O campo comunicacional e as teorias da publicidade

July 27, 2017 | Autor: Rosana Pavarino | Categoria: Teorias Da Comunicação
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Descrição do Produto

Teorias dos Meios de Comunicação no Brasil e no Canadá Volume i1

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Universidade Federal da Bahia Reitor Dora Leal Rosa Vice-reitor Luiz Rogério Bastos Leal

Editora da Universidade Federal da Bahia Diretora Flávia Goulart Mota Garcia Rosa Conselho Editorial Alberto Brum Novaes Angelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Alves da Costa Charbel Ninõ El-Hani Cleise Furtado Mendes Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti Evelina de Carvalho Sá Hoisel José Teixeira Cavalcante Filho Maria Vidal de Negreiros Camargo

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Teorias dos Meios de Comunicação no Brasil e no Canadá Volume 11

Luiz Claudio Martino Giovandro Fer reira Antonio Hohlfeldt Osvando José de Morais O r g a n i z a d ores

Tr a d u ç ã o d e

Sigr id Janus e Luiz Claudio Martino

S alv ad or . E d u fb a . 20 13

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2013, autores. Direitos para esta edição cedidos à Edufba. Feito o Depósito Legal. Capa Charles Ribeiro Vicente Reis Projeto Gráfico e Editoração Gabriela Nascimento Revisão Lucas Guimarães Pacheco Normalização Susane Barros

Sistema de Bibliotecas - Ufba Teorias dos meios de comunicação no Brasil e no Canadá. / Organizado por Luiz Claudio Martino; tradutores Sigrid Janus, Luiz Claudio Martino - Salvador: EDUFBA, 2013. V.2. 318p. ISBN 978-85-232-1132-5 1. Meios de comunicação – Brasil . 2. Meios de comunicação – Canadá. 3. Comunicação midiática. 4. Jornalismo. I. Martino, Luiz Claudio. II. Janus, Sigrid. III. EDUFBA. CDU – 659.3 CDD – 302.23



Editora filiada à

Editora da UFBA Rua Barão de Jeremoabo s/n - Campus de Ondina 40170-115 - Salvador - Bahia Tel.: +55 71 3283-6164 Fax: +55 71 3283-6160 www.edufba.ufba.br [email protected]

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Sumário

{ Volume I

11 Apresentação 13

O lugar “virtual” das ciências da comunicação revisitado



Gaëtan Tr emblay

35 O campo dos estudos em comunicação no Canadá: ponto de vista a partir do programa de doutorado conjunto em Montréal

Ér ic George



53

Escrita(s), mídias e tecnologias do intelecto: Notas sobre a atualidade dos trabalhos de Goody



Oumar Kan e



73

Civilização, transporte e assentamento: comunicação organizacional nas primeiras obras de Harold Innis



W illiam J. Buxton

91

A pesquisa-criação explicada: quatro modos interligados



Owen Chapman e Kim S aw c h uk

111 Entre ecologia e arqueologia: uma perspectiva sobre a teoria mediática

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Thier r y B ardin i

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137 A opinião na comunicação: uma abordagem construtivista- crítica

Milton N. Campos

157 Das teorias da comunicação: um breve percurso da mensagem a certos desafios da análise dos discursos mediáticos

Giov an dr o Marcus Fer r ei ra



175

Uma teoria da comunicação para sociedades com grandes diferenças sociais



An ton io Hohlfeldt

191

Considerações sobre a explicação em comunicação



L uiz Claudio Martin o



213

Teorias da comunicação, a hermenêutica, o diálogo, a compreensão e a interpretação: esboço para uma contribuição às “novas teorias” e aos “novos métodos”



Os v an do Jos é de Mo rai s

233

Teorias da Palavra II: de conexões e relações



Paulo B. C. Schettino

259

A comunicação como artifício: uma leitura sobre Vilém Flusser



Mír iam Cr istin a Car l os Si l v a

273

As teorias do cinema e a atualização dos gêneros



Cr is tian e Fr eitas

287

O perfil dos estudos de internet na pesquisa em comunicação brasileira

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Jan ara Sous a

307

Sobre os autores

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Sumário

{ Volume II

11 Apresentação 13 Ensaio sobre a identidade das ciências da comunicação e da informação

Juçara Gor s ki Br ittes e L or en a Rúb i a Per ei ra Cami n h as



43

Repensando o arcabouço teórico-metodológico na construção da cidadania pelo viés da análise do discurso



Giov an dr o Fer reira e C l ar i s s a V i an a Matos Moura



55

A proposta interdisciplinar de Innis e McLuhan e a pesquisa em comunicação brasileira



Katr in e Tokar s ki Boav en tura e Rod r i g o Mi ran d a Bar b os a

73

O campo comunicacional e as teorias da publicidade



Rosan a Nan tes Pav ar in o



91

Chamem o Conar! O efeito de terceira pessoa e o apoio às intervenções regulatórias na publicidade de cervejas



An dr é B omf im dos Santos

107

Survey e análise de conteúdo: revisitando os instrumentos analíticos da abordagem quantitativa nos estudos iniciais sobre mídia e audiência



Adr ian o de Oliv eira Samp ai o

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121



A Literatura de autoajuda e a teoria funcionalista dos usos e satisfações: uma análise da linguagem de Augusto Cury

Emilson Fer reira Gar c i a Jun i or e Rob ér i a Nád i a Araújo Nas cimen to

129

Percepção de mídia hostil no Twitter



R afael Cardoso Samp ai o e João S en n a Tei xei ra

145 A compreensão de internet nos artigos publicados na E-Compós

L uis a Maran hão de Araújo

159 Novos parâmetros na comunicação: reflexão sobre relações comunicativas via tecnologias da informação e da comunicação

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Edien ar i Oliv eira dos An jos



175

Espaço acústico, paisagem sonora e espaço sonoro: relação de figura e fundo entre os conceitos aplicados ao estudo da teoria dos meios e do espaço



Macello Medeir os



189

Diálogos possíveis entre semiótica e iconologia: o caso dos ex-votos do Brasil e das Américas



José Cláudio Alv es de Ol i v ei ra



205

Jornalistas assessores de imprensa: a tensão entre os campos da comunicação e da informação e a configuração do processo produtivo da notícia



Giov an dr o Fer reira e Cl aud i an e Car v al h o

221

Enquadramento colaborativo: uma análise comparada do framing adotado pelos cidadãos-repórteres durante a Rio+20 no WikiNotícias e Indymedia



Yur i Almeida

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237

O enquadramento do sofrimento em notícias de violência envolvendo crianças e adolescentes: estudo de caso dos jornais Massa! e Correio



Iv an is e Hilbig de An drad e



261

A cobertura de meio ambiente pela Globo News: análise do Jornal das Dez e do Cidades e Soluções



L eila Nogueira

279

Expectativas do leitor e Newsmaking



L idian e San tos de L ima Pi n h ei r o



293

Os casos de homofobia no Estadão.com: uma análise do enquadramento noticioso



Mar ian a Guedes Con de

311

Sobre os autores

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A p r e s e n ta ç ã o

Esta coletânea de artigos contém os textos apresentados no Colóquio Internacional Teorias dos Meios de Comunicação no Brasil e no Canadá, realizado na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, entre os dias 22 e 26 de outubro de 2012. O encontro reuniu pesquisadores brasileiros do projeto Teorias da Comunicação (TeCOM), financiado pelo Programa Nacional de Cooperação Acadêmica através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e que abrange a Universidade Federal da Bahia, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a Universidade de Brasília e a Universidade de Sorocaba, em parceria com pesquisadores do Doutorado Conjunto em Comunicação de três universidades canadenses: Université de Montréal, Univesisté du Québéc à Montréal e Concordia Univesity. A diversidade de temas, opiniões e pontos de vista aqui expressos reflete um dos objetivos do encontro, que foi o de conhecer as tendências atuais presentes nos trabalhos realizados nos dois extremos do continente americano. O Canadá é um dos raros países a serem reconhecidos por terem desenvolvido uma tradição própria de pesquisas em comunicação. A chamada Escola de Toronto – da qual Harold Innis e Marshall McLuhan são os mais ilustres representantes – é, sem dúvida, uma das grandes contribuições ao pensamento comunicacional, e boa parte dos textos aqui reunidos retomam e renovam esta tradição. Mas o Canadá também tem, evidentemente, outras correntes de pensamento, e os dois volumes da presente publicação esperam poder contribuir para sua divulgação. Além do valor intrínseco de cada texto, o contraponto com os pesquisadores brasileiros permite contrastar e melhor entender algumas linhas de rupturas e continuidades da pesquisa em comunicação desenvolvida nestes dois países.

Lui z C la ud i o Ma r t i no



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Ensaio sobre a identidade das ciências da comunicação e da informação Juçara Gorski Br ittes Lorena Rúbia Pereira Caminhas

Introdução

Delimitar as fronteiras entra as ciências da informação e da comunicação é um tema de estudos recorrente e assim deverá permanecer, uma vez que os limites teórico-epistemológicos destes segmentos se encontram em constante mutação, acentuadas em momentos de ruptura como o que presenciamos ao delinear-se uma civilização agregada pela informação e pelo conhecimento. A ausência de consenso a este respeito parece conduzir ao entendimento



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destes campos como objetos de estudo à procura de legitimação acadêmica, a percebê-los em estágio embrionário e a confundir a interdisciplinaridade que os constitui com desordem. Leva, principalmente, a disputas pela propriedade dos conteúdos produzidos sob tais rubricas, contenda semelhante e igualmente acirrada à que regulamenta as profissões gestadas e gestantes nos casulos da norma que as oficializa ou as rechaça. O alinhamento a esta ou aquela tendência, a procura pela definição de traços identitários viria a atender, se examinarmos por outro ângulo, a necessidade humana de identificação com seus pares, de amadurecer elos de pertencimento a partir das múltiplas experiências no mundo vivido. O presente texto não apresenta soluções para tais inquietudes. Apenas compartilha anotações de leituras realizadas com o intuito de “reconhecer o terreno”, uma espécie de etnografia inicial dos principais elementos constitutivos deste campo, no singular, pelo enfoque panorâmico a ele endereçado. Acrescenta resultados da pesquisa realizada no Espírito Santo, entre 2004 e 2008, no âmbito do projeto denominado Pensamento Comunicacional (Pensacom–ES) já encerrado. A questão motivadora do trabalho perguntou como estas ciências (no plural) vêm sendo plasmadas em um ambiente acadêmico específico. Foi realizada com a participação de professores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes),1 com formação em comunicação social e tecnologia da informação, e contou com a participação de vários projetos de iniciação científica. Atualmente estende-se para Minas Gerais, tendo a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) como ponto de partida.

Identidade

Os estudos sobre a identidade dos campos acadêmicos têm seguido vários caminhos, de certo modo, todos contribuintes da epistemologia, entre eles o da história, para perceber as configurações que a linha do tempo vai desenhando no acervo de conhecimentos gerados, ou na expertise profissional acumulada. Outro é o da produção de conteúdos, capaz de testemunhar as escolhas daqueles que se ocupam do tema. Os dois recortes são sujeitos a classificações 1

Prof. Dr. Attílio Provedel, Prof. Dr. Elias Oliveira, Prof.ª Drª. Desirée Cipriano.

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– que tem se mostrado método prático para organizar o pensamento e regular o convívio dos sujeitos envolvidos, a despeito da arbitrariedade que possa encerrar. Para abordar o tema da classificação, entendemos ser indispensável declarar nossa concordância com as críticas de Peter Burke (2003, p. 11), cujas ideias a este respeito resumimos aqui, rapidamente. Ele defende que qualquer sistema de classificação é arbitrário quando visto de fora e, quando observado de perto, revela compartimentos desenhados pela ordem dominante, a qual pode estar “[...] centrada no caráter público ou privado da informação e de sua natureza mercantil ou social”. Historicamente as classificações se modificam incessantemente obedecendo a distintos enfoques, sendo o antropológico um exemplo interessante por estar descolado das propostas convencionais. Vamos encontrar aí variedades inesgotáveis de ordenamentos, em geral obtidos por oposições tais como entre o teórico e o prático; filosófico, científico e empírico; legítimo e proibido; civilizado e selvagem; cru e cozido. As metáforas indicativas dos grupos de conhecimento, construídas ao longo do tempo, são verdadeiras peças arqueológicas, reveladoras de culturas, ideologias e civilizações. A denominação emprestada do segmento fundiário – campo, área – “evoca estudiosos–camponeses defendendo seus territórios intelectuais da invasão dos seus vizinhos disciplinares”. A referência a árvores, seus galhos e ramos, utilizada há centenas de anos, remete à naturalização das categorias do conhecimento, condenando o que não se encaixa na classificação como antinatural, portanto, fora de propósito. Os vários reinos e domínios indicam territórios privados a serem defendidos, como escreve Burke: ‘[...] pensar em termos de árvore sugere uma distinção entre o dominante e o subordinado, tronco e galhos’. Lúlio e Gilhausen seguiram a metáfora até raízes, brotos, flores e frutos. A imagem da árvore ilustra um fenômeno central em história cultural - a naturalização do convencional, ou a apresentação da cultura como se fosse natureza, da invenção como se fosse descoberta. Isso equivale a negar que os grupos sociais sejam responsáveis pelas classificações, assim sustentando a reprodução cultural e resistindo a tentativas de inovação. (BURKE, 2003, p. 82-83, grifo nosso)

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Figura 1 - Arbor Scientiae – de R. Lúlio

Fonte: BURKE, 2003, p. 83.

Igualmente pertinente são as advertências de Armando Malheiro da Silva (2006, p. 99), como podemos observar a seguir: A abordagem científica do social e do humano suporta bem a coexistência prolongada de diferentes modos de ver (perspectivar o exercício da cientificidade e o respectivo objecto), de diferentes paradigmas, podendo a regra reguladora desta coexistência consistir na busca de uma síntese e não na substituição exclusivista e conflitante de um paradigma por outro. E quando ocorre a prevalência efectiva de um paradigma ou dos seus principais traços constitutivos, isso resulta mais da forma eficaz como ele emerge ou converge com uma práxis, do que da aferição lógica ou demonstrativa dos potenciais melhores resultados que ele, previsivelmente, propor-

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ciona, no plano teórico, ou seja, no espaço circular dos ‘colégios invisíveis’, das reuniões científicas, dos centros de pesquisa, dos circuitos editoriais e das salas de aula universitárias, em detrimento de outro(s) paradigma(s).

Com tais cuidados é que procuramos entender o debate a respeito das ciências da informação e da comunicação. Não se encontra consenso sequer a respeito da acepção dos vocábulos componentes da denominação, os quais poderiam indicar afinidades e serventias específicas. Porém, neste trabalho não buscamos consensos, mas entender como se constituem esses dois campos do conhecimento, assim separadas em obediência à classificação oficial brasileira, determinante da clássica divisão dos cursos vinculados a estes segmentos, pelo Ministério da Educação, desde os anos 1970, quando implantados no país. A academia brasileira se pauta pela tabela de áreas do conhecimento adotada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),2 e segundo a qual: [...] a classificação tem finalidade eminentemente prática, objetivando proporcionar aos órgãos que atuam em ciência e tecnologia uma maneira ágil e funcional de agregar suas informações. A classificação permite, primordialmente, sistematizar informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico, especialmente aquelas concernentes a projetos de pesquisa e recursos humanos. (CAPES, 2012)

O ordenamento original das áreas do conhecimento apresenta uma hierarquização em quatro níveis, que vão do mais geral aos mais específicos, abrangendo oito grandes áreas (aglomeração de diversas áreas em virtude de seus objetivos, métodos cognitivos e recursos instrumentais refletindo contextos sociopolíticos específicos). Envolve 76 áreas (conjunto de conhecimentos inter-relacionados, coletivamente construído, reunido segundo a natureza do 2 O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) adota outro sistema classificatório, disponível em: . A Capes e o CNPq são agências de fomento vinculadas ao Ministério da Educação e da Ciência e Tecnologia, respectivamente.

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objeto de investigação com finalidades de ensino, pesquisa e aplicações práticas) e 340 subáreas (segmentação da área do conhecimento estabelecida em função do objeto de estudo e de procedimentos metodológicos reconhecidos e amplamente utilizados). A estas se subordinam especialidades ou a caracterização temática da atividade de pesquisa e ensino. Uma mesma especialidade pode ser enquadrada em diferentes grandes áreas, áreas e subáreas. Em 2008 foi agregada oficialmente a Grande Área Multidisciplinar e, dentro dela, as seguintes áreas: interdisciplinar, ensino de ciências e matemática e de materiais e biotecnologia. Além disso, criou dentro da área interdisciplinar, as subáreas meio-ambiente e agrárias; engenharia/tecnologia/gestão; saúde e biológicas e sociais e humanidades. De acordo com esta classificação, as ciências da informação e da comunicação encontram-se na subárea das ciências sociais aplicadas, na qualidade de áreas de estudo, junto com direito, administração, economia, arquitetura e urbanismo, planejamento urbano e regional, demografia, museologia, serviço social, economia doméstica, desenho industrial e turismo. A elas vinculam-se as respectivas subáreas, relacionadas abaixo. As especializações, de modo geral, aparecem quando do registro de projetos de pesquisa e conferem liberdade classificatória aos autores dos conteúdos. Grande área: ciências sociais aplicadas Área: ciências da informação Subáreas: teoria da informação teoria geral da informação processos da comunicação representação da informação biblioteconomia teoria da classificação métodos quantitativos, bibliometria técnicas de recuperação de informação processos de disseminação da informação arquivologia organização de arquivos

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Grande área: ciências sociais aplicadas Área: comunicação Subáreas: teoria da comunicação jornalismo e editoração teoria e ética do jornalismo organização editorial de jornais organização comercial de jornais jornalismo especializado (comunitário, rural, empresarial e científico) rádio e televisão radiodifusão videodifusão relações públicas e propaganda comunicação visual programação visual desenho de produto Observamos que a classificação acadêmica comporta termos indicativos das atividades profissionais decorrentes dos conhecimentos agrupados nas diferentes áreas. Demonstra, de certo modo, a pertinência das afirmações de Armando Malheiro da Silva, citado em parágrafos anteriores, a respeito da complementaridade entre scientiae e praxis. Mesmo sem termos efetuado investigação sistematizada, a experiência no ensino nas duas áreas3 permite afirmar que as ementas correspondentes às especialidades elencadas encerram conteúdos práticos e profissionalizantes, se assim podemos dizer. Em paralelo à classificação oficial, que admite sua finalidade burocrática, há outros desenhos de ordenamento, sobre os quais também não há consenso, a começar pela denominação da área. José Marques de Melo (1998), por exemplo, entende que ocorrem opções terminológicas a partir de influências norte-americanas e francesas, a respeito das temáticas em tela. A norte-americana opta pela denominação “ciências da comunicação” e a fran3 A autora atuou como docente nos cursos de comunicação social e ciências da informação na Universidade Federal do Espírito Santo. O último curso foi dividido em arquivologia e biblioteconomia.

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cesa por “ciência da informação”. De sua parte propõem três grupos distintos de subáreas, sob a rubrica de ciências da informação. São elas: as ciências da informação individual e grupal, que estuda o processo da informação; as ciências da informação coletiva, onde estariam o jornalismo, a propaganda e as ciências do lazer (cinema, programas televisivos etc.); a seguir indica as ciências fontes da informação, compreendendo os estudos da recuperação e do reaproveitamento das informações, transmitidas para a constituição das fontes, subdivididas, a seu turno, nas seguintes especializações: documentação, estatística e cibernética. A proposta de Melo, em nossa opinião, contempla tanto os conhecimentos tradicionais quanto os que estão sendo gerados na esteira das tecnologias da informação e da comunicação (TICs). Elas englobam tanto a produção de conteúdos digitais de áudio, vídeo, texto e dados, quanto sua catalogação e armazenamento.

A comunicação

Breton e Proulx (2002), ao se perguntarem se as ciências da comunicação existem, buscam resposta entre as diferentes maneiras pela qual elas são tomadas como objeto de estudos. Distinguem, neste trabalho de esclarecimento, quatro áreas conceitualmente separadas, sendo duas técnicas, que compreendem ao mesmo tempo saberes e práticas, e outras duas mais alinhadas à ciência. Na primeira está o setor dos praticantes da comunicação argumentativa, onde se encontram jornalistas, consultores e os serviços de comunicação. Ao lado deste está o setor dos praticantes das técnicas da comunicação física, ou seja, os engenheiros de telecomunicações, de redes, de rádio e de televisão. As outras duas áreas identificadas são a que estudam as realidades físicas e matemáticas das comunicações e a que investiga os fenômenos sociais e humanos, associados à comunicação. Esta última recorre a diferentes áreas das ciências sociais e humanas, desde a psicologia até a antropologia, da sociologia à economia, entre outras. Apenas as duas últimas podem reivindicar o estatuto de ciências da comunicação, no sentido de instâncias de produção de conhecimento por si mesmas, embora estes mesmos conhecimentos

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sejam reintroduzidos nos saberes técnicos, com distintos enquadramentos, escrevem os autores. Eduardo Duarte4 (2003) enfoca diversos prismas na procura do objeto das ciências da comunicação, entre eles o teórico e o empírico. Alinham-se ao primeiro os estudos dos processos que tornam comum um pensamento a um grupo que troca informações, explica o autor. No campo empírico estarão estes mesmos temas, quando semelhante discussão ontológica considera a relação com os suportes nos quais os planos cognitivos estão atrelados. O autor chama a atenção para o fato desses suportes não serem, necessariamente, objetos da mídia, os quais se diferenciam dos da comunicação pelo fato de não trazerem interfaces explícitas e inerentes com os planos cognitivos em ação. O que está sendo considerado em sua análise, adverte, não é o suporte no qual o objeto se expressa, mas a comunhão que ele permite a partir da informação divulgada. Chama atenção, ainda, para a necessidade de um redimensionamento do campo da comunicação, o que desvendaria seu caráter transdisciplinar5 a partir da zona de contato das disciplinas, uma zona fluida, mas com um campo claro de indagação sobre a realidade. É evidente que o debate acadêmico a respeito da abrangência do campo da comunicação não se esgota nestas observações. Apenas auxiliam a linha argumentativa do presente texto, que procura rememorar as principais características das ciências da informação, ao lado das ciências da comunicação, abstraindo as hierarquizações (por não considerá-las pertinentes) que porventura pareçam ocorrer. A representação da história destas duas áreas do conhecimento também ajuda a iluminar as especificidades de cada uma. Há concordância entre a

4 O capítulo assinado pelo professor Eduardo Duarte compõe a coletânea de textos organizados pela professora Maria Immacolata Vassalo de Lopes, enfocando distintas abordagens sobre a “epistemologia” da comunicação, a qual considero entre as mais importantes no caminho da busca de identidade deste segmento do conhecimento contemporâneo. 5 Há que se tomar o cuidado de observar a abrangência das expressões indicativas dessa espécie de amálgama entre diferentes disciplinas, conforme nos adverte Armando Malheiro da Silva (2006). Ele observa que, para Palmade, significa a integração interna e conceitual que rompe a estrutura de cada disciplina para construir uma axiomática nova e comum a todas elas com o fim de dar uma visão unitária de um setor do saber. Inclui as reflexões de Piaget, que considera a existência de intercâmbio mútuo e integração recíproca entre várias ciências. Esta cooperação tem como resultado um enriquecimento recíproco.

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maioria dos autores que as técnicas de comunicação argumentativas são as mais antigas no âmbito da comunicação. Aqui se encontraria uma primeira fase, a da comunicação interpessoal, animada pela retórica. Com origem no século III a.C. (na Grécia) se prolongaria, conforme Marques de Melo, até o século XVIII, com o surgimento do enciclopedismo francês. A comunicação maciça sucedeu à interpessoal. Inicia no século XVII (Alemanha) com o impacto dos jornais diários na sociedade urbana. Encontra fortalecimento nos Estados Unidos, durante o século XX, com a emergência de instituições midiáticas demandando recursos humanos capacitados e conhecimentos novos destinados a neutralizar as incertezas dos investidores. Acrescentaríamos uma fase, que seria a da comunicação ciberespacial, fenômeno existente do século XX em diante, fruto da rede mundial de computadores e seus desdobramentos. Sob inspiração de Thomas Kuhn, Melo insere a comunicação na esteira das ciências em crise e, citando aquele autor, explica que “[...] reconhecer a crise é o prelúdio apropriado ao surgimento de novas teorias”, pois [...] o nascimento de uma nova teoria rompe com uma tradição de prática científica e introduz outra nova que se completa com regras diferentes e de acordo com um marco referencial também distinto [...]. (KUHN, 1995 apud MELO, 1998, p. 108)

Sob tais argumentos, Marques de Melo encontra nas ciências da comunicação cinco grupos de disciplinas: 1) artes – linguagens e estilos, formatos e tendências (estética, artes plásticas e literaturas); 2) humanidades – reflexões e especulações sobre a natureza e impactos sociais (filosofia da comunicação, pedagogia, história da comunicação, entre outras); 3) tecnologias – suportes que permitem a difusão das mensagens (imprensa, telecomunicações, informática); 4) ciências sociais – análises sobre os fatores que determinam os atos comunicacionais e seus reflexos no organismo social (da sociolo-

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gia da comunicação à antropologia da comunicação, passando pela ciência política aplicada à comunicação, que pode ser a comunicação política ou as políticas da comunicação e pela psicologia da comunicação – na vertente da opinião pública ou do imaginário coletivo); 5) conhecimento midiológico – saberes acumulados no interior das corporações profissionais e das agências produtoras de bens midiáticos, que fazem a simbiose entre as práticas legitimadas pela aplicação cotidiana e as invenções advindas das universidades ou dos centros de pesquisa que prestam serviços especializados. Aqui estariam o jornalismo, a publicidade, as relações públicas, a bibliologia, a hemerografia, a cinematografia, o radialismo, a teledifusão, o entretenimento, a cibermídia etc. O caminho histórico revelado por Breton e Proulx (2003) acompanha o surgimento de diferentes técnicas de comunicação, a começar pela retórica, que se renovaria com as técnicas modernas da publicidade e da propaganda. Na sequência, identificam as técnicas da comunicação física e matemática e, só mais adiante, o conjunto comporia as ciências da comunicação humana e social. Estes autores consideram a cibernética dos anos 40 uma espécie de big bang para o conjunto das áreas que tratam da comunicação e indicam três grandes imperativos estruturantes: 1) O primeiro consiste em separar claramente ciência e técnica, a ser estritamente respeitado no caso das ciências sociais e humanas da comunicação e, em menor escala, em suas vertentes físicas e matemáticas; 2) O segundo imperativo consiste em distinguir ciência de ideologia, assim expresso: O fato de que a ideologia da comunicação tenha nascido das ciências em si, e de que a noção de comunicação tenha deixado o quadro de referência científica para se tornar um valor social não

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facilita a tarefa. Ceder hoje à tentação de acreditar que ‘tudo é comunicação’ situa as ciências da comunicação na posição insustentável de ser a ciência de tudo. (BRETON; PROULX, 2002, p. 273)

3) O terceiro imperativo é a renúncia a qualquer teoria geral unitária. Isso implica o desenvolvimento de pesquisas, de estudos de campo, que serviriam de bases para possíveis comparações e de eventuais generalizações.

A c i ê n c ia d a i n f o r m a ç ã o

Encontramos em Silva e Ribeiro (2002) uma farta revisão a respeito da constituição da ciência da informação, segmento que, assim como o da comunicação, agita debates acadêmicos em busca de identidade. Tomamos a liberdade de emprestar dos autores lusitanos o apanhado cronológico que segue. Os antecedentes das Ciências da Informação (CI) estariam na documentação, a qual tem suas raízes na biblioteconomia. Jessé Shera (1977 apud SILVA; RIBEIRO, 2002) indica dois episódios como alavancadores da documentação e da biblioteconomia. O primeiro situa-se no final do século XV, quando Johann Tritheim compilou o Líber Scriptoribus Ecclesiastics y el Catalogus Illustrium Virorum Germanae. Meio século mais tarde, novo impulso seria dado por Konrad Gesner, com a edição da Bibliotheca Universalis, primeira tentativa de uma bibliografia universal. Outros estudos indicam que as raízes podem situar-se nos finais do século XIX, quando começam a firmar-se algumas disciplinas voltadas para a informação. A tendência é considerar que, embora oficialmente nascida após a Segunda Guerra Mundial, as suas origens remontam o final dos oitocentos. Nesta época teriam surgido os conceitos-chave fundamentadores do estudo e da pesquisa em CI, assim como a atividade técnico-profissional que lhe é inerente. Estes nascem da perspectiva delineada e posta em prática por Paul Otlet – a partir da criação de um sistema de classificação para o universo do conhecimento (Classificação Decimal Universal). O sistema toma por base a classificação criada em 1876, por Melvil Dewey, no âmbito do Instituto

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Internacional de Bibliografia (IIB), fundado por ele próprio e por Henri de La Fontaine, em 1895. O IIB mudou sua razão social, em 1931 para Instituto Internacional de Documentação e, em 1938, passou a denominar-se Federação Internacional de Documentação (FID). O Répertoire bibliographique universel foi a primeira expressão material desse catálogo, produzido em fichas, que progressivamente foi sendo alimentado por referências bibliográficas vindas de todas as partes do mundo, a ponto de o governo belga ter patrocinado a criação de um centro bibliográfico no Palais Mondial, para o armazenamento e a disseminação do conhecimento – projeto denominado Mundaneum. Já a documentação, como nova área disciplinar, desenvolve-se principalmente depois da Segunda Guerra Mundial. Cresceu, também, através do desenvolvimento profissional, cujo marco seria a criação da Special Libraries Association (SLA), do American Documentation Institute (ADI), em 1937, congregando bibliotecários e documentalistas. Na França nascem instituições similares, (já contando, desde 1899 com o Bureau Bibliographique de France) como a Union Française des Organismes de Documentation (1932) e a Association pour le Developpement de la Lecture Publique (1936). Segundo Silva e Ribeiro (2002, p. 52), a evolução do conceito e do âmbito da documentação conduziu de forma linear ao nascimento da chamada Information Science, que teria surgido no âmbito de encontros científicos, como o Second International Congress on Information System Science (ASIS), realizado em 1962, no Estado norte-americano da Virgínia. Os autores indicam, igualmente, que “na verdade, em meados dos anos 60, a expressão estava definitivamente imposta nos Estados Unidos [...]”. (LE CODIAC apud SILVA; RIBEIRO, 2002) defende as CI como ciência com data de nascimento em 1968, com a criação da ASIS. A idade adulta seria atingida neste meio século de existência, pois contaria com uma definição do seu objeto de estudo, métodos, alguns conceitos básicos, leis fundamentais etc. Aldo Barreto (2008) atribui a Vannevar Bush o aparecimento da ciência da informação, e 1945 sua data fundadora, pela publicação do artigo apontando os problemas decorrentes do volume e do valor e da informação liberada após a Segunda Guerra Mundial. Conforme Barreto, Bush indicou uma mudança de paradigma para a área de informação em ciência e tecnologia, que

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envolvia seus profissionais, seus apetrechos de trabalho e falta de condições teóricas para embasar a organização, representação e processamento da informação para sua armazenagem e recuperação pelo usuário. Teria introduzido, também, a noção de associação de conceitos ou palavras para organização da informação, pois este seria o padrão que o cérebro humano utiliza para transformar informação em conhecimento. Ele indicou que os sistemas de classificação e indexação existentes à época eram limitativos e não intuitivos. Os processos para armazenar e recuperar informação deveriam ser operacionalizados por associação de conceitos “como nós pensamos”. A formação do profissional de informação foi considerada conservadora para a época e o aparelhamento da área incipiente. Propôs, então, a construção de uma máquina – o Memex – como utensílio tecnológico para armazenar e recuperar documentos através de associação de palavras. Bush afirma, em seus escritos, que a base teórica utilizada na construção dos sistemas de classificação da informação, além de ultrapassada, estava errada. É praticamente consensual que a informação6 constitui o objeto de estudo da CI, restando polêmica a decisão sobre a mais adequada definição deste conceito face ao escopo da natureza da CI, escrevem Silva e Ribeiro. Eles indicam, ainda, diversas posições assumidas historicamente quanto ao enquadramento científico da ciência da informação. Citando José Lopez Yepes, (1996 apud SILVA; RIBEIRO, 2002, p. 56) observam que [...] a Information Science foi considerada, de acordo com as distintas escolas norte-americanas que a praticam: 1) Como informática ou tratamento automático da informação. 2) Como informação da

6 O vocábulo informação, no âmbito dos debates a respeito das ciências da comunicação e da informação, encerra um conceito polissêmico e subjetivo, assim definida por Silva e Ribeiro: [...] enquanto texto ou conjunto de mensagens codificadas, só é objetivável pelo respectivo código (linguístico, numérico, musical, etc.) escrito ou falado, que encerra a polissemia do sentido, sendo este um campo totalmente permeável à pluralidade mental e afetiva do sujeito. Os mesmo autores, citando Rafael Capurro, escrevem: “Informação, num sentido existencial-hermenêutico, significa partilhar o mundo comum em termos temáticos e situacionais. Se questionarmos as condições que estão na base da comunicação que estabelecemos sobre o possível significado das coisas, no âmbito de horizontes específicos da compreensão, então a resposta hermenêutica é que o podemos fazer porque já partilhamos do mundo. Portanto, a informação não é um produto final e um processo de representação, ou alguma coisa que é transferida de uma mente para outra, ou, finalmente, algo separado de uma subjetividade encapotada, mas uma dimensão existencial do nosso estar-no-mundo-com-os-outros”. (SILVA; RIBEIRO, 2002, p. 67-69)

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Ciência (Science Information) e, neste sentido, sinônimo da ciência da documentação. 3) Como teoria da comunicação. 4) Como atividade de organização, em suma, dotada de objeto, métodos e campo de ação próprios.

Na tarefa de identificar as CI, Silva e Ribeiro (2002) relatam alguns projetos teórico-metodológicos, moldados por concepções epistemológicas diferenciadas, como é possível observar abaixo: 1) O empirista-positivista – criticado no domínio das ciências sociais – é a visão dominante na vertente tradicional que é biblioteconômica; 2) A concepção interdisciplinar surgida no século XX engloba uma percepção técnico-científica autônoma da biblioteconomia – mantendo com as ciências da computação, a ciência cognitiva e a comunicação, relações mais aprofundadas e significativas; 3) Haveria, ainda, uma dimensão meta-científica da CI, defendida por Márcia Bates – e tida por Silva e Ribeiro (2002, p. 66) com uma ideia de subsidiariedade: a ciência que paira para lá ou acima de todas as outras porque a todas diz respeito. Em suma, a ciência capaz de recolher e de dar às outras ciências o material de que elas precisam para avançarem na produção de seu conhecimento. Na perspectiva de Tefko Saracevic (1981 apud SILVA; RIBEIRO, 2002, p. 73), a CI é um campo de prática profissional e de indagação científica orientado para o problema da comunicação efetiva dos registros de conhecimento entre humanos – a literatura – no contexto das necessidades individuais, organizacionais e sociais para o uso da informação. O essencial seria o problema da necessidade e do uso da informação como registros de conhecimento abrangentes. Em resposta a esta demanda, a ciência da informação utiliza técnicas, procedimentos e sistemas específicos. Esta posição remete também para os campos de aplicação prática e, naturalmente, para as atividades profissionais daí decorrentes: especialistas da informação, empresários da informação e cientistas da informação, que seriam categorias congregadoras das atividades informacionais.

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Igualmente importante para cercarmos a identidade da CI, é o quadro de parcerias essenciais, ainda conforme Silva e Ribeiro (2002). São elas: 1) No setor preventivo e prático da conservação e restauro, a pesquisa é liderada por físico-químicos e biólogos no que concerne aos suportes tradicionais (pergaminho, papel, madeira) e por engenheiros mecânicos, eletroeletrônicos e da computação, no que respeita os novos suportes (filme, fotografia, microfilmagem, audiovisual e eletrônico-digital); 2) No setor da difusão e da animação da leitura pública, o papel dos professores de vários níveis de ensino (sobretudo o básico e secundário), e de educadores infantis e psicólogos é cada vez mais forte e expansivo; 3) No setor do desenvolvimento das TICs em todo o tipo de organização, a liderança dos projetos tende a ser equilibrada e conta com a participação de informáticos e sociólogos da comunicação; 4) No setor da gestão do conhecimento nas organizações ou da inteligência organizacional competitiva, o especialista em CI pode assimilar a rica experiência de gestores e teóricos da gestão. Os autores portugueses inclinam-se a concluir que a CI é uma ciência que ainda se comporta como imatura, em busca de um paradigma de sustentação da sua própria cientificidade e da abertura de horizontes para o estudo e pesquisa da área. Haveria clara articulação entre ciência e tecnologia, geradora da ciência aplicada que é uma categoria especial da atividade científica onde a CI parece se inscrever.

Produção de conteúdos acadêmicos

Um componente importante da identidade de um campo de conhecimento é a sua produção acadêmica, daí evocarmos os resultados das pesquisas desenvolvidas no âmbito do Pensacom. Um dos objetivos do projeto é a inter-

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rogação sobre o modo com que as ciências da informação e da comunicação vêm sendo desenvolvidas nas localidades estudadas. A questão emergiu do desejo de conhecer como se dá, na prática, as interconexões entre estes dois campos, diante de lacunas importantes percebidas no processo de divulgação científica. Entre as justificativas da investigação encontra-se, também, a desarticulação entre os atores envolvidos com a geração e a transmissão do conhecimento. Esta dispersão impede a circulação dos conteúdos produzidos, diante da ausência de políticas comunicativas explícitas, com vistas ao compartilhamento do conhecimento. Em nosso entendimento, desconhecer o que se produz contribui para atrasar a ultrapassagem de um certo estágio pré-paradigmático no qual as ciências em tela se encontrariam, se concordarmos com Silva e Ribeiro (2002). Os autores entendem que a superação se daria quando fosse possível comprovar sua consistência teórico-epistemológica, por meio da avaliação da produção científica desenvolvida. Partimos de duas ações iniciais: recuperar dados e tratar as informações referentes à produção acadêmica em ciências da informação e comunicação, assinada por autores vinculados7 ao Espírito Santo. Na sequência, nos encarregamos de compartilhar os conteúdos já organizados, por meio da internet, que podem ser visitados.8 Atualmente, o estudo estende-se para Minas Gerais, com novo formato.9 Na primeira ação de busca – centrada, repetimos – nas áreas temáticas comunicação e ciência da informação, constatou-se que as bibliotecas das instituições não abrigavam, necessariamente, a produção de seus docentes e discentes, comprovando a dispersão dos dados que justificava o projeto. Só no início dos anos 2000 é que testemunhamos maior esforço de organização das produções, em geral em plataforma web, principalmente por iniciativa

7

Foi preciso modelar um critério para identificar a produção e os atores objetos da investigação. Assim, produção acadêmica nas áreas de interesse é todo trabalho acadêmico assinado por autor ou autores com vínculo profissional ou residencial na localidade estudada.

8 . 9 Em parceria com a profa. dra. Nair Prata, o Pensacom MG inicia com objetivos distintos. Nesta primeira fase estamos recuperando os perfis dos professores dos cursos de comunicação (e suas especialidades) nas Instituições de Ensino Superior Federais de Minas Gerais.

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dos cursos de pós-graduação. Assim, o que entendíamos ser um trabalho praticamente braçal, passou a exigir estratégias cada vez mais criativas, apresentando um novo problema de pesquisa, referente ao método de coleta de dados. Aplicamos um roteiro de busca em várias direções, na tentativa de capturar os dados em plataformas online (Plataforma Lattes); em registros de eventos científicos (anais de congressos da área); em abordagem direta aos autores já identificados. Ainda insuficiente, pedimos a colaboração das direções das Instituições de Ensino Superior (IES), assim como passamos a divulgar a pesquisa pelos meios de comunicação (jornais) e em congressos locais. Temos, até a presente data, cerca de mil registros na base de dados, cuja classificação nos remete a reflexões de ordem epistemológica, para fugirmos de mera constatação ou organização quantitativa das informações. Os registros estão classificados por gêneros de textos acadêmicos: tese de doutorado, dissertação de mestrado, monografia de especialização, monografia de graduação e artigos científicos. Incluímos as rubricas livros/ capítulos de livro, texto jornalístico impresso e produção audiovisual, prevendo ampliar o espectro da pesquisa. Até o momento, os principais resultados correspondem a produções ao nível de pós-graduação e artigos científicos.

O ambiente

Ao estudarmos o contexto da produção em análise, entendemos o quanto estas são direcionadas pelas iniciativas institucionais. É o que a história da implantação dos cursos no Espírito Santo nos indica, e a sistematização dos dados responde. Na última década o ES, em particular sua capital Vitória, desponta no cenário acadêmico nacional, com maior vigor, por várias razões. Por um lado, o Estado comemora um novo surto de desenvolvimento, impulsionado, principalmente, pela descoberta de novas jazidas de petróleo e gás natural em território capixaba, tornando-o o segundo produtor do Brasil. Por outro, IES privadas passaram a investir na região, estimuladas tanto pela política federal de ensino superior, quanto pela prosperidade econômica local. Em consequência, o governo estadual inclui entre suas prioridades o

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desenvolvimento científico e tecnológico entre seus investimentos, criando uma secretaria para cuidar destes assuntos e instituindo a Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia do Estado do Espírito Santo (Fapes).10 As iniciativas recuperam, em parte, um atraso secular em relação aos demais estados da federação e à própria capital, que já conta com o Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia (Facitec) desde 1993. Esta conjuntura não só absorveu egressos dos cursos locais para atuar nas novas IES, como atraiu uma série de docentes de outras localidades, propiciando o surgimento de um grupo significativo de profissionais aptos à produção científica, dada a exigência de titulação dos docentes para a abertura de novos cursos. A emergência de uma sociedade global, calcada na informação e na comunicação, também impulsiona um movimento migratório do centro para a periferia – do megarregional para o microrregional e leva à tendência de estancamento do êxodo de profissionais para os grandes centros urbanos existentes no Brasil. Até bem pouco tempo a realidade capixaba era outra. A Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) é responsável pela formação das primeiras gerações locais de acadêmicos nessas áreas. Durante cerca de 2511 anos atuou como única instituição de ensino a oferecer curso superior, no caso em comunicação social, com habilitação em jornalismo e publicidade/propaganda. O curso de biblioteconomia surgiu na mesma época, junto ao Departamento de biblioteconomia, que passou a ser denominado ciências da informação em 1999, com nova graduação em arquivologia. A ideia seria implantar um novo currículo, aglutinando conhecimentos de áreas afins e transformando as duas graduações em habilitações. A iniciativa foi abortada pelo departamento que foi desdobrado em dois, adotando o nome de cada curso já existente. O crescimento na oferta de cursos de graduação no ES ocorreu, até o momento, apenas para a área de comunicação social. Passou de 1 para 26 cursos, conforme dados do Ministério de Educação (MEC) inseridos no Quadro 1. 10 A Fapes foi criada por meio da Lei Complementar nº. 290, de 23 de junho de 2004, regulamentada pelo decreto nº. 1478-R, de 14 de abril de 2005. 11 A Ufes foi criada em 1954. Os cursos de comunicação social e biblioteconomia foram implantados em 1974.

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Curso

Comunicação Social

Comunicação Social

Comunicação Social

Comunicação Social

Comunicação Social

Comunicação Social

Comunicação Social

Comunicação Social

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (1)

Tecnologia em Redes de Computadores (2)

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (1)

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (2)

Comunicação Social

Comunicação Social

Comunicação Social

Ano

1975

1998

1999

2000

2001

2001

2002

2002

2003

2003

2005

2005

2006

2007

2008

Faculdade Vale do Cricaré – F.V.C.

