ao menos seu modelo, em 1857, coabita com o projeto de Maximiano Mafra do monumento de Dom Pedro I. Ambos surgem do mesmo momento e do mesmo ambiente artístico, compartindo muitos elementos, e sendo, talvez, este frontão o exemplo mais refinado e complexo dos desejos e intenções do processo civilizador. Uma escultura pública, um monumento público segundo a ideia de Porto Alegre, porque «imortaliza o heroísmo ou outras virtudes sociais e magnifica o país no qual está, mostrando na praça pública o culto à moral eterna» (Porto Alegre, 1854). Apesar de reduzir a capacidade de criar monumentos aos estatuários que trabalham com materiais nobres e não aos escultores, cujos trabalhos estão subordinados à arquitetura, Porto Alegre concede também ao estatuário a possibilidade de enobrecer os tímpanos, aparentemente um trabalho próprio do escultor. Esta escultura pública,7 apesar de não ter a importância material e histórica do monumento a Dom Pedro I, foi, no momento de sua inauguração, o único grande grupo escultórico de envergadura junto a outro frontão: o da Academia de Belas Artes (Fig. 5), criação de Zeferino Ferrez, completado por figuras alegóricas e mitológicas que representam a Glória ou a Vitória repartindo coroas em uma quadriga, rodeada de duas representações fluviais, e que se inspira no relevo de Pierre Cartellier realizado em 1810 para a fachada oriental do Museu do Louvre. Até 1862 estes foram os únicos exemplos de escultura pública de certa importância, já que embora existissem algumas outras esculturas de caráter público ou semipúblico, careciam de um programa iconográfico complexo. «A composição do baixo-relevo representa o Gênio do Brazil, presidindo as Musas, grupadas aos dois lados de modo a preencherem completamente o tympano da empena» (O Brasil Artístico, 1857). Com estas palavras, O Brasil Artístico, periódico da recém-criada Sociedade Propagadora das Belas Artes, dá a primeira notícia conhecida sobre a obra em 1857: O Sr. Severo da Silva Quaresma, discípulo do cavalleiro Pettrich, e os Srs. Quirino Antônio Vieira e João Duarte de Moraes discípulos do fallecido professor de esculptura da nossa Academia de Bellas-Artes, Marcos Ferrez, acabam de preparar o baixo-relevo da empena do Cassino Fluminense (O Brasil Artístico, 1857).

6 7

Para mais informação sobre esta obra: Chillón (2014b). Atendendo à sugestão do avaliador da revista, podemos destacar que o frontão do Cassino Fluminense poderia ser considerado também como alegoria escultórica, pois realmente esse é seu caráter, o que não invalida sua leitura como monumento público segundo o pensamento de Araújo Porto Alegre. O caráter desta escultura, sem dúvida pública e alegórica, se complementa com uma intencionalidade muito clara, que faz dela um monumento público na lógica europeia oitocentista, por isto que se comemora e eterniza valores cívicos e patrióticos no espaço público, apesar de que, neste caso, não tenha um caráter autônomo e independente, e faça parte de uma construção maior. Apesar desta submissão à arquitetura, destaca por seu caráter de memória pública, mais que por seu caráter decorativo, e como destaca Porto Alegre, a obra do estatuário domina, transcende, enobrece e eleva o suporte sobre o qual se assenta. Se poderia entender o frontão como um complemento ornamental de um edifício com sentido alegórico, mas queremos, neste trabalho, destacar sua especificidade por seu caráter único e pela grande importância de sua mensagem, entendendo-o como um monumento.

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Figura 5

Figura 5. Antônio Quirino Vieira, João Duarte Morais y Severo da Silva Quaresma (1856-1860). Frontão do Cassino Fluminense. Río de Janeiro, Brasil. Figura 6. Marc y Zepheryn Ferrez (1891). Frontão da Academia de Belas Artes. Rio de Janeiro, Brasil. Figura 6

O Cassino Fluminense se encontrava entre as sociedades filarmónicas, escassas na Corte, que promoviam concertos e bailes com certa regularidade, como anunciava a imprensa em 1850, «seu fim é proporcionar a seus membros honestos divertimentos, por partidas de Bailes e Música. Seus Bailes tem sido muito esplendidos e honrados por muitas vezes com a Augusta Presença de SS. MM. II» (Silva, 2007). Nestes espaços se reunia a elite carioca para sua diversão —fortemente influenciada pelos moldes europeus— e exibição de sua riqueza e, como destaca Tanno, entre os presentes às instituições como o Cassino era possível encontrar desde latifundiários de café, banqueiros, políticos, ministros e membros da família imperial (Silva, 2007); embora sua maior reclamação fosse que «a falta da augusta presença de SS. MM. II. rouba o maior attractivo desta privilegiada reunião» (Novo Correio das Modas, 1853, p. 73). Esta construção com um dos maiores salões do Império, com capacidade para duas mil pessoas, foi pouco contemplada pela historiografia, e desde o princípio foi bastante criticada; foi definida como monstro da construção digna de ser derrubado; um grosseiro bloco sem arte e sem beleza (O Brasil Artístico, 1857, pp. 173-174), uma das mais desgraçadas composições da edificação moderna (O Brasil Artístico, 1857, p. 94). A autoria de tal projeto foi atribuída em ocasiões a Manuel de Araújo Porto Alegre, embora, de acordo com a imprensa e grande parte da bibliografia, sabemos que foi o arquiteto Luis Hoxse quem desenhou o edifício, mas sua construção não foi nem original nem gozou de muita liberdade no processo de criação, pois esteve sujeito às

