O caminho ate o Impeachment de Dilma

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O caminho até o Impeachment de Dilma – 14/04/2016


A conjuntura política nacional é tensa e não é de agora. Acredito que a partir de 2013, a efervescência política se tornou um elemento mais rotineiro no cenário político do Brasil. Movimentos que antes tinham dificuldade de se mobilizar, agora têm mais projeção e impulso para tomarem as ruas. As movimentações contra o governo Dilma já vinham desse tempo. As mobilizações contra a realização da Copa do Mundo promoveram uma série de ações que fizeram com que os anos de 2013 e 2014 fossem anos altamente conturbados politicamente. A esquerda estava empenhada em apontar as falhas de um projeto neodesenvolvimentista cujas bases eram fundamentadas na mais alta exploração ambiental e humana, aliada à venda de parcelas significativas da riqueza nacional para os grandes bolsos dos agentes internacionais do grande capital, em que a Copa do Mundo era o caso mais sintomático. Enquanto isso, a direita estava, desde já, gritando timidamente ao ar a ambição de ver Dilma fora do assento presidencial, apesar de manifestações simbólicas já ocoressem, como as vaias à presidenta em plena abertura do maior evento esportivo do mundo, ao lado do presidente da Fifa Joseph Blatter futuramente flagrado em escândalo de corrupção. De qualquer maneira, os gritos de Fora Dilma, a essa época, soavam minimamente sem sentido.
O vexame da seleção brasileira certamente causou impactos políticos. O fato da seleção de futebol ter perdido em casa, de forma tão vexatória, em um 7 a 1 para Alemanha, fez com que os gastos com a realização da Copa do Mundo se tornassem mais absurdos ainda, e o descontentamento com o governo Dilma se agravassem. Esse descontentamento obteve reflexo nas urnas e no resultado eleitoral: Dilma foi reeleita com uma margem mínima de votos, de forma a estabelecer uma polarização política que tenderia a permanecer vigente na política nacional. Vale destacar que a vitória eleitoral da governo PT somente foi possível graças ao apoio e ao empenho de setores mais à esquerda que o petismo, aqueles mesmos enganados com a sistemática retórica de acenar à esquerda em tempos eleitorais promovidas pela cúpula partidária do PT. O avanço da direita (oposicionista) fazia com que a oposição de esquerda optasse pelo "menos pior". Naquele momento, não se sabia que o programa eleitoral petista viria a se tornar uma farsa, um discurso vazio e, até mesmo, o "pior" que tanto se temia.
As debandadas do governo Dilma já se mostravam presentes naquele ano de 2014. Derrotadas parlamentares estabeleceram o terreno para o que viria a partir de 2015: o Congresso Nacional mais conservador da história. Cientistas políticos ainda se perguntam como um conservadorismo institucional tão grande se gerou do seio de uma série de mobilizações políticas críticas de dois anos intensos de ação. A realidade é que Junho de 2013 foi composto tanto por uma juventude crítica que travava seus primeiros contatos com a militância política quanto por parcelas da população indignadas e com descontentamentos difusos, incapazes de canalizar a pressão política em pautas unitárias, apesar do impacto gerada no funcionamento do sistema político, visto a movimentação de parlamentares diurnalmente nos corredores do Congresso. Voltando à Dilma, o neodesenvolvimentismo já dava sinais de esgotamento quando no final de 2014 as projeções econômicas pessimistas se concretizaram.
Logo no início de 2015, o governo Dilma já tinha introjetado permanentemente nas mentes, nos corações e nas canetas de seus altos funcionários a necessidade de implantar a austeridade requerida para equilibrar a balança estatal, em busca do famigerado superavit primário, tarefa tão árdua a ponto do governo ter demorado meses para a apresentação do projeto de Lei Orçamentamento Anual para 2015. A primeira punhalada dada pelo "governo popular" foi contra os trabalhadores, com medidas que restringiam o acesso a direitos trabalhistas, como seguro-desempregro e fiança a viúvas. A esse ponto, a ideia de impeachment já tomava corpo dentro de parcelas de movimento sociais da direita oposicionista.