Faculdade de Ciências Aplicadas Sagrado Coração

Instituto de Ensino Superior e Formação Avançada de Vitória – FAVI

Faculdade Salesiana de Vitória – Unisales

Centro Universitário São Camilo – ES – CUSC

Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET/ES

Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET/ES

Faculdade Nacional-Finac

Faculdade de Comunicação Social de Guarapari – FACOM

Faculdade J. Simões Ensino Superior – Fabavi

Centro Universitário São Camilo ES – CUSC

Faculdade Novo Milênio – FNM

Faculdades Integradas São Pedro – FAESA

Centro Universitário de Vila Velha – UVV

Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

Ies

Quadro 1 – Cursos na subárea comunicação autorizados pelo MEC

São Mateus

Linhares

Vitória

Vitória

Cachoeiro do Itapemirim

Colatina

Serra

Vitória

Guarapari

Guarapari

Cachoeiro do Itapemirim

Vila Velha

Vitória

Vila Velha

Vitória

Local

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Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (2)

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (1)

Tecnologia em Comunicação e Ilustração Digital (3)

Tecnologia em Comunicação Empresarial (3)

Tecnologia em Comunicação para Web (3)

Tecnologia em Multimídia (3)

Tecnologia em Redes de Computadores (2)

Tecnologia em Gestão da Tecnologia da Informação (2)

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (2)

Tecnologia em Multimídia (3)

2008

2008

2009

2009

2009

2009

2009

autorizada

autorizada

autorizada

Ies

Instituto de Ensino Superior e Formação Avançada de Vitória – FAVI

Faculdade Norte Capixaba São Mateus – Famat

Faculdades Integradas São Pedro-Faesa

Faculdade de Ciências Aplicadas Sagrado Coração

Instituto de Ensino Superior e Formação Avançada de Vitória – FAVI

Instituto de Ensino Superior e Formação Avançada de Vitória – FAVI

Instituto de Ensino Superior e Formação Avançada de Vitória – FAVI

Instituto de Ensino Superior e Formação Avançada de Vitória – FAVI

Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET/ES

Faculdade Vale do Cricaré – F.V.C.

Vitória

São Mateus

Vitória

Linhares

Vitória

Vitória

Linhares

Vitória

Vitória

São Mateus

Local

Continuação

(1) Agrupamento de áreas profissionais: informática e telecomunicações; (2) Eixo tecnológico: comunicação e informação; 3) Área profissional: comunicação. Fonte: INEP.

Curso

Ano

Quadro 1 – Cursos na subárea comunicação autorizados pelo MEC

Destes, a maioria concentra-se na região da Grande Vitória, e o crescimento ocorre, na totalidade, por iniciativa privada. Não registramos o aparecimento de novo curso vinculado à CI em seu formato convencional – biblioteconomia e arquivologia. Observa-se que a estatística elaborada pelo MEC indica cursos de comunicação social, nas habilitações jornalismo e publicidade e propaganda até 2002. Já de 2003 a 2005, acentuando-se a partir do ano seguinte, uma nova subárea passa a figurar no quadro de classificação do Ministério, agregando ao elenco de especialidades da área, as tecnologias e novas atividades comunicacionais. Cite-se análise e desenvolvimento de sistemas, comunicação e ilustração digital, comunicação empresarial, comunicação para a web, multimídia, redes de computadores e gestão da tecnologia da informação. É possível prever que haverá um forte incremento na produção acadêmica na subárea tecnologias da informação e da comunicação, tendência que já vem ocorrendo se observados os temas das teses e dissertações, sobre as quais nos referiremos mais adiante. Na ausência de programas de pós-graduação no segmento até o limiar do século XXI, a Ufes qualificou seus professores em cursos localizados nos grandes centros nacionais, mediante projetos de qualificação de docentes do governo federal. A procura maior foi pelos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. O mapeamento da produção em nível de mestrado e doutorado mostra claramente esta tendência, indicando vínculos esporádicos com outros estados.12 A partir de 2000, com aumento significativo em 2005, as produções de teses de doutoramento e dissertações de mestrado, na temática de interesse deste texto, passam a realizar-se na Ufes, nos seguintes cursos: educação, informática, economia, psicologia, saúde coletiva, história, letras e serviço social. Mesmo que a maioria dos atores tenha preferido titular-se localmente, a procura por IES paulistas e cariocas mantém-se forte até 2005, pelo menos. O tratamento dos registros na base de dados do projeto Pensacom, referentes a teses de doutorado e dissertações de mestrado observados conforme a área do programa que lhe deu origem, indica vínculos com cinco áreas do 12 Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Distrito Federal.

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conhecimento. Pela ordem temos ciências sociais aplicadas (41,15%), humanas (25,5%), exatas (22,2%), linguística, letras e artes (4,4%) e ciências da saúde (3%). A contextualização dos dados nos permite fazer outras inferências. A oferta de cursos de pós-graduação em ciências humanas é que tem estimulado a produção com este enfoque. O principal é o da educação, uma vez que capacita os egressos a preencher as novas vagas disponíveis no mercado pelo incremento de cursos de graduação. Foi possível observar, ainda, a tendência à estagnação dos segmentos biblioteconomia e arquivologia – classificados oficialmente como subáreas da ciência da informação. Encontramos nestas rubricas o menor percentual de trabalhos, empatando com os realizados por alunos das ciências da saúde. Gráfico 1 - Áreas do conhecimento

 

Constata-se, pois, a multidisciplinaridade que caracteriza este segmento e a forte inserção de estudos de origem tecnológica, com o terceiro maior percentual encontrado. Esta presença fica comprovada ao ser observada à luz de análise socioterritorial, onde aparecem cursos novos aprovados pelo MEC, na subárea comunicação social, grande parte deles trazendo as TICs para este campo (Gráfico 1).

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A classificação por tema das teses de doutorado e dissertações de mestrado foi realizada considerando-se, primeiro, o instrumental teórico-metodológico predominante, associando-o a uma área do conhecimento. Na sequência, verificamos as subáreas e os assuntos (especialidades) sobre os quais os estudos foram aplicados. A análise não leva em conta o programa ao qual o texto está vinculado. Gráfico 2 - Predominância temática

O Gráfico 2 indica que a predominância temática recai sobre a comunicação social, com 58% das incidências, e pelas tecnologias da informação e da comunicação, na perspectiva das ciências da computação (23%). A seguir aparecem assuntos ligados à biblioteconomia (7%), educação (5,5%) e linguística, letras e artes (4,4%). A maioria das teses e dissertações versam sobre jornalismo, com 24% dos temas, abordando, preferencialmente, suas conexões com a economia e a história. Mais de 13% dos assuntos nesta subárea tratam de comunicação organizacional. O audiovisual é outro assunto de destaque (7,5%) nas modalidades fotografia, cinema e vídeo. Neste mesmo patamar realizaram-se estudos sobre a imprensa, com preferência na análise de discurso. Com percentual de 5,6% temos televisão e telejornalismo; políticas de comunicação; direito à comunicação e publicidade e propaganda. Este último em suas co-

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nexões com educação. Com percentual igual estão assuntos inspirados pela internet, tais como esfera pública, relações sociais, comunicação pública e construção de subjetividades. Gráfico 3 - Temática de teses e dissertações

fotografia; cinema e vídeo audiovisual

TV e telejornalismo; políticas de comunicação; direito à comunicação e publicidade e propaganda

esfera pública, relações sociais, comunicação pública e construção de subjetividades e internet

Consideramos embrionária nossa análise sobre a produção no âmbito das ciências da computação. Elas foram ordenadas na série tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e registradas segundo as palavras-chave e resumos dos textos. O Quadro 2 demonstra que, a rigor, 90% dos trabalhos poderiam alinhar-se no segmento tratamento de dados, mas optamos por demonstrar a variedade e a riqueza dos enfoques. No total, representam 23% do acervo de teses e dissertações registradas no Pensacom. Mais de 34% deles estudam modelos tecnológicos de recuperação de informações.

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Quadro 2 - Quantidade de trabalhos por subárea Subárea X Assunto

Quantidade de Trabalhos

TICs/banco de dados

1

TICs/biblioteca digital

1

TICs/biblioteca virtual

1

TICs/classificação automática

1

TICs/comunicação virtual

1

TICs/educação/pedagogia

1

TICs/gerenciamento da informação

1

TICs/logística empresarial

1

TICs/recuperação da Informação

8

TICs/recuperação da Informação virtual

1

TICs/rede de comunicação de dados

1

TICs/rede de Informática

1

TICs/seleção de material

1

TICs/subjetividade

1

Gráfico 4 - Âmbito da ciência da informação (TICs)

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Mesmo encontrando um número maior de trabalhos realizados no programa de pós-graduação em educação, o assunto vai aparecer com menor frequência, com (5,5%) do total registrado até a presente data. Os enfoques dados são radialismo, jornalismo, ética e TV Universitária.13 Enquadramos 5,5% das contribuições na rubrica gêneros textuais, para designar estudos com instrumental teórico advindo da linguística. Percebemos que foram alinhadas como semiótica, mas entendemos esta palavra, a partir da análise das produções, estas foram enfocadas mais em seu sentido metodológico do que temático. Elas tratam da implicação de textos e linguagens com a subjetividade das formas de comunicação humanas. As monografias de especialização foram estudadas em 2005. São apenas 46 registros, cujos temas são de natureza pragmática: enfocam rotinas de trabalho em assessorias de comunicação, os quais coincidem, em geral, com a linha de estudos dos cursos oferecidos. Tratam-se de cursos privados, não regulares. O site insere cerca de 500 trabalhos de conclusão de curso, frutos de subprojetos de pesquisa de iniciação científica que não estão analisados neste artigo por se encontrarem em fase inicial de coleta de dados. Podemos adiantar, no entanto, que é neste nível que aparecerão estudos em biblioteconomia e arquivologia em maior número.

C o n s i d e r a ç õ e s f i n ai s

Os resultados da pesquisa de campo, observados à luz da conjuntura socioeconômica local, nos informam a respeito do cenário acadêmico produtivo em comunicação social e ciência da informação no Espírito Santo, dos quais destacamos dois dados de maior relevância. Um é o fortalecimento da área comunicação social, por meio da implantação de 24 novos cursos na região, absorvendo conhecimentos do âmbito das tecnologias da informação e da comunicação. O outro se refere à visível legitimação da fusão entre estudos

13 Advertimos que para efeito de algumas análises, a temática educação pode ser classificada como educomunicação, nome sugerido pelo pesquisador Ismar Soares (USP) para designar as modalidades de ensino que utilizam os meios de comunicação como suporte de conteúdos.

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advindos das humanidades com os tecnológicos na conformação deste campo do conhecimento. Eles aparecem com as últimas autorizações de cursos no Estado, assim como pelo interesse em temas ligados a plataformas comunicativas por alunos dos programas de pós-graduação vinculados a outras áreas. Muito tímidos em nível de pós-graduação, estudos centrados na biblioteconomia e arquivologia, em sua maioria, são realizados em nível de graduação, na forma de monografias e, atualmente, pequenos artigos. Tais constatações sugerem um descompasso entre as classificações convencionais dos dois campos do conhecimento, tidos oficialmente como áreas das ciências sociais aplicadas. A produção de conteúdos acadêmicos recolhida na condição de amostra não se encaixa totalmente nos escaninhos reservados para cada um deles, dada a multiplicidade temática encontrada e a originalidade verificada nos cruzamentos entre campos distintos, não previstos nas classificações burocráticas. Revela, porém, a expansão de horizontes pela fusão harmoniosa e colaborativa de múltiplos conhecimentos. Ironicamente, os conteúdos são gerados em cursos que se desconhecem apesar de fazer parte de uma mesma instituição, representando um desperdício de energia humana e de recursos materiais. Este afastamento pôde ser constatado na leitura (ainda que não sistematizada) do referencial bibliográfico das produções analisadas. Não há citações recíprocas, por exemplo. Significa que as produções não levam em conta o estoque local de conhecimento.

R e f e r ê n c ia s BARRETO, Aldo de Albuquerque. Uma quase história da ciência da informação. DataGramaZero, v. 9, n. 2, abr. 2008. BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Tabela de áreas de conhecimento. 2012. Disponível em: . Acesso em: jul. 2013.

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DUARTE, Eduardo. Por uma epistemologia da comunicação. In: LOPES, Maria Immacolata Vassalo de (Org.). Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003. p. 41-54. INEP – INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS ANÍSIO TEIXEIRA. Disponível em: . Acesso em: 29 jan. 2009. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1995. LOPES, Maria Immacolata Vassalo de (Org.). Epistemologia da comunicação. São Paulo: Loyola, 2003. MELO, José Marques de. Teoria da comunicação: paradigmas latinoamericanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. SILVA, Armando Malheiro da. A informação: da compreensão do fenómeno e construção do objecto científico. Porto: Cetac.com /Afrontamento, 2006. SILVA, Armando Malheiro; RIBEIRO, Fernanda. Das “ciências” da documentação à ciência da informação: ensaio epistemológico para um novo modelo curricular. Porto: Afrontamento, 2002.

Ensaio sobre a identidade das ciências da comunicação e da informação—

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Repensando o arcabouço teóricometodológico na construção da cidadania pelo viés da análise do discurso Giovandro Fer reira Clar issa Viana Matos Moura

Introdução

Desde 2008, no interior do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania (CCDC), um grupo de pesquisadores da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom-UFBA) tem se dedicado à pesquisa de



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violação dos Direitos Humanos em programas de telejornalismo e de jornais impressos do Estado da Bahia. Tal pesquisa tem, de um lado, o objetivo de fornecer dados e evidências ao Ministério Público sobre tais violações, esperando (e pressionando) que essa instância pública adote medidas, como, por exemplo, o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e, de outro lado, busca-se também, com o resultado da pesquisa, realizar um trabalho de mobilização junto às lideranças dos movimentos sociais. A partir deste universo de atividades do CCDC, nos concentramos nas opções teórico-metodológicas adotadas, ao longo desses últimos cinco anos, no interior das pesquisas de telejornais e de jornais impressos. Buscamos pensar a cidadania e a comunicação pela análise do discurso, mas também repensar aspectos da análise do discurso a partir da articulação comunicação e cidadania. O nosso trabalho parte do pressuposto que se pode obter opções consistentes, no âmbito das abordagens oferecidas pelo mercado teórico-metodológico do domínio da análise do discurso, fazendo avançar a edificação da cidadania pela comunicação, na tensão dada ao conceito de enunciação além do material verbal e sem recorrer ao conceito arrastão de ideologia. Os estudos buscam posicionar as tramas da enunciação a partir de objetos bem diferentes desses edificados pelos linguistas, cujos funcionamentos discursivos socialmente pertinentes vão atravessar a matéria linguística, indiferentes às fronteiras de sintaxe, semântica e pragmática. O acompanhamento analítico do desenvolvimento do conceito de dispositivo de enunciação nos estudos de comunicação (no seu bojo, o surgimento do conceito de circulação) pode possibilitar uma análise bem apurada de cobertura jornalística sobre a violação dos direitos humanos. Em contrapartida, ressalta os limites de estudos do discurso orientados pela ilusão de um “além da frase”, um desdobramento do objeto dos linguistas monopolizado pelo material verbal do discurso, que no contexto contemporâneo, aparenta fornecer um forte vetor na edificação de certa Análise Crítica do Discurso (ACD) que, de um lado, demonstra uma certa “irreverência política” e, de outro, um conservadorismo ou acomodação metodológica. Nosso trabalho está dividido em dois momentos: no primeiro, será realizada uma breve discussão sobre o conceito de acontecimento, utiliza-

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do nas atividades de pesquisa realizadas pelo CCDC que têm como mote o monitoramento e a mobilização; no segundo, serão demonstradas as opções metodológicas adotadas, a partir de sua aplicação em um caso específico – o New Hit – que se destacou no monitoramento realizado em 2012.

A c o n s t r u ç ã o d o a c o n t e c i m e n t o e a v i o l ê n c ia c o m o e s p e tá c u l o

Outro conceito rico para os estudos de comunicação e cidadania é o de acontecimento. Dentro do trabalho desenvolvido pelo CCDC, nos deparamos com uma série de fatos violentos que são convertidos em acontecimento midiático a partir de uma narrativa espetacularizada da violência. São os mecanismos de construção do sentido desses acontecimentos que são nosso foco. Dentro de um modelo de indústria de informação e entretenimento, inserido num ambiente de concorrência, os jornalistas e as empresas de comunicação buscam produzir notícias que sejam capazes de captar o máximo de atenção do público e, ao mesmo tempo, demonstrar sua capacidade de apresentar e explicar os acontecimentos. O contrato de comunicação midiática pressupõe um espaço de estratégias – que consiste em diferenciar-se dos concorrentes – e de limitação. É no espaço de estratégias que a espetacularização do acontecimento está inscrita – ou da conversão da violência em espetáculo midiático. O espetáculo, segundo Kellner (2001, p. 5) corresponde aos “[...] fenômenos da cultura da mídia que representam os valores básicos da sociedade contemporânea”. Diferente de Debord (1997), que considera o espetáculo como elemento principal de organização da sociedade de consumo, o autor busca identificar os espetáculos específicos que podem servir como objeto de análise para entender a sociedade e a cultura norte-americana atual. Nesse sentido, são fenômenos que [...] determinam o comportamento dos indivíduos e dramatizam suas controvérsias e lutas, tanto quanto seus modelos para a solução de conflitos. Eles incluem extravagâncias da mídia, eventos esportivos, fatos políticos e acontecimentos que chamam muito a atenção, os quais denominamos notícia – fenômenos que têm

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se submetido à lógica do espetáculo e à compactação na era do sensacionalismo da mídia, dos escândalos políticos e contestações, simulando uma guerra cultural sem fim e o fenômeno atual da Guerra do Terror. (KELLNER, 2001, p. 5)

Consideramos como acontecimento midiático fenômenos que trazem alguma modificação na rotina de produção das notícias. É um fato que ganha visibilidade e desdobramentos, em outras palavras, impõe seus modos de latência. É o assassinato (ou outro fato) que se desdobra em novas aparições na mídia – com investigação, julgamento, sentenciamento. Essas aparições se configuram numa narrativa dramatizada, capaz de apresentar novos quadros ao público. Maurice Mouillaud (2012, p. 50) formulou o conceito de dispositivo de comunicação em sua análise sobre o jornal diário. O jornal não estaria “solto no espaço”, mas envolvido no que denomina dispositivo, considerado como matriz, na qual os textos estão inscritos e os impondo uma forma específica. Os dispositivos fazem parte de uma rede de informação que se desenvolveu desde o século passado e que “[...] envolve um fluxo imaterial que está em perpétua modificação”. Os acontecimentos não são, simplesmente, interpretados a partir de uma visão hegemônica – a rede impõe ao mundo a própria forma do acontecimento. A escritura dos fatos fragmentou o discurso da imprensa em sequências curtas e heterogêneas cuja unidade não provém mais da ordem interna do discurso, mas da ordem externa da diagramação. Nos grandes jornais populares, como o Bild alemão, a página é uma rapsódia multicolorida de fait divers, apertados uns contra os outros, entre os quais perambula o olho do leitor (o dispositivo não comanda apenas a ordem dos enunciados, mas a postura do leitor). (MOUILLAUD, 2012, p. 51)

A informação é vista como uma das figuras de visibilidade. Segundo o autor (2012, p. 55), o processo de construção de uma imagem ou informação pressupõe destacar do real uma superfície, “[...] um simulacro (na linguagem estoica da percepção) que vem à frente com relação a um fundo sem imagem”.

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A visibilidade presente na construção da informação carrega também o desconhecido, em outras palavras, o invisível. “Produzir uma superfície visível induz um invisível como seu avesso (a vitrine mostra e esconde, a palavra diz e não diz)”. (MOUILLAUD, 2012, p. 57) Utilizando o conceito de enquadramento de Erving Goffman, Mouillaud (2012) descreve o processo de visibilidade em dois movimentos: delimitação do que fica de fora do quadro; e focalização, unificando uma cena. A proposta de enquadramento também é útil para a explicação da própria construção do acontecimento: o campo jornalístico detém um modelo pré-construído de acontecimento, que implica não só em critérios para a seleção dos fatos que poderão tornar-se notícia, mas também numa moldura específica para esses acontecimentos. A moldura possibilita o transporte e conservação do acontecimento, ao isolar um fragmento da experiência e separá-lo do seu contexto. A totalidade das experiências não é passível de ser capturada pelos meios de comunicação. A própria apreensão do acontecimento, nessa perspectiva, pressupõe uma fragmentação em cenas parciais. Por outro lado, o acontecimento é visto como duplamente fragmentado: “Em sua origem é extraído de uma experiência que permanece fora do texto; em sua chegada, aparece como uma informação entre outras”. (MOUILLAUD, 2012, p. 87) A mídia é tratada como uma “[...] tela onde uma comunidade se recompõe a partir do compartilhar de acontecimentos”. (MOUILLAUD, 2012, p. 88) O jornal é apenas um entre os diversos operadores sócio-simbólicos, provavelmente, o último do processo de construção do sentido até sua apreensão pelos leitores. O sentido que é construído cotidianamente é remanejado pelos leitores que o põe em circulação no ambiente cultural. O que está em jogo quando falamos de informação não é o transporte dos fatos, mas um “ciclo ininterrupto de transformações”. Para Charaudeau (2010), o acontecimento é sempre construído, o que implica dizer que ele nunca é transmitido em seu estado bruto aos leitores. O processo de construção do sentido depende do olhar que a “instância da produção” estende sobre ele e o torna inteligível. O autor analisa o acontecimento a partir de sua visão contratual da comunicação. As mídias, como todo ato de comunicação, põe em relação as instâncias de produção e de recepção.

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Inseridas num universo de concorrências, elas se veem tensionadas a captar o máximo de leitores, ouvintes e espectadores e de conquistar credibilidade. Na tensão entre os pólos de credibilidade e captação, quanto mais as mídias tendem para o primeiro, cujas exigências são as da austeridade racionalizante, menos tocam o grande público; quanto mais tendem para a captação, cujas exigências são as da imaginação dramatizante, menos credíveis serão. (CHARAUDEAU, 2010, p. 93)

O pesquisador destaca, ainda, as potencialidades do acontecimento de se tornar notícia, isto é, de ser selecionado e construído. Essa seleção e construção dependem de propriedades como “atualidade”; “socialidade”; e “imprevisibilidade”, também entendidas como os critérios jornalísticos. O potencial de atualidade do acontecimento é visto como central no contrato midiático; é capaz de guiar as escolhas temáticas e de explicar duas das principais características do discurso midiático: efemeridade e a-historicidade. Dessa forma, a partir da urgência na transmissão da informação, um acontecimento é substituído por outro – após seu fim, abre-se um vazio que precisa ser rapidamente preenchido. Ao converter-se em notícia, o acontecimento ganha uma “aparência ilusória temporal”, a partir do processo de construção de uma narrativa. Uma notícia é, por definição, efêmera. Dura tanto quanto um relâmpago, o instante de sua aparição. [...] Com efeito, a notícia só tem licença para aparecer nos organismos de informação enquanto estiver inscrita numa atualidade que se renova pelo acréscimo de pelo menos um elemento novo; além do mais, é preciso que esse elemento novo seja portador de uma forte carga de inesperado para evitar o que as mídias mais temem – e que depende da representação que têm a esse respeito –, a saber: a saturação. (CHARAUDEAU, 2010, p. 134)

Podemos identificar um processo de espetacularização da violência em toda a produção de notícia, desde a seleção dos acontecimentos – busca-se o inesperado, o espetacular – até a própria moldura que o dispositivo impõe. A construção da violência como acontecimento pressupõe três momentos: o

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do fato violento enquanto “acontecimento bruto” e sua ocorrência no “real”; a construção do seu sentido pela mídia – ou seja, sua conversão em notícia; e a construção de novos quadros, ou de novos sentidos, que correspondem a seus desdobramentos futuros – investigação, julgamento dos acusados, sentenciamento, entre outros. Ao mostrar outros enquadramentos, a mídia constrói uma narrativa espetacularizada da violência – aponta os mocinhos e os bandidos; apresentam, às vezes, de forma detalhada, todos os passos do crime – como parte da própria retórica do jornalismo de demonstrar a veridicidade do fato. Entretanto, a análise aprofundada, a apresentação das causas e das consequências da violência não fazem parte dessa narrativa – é como uma novela ou romance policial que prende a atenção do leitor com o que “está por vir”.

O caso New Hit

Nas próximas páginas, voltamos nossa atenção para um dos casos que chamaram atenção durante o monitoramento realizado pelo CCDC em 2012. O caso envolveu o estupro de duas adolescentes de 16 anos por nove integrantes da banda baiana de pagode. Buscaremos analisar, a partir da abordagem teórico-metodológica apresentada, a construção do caso New Hit enquanto acontecimento midiático, na cobertura do jornal A Tarde. Levamos em conta as diferentes matérias significantes que compõem o jornal, entretanto, damos uma atenção especial à construção do sentido através dos títulos e fotos. O nosso corpus de análise reúne matérias publicadas no período de agosto de 2012 (quando ocorreu a denúncia) a fevereiro de 2013 (julgamento da banda, posteriormente, adiado para setembro deste ano – último fato sobre o caso até o momento). Segundo os dados do Mapa da Violência, foram registrados 70.2701 atendimentos de mulheres no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), em 2011. O tipo de violência predominante é a física (44,2%), seguida de violência psicológica ou moral (20%) e sexual (12,2%). (WAISELFISZ, 2013) Destacamos os dados da violência contra a mulher como forma de demons1 Atendimentos relativos à violência doméstica, sexual e/ou outras violências.

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trar o contexto social no qual o acontecimento conhecido como caso New Hit está inserido – um cotidiano de violência vivida por milhares de mulheres. Essa violência também está presente2 no cotidiano das páginas dos jornais impressos, sobretudo, aqueles destinados às classes populares e que visam a provocar um efeito de sensação no leitor. No jornal A Tarde, especificamente, por se tratar de um veículo que segue os padrões do jornalismo “de qualidade” – ou quality paper – a construção do sentido é menos sensacional, ou mais sóbrio – e a própria violência, menos presente. Podemos, todavia, identificar um processo de espetacularização da violência no caso New Hit, como veremos abaixo. Em outras palavras, o caso New Hit é construído enquanto acontecimento midiático de forma espetacularizada. Gráfico 1 – Agendamento do caso New Hit nos jornais A Tarde e Correio*

Em seis meses, no período de agosto de 2013 e fevereiro de 2013, o jornal A Tarde publicou matérias em 35 de suas edições – entre artigos de opinião, reportagens e cartas do leitor. Os picos de agendamento (Gráfico 1) ocorreram nos meses de setembro, dezembro e fevereiro, que correspondem, respectivamente, à prisão dos integrantes da banda, à saída da banda da penitenciária e ao julgamento (posteriormente suspenso e adiado para setembro de 2013). 2

Em pesquisa anterior (FERREIRA; MOURA, 2012), essa incidência cotidiana das matérias sobre violência contra a mulher foi identificada. Analisamos a construção da violência contra a mulher nas páginas de Massa! e Correio*, a partir dos dados recolhidos no projeto Monitoramento de Mídia e Direitos Humanos do CCDC.

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Esses foram os elementos do acontecimento que permitiram sua permanência na mídia – os quadros que o atualizaram. Ao todo, foram 10 capas que trouxeram chamadas sobre o caso durante esse período. Uma análise geral dos títulos possibilitou identificar a evolução do acontecimento do caso New Hit – os títulos constroem um efeito de sentido de que o jornal acompanhou passo a passo o desenrolar da trama – denúncia, possibilidade de prisão da banda, comprovação do estupro, efetivação da prisão, justiça permite que a banda acompanhe o processo em liberdade (Figura 1). A foto testemunhal publicada no dia 4 de outubro, que registra a saída dos músicos do presídio, também constrói esse efeito de sentido – mostra que o jornal esteve lá, acompanhando a saída dos integrantes da banda do presídio e mostrando o sofrimento de um deles – com um semblante angustiado. Podemos identificar, assim, dois principais objetivos do jornal – captar o público, através de um processo de dramatização, e obter credibilidade, demonstrando que o acontecimento apresentado é verídico. Figura 1 – Quadro com alguns dos títulos produzidos por A Tarde

Manifestação pró e contra a banda New Hit Mãe de jovem que acusa New Hit se diz ameaçada Família visita integrantes da New Hit em presídio New Hit: garotas estão sob proteção New Hit: inquérito perto da conclusão Anúncio da volta aos palcos repercute nas redes sociais Manifestantes repudiam New Hit Tietagem marca retorno do grupo New Hit

Diferentes narrativas em conflito foram apresentadas nesse processo de construção do acontecimento, trazendo novos sentidos à trama. O sentido que ganhou maior destaque na construção desse acontecimento midiático

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pelo A Tarde foi o das duas adolescentes como vítimas. Entretanto, outros quadros apareceram: --

Lei Antibaixaria/integrantes de bandas de pagode da Bahia envolvidos em denúncias de violência contra a mulher;

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Movimentos em defesa das adolescentes versus manifestação das fãs; conflitos nas redes sociais;

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Ação dos advogados em defesa da banda e tentativas de habeas corpus (diversas matérias destacando que a banda “continua presa”);

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Adolescentes e família ameaçadas/adolescentes protegidas pelo Programa de Defesa da Secretaria de Direitos Humanos;

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Controvérsia: Questionamento da veracidade do estupro pelos advogados/espera pelo laudo da perícia/associação da veracidade do estupro à virgindade (rompimento ou não do hímen);

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Saída da banda do presídio/banda solta volta a fazer shows/ repercussão nas redes sociais.

Apesar de haver um agendamento, percebemos que o fato ganhou repercussão e se converteu em acontecimento não pelo ato de violência em si, mas por envolver uma banda baiana de pagode. A presença constante de chapéus como “Caso New Hit” guiam o sentido através dos títulos, trazendo o efeito de que um novo capítulo da “novela” New Hit será apresentado – mesmo que seja apenas a permanência da banda no presídio. Antetítulo: CASO NEW HIT: A TARDE teve acesso, exclusivo, ao depoimento de uma das jovens de 16 anos que acusam os músicos de estupro Título: Garota revela terror vivido no ônibus da banda

O título publicado na página interna do A Tarde em 20 de fevereiro destaca dois principais aspectos – o terror vivido no ônibus e o acesso exclusivo do A Tarde ao depoimento de uma das adolescentes – que teoricamente deveria ser mantido em sigilo pela justiça. Essa matéria chamou atenção por

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apresentar os detalhes da agressão relatados pela vítima, mais uma estratégia de captação do público através da espetacularização da violência. Se a violência é cotidiana, é o fato violento envolvendo pessoas públicas que se converterá em acontecimento. Do ponto de vista da construção do acontecimento midiático parece lógico: o jornalismo busca o extraordinário. No entanto, do ponto de vista da construção da cidadania e da própria democracia, esse modelo de jornalismo traz sérias implicações. Se entendermos a comunicação como uma esfera de visibilidade capaz de agendar os temas que devem entrar na agenda pública, essa construção do sentido da violência de forma espetacularizada traz consigo uma distorção: não é o problema da violência que entra na agenda pública, mas os fatos extraordinários que passaram pelos filtros do jornalismo. E, nesse sentido, não é o problema da violência contra a mulher que ganha atenção, mas a polêmica envolvendo uma celebridade específica. Há, ainda, um processo de fragmentação: o fato aparece descontextualizado; causas e consequências do caso New Hit não são problematizadas. Por conseguinte, o problema, que seria coletivo – milhares de mulheres sofrem de violência sexual todos os anos –, torna-se individual: a busca por justiça ou por solução desse caso específico, como se a prisão da banda solucionasse todas essas questões. Ou, pior, o fato violento é só mais um espetáculo das páginas dos jornais e das telas das televisões que logo será substituído pela próxima polêmica. E, nesse contexto, a reação será momentânea e logo o problema sairá da agenda pública – entretanto, permanecerá na vida de milhares de pessoas que sofrem com as consequências de crimes como esse.

R e f e r ê n c ia s BERGER, C.; TAVARES, F. Tipologias do acontecimento jornalístico. In: BENETTI, M.; FONSECA, V. (Org.). Jornalismo e acontecimento: mapeamentos críticos. Florianópolis: Editora Insular, 2010. p. 121-142. CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2010. p. 67-151. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

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FERREIRA, G. M. Pistas sobre instrumentos analíticos acerca da cobertura midiática do acontecimento-crise: a construção da ruptura de sentido. In: FAUSTO NETO, A.; FERREIRA, G. M.; SAMPAIO, A. de O. (Org.). Mídia, Discurso e sentido. Salvador: EDUFBA, 2011. p. 29-39. FERREIRA, G. M.; MOURA, C. V. M. O discurso da imprensa entre constrangimentos e estratégias: a cobertura da violência contra a mulher em dois jornais de Salvador-Ba (Correio* E Massa!). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 35., 2012, Fortaleza. Anais... São Paulo: Intercom, 2012. KELLNER, D. A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo. Líbero, ano 6, v. 6, n. 11, p. 4-15, 2001. MOUILLAUD, M. A crítica do acontecimento. In: PORTO, D. (Org.). O jornal: da forma ao sentido. 2. ed. Brasília: Ed.UnB, 2002. p. 49-83. RODRIGUES, A. O acontecimento. In: TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e ‘estórias’. Lisboa: Veja, 1993. p. 27-33. SODRÉ, M. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. WAISELFISZ, Julio Jacobo. Homicídios e juventude no Brasil: mapa da violência no Brasil. Brasília: Secretaria Nacional de Juventude, 2013. Disponível em: . Acesso em: 1 maio 2013.

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A proposta interdisciplinar de Innis e McLuhan e a pesquisa em comunicação brasileira Katr ine Tokarski Boaventura Rodr igo Miranda Barbosa

Introdução

A proposta interdisciplinar tem se configurado como uma proposta sedutora para a pesquisa brasileira em comunicação, possivelmente um dos únicos consensos de nossa área. Mas nem sempre se apresentam suficientemente claros os sentidos de interdisciplinaridade empregados. A pesquisa interdis-



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ciplinar tanto pode ser uma abordagem de um problema a partir do trabalho de diferentes especialistas, de modo complementar à perspectiva disciplinar; quanto, em outro extremo, relacionar-se com uma proposta de ruptura epistemológica, de oposição à ciência. Fato que traz sérias implicações: dependendo da maneira como se compreenda a interdisciplinaridade, a consequência é negar a possibilidade de que a comunicação possa se aproximar de uma disciplina científica (MARTINO, L. C., 2005), além de provocar dificuldades em sala de aula (MARTINO, L. M., 2012) e a consequente dispersão das pesquisas. (BRAGA, 2011; MARTINO, L. C., 2008) A perspectiva interdisciplinar também acarreta consequências quanto ao nível teórico: não há um corpo coeso e sistematizado de teorias da área. Qual seria, pois, a origem dessa proposta interdisciplinar, tão heterogênea de sentidos e carente de definições? A fim de melhor compreender a natureza desta interdisciplinaridade, buscamos em uma das principais tradições de pesquisa em comunicação possíveis sentidos para o termo. No presente artigo, o objeto de nossa análise é a Escola de Toronto de Comunicação, mais precisamente os trabalhos de Harold Innis e Marshall McLuhan. Questionase, pois, quais os sentidos de interdisciplinaridade apresentados pelos trabalhos de Innis e McLuhan.

M c L u ha n

Em 1953, Marshall McLuhan, professor de inglês da Universidade de Toronto, e Edmund Carpenter, seu amigo do Departamento de Antropologia, receberam 50 mil dólares da Fundação Ford para estabelecer um grupo de estudos interdisciplinar com a proposta intitulada Mudanças nos padrões de linguagem e comportamento e os novos meios de comunicação. (MARCHAND, 1989, p. 117) Os critérios para a qualificação do projeto eram poucos, mas um deles era a necessidade do projeto envolver pesquisadores de ciências do comportamento, assim como disciplinas relacionadas. Além disso, eles também deveriam organizar um seminário para lidar não só com os problemas da pesquisa em específico, mas também com os problemas gerais da colaboração interdisciplinar.

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Segundo o biógrafo de Philip Marchand (1989), a proposta citava o trabalho de Innis enquanto um projeto capaz de demonstrar que as mudanças nos meios de comunicação resultavam em mudanças sociais, políticas e econômicas. O projeto tinha como um dos alicerces a noção de que com os novos meios de comunicação, como a televisão, rádio e cinema, estavam estabelecendo uma nova linguagem.1 Para Marchand (1989), a proposta saiu vitoriosa porque estabeleceu a visão de que a linguagem e os meios de comunicação devem ser entendidos como instrumentos que focam na percepção, em oposição à visão de que o estudo da comunicação era um problema da engenharia de informação, uma vez que a proposta teórica de McLuhan não considera os meios de comunicação a partir de um modelo de transmissão, e sim de transformação. (MCLUHAN, 2008; PETERS, 2011) O grupo principal formado por McLuhan e Carpenter contava ainda com professores de outras áreas como economia, psicologia e arquitetura. Nos encontros do seminário participavam ainda estudantes de pós-graduação, além da participação de outros professores de forma esporádica, como o próprio Harold Innis. Para Marchand (1989, p. 118, tradução nossa), “McLuhan esperava que a descoberta do grupo seria um sinal para o mundo de que a era do especialista estava morta e que o que hoje seria chamado de uma visão holística das coisas era possível.”2 Com a conclusão do seminário em 1955, McLuhan escreveu um relatório para a fundação. Nele concluiu que com o seminário os seus membros passaram a compreender melhor sobre as demais disciplinas, mas que, ao mesmo tempo, ficaram receosos com o potencial de espionagem acadêmica. Para ele, quanto mais especializado era um acadêmico, mais se agarrava a sua experiência e menos vontade tinha de compreender os outros e que os outros o

1 O projeto citava ainda o trabalho de linguistas como Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf, que discutiam que a linguagem em grande parte determina a forma como experienciamos o mundo. Essa abordagem era também compatível com a perspectiva teórica do professor de inglês I. A. Richards que estabeleceu os princípios do New Criticism enquanto abordagem para análise dos textos literários e que influenciou de forma profunda o pensamento de McLuhan durante seus anos em Cambridge. 2 McLuhan hoped the group’s finding would signal to the world that the era of the specialist was dead and that what would now be termed a holistic view of things was possible.

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compreendessem.3 Para McLuhan, a maioria das pessoas não queria expandir sua consciência da situação (awareness). Outros fatores fortaleciam ainda mais o desdém de McLuhan pelos especialistas, particularmente os acadêmicos. Uma delas é a influência de G. K. Chesterton (MARCHAND, 1989, p. 24), que tinha um método que também envolvia desprezo aos especialistas ao dizer que “O que arruína a humanidade é a ignorância do especialista”.4 McLuhan viria a dizer que “A maioria dos estudiosos usa seus conhecimentos como uma lanterna [...] Não para iluminar o mundo, mas para brilhar novamente em seus próprios olhos deslumbrados.”5 (LEVINSON, 1999, p. 95, tradução nossa)

M c L u ha n e a c i ê n c ia

A relação de McLuhan com a ciência também é certamente ambígua. O desprezo de McLuhan pelo especialista não significava que ele era contrário a ciência, pois ele apoiava certos modos de pensamento científico, como percebido pelo uso de metáforas originárias de campos científicos diversos como a biologia evolutiva, mecânica quântica e neurologia. Assim como pelos inúmeros projetos em que se envolveu com vistas a dar credibilidade científica às suas percepções. (MARCHAND, 1989, p. 140-229) Mas, para o teórico e historiador do campo comunicacional John Durham Peters (2011, p. 232, tradução nossa), no fim das contas “McLuhan tinha ambições científicas que acabaram em vão sem as ferramentas matemáticas (dialéticas). Ele roubou da ciência e deu para as artes.”6 A tese de McLuhan de 1943, denominada The Classical Trivium: The Place of Thomas Nashe in the Learning of his Time, proporciona alguns alicerces para 3 Uma das situações recorrentes durante os seminários é que, na ausência de McLuhan, cada participante lia um artigo de sua disciplina e quase não havia interação entre os membros, o que acabava levando para o academicismo isolante. 4 What ruins manking is the ignorance of the expert. 5

Most scholars use their knowledge as a flashlight [...] Not to illuminate the world but to shine back into their own bedazzled eyes.

6 McLuhan had scientific ambitions that were ultimately vain without mathematical (dialectical) tools. He stole from science and gave to the arts.

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compreender a formação da sua interpretação dos meios de comunicação, mas principalmente sua rejeição ao formalismo acadêmico e seu estilo de escrita. A tese era para ser dedicada inteiramente ao estudo do satirista da renascença inglesa Thomas Nashe, mas McLuhan, ao analisar as relações deste com seus diversos críticos, percebeu que Nashe estava no meio de um embate muito mais antigo. Uma batalha entre as três artes liberais (trivium), compostas pela retórica, gramática e dialética (lógica). McLuhan vai utilizar o trivium como uma chave de leitura, mas vai dar clara preferência para o ponto de vista da gramática, que vai servir como base para análise dos meios de comunicação e tecnologias por toda a sua vida, como diz o biógrafo W. Terrence Gordon (1997, p. 305, tradução nossa), “O método analógico dos antigos gramáticos foi o elemento unificador do trabalho de sua vida.”7 Para McLuhan, havia uma disputa da dialética contra a gramática e a retórica. A gramática, enquanto arte da interpretação, em termos gerais, permitia uma análise para além da literatura e foi estendida para a análise do universo enquanto livro da natureza. Para Peters (2011, p. 229, tradução nossa), os “Gramáticos sempre foram estudiosos dos meios de comunicação sem saber, e McLuhan não sabia disso ainda em 1943, embora nós o saibamos agora.”8 Queremos então apontar que McLuhan criticou uma forma de pensamento científico que se desenvolveu principalmente a partir da escrita mecanizada da prensa de Gutenberg, e que se firmou como principal meio de comunicação das sociedades. McLuhan queria subverter então as diversas regras do saber científico em prol de uma diferente forma de se fazer ciência. Diferente da maioria dos acadêmicos, McLuhan não argumentava frente às críticas para manter a sua posição. Quando a crítica vinha em sua direção, ele dizia que a sua afirmação era apenas uma sondagem (probe) e propunha outras.

7

[T]he analogical method of the ancient grammarians [w]as the unifying element of his own life’s work.

8

Grammarians were always media scholars without knowing it, and McLuhan did not know this yet in 1943, though we do now.

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Como costumava dizer, Marshall McLuhan não tinha A Teoria da Comunicação e não usava teorias em seu trabalho. Claro que ele tinha noções definidas sobre o que constituía a comunicação e o que não constituía. Ele afirmaria que ‘usava observação’; usava ‘sondagens’. É uma questão de como se começa: se você começa com a teoria, então de uma forma ou de outra a pesquisa se orienta para ser a favor ou contra a verdade da teoria. Começando com a teoria, se começa com a resposta; começando com a observação, se começa com as questões. MCLUHAN, E., 2008, p. 26, tradução nossa)9

Ele tinha sempre uma resposta de por que as pessoas não entendiam suas proposições. Dizia que estes eram “sonâmbulos” e que não percebiam o ambiente invisível, pois cada meio de comunicação tem o potencial de hipnotizar o seu usuário. Algo frequente era dizer que seus críticos estavam utilizando o pensamento letrado para entendê-lo, ou seja, o pensamento dialético (lógico). Assim, ele considerava a crítica como uma falta de compreensão, e não um convite para o debate. Desafiava, dessa forma, o ditado acadêmico de que a verdade estava nos detalhes, segundo Peters (2011, p. 234). Dessa forma, mais importante que os fatos ou os detalhes é o aspecto generalista. Se um dos exemplos recebe uma crítica, isso não altera a justaposição que forma o todo, ou seja, a sua capacidade de perceber um padrão a partir da apreensão da realidade. Isso faz com que McLuhan não seja de muita ajuda para um leitor em busca de nuances e explicações. (PETERS, 2011, p. 233) Ele se interessava por congruências em vez de diferenças; e por generalizações em vez de especificações. E em grande parte essas críticas em relação a uma visão generalista e um não debate das ideias deveram-se à supressão da dialética no pensamento de McLuhan. O sentido de dialética proposto, pelo menos na tese de 1943, é o da dialética enquanto argumentação conceitual, análise lógica. Por isso, para Peters (2011), a tese de McLuham demonstra um maior distanciamen9 Just as he often said, Marshall McLuhan did not have A Theory of Communication and that he did not use theories in his work. Of course, he did have definite notions about what constituted communication and what did not. He would aver that he “used observation”; he used “probes.” It is a matter of how you begin: if you begin with theory, then one way or another your research winds up geared to making the case for or against the truth of the theory. Begin with theory, you begin with the answer; begin with observation, you begin with questions.