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regras da direção. Apesar de que o autor do projeto fosse Luis Hoxse —projeto definido como uma compilação de vários projetos— e os autores do relevo, Silva Quaresma, Quirino Vieira e Duarte Morais, devemos considerar até que ponto a autoria material correspondeu a estes mesmos artistas. Devido à complexidade iconográfica e aos múltiplos níveis de leitura, a importância do edifício e a força do projeto civilizador, parece provável uma intervenção das elites culturais e políticas que se reuniam no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que assumiram o trabalho de construção da identidade nacional, e que estavam dominadas por grupos próximos ao imperador, entre os quais encontramos a Manuel de Araújo Porto Alegre, cujos textos estão bastante próximos ao espírito e finalidade da obra; foi o responsável, segundo Migliaccio, pela inspiração da série de monumentos públicos impulsionados por José Clemente Pereira (Migliaccio, 2004, p. 240). O frontão triangular do Cassino Fluminense está formado por uma composição de treze figuras, presidida por uma figura alada com coroa e saia de plumas, o Gênio do Brasil, com uma vara na mão direita e uma coroa na mão esquerda. Em ambos os lados se distribuem as musas, nove figuras femininas com vestimentas clássicas portando instrumentos musicais: cinco a sua direita e quatro a sua esquerda; rematando o conjunto, dois pequenos anjos portando um pergaminho nos ângulos. Esta iconografia, que já oferece algumas peculiaridades, faz da obra um exemplo único e altamente interessante. Gustavo Rocha Peixoto (2004) a identifica com uma alegoria do Brasil, seguindo a tradição indigenista da alegoria da América, ao mesmo tempo em que se refere ao Apolo Muságeta. O frontão seria para ele uma visão alegórica da pátria brasileira marcada pela beleza e o progresso. Nesta mesma linha Lucas Zelesco (2010) identifica a figura central como um índio muságeta que representa, dentro do indigenismo romântico, a peculiaridade, o caráter do Brasil, além de seu estado natural e pouco desenvolvido. As musas representariam, mais que as artes, um sistema cultural ou clássico, capaz de educar e civilizar. São a representação da cultura europeia e erudita. A união entre o índio como natureza e o europeu como cultura se produz através do amor, dos anjos que aparecem nas esquinas do frontão, para gerar um novo Brasil. Efetivamente, esta obra transmite uma mensagem de progresso através das artes e da construção do que é nacional, mas apresenta uma série de matizes muito especiais e uma complexidade de significados que partem do político. Por um lado, em relação às musas podemos destacar a presença de dois grupos marcados. À direita as musas aparecem ativas, tocando seus instrumentos, e atentas ao Gênio, ao contrário do lado esquerdo onde aparecem passivas, e inclusive com um de seus instrumentos quebrados pela metade, além de dar as costas ao Gênio e apresentar, duas delas, caras evidentes de dor. Apesar disso, as musas passivas e afligidas aparecem coroadas, enquanto que só uma das musas ativas ostenta coroa e outra a está recebendo. Fora da unidade do conjunto uma das musas se ergue em enlace visual com o espectador, para o qual olha diretamente. Por outra parte, o Gênio do Brasil é uma figura complexa e importante, que não seria simplesmente a representação da natureza ou do Brasil, e sim que conteria em si mesma uma longa tradição ligada à monarquia. Ambos os elementos, o Gênio e as musas, e seus especiais atributos e atitudes, estabelecem eloquentes relações que marcam o significado do frontão.

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O Gênio, desde a antiguidade clássica é um espírito protetor, análogo a um anjo da guarda, seja o de uma pessoa, o de um coletivo, o de uma cidade ou nação, o de um elemento natural, o de uma instituição ou o de um conceito abstrato, como a liberdade ou o patriotismo (Smith, 1849). No caso da representação nacional, o Gênio supõe «uma caraterização espiritual, anímica, da ideia de nação» (Reyero, 2010, p. 53), é o Gênio que defende a pátria, a nação, a liberdade de seu povo. Uma das primeiras ocasiões nas quais o Gênio do Brasil aparece mencionado se remonta a 1810, quando o comerciante inglês John Luccock, ao narrar a celebração do casamento da infanta D. Maria Teresa e D. Pedro Carlos, afirma que: «o Gênio do Brasil fez sua aparição, representado por um índio a cavalo» (Gutiérrez, 2009). De novo em una festividade real, por motivo da coroação de Dom João VI em Tijuco, Minas Gerais, o Gênio do Brasil aparece no cenário de uma representação teatral, pisando na hidra da desunião e oferecendo um maço de espigas ao povo (Pérez, 2008); uma vez morta a hidra, não haveria nada que impedisse a feliz união entre Portugal e Brasil (Barreiro, 2012). Também na carruagem imperial, pintada por Francisco Pedro de Amaral, aparecia, em uma lateral, a figura do Gênio do Brasil carregando a inicial de Pedro I rodeada por uma coroa de flores (Rusins, 2010). O Gênio aparecerá quase sempre ligado a eventos sociais, construções efêmeras, e será usado como símbolo; estará rodeado por um cerimonial, um ritual que define seu caráter. As representações teatrais, as entradas reais com suas iluminações e arquiteturas efêmeras, coroações reais, cerimônias fúnebres acumulam o maior número de aparições do Gênio. O Gênio como representante da nação remete fortemente aos gênios nacionais, gênios do patriotismo, gênios protetores ou anjos do reino que aparecem na península ibérica com o forte golpe que provocou na Europa a aparição de Napoleão e a mudança drástica do panorama europeu que fez com que a tirania, a liberdade e a identidade nacional dos povos se transformassem em temas recorrentes. Especialmente na península ibérica, que viu seu território totalmente invadido, com o rei espanhol preso e o português fugindo para a colônia, realidade que aparece em várias gravuras onde o Gênio do patriotismo liberta as nações do jugo da tirania, neste caso francesa. É a mesma ideia que transmite A Restauração da Bahia, que repete a iconografia de algumas das gravuras ibéricas, o Gênio defendendo a personificação da nação, da província ou da cidade, normalmente feminina ou infantil, e acabando com a tirania e a anarquia, representadas por uma máscara teatral e uma coroa, retórica usada na medalha Libertas Americana,8 a liberdade representada por Atenea com o escudo francês da flor de lis, defende os Estados Unidos, simbolizados por um pequeno Hércules matando as serpentes, da leoa que representa Inglaterra, o opressor e o tirano. O Gênio do Brasil se configura já desde o início como um elemento de união, como um instrumento de poder, que preserva e outorga a liberdade e a independência, uma imagem imperial para, ao longo de todo o Império, difundir a ideia de união nacional em torno da monarquia. O Gênio que pisa na hidra da desunião, o Gênio que garante a paz será aquele que permaneça no inconsciente coletivo e que durante o reinado de Pedro II aparecerá com frequência, associado muitas vezes com a figura do imperador. Ideias que se repetem de novo na galeria efêmera construída para a coroação de Dom Pedro II (Fig. 7), concebida por Manuel 8

Original conservado no Museu franco-americano do Castelo de Blérancourt.