Ao longo de 2015, a política institucional foi marcada pelo entrave entre Legislativo, capitaneado por Eduardo Cunha, e Executivo, com Dilma. A estratégia era a votação de "pautas-bomba", medidas conservadoras e ataques às classes populares, que custavam caro à imagem do governo Dilma e da bancada petista. Posteriormente, por longo tempo, o debate público foi marcado pela denúncia das "pedaladas fiscais", transferências de recursos de bancos federais para custeio de programas sociais, que supostamente maquiaram a prestação de contas públicas no período.
Na opinião publicada, o impedimento presidencial ganhava mais força a medida que a Operação Lava-Jato expunha os escândalos de corrupção cometidos pela gerência petista, políticos da base governistas e empresas de grande porte nacional sob o comando da maior empresa pública do país, a Petrobras. Justo a isso, a economia gradualmente dava sinais de contração, fato que alimentavam mais o discurso da oposição de direita no sentido do governo "cortar na própria carne". E isso, evidentemente, significava o aprofundamento do ajuste fiscal que tinha como vítima principal as classes trabalhadoras que dependiam e dependem dos direitos fornecidos pelo Estado, seja por programas sociais, seja por previdência e seguridade sociais. O curioso é notar que medidas tão neoliberais foram adotadas sem o menos pudor por parte do governo cujo compromisso com as bases populares já deixava de existir há tempos. Exemplo cabal disso foi a proposta de Reforma da Previdência, intocada desde os retrocessos de Lula. Porém, para blindar o governo dessas críticas, o PT se utilizava da figura de Joaquim Levi como malfeitor econômico (indicado pelo próprio governo para apaziguar os agentes de mercado) e, novamente, Eduardo Cunha como malfeitor político, ambos considerados raízes de problemas que o PT argumentava para despistar críticas à sua gerência. Claramente ambos possuíam sua parcela de responsabilidade da situação ao qual o país se encontrava, mas nada justifica o governo lavar as mãos a respeito da decisão política de seguir o rito do receituário neoliberal de austeridade do FMI. Outras monstruosidades advieram do Palácio do Planalto como a lei antiterrorismo, sancionada em 2016, e que estabelece uma abertura jurídica tão vaga que, na prática, a seletividade penal punirá os movimentos sociais e lutadoras e lutadores que se proporem a irem às ruas abalar os pilares da ordem.
Avanço rapidamente para 2016, o embate institucional se dá entre outros atores: Judiciário contra Legislativo. As ações do juiz Sérgio Moro, sob comando da operação Lava-Jato, sobretudo aquelas direcionadas a Lula geraram um mal-estar para o governo, apesar de ter sido usado como elemento catalisador de mobilizações por parte do PT, em certo modo.
Apesar da instabilidade da conjuntura, Dilma não cogitou momento algum a conceder uma "guinada à esquerda". A única e principal possibilidade de tal feito seria a aprovação de uma emenda da Lei de Diretrizes Orçamentária que propunha a realização de uma auditoria cidadã da dívida pública, que foi sumariamente sujeitada pela presidente. A desculpa não mais poderia ser direcionada ao conservadorismo legislativo. Dilma deixa claro que a política de sua escolha é a neoliberal. Ela teve a possibilidade de virar a mesa do jogo através dessa medida que apontaria para as ilegalidades do parasitismo que é o pagamento da dívida pública e a amortenização de juros, que contribuiria para a manutenção e expansão das políticas sociais que teriam um maior orçamento ao se dispor, que concederia uma desafogo à crise econômica e que desafiaria o capitalismo dependente do Brasil. Evidentemente que Dilma não tomaria essa medida, uma vez que o medo dos parasitas do grande capital financeiro internacional abalaria ainda mais a economia periférica brasileira.
O receio do impedimento presidencial vem se tornando uma realidade mais próxima do horizonte a partir da decisão do PMDB em sair do governo. Evidentemente, após uma investida diurna dos monopólios de mídia burgueses em construírem a ideia do impedimento como melhor saída para o país perante a opinião pública e após mobilizações periódicas de grande porte (alavancadas com apoio da própria mídia burguesa, como não poderia deixar de ser), a imagem de principal compositor do governo começou a pesar mais para o PMDB do que todos os anos do lado da cúpula petista que lhe renderam benécias, regalias políticas e cargos no alto escalão dos poderes Executivo e Legislativo. Quando se trata de política, o PMDB é o maior adepto ao amor livre, com direito a "reunião" de menos de dois minutos para conformação do desembarque do governo petista.