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to do pensamento de Innis, justamente por McLuhan não ser um dialético. McLuhan, na visão de Peters, queria outro tipo de forma de pensamento, baseado no processo poético (gramatical) em que a totalidade poderia ser apreendida de forma imediata. E o catolicismo de McLuhan assegurava esta interpretação noética, ou seja, a apreensão do conhecimento subjacente. McLuhan, assim como Thomas Nashe, abusava das sátiras, metáforas e dos trocadilhos e essa era uma forma de não utilizar a dialética enquanto método. Com isso, Mcluhan desafia a noção estruturalista de que toda metáfora é também negação ao mesmo tempo. A metáfora se apresenta por uma tensão entre insight e impossibilidade, uma comparação subentendida. Mas McLuhan usa as metáforas de forma diferente, pois ele faz a afirmação metafórica, mas deixa o leitor esperando. (PETERS, 2011, p. 237) Ele resiste em fornecer qualquer pista sobre a significação da sua metáfora, ou a possibilidade de esclarecê-la. Isso faz com que Peters (2011) diga que ele é mais um construtor de Gestalts do que de argumentos. McLuhan propõe, dessa forma, fazer com que as palavras se comportem como imagens, pois uma pintura não tem a sua negação, ela não diz não. McLuhan, assim, apresenta as metáforas como uma imediata percepção de verdade, apostando na intuição imediata. Com isso, ele renuncia aos conceitos, em favor dos perceptos, e ao mesmo tempo renuncia a dialética em favor da gramática. Assim, ele acredita ser possível abrir as portas da percepção de forma integral na busca de um pensamento não sequencial. Peters considera louvável a opção de McLuhan de colocar em discussão as verdades acadêmicas, mas encontra dificuldade justamente no aspecto metodológico devido à suspensão teleológica de McLuhan em relação à ética e também pelo fato de dispensar fatos contrários para o bem de suas generalizações. Isso cria um desconforto a qualquer crítico, ao ponto de McLuhan dizer que suas teorias só poderiam ser aceitas por tomistas.10 Para Edmund Carpenter (2001, p. 245, tradução nossa), “Ele tratou fronteiras acadêmicas como barreiras; profissionalismo como constipação, ignorância como ativos”.11 10 Aqueles que são seguidores intelectuais de São Tomás de Aquino. 11 He treated boundaries as barriers; professionalism as constipation, ignorance as asset.

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M c L u ha n e a c o m u n i c a ç ã o

Se por um lado Marshall McLuhan se propunha a trabalhar a comunicação, por outro rechaçava a possibilidade de fazê-lo a partir de um trabalho estritamente teórico: “Sempre que provocado, Marshall McLuhan (apud MCLUHAN, E.; 2008, p. 26, tradução nossa) iria declarar: ‘Olhe, eu não tenho uma teoria da comunicação. Eu não uso teorias. Eu apenas observo o que as pessoas fazem, o que você faz’.”.12 McLuhan não formulava teorias da comunicação no sentido normalmente empregado para o termo: “‘Eu não tenho uma Teoria da Comunicação’ significava ‘Eu não trabalho do mesmo jeito que a Ciência Normal. Eu não começo com uma teoria para prová-la ou desaprová-la ou refutá-la ou submetê-la aos torturadores. Eu começo com – e fico com – a observação’.” (MCLUHAN, M. apud MCLUHAN, E., 2008, p. 27, tradução nossa)13 Para Peters (2011) um dos pontos de contradição em McLuhan é justamente a negação de um ponto de vista fixo, pois o paradoxo é que “[...] o seu ponto de vista sobre pontos de vista é que não pode haver pontos de vista”.14 Dessa forma, criticar McLuhan por não ter princípios, viola o seu princípio de que princípios são fruto da cultura da prensa. Esse problema aparece justamente na afirmação de McLuhan sobre não ter uma teoria da comunicação. Para Peters (2011, p. 236, tradução nossa), McLuhan era um teórico dos meios de comunicação sem uma teoria (dialética) da mediação, pensando os meios em termos de iminência. Para McLuhan, era mais importante a ideia de apreensão sensorial de forma instantânea do todo conferindo um senso de unificação entre forma e conteúdo e sua estrutura e configuração (1984, p. 27-28). Essa mudança se daria justamente pela passagem da era de mecanização conhecida pela sequencialidade (atribuída aos dialéticos), dando espaço para uma nova era da energia e dos meios elétricos, que trouxeram a simultaneidade.

12 Look, I don’t have a theory of communication. I don’t use theories. I just watch what people do, what you do. 13 ‘I don’t have a Theory of Communication’ means ‘I don’t work in the way of Normal Science. I don’t start with a theory to prove or disprove or submit to the torturers. I start with – and stick with – observation.’ 14 […] his point of view about points of view was that there can be no points of view.

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Mas, apesar da ausência de uma teoria da comunicação, trabalhava com uma ideia definida do que constituía a comunicação: “Bem simples: sem efeitos significa sem comunicação.”15 (MCLUHAN, E., 2008, p. 31, tradução nossa) E mesmo com sua recusa em trabalhar de acordo com as convenções da ciência,16 ainda assim é possível enxergar um estudioso firme no seu problema de pesquisa, que poderia ser descrito como a análise da sociedade e cultura a partir dos meios de comunicação. McLuhan lançou uma valorização da especificidade do meio como tal. Segundo Peters, ajudou a destruir a imagem abstrata de conteúdo e a noção de neutralidade dos meios de comunicação. A comunicação, diz Peters (2011, tradução nossa), “[...] era a criação de efeitos experimentais, não o transporte de sinais”.17 Para McLuhan, não existe informação sem forma e qualquer percepção se dá através dos órgãos perceptivos. Para Peters (2011, p. 231), uma de suas principais contribuições para os estudos dos meios de comunicação se dá pelo uso de sua aproximação gramatical que incorpora radicalmente a matéria.

Innis

O Viés da Comunicação, de Harold A. Innis, é considerado por Heyer e Crowley (2011, p. 45) um dos textos clássicos para o novo campo de estudo, ainda que sua influência se estenda a outras áreas: “Ele também continua a influenciar um amplo conjunto de temas interdisciplinares nas ciências sociais e humanas referentes às relações dos meios com a história e a sociedade, apesar das recentes dificuldades em obter o livro”.

15 Quite simply: no effect means no communication. 16 No final de sua vida, McLuhan pensou em deixar um legado e realizar uma última tentativa de ser científico, em resposta aos seus críticos. Surge, assim, a ideia para o livro póstumo Laws of Media (1988), escrito com seu filho Eric McLuhan, em que procuram estabelecer quatro leis dos meios de comunicação, as quais são científicas, pois respondem à ideia de falsificação, um dos critérios da epistemologia da ciência estipulado por Karl Popper e citado no livro, ainda que o uso de Popper seja bastante caricato, como em outras apropriações feitas por McLuhan. 17 Communication was the creation of experiential effects, not the conveyance of signals.

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A obra reúne textos de Innis, muitos deles apresentações orais, que abordam reflexões sobre a importância da comunicação e a influência que os meios de comunicação têm. Nas palavras do próprio Innis (2011, p. 69): “Tentei sugerir que a civilização ocidental tem sido profundamente influenciada pela comunicação e que transformações significativas nas comunicações tiveram implicações importantes”. Apesar da complexidade inerente ao texto de Innis em O viés, Heyer e Crowley (2011, p. 53) consideram que as ideias básicas encontram-se acessíveis: A história é percebida como uma série de épocas separadas pela descontinuidade. Cada época se distingue por formas dominantes de meios de comunicação que absorvem, registram e transformam a informação em sistemas de conhecimento, em consonância com a estrutura de poder institucional da sociedade em questão. A interação entre o meio de comunicação e a realidade social cria vieses que afetam fortemente a orientação e os valores da comunidade. Tais vieses comunicacionais funcionam como o primeiro e o último ponto a partir dos quais podemos avaliar as características de uma civilização.

A associação da obra innisiana à interdisciplinaridade se dá tanto pelo fato de que Innis transita por diferentes áreas do conhecimento, como a economia política e a comunicação, falando de diferentes vieses ao longo do texto, mas também porque ele se posicionava contra os monopólios acadêmicos: Ele combateu essa situação pessoalmente, criticando a especialização obsessiva a partir de suas contribuições para o trabalho interdisciplinar e também pelo próprio envolvimento com questões sociais práticas, tais como o planejamento regional e a educação de adultos. (HEYER; CROWLEY, 2011, p. 57)

Como consequência dos esforços de Innis para compreender as influências dos meios de comunicação, Heyer e Crowley citam os efeitos sobre “um [...] grupo de acadêmicos vagamente interligados, associados à Universidade de Toronto durante os anos de 1950 [...]” que, embora tenham tido pouco contato direto com Innis, formaram uma espécie de escola invisível, levan-

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do seu modelo de comunicação para suas próprias disciplinas: “Em 1962, a publicação de três trabalhos forneceu uma importante fusão dessa influência: A galáxia de Gutenberg, de Marshall McLuhan; Prefácio a Platão, de Eric Havelock; e um ensaio de Goody e Ian Watt, sobre The Consequences of Literacy. (HEYER; CROWLEY 2011, p. 59). Mais a frente, Heyer e Crowley (2011, p. 60) afirmam que “Essas obras, de diferentes maneiras, desenvolveram o argumento comum de que os ‘modos de comunicação’, como Goody os chama, são fundamentais para compreender o desenvolvimento de formas culturais e suas consequências”. Pois as extensões do quadro teórico relacionavam-se com a tese central de Innis acerca da primazia da comunicação. De acordo com Watson (2011, p. 37), teria sido uma surpresa para Innis a repercussão de seu trabalho junto a McLuhan: Innis provavelmente ficou lisonjeado e perplexo por receber uma longa carta de McLuhan em 1951: lisonjeado, porque este propôs que os trabalhos de comunicação de Innis fornecessem a base para ‘organizar uma escola inteira de estudos’; perplexo, porque Innis era um relativo filisteu cultural e McLuhan divagava sobre Rimbaud, Mallarmé, Einstein, Francis Bacon e o declínio da literatura.

Afinal, ao tratar da comunicação, Innis não se mostrava preocupado com a fundação de um novo saber. O título de um trabalho de Innis, publicado em 1952, Imprensa: um fator negligenciado na história econômica do século XVIII, deixa claro a inserção da comunicação como um fator da história econômica, matéria que Innis dominava e a qual se dedicou. Sob este aspecto não há dúvida de que Innis via uma continuidade e não se preocupou em fundar uma nova disciplina. (MARTINO, L. C., 2011, p. 12)

Innis e a comunicação

Martino propõe que a interpretação do trabalho de Innis, e também de McLuhan, sobre as questões da comunicação como interdisciplinar pode nos

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afastar da compreensão da originalidade da contribuição deste para a fundação de um campo comunicacional: A importância dada aos meios de comunicação é, sem dúvida, o traço considerado como característica mais marcante dessa escola. Tal posicionamento epistemológico evita e resolve satisfatoriamente os inconvenientes de uma identificação dos processos comunicacionais com todo e qualquer processo social ou cultural, conforme são analisados com base na mediação tecnológica. (MARTINO, L. C., 2008, p. 126)

A centralidade da análise nos meios de comunicação seria uma alternativa à solução da indefinição de um objeto de estudo para o campo da comunicação por meio de uma “saída” interdisciplinar: O foco nos meios de comunicação nos permite ressignificar a abordagem interdisciplinar presente nesses autores, de modo a diferenciá-la de uma visão holística. As desmesuras da interdisciplinaridade são contornadas à medida que os meios de comunicação passam a ser tomados como eixo de análise. É isso que evita a dispersão temática e que, em última instância, caracteriza os estudos de comunicação como saber autônomo. (MARTINO, L. C., 2008, p. 126)

Para Luiz Claudio Martino (2008, p. 135), “Assim, adotamos a proposição da centralidade dos meios como a tese central ou o núcleo duro do programa comunicacional de Innis, de modo que os meios de comunicação passam a constituir uma chave de interpretação para a organização social”. É interessante observar que a proposta de centralidade nos meios deriva de um pensador que não possuía em seu horizonte a intencionalidade de definir uma nova área de conhecimento. A construção de um saber comunicacional autônomo não foi uma questão para o autor de Bias of Communication; como ainda não é para a maioria dos autores canadenses. A própria área de comunicação só se organizaria mais tarde. Os primeiros sinais viriam quase uma década depois de sua morte e seria preciso três décadas

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para que uma discussão organizada se estabelecesse. Innis, portanto, não participou desse debate. (MARTINO, L. C., 2008, p. 128)

Luiz Cláudio Martino (2011) também chama a atenção para o fato de que ao abordar os meios de comunicação, a perspectiva de Innis inaugura uma nova forma de leitura do social: não trata apenas do controle destes (viés político), ou destes como resultado de forças da economia (viés econômico), ou ainda dos acontecimentos históricos (viés histórico). Innis (2011, p. 13, grifo do autor), sem negar essas instâncias, trata os meios como uma “chave de leitura” para entender a realidade: Em outros termos, a análise da mercadoria papel, vista em profundidade – como se propõe a perspectiva de Innis, que se inquieta pelas razões da demanda – depara-se com o desenvolvimento da indústria cultural e seu valor para os poderes dominantes, como o Estado e as instituições religiosas, que acabam disputando a hegemonia e o controle dos fluxos comunicacionais. Mas o aspecto mais importante recai sobre o modo como Innis entende o jogo do poder e a forma da cultura, isto é, dando importância ao papel dos meios de comunicação neste processo: the bias of communication, o viés da comunicação, esta é a primeira significação de bias, enquanto perspectiva de análise, maneira de abordar um assunto.

Martino aponta outro aspecto que levou à ênfase no aspecto interdisciplinar da obra de Innis: a tentativa de escapar ao determinismo tecnológico. Antes de criticá-la, reduzindo-a ao modelo explicativo do determinismo tecnológico, ou de defendê-la, abrindo-a indefinidamente à interdisciplinaridade sem fim, é preciso reconhecer, contra a primeira posição, a existência de vários bias ou dessas diferentes entradas disciplinares que permeiam o texto; e, de outra parte, contra a segunda posição, é preciso reconhecer a evidente desigualdade do valor da contribuição dos diferentes bias. (MARTINO, L. C., 2011, p. 16)

Pois apenas o trabalho de Innis tendo a centralidade na comunicação mostrou-se com vigor para contribuir à produção de conhecimento:

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Se há vários modelos explicativos, o único que verdadeiramente interessa e traz uma originalidade é a do viés da comunicação, que coloca os meios e a arquitetura comunicacional como princípio explicativo, ou, se preferirem, como um recurso para o entendimento da realidade. (MARTINO, L. C., 2011, p. 16)

Innis possuía diversos interesses e atuou em várias áreas: economista, historiador, acadêmico e também intelectual e político atento às relações internacionais. Martino atribui a essa amplitude do pensamento innisiano a compreensão deste como interdisciplinar: “Porém, ela é típica de qualquer historiador, que, procurando compor o quadro de uma época, evoca e perquire diversos aspectos da realidade estudada” (MARTINO, L. C., 2011, p. 17). E, apesar de não ser necessário negar os diversos interesses de Innis, Luiz Claudio Martino (2008, p. 127-128) questiona: Contudo, como podemos apreender o núcleo duro do programa comunicacional innisiano dentro de um quadro de ricas experiências e de pensamento interdisciplinar? Esta questão equivale, em grande parte, a dar conta da originalidade de sua abordagem sobre a comunicação e, ao mesmo tempo, destacá-la do contexto de interdisciplinaridade que a cerca.

C o n s i d e r a ç õ e s f i n ai s

Trabalhamos com três sentidos para a interdisciplinaridade: um presente na área da educação, que diz respeito ao ensino; outro se referindo a grupos de trabalho em torno de uma questão; e um terceiro, que trata do nível epistemológico e propõe a ruptura com as disciplinas. Este último se desenvolve em um movimento que se opõe à ciência. A partir da análise de como a interdisciplinaridade é tratada nas obras de Innis e McLuhan, podemos observar a presença dos três sentidos. A primeira preocupação diz respeito à necessidade de integração dos conhecimentos em sala de aula, em relação à aprendizagem. “Há quase meio século, antes mesmo de G. Gusdorf, H. Japiassu e I. Fazenda (JANTSCH;

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BIANCHETTI, 1997), McLuhan já chamava a atenção para o problema dos currículos compartimentalizados”. (MARTINS; BIANCHETTI, 2010, p. 7) Acreditava ele que os conhecimentos não poderiam ficar engavetados em disciplinas estanques, nos moldes das linhas de produção industrial fordista. Em diversas ocasiões criticou a linearidade e a compartimentalização dos saberes. Antecipou-se aos teóricos da interdisciplinaridade, criticando a pretensão escolar de constituir disciplinas enquanto corpos de conhecimento independentes. (MARTINS; BIANCHETTI, 2010, p. 5)

A partir dos esforços de McLuhan junto a Edmund Carpenter, entre outros, na investigação financiada pela Fundação Ford, em 1953, evidencia-se também o segundo sentido de interdisciplinaridade, o de grupo de trabalho. Mas também podemos perceber um sentido de ruptura epistemológica, a partir do desdém demonstrado por Innis e McLuhan, em vários momentos, pela perspectiva disciplinar, principalmente em McLuhan, que chega a questionar certos pilares da ciência. Cabe lembrar que esses sentidos estão sendo observados em uma análise com a finalidade de melhor compreender a relação entre a interdisciplinaridade e a comunicação, não sendo a intenção sugerir que os pensadores tivessem esta preocupação em mente. Martino acredita que a interdisciplinaridade presente na obra de Innis e McLuhan não é o traço mais significativo em relação à comunicação, o qual seria a centralidade nos meios de comunicação. O que nos remete ao que poderia ser uma fundamental contribuição desses estudos para a nossa área, uma vez que ajudaria a resolver o problema da interdisciplinaridade tal qual é praticada: uma das justificativas é a ausência de um objeto específico para a comunicação, discussão que poderia avançar a partir desta proposta. Finalmente, podemos levantar, para posterior investigação, que a escassa bibliografia em português discutindo a interdisciplinaridade nesses autores indica que a repercussão da obra de Innis e McLuhan não teria influência significativa na interdisciplinaridade que prevalece entre os pesquisadores brasileiros, a qual teria outras fontes de maior relevância neste aspecto.

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O campo comunicacional e as teorias da publicidade Rosana Pavar ino

Introdução

Apesar da prensa ter origem no século XV, até o século XVIII a voz – melhor seria dizer o grito – era o modo mais usado para divulgar atividades comerciais fosse por pregoeiros, comerciantes ou vendedores ambulantes. Organizados em corporações, esses profissionais eram encontrados em feiras ou em ruas com grande movimento, anunciando “atos oficiais de origem real, da Igreja ou confrarias” e também “enterros, mercadorias, convocações, objetos perdidos”. (EGUIZÁBAL, 2011, p. 69) Curandeiros e charlatões também eram comuns à época e logo perceberam que os benefícios para o negócio do uso de folhetos, cartazes e jornais eram maiores que os dos “remédios”



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que vendiam. Aproveitando que a formação médica era escassa e cara, desenvolviam suas próprias fórmulas medicinais e as divulgavam fazendo uso de folhetos, cartazes, apresentações em feiras, anúncios em jornais. O desenvolvimento industrial do século XIX não colocou fim a essa prática. Ao contrário, criou as condições para que personagens como Phineas Barnum aparecessem. Empresário bastante popular, ficou conhecido por sua falta de ética. Sua carreira começou como vendedor de remédios patenteados, foi dono dos museus Barnum’s Grand Scientific and Musical Theater e Scudder’s American Museum, além do semanário The Herald of Freedom. Seu nome passou a ser usado como sinônimo de publicitário, pois fazia seus próprios anúncios, sendo dele o slogan “O maior espetáculo da terra”, para seu circo. (EGUIZÁBAL, 2011) Além do efeito “Barnum”, a atividade publicitária do século XIX era de tal modo intensa e desorganizada que Eguizábal (2011) a denominou de “circense”. Os periódicos não detinham a exclusividade da atividade publicitária, sendo comum o uso de “homens-sanduíche”, cartazes em muros, estêncil nas calçadas, ônibus e bondes. Seja por influência da sua origem (vendedores de remédios patenteados e corretores desonestos), seja pelo sistema político-econômico do qual faz parte, a publicidade ainda hoje é vista como “solícita e utilitária” (MORIN, 1968, p. 36), como é possível observar na Enciclopédia Internacional de Comunicação. Escrito por Tim Ambler, da London School of Economics, o verbete advertising aborda negativamente três perspectivas da publicidade: a do publicitário, a do consumidor e a social. Sobre os publicitários, por exemplo, afirma que “eles sabem ‘mais ou menos’ o que fazer” e que o reconhecimento da marca, normalmente pedido pelo anunciante, pode ter seus efeitos, mas eles não são importantes. Os consumidores seriam induzidos a gastos desnecessários, ao consumo excessivo de produtos não saudáveis e convivem com o preço inflacionado pelas marcas. A perspectiva social é tratada pelo lado governamental: os governos são os que mais gastam com publicidade e, para combater as más práticas, fazem uso de regulamentação (autorregulamentação, corregulamentação e regulamentação legal).

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Além da imagem negativa da publicidade, o verbete revela um desconhecimento sobre a produção científica da publicidade, especialmente no que se refere à teoria.1 Entretanto, isto não surpreende, pois parece não haver lugar para a publicidade no corpus das teorias e/ou paradigmas que sustentam o campo comunicacional, tratado como exclusivo do jornalismo. (PENA, 2012) Abordagens teóricas como Agenda-setting e Usos e Gratificações, por exemplo, se referem a fenômenos mais amplos que aqueles que lhes são normalmente associados; suas implicações extrapolam o campo do jornalismo e são importantes para as reflexões sobre a publicidade. Tanto que é possível encontrar trabalhos com esse tipo de abordagem teórica, como os artigos de Stephanie O’Donohoe (1993), Advertising Uses and Gratifications e o de Rodolfo Londero (2011), Um breve panorama das teorias da publicidade. Essa situação contrasta com o fato de que não podemos negar o papel fundamental que a publicidade assume atualmente. Este artigo visa fazer o levantamento do corpus teórico da publicidade e discuti-lo criticamente tendo como parâmetro as teorias da comunicação, tomando como ponto de partida a ausência de teorias próprias como parte das teorias da comunicação.

Produção sobre publicidade

Em abril de 2001 Raúl Eguizábal e a bibliotecária M. Luisa García-Ochoa organizaram uma exposição bibliográfica sobre publicidade na Universidade Complutense de Madri. A inspiração foi outra exposição semelhante, organizada por Rafael Bori, em Barcelona em 1928. No primeiro evento, Bori conseguiu reunir mais de 2000 livros sobre publicidade espanhóis, ingleses, estadunidenses, alemães e até mesmo suecos, romenos e japoneses. (EGUIZÁBAL; GARCÍA-OCHOA, 2001, p. 4) Em 2001, Eguizábal e García-Ochoa selecionaram 73 livros publicados entre 1920 e 1972.

1 A enciclopédia tem 14 verbetes sobre publicidade (Advertising, Cross-Cultural Advertising, Economics of Advertising, Advertising Effectiveness, Measurement of Advertising Effectiveness, Emotions in Advertising, Endorsement in Advertising, Advertising Ethics, Advertising Frequency and Timing, Advertising: Global Industry, History of Advertising, Advertising Law and Regulation, Advertising as Persuasion, Advertising: Responses across the Life-Span) e praticamente todos se relacionam com a prática publicitária.

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Quadro 1 - A publicidade dos livros: 1920-1972

Década

20

30

40

50

60

70

Importados

3

3

1

10

12

1

Traduções

4

1

2

1

3

0

Espanhóis

1

3

1

7

12

4

Não expostos

0

1

2

42

+ 200

+ -40

Total

8

8

6

60

227

45

Livros

Fonte: EGUIZÁBAL; GARCÍA-OCHOA, 2001.

O Quadro 1, ainda que ilustrativo, reflete a produção sobre publicidade ao longo do século XX, pouca produção na primeira metade e um aumento rápido a partir da década de 1950. Em relação ao corpus teórico próprio, ele aparece após os anos 1960. Devemos ter em conta que os fenômenos que servem de objeto a estas teorias são eles próprios revelados por novas dinâmicas sociais, próprias do século XX. A publicidade, em seu sentido pleno, é um fenômeno recente, que se intensifica paulatinamente. Como observou Prat Gaballí, em 1934 (p. 403), “[...] a publicidade é usada com mais intensidade a cada dia em todos os países civilizados, para influir sobre o espírito das multidões, dos mais variados pontos de vista”. O interesse pela publicidade, no entanto, é anterior ao século XX. Frank Presbrey (1929), por exemplo, cita as contribuições de John Houghton, no século XVII, para a redação de textos publicitários. Henry Sampson (1874) e o próprio Presbrey também contribuíram resgatando a história da publicidade. Aliás, o interesse de Sampson pelo assunto deu-se em função das mudanças que ocorriam ao longo do século XIX. No entanto, são do início do século XX as obras com interesse científico sobre publicidade: The theory of Advertising: a simple exposition of the principles of psychology, de Walter Dill Scott (1904), Publicidad Racional de Pratt Gaballí, em 1934 e Scientific Advertising de Claude Hopkins, em 1923 (1993). Ainda que com enfoques um pouco diferentes – Scott com a psicologia; Pratt Gaballí com um panorama geral da profissão e Hopkins com a venda – os três autores tinham o objetivo de dar um caráter científico à publicidade, especificamente

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à prática publicitária: comportamento do consumidor, aumento das vendas, persuasão dos anúncios, respectivamente. Eguizábal (2007) defende que o interesse por um “ideal de dignidade científica” era fruto de um “complexo publicitário”. Walter Dill Scott foi o primeiro autor a se preocupar com essa dignidade científica. Isto lhe era tão importante que seu primeiro parágrafo questiona a falta de interesse dos publicitários em uma formação formal e específica – fundamental para médicos, advogados, arquitetos e professores –, e que deveria ser essencial para quem deseja evitar “o acaso, a sorte”, próprios de “coisas sem importância”. Scott lembra o valor anual gasto com anúncios nos EUA, que seria em torno de $600.000.00, quantia alta o suficiente para que nenhum profissional optasse pela sorte. Psicólogo, Scott foi professor e reitor na Northwestern University. Seu livro era a compilação de textos intitulados “Psicologia da Publicidade” publicados na revista Mahin’s. Os assuntos abordavam atenção, associação de ideias, sugestão, percepção, entre outros conceitos possíveis/passíveis de serem aplicados na publicidade, exercitando a psicologia aplicada, da qual foi também pioneiro. O publicitário Prat Gaballí (1885-1962) foi, em 1915, o primeiro professor de publicidade da Espanha. Sua disciplina, Publicidade Científica, foi a base para o também primeiro livro sobre publicidade em espanhol, em 1917: Una nueva técnica. La publicidad científica. (ACADEMIA DE LA PUBLICIDAD, 2013) Em 1934, quase 15 anos depois, lançou Publicidad racional, no qual Prat Gaballí coloca a vida econômica como principal traço distintivo da publicidade e o desenvolvimento da prensa como um marco divisório (antes haveria apenas “publicidade primitiva”). O livro pretendia ser completo: tratava da história da publicidade, psicologia do consumidor, técnicas de criação, design e difusão (ilustração, tipografia, redação etc.) e, por fim, descreve o funcionamento de uma agência. É o livro Scientific Advertising, do redator Claude Hopkins, no entanto, o mais conhecido entre os publicitários. Para o autor a profissão se resumiria a “arte de vender”. Coerente, seu livro é voltado para o uso da publicidade exclusivamente para aumentar as vendas. Atento às críticas quanto à eficiência da publicidade (a dificuldade em medir resultados e a relação custo/

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benefício), contribuiu ao defender e fazer uso de pesquisas antes e depois das campanhas publicitárias. Criou a venda por cupons, comum nos EUA, para medir o retorno de suas promoções. Outra contribuição foi escolher um benefício único como argumento de venda, estratégia que se tornou conhecida nos anos de 1960 por Rosser Reeves. (TUNGATE, 2009) Hopkins e Prat Gaballí limitaram-se em apresentar o funcionamento e estratégias publicitárias que fossem eficazes. Para tanto, fizeram uso de suas próprias experiências: “[...] regras de funcionamento geral da publicidade, baseadas no método científico mais elementar, da prova-erro, e extrapolando o conhecimento da própria prática publicitária”. (EGUIZÁBAL, 2007, p. 14) Estas três obras deram uma decisiva contribuição à publicidade. De certa forma eles são os responsáveis pelo aparecimento de uma teoria da publicidade. Scott percebia que a psicologia podia ser articulada às práticas publicitárias – no sentido de know-how e de práticas sociais. Hopkins conseguiu mostrar o quanto a pesquisa é importante e útil para a profissão. E décadas antes de Rosser Reeves, percebeu que defender um único benefício do produto é mais convincente do que apresentar vários, sem destacar nenhum. Por fim, Prat Gaballí, precedendo Hopkins, tratou da importância de uma publicidade científica. Contudo, as teorias produzidas por Scott, Hopkins e Gaballí visavam um fim prático, estimular o consumo e não explicar a relação da publicidade com as mudanças sociais que ocorriam. Eles se concentravam na eficiência da publicidade e desconheciam qualquer avaliação crítica e consequências sociais. Richard W. Pollay fez, em 1979, um inventário das obras em inglês sobre publicidade, Information sources in advertising history. O autor dividiu a produção em 11 categorias, oito delas apresentadas no Quadro 2, do qual excluímos as categorias Variados, Literatura relacionada e Ficção. A categoria “Livros e discussões ‘como fazer’” foi subdividida em Aplicações especiais, Redação e Estudos de caso:

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Quadro 2 - Obras publicadas sobre publicidade – relação ano/assunto

A p l i c a ç õ e s e s p e c iai s , r e d a ç ã o e e s t u d o s d e c a s o

Entre as categorias acima, as Críticas e Réplicas e os manuais (“Como fazer”, Textos de Aplicações especiais, Redação e Estudos de caso) possuem quase a metade das obras – 635 de um total de 1186 –, refletindo o que é possível perceber na literatura em geral: críticas generalizadas, muitos manuais e pouca reflexão sobre o fenômeno publicitário. O Quadro 2 também mostra que, com exceção dos manuais, houve pouca produção durante o período das Guerras Mundiais e somente nos anos 1960 voltam a serem publicadas obras teóricas sobre a publicidade. De acordo com Eguizábal (2007, p. 15) é no final dos anos 60 que Barthes, Durand, Eco e Péninou produzirão os primeiros “esboços genuinamente téoricos sobre publicidade”. Tendo como base a semiologia, o interesse desses autores recai sobre produtos típicos da cultura de massas como, por exemplo, cinema, fotografia e quadrinhos. Os primeiros esboços genuinamente teóricos da publicidade, na realidade, não chegam antes do final dos anos 60, em uma série de pensadores europeus (Barthes, Durand, Eco, Péninou etc.) que irão se ocupar, de forma mais ou menos circunstancial, dos fenômenos publicitários, como parte de um interesse geral pelas expressões da chamada cultura de massas: cinema,

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fotografia, quadrinhos, revistas gráficas, literatura popular etc. (EGUIZÁBAL, 2007, p. 15) O artigo que inaugurou a abordagem semiológica foi Retórica da imagem, de Roland Barthes (1964), seguido por Retórica e imagem publicitária, de Jacques Durand, Física e metafísica da imagem publicitária de Georges Péninou e Fundamentos para a teoria da mensagem publicitária de Juan Antonio González Martín. À exceção deste último, analisa Eguizábal, os autores tinham os anúncios e peças publicitárias como objetos, não tratavam o fenômeno publicitário a partir de um conhecimento específico, vendo a publicidade como uma disciplina, ou seja, estes autores não tinham a intenção de “[...] dotar a publicidade de um status epistemológico próprio”. (EGUIZÁBAL, 2007, p. 15) A partir dos anos 1960 a produção sobre publicidade aumenta de modo considerável. Eguizábal, por exemplo, chega a afirmar que há três pilares sobre os quais as teorias da publicidade se apoiam. O primeiro, a abordagem semiológica citada acima. Os outros dois pilares são o tratamento pluridisciplinar e o enfoque sistêmico. O enfoque pluridisciplinar está relacionado com a produção espanhola, destacando-se os autores Tallón García (Dialética informativa da publicidade, 1978), Sánchez Guzmán (Introdução a teoria da publicidade, 1979) e González Martín (Teoria geral da publicidade, 1996). Por outro lado, a abordagem sistêmica, elaborada a partir da Teoria Geral dos Sistemas (de autoria de Von Bertalanffy, 1925), seria muito abrangente. Em busca de produções científicas sobre o tratamento teórico da publicidade, não encontramos quase nada que trouxesse explicitamente a relação das teorias da publicidade com as teorias da comunicação. As obras mais citadas foram Scientific Advertising de Claude Hopkins, Introduction to advertising (1924) de Arthur Brewster e Herbert Palmer, Advertising theory and practice (1935) de C.H. Sandage e Théorie et technique de la publicité (1948), de Claude R. Haas, todas voltadas para a venda, descrição de agências e técnicas para se fazer um bom anúncio. Encontramos quatros livros com o título Teoria da publicidade: Teoría de la Publicidad, de Raúl Eguizábal (2007); Teoría de la Publicidad, de José Ramón Sánchez Guzmán (1ª ed. de 1979, edição encontrada de 1993); e The theory of advertising: a simple exposition of the principles of psychology, de Walter Dill Scott (1904) e, o mais recente, Advertising Theory, editado por Shelly Rodgers e Esther Thorson. Encontramos ainda La  publicité: de l’instrument

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économique à l’institution sociale, de André Cadet e Bernard Cathelat (1968), La Publicidade de Armand Mattelard (1991) e Social Communication in Advertising, de William Leiss, Stephen Kline, Sut Jhally e Jacqueline Botterill (2005). Selecionamos quatro trabalhos que procuram esquematizar a ação social da publicidade, todos sobre teoria da publicidade com algum enfoque na comunicação. São as obras Advertising theory de Shelly Rodgers e Esther Thorson (2012); Social Communication in Advertising de Leiss e colaboradores (2005); Teoría de la publicidad de Raúl Eguizábal (2007); e Teoría de la publicidad, de José R. Sánchez Guzmán (1993) – que serve de base a Neusa Demartini Gomes em Publicidade: comunicação persuasiva, o mais teórico dos livros brasileiros. Todos os quatro apresentam modelos teóricos ilustrados por diagramas. Sobre eles, faremos uma breve análise. Nosso primeiro modelo, Ciclo do processo publicitário, foi apresentado por Rodgers e Thorson – adaptação de um diagrama semelhante de W. McGuire (Behavioral and management science in marketing, 1969). Trata-se de um esquema circular elaborado em torno de duas questões: Para que serve a publicidade? E qual a utilidade das mensagens? Formado por sete elementos – contexto, audiência, dispositivos, canais de mídia, mensagens e mais dois acrescentados pelas autoras: organizações publicitárias e mensagens –, o esquema reflete de modo interessante a visão utilitária da prática publicitária. O elemento contexto aparece isolado ao centro de todos os outros já citados. A nosso ver, tal representação que isola o contexto revela o modo como as agências observam o ambiente: o contexto é central, mas flutua, não interage com nenhum outro componente. Já o termo “audiência” foi descrito pelas autoras apenas em um índice quantitativo. O público-alvo não está representado assim como não há representação do consumidor. Curiosamente, na descrição das autoras, os anunciantes fazem parte das organizações publicitárias, sem distinguir as organizações regulatórias, as agências e associações acadêmicas. Enfim, trata-se de um reflexo das agências sobre o processo, e não social ou comunicacional. O segundo modelo de Leiss e colaboradores, O papel da publicidade na sociedade moderna, foi elaborado em torno das atividades das agências e da própria publicidade. Ele destaca o papel dessas atividades na economia global (produção, distribuição e consumo), sem perder de vista a dimensão cultu-

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ral da prática publicitária. Para os autores, em nossa sociedade de consumo, a publicidade é onipresente, desejo e cultura são inseparáveis e as relações interpessoais estão permeadas de padrões de consumo e os produtos são marcas simbólicas de distinção e expressão. Os autores destacam “[...] a intensidade dos comerciantes no esforço promocional procurando vincular as necessidades dos consumidores com as características dos produtos que vendem”. Segundo eles, isto é o que distingue nossa sociedade contemporânea das anteriores, ou seja, a publicidade é a instituição de um tipo de transação comercial singular, pois está na interseção entre a economia e a cultura. (LEISS et al., 2005, p. 5) O modelo consiste em cinco elementos: agências e publicidade, ao centro; os outros quatro, unilaterais, são: 1) concepção, produção, apresentação e marketing; 2) consumidor, cultura, marketing social e uso dos bens; 3) público, planejamento de mídia; e 4) distribuição, varejo, comportamento do consumidor. Nossa observação a esse esquema incide sobre o modo como ocorre esta interseção. Os autores afirmam que ela acontece via meios de comunicação de massa, no entanto, na ilustração do modelo, eles não foram representados. Por conseguinte, o esquema parece contraditório com a proposta do livro. O terceiro modelo, O sistema publicitário, de Sánchez Guzmán, é um exemplo da abordagem sistêmica que se apoia em estudar os fenômenos em sua totalidade, a Teoria Geral dos Sistemas criada por Ludwig von Bertalanffy. O autor procura, dessa forma, inserir todos os elementos relacionados com as atividades publicitárias. Para Sánchez Guzmán (1993, p. 72-73, tradução nossa), “o Sistema Publicitário é uma rede organizada de elementos, inscrita no entorno geral da comunicação de massas, programados para seguir um plano determinado para realizar um objetivo cujo marco de referência é o universo econômico da empresa capitalista”. O modelo tem 12 elementos, um dos quais a comunicação que, no entanto, não parece estar interagindo com nenhum outro elemento (apenas recebe informação). A falta de interação não é o problema, é reflexo do que está ausente no modelo: o consumidor, para quem se dirige a mensagem e sem o qual não pode haver o processo de comunicação. O modelo está estruturado da seguinte forma:

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1) Atividades das empresas – os anunciantes; 2) Atividades de marketing – os anunciantes; 3) Planejamento – a agência; 4) Comunicação. Nesse modelo não aparecem os consumidores. Há “dados de entrada” (input) e “dados de saída” e “retroalimentação”. Este último, aliás, poderia ser o elemento mais importante de um “sistema organizado em torno da comunicação”, caso o consumidor estivesse presente. Por fim, surpreende a explicação de Sánchez Guzmán sobre seu modelo: “tal desenho inclui unicamente os elementos mais importantes do Sistema”. Raúl Eguizábal é, entre os autores citados, provavelmente o único que pensa a publicidade a partir da própria publicidade. Isto pode ser observado no sumário de seu livro, dividido em três partes: o conceito de publicidade, a ação publicitária e seus resultados. Não se trata de uma abordagem da economia, administração ou psicologia. Apesar de também não ser comunicológica, é a que chega mais perto desse viés, pois inclui todos os atores do sistema publicitário, inclusive a construção simbólica dos produtos (objetos) e o reflexo no consumo. O modelo apresentado, Movimento circular de influências no sistema publicitário, é simples e quase completo. Não podemos criticá-lo por não colocar a comunicação como o centro do processo, pois isto não foi proposto pelo autor. Temos apenas duas observações: a primeira se refere ao movimento circular. Não nos parece que as influências ocorram de modo tão esquemático, apenas em um sentido, principalmente, levando-se em conta que um dos elementos são os Serviços de pesquisa. A segunda é a categoria Público. Em um sistema publicitário, do qual as empresas de pesquisa fazem parte, o público não é considerado em seu conjunto, mas por segmentação e a escolha de um público-alvo, de quem se espera a ação pretendida nas campanhas. O alcance vai além do público-alvo escolhido, não sendo o caso de excluir o restante. Diante da proposta do autor, um modelo de influências, faria mais sentido haver duas categorias: o público-alvo e o público em geral.

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Os quatro livros apresentados são produções recentes e nenhum foi traduzido para o português. Diante da quantidade de cursos de publicidade no país, como se caracteriza a bibliografia básica desses cursos? Para que pudéssemos ilustrar a situação, escolhemos analisar obras que tratam das teorias da comunicação em geral, como as de Mauro Wolf e Pedro Jorge Sousa e, em seguida, livros específicos sobre publicidade. Observando as obras clássicas das teorias da comunicação encontramos algumas particularidades que ilustram o estado da produção de conhecimento sobre a publicidade. Harold Lasswell (Propaganda), Maxwell McCombs (Agenda-setting) e Elisabeth Noelle-Neumann (Espiral do silêncio) têm como base de suas teorias as campanhas políticas. Mauro Wolf (2008, p. 5), por sua vez, observa que “pode-se também descrever o modelo hipodérmico como uma teoria da propaganda e sobre ela: com efeito, este é o tema central relativo ao universo dos meios de comunicação”. Wolf também lembra que ou as teorias apresentadas referem-se à comunicação como uma totalidade (sem fazer distinção entre jornalismo, publicidade e outras especialidades da área) ou se toma cada uma delas como um corpo de teorias próprio e autônomo (por exemplo, teorias do jornalismo). (BURROWES, 2005) Portanto, embora todas estejam voltadas para o efeito dos meios de comunicação de massa na sociedade (manipulação, persuasão, eficiência, influência, opinião pública, função, usos), são descritas como referentes a um processo de comunicação social, como um processo maior; ora são descritas como análises de processos exclusivos de uma de suas especialidades. Chama a atenção a naturalização, a crença que as teorias da comunicação sejam “obviamente” teorias do jornalismo, sem considerar o potencial delas como teorias da comunicação em geral. Desse modo, não podem ser consideradas teoria da publicidade ou da propaganda. Esta naturalização é intrigante, pois parte dos conteúdos relativos à produção dos meios de comunicação são explicitamente produções publicitárias ou propaganda e muitas outras alcançam estes objetivos indiretamente. Jorge Pedro Sousa, autor de Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Media, apresenta uma estrutura diferente da obra de Wolf. Escrito para a disciplina Teorias da Comunicação, da graduação, o livro destaca, junto aos conceitos de comunicação e informação, alguns modelos do processo

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de comunicação, indo da retórica de Aristóteles a Roman Jakobson, passando por Lasswell, Shanon e Weaver, Newcomb, Shramm e Gerbner. Em seguida, apresenta os conceitos de semiótica, semiologia e psicanálise. Um aspecto interessante é que ao apresentar o capítulo “Noções conceptuais, históricas e teóricas” da comunicação social, separa estas noções em jornalismo, publicidade, relações públicas, mas apenas faz apontamentos sobre propaganda e marketing, deixando de fora a publicidade. O autor discorre sobre a Agulha Hipodérmica, Os Dois Estágios da Comunicação e a Agenda-setting. Também apresenta teorias europeias como a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt e a Espiral do Silêncio. Diferente de Mauro Wolf, discute algumas pesquisas latino-americanas, como a Teoria da Dependência. Por fim, faz uso de um capítulo para explicar os conceitos de cada especialidade (jornalismo e publicidade, entre outros). A divisão e a análise do autor, entretanto, é bastante desigual no que se refere à descrição e ao espaço reservado a cada uma. O tópico “jornalismo” tem o dobro de páginas; no item “modelos”, que analisa a parte teórica, não aparece o tópico “publicidade”. Além disso, Sousa, ao tratar da teoria, dedica um espaço ao processo jornalístico, aos acontecimentos e a uma “edificação de uma Teoria da Notícia”. O tópico publicidade se divide apenas em mensagem, criatividade, meios e campanhas, se restringindo os aspectos práticos e técnicos encontrados nos livros da área. De qualquer modo, talvez seja mais provável que a “responsabilidade” dessa ausência não deva ser imputada apenas aos autores, é apenas um reflexo do pouco interesse dos publicitários pela produção teórica que, por vezes, lhe é hostil. Sobre os livros específicos da publicidade, tomamos como exemplo três obras conhecidas e usadas nos cursos de graduação no Brasil: Criatividade em Propaganda, de Roberto Menna Barreto (2004), Propaganda, Teoria, Técnica e Prática, de Armando Sant’Anna (1998) e Publicidade: comunicação persuasiva, de Neusa Demartini Gomes (2003). O primeiro, de Menna Barreto (2004, p. 21), trata do “[...] desafio de tentar ensinar [...] alguns modos de inventar e explorar possibilidades de elaboração de soluções e anúncios criativos. Essas possibilidades começam no

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espírito de cada um. Assim, procurei também ensinar, se possível, um estado de espírito”. Mesmo sem compreender o que significa ensinar um “estado de espírito”, o livro trata da prática, do fazer publicitário. Entre os 14 capítulos da obra, (que têm títulos como “Inspiração” e “Criatividade tem hora”), há o muito significativo capítulo “Teorias: tudo o que você não precisa saber sobre elas”. Nele encontramos a não menos significativa epígrafe: “Os romanos não teriam tido tempo de conquistar o mundo se tivessem de estudar latim” (de Heinrich Heine). O capítulo trata de teorias da criatividade classificadas em: “tempos antigos”, “filosóficas modernas”, “psicológicas” (associacionismo, gestalt, psicanálise, neopsicanálise, neofreudianos), “reação ao freudianismo” e “análise fatorial”. O livro não tem, certamente, um caráter acadêmico, mas de vulgarização, de porta de entrada ao “maravilhoso e divertido” mundo da publicidade, com pouca serventia para discussões mais sérias sobre o assunto. Mais formal, mas ainda visando o fazer publicitário, Propaganda, Teoria, Técnica e Prática, de Sant’Anna se divide em nove partes e, apesar do termo teoria no título, apenas o terceiro capítulo dedica dez páginas ao assunto (de um total de 469 páginas) para explicar os conceitos de publicidade e propaganda, de níveis de conhecimento, natureza dos fenômenos publicitários, leis publicitárias, da publicidade e seus efeitos na economia moderna e de sua responsabilidade social. O autor não se aprofunda em nenhum. Por fim, o livro de Neusa Gomes tem início com a conceituação de sistema e o processo publicitário, apresenta as teorias e modelos da comunicação social (basicamente os mesmos já comentados) e tem um capítulo exclusivo sobre teoria da comunicação publicitária. O livro se divide em conceituar, contextualizar, estruturar a atividade publicitária e apresenta suas funções e objetivos. O capítulo sobre teoria aborda a comunicação persuasiva, a mercadológica, a textual e faz as relações com o discurso publicitário e distingue a publicidade da propaganda. A autora apresenta alguns modelos teóricos de outras disciplinas, mas que foram incorporados à área: da economia, da fisiologia, da psicologia e da psicologia social e outros da publicidade, como o AIDA (Atenção, Interesse, Desejo, Ação), em mais um exemplo de hibridismo. Mesmo sem se aprofundar, é o único que trata o caráter conceitual da publicidade com seriedade.