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de Araújo Porto Alegre (O despertador, 1841, 12 de junho). Como vemos no texto de Schwarcz (2001), a coroação de Dom Pedro II constituiu uma das maiores festas do Império, onde as alegorias foram criadas com o propósito de representar os anseios da elite política do país e o perfil que o jovem Pedro devia simbolizar diante da nação e, paralelamente, diante dos súditos do Império. A galeria realizada por Marc Ferrez estava rematada pelo Gênio do Brasil, alado e coroado de louro. Símbolo de triunfo, porta o cetro imperial em sua mão direita enquanto dirige uma quadriga. O Gênio vitorioso leva com mão firme as rédeas do estado, governando-o com o melhor sistema, o monárquico, já que segundo Lilia Moritz Schwarcz (2001, p. 22) era o poder simbólico do Rei o que se apresentava nestas festividades com a intenção de impedir a descentralização que parecia iminente durante o período das regências, devido a projetos de caráter republicano e às rebeliões que surgiram em diferentes pontos do território. A iconografia do Gênio que preside o frontão do Cassino Fluminense não parece estranha depois de tudo visto até agora. Sua representação alada, com coroa de louro, já apareceu na galeria de coroação de Dom Pedro II, idealizada por Porto-Alegre. A indumentária indígena de plumas também parece bastante comum, já que nas festas nacionais « nos trajes com que o gênio do Brasil se mostrava em todos os elogios dramáticos » (Correio Mercantil, 1855, 26 de fevereiro). O único atributo estranho é a vara, que já foi espada nas mãos do Gênio da Bahia, ou cetro na coroação de Pedro II que em alguns artigos se relaciona com a vara. Porto-Alegre afirma: «He nossa crença, que cedo esse sceptro, que huma nação entregou a hum braço juvenil, se converterá n´huma vara mágica, e que esse braço juvenil o manejará como Hercules a sua clava» (Porto Alegre, 1843). Pode-se interpretar a vara, pela postura majestática, e longe do sentido bélico de uma arma, como um elemento de poder. Seguindo o texto de Porto Alegre, a vara se transforma em uma vara mágica, para acabar, como Hércules nos seus doze trabalhos, com a corrupção, a anarquia, a calúnia, a ociosidade, a intriga ou a ignorância (Porto Alegre, 1843). Também na imprensa, o cetro é comparado com outro elemento de desenvolvimento, a vara milagrosa de Moisés; Porto Alegre estabelece a seguinte analogia: O seu cetro será a vara de Moysés que fenderá o oceano, e dará hum livre curso à emigração europea: elle esboroará todos os rochedos de granito e os transformará em fontes e palacios, e riscará atravez de nossas montanhas hum crivo de estradas, que serão as linhas electricas da civilisação: o dragão, que repousa sobre o seu cimo, desdobrará suas amplas azas, e irá colher nas regiões longiquas outra corôa armilhar, outro circulo de estrellas, que engrandedecerão as armas do Império do Brasil (Porto Alegre, 1843). Várias são as analogias que se estabelecem entre o cetro dos Bragança e os diversos elementos, como a vara de Moisés ou a vara mágica. Nestes casos, o cetro compartilha uma mesma mensagem de progresso: no caso da vara mágica mais ligada à tradição guerreira e pacificadora do Gênio, é garantidor da união; e no caso da vara de Moisés, oferece uma ideia mais clara de progresso material, industrial e artístico que situa o Brasil no panorama internacional, como se vê em uma série de esculturas e frontões que exaltam em toda Europa o progresso e as artes. Até o momento não existe nenhum dado que assegure irrefutavelmente esta leitura do frontão e sua ligação direta com Araújo, mas os significados atribuídos estão em sintonia com o ambiente intelectual e artístico e com as preocupações imperiais de paz e progresso, mais ainda se pensamos

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que o Gênio do frontão se situa cronologicamente entre o Gênio da galeria de coroação de Porto Alegre, que

Figura 7. Porto-Alegre, M. de A (12 de junio de 1841). Galeria de coroação de Dom Pedro II. [Gravura]. O Despertador, Fundação Biblioteca Nacional, Río de Janeiro, Brasil.

portava o cetro imperial, e outra obra posterior, projeto para um monumento público não realizado, Alegoria do Império Brasileiro, de 1872, obra de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, alegoria do Império encarnada por um índio com manto, cetro e o escudo imperial, que supõe a culminação da figura do Gênio do Brasil como símbolo nacional, já desprovido de seu caráter guerreiro e mais direcionado à afirmação cultural e artística. As musas, as outras protagonistas do frontão, divindades inspiradoras da música na opinião dos escritores mais antigos, e depois da poesia, das artes e das ciências, se perdem em origens confusas. Comumente marcadas como filhas de Zeus e Mnemosyne, seu número variou durante a história, oscilando entre três e nove: Calíope, a musa da poesia épica, com a tabuleta e o estilete; Clio, a musa da história, que aparece sentada com um pergaminho ou alguns livros; Euterpe, a musa da poesia lírica, com uma flauta; Melpómene, a musa da tragédia, com uma máscara teatral, a clava de Hércules ou uma espada, adornada com uma coroa de folhas de videira e coturnos; Terpsícore, a musa da dança coral e da canção, com uma lira e um clavete; Erato, a musa da poesia erótica e da imitação mímica, com uma lira; Polimnia, a musa da poesia lírica clássica, em posição meditativa; Urania, a musa da astronomia, com o globo terrestre; Thalia, musa da comédia e da poesia idílica, com a máscara cômica, com um bastão e uma coroa de hera (Smith, 1849). As figuras femininas do frontão foram identificadas com as musas por seu número —nove— e suas vestimentas clássicas. Em relação a seus atributos, apesar de não ostentar os símbolos tradicionais citados, não é estranho representar as musas exclusivamente com instrumentos musicais. Além do mais, a ISSN: 2410-1923