Sem dúvidas, a judicialização da política oriunda das "bravuras" do "herói da pátria" Sergio Moro e da Polícia Federal, com os atritos do caso Lula e o Ministério da Casa-Civil, fizeram o PT perder apoio dentro do jogo institucional. O Legislativo volta a ganhar destaque na cruzada para expurgar os "hereges" vermelhos que trouxeram os males ao Brasil, já diria o senso comum mais conservador.
Fato é que a conjuntura é bastante complexa, ainda mais para aqueles que se identificam com a esquerda revolucionária. Desde faz um tempo, tenho percebido que essa conjuntura é desenvolvida primordialmente num jogo institucional, uma briga de poderes, briga entre quem vai gerir o capitalismo dependente da burocrática desgastada pela corrupção e particularismo. A elite dura da burguesia cansou de privatizar o serviço de gerir os negócios do Estado capitalista e agora quer tomar as rédeas novamente. Dessa vez, será mais fácil a implementação de uma agenda neoliberal, já que a porteira foi aberta pelo próprio PT. As mobilizações de rua sempre possuem seu impacto, mas no cenário atual, parecem mais esforços para medir forças. Os movimentos da direita oposicionista possuem o monopólio burguês de comunicação, o poder Judiciário e a hegemonia do Legislativo ao seu favor para fazer passar o impeachment. Aqueles que verdadeiramente defendem o governo PT com a cegueira governista que beira à irracionalidade e à contradição política brandam pela necessidade da democracia e pelo respeito ao voto, como se a questão foi tão simples quanto parece. Aliás a simplicidade e a lógica tecnicista faz parte do trabalho de base e de mobilização do Partido dos Trabalhadores e seus apoiadores que tem raízes nos movimentos populares. Há tempos, não se entra em contato com as periferias e as classes populares de forma orgânica e compromissada para além das questões do gerenciamento humanizado do capitalismo dependente.
A conjuntura para esquerda revolucionária é, lamentavelmente, a das piores. A análise da realidade concreta força com que se entenda que o processo de impedimento é sim uma manobra ilegal dentro da legalidade burguesa, tendo em vista a fragilidade do argumento jurídico posto pela questão da infração fiscal do governo Dilma. Se fosse levado a cabo, todos os presidentes anteriores e, bem possivelmente, todos os/as que estão poder vir poderiam/poderão ser impedidos de governar por infrações de teor fiscal, que é basicamente a forma com a qual o Estado opera. Para além da tecnicidade jurídica, é preciso reconhecer que a questão do "menos pior" seja de fato uma questão a ser considerado na análise. Apesar de aplicar o manual neoliberal de austeridade sem a menor vergonha histórica, Dilma e o PT não possuem o mesmo pedigree burguês que aqueles que tentam lhes derrubar. Esses são mais conservadores e mais ambiciosos, suas filiações com a burguesia internacional são mais orgânicas. Além disso, é preciso reconhecer que a saúde da institucionalidade democrática perde consideravelmente com um processo em que as próprias elites que supostamente defendem a legalidade burguesa não se envergonham em contradizer suas posições para alcançar objetivos políticos. Evidentemente, nenhum pé atrás nas críticas à política de conciliação de classe aplicada tão implacavelmente pelo PT nesses 14 anos, maior responsável pela criação do monstro que a engole agora e maior responsável também pela situação pífia que se encontra o vigor ad verdadeira luta de classes do Brasil. Apesar de retrocessos oriundos da conciliação petista, tanto no campo social quanto sindical, movimentos e partidos, como Mães de Mãos, MTST, PCB, ainda tentam levar a frente pautas combativas que deveriam fazer passar vergonha aqueles "defensores da democracia", tanto na direita governista quanto na direita oposicionista.
Nesse domingo, veremos se a mobilização e, sobretudo, a venda de cargos por parte do PT será capaz de capitular apoio necessário para barrar o impedimento. Estaremos no aguardo do resultado que pode predizer a real condição da presidenta no futuro, uma vez que a situação no Senado Federal é difícil demais para ser contornada. Apesar não ser o capítulo final, será a cena que entregará o final da história. Estaremos na rua para esse momento histórico para política nacional, e esperando a que República se mantenha de pé.

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