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Como vimos mais acima, o fazer, o como fazer, e para quem fazer são o foco principal das obras de Menna Barreto e Sant’Anna. Porém, não se trata de exclusividade dos livros. Em relação aos periódicos científicos, destaca-se a publicação Comunicação, Mídia e Consumo (ESPM), que se define como “[...] um espaço aberto para discussão, reflexão e debate de pesquisadores das mais diversas linhas de pesquisa ligadas a comunicação e as práticas de consumo”. Publicada desde 2004, o volume 3, número 8, de 2006 foi dedicado ao tema “epistemologia da comunicação”. No entanto, dos oito textos publicados neste exemplar, não há nenhum que trate especificamente de teorias da publicidade. O mesmo ocorre em encontros da área. Em 2010 foi realizado, na Universidade de São Paulo, o I Pró-Pesq – Encontro Nacional de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda. O primeiro evento organizado por um curso de comunicação voltado exclusivamente para a publicidade. Aproveitamos para consultar qual seria o peso de pesquisas sobre teorias entre os trabalhos apresentados. Foram selecionados 72 artigos que se transformaram em um e-book, dividido em cinco categorias: propaganda e linguagens; propaganda e tendências; propaganda, ética e ideologias; formação em publicidade e propaganda; propaganda e mercado. Para a categoria formação em publicidade e propaganda foram selecionados 15 artigos: 1) Quatro sobre teorias 2) Quatro sobre ensino da publicidade 3) Três sobre pesquisas na área 4) E um de cada assunto: promoção, criação de anuário, trabalho, história. Em 2011, no e-book do segundo encontro, de 82 artigos apenas quatro deles tinham a proposta de discutir teorias. Em um primeiro momento, foi o contexto histórico ruim que motivou a produção de Hopkins, Prat Gaballí e Scott. Passados 100 anos, a situação da produção teórica sobre publicidade pouco mudou: segue a mesma linha

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iniciada por esses autores – interesse pela prática –, e a publicidade continua sendo vista de modo negativo. Sabemos o quanto a prática (e sua teoria) é importante e não é nosso interesse desmerecê-la. No entanto, a importância social e econômica da publicidade não pode ser ignorada exatamente pela área da qual faz parte: a comunicação social. O curioso é que, mesmo aqueles que valorizam o papel dos meios de comunicação, se contradizem. Nos exemplos citados, é possível observar a visão utilitária do campo, a publicidade vista, quase exclusivamente, a partir das agências de publicidade, sem considerar o papel dos meios de comunicação no processo. O interessante é que este vácuo é supostamente preenchido por repetidos discursos críticos que se utilizam de argumentos alheios ao campo comunicacional e, portanto, sem contribuírem em definitivo para uma postura crítico-positiva. Ou seja, não apresentam alternativas contundentes, apenas saídas fáceis e simplórias, como defender o fim da publicidade, pura e simplesmente, como recurso para uma sociedade melhor.

R e f e r ê n c ia s ACADEMIA DE LA PUBLICIDAD. Pedro Prat Gaballí. Disponível em: . Acesso em: 24 fev. 2013. BARRETO, Roberto Menna. Criatividade em propaganda. 12. ed. São Paulo: Summus, 2004. BURROWES, Priscila. Viagem ao território da publicidade. Comunicação, mídia e consumo, v. 2, n. 5, p. 205-219, 2005. EGUIZÁBAL, Raúl. Teoria de la publicidad. Madrid: Cátedra, 2007. ______. Historia de la publicidad. Madrid: Fragua, 2011. EGUIZÁBAL, Raúl; GARCÍA-OCHOA, Maria Luisa. La publicidad y los libros: 1920-1972 documentos de trabajo. Madrid: Biblioteca Universidad Compllutense, 2001. 53p.

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O campo comunicacional e as teorias da publicidade—

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Chamem o Conar! O efeito de terceira pessoa e o apoio às intervenções regulatórias na publicidade de cervejas André Bomf im dos Santos

Introdução

Desde sua fundação, em 1980, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), tornou-se uma via alternativa para a regulação dos conteúdos publicitários exibidos nos veículos de comunicação brasileiros. Baseada no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBARP), a sociedade civil sem fins lucrativos monitora tais conteúdos, responsabilizando-se pela aplicação e pelo acatamento das normas contidas no CBARP e desafogando as vias judiciárias. A autorregulação é feita a partir de denúncias de seus membros associados, diretores, do próprio mercado e, sobretudo, de cidadãos, denominados consumidores, que podem registrar suas queixas no site da instituição. De acordo com dados do próprio Conar, o segmento



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líder em infrações e reclamações é o de bebidas alcoólicas, representado na totalidade dos casos pelos anúncios de cerveja, impressos ou televisivos. E a expressiva maioria das reclamações feitas ao setor, ou 64,5% delas, é proveniente dos consumidores, quase sempre preocupados com a indução ao consumo irresponsável entre adolescentes e jovens adultos.1 Nessas queixas, os consumidores revelam-se via de regra mais preocupados com a má influência desses comerciais sobre a população em geral do que sobre si próprios ou sobre indivíduos mais próximos, como os familiares. É o caso, por exemplo, das reclamações de consumidores de diversos estados sobre o comercial Tubarão, da marca líder em processos no Conar. No filme, um grupo de jovens adultos ignora placas de advertência e entra no mar infestado de tubarões para resgatar uma caixa de cervejas. Voltam para a praia com vários tubarões presos aos seus corpos, mas felizes por terem resgatado o produto. Segundo os consumidores, a linguagem jovem, irreverente e fantasiosa teria o poder de atrair a atenção do público infanto-juvenil. Além disso, a representação traria a banalização de um comportamento de risco e o produto cerveja estaria colocado num patamar mais importante que a própria vida. O processo, no entanto, foi arquivado, pois, segundo o relator, “o consumidor sabe muito bem que a situação mostrada não passa de palhaçada, uma piada sem nenhuma sutileza”.2 A preocupação dos consumidores no caso acima, assim como a de tantos outros que dão entradas em processos no Conar, revela o padrão de comportamento descrito pelo sociólogo W. Phillips Davison (1983, p. 3, tradução nossa) em sua hipótese do Efeito de Terceira Pessoa (ETP): [...] as pessoas tendem a superestimar a influência que a comunicação de massa tem sobre as atitudes e comportamentos de outros. Mais especificamente, indivíduos que são membros de uma audiência exposta a uma comunicação persuasiva (tendo ou não essa

1 Dados obtidos através da análise de casos relativos a comerciais de cerveja, no período de maio de 2011 a maio de 2012, na seção DECISÕES/CASOS, no site do Conar: . Acesso em: 15 ago. 2012. 2 Parecer do relator do caso “Skol – Tubarão”, aberto a partir de queixa de consumidor e de uma cervejaria concorrente. Disponível em: . Seção DECISÕES/CASOS/2011/ NOVEMBRO/RESPONSABILIDADE SOCIAL. Acesso em: 15 ago. 2012.

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comunicação a intenção de ser persuasiva) irão esperar que essa comunicação tenha um efeito maior sobre os outros do que sobre si mesmos. E, façam ou não parte da audiência ostensiva dessa mensagem, o impacto que eles esperam que essa comunicação venha a ter sobre os outros, os levará a tomar algum tipo de atitude.

Em seus comportamentos, portanto, apresentam-se alguns componentes básicos do ETP. Ao processar o comercial pela cena em questão, os bem-intencionados reclamantes veem as crianças e adolescentes (nesse caso, “os outros”) como indivíduos incapazes de estabelecer limites entre a representação fantasiosa do filme e a vida real. E o possível efeito nocivo da mensagem sobre esse público os levam a tomar uma atitude: acionar o Conar e solicitar a sustação da veiculação do comercial. Averiguar se tais conteúdos podem de fato induzir ao consumo de álcool ou a comportamentos de risco certamente não faz parte dos objetivos de um estudo tão conciso. Cabe aqui averiguar não os efeitos diretos da mídia, mas os chamados indiretos. Neste caso, a percepção dos indivíduos em relação à influência presumida dessas mensagens sobre si e sobre as outras pessoas em geral. E tão importante quanto essa percepção, as atitudes decorrentes dela. Mais especificamente, o apoio à censura3 dos comerciais em questão. Para tanto, foi replicado um experimento do próprio Davison (1983), em que ele testa a relação do ETP também com anúncios publicitários. De modo bastante informal, Davison avaliou a percepção de 25 estudantes universitários sobre a influência dos comerciais de TV sobre si próprios quando crianças (self) e sobre as outras crianças em geral (others). No presente caso, foi empreendida uma pesquisa empírica entre 96 estudantes universitários do município de Lauro de Freitas (região metropolitana de Salvador), para testar a sua percepção sobre a influência dos comerciais de cerveja sobre si e sobre os outros. O experimento original é aqui ampliado, com a inclusão do componente comportamental – apoio à censura – e do corolário da distância

3 Embora o termo “censura” possa trazer à tona uma série de discussões éticas e políticas, ele é aqui utilizado na sua acepção de reprovação social, preservando a fidelidade ao termo censorship, utilizado originalmente por Davison. Registramos, portanto, que não há qualquer intenção de, através da sua utilização, avaliar o julgamento e sustação dos comerciais propostas por cidadãos e mediadas pelo Conar como um ato arbitrário ou antidemocrático.

Chamem o Conar!—

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social, isto é, a ideia de que grupos mais distantes socialmente são mais vulneráveis ao efeito da mídia.

Revisão teórica

Apesar dos estudos da mass communication research estadunidense (MCR) terem superado a abordagem “hipodérmica”, o construto de uma mídia poderosa, de efeitos “ilimitados, diretos e imediatos” (SERRA, 2007, p. 145) sobre massas moldáveis e passivas, permanece até hoje no imaginário coletivo da sociedade. Para Perloff (1993), essa visão esquematizada da mídia (media schema), juntamente com a autovalorização do indivíduo (ego-enhancement), formam as bases sobre a qual se assenta o efeito de terceira pessoa. Sobre o funcionamento do media schema, o autor explica que “na medida em que os indivíduos acreditam que o cidadão médio é vulnerável à mídia ou a mídia é todo-poderosa, eles podem logicamente inferir que os outros são mais vulneráveis à mídia do que eles próprios”. (PERLOFF, 1999, p. 362) Já o ego-enhancement é explicado como uma ilusão de vulnerabilidade: “este ponto de vista sustenta que os receptores precisam acreditar que eles são invulneráveis a acontecimentos negativos [a influência persuasiva dos meios de comunicação] como forma de preservar o controle e a auto-estima.” (PERLOFF, 1993, p. 177) Autor de duas valiosas revisões teóricas sobre o ETP, Perloff estabelece cinco “condições facilitadoras” do surgimento do efeito de terceira pessoa. São conceitos fundamentais para o entendimento do fenômeno e, por isso, esquematizados no Quadro 1. Não é possível concluir uma revisão sobre o efeito de terceira pessoa sem tocar no seu aspecto comportamental. Mais notadamente no ponto mais destacado por Davison: o apoio à censura. O mecanismo básico pelo qual ele floresce é descrito com objetividade por Perloff (1993, p. 180): No final das contas, ao perceber que a comunicação exerce um efeito maior sobre os outros do que sobre si [...], o indivíduo deve querer censurar a mídia se ele ou ela avaliou a mensagem negativamente, ou ele ou ela deve querer divulgar a mensagem, se avaliada positivamente.

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Quadro 1 - condições facilitadoras do ETP

1. CARÁTER DA MENSAGEM: a maioria dos estudos comprova que o ETP manifestase de forma mais contundente em casos de mensagens negativas, ou consideradas pelo receptor como “não-interessante para me deixar influenciar”, incluindo aí a propaganda de bens de consumo. 2. AUTO-ENVOLVIMENTO (EGO-INVOLVMENT): o ETP é positivamente relacionado com o envolvimento ou interesse do indivíduo em relação ao assunto. 3. PARCIALIDADE DA FONTE: existe também uma relação direta entre o ETP e a percepção de parcialidade da fonte, em particular daquelas notadamente persuasivas, como a publicidade. 4. EDUCAÇÃO: alguns estudos a apontam como outro fator positivamente relacionado ao ETP, uma vez que uma maior escolaridade faz o indivíduo se considerar mais crítico em relação aos conteúdos da mídia e, conseqüentemente, superior aos demais. 5. COROLÁRIO DA DISTÂNCIA SOCIAL: prediz que a discrepância entre a percepção dos efeitos da comunicação sobre “si próprio” versus “os outros” aumenta na medida em que os outros são definidos em espectros mais amplos e globais. Fonte: PERLOFF, 1993.

Davison aponta uma série de outros comportamentos resultantes do ETP na vida cotidiana contemporânea, a exemplo das flutuações das bolsas de valores ou da estocagem de suprimentos em momentos de distribuição irregular. (TEWKSBURY, 2004) Mas deixa claro, no entanto, que “o fenômeno da censura oferece o que é talvez o campo mais interessante para especulações acerca do papel do efeito de terceira pessoa”. (DAVISON, 1983, p. 14)

P u b l i c i d a d e e e f e i t o d e t e r c e i r a p e s s o a : hi p ó t e s e s

Apesar de também poder ser fonte de entretenimento e informação, a publicidade é quase sempre vista como um conteúdo indesejável, que interrompe de forma arbitrária o fluxo dos conteúdos midiáticos, o que é ratificado por McQuail (2003, p. 508):

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A publicidade tem sido controversa por várias razões, em especial as seguintes: não ser em geral desejada pelos receptores; ter um caráter de propaganda e ser suspeita de enganar e manipular; ter um efeito de distorção nas relações entre os media e a audiência; os seus conteúdos serem estereotipados e enganadores; a sua presença influenciar conteúdos não publicitários.

No caso aqui estudado, esse aspecto antissocial é amplificado pelo debate público em torno da influência negativa presumida dos comerciais de cerveja. A análise dos dados decorrentes dos 26 casos extraídos do banco de casos e decisões do Conar revela que os consumidores têm preocupações específicas sobre a influência desses anúncios, que vão desde a representação de comportamentos antissociais, como a infidelidade, até o desrespeito à figura humana. Mas a principal razão das queixas é a indução ao consumo irresponsável. Partindo do caráter eminentemente antissocial associado a essas mensagens, a pesquisa empírica espera, em primeiro lugar, replicar o resultado obtido por Davison no experimento de 1983, detectando o componente perceptual do efeito de terceira pessoa.

Hipótese 1: A influência presumida da publicidade de cer vejas sobre os outros será maior que a influência percebida sobre si Dando o primeiro passo além do experimento original, será testado o componente do corolário social, que prediz que a percepção de terceira pessoa será intensificada na medida em que “os outros” são representados por grupos mais genéricos ou socialmente distantes. A percepção de terceira pessoa será medida sobre os seguintes grupos sociais, por ordem de distância presumida, do mais próximo ao mais distante: amigos, outros universitários, jovens que não possuem nível universitário e adolescentes. O grupo “adolescentes” foi colocado como último grau da escala de distância social por conta de sua vulnerabilidade presumida: pelo fato de serem indivíduos em formação de caráter e personalidade, demandam naturalmente um olhar paternalista, gerando consequentemente, uma forte percepção de terceira pessoa. Dessa forma, propomos a segunda hipótese.

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Hipótese 2: A percepção de terceira pessoa estará positivamente relacionada com a distância social dos grupos avaliados Em um segundo passo além, será avaliado o componente comportamental do ETP, ou a predisposição à censura dos comerciais. De acordo com Perloff (Quadro 1), o efeito de terceira pessoa se intensifica quando o conteúdo em questão é considerado antissocial. Espera-se, portanto, como hipótese 3.

Hipótese 3: A percepção negativa da publicidade de cer vejas estará positivamente relacionada com o apoio à sua sustação e proibição

M e t o d o l o g ia

Um questionário de nove perguntas foi aplicado entre 96 estudantes da União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime), instituição privada de ensino superior, no campus do município de Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, Bahia, entre 6 e 10 de agosto de 2012. Foram evitados os alunos dos cursos de comunicação, devido à possibilidade de um olhar tendencioso. Dessa forma, participaram alunos dos cursos de direito, administração, logística, serviço social e ciências biológicas. O questionário se iniciava com algumas perguntas sociodemográficas básicas: sexo, idade e curso. Logo em seguida era apresentada uma breve notícia, forjada para a pesquisa e atribuída a um periódico sobre publicidade. O texto serviu para introduzir os respondentes na problemática que envolve a publicidade das cervejas, buscando, porém, uma imparcialidade no tratamento da mesma. Para tanto, são apresentados os pontos de vista dos consumidores reclamantes e da agência de publicidade como se pode conferir no Quadro 2.

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Quadro 2 - Matéria forjada sobre a problemática

PUBLICIDADE DE CERVEJAS É ALVO DE DENÚNCIAS É cada vez maior o número de denúncias de consumidores de todo o país em relação à publicidade das cervejas, sob a alegação de que os comerciais podem induzir o público ao consumo irresponsável da bebida. Com sua linguagem irreverente e fantasiosa, a Skol é a marca campeã de denúncias. Um dos comerciais processados mostrava um grupo de jovens adultos em uma piscina de plástico, enquanto uma grande piscina ao lado era utilizada para gelar centenas de latas de cerveja. Para os reclamantes, o anúncio induz claramente ao consumo excessivo, contrariando inclusive a cláusula obrigatória “Beba com moderação”. Segundo a assessoria da F/Nazca, agência que criou o comercial, “todos sabem que se trata de uma fantasia, um exagero que ninguém levaria a sério.” De um lado o politicamente correto. De outro, a liberdade criativa dos publicitários. Segundo o CONAR, Conselho de Autorregulamentação Publicitária, “é preciso encontrar um equilíbrio entre pontos de vista tão divergentes”.

Fonte: Meio e Mensagem online, novembro/2011.

A primeira pergunta era “Com que frequência você consome bebidas alcoólicas?” Ela serviu para verificar uma possível relação do consumo ou da abstemia com a percepção da mensagem. Apesar de não estar presente nas hipóteses, não foi desconsiderada a possibilidade de consumidores de bebidas apresentarem uma percepção reduzida ou nula do caráter antissocial da mensagem, em oposição aos abstêmios. A segunda pergunta, cuja resposta resumia-se a sim ou não, avaliava se o respondente acreditava na influência dos comerciais citados sobre o consumo irresponsável de bebidas. A terceira pergunta media a percepção da influência dos comerciais de cerveja sobre o consumo da bebida no próprio respondente, numa escala de 6 pontos, variando de zero (nenhuma influência) a 5 (influência extremamente forte). Ela representava, portanto, a percepção sobre o self ou si próprio. Seguindo o procedimento de Davison (1983), o questionário introduz algumas perguntas sobre a percepção dessa influência sobre os outros, antes de chegar à sétima questão: “Em que medida você acha que os comerciais de cerveja influenciam negativamente os grupos abaixo?” Seguindo a mesma escala, os respondentes avaliaram a influência

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sobre “amigos, outros universitários, jovens que não possuem nível universitário e adolescentes.” Antes disso, porém, a quarta pergunta levava o respondente a avaliar a sua influência presumida da mídia sobre o comportamento das pessoas, em escala semelhante à supracitada. A quinta questão avaliava a imagem dos conteúdos publicitários entre os respondentes através da pergunta “Você acredita que a propaganda é também uma forma de instrução e informação?” As respostas resumiam-se a não. O único interesse é vender. E sim. Os comerciais também podem ser instrutivos. A sexta questão pedia que o respondente avaliasse a influência dos comerciais de cerveja sobre uma situação específica: o consumo irresponsável ao volante. Respostas na mesma escala. E, por fim, as questões concernentes ao apoio à censura, avaliado em três níveis, do mais fraco ao mais severo: medidas regulatórias que retirem os comerciais abusivos do ar; restrição do horário para os comerciais de cerveja em geral; e a proibição dos comerciais de cerveja na televisão. As respostas também seguiam a escala supracitada. Antes de prosseguir, é preciso deixar claro que não se propõe aqui o rigor estatístico comum às experiências empíricas mais rigorosas, como critérios de aleatoriedade e técnicas de regressão. Fica a proposta de, havendo oportunidades mais propícias, replicar o estudo com esse tipo de expertise. Ainda assim, reafirma-se a validade dos resultados, ancorada na objetividade dos experimentos originais do próprio autor da hipótese: “todos os testes foram realizados com grupos pequenos em condições informais. [...] Mesmo que isolados, os experimentos não sejam impressivos, todos os resultados tendem a confirmar a hipótese”. (DAVISON, 1983, p. 4) Foram seguidos também os conselhos em relação a não contaminação dos grupos e a não suspeita sobre a hipótese testada.

R e s u lta d o s

A Tabela 1 revela a presença marcante do efeito de terceira pessoa em todos os graus de influência estipulados como resposta. No grau 5 (influência extremamente forte), por exemplo, a influência presumida sobre si próprio

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(16,48%) é consideravelmente menor que nos grupos classificados como “os outros”. Contundentemente, para o grau zero, que representa a ausência de influência, tem-se o efeito inverso, com 40,47% de respondentes que acreditam que a publicidade de cervejas não exerce qualquer influência sobre o seu próprio consumo de bebidas, contra percentuais de frequência que variam de 2,19 a 4,39% para os demais grupos. Tabela 1 - Influência presumida da publicidade de cerveja sobre o consumo da bebida (Todos os entrevistados)

Si próprio

Amigos

Outros universitários

Jovens que não possuem nível universitário

Adolescentes

Grau de influência

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

0(nenhuma influência)

35

38,46

3

3,29

2

2,19

4

4,39

2

2,19

1 (influência muito fraca)

6

6,59

8

8,79

8

8,79

5

5,49

2

2,19

2(fraca influência)

10

10,98

19

20,87

18

19,78

8

8,79

7

7,69

3(influência moderada)

18

19,78

26

28,57

23

25,27

15

16,48

16

17,58

4(forte influência)

7

7,69

14

15,38

18

19,78

26

28,57

25

27,47

5(influência extremamente forte)

15

16,48

21

23,07

22

24,17

33

36,26

39

42,85

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100

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100

91

100

91

100

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Abrem-se aqui parênteses na análise dos resultados: a maioria dos respondentes (42%) declara-se não consumidores de bebidas alcoólicas. Para investigar se a ideia de invulnerabilidade ao efeito da publicidade estaria diretamente associada ao fato da abstinência alcoólica, a discrepância “eu” versus “os outros” foi analisada separadamente entre os grupos de abstêmios e consumidores. Como resultado, o efeito de terceira pessoa continuou se manifestando de maneira expressiva em ambos os grupos, de forma levemente mais intensa no grupo de abstêmios, os quais evidentemente se acham mais imunes aos efeitos de tal publicidade.

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Voltando, portanto, à Tabela 1, é possível perceber que, de forma geral e, mais especificamente nos graus 4 e 5 de influência presumida, os percentuais aumentam na medida em que se avança para os grupos mais distantes. Contrariamente, na situação de influência zero, os percentuais decrescem. Isso revela que a influência presumida sobre “os outros” aumenta na medida em que estes fazem parte de grupos sociais mais distantes e, por isso, considerados mais vulneráveis aos efeitos hipodérmicos da publicidade. E que a reação explicada por Perloff como autovalorização do indivíduo ou ego-enhancement revela-se aqui no fato de que, no grau zero (nenhuma influência), o maior percentual se encontra na coluna do “si próprio”. Além disso, percebe-se que essa vulnerabilidade decresce quando nos deslocamos para os grupos mais distantes. Apesar de algumas inconsistências nos graus mais fracos de influência presumida, acredita-se que os dados apresentados oferecem suporte suficiente à hipótese que envolve o corolário social (Hipótese 2). Tabela 2 - Grau de apoio às medidas restritivas e à censura prévia – acreditam na influência negativa da publicidade (conteúdo antissocial) Restrição de horário para comerciais de cerveja em geral

Suspensão de comerciais abusivos

Proibição de comerciais de cerveja

Grau de apoio às medidas restritivas

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

0(Nada favorável)

2

4,25

1

2,12

3

6,38

1(Fracamente favorável)

3

6,38

2

4,25

5

10,63

2(Razoavelmente favorável)

4

8,51

1

2,12

5

10,63

3(Favorável)

10

21,27

6

12,76

9

19,14

4(Fortemente favorável)

8

17,02

11

23,40

5

10,63

5(Totalmente favorável)

20

42,55

26

55,31

20

42,55

47

100

47

100

47

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Tabela 3 - Grau de apoio às medidas restritivas e à censura prévia – desacreditam na influência negativa da publicidade (percepção neutra) Suspensão de comerciais abusivos

Restrição de horário para comerciais de cerveja em geral

Proibição de comerciais de cerveja

Grau de apoio às medidas restritivas

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

0(Nada favorável)

5

11,36

5

11,36

14

31,81

1 (Fracamente favorável)

4

9,09

2

4,54

4

9,09

2 (Razoavelmente favorável)

8

18,18

4

9,09

5

11,36

3(Favorável)

14

31,81

10

22,72

9

20,45

4(Fortemente favorável)

6

13,63

9

20,45

5

11,36

5(Totalmente favorável)

7

15,90

14

31,81

7

15,90

44

100

44

100

44

100

E, por fim, os dados referentes ao apoio à censura. Para averiguar a relação entre a percepção negativa da publicidade de cervejas e o apoio à censura, utilizou-se como variável independente a percepção dos conteúdos em questão, separando os respondentes pela resposta à segunda pergunta: de um lado aqueles que acreditam que “os exageros e excessos mostrados nos comerciais de cerveja podem induzir os consumidores a um consumo irresponsável da bebida”, percebendo estes conteúdos como eminentemente antissociais; e, de outro, aqueles cuja percepção é mais neutra e que acreditam que as pessoas são capazes de compreender que o exagero faz parte do apelo de venda da propaganda, não sendo influenciadas por isso. Como revela a Tabela 2, entre o grupo que acredita na influência negativa da publicidade, os maiores percentuais concentram-se nos dois últimos graus de apoio às medidas restritivas (fortemente a totalmente favorável). Essas duas últimas linhas concentram 59,57% dos respondentes para a medida de suspensão, 78,71% para a medida de restrição de horário e 53,18% para a medida de proibição. Já entre aqueles que desacreditam na influência negativa da publicidade, esse apoio às medidas restritivas se torna menos enfático. No caso da suspensão, o maior percentual (31%) encontra-se no grau 3 (favorável), seguido do grau 2 (razoavelmente favorável) com 18,18%. Para a medida de

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restrição, os picos encontram-se no grau 5 (totalmente favorável), com 31,81% e no grau 3 (favorável), com 22,72%. E para a censura prévia ou proibição, tem-se um pico de 31,81% no grau zero (nada favorável). Vale notar que em todas as três medidas, o percentual de respondentes no grau zero (nada favorável) é expressivamente maior do que na Tabela 2, com uma diferença de 7,11 pontos percentuais para a medida de suspensão, 9,24 pontos para a medida de restrição de horário e 25,43 pontos para a medida de proibição. Tais variações entre as tabelas revelam a contundência da terceira hipótese.

Di s c u s s ã o

O tratamento dos dados e as conclusões empíricas aqui apresentadas oferecem comprovação às hipóteses preconizadas. A Tabela 1 mostra que a influência presumida sobre “si próprio” é menor do que sobre “os outros”, nos graus de 1 a 5, com apenas algumas inconsistências em relação ao grupo de “jovens não-universitários”, nos graus 1, 2 e 3. Por outro lado, no grau zero (nenhuma influência), o contraste torna-se marcante, com o maior percentual registrado para a coluna “si próprio” (38,46%), contra percentuais que variam de 2,19 a 4,39% para “os outros”, revelando uma expressiva discrepância entre “eu” versus “os outros” na percepção da influência negativa dos conteúdos publicitários em questão. Como observado acima, a discrepância cresce na medida em que se avança para os grupos aqui definidos como “socialmente mais distantes”, com incongruências mais uma vez em relação ao grupo “jovens não-universitários”. Sustenta-se aqui que o corolário da distância social é satisfatoriamente confirmado pelos dados empíricos e que as incongruências citadas são decorrentes de uma percepção por parte do senso comum de que camadas sociais menos favorecidas têm menos acesso às mídias de massa, sendo dessa forma mais imunes aos seus conteúdos. Deve-se notar, que nos graus mais fortes de influência (4 e 5), a discrepância varia conforme o previsto na hipótese 2. Em relação à hipótese 3, pode-se observar através da comparação das Tabelas 4 e 5 uma diferença de opinião consistente entre aqueles que acreditam na influência negativa dos conteúdos e aqueles que não acreditam. Para

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os primeiros, a mensagem é vista como notadamente antissocial. Como resultado, manifestam um apoio mais expressivo às medidas de regulação. Porém, deve-se fazer nesse ponto uma importante observação: em ambos os casos, os respondentes demonstraram-se mais favoráveis à restrição de horário do que às medidas de suspensão da veiculação e, principalmente, à proibição dos comerciais ou sua censura prévia. Se a modesta amostra aqui avaliada pode servir como termômetro para a discussão entre autorregulamentação e a proibição definitiva, pode-se concluir que esta última seria considerada uma medida extrema para a maioria dos entrevistados.

Considerações

No momento em que tramitam dois projetos de lei4 que visam restringir a exibição dos comerciais de cervejas à faixa horária das 21:30h às 06:00h, o debate entre autorregulamentação e proibição de conteúdos midiáticos se polemiza entre as instâncias da opinião pública, do governo e do mercado. Encontrar o ponto ideal para a regulação dos conteúdos dos mass media tem sido tarefa difícil no mundo inteiro e não será diferente no Brasil. No que diz respeito aos conteúdos publicitários, o Conar surgiu em 1980, trazendo a autorregulamentação do setor como uma solução. Em termos de funcionamento e padrões de atendimento ao consumidor, o órgão brasileiro preenche todos os pré-requisitos estabelecidos pela European Advertising Standards Alliance (EASA),5 da qual é membro correspondente desde 2006. Entre os recursos cobrados pela EASA, estão: o monitoramento dos conteúdos publicitários, registro de queixas e publicação de decisões pela internet e a ampla divulgação do órgão através de campanhas promocionais.

4 O reforçar a Lei 9.926 de 1996, ampliando as restrições de horário também para as propagandas de cerveja, que ficaram de fora da lei por serem consideradas de baixo teor alcoólico. (PROJETOS..., 2012) 5 A EASA é responsável pela estipulação de padrões éticos que devem ser respeitados pelos órgãos de autorregulamentação publicitária da maioria dos países europeus. O Conar é membro correspondente desde 2006, sendo o primeiro órgão de autorregulamentação latino-americano e o quarto não europeu a receber essa distinção. Disponível em: . Seção Sobre o Conar/Linha do tempo. Acesso em: 05 jul. 2012.

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Porém, o estudo prévio que serviu de base para esta análise revela que apenas 15% das queixas feitas à publicidade de cervejas resultou na retirada do comercial do ar. Outro dado importante é o de que a maioria dessas queixas, 65,4%, é proveniente dos consumidores. O confronto desses dados pode revelar um descompasso entre a atuação do Conar e a percepção do público sobre a adequação desses comerciais aos princípios éticos estabelecidos pelo CBARP. Cabe aqui, portanto, ressaltar que no debate sobre autorregulamentação versus proibição, não basta avaliar o efeito direto e imediato dos conteúdos midiáticos sob uma ótica “hipodérmica”. É preciso também avaliar a percepção do público sobre os mesmos, deslocando a discussão da fonte emissora para o receptor. Dentro dessa abordagem, o efeito de terceira pessoa tem sido aplicado nos mais diversos contextos, para provar que a reação comportamental dos indivíduos aos conteúdos midiáticos pode estar menos relacionada com a influência das suas mensagens sobre os próprios, do que com a influência presumida das mesmas sobre as outras pessoas e grupos sociais. Dessa forma, a análise aqui empreendida pretende, além de lançar esse outro olhar sobre a discussão do problema, contribuir, ainda que de forma modesta, para a verificação e longevidade da hipótese de Davison.

R e f e r ê n c ia s DAVISON, W. P. The third-person effect in communication. Public Opinion Quarterly, v. 47, p. 1-15, 1983. ______. The third-person effect revisited. International Journal of Public Opinion Research, v. 8, n. 2, p. 113-119, 1996. GUNTHER, A. C.; THORSON, E. Perceived persuasive effects of product commercials and public service announcements. Third-person effects in new domains. Communication Research, v. 19, n. 5, p. 574-596, 1992. MCQUAIL, D. Teoria da comunicação de massas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. PERLOFF, R. M. Ego-involvement and the third person effect of televised news coverage. Communication Research, v. 16, p. 236-262, 1989.

Chamem o Conar!—

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PERLOFF, R. M. The third-person effect: a critical review and synthesis. Media Psychology, v. 1, p. 353-378, 1999. ______. Third-person effect research. 1983-1992: a review and synthesis. International Journal of Public Opinion Research, v. 5, n. 2, p. 167-184, 1993. PROJETOS de Wellington Dias restringem propagandas e venda de cervejas. Agência Senado, Brasília, 24 jan. 2012. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2012. SERRA, J. P. Manual de teorias da comunicação. Covilhã: Livros Labcom, 2007. TEWKSBURY, D.; MOY, P.; WEIS, D. S. Preparations for Y2K: Revisiting the behavioral component of the third-person effect. International Communication Association, v. 54, n. 1, p. 138-155, 2004.

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Survey e análise de conteúdo Revisitando os instrumentos analíticos da abordagem quantitativa nos estudos iniciais sobre mídia e audiência Adr iano de Oliveira Sampaio 

Introdução

As primeiras pesquisas em comunicação tiveram como marca a abordagem quantitativa e utilizaram como fundamento conceitos advindos da sociologia e da psicologia. Wolf (1987) subdivide a influência dessas duas disciplinas nas investigações sobre comunicação em duas abordagens: a empírico-experimental, ou da persuasão, e a empírica de campo, ou dos efeitos limitados. Esses estudos, segundo o autor, se desenvolvem a partir da década de 1940, e tem como interesse reavaliar as premissas estipuladas pela teoria da agulha



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hipodérmica1 através de investigações experimentais. O que se deve explorar é um ponto em comum às duas modalidades analíticas: a utilização da abordagem quantitativa como base para o desenvolvimento das suas investigações. Segundo Barrie Gunter (2002), os estudos quantitativos são realizados a partir de associações buscando estabelecer relações de causa e efeito. Os métodos quantitativos nos estudos em comunicação, para Gunter (2002, p. 214), buscaram estabelecer associações entre mídia e audiência ou, até mesmo mais diretamente, as relações entre causa e efeito2 entre elas. Segundo Francesco Casetti e Federico di Chio (1997, p. 45) é interesse também dessa abordagem investigar comportamentos manifestos da recepção e que podem ser registrados. Gunter (2002) afirma que para dar conta desses interesses, os estudos quantitativos utilizam duas modalidades de pesquisa, o survey e a pesquisa experimental. Quando pretendem investigar a audiência, a partir do survey, os estudos quantitativos em comunicação têm como interesse obter informações sobre atitudes e opiniões, para tanto utilizam como instrumentos questionários e entrevistas, nos quais a natureza das perguntas tende às respostas fechadas. De outro lado, quando essa abordagem é utilizada para identificar o conteúdo da mídia, conta como principal instrumento a análise de conteúdo. Já as pesquisas experimentais nos estudos em comunicação foram realizadas no intuito de revelar o impacto causado pela mídia em situações específicas tal qual a opinião da audiência sobre o inimigo no período das guerras. (GUNTER, 2002, p. 222) A pesquisa experimental também teve a análise de conteúdo como técnica, embora se ateve na realização de grupos de controle (control groups) à utilização de questionários. No entanto, antes de apresentar mais detalhadamente as contribuições e limitações das pesquisas de survey e da análise de conteúdo, far-se-á um pequeno parênteses para discutir as questões e as premissas sobre esse mo-

1 Segundo A. Mattelart e M. Mattelart (1997, p. 31), foi Lasswell quem criou esse termo utilizado para descrever a relação entre os mídia e a audiência. Aos meios cabia a tarefa de produzir efeitos diretos e indiferenciados sobre indivíduos atomizados, apáticos. 2 Nota-se aqui uma primeira simetria entre a análise quantitativa e os pressupostos sobre o ato de comunicação que, naquele período, ainda era tributário do modelo matemático, compreendido numa bipolarização de causa e efeito: estímulo – resposta => emissor – receptor.

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mento particular da pesquisa em comunicação, situado entre o início dos anos 1940 até o final da década de 1950, que ameniza a influência dos meios sobre a audiência. Essa influência relativa dos meios de comunicação está presente em conceitos-chave elaborados naquele período, tais quais: percepção e memorização seletivas, bem como na própria formulação de um novo modelo, o “two-step flow”, graças às investigações realizadas naquele momento. Todavia, sabemos o quanto esses estudos ainda foram reféns do modelo matemático da comunicação e de uma concepção atomizada da audiência que só será amenizada a partir da tradição dos Usos e Gratificações e dos estudos de recepção. No final desse artigo, apresentaremos as principais características dessas duas técnicas (survey e análise de conteúdo) que foram e vêm sendo utilizadas nos estudos em comunicação e suas possíveis reapropriações através da abordagem qualitativa na contemporaneidade.

A q ua n t i f i c a ç ã o d e c o n t e ú d o s e i m pa c t o s n o s e s t u d o s i n i c iai s s o b r e a m í d ia e a au d i ê n c ia

Entre os anos 40 e 50, os estudos em comunicação se desenvolvem através do campo da sociologia, principalmente em universidades americanas, a exemplo do Bureau of Applied Social Research, da Universidade de Columbia. Segundo Jensen (2002a), essas pesquisas eram de caráter empírico-experimental cujo interesse estava em realizar os “estudos de difusão”. Jensen (2002a, p. 141) afirma que essa tradição de pesquisa estava interessada em investigar os impactos não só em relação à difusão de novas tecnologias da comunicação, mas, de forma mais específica, a sua intenção era observar a difusão de informação pela mídia, tendo no survey a principal metodologia que possibilitava comparar o impacto dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação de massa em diferentes grupos e contextos sociais. Conforme já foi mencionado anteriormente, Wolf (1987) subdivide os estudos dessa fase da pesquisa em comunicação em duas abordagens: a empírico-experimental, ou da persuasão, e a empírica de campo, ou efeitos limitados. A principal distinção feita por Wolf (1987) nessas pesquisas está

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na disciplina que tomam como base, a primeira demanda a psicologia, e a segunda, a sociologia. A denominação “efeitos limitados” aos estudos daquele período sintetiza bem os achados dessas pesquisas. A noção de causa e efeito, estímulo/ resposta tão salientada nas observações sobre os efeitos diretos e imediatos, do qual a teoria da agulha hipodérmica faz parte, torna-se mais complexa. Segundo Wolf (1987, p. 29), esses estudos acrescentam ao modelo E -> R aquilo que denomina “processos psicológicos intervenientes”. “O modelo ‘causa -> efeito’ da teoria hipodérmica precedente sobrevive, mas inserido num quadro de análise que vai se complicando e alargando.” (WOLF, 1987, p. 29-30) A postura do receptor é modificada. Em parte, torna-se menos passiva, haja vista que os efeitos produzidos pelos meios de massa sobre a audiência variam em virtude do(a): interesse em obter informação, exposição, percepção e memorização serem de caráter seletivas. (WOLF, 1987, p. 30-35) Em relação aos conteúdos “transmitidos” pelos meios, a mensagem varia em função da: credibilidade do comunicador, ordem e integralidade da argumentação. (WOLF, 1987, p. 35-38) Essas variáveis podem ser divididas em duas investidas: a primeira em relação à audiência em busca das observações sobre os processos psicológicos que poderiam desvirtuar o interesse persuasivo do emissor; já a segunda preocupa-se com o conteúdo dos meios e a sua base argumentativa. Essas hipóteses de trabalho atualizar-se-ão como demandas metodológicas, respectivamente, em primeiro lugar nas pesquisas de survey – tanto para a construção de amostras como para os roteiros de entrevista e/ou questionários que devem fazer surgir respostas fechadas, de modo a facilitar a tabulação dos dados – e, em segundo lugar, na análise de conteúdo, para a observação das “mensagens” dos produtos midiáticos. As pesquisas advindas desse momento se articulam com um período de força dos estudos quantitativos de audiência, que posteriormente serão criticados pelos adeptos da teoria crítica como sendo esses de caráter estritamente administrativo. Em especial, podemos destacar os trabalhos desenvolvidos no Bureau of Applied Social Research, da Universidade de Columbia fundado por Paul F. Lazarsfeld em 1941. (MATTELART, A.; MATTELART, M., 1997)

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Conforme mencionam A. Mattelart e M. Mattelart (1997) o Princeton Radio Project inaugura esse ramo de pesquisas quantitativas. Graças a esse estudo, Lazarsfeld e Stanton criam uma máquina de perfis (profile machine) ou analisador de programas (program analyzer) no qual as pessoas que participavam do experimento podiam apertar botões vermelhos e verdes ou não apertar nenhum botão com a finalidade de expressar repulsa, satisfação ou indiferença, respectivamente, em relação ao conteúdo do programa. (MATTELART, A.; MATTELART, M., 1997) O aperfeiçoamento dessa máquina de perfis representa o que se conhece atualmente como audímetro, nos quais os principais estudos dos institutos de pesquisa quantitativa sobre a audiência se apoiam até os dias atuais. Esses estudos demonstram um interesse em formalizar, matematicamente, os fatos sociais. (MATTELART, A.; MATTELART, M., 1997)

P e s q u i s a s d e S u rv e y: c o n t r i b u i ç õ e s e l i m i ta ç õ e s n a c o n s t r u ç ã o d a a m o s t r a d a au d i ê n c ia

Os autores Gunter (2002) e Earl Babbie (2001) identificam o censo como o tipo de investigação originária do que se convencionou denominar como pesquisas de survey. A ideia de censo trabalha com dois conceitos primordiais, o universo e a amostragem. Nas pesquisas quantitativas é obedecida a máxima, quanto maior for o universo, menor a amostragem e vice-versa. Contudo, no censo, a busca pela representatividade está em entrevistar toda a população, enquanto é a partir do survey que o conceito de amostra é explorado “[...] enquanto os censos tomam como esforço obter os dados de todas as pessoas da população, os surveys utilizam técnicas de amostragem para selecionar subgrupos de uma população para análise”. (GUNTER 2002, p. 214) Dito isso, evidencia-se a importância da representatividade da amostra buscada pela abordagem quantitativa, cujas pesquisas de survey são filiadas. Nesse tipo de investigação, a amostragem deve ser representativa da população de modo que o pesquisador possa estabelecer generalizações das observações encontradas durante a pesquisa para toda a população. A pesquisa The People´s Choice, publicada em 1944 e realizada por Lazarsfeld em

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conjunto com Bernard Berelson e Hazel Gaudet, foi desenvolvida a partir do survey. (GUNTER, 2002, p. 214) O interesse da pesquisa era medir a influência dos meios de comunicação de massa sobre 600 eleitores na campanha presidencial de 1949, em Erie County, Ohio (MATTELART, A.; MATTELART, M., 1997) e, portanto, buscava generalizar as informações obtidas com toda a população de Ohio. Até os dias de hoje, as pesquisas eleitorais quantitativas, que visam medir a intenção de voto de uma população em relação a candidatos, tomam como base esse pressuposto e buscam também esse tipo de validação externa, ou seja, generalizar os achados da pesquisa a fim de “acertar” o resultado final das urnas em percentuais. No que concerne aos tipos de amostragem, os estudos quantitativos podem optar pela adoção de amostras probabilísticas ou não probabilísticas e a vantagem de escolher pela base probabilística está na possibilidade de calcular a margem de erro, o intervalo de confiança e outros fatores que podem interferir no resultado final do estudo. (GUNTER 2002, p. 215) Em geral, há o que o autor denomina amostragem por conveniência ou voluntários, nos quais as pessoas são escolhidas por disponibilidade ou preparo prévio para a participação nas pesquisas, que traz como consequência dificuldades nas generalizações. Contudo, há formas de construção de amostragem não probabilísticas mais sistemáticas, e Gunter (2002) destaca duas delas: a por quotas e a por propósito. As “por propósito” são utilizadas em pesquisas de publicidade nas quais os participantes são selecionados por uma característica particular, a exemplo de pessoas que adquiriram um determinado produto. Já na amostragem não probabilística por quotas, o número de participantes é escolhido até combinar com uma característica previamente determinada da investigação a ser analisada. Como exemplo, Gunter (2002) cita uma situação na qual a característica da população total é ser composta por 51% de homens e 49% de mulheres, assim os entrevistados são selecionados até chegar a essa proporção na amostra a ser utilizada pelo estudo. Conforme mencionamos, a utilização de surveys nas pesquisas em comunicação teve como propósito revelar aquilo que foi dito pela audiência e pela mídia. Nesses estudos dos efeitos limitados a contribuição de Lazarsfeld para os estudos de survey é salientada por Babbie (2001, p. 80),

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[...] na área do comportamento político, ele [Lazarsfeld] achou importante examinar o voto como processo e não como evento singular. Para isso, projetou e realizou estudos de painéis3, re-entrevistando um determinado grupo de respondentes em ocasiões diferentes durante uma campanha política, acompanhando assim mudanças nas intenções de voto ao longo do tempo.