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identificação do Gênio com Apolo muságeta contribui para reforçar esta ideia (Zelesco, 2010), mas chama a atenção uma diferença entre elas: estas se estruturam em dois grupos, mas não somente por motivos espaciais e compositivos, e sim por suas atitudes e atributos que não costumam aparecer em representações deste tipo. Por uma parte, o lado direito do frontão está composto por um grupo de quatro mulheres, das quais três tocam seus instrumentos, harpa, lira e pandeiro, e outra recebe a coroa do Gênio. Delas só uma aparece coroada, a que toca lira, enquanto que outra está sendo coroada. Em contraposição, no grupo esquerdo, cinco mulheres, das quais quatro aparecem coroadas, mas em contrapartida nenhuma toca seu instrumento musical: a harpa e o trompete, quebrado em dois pedaços. As duas primeiras mulheres aparecem de costas para o Gênio, as duas seguintes com expressões de dor ou tristeza, e a mulher do extremo também aparece de costas. Neste grupo, a figura sentada mais próxima do Gênio não apresenta atributos e parece fora da cena, olhando para o expectador. Estas musas não representam uma arte concreta, seus atributos, todos musicais, são comuns na representação das musas, e muito apropriados para um lugar dedicado à música e à civilização. Em seu conjunto simbolizam as artes, por isso, para buscar uma explicação, devemos pensar em qual momento as artes estiveram nesse estado de decadência. Esta representação de «musas afligidas», das artes paralisadas em um estado lamentável, se associa já em 1809 à ausência da família real: «illuminou-se o Theatro de S. Carlos [...]. A peça representava o Gênio da Nação chorando a ausencia da Augusta Família Real, e as Artes, e Sciencias adormecidas; mas tudo desperrou ao estrondo, que fazia o Exercito Inglez, que acabava de sacudir o nosso jugo» (Gazeta do Rio de Janeiro, 1809, 2 de agosto). A presença do monarca é necessária para as artes, como acontece no caso de Dom João VI que aparece como benfeitor das artes e do comércio, recebendo suas homenagens no alto-relevo de um arco triunfal desenhado por Jean Baptiste Debret e Grandjean de Montigny pela ocasião de sua coroação (Souza, 1999, p. 219). De novo aparece esta ideia em uma gravura comemorando a volta de Dom Miguel ao reino (Fig. 8), salvando as artes, quase alcançadas e danificadas em sua ausência. Do mesmo modo, as artes e as ciências também se veem totalmente destruídas na gravura alegórica sobre a fuga de Portugal de Dom João VI, a caminho do Brasil9 (Fig. 9). Na parte inferior esquerda aparecem as artes assim como instrumentos destruídos, além de uma série de personagens que pedem o retorno do rei, acompanhado do seguinte texto: Os fados respondem por Espadanas de Luz, às Virtudes que as imprecão foragidas, e afflitas. A fortuna de Napoleão tem o limite marcado no momento em que hum Principe se decide a atravessar o Oceano para no Império de Brazil malograr o ultimo disignio do systema destruidor. A Gloria coroa este Principe e a Gratidão assignala o seu Heroismo. Todos estes casos se produzem quando a tirania e a anarquia se estabelecem em um território, deixando-o submerso no caos e paralisando as artes e o desenvolvimento. Na galeria de coroação de Dom Pedro II se repete esta ideia das artes e do progresso interrompido por revoltas e guerras, e, embora o exterior estivesse dominado pela figura do Gênio, quase a modo de advertência, o interior, na sala do trono: 9

Alegoria à vinda de Dom João, Príncipe Regente de Portugal, a Brasil.

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Uma grande e apoteótica tela representando os destinos históricos do país: diante do novo monarca investido do exercício de seus direitos constitucionais, os vícios, as calamidades e os crimes que dilaceravam o Império, durante a menoridade, fogem espavoridos para o inferno. Alguns sucumbem logo, notando-se que a vaidade é a que tem mais força e será a última a ceder lugar à sabedoria e à virtude do novo regime. Enquanto os vícios se retiram, as ciências, as artes e as virtudes cívicas vêm tomar o seu lugar, e trabalham, ao abrigo do trono, para a prosperidade do Império e do monarca (Schwarcz, 2001).

Por último, nos resta explicar porque as musas afligidas estariam coroadas. Um fragmento da revista Guanabara, da qual Araújo Porto Alegre fazia parte, diz o seguinte: Aproveitemos o ensejo: a Europa se abala profundamente; dous grandes braços lutão agarrados ao circulo do futuro; fazem tremer-lhe o eixo; e o canhão, e o trote dos cavalhos, e o retintim das armas cobrem as vozes sonoras do gênio, enfumação as paredes do templo das artes, e fazem vacillar o solo onde a intelligencia plácida se assenta; não há silencio para meditar; não há guarida para o filho risonho das musas, nem um ar puro e sereno para a sylphide se embalar no âmago da rosa que o zephiro acaricia! Aproveitemos o ensejo: abramos a terra a essas sementes áureas, e cubramos o solo da pátria com os ridentes vergéis; sejamos felizes, e façamos o nome brasileiro respeitado e querido (Guanabara, 1850, p. 20). Desta forma, o Brasil, através de seu monarca, recolhia as sementes da Grécia, que passaram a Europa, e depois, diante do estado do continente, as transferiam ao novo mundo, no único lugar onde poderiam florescer como lugar civilizado, o Brasil, atuando como um elemento de progresso e desenvolvimento, fruto da paz e da ordem. Dentro do ambicioso projeto que pretendia situar o Brasil entre as nações desenvolvidas, as artes, normalmente ligadas também ao comércio, ocupam um lugar primordial e a intenção de apresentarse como protetor das artes é uma preocupação fundamental para Dom Pedro II, equiparando-se aos grandes reis, segundo reflete o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: a proteção das letras é o mais valioso atributo e a joia mais preciosa da coroa dos príncipes, por ela se fizeram grandes Luís XIV em França, e os Médici em Itália, quando acolhiam as ciências e as artes que escapavam das ruínas do Império grego (Schwarcz, 1998b, p. 128). De novo, vemos como o Brasil se transforma no depositário da arte clássica, que se repete em outros fragmentos: O germen da civilisação depositado em teu seio pela Europa, não tem dado ainda todos os frutos, que deveria dar; vicios radicaes tem tolhido seu desenvolvimento. Tu afastaste de teu collo a mão extranha, que te suffocava, respira livemente, respira, cultiva as sciencias, as artes, as lettras, a industria, e combate tudo, que entreva-las póde (Magalhães, 1836).

Em resumo, é a imagem do Império como protetor das artes a que se quer dar. «As intenções do Governo Imperial são ótimas, porque refletem o pensamento augusto que se alonga pelo futuro, e nos promete uma nova época para o filho das Musas» (Porto Alegre, 1846, p. 37), mensagem que também compartilha o frontão do Cassino Fluminense.

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Figura 9. Marques, A. I. (s/a). Alegoria à vinda de Dom João, Príncipe Regente de Portugal, ao Brasil. [Pena e aguada]. 49 x 66 cm. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Brasil.

A iconografia proposta no frontão do Cassino se relaciona estreitamente com o panorama artístico europeu, onde se estão construindo vários teatros e museus que compartilham a temática e o significado do caso brasileiro. O mais próximo em relação à iconografia é o Teatro Dona Maria II de Lisboa (Almeida, 2012, pp. 153-174), para cujo frontão o escultor Francisco de Assis Rodrigues, junto com um amplo grupo de artistas, realiza, entre 1845 e 1848, o grupo Apolo e as musas, que estaria rematado pela figura do Gênio da nação coroando a Camões, exposto na Academia em 1843, e que finalmente foi substituído pela estátua de Gil

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Figura 8: Antônio José da Silva (s. XIX). «S. A. R. O Sermo. Snr. Infante D. Miguel, Regente de Portugal e Algarves» inscripción alusiva ao feliz regresso ao Reino e dedicado a D. Carlota Joaquina de Bourbon. Portugal. [Litografia]. 56 x 38.5 cm. Coleção Elsa e Newton Carneiro, Portugal.