Os dados sobre a audiência são coletados no survey a partir de entrevistas e questionários, cujas questões são feitas de modo a serem categorizadas em respostas fechadas. Essa característica possibilita a tabulação numérica dos dados em percentuais e frequências de aparição, por exemplo. Logo, a codificação da análise de survey está intimamente relacionada com a análise de conteúdo. [...] a codificação das respostas do survey é essencialmente uma instância de análise de conteúdo. Freqüentemente, o pesquisador de survey fará perguntas abertas (grifo do autor) que pedem resposta nas próprias palavras do respondente. Tais respostas, porém devem ser sempre codificadas em tipos de respostas. (BABBIE, 2001, p. 87)

Essa codificação acentuada no survey é base das críticas mais árduas sobre esse tipo de investigação que muitas vezes é acusada de não tratar de forma adequada as múltiplas possibilidades dos respondentes, em função da adoção de esquemas não muito flexíveis.

A n á l i s e d e C o n t e ú d o : c o n t r i b u i ç õ e s e l i m i ta ç õ e s pa r a a o b s e r va ç ã o d o c o n t e ú d o d a m í d ia n o s e s t u d o s i n i c iai s e m c o m u n i c a ç ã o

Enquanto os estudos de survey na comunicação têm como objetivo apreender atitudes e opiniões da audiência através da aplicação de questionários, a análise de conteúdo busca observar o texto midiático em seus mais diversos 3 Os estudos de painel (panel studies) é uma espécie de survey de caráter longitudinal, i.e, ao longo do tempo (GUNTER, 2002), assim, no exemplo citado, Lazarsfeld observou as intenções de voto, dos mesmos entrevistados, ao longo de um determinado período.

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suportes. Segundo Wimmer e Dominick (2002 apud GUNTER, 2002, p. 220), a utilização da análise de conteúdo nas pesquisas em comunicação é explorada de modo sistemático no início da década de 40, no período entre guerras, com o interesse de monitorar as transmissões radiofônicas de músicas e notícias como indicadores da moral e dos movimentos do inimigo. Por outro lado, André D. Robert e Annick Bouillaguet (1997, p. 12) identificam a utilização da análise de conteúdo já nas investigações sobre os conteúdos da imprensa e posteriormente do rádio, sendo o pesquisador Harrold D. Lasswell o primeiro grande nome da análise de conteúdo. O trabalho de Lasswell Técnicas de Propaganda na Guerra Mundial, publicado em 1927, é um dos marcos desse tipo de estudo. Posteriormente, na década de 1950, coube a Berelson o papel de codificador da análise de conteúdo, estabelecendo a quantificação como regra para esse tipo de pesquisa. A definição clássica da análise de conteúdo advém desse autor, para Berelson (apud KIENTZ, 1973, p. 10) a análise de conteúdo é “[...] uma técnica de pesquisa para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa, do conteúdo manifesto das comunicações.” O objetivo da análise de conteúdo, naquele momento, está em apreender cientificamente o universo psíquico dos atores a partir dos textos produzidos por eles e através de operações classificatórias. Dito isso, a Análise de Conteúdo (AC) se aproxima dos questionamentos daqueles estudos dos efeitos limitados, cuja inspiração era a observação psicológica, e esse tipo de apropriação da AC precede às análises linguísticas. (ROBERT; BOUILLAGUET, 1997) Somente na década de 1960, é que a análise de conteúdo tem uma retomada nos estudos da comunicação em uma abordagem integrada com a linguística e, posteriormente, com a análise do discurso pelo próprio Barthes e por Michel Pêcheux. (ROBERT; BOUILLAGUET, 1997) Esses estudos foram desenvolvidos na École Pratique des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, tendo a linguística saussuriana como matriz dessas pesquisas, que tiveram os mais distintos objetos, a exemplo da fotografia e da publicidade. Conforme observam Robert e Bouillaguet (1997) a análise de conteúdo permite ao pesquisador a delimitação do campo da investigação e do objeto

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de pesquisa e, de modo geral, se divide em quatro etapas: pré-análise, categorização, codificação/contagem dos itens e interpretação. A pré-análise caracteriza-se como uma etapa experimental na qual são lançadas as primeiras observações intuitivas sobre o objeto em questão. Nessa etapa, acontece a delimitação do corpus que segue as prerrogativas do modelo comunicativo proposto por Harold Lasswell (1948): “Quem fala (emissor), a quem (receptor), para significar o quê? E de que modo?”. Na categorização registram-se todos os elementos do corpus com o propósito de classificar por categorias temáticas, estabelecendo porcentagens e realizando comparações entre as variáveis. Essas categorias devem, por sua vez, responder a quatro qualidades fundamentais: a pertinência, a exaustividade, a exclusividade e a objetividade. Vê-se aqui, mais uma vez, a principal característica da abordagem quantitativa que está na generalização das constatações obtidas durante a pesquisa. De modo geral, essas quatro etapas asseguram, em tese, que se um outro pesquisador seguir os mesmos traços definidos em uma dada pesquisa, obterá o mesmo resultado. A codificação/contagem dos itens é a etapa na qual são aplicadas as categorias ao corpus e a grade analítica é preenchida. Por fim, na fase de interpretação, é através de inferências, com base nas quantificações estabelecidas nas etapas anteriores, que são elaboradas as conclusões sobre o conteúdo manifesto do texto analisado. (ROBERT; BOUILLAGUET, 1997, p. 27-32) Quanto aos procedimentos de avaliação, a análise de conteúdo divide-se em três tipos, segundo Kientz (1973, p. 169): a análise de frequência, a associativa e a avaliadora. As limitações da análise de conteúdo, segundo Gunter (2002, p. 222), estão na sua possibilidade reduzida de elaboração de inferências, pois, para o autor, ela revela muito pouco a respeito das ideologias de produção, bem como dos impactos sobre a audiência, e isso se deve em virtude da sua natureza estritamente descritiva. De outro lado, pode ser observada uma postura positiva em relação à análise de conteúdo particularmente em Robert e Bouillaguet (1997). Os autores propõem uma reaproximação da análise de conteúdo com outras metodologias de análise sobre o texto (a análise textual, a teoria literária e a pragmática).

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N o v o s d e s a f i o s pa r a a u t i l i z a ç ã o d e t é c n i c a s q ua n t i tat i va s n o s e s t u d o s e m c o m u n i c a ç ã o

Gunter (2002, p. 234) e Jensen (2002) afirmam que os estudos quantitativos em comunicação são normalmente descritos como sendo hipotético-dedutivos, dito isso, ao longo desse breve resgate sobre o período mais presente das metodologias e técnicas de pesquisa quantitativa nos estudos em comunicação, início da década de 1940 até fins da década de 1950, pode ser concluído que é também esse o modo de funcionamento da abordagem quantitativa durante aquele período. A postura hipotético-dedutiva é articulada com a finalidade de testar hipóteses formuladas a partir de leis gerais e a através delas são desenvolvidos estudos de caso específicos, cujos resultados, geralmente, entram em sintonia com a lei geral que o originou. (JENSEN, 2002) Supõe-se que a lei geral da abordagem dos efeitos limitados está em fazer ver que os processos psíquicos interferem no momento da recepção das mensagens (a exemplo da memória e da percepção seletivas), sendo também variável em função do conteúdo da mensagem (credibilidade do comunicador, ordem e integralidade da argumentação), sendo assim, eram desenvolvidos estudos experimentais específicos (a exemplo dos estudos sobre os impactos dos conteúdos dos meios massivos na opinião pública em períodos de campanha política) com a finalidade de observar de que maneira isso acontecia. Nesse movimento circular (lei geral A –> hipótese –> estudo específico –> lei geral A’) está o intento central da abordagem quantitativa: o estabelecimento de generalizações, isto é, a partir de dados numéricos, formalização matemática dos fatos sociais, tenta-se estabelecer uma validação externa ao estudo. Sabendo desse interesse das pesquisas quantitativas, pode ser visto o porquê do empenho, nesses tipos de estudo, em construir amostragens representativas tanto dos dados da mídia (a partir da análise de conteúdo) como dos da audiência (através do survey). A maior chance de estabelecer validação externa por parte das pesquisas quantitativas é o seu principal diferencial quando confrontado à abordagem qualitativa. (JENSEN, 2002) No entanto, não é oportuno afirmar que os estu-

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dos qualitativos não possuem representatividade por estarem ancorados em uma postura que prima pela interferência do pesquisador, enquanto sujeito, em um processo de reflexividade. (JENSEN, 2002) A principal fragilidade dos estudos quantitativos é o ponto forte dos qualitativos, a capacidade de estabelecer interpretações para além de uma análise descritiva. Admiti-se como suposição que a possibilidade de estabelecer conexões entre variáveis, a exemplo dos dados da mídia e da audiência, de modo causal (causa e efeito) tenha sido fator preponderante para a sintonia dessa opção metodológica com os estudos dos efeitos limitados. Há de ser ressaltado que a pesquisa Personal Influence: The Part Played by People in the Flow of Mass Communication, de 1955, desenvolvida por Lazarsfeld e Katz, é um marco nesses estudos quantitativos em comunicação, uma vez que o resultado final advindo dessa pesquisa, o modelo do two-step flow, ameniza o modelo “causa e efeito”, de mão única, dessa tradição, inserindo no processo comunicativo uma via de mão dupla na qual se torna fundamental o papel desenvolvido pelos líderes de opinião. (MATTELART, A.; MATTELART, M., 1997, p. 39) Essa descoberta é, metaforicamente, o embrião daquilo que viriam a se tornar os estudos em comunicação, em particular através da tradição dos Usos e Gratificações. Assim, a problemática migra da produção de impactos diretos dos meios de massa sobre uma audiência individualizada, para a investigação da influência do contexto social e dos grupos nos quais o indivíduo faz parte. Sugerindo, naquele momento, que esses últimos influenciam no modo como os indivíduos apreendem as “mensagens” dos meios de comunicação de massa.

C o n s i d e r a ç õ e s f i n ai s

Essa sucinta descrição sobre as duas principais técnicas utilizadas pela abordagem quantitativa nos estudos em comunicação (survey e análise de conteúdo) teve como finalidade apresentar as forças e as fraquezas dessas técnicas de pesquisa utilizadas nas pesquisas iniciais sobre a comunicação de massa de

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orientação quantitativa. Ressaltamos que, ao invés da antiga disputa entre essas duas abordagens, tradição americana e europeia, respectivamente, há uma tendência, neste momento, para integrá-las. Essa aproximação quanti e quali é necessária, pois, na própria abordagem quantitativa há elementos muito caros à abordagem qualitativa, a saber, que, segundo Martin Bauer e George Gaskell (2002) a mensuração dos fatos sociais tem como finalidade organizar o mundo social. As atividades sociais, desse modo, devem ser classificadas antes que qualquer frequência ou percentual possa ser atribuído. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 24) Dito isso, a entrada da subjetividade do pesquisador pode ser vista nas duas abordagens, concluindo-se, assim, que não há quantificação sem qualificação, e vice-versa. Ainda seguindo esse mesmo raciocínio, pode-se afirmar que não há análise estatística sem interpretação, pois os dados, descolados de uma organização sistematizada, não podem produzir sentido. Mesmo que os números sejam processados, cuidadosamente, com modelos estatísticos sofisticados e com usos de computadores, não se pode desprezar a implicação do(s) pesquisador(es) nas etapas introdutórias, de desenvolvimento, análise e de conclusão de qualquer estudo. (BAUER; GASKELL, p. 24) A entrada de programas de computador, a exemplo do SPSS e do N-Vivo, vem possibilitando às pesquisas em comunicação novas interfaces e auxiliam a minimizar as fronteiras entre as duas abordagens. Desejamos com este texto que essa aproximação quanti e quali possa ser mais bem aprofundada de modo a potencializar a discussão em voga nos estudos em comunicação: a integração entre as metodologias quantitativas e qualitativas. Isso porque se criou, anteriormente, uma disputa entre essas duas abordagens, mas, atualmente, a palavra de ordem é integração. (BAUER; GASKELL, 2002; JENSEN, 2002)

R e f e r ê n c ia s BABBIE, Earl. Métodos de pesquisas de Survey. Tradução de Guilherme Cezarino. Belo Horizonte: UFMG, 2001. BAUER, Martin; GASKELL, George (Org.). Pesquisa qualitativa, com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

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Survey e análise de conteúdo—

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MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História das teorias da comunicação. Tradução de Nelson Amador. Porto: Campo das Letras, 1997. ROBERT, André D.; BOUILLAGUET, Annick. L’ analyse de contenu. Paris: Presses Universitaires de France, 1997. WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1987.

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A Literatura de autoajuda e a teoria funcionalista dos usos e satisfações Uma análise da linguagem de Augusto Cury Emilson Fer reira Garcia Junior Robér ia Nádia Araújo Nascimento

Introdução

Durante muito tempo, os títulos denominados de autoajuda sofreram resistências no mercado editorial. As grandes editoras como a Sextante e a Ediouro produziam em pequena escala, com o intuito de não desgastar a linguagem tão repetitiva, tais como “você é um vencedor”, “você é o protagonista de sua história”, além do que havia de certo modo uma resistência de parte do



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público, já que muitos caracterizam esse tipo de literatura como “remédio antidepressivo literário”. Hoje, dos livros mais vendidos no Brasil, grande parte deles são de autoajuda. Autores como o psiquiatra Augusto Cury, por exemplo, é sinônimo de boas cifras, ao todo, Cury já vendeu cerca de 10 milhões de obras. Zibia Gasparetto é outra autora tarimbada e consegue expandir sua literatura além das fileiras espíritas, tornando-se hoje uma das campeãs de vendas. Esse mercado multiplica-se a passos largos, ao mesmo tempo em que é intenso o número de obras que são lançados no mercado. De certa forma, a literatura de autoajuda destaca-se por manter um público cativo e múltiplo, diferentemente da linguagem ficcional ou fantasiosa, que delimita idades e gostos, a autoajuda atende às expectativas da maioria, afinal, quem não tem problemas a solucionar? De forma contextual, pode-se avaliar a literatura de autoajuda no chamado modelo teórico dos usos e satisfações, tal paradigma estuda “os irrefutáveis efeitos da mídia sobre o público, as suas interações atribuídas à percepção dos conteúdos midiáticos, bem como pelas satisfações que os efeitos da mídia podem proporcionar”. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 96-97) Nessa perspectiva, os editores J. G. Blumler e Elihu Katz concluíram uma pesquisa que registrou de forma nítida as necessidades das pessoas, bem como suas satisfações, ou seja, como se a audiência de determinado produto midiático fosse meramente o desejo do telespectador de preencher um “vazio momentâneo” que só os meios de comunicação pudessem suprir, tais como o “entretenimento, o relacionamento pessoal, a identificação projetiva e a vigilância e fiscalização”. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 97) Claramente, os livros de autoajuda seriam uma tentativa de “escape” dos desafios da vida moderna, em que se encontrariam soluções para o dia a dia. A mídia nesse caso seria a grande “aliviadora dos problemas sociais”, já que a mesma detém esse poder de influência. O modelo dos usos e das satisfações evidencia e serve de base para as pesquisas de publicidade, no intuito de encarar o público alvo, conhecendo suas inquietações e necessidades. O Orkut surgiu da carência de manter novas relações duradouras e criar novas amizades sem fronteiras, ao mesmo tempo em que se estabelecem vínculos devido

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o relacionamento pessoal, ele interfere na vida real de forma assustadora, devido à falta do contato social. A abrangência da literatura de autoajuda encaixa-se no modelo dos usos e satisfações, à medida que se reconhece nessa linguagem uma maneira de conhecer-se e saber lidar com os dilemas cotidianos, enfrentando-os e vencendo-os. Necessidade essa que todo ser humano convive. Ao mesmo tempo em que os meios de comunicação preenchem com sua persuasão e caráter coletivo as diversas realidades diárias, vê-los como “satisfações meramente efêmeras”, seria no mínimo ingênuo, já que não se pode desprezar o seu caráter formativo e informativo. O objetivo desse trabalho é investigar os reflexos desse universo literário, a partir de uma análise da linguagem utilizada pelo doutor Augusto Cury.

A r e c r ia ç ã o d o p r o ta g o n i s m o

Na década de 1990, alguns autores da Literatura de autoajuda insistiam em uma abordagem literária que na prática não atendia às expectativas dos leitores. A linguagem partia de uma investigação incisivamente “realista” e muitas vezes criava “barreiras interpretativas” ao invés ao de construir possibilidades de solução para quem a lê. Esse “entrave” era provocado com a reafirmação peremptória de que apenas o “ideal coletivo” traria respostas aos problemas do cotidiano, sendo descartável qualquer tentativa pessoal de transformar a realidade existente a partir de atitudes individuais. As pessoas que se utilizam de qualquer instrumento de comunicação querem enxergar nela uma interação satisfatória, conforme evidencia a pesquisa realizada pelos editores Jay. G. Blumbler e Elihu Katz, que elencaram, em uma coletânea de artigos, os reflexos dos “usos feitos e satisfações alcançadas” intermediados pelos meios de comunicação. As pesquisas levadas a termo registraram que as ‘necessidades’ (a serem satisfeitas) eram basicamente as seguintes: Entretenimento: como escape psicológico às agruras do cotidiano; despressuriza-

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rão emocional; Relacionamento pessoal: ‘Companhia’ para pessoas sós ou ‘agenda temática’ para a conversação em meio social; Identificação projetiva: Referências personalizadas e comparações feitas, por exemplo, a situações humanas mostradas; reforço de opiniões; soluções para males existenciais; Vigilância e fiscalização: Coleta de ‘modas e novidades’: a TV como ‘uma janela aberta para o mundo’. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 97)

Augusto Cury tornou-se fenômeno mundial de vendas e autor tarimbado no exterior, graças a sua real capacidade de tornar os seus textos ao mesmo tempo, modernos e convencionais, construtivos e ilustrativos, simbólicos e contemporâneos, tudo isso sem perder a áurea de psiquiatra, ou seja, grande observador e analista do comportamento humano. Augusto Cury investiga as mazelas provocadas pelos problemas psicológicos e psíquicos, reafirmando em cada livro o papel de cada pessoa como “protagonista do palco da vida” e “autora de sua própria história”. Cury não é refratário a qualquer tentativa de mudança social a partir de posições colegiadas, compartilhada por grupos de proximidades ideológicas em comum. Mas frisa que isso só é possível a partir do pensamento de cada ser humano como agente de transformação social, desenvolvido a partir das pérolas da inteligência multifocal: a arte da dúvida (pérola da filosofia), a arte da crítica (pérola da psicologia) e a arte da determinação (pérola da área de recursos humanos). (CURY, 1998)

De ser líder de si mesmo1 a nunca desistir de seus s o n h o s : 2 a f r a g m e n ta ç ã o d a i d e n t i d a d e

O modelo teórico dos usos e satisfações é referência na explicação do “consumo psicossocial” dos meios de comunicação, já que o foco dessa teoria funcionalista é explicar as reações do público por parte das recepções da mí1 Referência ao livro Seja líder de si mesmo, de Augusto Cury, publicado em outubro de 2004. 2 Referência ao livro Nunca desista de seus sonhos, de Augusto Cury, publicado em dezembro de 2004.

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dia, ela só é possível a partir da análise minuciosa e volúvel das características do público, bem como seus gostos e características. Num mundo globalizado, onde não há fronteiras para a interação e o compartilhamento de experiências, estudá-la exige uma mistura de flexibilidade e sensatez, como se exemplifica a seguir. O sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais ‘lá fora’ e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. (HALL, 2005, p. 12)

É nessa busca de entender tais questões, que se baseia essa teoria funcionalista, já que ela é feita preponderantemente por pesquisas de mercado, elencando o que as pessoas realmente desejam. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003) É nesse conflito que boa parte da obra de Augusto Cury busca solucionar. O livro Seja líder de si mesmo (2004) parece ir ao extremo, ao relatar inconsistências que impedem o amadurecimento pessoal, ao mesmo tempo em que provoca uma reflexão ao discutir os corriqueiros acontecimentos do dia a dia, que provocam um desequilíbrio cognitivo e espiritual. Na obra Nunca desista de seus sonhos (2004), Cury enumera exemplos de grandes líderes que conseguiram a partir de sua autoconfiança e persistência, alcançar seu objetivo. Citando Martin Luther King, Jesus Cristo e Abraham Lincoln. Até a sua própria história é exposta, relatando as dificuldades no colegial, servindo de referência para tantos que se veem sem perspectivas de mudança. Segundo Wolf (2000, p. 38), “Os componentes da audiência tendem a expor-se à informação que estão de acordo com suas atitudes e a evitar as mensagens, que pelo contrário, estão em desacordo com essas atitudes”. Ou

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seja, a essência do sucesso da literatura de autoajuda está na disposição que a narrativa tem de contar a realidade, sem desprezar o que seria ideal.

Conclusão

Visivelmente, o mercado editorial vive um bom momento. Pesquisas indicam o aumento significativo na compra de livros, frise-se, não apenas de autoajuda. Vive-se em uma sociedade cada vez mais dinâmica e sem tempo para uma avaliação interior e profundamente pessoal. Todos são treinados durante a vida inteira para saber agir no trabalho, na escola e na família. Mas, não há no currículo eletivo nenhuma disciplina que explique como cuidar dos próprios sentimentos. O grande diferencial da narrativa de autoajuda é a discussão instantânea que ela provoca, já que seus temas são cotidianos e afetam a todos. A interpretação não requer esforço, mas apenas atenção. Esse estilo de literatura pode ir ao encontro das inconsistências do público, mas não obrigatoriamente converge com o pensamento dos mesmos, fomentando uma reflexão estritamente pessoal. O modelo teórico dos usos e satisfações figura entre aqueles que requerem uma perspectiva de interpretação. De algum modo, trata-se aqui e determinar como os conteúdos da mídia afetam o público. O que vai proposto, logo se revela particularmente útil para pesquisas de mercado, por levar a descoberta do quê os membros do público, em sua maioria, desejam. Na visão da mídia aqui subjacente, demandas no plano do simbólico devem corresponder fornecimentos de produtos simbólicos – uma atividade para a qual os meios de comunicação revelam excepcional preparo. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 98)

A análise que esse trabalho faz da linguagem de Augusto Cury é baseada em necessidades reais que são preenchidas graças às inúmeras possibilidades de comunicação. Ou seja, é através dessa interação que existe entre mídia e sociedade, que se podem vislumbrar outras realidades criarem novas identidades e formar cidadãos.

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Quadro 1 - Livros mais vendidos de 2009  Ficção

Autoajuda e Esoterismo

1 A Cabana William Young SEXTANTE

 1 O Código da Inteligência Augusto Cury THOMAS NELSON BRASIL

 2 Eclipse Stephenie Meyer INTRÍNSECA

 2 Vencendo o Passado Zibia Gasparetto VIDA & CONSCIÊNCIA

 3 Crepúsculo Stephenie Meyer INTRÍNSECA

 3 Quem Me Roubou de Mim? Fábio de Melo CANÇÃO NOVA

 4 Lua Nova Stephenie Meyer INTRÍNSECA

 4 O Monge e o Executivo James Hunter SEXTANTE

 5 Amanhecer Stephenie Meyer INTRÍNSECA

 5 Cartas entre Amigos Fábio de Melo e Gabriel Chalita EDIOURO

 6 O Vendedor de Sonhos Augusto Cury ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA

 6 A Arte da Guerra Sun Tzu VÁRIAS EDITORAS

 7 O Símbolo Perdido Dan Brown SEXTANTE

 7 A Cabeça de Steve Jobs Leander Kahney AGIR

 8 Leite Derramado Chico Buarque COMPANHIA DAS LETRAS

 8 Nunca Desista de Seus Sonhos Augusto Cury SEXTANTE

 9 O Menino do Pijama Listrado John Boyne COMPANHIA DAS LETRAS

 9 Casais Inteligentes Enriquecem Juntos Gustavo Cerbasi GENTE

 10 O Vendedor de Sonhos e a Revolução dos Anônimos Augusto Cury ACADEMIA DE INTELIGÊNCIA

 10 Por que os Homens Amam as Mulheres Poderosas? Sherry Argov SEXTANTE

Fontes: OS MAIS..., 2010.3

3 A Revista Veja utiliza como fonte informações das principais redes de livrarias do país. Balneário Camboriú: Livrarias Catarinense; Belém: Laselva; Belo Horizonte: Laselva, Leitura; Betim: Leitura; Blumenau: Livrarias Catarinense; Brasília: Cultura, Fnac, Laselva, Leitura, Nobel, Saraiva, Siciliano; Campinas: Cultura, Fnac, Laselva, Siciliano; Campo Grande: Leitura; Caxias do Sul: Siciliano; Curitiba: Fnac, Laselva, Livrarias Curitiba, Saraiva, Siciliano; Florianópolis: Laselva, Livrarias Catarinense, Siciliano; Fortaleza: Laselva, Siciliano; Foz do Iguaçu: Laselva; Goiânia: Leitura, Saraiva, Siciliano; Governador Valadares: Leitura; Ipatinga: Leitura; João Pessoa: Siciliano; Joinville: Livrarias Curitiba; Juiz de Fora: Leitura; Jundiaí: Siciliano; Londrina: Livrarias Porto; Maceió:

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R e f e r ê n c ia s CURY, Augusto. Inteligência multifocal. São Paulo: Cultrix, 1998. _______. Seja líder de si mesmo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. _______. Nunca desista de seus sonhos. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Lopes Louro. Rio de Janeiro: DPZA, 2005. MARTHE, Marcelom. O alto astral da auto-ajuda.Veja, São Paulo, edição 1777, nov. 2002. Disponível em: . Acesso em: 03 maio 2011. POLISTCHUCK, Ilana; TRINTA, Aluizio Ramos. Teorias da comunicação: o pensamento e a prática da comunicação social. Rio de Janeiro: Campus, 2002. OS MAIS vendidos. Revista Veja, São Paulo, 06 jan. 2010. Disponível em: . Acesso em: 02 maio 2011. WOLF, Mario. Teorias da comunicação. 5 ed. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Editorial Presença, 2000.

Laselva; Mogi das Cruzes: Siciliano; Mossoró: Siciliano; Natal: Siciliano; Navegantes: Laselva; Niterói: Siciliano; Petrópolis: Nobel; Piracicaba: Nobel; Porto Alegre: Cultura, Fnac, Livrarias Porto, Saraiva, Siciliano; Recife: Cultura, Laselva, Saraiva; Ribeirão Preto: Paraler, Siciliano; Rio Claro: Siciliano; Rio de Janeiro: Argumento, Fnac, Laselva, Saraiva, Siciliano, Travessa; Salvador: Saraiva, Siciliano; Santa Bárbara d’Oeste: Nobel; Santo André: Siciliano; Santos: Siciliano; São José dos Campos: Siciliano; São Paulo: Cultura, Fnac, Laselva, Livrarias Curitiba, Livraria da Vila, Martins Fontes, Nobel, Saraiva, Siciliano; São Vicente: Siciliano; Sorocaba: Siciliano; Uberlândia: Siciliano; Vila Velha: Siciliano; Vitória: Laselva, Leitura, Siciliano; internet: Cultura, Fnac, Laselva, Leitura, Nobel, Saraiva, Siciliano, Submarino.

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Percepção de mídia hostil no Twitter Rafael Cardoso Sampaio João Senna Teixeira

Introdução

Em sociedades complexas como as atuais, a disseminação da informação de utilidade pública não pode subsistir apenas no modo interpessoal, isso limitaria o seu alcance e a sua penetração. Assim, os meios de comunicação midiáticos de massa, rádio, televisão, jornais impressos e certos usos da internet são imprescindíveis para o funcionamento dessas sociedades, permitindo rápida disseminação da informação com um alto grau de penetração. No entanto, a relação das pessoas com a informação veiculada através desses meios, que serão chamados de media daqui em diante, é diferente daquela transmitida interpessoalmente, há uma generalização maior da informação, pois a primeira é destinada a um público muito mais amplo e mais genérico, sendo, inclusive, passível de manipulá-los através do modo como trata a informação a ser transmitida.



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Em especial, a Hostile Media Perception (HMP), ou percepção de Mídia Hostil, trata sobre a possibilidade de partidários verem a cobertura como enviesada contra seu próprio ponto de vista e favorável ao ponto de vista oposto ao seu. Tal percepção pode acontecer mesmo quando a cobertura é equilibrada entre as diferentes perspectivas existentes. No contexto brasileiro, são notáveis as repetidas acusações de manipulações dos mass media, em especial contra este ou aquele ator político. Em especial, existe uma noção ou teoria de que as principais empresas midiáticas do país teriam um perfil de direita e, consequentemente, fariam uma cobertura negativa e enviesada contra agentes políticos de esquerda, principalmente contra o Partido dos Trabalhadores (PT), seus candidatos e políticos. Esses diferentes veículos estariam, inclusive, juntos na empreitada de fazer tal cobertura negativa, formando quase um partido midiático ou, como é comumente denominado, Partido da Imprensa Golpista (PIG). Isso explicaria, por exemplo, a cobertura negativa que tanto Lula quanto Dilma receberam nas eleições de 2006 e 2010. Ou mesmo a recente ênfase na cobertura do julgamento do mensalão durante as eleições municipais. Ou, em outras palavras, essa cobertura seria intencionalmente realizada para prejudicar o PT nas questões eleitorais. Dessa forma, o estudo aqui proposto não tenta avaliar a veracidade ou não de tal teoria, mas sim verificar em que medida os partidários do PT acreditam que isso seja verdade usando como base a teoria de mídia hostil. Para tanto, foram recolhidas aleatoriamente cerca de 800 mensagens enviadas através do Twitter sobre o julgamento do mensalão, que mencionasse as quatro empresas mais usualmente associadas ao PIG (Globo, Veja, Folha e Estadão). Em cada comentário, foi avaliado se houve a presença de percepção de mídia hostil e se ela foi direcionada em relação ao governo ou à oposição.

A p e r c e p ç ã o d e m í d ia h o s t i l

Vallone, Ross e Lepper (1985, p. 577) fundaram essa linha de pesquisa, partindo do princípio que “os receptores sociais, como já se sabe, estão longe de serem gravadores imparciais e passivos dos eventos que se desvelam ao seu

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redor” para tentar compreender os modos como os partidários de determinadas ideias ou correntes políticas percebem as informações veiculadas na mídia como sendo parciais ou não. Uma teoria que fundamenta essa linha de pensamento é a assimilação enviesada (LORD; ROSS; LEPPER, 1979) (biased assimilation) que postula que as pessoas tendem a absorver mais informações que afirmem ou reforcem posições anteriores e consolidadas. Por exemplo, um partidário do PT irá ler uma notícia e irá se ater mais a informações sobre obras, geração de emprego e projetos sociais com participação do partido, do que em denúncias de corrupção ou acusações de tráfico de influência. Por outro lado, há evidências anedóticas de que partidários veem a mídia como hostil a suas posições, sejam políticos reclamando de cobertura enviesada a favor de seus adversários sejam eleitores vendo argumentos contrários a sua posição tendo mais espaço na mídia. Para testar essas distorções e perceber qual o viés da percepção do público, Vallone, Ross e Lepper (1985) fizeram uma pequena survey por telefone a 3 dias da eleição presidencial norte-americana de 1980. Foram entrevistados 160 eleitores, sendo que a maioria (66%) acreditava que a cobertura mediática tinha sido justa e imparcial, mas entre aqueles que acreditavam que a cobertura tinha sido parcial, 89% perceberam o viés como contrário ao candidato que apoiava. Esses resultados não suportavam a teoria da assimilação enviesada, mas apresentavam alguma concretude às evidências anedóticas de uma percepção de mídia hostil. Para testar esse novo acontecimento, os autores desenvolveram um experimento acerca do Massacre de Beirute, uma série de eventos no Líbano que culminaram em um massacre em campo de refugiados. Foram selecionados seis excertos de programas televisivos que foram veiculados sobre o evento durante 10 dias, com o primeiro tendo ocorrido com a invasão israelense de Beirute em 15 de setembro de 1982, totalizando 36 minutos de filmagens acerca da responsabilidade de Israel no incidente. Foram reunidos estudantes de psicologia, junto a militantes pró-Israel e pró-árabes para se realizar o experimento, totalizando 144 participantes. Antes do experimento, cada participante respondeu um questionário sobre posicionamento político e sobre conhecimentos acerca do evento, sendo avaliados como pró-Israel (68), pró-árabes (27) e neutros (49). Após verem os vídeos, os participantes

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responderam perguntas sobre a sua percepção da cobertura, sobre os padrões que eram utilizados para Israel em relação ao utilizados com seus adversários, o papel de Israel no massacre e a valência das citações a Israel na cobertura. Os resultados comprovam a hipótese da percepção de mídia hostil, com os partidários vendo a cobertura como favorecendo o lado oposto da disputa. Houve uma discordância acerca dos fatos que foram apresentados, com os pró-árabes percebendo 42% dos fatos como favoráveis a Israel e 26% a favor de sua causa, enquanto entre os pró-Israel viram 16% a favor de Israel e 57% a favor dos árabes. Da mesma maneira, os entrevistados acreditaram que ao ver aqueles programas, os espectadores neutros tomariam uma posição contrária a sua (37% dos pró-árabes e 67% dos pró-Israel). Para explicar os resultados, os pesquisadores teorizaram dois mecanismos que afetariam os resultados, o primeiro diz que: Partidários que tenham fatos e argumentos consistentemente processados à luz de suas preconcepções e pré-conceitos (aceitando informações por seu valor nominal, ou a sujeitando a duro escrutínio, como função de sua congruência com essas preconcepções e pré-conceitos) estão fadados a acreditar que a preponderância de evidências confiável e pertinente favoreça o seu ponto de vista. (VALLONE; ROSS; LEPPER, 1985, p. 579, traducao nossa)

Isto é, que partidários percebem como equilibrados materiais que concordem com suas opiniões anteriores, enquanto que acreditarão que materiais que discordem delas são enviesados e incorretos. O segundo mecanismo é um que “[...] envolve uma diferença não na avaliação de um dado estímulo relativo a um padrão, mas sim na percepção ou lembrança da base de seu valor e valência.” (VALLONE; ROSS; LEPPER, 1985, p. 579, tradução nossa) Isto é, os partidários podem se lembrar de haver sido dado mais espaço, ou um maior número de declarações favoráveis ao seu oponente, mesmo quando isso não ocorreu factualmente. Há uma mudança no modo como as informações são armazenadas e depois relembradas que geram a percepção de mídia hostil. Ambos os mecanismos foram identificados nos resultados da pesquisa, demonstrando que o HMP se dá tanto pela diferença de avaliação dos fatos

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apresentados quanto pela diferença de percepção e lembrança dos mesmos. Outra conclusão apontou que quanto maior era o partidarismo do indivíduo, maior era a distorção apresentada, demonstrando uma ligação direta entre envolvimento emocional com o assunto e uma maior percepção de mídia hostil. Uma explicação potencial para o HMP é que indivíduos com fortes preferências políticas estão tão certos da superioridade de suas opiniões que eles veem a cobertura balanceada ou neutra como inapropriada ou até incorreta. Dito de outra forma, como os partidários acreditam estar do lado “certo”, uma cobertura equilibrada tenderia a “falsear” a discussão. Nesse sentido, ela só seria “adequada” se tratasse mais do lado do partidário. Os argumentos legítimos realizados pelo lado oposto são vistos como reivindicações inferiores, merecendo assim menor atenção da cobertura. De tal maneira, a inclusão de tais reivindicações é percebida como uma compensação injusta do equilíbrio do debate. (BAUM; GUSSIN, 2007 GUNTHER et al., 2001; HUGE; GLYNN, 2010)

Desenvolvimento da hipótese da mídia hostil Após a publicação da pesquisa de Vallone, Ross e Lepper (1985), diversos outros trabalhos foram realizados buscando testar, comprovar e expandir as hipóteses apresentadas. Podemos dividir esses desenvolvimentos da teoria em dois tipos principais, os trabalhos de teste e os trabalhos de mecanismos explicativos. Esse artigo busca essencialmente tentar comprovar a indicação da existência de HMP no contexto brasileiro. Então, não trataremos objetivamente sobre os mecanismos explicativos. Nesse primeiro grupo, se encontram trabalhos que tentam ver a aplicação das teorias e mecanismos abordados por Vallone, Ross e Lepper (1985) sem propor novas explicações ou mecanismos causais. Estão inclusos aqui trabalhos que adicionem uma variável para testar seu caráter mediador do HMP, já que seu objetivo não é explicar um mecanismo causal, mas sim compreender como o HMP funciona em novas circunstâncias e com variáveis mais diversificadas. A utilização do tema de árabes e israelenses foi repetida em outras duas pesquisas. Perloff (1989) replicou os resultados de Valone, Ross e Lepper e os

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interpretou relacionados ao envolvimento do ego (ego-involvement) dos participantes. Ou ainda, o alto envolvimento num assunto era necessário para tornar a informação incongruente com sua opinião mais chamativa e memorável, fortalecendo os processos cognitivos por trás da percepção de mídia hostil. Por sua vez, Giner-Sorolla e Chaiken (1994) tentaram validar o estudo de Vallone, Ross e Lepper (1985). Eles tentaram verificar qual dos mecanismos teorizados por Vallone, Ross e Lepper melhor explicam os resultados ao replicar os experimentos com variáveis especificamente voltadas para esse fim e com uma amostragem mais representativa. Os resultados da pesquisa não apoiaram os mecanismos de categorização seletiva e de lembrança seletiva, apresentando um maior suporte para o mecanismo de padrões diferentes. Além disso, o estudo descobriu que “crenças prévias sobre o viés midiático foram a maior influência no julgamento do viés, afetando a impressão do programa tanto diretamente, quanto através da estimativa do conteúdo.” (GINER-SOROLLA; CHAIKEN, 1994, p. 179) Tsfati e Cohen (2005) realizaram um trabalho acerca da relação entre HMP, hostilidade à democracia e a resistência a movimentos democráticos, no caso específico, o de resistir à alocação em um campo de refugiados palestinos em territórios dominados por Israel. A pesquisa confirmou sua hipótese central de que HMP influencia a intenção de usar violência contra uma evacuação ou realocação, embora sinalize que a influência é pequena. A ligação entre HMP e ceticismo democrático foi maior e mais significativa. Outra perspectiva é que a fonte da notícia pode vir a ser um elemento que aumente o HMP, na medida em que ela seja atuante em uma vertente contrária a ideia do indivíduo. Ariyanto, Hornsey, e Gallois (2007) testaram essa variável ao criar um experimento em que uma notícia era mostrada como sendo de um jornal muçulmano, cristão ou neutro a religiosos dessas duas crenças. Os resultados demonstraram a presença do HMP nos praticantes das duas crenças, sendo que quão mais identificado com a religião é o indivíduo, maior é a distorção, e que a fonte da notícia influencia a HMP. O teste do próprio HMP também já foi realizado no Brasil, mesmo que de maneira tímida. Embora Amaro e colaboradores (2012) não faça um experimento sobre HMP, mas sim utilize a teoria para justificar uma análise do

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espaço dedicado a cada grande time de futebol do Rio de Janeiro nos principais jornais esportivos, para verificar se há um favorecimento ao Flamengo. O estudo não encontrou um favorecimento ao Flamengo, o que serviria para justificar a existência anedótica de HMP, mas o trabalho não tentou comprovar esse resultado empiricamente. Por outro lado, Sampaio (2011) realiza um estudo de HMP efetivo, buscando verificar a existência de uma percepção de mídia hostil nos comentários do site Youtube das entrevistas dos candidatos à presidente do Brasil realizadas em 2010 pelo Jornal Nacional. Foram examinados os dois vídeos com o maior número de visualizações, nos quais foram coletados os comentários de partidários de cada um dos políticos (pró-Dilma e pró-Serra), tomando o cuidado de selecionar apenas um comentário por usuário, ao final, o corpus constou de 100 comentários, sendo 50 de cada vídeo e igualmente dividido entre partidários dos dois lados. Os resultados demonstraram que os partidários pró-Dilma apresentaram um índice de HMP muito maior do que os pró-Serra, esses últimos, inclusive, julgaram a cobertura nas entrevistas como neutras ou até mesmo positivas para o seu candidato. Isso poderia ser explicado de três maneiras, segundo o autor: 1) Um problema na amostragem que gerou um número maior de partidário pró-Dilma mesmo quando estes fazem comentários pró-Serra, já que não houve uma survey para medir adequadamente o partidarismo e o conhecimento dos indivíduos sobre a campanha; 2) Que a cobertura tivesse sido tão enviesada que gerou um efeito muito maior nos partidários pró-Dilma, enquanto que os pró-Serra tiveram que admitir que a cobertura havia sido ou neutra ou favorável a seu candidato; 3) Que a cobertura mediática passada contrária ao PT, partido da candidata Dilma, tenha deixado os seus partidários já predispostos a ceticismo em relação a mídia, como propõem Tsfati e Cohen (2005).

HMP, política e eleições Assim, pelo fato de a pesquisa do HMP ter se desenvolvido essencialmente a partir de análises de eleições presidenciais, muitos de seus estudos estão relacionados com o tema. A pesquisa de Dalton e colaboradores analisou

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as eleições presidenciais americanas de 1992 em duas fases. Na primeira, os pesquisadores avaliaram os próprios meios jornalísticos buscando por inclinações (slants) ou uma cobertura favorável a um dos candidatos. Na segunda, eles realizaram surveys com os partidários, nas quais se confirmou o HMP. Os republicanos acreditaram que a mídia estava inclinada em favor de Clinton, e os democratas viam a inclinação em favor de Bush. O que aconteceu, inclusive, entre partidários julgando os mesmos jornais impressos (considerados como não distorcidos por entrevistados não partidários). Já Huge e Glynn (2010) avaliaram a existência e a evolução da percepção de mídia hostil no contexto das eleições de 2006 para o estado de Ohio, Estados Unidos. Com uma pesquisa longitudinal, os autores foram capazes de demonstrar que a percepção hostil da mídia variou durante a pesquisa. Ao longo da campanha, as percepções de distorções dos republicanos aumentaram, enquanto as percepções dos democratas dos vieses (bias) diminuíram. A principal explicação dos autores para o fenômeno foi a margem de vantagem que o candidato democrata abriu sobre o republicano na disputa. A cobertura midiática teria possivelmente criado uma percepção que o democrata tinha uma liderança inalcançável, o que teria diminuído o medo entre partidários que a cobertura distorcida pudesse influenciar outros eleitores. Dentro do tema das eleições, segundo Richardson, Huddy e Morgan (2008), os debates presidenciais são componentes essenciais das campanhas presidenciais que potencialmente impactam nas atitudes e comportamentos dos eleitores. Apesar de os debates seguirem o formato das mídias massivas, os candidatos possuem um poder maior para moldar o conteúdo da discussão. No estudo realizado pelos pesquisadores no primeiro debate presidencial entre Bush e Kerry nas eleições de 2004, a preferência de candidato pelo partidário foi um indicador forte da presunção de quem teria sido o vencedor do debate. E, ainda que de maneira modesta, houve índices estatísticos significativos no estudo que evidenciassem o fenômeno de mídia hostil.

Sobre o PIG Não é possível se afirmar quem criou exatamente a teoria do PIG, mas ela é normalmente atribuída ao jornalista Paulo Henrique Amorim, especialmente

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através de seu blog Conversa Afiada.1 A teoria do PIG versa diferentes questões, que seriam complementares, como: 1) as principais empresas jornalísticas do Brasil pertenceriam a grupos ou indivíduos iminentemente conservadores, que seriam bastante contrários a uma agenda mais progressista, teoricamente mais atribuída aos partidos de esquerda; 2) Os partidos progressistas, em especial o PT, seriam então inimigos por defenderem tais agendas que valorizam as pessoas de baixa renda e as minorias; 3) Para fazer uso de seu poder, haveria algum tipo de união entre esses diferentes grupos para se realizar uma cobertura excessivamente negativa do PT (e partidos aliados). Essa cobertura pode tanto ser excessivamente enviesada (framing negativo) ou mesmo enfatizar por tempo excessivo os erros ou mazelas do partido (excessivo agendamento); 4) A cobertura enviesada não foca, contudo, apenas os partidos progressistas, mas também a agenda, ou ainda, temas progressistas polêmicos (como aborto ou casamento homossexual) também podem receber uma cobertura negativa; 5) da mesma maneira, a cobertura é enviesada (mas positivamente) para os partidos e candidatos de direita, em especial do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), enfatizando seus aspectos positivos e relevando seus erros; 6) Para facilitar tal possibilidade, os jornalistas de esquerda ou progressistas estariam perdendo espaço em tais veículos, que agora estariam buscando um jornalista mais conservador; 7) o caráter de um partido extraoficial seria reforçado pela teoria de que alguns políticos conservadores estariam envolvidos no esquema de alguma maneira.2 A teoria do PIG seria, de acordo com seus apoiadores, a principal explicação para a cobertura negativa que Lula sempre recebeu em suas campanhas presenciais, porém especialmente nas eleições de 2006. Valeria da mesma forma para a campanha presidencial de Dilma e de maneira mais ampla para a recente cobertura do julgamento do mensalão nas eleições municipais de 2012. No geral, quatro grandes grupos de empresas midiáticas são considerados o núcleo do Pig: os Marinho (Organizações Globo), os Frias (Grupo Folha), os Mesquita (Grupo Estado) e os Civita (Grupo Abril). Consequentemente os 1 . 2 A teoria do PIG, entretanto, não está plenamente descrita em algum lugar. Essas características são baseadas em inúmeros pensamentos disseminados em blogs e no termo na Wikipedia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/partido_da_imprensa_golpista.

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veículos mais geralmente atribuídos são: Globo (TV e jornal), Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e a revista Veja. Não obstante, praticamente todas as emissoras de TV e impressos podem entrar de acordo com o proponente. Apenas revistas com uma clara identificação de esquerda, como “Carta Capital” e “Caros Amigos”, geralmente escapam da acusação de serem parte do PIG.

M e t o d o l o g ia

Este trabalho utilizou uma base de dados já construída sobre as menções do termo “Mensalão” no Twitter durante mais de quatro meses. Devido ao escopo exploratório deste artigo, foi escolhido um período de 30 dias a partir 16 de agosto de 2012, data do início da leitura dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), até o dia 16 de setembro do mesmo ano. Nesse período foram encontradas 122.293 menções ao termo “Mensalão” no Twitter. Nesse banco de dados, foi feita uma busca textual sobre os meios de comunicação mais comumente associados ao PIG: Veja, Estadão, Folha de São Paulo e Globo. Essa busca foi feita através do nome mais comumente associado ao veículo, o que transformou a Folha de São Paulo em “Folha”. Foram encontradas 6.630 menções à Veja, 2267 à Globo, 1233 à Folha e 2265 a Estadão. A partir dessas buscas foi extraída uma amostra aleatória e representativa de 200 tweets mencionando cada veículo, sendo excluídos alguns casos em que o termo buscado (“Veja” e “Folha”) não se referia aos veículos de comunicação, resultando em 787 menções. Como este estudo se apresenta como um teste sobre a possibilidade da medição da percepção de media hostil no Twitter, não se criou categorias ou parâmetros elaborados para a classificação dos tweets. Cada mensagem foi classificada simplesmente como HMP-PT, indicando a existência de uma percepção de media hostil contra o Partido dos Trabalhadores, HMP-OP, indicando a existência de uma percepção de media hostil contra a oposição, ou Não, indicando a não existência de percepção de media hostil naquela mensagem.

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R e s u lta d o s Gráfico 1 - Resultados da aferição de percepção de mídia hostil

Fonte: elaboração do autor.

Em termos gerais, é possível afirmar que houve um caso significativo de percepção de media hostil contrário ao Partido dos Trabalhadores sobre o caso do Mensalão, com 22,5% dos tweets apresentando uma recepção hostil dos meios contra o governo. Esse número é alto para os padrões dos Media Effects, mas condizentes com observações anedóticas sobre o meio digital brasileiro como muito polarizado. A análise se torna mais interessante ao se olhar para os dados por veículo, nos quais dois dos veículos declaradamente oposicionistas ao governo, Veja e Estadão, tiveram poucos casos de percepção de media hostil contra o PT, 2,5% na Veja e 8% no Estadão e nenhum HMP-OP. Enquanto isso, a Folha de São Paulo apresenta 22% de casos de HMP-PT, e nenhum HMP-OP, um número mais parecido com a média geral dos casos. O caso do Globo precisa ser analisado com mais detalhes por questão de um assunto que pautou grande parte das mensagens durante o período em que foi coletada a amostra. Nesse período, um pequeno escândalo apontou a Rede Globo como uma das beneficiárias do dinheiro do mensalão, o que resultou em uma grande torrente de mensagens atacando a instância moral

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que o grupo tinha ao criticar os réus do mensalão. Na contagem final, esses ataques foram considerados HMP-PT, pelo caráter contrário ao veículo e pela insinuação de hipocrisia da direção editorial do jornal.

Di s c u s s ã o e c o n c l u s ã o

Esse trabalho teve como objetivo o desenvolvimento de um estudo acerca da existência de uma percepção de media hostil no Twitter no assunto do “Mensalão”, em relação a quatro grandes meios de comunicação no Brasil: Estadão, Folha de São Paulo, Globo e Veja. Foi encontrado um número significativo de mensagens contendo percepções de media hostil a favor do Partido dos Trabalhadores, colocando os veículos estudados como perseguidores de tal partido, e um montante insignificante, quase nulo, de percepção de media hostil contra o PT, que apontava os media como conivente com o PT e contrária a oposição. No entanto, além dos resultados, esse estudo serve como um teste simples sobre a capacidade de se realizar um estudo sobre HMP no Twitter, em uma tentativa de aplicar a teoria em outras circunstâncias que não o de uma survey ou de um experimento – para ver outra tentativa, ver Sampaio (2011). Nesse quesito, esse trabalho apresenta dificuldades, a amostra apesar de significativa, variava muito de acordo com determinados assuntos diários, como o caso da Folha, em que quase um terço de todos os tweets mencionando “Mensalão” e o nome do veículo ocorreram no mesmo dia e se relacionavam com a mesma matéria. Outro exemplo foi o já citado caso de suspeita de recebimento de dinheiro proveniente do “Mensalão” pela Globo, gerando uma grande onda de reclamações. Essas dificuldades são inerentes ao Twitter, mas não o invalidam sobre o ponto de vista metodológico, contanto que haja uma representatividade entre os dados coletados e a amostra analisada, como existe nas amostras desse trabalho, as conclusões ainda terão uma base empírica forte. Outra dificuldade inerente a uma análise de conteúdo no Twitter é a brevidade das mensagens. Com cada tweet limitado a 140 caracteres, muitas vezes o autor da mensagem escreve algo para depois complementar posterior-

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mente, modificando o sentido e o sentimento da mensagem. Em outros casos a mensagem é irônica, mas há poucos mecanismos para se identificar a ironia em uma mensagem isolada do contínuo daquele usuário. Essas dificuldades são potencializadas nos casos dos compartilhamentos de mensagens de outros usuários, os chamados RTs, em que não há muita base para se identificar qual o objetivo do compartilhamento sem se recorrer ao histórico daqueles usuários e aos seus tweets anteriores e posteriores, algo impraticável em uma análise de mais de 200 mensagens. No caso deste estudo, foi acordado que todos os compartilhamentos fossem catalogados com seu sentido original, não importando o intuito do seu usuário. Estes problemas podem ser solucionados com outras tentativas metodológicas, como o acompanhamento de indivíduos ou de redes de indivíduos que compartilham e se comunicam através do Twitter, de modo a identificar se as suas opiniões se reforçam, ou se determinadas comunidades compartilham de opiniões similares e excluem pessoas de opinião contrária, de modo a validar uma perspectiva teórica do HMP que coloca o sentimento de pertencimento ao grupo como o fator principal para a existência do HMP.

R e f e r ê n c ia s AMARO, F. et al. O caso Fla-Press: jornalismo, futebol e imparcialidade. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUDESTE, 17., 2012, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: Intercom, 2012. ARIYANTO, A.; HORNSEY, M. J.; GALLOIS, C. Group Allegiances and Perceptions of Media Bias: Taking Into Account Both the Perceiver and the Source. Group Processes & Intergroup Relations, v. 10, n. 2, p. 266-279, 1 abr. 2007. ARPAN, L. M.; RANEY, A. A. An Experimental Investigation of News Source and the Hostile Media Effect. Journalism & Mass Communication Quarterly, v. 80, n. 2, p. 265-281, jun. 2003. BARNHURST, K. G. G.; MUTZ, D. American journalism and the decline in event-centered reporting. Journal of Communication, v. 47, n. 4, p. 27-53, dez. 1997.

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BAUM, M. A.; GUSSIN, P. In the eye of the beholder: How information shortcuts shape individual perceptions of bias in the media. Quarterly Journal of Political Science, v. 3, n. 1, p. 1-31, 2007. CHOI, J.; YANG, M.; CHANG, J. J. Elaboration of the Hostile Media Phenomenon: The Roles of Involvement, Media Skepticism, Congruency of Perceived Media Influence, and Perceived Opinion Climate. Communication Research, v. 36, n. 1, p. 54-75, fev. 2009. DOTY, O. The hostile media effect: a state of the art review. Washington, D.C: Johns Hopkins University, 2005. ENTMAN, R. M. Framing: Toward Clarification of a Fractured Paradigm. Journal of Communication, v. 43, n. 4, p. 51-58, dez. 1993. GINER-SOROLLA, R.; CHAIKEN, S. The Causes of Hostile Media Judgments. Journal of Experimental Social Psicology, v. 30, p. 165-180, 1994. GUNTHER, A. C.; MILLER, N.; LIEBHART, J. L. Assimilation and Contrast in a Test of the Hostile Media Effect. Communication Research, v. 36, n. 6, p. 747764, out. 2009. GUNTHER, A. C. Biased Press or Biased Public? Attitudes Toward Media Coverage of Social Groups. Public Opinion Quarterly, v. 56, n. 2, p. 147, jan. 1992. GUNTHER, A. C.; LIEBHART, JANICE L. Broad Reach or Biased Source? Decomposing the Hostile Media Effect. Journal of Communication, v. 56, n. 3, p. 449-466, set. 2006. GUNTHER, A. C.; SCHMITT, K. Mapping Boundaries of the Hostile Media Effect. Journal of Communication, v. 54, n. 1, p. 55-70, mar. 2004. GUNTHER, A. C. et al. Congenial public, contrary press, and biased estimates of the climate of opinion. Public Opinion Quarterly, v. 65, n. 3, p. 295-320, 2001. HUGE, M.; GLYNN, C. J. Hostile media and the campaign trail: Perceived media bias in the race for governor. Journal of Communication, v. 60, n. 1, p. 165-181, 2010. JONES, D. A. Why americans don’t trust the media: a preliminary analysis. The Harvard International Journal of Press/Politics, v. 9, n. 2, p. 60-75, abr. 2004.

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A compreensão de internet nos artigos publicados na E-Compós Luisa Maranhão de Araújo

Introdução

O objetivo deste trabalho é entender a compreensão que alguns pesquisadores fazem acerca da internet. A seleção dos autores será realizada por meio dos dois eixos temáticos, internet e movimentos sociais, identificados no objeto de estudo desta pesquisa, que são 74 publicações da Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (E-Compós). A importância desta investigação se justifica, pois a autora visa avançar na pesquisa da dissertação de mestrado, cujos dois eixos temáticos são os citados acima. A metodologia utilizada é o estado da arte, de Norma Ferreira



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(1999), e a categorização das publicações, de Adriana Amaral e Sandra Portella Montardo (2011).

M e t o d o l o g ia

A proposta do estado da arte, de Norma Ferreira (1999), procura fazer um estudo sobre a área do conhecimento que se busca investigar, para, então, o pesquisador poder avançar com outras propostas, outras abordagens sobre os eixos temáticos selecionados, e não apenas uma repetição do mesmo. No entanto, devido a gama de conhecimento produzido, até então, há alguns questionamentos sobre a possibilidade de se realizar esta metodologia. Quando Norma aponta que, tal como qualquer outra pesquisa, há recortes a serem estabelecidos e faz-se indispensável o pesquisador ressaltar que ele irá apenas estudar parte do conhecimento já produzido. Com o intuito de ser ainda mais específica com o objeto de pesquisa deste trabalho e ainda seguindo o pensamento de Norma Ferreira (1999), o primeiro contato com o objeto de estudo será os resumos apresentados em cada publicação da revista E-Compós. Devido à extensão do objeto, 74 textos, a leitura dos resumos se faz necessária para a categorização dos trabalhos e, em seguida, o aprofundamento apenas nos eixos temáticos que interessam para esta análise. Ele [resumo] sugere vínculos teóricos e metodológicos, traz uma maneira de dizer que o caracteriza como determinado gênero discursivo. Cumpre sua finalidade na esfera acadêmica: num primeiro momento, informar ao leitor de maneira objetiva sobre o trabalho do qual se origina. Para um leitor que funciona de acordo com as intenções e estratégias de ‘manipulação’ do autor/editor, o resumo cumpre sua finalidade, oferecendo aspectos sintetizados do trabalho e permitindo que, dentre muitos, o leitor faça uma triagem daquilo que interessa. (FERREIRA, 1999, p. 183)

Ainda que o resumo possa apresentar alguns enganos com relação ao trabalho como um todo, Norma Ferreira apresenta este gênero discursivo

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como um texto aceito pela academia e que não é uma metonímia da pesquisa completa, apesar de apresentarem um elo entre eles. Tal como não há um estudo linear da ciência, dos objetos de estudo de cada trabalho analisado. Há a formação de redes de conhecimento, “redes de vários fios que se cruzam, que se rompem, que se unem, dependendo do ponto que se estabelece como partida em cada texto”. (FERREIRA, 1999, p. 225) Após a leitura dos resumos, a pesquisa segue com a categorização indicada pelas autoras Adriana Amaral e Sandra Portella Montardo (2011). As autoras sentiram a necessidade de classificar as publicações acadêmicas sobre cibercultura, após o fortalecimento desta nova Tecnologia da informação e da comunicação (TICs), no Brasil. Assim, elas propõem: a) Linguagem; b) Crítica da técnica/do imaginário tecnológico; c) Subjetividade; d) Apropriação tecnológica; e) Economia política da comunicação mediada por computador; f) Ciberativismo; g) Epistemologia, teorias e métodos; h) Imaginário tecnológico; i) Inclusão digital; j) Práticas de consumo mercadológico; k) Sociabilidade online; l) Jornalismo digital; m) Entretenimento digital. Desta lista, esta pesquisa dará destaque aos artigos inseridos na categoria Ciberativismo, podendo se estender às publicações presentes em Economia política da comunicação mediada por computador, devido à proximidade temática dos dois eixos.

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e- c o m p ó s

A escolha pela Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação está relacionada a uma pesquisa anterior, O Social e o Tecnológico nas Estratégias Metodológicas Utilizadas para Compreender a Sociabilidade na Internet, realizada pela pesquisadora Janara Sousa (2012). A autora fez uma seleção dos artigos publicados sobre internet nas sete revistas mais bem avaliadas, no período, segundo o critério Qualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que eram: Contracampo, Matrizes, E-Compós, Intercom, Famecos, Galáxia, e Comunicação, Mídia e Consumo. Na ocasião, todas tinham a nota B1, em 2011, e o resultado foi a identificação de 192 publicações relacionadas ao tema, distribuídos no gráfico seguinte: Gráfico 1 - Porcentagem de artigos publicados e periódicos, Brasil, 2012 Comunicação,  Mídia   e  Consumo 8%

Contracampo 5%

E-­‐Compós 39%

Intercom 5%

Famecos 20%

Galáxia 16% Matrizes   7%

Fonte: sousa, 2011.

A quantidade de publicações da revista E-Compós se destaca com 74 artigos, em comparação às demais, que são: Comunicação, Mídia e Consumo, com 15; Contracampo, nove; Famecos, 39; Galáxia, 31; Matrizes, 14; e Intercom, 10. Como também, este recente periódico, de 2004, não possui vínculo com

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nenhuma instituição universitária específica. O período abrangido por este objeto de estudo é de 2004 a 2011, com 22 exemplares publicados. A atual classificação da revista E-Compós, de acordo com o critério Qualis/Capes, é A2. Os dossiês temáticos propostos ao longo destes anos foram: Quadro 1 – Temas propostos pela revista E-Compós Ano

Temas

Ano

Tema

2004

Comunicação e Sociedade

2008

Comunicação e Experiência Urbana

2005

 

 

Televisão e Realidade

 

 

 

Temas Livres

 

 

2009

Estigmas e Estereótipos na Esfera Midiática

2006

Imagem na Comunicação

 

Comunicação, Políticas da Imagem e Imagens Políticas.

 

Estudos Culturais

 

Temas Livres

 

Economia Política da Comunicação

2010

Temas Livres

2007

Televisão

 

Culturas da Mídia e Estetização da Cultura

 

Cibercultura

 

Jornalismo em Questão

 

Estudos de Recepção

2011

Temas Livres

 

 

 

Comunicação e o Sujeito

 

 

 

Marshall McLuhan, Cem Anos Depois.

Fonte: elaboração do autor.

Até o fechamento deste trabalho, não foi possível identificar quais foram as temáticas propostas no ano de 2005. Dentre os temas sugeridos, 40 publicações estiveram relacionadas a estes, sendo 15 artigos sobre Cibercultura, e 34 foram Temas Livres que evidenciam o interesse do pesquisador ao tema, independente da sugestão de estudo por parte da E-Compós.

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Cat e g o r i z a ç ã o

Após a leitura dos resumos e a categorização de cada pesquisa, conforme os eixos propostos por Adriana Amaral e Sandra Portella Montardo (2011), chegam-se ao seguinte entendimento: Quadro 2 - Categorização das publicações da revista E-Compós Eixos Temáticos

Revista

Categoria

Temática

Base Teórica

E-Compós

Linguagem

Estudos empíricos, em sua maioria, sobre arquitetura de informação, hipertexto, links, buscadores, hipermídia e narrativas de jogos digitais.

Filosofia, Informática, Literatura, Artes, Educação e Semiótica.

5

Crítica da Técnica/ do Imaginário Tecnológico

Estudos teóricos quanto à problematização da questão da técnica e do imaginário tecnológico sob vários aspectos.

Filosofia e Sociologia.

1

Subjetividade

Estudos teóricos sobre novas formas ou crítica a novas formas de subjetivação em função das TICs.

Psicologia e Filosofia.

13

Apropriação tecnológica

Estudos teóricos ou empíricos sobre a reconfiguração de práticas sociais/culturais em função das TICs.

Antropologia e Sociologia.

7

Economia Política da Comunicação Mediada por Computador

Investigações ligadas a novas conformações econômicas e políticas em função da Internet.

Economia, Filosofia e Comunicação.

4

Ciberativismo

Reflexões sobre a potencialização da ação do indivíduo/coletividade em termos de ação política via Internet.

Filosofia, Sociologia e Comunicação.

2

Epistemologia, Teorias e Métodos

Sistematização que consiste em estudos teóricos e metodológicos sobre a Técnica, Tecnologia e Cultura Digital.

Filosofia, Literatura e Comunicação.

9

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Imaginário Tecnológico

Reflexões sobre o presente a partir de referências da Literatura, das Artes, do Cinema.

Sociologia, Literatura Comparada e Cinema.

3

Inclusão Digital

Estudos sobre potencialização da inclusão social via TICs.

Sociologia e Educação.

3

Práticas de Consumo Mercadológico

Estudos sobre práticas de consumo mercadológico em função das TICs.

Marketing e Comunicação.

6

Sociabilidade Online

Estudos empíricos sobre práticas e processos de sociabilidade online.

Sociologia e Comunicação.

7

Jornalismo Digital

Estudos teóricos e empíricos sobre as novas práticas, linguagens e rotinas produtivas jornalísticas em função das TICs.

Comunicação

9

Entretenimento Digital

Estudos sobre estéticas, formatos, gêneros, características e produtos e práticas culturais do campo do entretenimento que estão presentes na cultura digital.

Comunicação, Sociologia, Estética, Estudos Culturais.

5

Fonte: elaboração do autor.

Os artigos podem alterar pertencer a mais de uma categoria, conforme a análise que cada pesquisador fizer. No entanto, para este trabalho, dos 74 artigos, dois estão relacionados à ciberativismo. Apesar de questionável esta quantidade, este não é o objetivo principal desta pesquisa. As duas publicações são: a) FELINTO, E.; CARVALHO, M. S. Como ser pós-humano na rede: os discursos da Transcendência nos Manifestos Ciberculturais. v. 03, 2005.

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b) GONÇALVES, F. N. Resistência Nômade: arte, colaboração e novas formas de ativismo na Rede. v. 09, 2007. Como foi dito anteriormente, havia a possibilidade de agregar algum artigo do eixo temático “Economia política da comunicação mediada por computador”, como foi o caso de: c) ANTOUN, H. Cooperação, colaboração e mercado na cibercultura. v. 07, 2006. O pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro foi incluído na análise, pois o resumo apresenta relação com os eixos temáticos internet e movimentos sociais. Como também, após a busca no currículo Lattes de Henrique Antoun, foi possível identificar o interesse dele nos temas aqui propostos. Assim a justificativa para incluí-lo neste objeto de estudo.

Erick Felinto e Mauro Schulz de Car valho A pesquisa “Como ser pós-humano na rede: os discursos da Transcendência nos Manifestos Ciberculturais”, desenvolvida por Erick Felinto e Mauro Schulz de Carvalho (2005, p. 4) tem como objetivo “evidenciar e descrever os pontos de articulação entre pós-humanismo e religiosidade tecnológica nos discursos apresentados em um conjunto de oito sites investigados no decorrer da pesquisa”. Os autores perceberam que os pós-humanistas fazem o completo uso das tecnologias que possuem. Enquanto nas tecnologias anteriores às mídias digitais, era possível delimitar o espaço material e o imaterial; nas novas tecnologias da informação e da comunicação não há mais a distância entre o sujeito e a tecnologia, eles se fundem num só organismo. Felinto e Carvalho (2005, p. 8, 3) acreditam que este discurso seja ingênuo, projetista com relação ao tempo futuro que nunca chega ao tempo presente e “imprecisão das definições e conceitos defendidos nos discursos pós-humanistas”. Lembrando que estas observações se referem a esta sub-

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cultura pós-humanista, que atribui “um poder quase mágico ou religioso da tecnologia como instrumento para a transcendência humana”. As advertências com relação a estas concepções estão em atribuir sentidos à “imaginação utópica desvinculada das experiências do mundo real, com seus processos de exclusão, desigualdade econômica e poderio tecno-científico”. (FELINTO; CARVALHO, 2005, p. 15) Desta maneira, apenas os jovens seriam capazes de transcenderem, movimento a ser realizado em alta velocidade, que não permite a reflexão e a crítica deste processo. Um procedimento não só elitista, em termos econômicos, como também excludente, que não inclui aqueles que não sabem fazer uso das novas TICs.

Fernando do Nascimento Gonçalves O artigo, Resistência Nômade: arte, colaboração e novas formas de ativismo na Rede, de Fernando do Nascimento Gonçalves (2007, p. 2), tem como objetivo “discutir a emergência de práticas artísticas que se apoiam no uso de tecnologias de informação e comunicação para produzir resistência a discursos e práticas de poder, através de ações virtuais e em espaços públicos”. Gonçalves discute o conceito de ato comunicativo, como situação a qual capacita o indivíduo a problematizar a realidade em que está inserido. Os “artistas-ativistas” seriam estes indivíduos capazes de desconstruir as experiências, primeiramente, apresentadas à sociedade, para, em seguida, propor novas formas de atuação com as novas tecnologias da informação e comunicação. Esta transformação do uso é denominada de mídia tática, cuja fundamentação básica são as produções do tipo ‘faça-você-mesmo’, realizando um uso diferenciado das potencialidades de comunicação dos diversos meios. Isso não quer dizer que a mídia tática seja uma mídia ‘alternativa’, pois seu conceito foi criado justamente para fugir da idéia de recusa a dicotomias do tipo ‘amador x profissional’, ‘alternativo x mainstream’. (GONÇALVES, 2007, p. 8)

Considerando que a mídia tática não é apenas o uso das novas ferramentas da comunicação, elas podem utilizar a “comunicação oral e elementos

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presentes no cotidiano e nos espaços públicos, onde se dá a mistura do popular, do erudito e do massivo”. (GONÇALVES, 2007, p. 9) A junção de artistas-ativistas com a mídia tática promove a resistência nômade, “caracterizada por um tipo de ação múltipla, simultânea, descentralizada e não localizada, organizada e realizada em rede por distintos grupos”. (GONÇALVES, 2007, p. 13) A resistência nômade promove a horizontalização da rede, a redefinição de tempo-espaço, em que as redes sociais estão muito mais vinculadas ao tempo do que ao espaço. Gonçalves (2007) provoca para que não percamos a chance de pensar a época em que estamos inseridos, pois, para ele, a sociedade tende a acreditar que o período em que vive é único e não questiona os conhecimentos e as informações que lhes são dirigidas. Não perder essa veia “artística-ativista” é não deixar perder a oportunidade de provocar outros usos que podem ser atribuídos às tecnologias da informação e comunicação.

Henrique Antoun

A pesquisa, cooperação, colaboração e mercado na cibercultura, de Henrique Antoun (2006, p. 3), visa “examinar o estranho paradoxo que parece opor o poder da informação e o poder da comunicação nas práticas sociais”. Enquanto a informação revelaria poder de propriedade, a comunicação “exprimiria o poder da valoração e organização autônomas do trabalho como uma potência de parceria”. (ANTOUN, 2006, p. 3) Em seguida, os conceitos de informação e de comunicação são vinculados à guerra da informação ou guerra em rede. A primeira seria por parte de indivíduos que lutariam por gerenciar as percepções de seus receptores, a segunda possui a estrutura organizacional em forma de rede de seus adeptos – com vários grupos estando atualmente estruturados no modo de resistência sem líder (leaderless) – e a sua ultra flexível habilidade de atingir rapidamente qualquer lugar em ataques de afluência (swarming attacks) (Arquilla e Ronfeldt, 200), aglutinadores de multidão. (ARQUILLA; RONFELDT, 2001 apud ANTOUN, 2006, p. 7)

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Antoun (2006) aponta que a organização da guerra em rede proporcionaria mudança na sociedade em geral, citando as propostas de determinismo tecnológico, quando as características do meio de comunicação são responsáveis pelas mudanças sociais. Assim, uma sociedade com as novas tecnologias da informação e comunicação seriam responsáveis pela formação de uma sociedade mais segmentada, policêntrica e ideologicamente integrada, características da rede mundial de computadores. Entretanto, esta realidade não parece visível ao pesquisador, devido à exploração comercial da internet, que garantiria uma estrutura não igualitária entre os sites atuantes. Os endereços eletrônicos, que mais serviriam de fonte para as informações, seriam a versão online de outras mídias, de grandes oligarquias da informação. A fim de tentar derrubar esta monopolização da informação, o poder de parceria de atores sociais invisíveis, por meio de cooperação, garante a visibilidade destes mesmos indivíduos. Das redes de cooperação, nas guerras em rede, participam indivíduos separados por longas distâncias, aumentando o capital social das associações e garantindo maior participação de todos os membros. Há um crescimento exponencial do tamanho, sem acréscimo no custo financeiro. O ponto a ser refletido é com relação à “simplicidade de aderir ou abandonar as comunidades transformam o sentido da identidade e pertencimento, fazendo com que o anonimato e a mobilidade não sejam mais antiéticos à reputação e segurança”. (ANTOUN, 2006, p. 15) O questionamento do paradoxo proposto no início da pesquisa se perpetua, pois qual seria a validade de informar mais os indivíduos sobre realidades diversas daquelas apresentadas pelas grandes mídias, se estes mesmos indivíduos informados, que se comunicam e debatem o assunto, não estiverem engajados na discussão, não refletirem e levarem o debate para além do mundo online?

C o n s i d e r a ç õ e s Fi n ai s

O entendimento que se pode retirar destas três publicações selecionadas da revista E-Compós, é que a internet não deveria ser mais um meio de segregação

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da sociedade, não deveria excluir aqueles não que não possuem acesso, por qualquer justificativa que se tenha. O progresso dos indivíduos não estaria diretamente relacionado ao contato com as novas tecnologias de comunicação, independente disso, existem outros caminhos a serem seguidos. As alternativas são descobertas pelos “artistas-ativistas”, cidadãos que provocam a sociedade, acostumada com uma única maneira de enxergar determinado uso para um meio de comunicação. Os “artistas-ativistas” utilizam a internet, por exemplo, como mídia tática, capaz de acender manifestações em espaços distantes e diferentes, em um mesmo tempo. A internet, no caso, trouxe esta redefinição de tempo e de espaço, em que os movimentos sociais estão mais vinculados ao tempo do que com o espaço em que ocorrem. As diferenças espaciais provocam outros questionamentos: o valor ético das manifestações. Indivíduos que se vinculam a um protesto, sem nenhuma garantia de fidelidade, sem conhecer os valores que estão vinculados ao movimento. Enquanto outros, ativistas do mundo online e, principalmente, off-line, lutam por mudanças na sociedade. Nesta situação, qual seria a importância da comunicação? Os internautas, às vezes, podem utilizar a internet para a comunicação, mas não trazem o discurso para o mundo off-line, em que eles se mantêm apenas na posição de receptores passivos, que recebem a informação dos oligopólios midiáticos.

R e f e r ê n c ia s AMARAL, A. R.; MONTARDO, S. P. Pesquisa em cibercultura: análise da produção brasileira da Intercom. Logos 34: O Estatuto da Cibercultura no Brasil. v. 1, n. 34, p. 102-116, 2011. ANTOUN, H. Cooperação, colaboração e mercado na Cibercultura. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, v. 7, p. 1-24. 2006. FELINTO, Erick; CARVALHO, Mauro S. Como ser pós-humano na rede: os discursos da transcendência nos manifestos ciberculturais. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, v. 3, p. 1-17, 2005.

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FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. Pesquisa em leitura: um estudo dos resumos de dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas no Brasil: de 1980 a 1995. 1999. 110 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 1999. GONÇALVES, Fernando do N. Resistência Nômade: arte, colaboração e novas formas de ativismo na Rede. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, v. 9, p. 1-20, 2007. SOUSA, Janara. Periodismo e internet: un análisis de los procedimientos metodológicos utilizados por los investigadores brasileños. In: CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE ESTUDIOS DE PERIODISMO: Identidad, cambios y desafíos de la profesión en el siglo XXI. 2012, Santiago, Chile. Anais… Santiago, Chile, 2012.

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Novos parâmetros na comunicação Reflexão sobre relações comunicativas via tecnologias da informação e da comunicação Edienar i Oliveira dos Anjos

Introdução

A presença dos dispositivos tecnológicos na vida do homem moderno modifica a concepção de comunicação cuja observação recaía nas relações sociais estabelecidas por uma linguagem comum e pelo contato face a face. Atualmente vivemos um contexto comunicacional que sofre mutações constantes à medida que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) se aprimoram e apresentam possibilidades múltiplas de ferramentas e dispositivos capazes de diminuir distâncias e simular o contato real. O que foi considerado como novos dispositivos tecnológicos no século passado, como o rádio e a televisão, hoje são reconhecidos por media tradicionais que informam uma sociedade tratada como massa homogênea.



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O computador pessoal (PC), como equipamento eletrônico capaz de armazenar dados, recebeu posteriormente a rede telemática (comunicação a distância por serviços informáticos através das telecomunicações), encurtando as distâncias geográficas entre os usuários e estabeleceu a troca de informações interativas e simultâneas. Se antes com os media tradicionais de massa os papéis eram definidos apenas por um emissor e um receptor, hoje vivemos uma era de papéis múltiplos, cuja incorporação de inovações técnicas nas práticas diárias do homem delineia mudanças na produção e distribuição de conteúdos em diferentes plataformas comunicacionais, tornando o processo de produção, distribuição e circulação de conteúdo cada vez mais participativo. Novas relações sociais se criam pela tecnologia. O que atualmente se reconhece por media tradicionais, ou como alguns pesquisadores denominam de velhos media, outrora já foram vistas como equipamentos eletrônicos revolucionários do processo comunicativo. O aparecimento de ferramentas com novas funções, as já existentes nas prateleiras das lojas, representa o atual estado de conflito dos pesquisadores da comunicação, pois suas publicações correm riscos de ficarem ultrapassadas com a mesma velocidade dos lançamentos tecnológicos, sinalizando mudanças na prática comportamental dos sujeitos. Dito isso, esse artigo pretende entender as investigações de pesquisadores da área da comunicação que se inclinam na perspectiva tecnológica. Cada um com abordagens diferenciadas dando conta das inovações da tecnologia de seu tempo.

M u d a n ç a n o e s pa ç o c o m u n i c at i v o

Em novos cenários comunicativos oferecidos pelas tecnologias, vários autores da área da comunicação procuram dar conta das discussões sobre as novas práticas sociais num ambiente virtualizado e com possibilidades múltiplas de interações entre os usuários. Polistchuk e Trinta (2003), nos capítulos “Pós-modernidade e meio de Comunicação” e “Novos modelos teóricos da Comunicação”, tratam como a

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tecnologia circunda as pesquisas científicas da área. A princípio, abordam que sociedade pós-moderna convive com uma multiplicidade de produtos de alta tecnologia da informação (acesso a dados armazenados) e da comunicação (trocas discursivas e práticas simbólicas) onde ambos expandiram o consumo de bens. Segundo os autores, nas possibilidades desse mundo construído por representações sociais, [...] A imagem passa a valer por si mesma e não por aquilo a que se refira; a cópia é preferível ao real; o simulacro (a reprodução técnica ou representação tecnológica), ao real. Simular a realidade por meio de imagens significa eliminar toda diferença existente entre real e imaginário. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 144)

Disto, compreende-se que pelo uso da tecnologia o homem cria condições de comunicação, sem a necessidade de estarem frente a frente um com o outro, onde os usuários são articuladores independentes à medida que incorporam em suas práticas diárias, ferramentas e dispositivos capazes de produzirem interações por redes telemáticas. Presencia-se um contato mediado entre homens e máquinas simulando um contato real. Entendemos o termo mediação, cunhado por Barbero (1986),1 por “[...] fixar entre das partes um ponto de referência comum, mas equidistante, que a uma e a outra faculte o estabelecimento de algum tipo de inter-relação”. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 148) As tecnologias legitimam novos meios de produção de fatos culturais, considerando as formas que cada sujeito tem de perceber e se apoderar do contexto apresentado, pois [...] daquilo que recebe, cada um pode fazer o que quiser não significa remeter o estudo da Comunicação à desorganização epistemológica; significa centrá-lo em um eixo sociocultural, pelo qual estão em causa às leituras (os processos individuais e coletivos de dotação de sentido). (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 148)

1 Obra do autor: Dos meios às mediações.

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Os autores fazem um resgate histórico do aparecimento dos PCs (computadores pessoais) e os primórdios do uso da internet para uso de armazenamento de dados estratégicos durante a Guerra Fria, pelo exército norte-americano. Resgata o uso da internet para fins científicos nas universidades, seu uso doméstico e o impacto que a chegada do computador conectado a internet provocou nas redações jornalísticas, cujas mudanças trouxeram à tona discussões sobre o fim dos media tradicionais (rádio, jornal impresso e televisão). Adiante retoma a questão de realidade simulada através de explanação pouco aprofundada dos teóricos McLuhan e Lucien Sfez. Consideramos a tentativa dos autores de não deixar escapar as mudanças provocadas pelas Tecnologias da informação e da comunicação. Entretanto, essa abordagem merece ser revista, levando em conta um novo contexto de práticas comunicacionais. Vimos, então, uma limitação das abordagens exibidas até aqui. Há de se compreender que as reflexões tecidas por Polistchuk e Trinta (2003) procuram dar conta, em seu tempo, de uma discussão inicial sobre o surgimento dos dispositivos tecnológicos, seus usos e teorias relacionadas. No entanto, atualmente, quais propostas de estudos em comunicação, via ferramentas tecnológicas, são apresentadas para entender o processo comunicacional engendrado, cada vez mais, por máquinas multifacetadas? Num ambiente de múltiplas ofertas, como o homem passa a estabelecer suas relações sociais?

O estado de confusão da comunicação na visão de Lucien Sfez

Nunca se fala tanto de comunicação em uma sociedade que não sabe mais se comunicar consigo mesma, cuja, coesão é contestada, cujos valores se desagregam, cujos símbolos, de tão gastos, não conseguem mais unificar. Sociedade centrífuga, sem regulador. (SFEZ, 2007, p. 11-12)

Por essa argumentação, o filósofo Lucien Sfez caracteriza o atual estado de confusão comunicacional presente na sociedade, onde somente por meio

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da técnica, o sujeito passa a existir, mas se enquadrando às possibilidades oferecidas por ela. Afirma que a tecnologia passa a reger a visão de mundo do qual não se consegue identificar quem se qualifica como emissor ou receptor e o que se pode ter como algo real ou do imaginário. Levou-se a desaparecer a mensagem, o sujeito emissor e o sujeito receptor, tendo, nesse momento, uma repetição imperturbável de informações por diversos canais de comunicação (meios de transmissão). Para caracterizar a comunicação confusional, Sfez (2007) cria o conceito de tautismo, um neologismo que é a contração das palavras tautologia (repito, logo existo) e autismo (considerando que os discursos midiáticos nos tornam surdos-mudos e isolados do mundo). O autor menciona que chegamos a um estágio curioso na sociedade já que não há mais limite e distância, no espetáculo em exibição, entre o espectador e o palco, acreditando que por esse envolvimento igualitário exista uma total inclusão participativa de todos no ato comunicativo. Por essas condições, convém atribuir um poder a um circuito democrático, reforçado pelas tecnologias que impulsionam a construção de “máquinas de comunicar”. As máquinas se aprimoram e se apresentam com ferramentas e recursos cada vez mais sofisticados. Esta passagem é o terceiro e último estágio comunicacional caracterizado por Sfez, metaforizado por Frankenstein: o tautismo, o estado pleno de confusão.2 Neste estágio comunicacional, os discursos divulgados pelos meios de comunicação são incorporados pelos sujeitos como sendo seus. Pela apropriação dos discursos mediáticos, as vozes se calam e o sujeito se vê prisioneiro de um universo mudo. Sua representação no mundo se dá por máquinas capazes de agir em seu lugar porque “[...] Tenho a ilusão de estar ali, ser aquilo, quando na verdade o que há são decupagens e escolhas prévias a meu olhar”. (SFEZ, 2007, p. 108)

2 Os outros dois estágios tratam da comunicação, primeiramente, como máquina (o representar): o homem faz uso da técnica, mas não se submete a ela, e a comunicação como organismo (exprimir): o objeto técnico é o ambiente “natural” do homem, deste sujeito e da visão de mundo que ele induz.

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Pelas opções que as tecnologias oferecem para obtenção de informações e simular as interações sociais, várias situações se criam ambientadas em diversos dispositivos eletrônicos. Hoje, o sujeito convive com uma diversidade de aparelhos ligados simultaneamente: televisão, computador, telefone celular com a finalidade de dar conta de mundos que lhe chamam a atenção o tempo todo, dedicando horas de usos dos aparelhos em suas práticas diárias. Isso lhe dá a sensação de estar engajado nas demandas exigidas na sociedade, ancoradas por próteses eletrônicas e multifacetadas, em decorrência da velocidade exponencial da telemática e da microinformática. “Que visão da realidade se constrói aqui, senão a de uma realidade como o deus oculto de Goldman, fragmentada e fluente, imaginária?” (SFEZ, 2007, p. 110), indaga o autor na tentativa de compreender uma nova realidade social representada por máquinas. São “[...] imagens, imagens estilhaçadas e diferentes, sempre retransmitidas pela máquina, chegam de todos os lugares, e as mensagens se anulam para que só o ruído subsista”, (SFEZ, 2007, p. 110) completa, apontando a falta de concentração nas atividades comunicativas fragmentadas cujo conteúdo informativo pouco é assimilado. Ao citar o conceito de simulação da realidade de Baudrillard, onde a realidade remete à ficção e onde a ficção é a própria realidade transmitida pelos meios de comunicação, Sfez (2007) exemplifica a ficção tratada como real através da visita do papa João Paulo II à Polônia. Redes de televisão transmitiram o evento a vários países. A distância geográfica impedia os religiosos de várias partes do mundo estarem presentes à cerimônia. A televisão elimina a distância, e famílias inteiras se reuniram diante do televisor fazendo a comunhão eucarística. Mas trata-se da mesma comunhão realizada por aqueles que estão no local do evento? “[...] a distância geográfica e os intermediários tecnológicos, longe de provocar um sentimento de artificialidade, oferecem a aparência de uma espontaneidade natural” (SFEZ, 2007, p. 113), responde o autor, justificando a relação do real representado. No atual cenário de confusão da comunicação, o sujeito se transforma numa espécie de autista, silenciando-se mediante os avanços das novas tecnologias, tornando-se dominados por elas. Pura condição de delírio, como

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afirma o autor: uma realidade representada pela realidade expressa. Uma realidade mediada por máquinas tecnológicas. A comunicação organiza o corpo receptor e o estrutura como sujeito segundo de uma realidade segunda. Não se trata mais do sujeito clássico, mas de um suporte mediado. Todas as disciplinas são chamadas em auxílio, visto que o ambiente e o sujeito estão confundidos. (SFEZ, 2007, p. 114-115)

Na confusão comunicacional estabelecida pelo aprimoramento das tecnologias da comunicação e informação, com o surgimento de ferramentas e dispositivos móveis (telefones celulares, iPods, tablets, dentre outros) – capazes de acelerar as formas de obtenção de informações e direcionando novas relações de interação social em ambiente conectado por redes telemáticas –, autores da área se dedicam a delinear uma reflexão sobre o papel das novas media digitais por seu caráter inovador e de profundas mutações frente aos estudos desenvolvidos para compreensão dos meios de comunicação de massa, como o rádio e a televisão.