Figura 10, Gianni (s/a). Alegoria do juramento da Constituição de 1824 ou Dom Pedro libertando o Brasil do despotismo. [Gravura por Lasteyrie]. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Brasil.

Vicente. Outros exemplos compartilham a mensagem proposta pelo frontão brasileiro, como os frontões do Neues Museum. O frontão oriental, representando a História instruindo as artes, de Friedrich Drake, de 1854, e o frontão ocidental, de August Kiss, realizado em 1862, que representa a Arte instruindo a Indústria e as Artes Industriais.10 O caso do frontão do British Museum, de Richard Westmacott, representando o progresso e a civilização, de 1852, entre outros exemplos como o frontão da fachada oriental do Museu do Louvre, que mostram que o autor ou autores intelectuais conheciam bem o que estava acontecendo na Europa, e criaram um exemplo baseado nos mesmos ideais artísticos e de civilização e progresso através das artes. 10

Arts and crafts no original em inglês.

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O tema de Apolo e as musas, que se decidiu estampar em Lisboa, foi modificado no Cassino, para ceder o lugar principal ao Gênio do Brasil, de forte tradição e presença na sociedade, através de obras teatrais, arquiteturas efêmeras e festividades imperiais, que já existiam no projeto português, mas vão mais além, representando o Gênio como um indígena. As musas são também um elemento original, já que além de aparecer semidespidas, existe uma clara divisão em um grupo que normalmente é homogêneo. O aspecto mais peculiar e que nos oferece mais informação sobre o conjunto são as que denominamos musas afligidas, musas que não olham para o Gênio, que não tocam seus instrumentos, um deles quebrado, e cujas expressões são de dor ou tristeza, fatos pouco comuns na iconografia, introduzem una mensagem política. Assim, vemos como o caso brasileiro é especialmente relevante, porque tomando motivos iconográficos e significados europeus, insere várias modificações originais que agregam leituras ao conjunto, e que fazem do frontão, além da mensagem artística inicial, um exemplar da tão desejada arte nacional, más que além disso enlaça com um forte significado político, como imagem imperial, através do índio.

A mensagem política: Pedro e pátria No fundo estamos tratando da construção da imagem do Império, do imperador e da nação identificada com o modelo monárquico, e o Gênio é parte importante deste processo. No princípio representa o território, a peculiaridade da colônia no conjunto do Reino Unido, com funções e a concepção própria da tradicional alegoria da América mas, pouco a pouco, a personalidade do território vai se definindo, afastando-se do português, e estabelece uma relação com o Brasil. Comumente a imagem do Gênio é masculina, ligada às funções de caráter guerreiro e protetor; pisa na hidra da anarquia e da desunião, libertando do despotismo e da tirania, do mesmo modo que na gravura de Gianni (Fig. 10), o imperador Dom Pedro I resgata o Brasil, personificado em uma jovem indígena, das garras do despotismo. Ideia de proteção e libertação que se está utilizando na retórica republicana das nações sul-americanas mas imagens dos generais libertadores, como Bolívar, fato que a propaganda imperial não deixa de recordar com frequência, às vezes falando através do Gênio, como neste caso:

Eu fui quem, a seu ingente mando, Fiz nesta parte nova do universo, Por gloria singular e raro exemplo, Dos povos e dos reis, que o próprio herdeiro Do throno proclamasse aos brasileiros A sua independência e liberdade (Diário do Rio de Janeiro, 1864, 9 de dezembro, p.2).

O caráter do Gênio do Brasil como libertador, como ente que luta contra o despotismo, a tirania ou a anarquia, é uma constante nas aparições deste personagem, em sua maioria na imprensa e na literatura, especificamente no teatro. Em uma de suas aparições, um elogio dramático, «se vio o despota, symbolisado

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pelo genio do mal, affanar-se por lançar o povo luso nos ferros da escravidão, até que o genio do Brasil, representando o libertador, baixa as nuvens e sepulta o despotismo nos abysmos do inferno» (O Despertador, 1838, 24 de abril). Vemos como se tenta projetar a imagem do imperador como a melhor opção para o Brasil, que evitaria males e problemas à nação, impedindo que os agitadores desembainhassem de novo a espada da anarquia (Diário do Rio de Janeiro, 1838, 24 de novembro), dissolvendo revoltas e movimentos que puseram em perigo o sistema monárquico, ideia marcada na cerimônia de coroação de Dom Pedro II, na qual o pai Francisco de Sampaio como destaca Souza, Contava a história do mundo, desde a Grécia antiga até a turbulenta Revolução Francesa, vislumbrando na monarquia o melhor governo, aquele que combate e se contrapõe à anarquia; assim, D. Pedro aparecia como uma solução pacífica e, ao mesmo tempo, encaminhadora da obtenção da liberdade civil e política desejadas (Souza, 1999, p. 279). A importância de ressaltar esta ideia era a de evitar revoltas como as que haviam surgido no Brasil em um passado próximo. Do mesmo modo em que se destaca a união do Império e a liberdade que aquele proporciona, em A Restauração da Bahia, se enfatiza também o caráter libertador do Gênio, já que é ele quem liberta a Bahia dos perigos da anarquia, restaurando a paz, e o bem da população. Mas o primeiro verso que acompanhava o quadro «O Regente do Brasil sabes quem é» tanto servia para o Gênio como para o rei, quem, ao final, era o artífice da ação alegórica do Gênio «que firme, decidido e aguerrido, a discórdia suplanta na Bahia». O libertador,11 o garantidor da paz, o Gênio, é quem, alegóricamente, encarna virtudes e atribuições do imperador, que no fundo era o responsável da unidade, da paz e do progresso. Esta interessante relação tem sua tradução nos títulos outorgados, segundo Souza, nas celebrações de 1822-1826, nas quais «marcase a autoridade de D. Pedro I, herói da independência por excelência, seu chefe político e militar, Defensor Perpétuo da Nação, Anjo do Brasil, Gênio do Brasil, títulos ganhos por unir o território e afastar-se do risco efetivo de o país ser fraturado da mesma forma que a América Hispânica» (Schiavinatto, 2002). Este fato se vê refletido na imprensa e nos discursos políticos: O Brazil todo, Senhor, desde nove de janeiro via na verdade a V. A. R. como seu único sustentáculo; mas desde os eternos dias treze e vinte e três de maio, e muito mais três de junho, O Brazil todo reconhece, admira, e acclama a V. A. R. como o Gênio Tutelar Deparado pela Suprema Providencia para collocallo naquelle ponto de felicidade, e de gloria, para que he destinado, e de que tão injustamente se pertendia derriballo (Gazeta do Rio de Janeiro, 1822, 8 de agosto). 11

Como bem destaca o avaliador da revista não podemos esquecer o caráter de defensor perpétuo do imperador, seu título principal junto com o de protetor, por isto que a Independência no caso brasileiro não se produziu por uma ruptura da situação, e sim pela resistência à mudança. Apesar de destacar aqui o caráter de libertador, em sintonia com os generais das repúblicas vizinhas, é necessário não esquecer a especificidade da independência brasileira. Este caráter libertador é mais próprio do reinado de Dom Pedro II, onde se destaca com muita frequência este caráter no seu antecessor, em um momento de ampla presença dos ideais republicanos.

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O imperador era o garantidor da constituição, da independência, da união, da liberdade e prosperidade da nação através da paz, funções que o Gênio vai assumir também, criando-se uma analogia entre as funções das duas figuras. Esta imagem do imperador como o anjo protetor do Brasil, da mesma maneira em que o Gênio é o anjo tutelar, se estendeu por todo o Império mediante poemas recitados nas festas públicas e depois publicados, além de ser repetidos nos sermões e nas imagens dos arcos triunfais (Souza, 1999, p. 212). A figura do imperador aparece ligada em certos momentos à figura do Gênio, e vemos como no caso de Dom Pedro II acontece de maneira especial desde seu nascimento. Diferente de seu título de anjo do Brasil, «O real herdeiro augusto / Conhecendo o engenho vil / Em despeito dos tiranos / Quis ficar no seu Brasil / Revoavam sombras tristes, / Da cruel guerra civil / Mas fugiram apresadas / Vendo o anjo do Brasil» (Souza, 1999, p. 280), o imperador é aclamado como um Gênio em ternos anos, que por vontade da nação empunha o cetro. Dom Pedro II surge na obra de Gonçalves de Magalhães como um messias da paz, um mensageiro de Deus (Schwarcz 1998a), para depois culminar com o Gênio a estrutura cenográfica de sua coroação. Mais tarde, durante seu reinado se criou a última grande obra Alegoria do Império Brasileiro (Figura 11), na qual o Gênio não aparece, mas o índio continua na construção da imagem, ostentando as vestimentas e atributos do imperador, que já empunhou o Gênio. Esse fato se repete em uma das letras do hino para a coroação de Dom Pedro II, de autoria de João de Sousa e Silva, no qual o Gênio ostenta a coroa de Dom Pedro, criando a analogia entre eles: «Exultai. Pátria ditosa, / Naçao nobre e varonil, / Já no radioso diadema/ Cinge o Gênio do Brasil, / No pálio augusto / Do Novo Mundo / Impera o grande / Pedro Segundo» (Masson, 1963). O discurso que se coloca na boca do Gênio do Brasil com motivo do trigésimo nono aniversário do Imperador é um reflexo claro de suas funções. O Gênio, por vontade de Deus, é o protetor do reino, que vela pela paz e pela ordem, defendendo sempre os Bragança dos perigos, porque só sob o comando desta dinastia, o país poderia escapar das lutas fratricidas que descompunham as nações sul-americanas, dominadas pela anarquia, discórdia e as denominadas ideias revoltosas, que não buscavam o bem do povo, e sim interesses egoístas dos governantes. Mas o Brasil, sempre que permanecesse fiel à monarquia estaria à salvo desse monstro, a hidra da anarquia e da desunião. Não podemos esquecer que o papel dos generais sul-americanos, e seus processos de libertação nacional, é assumido pelo Imperador, que deu liberdade a seu povo, fato insólito, que se repete com muita frequência na propaganda imperial, e que iguala, por exemplo, a Bolívar, Libertador e Pai da Pátria, com Dom Pedro, Libertador e Pai da Pátria. Segundo Murano (2013) «Dom Pedro I inaugurou uma nova era iconográfica que se assemelha ao que procuram também os demais libertadores da América, como Simón Bolívar e Agustín de Iturbide, também coroado Imperador do México» (p. IX). Ninguem; eu te aseguro, mas se acaso Torpe cabilda d´infernaes malvados O collo levantar outra vez tente, Verás reproduzir-se a mesma gloria Que há pouco fez cobrir d´eternos louros Aos valentes heróes, que lealdade Sincera consagrando a Pedro e Patria Cortaram à anarchia o voo horrendo. REVISTA DE ESTUDIOS INTERDISCIPLINARIOS DE ARTE Y CULTURA / VOL. 2 / NÚM. 1 / 2015 / PP. 159-197

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Figura 11. Francisco Manuel Chaves Pinheiro (1872). Alegoria do Império Brasileiro. [Terracota]. 102 x 75 x 31 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Brasil.

E quem mais do que Pedro, do que a Patria Mereça do Brasil sinceros cultos?! Não há lei que castigue os pensamentos, Sómente a Divindade é responsável Por elles um mortal; mas se indiscreto Quer propagar idéas revoltosas, Trazendo o facho da infernal discórdia Ao centro das cidades; se atropella A ordem social, horror merece Como peste política. Se um destes Ouvir o coração quando se arroja A louca empreza, saberá que a origem D´arriscada reforma é próprio interesse De magras precisões, de luxo e fome Desejos d´elevar-se, de riquezas rapinar; Pois reformas nascidas no tumulto São mais funestas que millhoes de vícios! (Diário do Rio de Janeiro, 1864, 9 de dezembro, p. 2).