A impregnação da técnica nos estudos da informação – comunicação Miège (2009) provoca tensões em suas pesquisas sobre o que vem sendo apontado como superação dos velhos media com o aperfeiçoamento da técnica. Segundo ele, a técnica provoca problemas na área da informação – comunicação (TICs) onde é vista como a única origem das mudanças, mutações e inovações. Aspectos econômicos e societais também são elencados por ele. Considera que nem todas as TICs (que antes eram denominadas de Novas tecnologias da informação e da comunicação) são resultantes dos media. Portanto, as discussões se um media possa ser vista como novo ou antigo em nada contribui nas investigações das TICs, se pensado assim “[...] teríamos que justificar que o qualificativo antigo marcasse definitivamente medias como os jornais e revistas, a rádio-televisão etc.” (MIÈGE, 2009, p. 25) O autor afirma que a técnica perpassa por todos os campos sociais e seu processo de desenvolvimento de ferramentas técnicas se multiplica desde a

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década de 1980. Vivemos hoje numa sociedade com discurso ditado pelo determinismo técnico. A antecipação dos usos das ferramentas técnicas é uma das primeiras observações de Miége (2009). Aqui entra em dissonância a oferta de serviços previsíveis e a formação de um mercado consumidor. Não adianta a indústria das tecnologias elaborar uma lista de produtos a serem lançados sem que se crie um público consumidor que viabilize sua produção. Posteriormente, aponta o embaralhamento do tecnológico como a segunda fase do tecnodeterminismo dominante na sociedade. Nesta fase não existem mais delimitações entre os media caracterizado pela convergência, existe uma diluição dos media efetivas e perenidade de um mercado alternativo. A popularização da internet e as possibilidades interativas da Web 2.03 no uso profissional e doméstico revelam oportunidades novas de criação de conteúdo nos media colaborativos com a participação de muitos sujeitos. O microcomputador deixa de ser o único meio técnico capaz de proporcionar a interatividade entre os sujeitos conectados à rede. A convergência postulada aparece como terceiro elemento do tecnodeterminismo dominante. Esta fase confere às relações entre as ferramentas comunicacionais que se fundem: radiodifusão, telefone móvel e web “[...] que articulam o conjunto das Tics e as novas indústrias de conteúdo”. (MIÈGE, 2009, p. 36) Porém, a convergência não é um fenômeno puramente técnico, pois comporta dimensões econômicas, sociais, jurídicas e políticas. Miège (2009) propõe ainda quatro propostas para posicionar a técnica considerando seu papel onipresente nos discursos sociais, mas que assumem formas múltiplas e imprecisas, o que não contribui, segundo ele, no desenvolvimento da informação-comunicação. Porém, apenas três delas são formuladas pelo autor. A primeira proposta consiste no centrar-se no setor da informação-comunicação. Parte do pressuposto da distinção das TICs com os media de massa, essas sendo

3 Mark Briggs (2007) em seu título Jornalismo 2.0: como sobreviver e prosperar. A Web 2.0 se refere às páginas web cuja importância se deve principalmente à participação dos usuários.

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[...] geralmente consideradas como organizações de características específicas, funcionando com regularidade para públicos bem identificados e para quem divulga programas informativos, de entretenimento e culturais, respeitando as modalidades econômicas que se forjaram no decurso de sua longa história. (MIÈGE, 2009, p. 48)

Nessa conjuntura de distinção, as TICs fogem de qualquer definição homogênea já que divulgam necessariamente programas de forma regular a atendendo a preferência pública, pois as TICs “[...] são ao mesmo tempo técnicas de comunicação e media de um tipo novo, cujas eventualidades estão longe de terem sido esgotadas, pois ainda estão em formação”. (MIÈGE, 2009, p. 48) A segunda proposta refere à temporalidade das TICs. O autor faz um rápido resgate histórico sobre algumas das técnicas que fizeram diferença nos estudos comunicacionais, tais como o aparecimento da internet, o desenvolvimento da telefonia móvel e até da televisão. A questão da inovação é a última proposta formulada, uma abordagem essencial para compreensão da técnica. Muitas vezes o assunto é tocado no sentido de inovação de produto, ou seja, do aparecimento de novos aparelhos (ferramentas), essas inseridas socialmente em práticas diárias de seus usuários. Miège (2009) chama atenção para que não se confunda inovação com mudança e mutação. A mudança, de acordo com ele, é resultado da incorporação de softwares nas ferramentas e nos dispositivos “se as performances e as facilidades de domínio melhoram sensivelmente, isso não significa que estejamos diante de uma inovação”. (MIÈGE, 2009, p. 59) No que se refere às mutações, essas são perceptíveis no tempo onde são visíveis as transformações duráveis nas práticas informacionais, culturais e comunicacionais. Entretanto, “[...] as mutações implicam em mudanças no recurso a ferramentas ou a tipos de ferramentas, mas que também se operam modificações, por degraus ou níveis, no uso das ferramentas e até nas práticas”. (MIÈGE, 2009, p. 60) As reflexões de Miège são centradas na técnica como ferramenta indispensável no processo da informação-comunicação na sociedade. Seus

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apontamentos, até aqui apresentados, dão conta dos processos de mediatização (suportes matérias) que vão se superando com os avanços tecnológicos e os sentidos que opera na mediação social no processo de constante ruptura e seus enquadramentos do antes/depois, tradicional/ moderno, material/ imaterial, real/virtual, presencial/à distância, direcional/interativo, mono-mediático/multi-mediático, molar/molecular, centrado/descentralizado. A incorporação da internet nas ferramentas tecnológicas propicia não mais no uso de ferramentas mono-uso, mas de verdadeiros dispositivos que fazem um sistema interligado. Corroborando com Dominique Wolton (2004 apud MIÈGE, 2009), com a internet entramos na era das solidões interativas. A interação só é possível graças aos dispositivos da Web 2.0.

P o r u m a t e o r ia d o s n o v o s m e d ia d i g i tai s

Scolari (2008) é um dos pesquisadores inclinado a entender o novo cenário de investigação científico considerando panorama das tecnologias digitais. Para tanto faz reflexões sobre o atual estado das pesquisas sobre a comunicação digital interativa, contextualizando os estudos sobre os media da comunicação de massa já realizados e reconhecidos. O autor faz um apanhado histórico das teorias amplamente difundidas nos cursos universitários da área, mas explicita seu interesse pelos processos de comunicação mediados pela tecnologia digital no século XXI graças às redes telemáticas. Sugeri, inclusive, que os pesquisadores da área ao menos delineiem uma teoria dos novos media digitais. Para ele os modelos teóricos da comunicação de massa se encontram atravessado por diversos paradigmas teóricos tornando difícil entender a comunicação de uma maneira precisa, não existindo assim, um campo autônomo da comunicação, pois perpassar por outras disciplinas do saber, o que Scolari chama de fragmentação epistemológica. Num quadro teórico, o autor menciona os paradigmas que sustentaram cada um em seu tempo, os estudos da comunicação de massa: paradigmas informacional, crítico, empírico-analítico, interpretativo-cultural e semiótico-discursivo.

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O sentido da palavra confusão para Scolari (2008) se refere à epistemologia da área da comunicação, onde alguns pesquisadores insistem em caracterizar os estudos da comunicação como sendo, apenas, uma área interdisciplinar. Para ele não existe objeto de estudo que não seja interdisciplinar. “[...] Pensar que esta mirada interdisciplinaria no es outra cosa que um sintoma de miopia epistemológica”. (SCOLARI, 2008, p. 66) Já que todo objeto de estudo é analisado segundo o interesse de investigação de cada disciplina do saber. O autor, ao fazer referência a Bryant e Miron (2004, tradução nossa), descreve cinco sintomas da crise que vem sofrendo os media da comunicação de massa frente à cultura digital neste século XXI. Os meios tradicionais estão sofrendo uma transformação em uma escala de forma e expressão que se pode resumir em conceito de convergência; Os modelos clássicos dos meios massivo (um para muitos) deslocados pela nova grade e formas interativas de comunicação (muitos-para-muitos); O comportamento dos poderes econômicos que controlam a mídia leva a um progressivo desentendimento de funções sociais dos mesmos; As audiências estão mudando muito rapidamente; O local de consumo de mídia tradicional, a família está sofrendo fortes transformações que influenciam os processos de interpretação.4

Compartilha da ideia de Thornton Caldwell (2000 apud SCOLARI, 2008, p. 33, tradução nossa) que uma teoria da cultura digital não deve apenas verificar as articulações dos estudiosos ao demonstrarem os efeitos dos dispositivos e ferramentas tecnológicos,

4 Los médios tradicionales están sufriendo uma transformación em uma escala de forma y expresión que se puede resumir em e concepto de convergência; El modelo clássico de los médios massivos (uno-a-mucho) es desplazado por las nuevas formas reticulares e interactivas de comunicación (mucho-a-mucho); Las conductas de los poderes económicos que controlan los médios llevan a um progressivo desentendimento de las funciones sociales de los mismos; La audiências se están transformando de manera muy rápida; El lugar tradicional de consumo mediático, la familia, está sufriendo flertes transformaciones que terminan por influir em los processos de interpretación.

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Teorizar a cultura digital não significa simplesmente examinar como teóricos articula e descreve seus efeitos. Significa, também, prestar atenção ao processo pelo qual a mesma teoria é uma prática cultural, produzido e distribuído dentro comunidade profissional específica.5

Ao refletir sobre construir o objeto de análise da cultura digital, o autor indaga o que se podem considerar como novos media, pois a televisão já foi um dispositivo tecnológico inovador na comunicação na década de 1950, assim o como rádio também o foi nos anos 1920. Os que hoje consideramos o maior advento das tecnologias da informação e comunicação a exemplo dos blogs, futuramente serão velhos media. Várias são as definições para o cenário atual da comunicação regida via tecnologia digital: News media, medias interativas, comunicação digital, cibermeios, metamedia, cibercomunicação e/ou Comunicacion. Para Scolari (2008) a confusão semântica faz parte do processo de identificação de um novo território de investigação do qual ficam expostos os limites desse território e as parcerias em potencial. Isso indica que, no contexto da comunicação digital, o modelo “um-para-muitos” (revelado nos estudos dos media de comunicação de massa) entra em crise já que surgem novas possibilidades de comunicação tais como os weblogs, wikis e plataformas colaborativas, onde o modelo que passa a imperar é o “de muitos-para-muitos”. [...] os conceitos de novas mídias e novas tecnologias são, obviamente, o mais frágil de todos. O que é novo hoje é antigo amanhã na próxima semana e arqueologia tecnológica. Qualquer livro sobre a mídia é obrigado a mudar o título ou o conteúdo se fosse relançado dentro de uma década.6 (SCOLARI, 2008, p. 74, tradução nossa)

5

Teorizar la cultura digital no significa simplesmente examinar como los teóricos has articulado y descrito sus efectos. También significa prestar atención al processo según el cual la misma teoria es uma práctica cultural, producida y que circula dentro de comunidade profesionales específicas.

6

Como ya vimos, los conceptos de nuevo médio y nuevas tecnologías son, evidentemente, los más frágiles de todos. Lo que hoy es nuevo mañana será vetusto y la semana que viene arqueología tecnológica. Cualquier libro sobre los News media está condenado a cambiar su título o su contenidos si fuera reeditado dentro de uma década.

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Os novos media (la new thing) para os autores que se debruçam em sua análise a caracterizam pelo viés da interatividade, ou, para outros, pelo viés da digitalização das comunicações e ainda pelo processo de troca. Dentre os pesquisadores dos novos media da cultura digital, Scolari (2008) faz referência às observações de Manovich (2001) que identifica o caráter da representação digital: a modularidade, a automatização, a variabilidade a transcodificação neste cenário das tecnologias da informação e comunicação. Kerkhove (1997) é outra fonte de pesquisa para o atual estudo da cultura digital e considera em suas observações a hipertextualidade, a interatividade e a conexão. Além de Bettetini que aponta a multimidialidade, sequencialidade e navegação como características das pesquisas dos novos media. Filtrando as características descritas pelos diversos autores, Scolari (2008) faz um balanço a fim de caracterizar o que diferencia, hoje, os media tradicionais da comunicação de massa dos media da cultura digital. Para ele, vivemos com a: transformação tecnológica (digitalização); a configuração de muitos-para-muitos (reticularidade); estruturas textuais não sequenciadas (hipertextualidade) e participação ativa dos usuários (interatividade).

Conclusão

Do apresentado é possível perceber que os estudos da área da comunicação no tocante à interferência das ferramentas tecnológicas estão longe de chegar a uma estrutura sólida de investigação. As reflexões aqui propostas sobre as novas modalidades comunicativas, por diferentes ferramentas e dispositivos, não possuem consistência duradoura. O que é dito hoje sobre assunto pode ser facilmente refutado daqui a poucos anos. Isso se dá por uma lógica de mercado que visa à oferta de produtos com recursos tecnológicos superiores aos produtos já oferecidos, criando novas necessidades de consumo no sujeito e por consequência novas práticas sociais. Este, ao adquirir o produto, se sente pertencido a uma comunidade que interage pelo processo de mediação técnica, onde o real é representado por

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máquinas e se perde noção dos papéis definidos entre quem emite e quem recebe a mensagem mediada. Este cenário implica que a superação das investigações da área da comunicação sobre as tecnologias da informação e comunicação acontece na mesma velocidade da oferta de produtos nas prateleiras das lojas. A dicotomia entre o antigo e o novo irá persistir quando se trata das TICs. A delimitação de uma proposta teórica das culturas digitais passa a ter existência efêmera, diferente do que aconteceu com os paradigmas comunicacionais das media tradicionais. A ausência de definição semântica quanto a essas culturas retrata o cenário de confusão que este território novo de comunicação sucinta e novos parâmetros comunicacionais são propostos.

R e f e r ê n c ia s BRIGGS, Mark. Jornalismo 2.0: como sobreviver e prosperar. 2007. Disponível em: BRYANT, J.; MIRON, D. Theory and Research in Mass Communication. Journal of Communication, v. 54, n. 4, p. 662-704, 2004. KERCKHOVE, D. A pele da cultura: uma investigação sobre a nova realidade eletrônica. Tradução de Luis Soares e Catarina Carvalho. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1997. (Coleção Mediações). MANOVICH, L. The Language of New Media, Cambridge (MA), MIT Press, 2001. MIÈGE, Bernard. O tecnodeterminismo continua pregnante. In: _______. A sociedade tecida pela comunicação: técnicas da informação e da comunicação entre inovação e enraizamento social. São Paulo: Paulus, 2009. MIÈGE, Bernard. Quatro propostas para posicionar a técnica. In: _______. A sociedade tecida pela comunicação: técnicas da informação e da comunicação entre inovação e enraizamento social. São Paulo: Paulus, 2009. POLISTCHUK, Ilana; TRINTA, Aluizio Ramos. Teorias da comunicação: o pensamento e a prática da comunicação social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. 179 p.

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SCOLARI, Carlos. Teoría y comunicación frente al fantasma digital. In: _______. Hipermediaciones: elementos para uma teoria de la comunicación digital interativa. Barcelona: Gedisa, 2008. SCOLARI, Carlos. De los nuevos médios a las hipermediaciones. In: _______. Hipermediaciones: elementos para uma teoria de la comunicación digital interativa. Barcelona: Gedisa, 2008. SFEZ, Lucien. A comunicação. São Paulo: Martins, 2007.

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Espaço acústico, paisagem sonora e espaço sonoro Relação de figura e fundo entre os conceitos aplicados ao estudo da teoria dos meios e do espaço Macello Medeiros

A origem

É dia. Em alguma rua da cidade de Los Angeles, EUA, uma chuva forte cai. Yusuf dirige uma van, enquanto Ariadne, Dom, Saito, Arthur, Eames estão sedados e dormem profundamente. De repente, a van é perseguida por um motoqueiro que faz um disparo com arma de fogo. Ouve-se o estampido. Yusuf perde o controle do carro, que derrapa. Um corte seco leva para um corredor de um hotel onde Arthur está fugindo de assassinos e reage ao som



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do tiro, como também à derrapagem da van. Arthur desarma o assassino e entra em luta corporal. Depois de tentar despistar os motoqueiros, Yusuf perde o controle do carro novamente e desta vez a van capota em um declive. A partir desse momento, as cenas vão se intercalando entre o capotamento da van e a luta corporal entre Arthur e o assassino, porém são afetados pela gravidade zero gerada pelo movimento de giro da van em seu próprio eixo. Por sorte, a van para com as rodas para a pista ao mesmo tempo em que Arthur consegue atirar no assassino, eliminando-o. Esta é uma sequência bastante comentada do filme A origem (Inception), dirigido por Christopher Nolan e estrelado por Leonardo Di Caprio, que faz o papel de um expert em roubar informações do inconsciente das pessoas durante o sonho. O que chama mais atenção no filme, além de toda a trama que se desenrola, não poderia passar em branco pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em Hollywood. Em 2010, ano do seu lançamento, ele recebeu os prêmios Oscar de Melhor Fotografia, Efeitos Visuais, Edição de Som, Mixagem de Som, além de Melhor Som pela British Academy of Film and Television Arts (BAFTA). Ao assistir A origem, pude perceber de imediato a valorização do som no filme, o que me levou a tentar entender com mais profundidade aquilo que eu estava ouvindo na sala de cinema. Fazendo uma rápida observação do som nessa sequência, surge um questionamento: Como o som de uma cena em uma sequência pode invadir outra cena em cujas ações estão acontecendo em sincronia de forma totalmente independente? Somente num sonho! No entanto, utilizei também esse estranhamento para problematizar a relação de alguns conceitos relacionados ao som, e perceber como estes se relacionam numa sequência de um filme, por exemplo, baseando nos conceitos de figura e fundo.

E s pa ç o a c ú s t i c o X e s pa ç o v i s ua l

O conceito de Espaço Acústico de que irei tratar neste trabalho aparece em algumas obras de Marshall McLuhan, a partir do livro Exploration in Communication: an Anthology (1960), escrito juntamente com Edmund

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Carpenter, porém com reverberações em demais obras desse autor. No entanto, as citações e maiores referências foram obtidas no livro McLuhan in Space: a cultural geography (2002), de Richard Cavell que conseguiu reunir numa obra, diferentes reflexões de McLuhan sobre a noção de espaço1 nas artes, na literatura, na comunicação e, principalmente, apresentou em diversas passagens o embate promulgado pela dicotomia entre Espaço Acústico e Espaço Visual. Segundo McLuhan, a ideia de Espaço Visual tem origem na cultura letrada ocidental com a invenção do alfabeto, cuja hegemonia instaurou um ambiente no qual os olhos passaram ter mais importância que os ouvidos, representado pictoricamente num frontispício do livro Verbo-Voco-Visual Explorations (Figura 1). O aparecimento do “Homem Tipográfico” ocasionou uma restrição e fragmentação sensorial ao privilegiar a visão como principal sentido em detrimento dos demais. Para o autor, isso, de alguma forma, leva a uma redução das possibilidades da percepção, apresentando apenas uma através da visualidade: “Isto foi assim porque o impresso dissociou nossa sensibilidade de tal forma que somos capazes de perceber apenas uma forma de espaço, aquele construído somente pelos olhos.”2 (Trad. Nossa). Essa experiência perceptiva oriunda da visão fornece ao homem apenas um dado pontual e linear da compreensão do espaço. Portanto, a mudança de uma oralidade primária característica de uma cultura “estritamente” oral para o letramento reconfigurou toda uma concepção de espaço estabelecida até então. Aos olhos de McLuhan, este foi um aspecto negativo imposto por esta condição visual.

1 Não irei tratar, neste trabalho, o conceito de espaço que pode ser visto na minha tese O lugar na comunicação: um estudo sobre a comunicação locativa em zonas bluetooth, disponível no repositório de Teses e Dissertações da UFBA. 2

This was so because print dissociated our sensibilities such that we are able to perceive only one form of space, which space constructed by the eyes alone. (CAVELL, 2002, p. 51).

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Figura 1 - Um ouvido por um olho

Fonte: Blog Em mim serenamente3 Figura 2 - Espaço Visual x Espaço Acústico

Visual Space

Acoustic Space

sequential

simultaneous

asynchronous

synchronous

static

dynamic

linear

nonlinear

vertical

horizontal

left brain

right brain

figure

ground

tonal

atonal

container

network

Fonte: Media Fields Journal4

A partir do advento dos meios de comunicação elétricos, iniciado pelo telégrafo com fio, que não somente teve uma importância fundamental na comunicação a distância sincrônica, como também na nova compreensão da 3 http://4.bp.blogspot.com/_WHIkJHRGCVY/SFfkuSmx-5I/AAAAAAAAD48/8q85-ZCcfE4/s640/ eye_ear.gif. 4 http://www.mediafieldsjournal.org/storage/issue4-scale/bobbitt/Bobbitt-Table1.jpeg.

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relação entre tempo e espaço, vislumbramos uma retomada do sentido da audição com o Espaço Acústico. Essa percepção espacial tem como principal característica a inexistência de fronteiras que delimitam os sentidos, reduzindo-os e restringindo-os sua forma de compreensão do espaço, provocando uma mudança no entendimento do espaço-ambiente como sensus communis. Diferente do Espaço Visual, o Espaço Acústico não cria um “centro” para o qual devemos apontar os sentidos, muito pelo contrário, o Espaço Acústico é capaz de extrapolar, até mesmo, limites “físicos”, como veremos mais adiante, impostos pelo enquadramento de uma câmera, por exemplo. Isto corrobora com Cavell (2002, p. 216), quando diz que “O mundo do espaço acústico, cujo centro está em toda parte e cuja margem está longe”5 (Tradução nossa). Portanto, os meios audiovisuais são aqueles em que o Espaço Acústico atinge sua maior potencialidade, tendo em vista os processos de planificação das cenas que ocorrem nestes meios. No entanto, é importante esclarecer que não podemos tratar destes dois conceitos em contextos separados. O que ocorre, na verdade, é uma sobreposição de espaços, porém com aspectos diferenciados relativos à percepção sensorial, como veremos no quadro que resume aquilo que estamos discutindo neste trabalho. Outras características que se contrapõem entre os dois conceitos (Figura 2). O Espaço Visual é sequencial, assíncrono, estático, linear, vertical (suscita hierarquias: diagramação), ativa o lado esquerdo do cérebro (racional), estabelece uma posição de figura, é tonal e é fechado em seu próprio conteúdo. Já o Espaço Acústico é simultâneo, síncrono, dinâmico, não linear, horizontal (não há hierarquias), ativa o lado direito do cérebro (emocional), estabelece uma posição de fundo, é atonal e aberto, permitindo conexões em redes.

Pai s a g e m s o n o r a e e s pa ç o s o n o r o

Ainda mantendo a mesma nacionalidade entre os autores citados, outro autor canadense, Raymond Murray Schafer, apresenta um conceito em sua obra A afinação do mundo (2001) também baseado na percepção sonora do espaço-ambiente: o Soundscapes, que foi traduzido para o português como 5

The world of acoustic space whose center is everywhere and whose margin is nowhere.

Espaço acústico, paisagem sonora e espaço sonoro—

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“Paisagem Sonora”. Para Schafer, a Paisagem Sonora é qualquer ambiente sonoro composto pela presença de determinados sons característicos, de forma a diferenciá-la, conduzindo a uma percepção significativa dos espaços. As paisagens sonoras, portanto, carregam consigo uma identidade “por causa da sua individualidade, quantidade e preponderância”. (SCHAFER, 2001, p. 25) Podemos entender melhor esta definição, fazendo uma relação com outro filme, O som do coração (August Rush), lançado em 2007 e estrelado por Freddie Highmore, com participação de Robin Williams. O filme conta a estória de um menino que foi criado em um orfanato sem saber que seus pais estavam vivos. Porém, de alguma forma, ele pressentia isso e unia-se a eles através de uma música. Isto se deve ao fato de que ele foi gerado quando seus pais, então músicos passando por Nova Iorque, a mãe uma famosa violonista clássica, e o pai um guitarrista de Rock, se conhecem em uma festa, porém o destino os separa logo após o único encontro. Guiado por esta música, o garoto chega à cidade de Nova Iorque e assim que desembarca de um caminhão e caminha pelas ruas, começa a perceber os sons existentes nos lugares: ruídos dos trilhos e buzina do metrô, freios dos automóveis e ônibus, garotos que andam de skate e ouvem Hip-Hop, um vasilhame rolando pelo asfalto, apitos do guarda de trânsito, latidos de cachorros, portas giratórias, máquinas de solda nas construções, bicicletas, bandeiras, sirenes, todos os sons compondo uma sinfonia. Não é um som isolado que irá identificar os lugares, mas a combinação destes sons que se misturam e caracterizam determinado ambiente. Por isso, em muitas situações dentro da área de audiovisual, a Paisagem Sonora também é chamada de “ambiência”, principalmente na pós-produção, quando os Soundesigners utilizam-nas para caracterizar determinados lugares, criando “fundos sonoros” específicos para a rápida associação do espectador. Dentro da linguagem do audiovisual, também é muito comum, em especial na área de som, depararmos com o conceito de Espaço Sonoro, que não deve ser confundido com os conceitos de Espaço Acústico e Paisagem Sonora apresentados anteriormente. O Espaço Sonoro é muito utilizado nas análises fílmicas e tem como principal teórico o músico e pesquisador Michel Chion, autor de diversos livros que abordam a questão do som no cinema e nos demais produtos audiovisuais. Outro autor que trabalha muito bem

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esta questão do Espaço Sonoro é Angel Rodriguez (2006, p. 285), que o define como sendo “a percepção volumétrica que surge na mente do receptor, conforme vai processando sincronicamente todas as formas sonoras relacionadas com o espaço”. No entanto, o Espaço Sonoro tem alguns aspectos que devem ser analisados isoladamente para compor este conceito maior. Dentre eles, podemos destacar a Percepção Espacial, que está relacionada com a questão de volumétrica do som, resultante da presença dos objetos físicos no espaço; a Acusmatização, processo pelo qual ouvimos um som, mas não identificamos o seu objeto sonoro, sendo considerado, então, um “ente acústico”; o Plano Sonoro, relação de proximidade e afastamento do som em um determinado espaço, tendo como referencial o espectador (perspectiva espacial), semelhante às planificações das imagens (primeiro plano, segundo plano etc.); o Ponto de Escuta ou Ponto de Audição, diferente do “ponto de vista”, que é o lugar de um olho, o ponto de escuta é o lugar de um ouvido e não podem ser confundidos, como, por exemplo, nas cenas em que ocorrem “conversas telefônicas”; a Coerência Perceptiva, relação lógica entre o som e a imagem: espaços abertos geralmente sem reverberações, contrapondo-se aos ambientes fechados reverberantes; a Estereofonia, movimentações que produzem sensações sonoras de lateralidade, percepções sonoras à direita e à esquerda do espectador, conhecido também como movimentos de L/R (Left/ Right). Um aspecto interessante que deve ser levado em consideração na análise do Espaço Sonoro, e é bem trabalhado por Michel Chion na obra A Audiovisão é a questão das Zonas Acusmáticas, fruto da relação entre o Espaço Sonoro e o enquadramento das câmeras. Segundo Chion, qualquer som que não possibilite identificar sua fonte dentro do quadro é considerado “Fora de Campo”. Por outro lado, aquela cena em que é possível identificar a fonte sonora no quadro, o som é considerado “In”, formando a “Zona Visualizada” da cena. Temos ainda os sons Off, que fazem parte da cena de forma não diegética, ou seja, um som que está situado em outro tempo e outro lugar (algumas músicas tema, por exemplo), e juntamente com os sons “Fora de Campo” irão formar as Zonas Acusmáticas.

Espaço acústico, paisagem sonora e espaço sonoro—

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Fi g u r a e f u n d o ( Fi g u r e a n d G r o u n d)

O conceito da segregação Figura e Fundo surge em 1915, para os estudos da percepção visual na psicologia que ficou conhecido como “Gestalt” ou Psicologia das Formas. A ideia de unir os conceitos apresentados até o momento – Espaço Visual, Espaço Acústico, Espaço Sonoro e Paisagem Sonora – com a ideia de Figura e Fundo está fundamentada nos estudos da percepção. Através dos sentidos, as pessoas podem obter informações do mundo, ou seja, perceber a realidade que os cercam. Na psicologia, isso é fundamental para entender o comportamento das pessoas, tendo em vista que cada um pode fazer uma interpretação da realidade de forma diferente, pois a percepção dos objetos e situações também é diferente. Portanto, essa capacidade de fazer distinção entre a figura e o fundo também está relacionada com a forma que percebemos uma determinada imagem. Em alguns casos, uma imagem vai salientar determinadas formas em detrimento de outras, o que vai gerar interpretações diferentes da mesma imagem (Figuras 3 e 4). Porém, o que estamos tentando discutir neste trabalho é a possibilidade de identificar esta relação também numa composição sonora a partir dos conceitos mencionados acima. Imaginemos a seguinte situação: Você está dirigindo quando, de repente, cai uma chuva forte, gerando um grande ruído quando os pingos chocam-se com a lataria do carro e também na rua. Somado a isso temos o ruído dos limpadores de para-brisa com a borracha raspando o vidro do carro. Até o momento, o som do carro está desligado. Facilmente você é capaz de distinguir todos os sons que compõem esta paisagem sonora. Porém, em determinado momento, você liga o som do carro e automaticamente você percebe que esse conjunto de sons da chuva “baixa de volume”, enquanto que o som do carro “fica mais evidente”. No entanto, sabemos que não é possível “baixar” o volume da chuva, logo percebemos que este som estabelece uma relação de Fundo com o som do carro que, por sua vez, assume a posição de Figura.

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Figuras 3 e 4 - Imagens da Gestalt

Fonte: Blog A mente que se abre para uma nova ideia6

Dentro desta perspectiva de ampliar a aplicação destes conceitos de Figura e Fundo, os autores Marshall e Eric McLuhan e Kathryn Hutchon propõem no livro City as Classroom (1977), uma série de atividades de pesquisa com diversos meios de comunicação, além de outros “meios” como o carro, a lâmpada, o dinheiro, o relógio, o avião e o satélite. A proposta do livro é aplicar este conceito ao estudo dos meios, e, logo no primeiro capítulo, é proposto um “Treinamento de Percepção”, focado, inicialmente, na sala de aula, estendendo-se, porém, a outros ambientes. Mais uma vez, podemos observar como a percepção se torna o elo responsável por aproximar os diferentes conceitos propostos neste trabalho. Para os autores, o principal objetivo deste treinamento inicial é fazer com que os leitores consigam tomar conhecimento de uma determinada situação por completo. Ora, uma vez sendo capaz de distinguir os elementos que compõem o Fundo e outros que compõem a Figura, você acaba tendo uma visão mais completa da situação: “O sentido da configuração permitem que o espectador perceba figura e fundo juntos, na verdade, o espectador

6 http://1.bp.blogspot.com/_DAPlfhJEmzA/S4LI5xgxfDI/AAAAAAAAApQ/hdTUT55f02g/s200/ gestalt.jpg.

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está percebendo uma situação inteira como fundo, toda de chão, antes que as figuras que emergem sejam destacadas”.7 (McLUHAN, M.; McLUHAN, E.; HUTCHON, 1977, p. 10, tradução nossa) O fato é que, até tomar conhecimento dos elementos compondo a Figura e o Fundo, não há compreensão da situação como um todo: “Lembre-se que a figura e fundo não são categorias: são ferramentas que irão ajudá-lo a descobrir a estrutura e as propriedades das situações”.8 (McLUHAN, M.; McLUHAN, E.; HUTCHON, 1977, p. 31, tradução nossa) Durante os exercícios de treinamento, alguns já sugerem a aplicação do conceito de Figura e Fundo à área de som ou das “experiências não visuais”. Um deles pedia que um aluno munido de um gravador cassete (estamos falando da década de 70) fizesse gravações aleatórias dos diferentes espaços da sua escola. Depois, o aluno deveria ouvir as gravações, mas não se concentrar nas conversas e estórias gravadas, e sim nos sons que compunham o ambiente, fazendo com que sua percepção esteja voltada ao Fundo, deixando de lado as narrativas, que tomariam a posição de Figura. Mas afinal, o que seriam estes sons de Fundo compondo os ambientes da escola? Ora, seriam as Paisagens Sonoras de cada um destes espaços, conforme vimos no tópico anterior. Estas experiências ficaram conhecidas como “Sound Essays”.

A m b i e n t e s e n s o r ia l r e s s o n a n t e

Neste tópico, tentarei demonstrar como podemos relacionar os conceitos aqui apresentados – Espaço Visual, Espaço Acústico, Paisagem Sonora, Espaço Sonoro – com os conceitos de Figura e Fundo, buscando entender seus posicionamentos a partir de uma análise de um produto audiovisual. Para tanto, produzi um quadro (Figura 5) em que podemos melhor visualizar as posições de Figura e Fundo, porém não podemos considerá-lo como um

7 The sense of configuration allow the viewer to perceive figure and ground together; in fact, the viewer is perceiving a whole situation as ground, before figures emerge become detached. 8 Remember that figure and ground are not categories: they are tools that will help you to discover the structure and the properties of situations.

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padrão que aparecerá em qualquer produto, mas devemos utilizá-los como um modelo ou um ponto de partida para as análises. Figura 5 - Quadro dos posicionamentos dos elementos

Fonte: elaborado pelo autor.

Fazendo uma rápida descrição do quadro, do centro para as bordas, podemos ver o Espaço Sonoro ocupando uma área central que está delimitada pelo Espaço Visual, semelhante ao enquadramento de uma imagem audiovisual ou, simplesmente, um quadro. Acontece que, se observarmos melhor, o Espaço Sonoro não se restringe a essa área, e pode vir a ultrapassar os “limites físicos” impostos pelo Espaço Visual, corroborando a definição de Chion quando apresenta as Zonas Acusmáticas formadas pelos sons “Fora de Campo” e os sons Off. Ao passo que o Espaço Sonoro caminha em direção à Paisagem Sonora, percebemos uma interseção entre estes dois espaços que irá gerar aquilo que McLuhan chamou de Espaço Acústico. Porém, como anteriormente, o Espaço Acústico não é estático, e também é não linear, o que nos faz crer que ele é um espaço “permeável” por onde o Espaço Sonoro passa e vai se juntar à Paisagem Sonora, complementando esse “amálgama” sonoro que compõe um produto audiovisual.

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Mas que relação de Figura e Fundo pode-se observar a partir desta descrição do quadro? Num primeiro momento, ainda sem aplicar a forma analítica sugerida pelo quadro a qualquer produto audiovisual, temos a Paisagem Sonora ocupando uma posição de Fundo, pois, na maioria dos casos, ela é responsável por ampliar a compreensão dos ambientes através do conjunto de sons que a compõe. Quero reafirmar, entretanto, que isto não é uma regra. Podem ocorrer situações (e a percepção é capaz de fazer isso, até mesmo se formos induzidos em algum momento para tal) em que a Paisagem Sonora poderá assumir uma posição de Figura que, nesta descrição, está sendo ocupada pelo Espaço Sonoro. Muitas vezes, os elementos que compõem um Espaço Sonoro, principalmente aqueles que ocupam a “zona visualizada” ou sons In, necessitam estar em evidência dentro deste espaço. Isso é importante exatamente porque permite que o espectador perceba determinada ação que colabora com a compreensão da narrativa, ou seja, da realidade mostrada em um produto audiovisual. Por fim, temos o papel fundamental do Espaço Acústico como o espaço permeável que permite a transfusão entre o Espaço Sonoro e a Paisagem Sonora, o que me faz utilizar a definição de um “ambiente sensorial ressonante”. (MACHADO, p. 1, 2011) Isso se deve ao fato de que, o espaço (ou intervalo) ressonante é capaz de realizar a conjugação entre uma Figura e seu Fundo, como foi identificado no experimento da espaçonave Apollo 8, ao instalar uma câmera de TV no solo da Lua para realizar imagens da Terra: Apesar de a tomada ter sido realizada pela câmera, não é a imagem visual o efeito fundamental do gesto fotográfico, mas sim este espaço inusitado de duplicação e de autoreflexividade que McLuhan entende em constituir o intervalo ressonante – uma versão plástica por excelência do sensus communis da era eletrônica. (MACHADO, 2011, p. 11)

Se analisarmos, por exemplo, a sequência do filme A origem, descrita no início do texto, com base no quadro de posicionamento dos conceitos, iremos perceber que podem existir diferentes relações de Figura e Fundo entre os conceitos, principalmente quando se trata de um filme que se baseia em experiências oníricas. Quantas e quantas vezes percebemos que existe um

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determinado som no ambiente em que dormimos e acaba penetrando nosso sonho, deixando de ser um som de Fundo para tomar a posição de Figura. Inicialmente, o som da chuva (Paisagem Sonora) na sequência em que Yusuf dirige a van, assume a posição de Figura, passando a ser Fundo somente a partir da perseguição, quando os tiros disparados (Espaço Sonoro) se tornam Figura. Por sua vez, dentro do sonho, durante a luta no corredor do hotel, os tiros se tornam Fundo (Som Fora de Campo). Em todo caso, sempre teremos o Espaço Acústico como o ambiente sensorial ressonante que fará esta transição entre Figura e Fundo, ou seja, entre Espaço Sonoro e Paisagem Sonora, e vice-versa.

Considerações

A proposta deste trabalho foi apresentar uma possibilidade de análise de produtos audiovisuais a partir de conceitos verificados na teoria dos meios com Marshall McLuhan, Edmond Carpenter, Eric McLuhan e Kathryn Hutchon; e do Som com R. Murray Schafer, Michel Chion e Angel Rodriguez. Obviamente este é um trabalho ainda inicial, mas tenta também apresentar um campo de trabalho ainda pouco difundido, que é o das Mídias, Espaço e Sonoridades. Meu esforço iniciado com este trabalho será buscar a ampliação do alcance desta forma de análise através de uma aplicação mais contundente e progressivamente perceber outras formas de atuação deste modelo de análise. Esta forma de análise poderá ajudar, por exemplo, os Soundesigners durante a pós-produção de um filme ou outro produto audiovisual, no sentido de melhorar a percepção dos sons pelos espectadores em uma determinada cena, contribuindo para um melhor entendimento da realidade que o filme deseja passar. Acredito que quanto mais precisa se torna esta transição dos sons dentro deste ambiente sensorial ressonante, ou seja, quanto mais clara a passagem dos sons de Fundo para Figura, e vice-versa, mais verossímil se torna a cena. Isso permitirá, num primeiro aspecto, uma maior imersão do espectador nela, fazendo com que ele se situe dentro dessa narrativa de forma confortável, o que, obviamente, contribuirá para o sucesso de um filme, por exemplo.

Espaço acústico, paisagem sonora e espaço sonoro—

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R e f e r ê n c ia s CAVELL, Richard. McLuhan in Space: a cultural geography. Toronto: University of Toronto Press, 2002. CHION, Michel. A audiovisão. Lisboa: Texto e Grafia, 2011. MACHADO, Irene. Sensus Communis: para entender o espaço acústico em seu ambiente sensorial ressonante. E-Compós, Brasília, v. 14, n.3, set./dez. 2011. McLUHAN, Marshall; McLUHAN, Eric; HUTCHON, Kathryn. City as Classroom. Agincourt: Book Society, 1977. RODRIGUEZ, Angel. A dimensão sonora da linguagem audiovisual. São Paulo: SENAC, 2003. SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. São Paulo: UNESP, 2001.

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Diálogos possíveis entre semiótica e iconologia O caso dos ex-votos do Brasil e das Américas José Cláudio Alves de Oliveira

Introdução

Trazer um escopo teórico para falar do ex-voto não é tarefa difícil, pois esse objeto reside em várias fontes científicas. Todavia, cabe aqui apontar os caminhos que trouxeram os estudos em dois fortes campos que acolhe esta temática: a cultura, por se tratar de objetos que estão expostos em ambientes de visitação, seja no museu, seja nas salas de milagres; e a comunicação social, que norteia o ex-voto, como mídia, nas áreas da semiótica, na iconografia e no mundo da informação. Assim, diante do estudo sobre os ex-votos, iniciado pelo veículo da arte, não há marcos determinantes que possam prender tipos e categorias. Há uma



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questão de origem, e que deve ser a base para a conceituação e definição desse objeto, o espaço do santuário, ou se for o caso, a sala de milagres. Há a questão do testemunho, que faz do ex-voto uma fonte rica para o estudo da história. E existem dois pontos fundamentais que incorrem sobre as artes e a comunicação social. O quesito da arte mostra o ex-voto nos seus formatos pictóricos, escultóricos, desenho e fotografia, embora hoje os fiéis estejam buscando outras soluções, como objetos industrializados e de uso doméstico e objetos orgânicos. Do ponto de vista comunicacional estão os dados, as mensagens e informações contidas nos ex-votos, sejam eles bastante claros, como os textos em bilhetes e cartas, que se pode verificar questões como o da gramática, quando se percebe a língua portuguesa, perfeita ou imperfeita, no universo da folkcomunicação, possível de compreensão. E questões que, difundidas nas salas de milagres, explicitam o universo íntimo do indivíduo, ou reflexivo dos assuntos econômico-sociais, educacionais e da saúde da nação. Ou, certamente, nos casos onde as mensagens são completamente ocultas, trazidas das placas de carro, das carroças e casas em miniatura, dos miomas in vitro, das mechas de cabelo, em cujos conteúdos estão os significados mais íntimos e escondidos do poder comunicacional. Já os objetos artísticos necessitam de estudos iconográficos e iconológicos para a compreensão do conteúdo social que o crente quer expressar, pois carecem de um esforço metodológico maior para a tradução das mensagens que o crente pretende difundir. Por esses fatores o ex-voto adentra no campo das comunicações, por ser uma forte mídia que torna pública a voz do romeiro, do peregrino, enfim, do crente. Na rica tipologia das mensagens ocultas, em outros momentos facilitadas pelos bilhetes, cartas, inscrições ou na própria expressividade do objeto artístico, com os seus sinais e signos, sempre com um conteúdo comunicacional que, unido à rica tipologia, traz à sociedade a divulgação do sofrimento, da alegria, do amor, da dor, das conquistas que muitas pessoas exclamam no espaço “dos milagres”. O aspecto testemunhal do ex-voto exige um processo de comunicação social (SILVA, 1981), no qual se pode perceber as formas testemunhais ex-votivas de representação iconográfica da graça obtida, envolvendo a ocorrência que motivou a graça (doença, obtenção da terra para plantar, da casa, do car-

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ro, do acidente etc.) representada em situações diversas, como a do Sr. Elias Fernandez Ramires (Figura 1), que cria um pôster com foto da cidade, da estrada e montanha, mixando a capotagem do seu carro, em San Miguel, no México: Figura 1 - Ex-voto pictórico do Sr. Elias. México

Foto: Natália Marques da Silva.