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A estabilidade política foi o principal objetivo do Império, assediado por diferentes revoltas internas e rodeado por diversas nações independentes sobre os novos regimes, que deixavam o Brasil como único modelo monárquico. O Gênio, desde suas primeiras aparições registradas, luta contra a tirania e o despotismo, em atitudes como a de pisar na hidra da desunião e oferecer um maço de espigas se referindo ao bem derivado da ordem proporcionada pelos Bragança e seu modelo monárquico, ou sufocando revoltas, como a da Bahia, ou presidindo o aparelho propagandístico da coroação de Dom Pedro II, empunhando o cetro e mantendo as rédeas com mão firme. Uma das caraterísticas próprias do Gênio foi o que podemos chamar um caráter vivo, uma presença importante na sociedade, pois suas aparições se concentram no teatro, na imprensa, em comemorações públicas e festas imperiais, que: Possuíam um forte caráter pedagógico, na medida em que ensinavam quem era o gobernante, expunham os vínculos entre ele e o povo local, criando uma noção de contrato, e tentavam incutir no espectador sentimentos e valores políticos que repudiavam a anarquía, o despotismo, pregando e ressaltando o amor fraternal entre os homens, os súditos, e a obediência ao príncipe (Souza, 1999, p. 245). A intensa propaganda imperial em torno aos maus tempos regidos pela anarquia, superados graças ao imperador, responsável do renascer da nação e seu progresso se vê claro nas seguintes palavras: E, aberta a série dos futuros tempos, Descubro que o império brasileiro, Bafejado de paz e de ventura, De assombro servirá ao mundo inteiro! Preciso foi talvez a horrível treva Em que –tanto tempo jaseu o impérioPara maior brotar, mais luminoso, Entre as grandes nações do vasto mundo, Que assim, depois d´invernos turbulentos, Ostenta no horisonte a primavera. Com inflexível rigor puni o crime, O crime, sim, que por impune De males longa serie há produzido, A intriga, fugi, e qual Mecenas, O sábio um protetor em Vós encontre, Animadas por Vós floreçam, brilhem O commercio, a lavrura, as artes todas, E os gostos d´abundancia e do socego, Em permanente jubilo o exame, Vosso nome transpondo além dos, Vos farão conhecer, que é mais jocundo, No Brasil imperar, que em todo o mundo (Souza, 1999, p. 245).

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Assim, a mensagem do frontão é um manifesto complexo das preocupações políticas, culturais e artísticas do Império, como uma materialização de seu projeto civilizador. A preocupação nacional é o eixo do conjunto. O nacional no que se refere à arte, o nacional no que se refere a modelo de pátria que o Império propunha, e nacional no que se refere à tentativa de criar uma imagem nacional própria para a jovem nação, que culminará na obra de Chaves Pinheiro, Alegoria do Império Brasileiro, na qual um índio ocupa o lugar do imperador e porta seus emblemas.12 Esta obra supõe, em nossa opinião, a última manifestação de uma série de representações imperiais, nas quais desapareceram vários elos, más que se inicia com a primeira representação conservada do Gênio, a do escultor Taunay, 1822, que representa o Regente do Brasil, muito ligado com as representações patrióticas ibéricas e com as representações nacionais do Antigo Regime, como uma alegoria da força imperial. O seguinte caso do Gênio é o idealizado por Araújo Porto Alegre, que se relaciona ainda mais com a figura imperial, porque remata a galeria de coroação de Dom Pedro II, portando cetro e coroa de louro. Quinze anos depois, o Gênio do Cassino Fluminense, em uma situação política mais estável, vai perdendo o caráter guerreiro, embora não abandona totalmente a mensagem dos primeiros gênios protetores da nação, que continuará na década de sessenta, com a advertência contra outros modelos políticos e de elemento patriótico, como único garantidor da paz necessária para o novo conceito que se introduz: o de arte nacional, o progresso e o desenvolvimento da nação, já pacificada, graças ao Imperador. A perfeita síntese da ideologia que apresenta o frontão aparece em um fragmento de um poema recitado em homenagem à rainha Dona Maria no mesmo ano da realização do frontão. A anarquia que provocou o desastre no Brasil, seu influxo negativo de forma geral e especialmente nas artes, e na recuperação da paz e das artes graças ao trabalho da monarquia, único modelo capaz de garantir o bem da nação: Já fugiram os dias horrorosos De escuros nevoeiros, dias tristes Em que as artes gemeram desprezadas Da nobre Lysia no fecundo seu; Hoje cheias de Gloria resuscitam Até nestes confins do novo mundo Graças á MÃO AUGUSTA que as anima (O Brasil artístico, 1857, p. 11). 12

O frontão do Cassino Fluminense e o monumento a Dom Pedro I são dois dos mais importantes expoentes da escultura pública carioca, que possui escassos exemplos e que mereceria ser entendida de um modo mais amplo, estudando tanto os exemplares conservados, como os projetos não realizados, pouco conhecidos, e que trariam uma nova luz ao campo; especialmente ao estudo da escultura pública efêmera, frequente ao longo do Império, e também na época anterior, escassamente conhecidas e estudadas, mas de grande relevância. Na tese de doutorado que estamos elaborando «Estatuário, escultor, artesão: a escultura e seu ofício no Brasil oitocentista» tratamos de abordar este tema que consideramos tão importante, assim como o estudo da escultura, muito pouco contemplada, como um campo artístico diferenciado com problemas, objetivos e caraterísticas próprias.

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Conclusões Entre os processos de Independência das nações sul-americanas, o caso brasileiro se ergue como um exemplo único, no qual a colônia, em 1808, se transforma em sede da corte, que chega fugindo da invasão napoleônica. Neste caso a Independência não se produziu por uma ruptura com a situação anterior, como os casos latinoamericanos, e sim se deu pela resistência em voltar à situação colonial, depois de uma série de fatos que mudaram esta realidade. No dia 16 de dezembro de 1815 o Rei Dom João VI concede ao Brasil a categoria de reino, em 26 de fevereiro de 1821, o rei se compromete a jurar a Constituição, dando início a um sistema monárquico constitucional, e em 9 de janeiro de 1822, conhecido como o Dia do Fico, o príncipe regente, o futuro Dom Pedro I, desobedece as ordens portuguesas de voltar imediatamente a Lisboa, permanecendo no Brasil, fato que lhe levará a erigir-se como o primeiro imperador do novo estado nação, através do legendário grito «Independência ou morte», o Grito do Ipiranga. Assim o imperador ganhou uma série de títulos, como Imperador constitucional, Defensor perpétuo da nação, Protetor, Anjo do Brasil e Gênio do Brasil, por «unir o território e afastar-se do risco efetivo de o país ser fraturado da mesma forma que a América Hispânica» (Schiavinnato, 2002, p. 83). Embora os seus títulos principais fossem os de Defensor e Protetor perpétuo, em relação ao modo no qual se produziu a Independência, como a defesa de uma situação conquistada, quisemos aprofundar aqui no caráter de libertador, mais próprio do reinado de Dom Pedro II, como protagonista da Independência de seu povo. O Império tenta, desde seus inícios, legitimar o modelo monárquico como a melhor opção para a nação, tentando inculcar as noções de pátria e de unidade, com o imperador como fonte de paz, ordem e progresso, em oposição à anarquia e a desordem presentes nas repúblicas latino-americanas. A anarquia e a desunião serão duas preocupações recorrentes do Império, que permeiam a cronologia imperial, com o consequente desejo de consolidar o sistema monárquico, em vários âmbitos culturais, e também nas esculturas públicas, materialização das preocupações e desejos imperiais, exemplos importantes na formação da imagem do estado. A primeira tentativa de erguer uma escultura pública, apelando à colaboração dos cidadãos amantes da constituição e da pátria, se da em 1822, em comemoração ao dia 26 de fevereiro de 1821, dia do compromisso do juramento à constituição, considerado como o primeiro dia da regeneração política do Brasil. Este monumento era uma «representação da liberdade pela constituição» (Morais, 1871, p. 77), que daria nome à praça, e que no projeto de Francisco Pedro de Amaral, protagonizava o conjunto, com o príncipe jurando. Uma constituição que, segundo a imprensa da época, afugentava a anarquia e plantava a árvore da liberdade, sob cuja sombra cresceria a união, tranquilidade e independência deste Império, que será o assombro do novo e do velho mundo. Neste momento, como destaca Murano, há uma procura de algo novo, afastando-se do Antigo Regime, e adquirindo um caráter nacionalista. Legitimar a permanência de Dom Pedro significava acalmar, temporariamente, os movimentos liberais e republicanos. (Murano, 2003, p. 14). Estes movimentos gerarão uma forte resposta por parte do Império, que de novo proclama uma mensagem

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patriótica de unidade, no Grupo alegórico da Restauração da Bahia, em 21 de maio de 1822, com a finalidade de evitar a anarquia e o desgoverno. Com o lema Independência ou Morte, Maximiano Mafra vencerá o concurso, depois de outros tentativas anteriores infrutíferas, em 1855, para a construção do monumento a Dom Pedro I, «do rei libertador e legislador [...] que memora o passado inteiro do Brazil, a independencia, o Império, a constituiçao e a liberdade» (Azevedo, 1877, p. 40), e é imortalizado no momento em que detêm seu cavalo e declara a Independência. Neste momento, no reinado de Dom Pedro II, se insiste muito mais no caráter de libertador do imperador, e isto se produz em um momento em que o dilema entre o modelo republicano e o monárquico estava muito presente, e nos revela uma necessidade de afirmação por parte de Dom Pedro II, que procura no ato do seu pai uma legitimação do sistema monárquico (Knauss, 2010). Esta defesa monárquica desde um ponto de vista político se complementa com o componente artístico. Se graças ao Imperador se havia alcançado, em tempos de Pedro II, um clima de maior paz e prosperidade, isto se manifesta na construção de monumentos, pois, segundo o pensamento de Manuel de Araújo Porto Alegre, a sociedade só podia ter monumentos em épocas orgânicas, precedendo aos alicerces físicos os alicerces morais, e sendo o estatuário o responsável por mostrar ao mundo o estado moral do povo para o que trabalha. Nesta época, desde a década dos 40, se produz uma iniciativa monumental, encabeçada por Porto Alegre, dentro do programa civilizador do Império, que buscava o progresso e a equiparação às nações desenvolvidas. Neste programa civilizador, encontramos outro exemplo de defesa monárquica, o frontão do Cassino Fluminense, que reúne a representação do passado, do presente, e o que supõe um desafio e um desejo para o Império, o futuro de progresso. Junto com o monumento a Dom Pedro I, se constitui como testemunha da mudança, de uma nova época e da reforma cultural, ao mesmo tempo em que traz ao presente o passado para afirmar a monarquia e lembrar os perigos que derivariam de sua ausência. Para isso, se recorre à figura do Gênio do Brasil, título que ostentava o imperador, ao que acompanha frequentemente e com o qual compartilha atributos e funções, resultando numa imagem do Império, e que aparece em alguns dos mais importantes monumentos, embora efêmeros, como a galeria de coroação de Dom Pedro II, onde o pai Francisco de Sampaio, como destaca Souza, Contava a história do mundo, desde a Grécia antiga até a turbulenta Revolução Francesa, vislumbrando na monarquia o melhor governo, aquele que combate e se contrapõe à anarquia; assim, D. Pedro aparecia como uma solução pacífica e, ao mesmo tempo, encaminhadora da obtenção da liberdade civil e política desejadas. (Souza, 1999, p. 279). No frontão do Cassino Fluminense se condensam várias das preocupações imperiais, que aparecem recorrentemente. Quase como um aviso, apresenta os efeitos da anarquia e da desordem, e o modo no qual através do Império puderam ser superadas, para oferecer um futuro de paz e progresso. Y neste discurso, o Imperador, assim como o Gênio, se apresenta como libertador e responsável pela Independência.

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Eu fui quem, a seu ingente mando, Fiz nesta parte nova do universo, Por gloria singular e raro exemplo, Dos povos e dos reis, que o próprio herdeiro Do throno proclamasse aos brasileiros A sua independência e liberdade (Diário do Rio de Janeiro, 1864, 9 de dezembro, p.2).

Assim, vemos como o frontão do Cassino Fluminense e o monumento a Dom Pedro I são dois dos mais importantes expoentes da escultura pública carioca, que possui escassos exemplos e que mereceria ser entendida de um modo mais amplo, estudando tanto os exemplares conservados, como os projetos não realizados, pouco conhecidos, mas que contribuiria para uma nova luz ao campo, e especialmente o estudo da escultura pública efêmera, frequente esta ao longo do Império, e também na época anterior, escassamente conhecida e estudada, mas de grandíssima relevância13.

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Na tese de doutorado que estamos elaborando «Estatuário, escultor, artesão: a escultura e seu ofício no Brasil oitocentista» tratamos de abordar este tema que consideramos tão importante, assim como o estudo da escultura, muito pouco contemplada, como um campo artístico diferenciado com problemas, objetivos e caraterísticas próprias.

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Alberto Martín Chillón Doctorando en Artes en la Universidad del Estado de Rio de Janeiro, maestro y licenciado en Historia del Arte en la Universidad Complutense de Madrid. Becario de investigación del Programa Nacional de Apoio à Pesquisa, Fundação Biblioteca Nacional/Ministério da Cultura, Brasil. Autor de textos publicados en periódicos y capítulos de libros sobre el arte decimonónico español y brasileño, principalmente en escultura, dedicándose a la investigación de temas como tradición y modernidad, indianismo, imagen nacional y mercado del arte.

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