Eu Elias Fernandez Ramirez dou graças ao Senhor San Miguel Arcangel por cuidar de mim e me livrar de todo o meu perigo de lo Acidente que aconteceu no dia 4 de dezembro de 2011, quando meu caminhão caiu no Canyon pela ribanceira de San Miguel del Milagro. [sic]1

O quadro do Sr. Elias mostra o acontecimento antes e o depois. O “antes” é demonstrado num esquema tosco em que se coloca o seu carro despencando de uma ribanceira. Tudo montado em programa de computador mais simples. À esquerda, de pé, e à frente do seu carro, uma caminhonete vermelha, está o Elias, são e salvo, consubstanciando num “depois” vencedor com as “graças do Senhor São Miguel Arcanjo”, cuja inscrição, ao alto do quadro digitalizado, demonstra a preocupação em transmitir algo além do imagético. 1

x-voto documentado em março de 2012, em São Miguel, México, por Natália Marques da Silva. Yo Elias Fernandez Ramirez Doy Gracias a Señor San Miguel Arcangel por cuidarme y librarme de todo peligro em mi acidente que me passo el dia 04 de diciembre del 2011 cuando mi camioneta cayo por la barranca de San Miguel del Milagro.

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O quadro é uma demonstração comunicacional em que o indivíduo apresenta ao público, ao santo milagreiro e a Deus, o fato, o acontecimento, um trecho da sua história, vencida após a ajuda do santo para o qual ele paga a promessa e almeja como figura latente para a continuidade da vida, numa demonstração popular de divulgação de uma graça alcançada.

P r i m e i r a v ia d e c o m u n i c a ç ã o : a p i n t u r a

As pinturas ex-votivas, em telas, tábuas ou papel, são as primeiras formas ex-votivas tradicionais a serem analisadas por pesquisadores, principalmente pelo seu caráter documental – rica mídia –, que se projeta como importante testemunho de seu tempo. Seu aspecto narrativo estimula o espectador a descobrir não só conotações religiosas subjetivas, mas também a realidade de um tempo e um espaço específico, seja no meio rural, no urbano, em qualquer tempo, desde que projetem os acontecimentos. O ex-voto pictórico, marco tradicional dos ex-votos, hoje pouco trabalhado no Brasil, largamente produzido no México, traz em sua mensagem a escrita e a imagem encenativa, que conta uma história, e se mostra um forte veículo de emoções. O discurso que aparece nas tábuas e telas ex-votivas, ainda produzidas em San Miguel del Milagro, Guadalupe (ME) e Matosinhos (BR), dentro de seus elementos constitutivos, pertence ao alfabeto de uma escrita implícita, na qual a história narrada é a sintaxe. Como explica Prampolini (1983, p. 37, tradução nossa), referindo-se ao que Frida Kahlo toma dos ex-votos: Frida inclui a alma popular, exvoto [...] a sinceridade, a infantilidade das formas, e para a realização de uma verdade que, certo modo parece conter uma mentira, porque não demarca os limites do mundo real [...] e mundo da invenção […].2

No ex-voto está expressa uma verdade subjetiva que parece mentira aos olhos incrédulos ou “cultos”, e é tão real o acontecimento como a interven2

Frida recoge del alma popular del exvoto […] la sinceridad, el infantilismo de las formas y la realización de una verdad dicha de tal manera que parece encerrar una mentira, porque no hay limites que demarquen el mundo de lo real […] y el mundo de la invención.

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ção “extraterrestre” (no sentido espiritual) que se torna possível no milagre. (PRAMPOLINI, 1983, p. 47) As convenções artísticas nas pinturas votivas brotaram de um interesse e participação coletivos, por isso a linguagem do ex-voto popular, seja do século XIX ou do XX, é similar na Europa e na América. Anita Brenner (1929) observou que “tanta gente atarefada pintando coisas comuns a todos, acabou desenvolvendo uma linguagem”. Na sua tradição, disseminada da Europa às América, o ex-voto usa uma dupla narração: imagética e verbal. Em geral, a imagem, ou imagens milagrosas, vem na parte superior, proporcionando o redimensionamento do espaço celeste. O texto, em verbete, aparece na parte inferior, na maioria dos exemplos, embora haja tipos em que a narrativa textual, já no século XX, é colocada na parte superior central ou em diagonal superior, como no exemplo do ex-voto do Sr. Elias. O texto oferece um comentário sobre o sucesso representado e em geral é curto e bastante objetivo. Ao mesmo tempo, as palavras são usadas como recurso prático da composição, para tecer uma informação mais precisa do fato ocorrido, do nome do padroeiro, da enfermidade, do estado do convalescido, a depender do caso, como o documentado em março deste 2012, em San Miguel del Milagro, no México, o ex-voto de 1961, tradicional em sua estética, com escrita castelhana em caixa alta, e ainda preservado na sala de milagres: Figura 2 - Ex-voto pictórico. México

Foto: Natália Marques da Silva, México, 2011.

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El dia 7 de mayo de 1961 se volco um carro con peregrinos del pueblo de santa ana necoxila que veniamos procedentes de san miguel del milagro. Y salimos todos con bien por lo que en accion de gracias dedicamos el precene a la milagrosa imagen de san miguel que se venera en este lugar. Septiembre 29 de 1961. [sic]3

Outras características comunicacionais marcantes que sobressaem na maioria das tábuas e telas ex-votivas são a ortografia, a fonética e o uso de termos da linguagem coloquial que deixam em evidência o nível cultural do “pagador da promessa” ou até mesmo do “riscador de milagres”. As legendas são redigidas em geral na terceira pessoa, com sintaxes nem sempre claras, num vocabulário popular e sem ortografia apurada, mas é importante assinalar que tudo isso mostra a espontaneidade, e provoca a simpatia de quem contempla os ex-votos pictóricos. Além do mais, mostra que, no universo comunicacional dos ex-votos, a gramática “errada” traz a compreensão no observador, onde a probabilidade de percebermos uma história, mesmo que mal redigida, é possível. (LUHMANN, 1999 apud OLIVEIRA, 2007) Por outro lado, cabe assinalar uma preocupação pela expressão em que a maioria dos ex-votos pictóricos apresenta. O predomínio dos verbos “invocar”, “mercê” e “agraciar” sempre em menção ao milagre que fez tal santo, após fulano ter invocado o pedido, é corrente no Brasil e no México, em ex-votos do século XVIII ao século XXI. Nos espaços pictóricos dos ex-votos, há simultaneidade em dois caminhos: o da vida diária do crente e o sobrenatural da imagem divina, o qual oferece uma ampla gama de possibilidade à fantasia do artista (riscador de milagres ou santeiro) que tece a obra a partir da narrativa do crente. O mesmo acontece com as cartas ex-votivas, dos crentes analfabetos que ditam para as pessoas que sabem escrever, e que ganham para tal. Fatores ainda recorrentes em diversos cantos do Brasil, e percebidos recentemente no México, em Guadalupe. Os ex-votos possuem uma iconografia e simbologia próprias. A presença da divindade é um dos elementos definitivos do ex-voto, pois rompe com os fatos visíveis do mundo e “estabelece a realidade de todos os demais 3 Ex-voto documentado em março de 2012, em São Miguel, México, por Natália Marques da Silva.

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elementos integrados à pintura, proporcionando significação e movimento”. (PRAMPOLINI, 1983, p. 58) Em geral as imagens sagradas estão suspensas e envoltas por conjuntos de nuvens na parte superior do enquadramento, isso realça o feito sobrenatural da cena, do aparecimento, da súplica. Em alguns momentos, trata da hierarquia, quando figuras de maior importância ganham mais destaques. (Figura 2) O estudioso desse assunto poderá perceber arranjo entre espaço, ambiente, luz e movimento na cena. No entanto, poderá compreender que o impulso da técnica objetiva tratar de um mundo de esperança onde é possível o milagre. Precisamente por isso situa elementos heterogêneos do mundo da invenção e do símbolo, mas distante do tempo cronológico e do espaço natural. (CALVO, 1994, p. 73) Tudo (des)enquadrado com as mãos da cultura popular, do riscador de milagres que enriquece a comunicação social, a história da arte, as letras, a semiótica, a história, e substâncias particulares do tempo, como a moda, os objetos utilizados no tempo, o mobiliário, os carros, a arquitetura. O espaço pictórico do ex-voto tende a distorção, como se a encenação e sua ação estivessem a ponto de englobar o espectador. Em alguns exemplos, as figuras invadem a paisagem ou certos interiores, formando um desenho uniforme. Sem dúvida, as pinturas ex-votivas mostram um momento que busca enfatizar certo expressionismo das pinceladas: linhas palpitantes e aplicação de fortes cores justapostas. Assim, o ex-voto – pictórico e escrito – cobra um forte caráter de dramatismo e logra nos observadores emoções, curiosidade e espanto, que, consequentemente, são impulsionados a participarem da narração intimista do sucesso.

S e g u n d a v ia : i c o n o g r a f ia , i c o n o l o g ia e s e m i ó t i c a

A iconografia é também entendida como o estudo das formas, da volumetria, dimensão, história e tipologia dos objetos imagéticos e tridimensionais. Dela, teoricamente advinda de Panofsky (1976), advém a iconologia, que tem como campo específico de estudo a interpretação dos valores simbólicos de uma

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composição, seja ela um quadro pictórico, uma fotografia, uma escultura, uma cadeira de rodas por assim dizer. Para Panofsky, o iconológico é o sentido da essência, ou seja, a interpretação iconológica vai além do estudo da forma, da descrição. O objeto da iconologia é representado por princípios que revelam a atitude fundamental de uma nação, de um período, uma classe, uma concepção religiosa ou filosófica, inconsciente ou conscientemente produzida. A iconologia, ao contrário da iconografia, está preocupada com o conteúdo, a essência, a filosofia da imagem produzida. A iconologia vem a ser uma base teórica relevante para o estudo das mentalidades coletivas, por elucidar mensagens cujos códigos estão além do descritivo e formal, do escrito e verbal. A iconologia vai além do estudo das datas, origens e autenticidade – que são momentos iconográficos –, para trazer a essência da mensagem, seu caráter intrínseco e psicológico. Essa base teórica da Escola de Viena ganha o apoio da semiótica, que tem como campo específico de estudos os sistemas de sinais não linguísticos, sua natureza, estrutura e função, e como tal é um instrumento útil na análise de qualquer sistema de comunicação, aqui o ex-voto, principalmente quanto aos não artísticos e os que não possuem bilhetes. Para analisar um acervo ex-votivo, deve-se estudar os signos (variação) de sinais utilizados nas diferentes linguagens (artísticas, escritas, fotográficas), sua natureza específica e os códigos, regras que governam o seu comportamento e utilização. (VOVELLE, 1987) Tal forma investigativa se aflora a cada momento em que um tipo mais hermético é catalogado, como placas de automóveis, roupas, mechas de cabelo, aparelhos ortopédicos, computadores etc. Deste modo, a decodificação dos signos para elucidar as mensagens será feita a partir da semântica, ramo da semiótica que estuda os significados, que decodifica uma mensagem a partir dos signos. (ECO, 1991) Umberto Eco (1977, p. 15-16) escreveu um livro inteiro sobre o signo e nele apresenta várias noções distintas. Não há necessidade de expor todas, mas apenas algumas que se aproximam do tema ex-voto: Imperfeições, indício, sinal manifesto a partir do qual se podem tirar conclusões e similares a respeito de qualquer coisa latente. [...]

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Qualquer processo visual que reproduza objetos concretos, como o desenho de um animal para comunicar o objeto ou o conceito correspondente.

A semiologia estuda os signos, passíveis de serem visualizados em suas infinitas formas, com o auxílio, evidente, de estudos interdisciplinares. E, a partir dos dois dados de Eco, pode-se remeter ao ex-voto a questão sígnica e simbólica. Isso implica, inclusive, na perspectiva do objeto enquanto testemunho, pois a semiologia permite ler, desvendar o aspecto signológico dos objetos que trazem indícios de fatos, acontecimentos e narrativas. Assim, o ex-voto‚ nas formas escrita, artística – em bi e tridimensão –, como miniaturas de casas colocadas nas “salas de milagres”, a muleta (símbolo da enfermidade ou desenfermidade), enfim, uma infinidade de objetos passíveis de serem analisados e interpretados, um mundo em que a percepção visual e táctil reserva para a decodificação-explicação da comunicação entre o crente e a divindade. A própria expressão “sala de milagres” conduz o pensamento a “promessas” e essas a “pernas esculpidas”, embora hoje façam parte os aparelhos telefônicos, computadores, rádios, violões chaves e uma quase infinita tipologia que foge do estereótipo ex-votivo. A profusão de elementos em uma “sala de milagres” proporciona uma codificação maior dos signos votivos. Desse modo, o ex-voto se dinamiza em sua tipologia. Para o cientista, o ex-voto não é apenas um elemento de arte e promessa, é também um testemunho, uma mídia (de várias formas) que equivale aos registros e divulgações das “graças” alcançadas, implicando nesse contexto as diversas formas específicas de almejar e de comunicar no “espaço dos milagres”. Cabe também indagar e colocar o problema da práxis da teoria. Umberto Eco (1977, p. 24), afirma que a “semiótica não é somente uma teoria, deve ser também uma forma de práxis”. O assunto cresce de interesse ao se considerar a importância assumida pelos meios de comunicação de massa da atualidade. E cresce também quando o cientista sabe que um romeiro ou peregrino cria e possui códigos para testemunhar a sua “promessa”, numa articulação que faz fluir a comunicação e a cultura, quando podemos notar que o funcionamento

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da cultura é inseparável da comunicação, como bem afirma Santaella (1992, p. 13): A semiótica está apta a desempenhar um papel fundamental no estudo dos meios de comunicação ou aquilo que preferimos aqui chamar de mídias. Isto porque a semiótica percebe os processos comunicativos das mídias também como atividades e processos culturais que criam seus próprios sistemas modelares secundários, gerando códigos específicos e signos de estatutos semióticos peculiares, além de produzirem efeitos de percepção, processos de recepção e comportamentos sociais que também lhes são próprios.

Para Santaella (1992, p. 13), não há separação entre cultura e comunicação, já que há uma produção cultural de formas midiáticas que servem de veículos comunicacionais que tornam a comunicabilidade uma práxis. O que confirma as relações interpessoais, interculturais, portanto, intercambiais formadoras de uma fusão natural e “inextricável” entre comunicação e cultura. A autora, ao revelar a impossível separação entre cultura e comunicação, ressaltando a semiótica apta a desempenhar um papel fundamental no estudo dos meios de comunicação ou aquilo que “preferimos [...] chamar de mídias” (SANTAELLA,1992) nos berços populares e de massa. É fácil perceber, também, que a arte não poderia escapar das considerações dos estudos culturais, uma vez que ela pertence ao domínio da cultura em geral. Na linguagem vulgar, e até mesmo filosófica, ela é tomada, por vezes, como sinônimo de cultura; considerada quase como a mais cultural das atividades culturais. Para Langer (1971), a produção simbólica é um caminho potente no amplo que gira em torno à semiologia. Por produção simbólica, entende-se a produtividade coletiva de cada sociedade como forma de construção e encaminhamento do seu modus vivendi. A autora parte do postulado de uma necessidade simbólica presente no homem, e diz que “[...] a função de fazer símbolos é uma das atividades primárias do ser humano” [...], da mesma forma que comer, olhar e mover-se de um lado para outro. “É o processo fundamental do pensamento, mas um ato essencial ao pensamento e anterior a ele”. (LANGER, 1971, p. 51)

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A referida autora trabalha com o duplo imaginário: o do pensamento (interior) e o prático-produzido (exterior). E com isso percebemos que, diante da simbolização, a arte carrega signos que são exatamente o significado do pensamento elevado pela (e na) sociedade, produto da exteriorização ideológica de um grupo, comunidade, país etc. A produção simbólica abrange, ainda, a eleição de elementos, processos, formas, objetos preexistentes, tanto artificiais quanto naturais, para representação de ordens de realidade ou valores que, por um lado, são considerados transcendentes aos “suportes”, mas por outro, neles (quando assim recontextualizados) se consideram presentes e manifestos. Compreende também, é claro, a construção de objetos e a estruturação de esquemas ideológicos que visam muito além do campo da experiência, ou que simplesmente não lhe correspondem (crenças v.g.) – e engloba, inclusive, a definição de praxes e normas que tem semelhantes esquemas por fundamentar. Vemos, então, a força que tem a arte (pela carga simbólica que traz em seu bojo) em representar os elementos significativos de uma dada sociedade. O trabalho, e a constante produção-reprodução de símbolos que retratam e desenvolvem o modus vivendi, a crença e as atitudes são pertinentes a uma comunidade e constituem uma constante essência da produção cultural, que desemboca consequentemente na identidade cultural, tornando vivo o referencial significante da civilização. Esse é o reflexo mais claro de uma sala de milagres, oposta a um museu de ex-votos. Na sala, as pessoas já percebem que a mídia ex-voto irá “intermediar” o seu acontecimento com o padroeiro, que levará a Deus o seu recado. E, ao mesmo tempo, esse crente, que inicia todo o processo, perceberá que, naquele espaço dos milagres, centenas, milhares de observadores testemunharão o seu feito, o ocorrido com ele, o milagre. O ex-voto de Antonia Gomes Rodrigues, documentado no Museu Regional de Canindé (CE) ilustra bem essa questão (Figura 3):

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Figura 3 - Ex-voto Carta. Canindé, CE. Brasil

Foto: José Cláudio Oliveira, Canindé, 2007.

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Parnaíba-Pí, 17 de Junho de 1983 QUERIDOS LEITORES: Aos 3 anos e 5 Meses e 5 Dias que tinha sido operada do Coração, tive uma crise muito forte de dores no coração e desmaios. Fiquei muito doente, e toda a família ficou preocupada. Um dos membros da minha família sentindo-se muito aflita, depois de uma crise muito forte que tive, dirigiu-se ao SÃO FRANCISCO e pediu com muita fé e amor a graça de ‘eu’ ficar boa. Passando aquelas crises que abalava a todos, depois de (3) Três dias que o médico de coração Dr. FRANCISCO XAVIER afirmava-me que o coração estava normal. Hoje é dia de Meu Aniversário e vim passar com SÃO FRANCISCO e fazer minhas penitências que prometí. Estou acompanhado de minhas duas filhas, sendo uma de (2) Dois Anos e outra de (1) um Aninho. MINHAS PENITÊNCIAS SÃO: Pedir esmola para chegar aqui. Entrar na igreja, ajoelhada e acompanhada por minhas filhas. Rezar (3) Três Terços. Confessar-me e comungar no dia de meu Aniversário passando a parte do dia na Igreja. Agradecer ao meu Santo protetor a todas as graças por mim recebidas. Deixar um coração de madeira na casa dos milagres. ______________________ Antonia Gomes Rodrigues [sic]

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Em outras palavras, aqui também uma teoria adequada ao sentido e estrutura do comportamento comunicativo deve incorporar conceitos autorreferenciais. Além do mais, tal como na teoria dos sistemas, defendida por Luhmann, não se trata de um fato entre outros de um assunto opcional que poderia ser facilmente ignorado, mas de algo que ganha destaque, entre milhares, por ser seu, e por aquele objeto (ex-voto) ter um significado num processo que está trazendo o caso, único, do crente que pagou a promessa e tem um caso singular a relatar entre tantos outros. Nesse sentido, não há uma preocupação com a relação de um sistema com o seu ambiente a par de numerosas outras estruturas e processos. A liberdade diante da profusão dos ex-votos numa sala de milagres não interessa somente pela tradição que ali existe, nem naquela forma própria de enviar uma mensagem ao santo. O interesse está em perceber que há um ambiente possível para falar com Deus e demonstrar a sua razão de ser a observadores. O que consagra um sistema de comunicação mais democrático, digamos, em que todos lerão todos, e todos interrogarão muitos, principalmente quando as mensagens forem ocultas, improváveis de decifrar.

R e f e r ê n c ia s CALVO, Thomas. Paysages: une lectue des ex-voto mexicains 1870-1990. Revista Cultura del IFAL, n. 14, p. 73, 1994. ECO, Umberto. O signo. Lisboa: Progresso, 1977. 180 p. ______. Estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991. 427 p. LANGER, Suzanne. Filosofia em nova chave. São Paulo: Perspectiva, 1971. 210 p. OLIVEIRA, José Cláudio Alves de. Semiologia dos ex-votos no Brasil: simbolismo e comunicação religiosa. In: CONGRESSO LUSOCOM, 9, 2011. São Paulo. Anais... São Paulo: UNIP, 2011. 1 CD. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. 2012.

202—José Cláudio Alves de Oliveira

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PANOFSKY, Erwin. O significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1976. 444 p. PRAMPOLINI, Ida Rodriguez. El surrealism y el arte fantástico de México. 2. ed. México: IIE, Universidad Nacional Autónoma de Mexico, 1983. p. 60 SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo: Razão Social, 1992. 137 p. SILVA, Maria Augusta Machado da. Ex-votos e orantes no Brasil. Rio de Janeiro: MHN-MEC, 1981. 178 p. VOVELLE, Michel. Ideologia e mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987. 417p.

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Jornalistas assessores de imprensa A tensão entre os campos da comunicação e da informação e a configuração do processo produtivo da notícia Giovandro Fer reira Claudiane Car valho

O e m b a r a l ha m e n t o d o s c a m p o s

As fronteiras entre os campos da comunicação e da informação, no Brasil, parecem desafiar as demarcações mais tradicionais (ou os referenciais europeus) que os localizam como esferas distintas. Enquanto o primeiro concerne ao contexto da comunicação em instituições públicas, privadas, terceiro setor etc., o segundo abarca o jornalismo – o processo de produção, circulação



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e consumo de notícias no campo das mídias. (ADGHIRNI, 2004) E é, exatamente, no processo produtivo e distributivo da notícia que os limites são borrados e os campos se misturam e se confundem. E essa visão embaçada não pode ser atribuída apenas ao trânsito livre do jornalista entre os dois campos, nem ser resumida ao fato de que, nos dois, este profissional lança mão dos critérios, técnicas e valores do fazer jornalístico. A discussão é mais ampla e contempla o processo produtivo da notícia na perspectiva de um encolhimento do campo do jornalismo em detrimento do campo da comunicação. (ADGHIRNI, 2004) Além do trabalho de relacionamento com a imprensa, as instituições das mais diferentes naturezas produzem seus próprios veículos de comunicação (jornais, TV, rádio, internet), denominados, por Sant’Anna (2005), em oposição às mídias convencionais, como “mídias das fontes”.1 Para o pesquisador, estas diluem as barreiras entre as funções de fonte e redator e legitimam ao jornalismo institucional a disputa pela definição da agenda setting, contribuindo, assim, para a geração da opinião pública. Aqui, nossos investimentos são com a proposta de entender que posição e tomadas de posição (BOURDIEU, 1996a) o jornalista, no cargo de assessor de imprensa, assume para garantir um lugar (“de pauteiro”) no processo de produção da notícia nas mídias convencionais. Além disso, indicar algumas conquistas que determinaram o reconhecimento e consagração da área de assessoria de imprensa.

Da consagração – mediação entre fonte e imprensa e a participação no agenciamento da notícia Em 1922, quando escreveu a obra Opinião Pública, Walter Lippmann já levantava uma questão que, hoje, dispensa explicações exaustivas. A complexidade da sociedade contemporânea coloca às redações de jornalismo a irrefutável impossibilidade de cobrir todos os acontecimentos sociais. Uma rotina pa1 Para Sant’Anna (2005), a imprensa tradicional, progressivamente, vem perdendo a totalidade do domínio da cena informativa, uma vez que a opinião pública passa a ser construída também a partir do acesso às informações pautadas, coletadas, tratadas editorialmente e publicizadas por organizações de diferentes setores. Ele destaca ainda que essa mídia (que também pode ser denominada de mídia corporativa) busca ocupar um lugar de fala na agenda midiática.

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dronizada garante, sim, a produção e distribuição de notícia. Mas, para além disso, o jornalismo “[...] tem observadores estacionados em certos lugares”. (LIPPMANN, 2008, p. 289) A falência de negócio, exemplifica Lippmann, não ocorre no momento em que é feito, no cartório, o registro deste obituário. O fenômeno é processual, mas o seu registro é que legitima o acontecimento noticioso. “Onde for que exista uma boa maquinaria de registro, o moderno serviço de notícias trabalhará com grande precisão”. (LIPPMANN, 2008, p. 292) O fato do jornalismo trabalhar, na maioria das vezes, com uma matéria-prima de “segunda mão” (o registro do acontecimento, e não o acontecimento em processo) parece denotar que a própria natureza da notícia estimula e sustenta um processo produtivo que, hoje, depende das assessorias. Lippmann (2008, p. 293) reforça: Os eventos que não são pontuados são reportados ou como assunto pessoal e opiniões convencionais, ou então não são notícias. Não tomam a forma até que alguém proteste, investigue, ou alguém publicamente, no sentido etimológico da palavra, faça uma polêmica deles.

Aqui, assegura o autor, está a razão subjacente para a existência do assessor de imprensa. O mediador entre a instituição assessorada e a imprensa atende tanto aos interesses do jornalismo pela pauta, quanto aos interesses da instituição no que tange à seleção do que vai ser divulgado e como o será. O embaralhamento ocorre, portanto, também, porque há um conjunto de interesses partilhados entre os campos, a disputa (ou comunhão), aqui, é pela notícia midiatizada. Os próprios marcos da história da assessoria de imprensa apontam pistas para a consagração deste serviço no processo de produção da notícia. Neste sentido, um dos principais foi o acompanhamento dado pelo então jornalista americano, Ivy Lee, ao magnata capitalista John Rockefeller. Em 1906, quando houve um grave acidente na Pennsylvania Railroad, na localidade de Gap, Estado da Pennsylvania, Lee usou uma estratégia de mediação com a imprensa muito distante do que se praticava na época. Ao invés de sonegar informações, assumiu o acidente, levou jornalistas ao local do ocor-

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rido, colocou os engenheiros da empresa para falar com a imprensa e também estabeleceu uma relação com editores e pauteiros a partir da notícia, pela pauta, como atesta a carta de princípios, distribuída pelo mesmo, no início do século XX, aos editores e chefes de reportagem dos periódicos americanos: “Este não é um serviço de imprensa secreto. Todo nosso trabalho é feito às claras. Pretendemos fazer a divulgação de notícias. Isto não é agenciamento de anúncios. Se acharem que o nosso assunto ficaria melhor na seção comercial, não o usem”. (LEE, 1906 apud CHAPARRO, 2003, p. 36) Embora já se saiba que Lee não trabalhou durante todo o tempo com os critérios da transparência e interesse público, suas práticas e serviços são reconhecidos como o primórdio da assessoria de imprensa. Pouco antes de Lee, no final do século XIX, a literatura da área também ressalta o caso do Circo Barnum, cujo proprietário, Phineas Barnum, estabeleceu uma estratégia de divulgação, que não consistia em informar o circo no geral, mas destacar cada uma das suas atrações. Assim, os trapezistas eram os melhores, os animais os mais bem treinados etc. Estes dois casos são apontados, historicamente, como os princípios da centenária história da assessoria de imprensa. Deste relato, entretanto, retiram-se dois aspectos que merecem ser destacados: o estabelecimento da relação com a imprensa a partir da notícia/da pauta e a elaboração de estratégias de divulgação que permitiram a entrada dos temas nas redações enquanto matérias, reportagens. Hoje, como já dito, vivemos numa sociedade complexa e a circulação da informação mudou e muito sua configuração e performance. A importância estratégica da circulação da informação e dessa mediação entre as instituições e a imprensa foi ganhando corpo e consagrando-se como parte do processo de agenciamento da notícia. Nas Grandes Guerras Mundiais, por exemplo, os Estados Unidos lançaram mão da sala de imprensa na Casa Branca, dos serviços de coletiva para centralização da informação. Destaque também para a comunicação realizada depois da queda da bolsa de Nova York, em 1929, quando informar à opinião pública o que ocorria consistia num recurso para conter as manifestações sociais e permitir a compreensão de que a crise se tratava, na verdade, de um colapso, que atingia a todos. Neste ponto, entra em cena, mais uma vez, a discussão trazida por Lippmann sobre o papel e a função da assessoria, assegurados e tecidos na própria constituição social da

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notícia: “Se a reportagem fosse a simples recuperação de fatos óbvios, o assessor de imprensa seria nada mais que um secretário. Mais uma vez que, no que diz respeito aos grandes tópicos das notícias, os fatos não são simples, e nem tão óbvios, mas objeto de escolha e opinião”. (LIPPMANN, 2008, p. 294)

Assessoria de imprensa no Brasil O desenvolvimento dos serviços e produtos de assessoria de imprensa no Brasil foi patrocinado, até a década de 1980, muito pelos projetos de comunicação dos governos de Estado e, em segunda escala, pela iniciativa privada, especialmente, a partir da chegada, nos anos 1950, de empresas estrangeiras no mercado brasileiro. Desde o governo de Nilo Peçanha, em 1909, já havia redatores, no então Ministério de Agricultura, Comércio e Indústria, para produção de jornais e também envio de material para a imprensa. Nos anos 30, esta relação com a mídia, a centralização e controle da informação foram muito intensificados com o Estado Novo, de Getúlio Vargas. O ditador investiu na expansão da radiodifusão, incentivou o mercado editorial, mas também manteve a presença de profissionais da comunicação nos setores do governo para garantir a circulação da informação. Nos anos 1950, houve um boom econômico com a chegada de empresas multinacionais. Estas empresas desafiaram o mercado da época, porque já previam os departamentos de comunicação em seus organogramas. Foi assim que Alaor Gomes (da Tv Record) e Reginaldo Finotti (do jornal Última Hora) deixaram seus locais de trabalho para assumir a assessoria da Volkswagen e implantar um modelo inovador. Eles se dedicaram a trabalhar o automobilismo como pauta. Não se renderam às facilidades das notas (calhaus), mas assumiram o desafio de identificar notícias a partir de um novo comportamento e novas práticas sociais, que estavam sendo gestadas com a ampliação da indústria automobilística. Na época do Regime Militar, houve o reconhecimento das profissões de jornalismo e relações públicas. Essa legalização explicava-se também pelo grande aporte de comunicação montado pelos militares para garantir a cir-

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culação, distribuição e controle da informação durante os “anos de chumbo”. Mas, o desafio fez-se mais visível nos anos 1980. O Brasil em processo de redemocratização e com novas perspectivas de crescimento foi um campo fértil para o trabalho de assessoria de imprensa. Instituições das mais diferentes naturezas começaram a investir em comunicação, a fim de consolidar uma imagem pública e agregar valores à marca. Essa conjunção de fatores e o acúmulo de experiências ao longo dos anos impeliram os assessores a uma profissionalização e também a um aperfeiçoamento do fazer assessoria, pautado no jornalismo. Afinal de contas, os fatos não tomam forma espontaneamente. “Alguém precisa lhes dar uma forma, e uma vez que na rotina diária os repórteres não podem dar forma aos fatos, e que existe pouca organização desinteressada da inteligência, a necessidade por alguma formulação está sendo feita pelas partes interessadas”. (LIPPMANN, 2008, p. 294)

M u d a n ç a s n o a g e n c ia m e n t o d a n o t í c ia

É considerável a literatura sobre o fazer jornalístico, no que tange às rotinas de seleção, eleição e produção da notícia. Há uma preocupação em entender quais valores e critérios devem ser abarcados no momento de se destacar, entre as ocorrências sociais, aquelas que serão emolduradas enquanto notícia. Aqui, autores como Wolf (2005) tratam dos processos de elaboração da notícia, ressaltando a importância de reconhecer, nos fatos, o “valor notícia” e apontar uma série de atributos que podem ser definidos como “critérios de noticiabilidade”, ou seja, características (a saber, factualidade, interesse público, serviço, atualidade, relevância etc), que alçam a ocorrência, ou fenômeno social, à condição de notícia. Wolf ampliou a noção de gatekeepers – White, 1950 e Donohue-TchenorOlien, 19722 – para tratar da abordagem do newsmaking. Assim, o autor pôde 2

White (1950 apud WOLF, 2005, p. 184-185, grifo nosso) “usou o termo gatekeepers para estudar o desenvolvimento do fluxo de notícias dentro dos canais organizacionais, para definir pontos que serviriam como barreiras para aceitar ou rejeitar uma informação enquanto notícia [...]. A noção de gatekeepers nos meios de comunicação de massa inclui todas as formas de controle da informação, que podem ser determinadas sobre a codificação da mensagem, a seleção, a formação da mensagem, a difusão da programação etc”.

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contemplar que a produção da notícia envolve também a cultura profissional e as restrições ligadas às organizações do trabalho. Assim, o autor pode contemplar que a produção da notícia envolve também a cultura profissional e as restrições ligadas às organizações do trabalho. Neste sentido, Wolf destaca que os valores/notícia “derivam de admissões implícitas ou de considerações relativas a: a) os caracteres substantivos das notícias – o seu conteúdo; b) a disponibilidade do material e os critérios relativos ao produto informativo; c) público e d) a concorrência”. (WOLF, 2005, p. 2007) Há ainda a discussão da notícia enquanto formato e/ou matéria-prima do fazer jornalístico. Expressivos ainda são os estudos (consideram-se, aqui, também os manuais de redação e estilo) que se debruçam a traçar as características do texto noticioso e compreender as dinâmicas de produção dentro das redações, delimitando os papéis dos pauteiros, produtores, editores, repórteres de rua, fotojornalistas, diagramadores etc. Atores envolvidos na escolha, elaboração e definição – forma de expressão e forma de conteúdo – do material jornalístico, que vai circular e ser distribuído para consumo de leitores, ouvintes, expectadores, internautas etc. Embora exista um esforço científico para traçar os processos produtivos da notícia, pouco se tem trabalhado sobre algumas especificidades desse fenômeno. Aqui, sublinha-se uma preocupação com as dinâmicas sociais da circulação da informação, que transformam as redações em “receptores” de notícias ou sugestões de pautas, advindas das assessorias de imprensa.3 Num olhar mais panorâmico sobre este processo, percebe-se que, atualmente, organizações de diferentes naturezas (públicas, privadas, de terceiro setor, sindicais, filantrópicas, beneficentes etc.) criam estruturas de comunicação, que assumem o lugar de mediação entre as fontes e os veículos jornalísticos. Diariamente, portanto, as redações tradicionais recebem releases e/ou press kits dos departamentos de comunicação dessas instituições; material, aliás, que tem a qualidade atestada, quando é construído a partir do 3 Um uso já consolidado nas práticas do mercado, o termo imprensa, aqui, não se refere apenas ao trabalho desenvolvido com os veículos impressos. Em tempo, lembramos também que há uma diferenciação entre assessoria de imprensa, que se refere aos produtos e serviços do jornalismo empresarial, e assessoria de comunicação, que abarca os diferentes profissionais da área (jornalismo, publicidade e propaganda, relações públicas e marketing) numa ação sinérgica para o desenvolvimento da comunicação organizacional integrada.

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discurso informativo, demarcando um distanciamento em relação ao discurso propagandístico. As informações, enviadas pelos assessores de imprensa (em sua maioria, também jornalistas) às redações, ganham o “status” de notícias, pois já passaram por um processo de eleição e produção que, assim, as legitimaram. Nas redações, portanto, elas vão concorrer com outras pautas, numa acirrada disputa pelo espaço midiático. Para tanto, os produtores da notícia nas assessorias buscam utilizar os mesmos formatos instaurados e regulados pelos jornalistas dos veículos massivos, conhecem as rotinas de produção das redações, trabalham com o viés dos diferentes perfis editoriais e gêneros jornalísticos e respeitam a lógica implacável do deadline. Nesta relação, as assessorias configuram-se como as “pauteiras” em primeira instância, uma vez que mesmo com o auxílio das agências oficiais de notícias, os veículos jornalísticos recorrem ao material enviado pelas assessorias, afinal de contas, tem-se aí um olhar do especialista fora das redações. O assessor jornalista, portanto, acumula e conquista capitais que o permitam agir neste embaralhamento dos campos, tensionando, inclusive, a identidade do jornalista.

Posição e tomadas de posição do assessor de i m p r e n s a j o r n a l i s ta

O Brasil consagrou um modelo peculiar de fazer assessoria de imprensa, pautado nas regras e rotinas do fazer jornalístico. (CHAPARRO, 2003; DUARTE, 2003) Embora não seja legalizada uma reserva de mercado da assessoria de imprensa para o jornalista,4 é este profissional da comunicação que mais ocupa o cargo no país. Trata-se de uma regulação feita pelo próprio mercado, uma vez que, aqui, a assessoria construiu para si o lugar da pauta, uma espécie de promotora da notícia. Segundo Molotch e Lester (apud TRAQUINA, 1993, p. 34), para que uma ocorrência social transforme-se em notícia é necessário

4 Não há, no Brasil, nenhuma legislação que reserve o trabalho de assessoria de imprensa para o jornalista. Em 1967, quando as profissões de jornalista e relações públicas foram reconhecidas, este serviço foi direcionado ao RP. Mas, o fazer foi apontando outros caminhos. Existe uma disputa, legal, entre jornalistas e relações públicas por esta atuação. Enquanto a situação não tem um desfecho oficial, o próprio mercado parece criar seus mecanismos de regulação.

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um processo de agenciamento, ou seja, é necessária uma construção promovida por agências (indivíduos ou grupos) e suas rotinas. A primeira destas agências é construída pelos news promoters (as assessorias, por exemplo). São eles que alimentam os newsassemblers (todos os profissionais dos campos jornalísticos), que, por sua vez, vão alimentar os newsconsumers (os consumidores da notícia, o público). Por mais completa e extensa que seja a equipe de uma redação jornalística, o processo da pauta não se restringe aos profissionais da empresa de comunicação. As redações criaram uma espécie de relação de codependência com as assessorias de imprensa, que investem na construção do papel de “pauteiras”, primeira agência no processo de produção da notícia. O material enviado pelo assessor, entretanto, é sempre passível de uma investigação, pois constitui as primeiras etapas no agenciamento da notícia. Observa-se, então, que o jornalista, na posição de assessor, produz material para os veículos massivos e, com base na instauração desse relacionamento de codependência, assume a tomada de posição de um “pauteiro”. Para Bourdieu (1996a, p. 261), “[...] cada posição é objetivamente definida por sua relação objetiva com outras posições ou, em outros termos, pelo sistema de propriedades pertinentes, isto é, eficientes, que permitem situá-la com relação a todas as outras na estrutura da distribuição global das propriedades”. Bordieu (1996b, p. 63) destaca que as tomadas de posição “dependem da posição que os agentes ocupem na estrutura do campo, isto é, na distribuição do capital simbólico específico, institucionalizado ou não”. A garantia ao jornalista assessor dessa posição de “promotor” no processo de agenciamento da notícia é tributária de um conjunto de capitais simbólicos. Além de compactuar e compartilhar da perspectiva de que o acontecimento precisa ter valor-notícia – os critérios de noticiabilidade, o assessor precisa ainda: 1) Conhecer a rotina de produção das redações – para tanto, precisa de ferramentas como o mailing da imprensa, compreender a lógica do deadline e agendar com antecedência os assuntos para concorrer com as pautas do dia (trabalhar antes do tempo da redação);

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2) Conhecer os veículos e suas dinâmicas para saber sugerir pautas. Esse mapeamento permite um melhor desenvolvimento dos planos e estratégias de divulgação das notícias; 3)

Montar estratégias de divulgação, levando em conta as especificidades dos veículos de comunicação, a concorrência entre os meios e o público;

4) Saber sugerir pautas, a partir do novo, mas também saber atualizar informações – ganchos (newspeg) 5) Desenvolver contatos com a imprensa e também atendê-la em suas demandas (aqui, são importantes serviços, como o followup, a leitura da mídia a partir do clipping e a avaliação de resultados) 6) No mais, precisa compreender que o trabalho da assessoria pode envolver também a qualificação de fontes (media training) e informações (técnicas e valores do jornalismo). Não se propõe, aqui, exaurir as competências que o jornalista assessor deve acumular para posicionar-se como “pauteiro” de primeira instância no processo produtivo da notícia.5 Ele vai lançar mão também dos capitais simbólicos disponíveis, entre eles pode-se apontar: a experiência acumulada em anos de trabalho nas redações convencionais, cujo legado envolve o conhecimento das rotinas e valores jornalísticos e também uma relação pessoal com os editores, chefes de reportagem etc.6 Jornalista assessor e jornalista das redações tradicionais vivenciam uma disputa tácita de capitais. É um jogo, cuja luta garante o espaço no campo de batalha – à parte a metáfora, o campo, para Bourdieu, constitui um espaço bélico, de disputas, tensionamentos e lutas. O sociólogo defende uma pers-

5 A convergência midiática, que vem acarretando o enxugamento das redações nas veículos de comunicação, e a rotina estafante do profissional, responsável pelo fechamento de muitas pautas em pouco tempo, também são apontados como fatores que propiciam o uso do material jornalístico enviado pelas assessorias. 6 Embora, valha a pena ressaltar, entretanto, que esta aproximação com os colegas de profissão não garante a aceitação da pauta, enviada pelo jornalista assessor, todavia, permite-lhe um lugar de destaque nas centenas de e-mails recebidos, diariamente, pelos profissionais das redações tradicionais.

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pectiva relacional e, portanto, de comparação. O que é comparado é a relação entre as posições (a posição do jornalista assessor e a posição do jornalista de redação convencional). E, para Adghirni (2004), essas posições passam por um momento de redefinição, uma vez que as fronteiras borradas entre os campos da comunicação e da informação abalam a identidade do jornalista, que está em transição.

F r o n t e i r a s b o r r a d a s – o s c a p i tai s e m j o g o pa r a o a s s e s s o r n o p r o c e s s o d e a g e n c ia m e n t o d a n o t í c ia

Neste contexto, marcado pelas fronteiras esmaecidas e pela transição identitária do profissional, o poder de “fazer crer” está vinculado à imagem de credibilidade do jornalismo, com a qual o jornalista assessor busca aderência. O assessor surge como o mediador entre a organização, que quer ser fonte de informação (uma referência em sua área, legitimada pela opinião pública) e os veículos de comunicação (que buscam, diariamente, pautas). Assim, o assessor assume um território no processo produtivo da notícia, o papel do primeiro pauteiro, embora se reconheça que, na notícia institucional, há uma tensão, uma negociação entre o valor-notícia e os interesses da instituição. “A notícia institucional não consiste num ‘mero espelho da realidade’, mas passa a ser encarada como um processo de interação social, negociações com forte papel sociológico”. (MONTEIRO, 2003, p. 142) Neste sentido, Monteiro destaca que: a realidade cotidiana é uma realidade socialmente construída; os media desempenham papel importante na construção da realidade e os media não criam, autonomamente, as notícias (dependem das fontes). Para ser reconhecido enquanto notícia no veículo de comunicação, o material do assessor precisa adequar-se às regras do jogo deste contrato. Esse domínio do fazer jornalístico e das dinâmicas específicas de cada empresa de comunicação atesta também a qualidade e competência do assessor, que está relacionada ao grau de aderência da sua produção aos discursos informativos. Como numa gangorra de interesses, o assessor parece ter que negociar, em algum instante, entre os interesses da redação/do discurso jornalístico e os interesses da instituição.

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Como, na maioria das vezes, a assessoria é quem busca a imprensa para sugerir matéria – a informação da assessoria precisa estar respaldada no valor notícia para ser reconhecida como legítima. Além disso, o assessor, enquanto informador, é também avaliador. Em princípio, a posição social do assessor (experiência de mercado, relação com as redações, conhecimentos das rotinas e práticas do fazer jornalístico) são observadas e tornam-se cruciais na troca. Neste contrato, o lugar do assessor como representante da fonte também carece de um certo apagamento, ele deve aparecer mais como um jornalista, ou profissional dos meios, da comunicação, do que como porta-voz da empresa. Além disso, o grau de engajamento também deve ser esmaecido. As marcas desse engajamento organizacional precisam, por exemplo, ser retiradas do material que é enviado à imprensa (releases e press kit) e, para tanto, vale-se dos critérios e formas do fazer jornalístico – formato do texto, dados, declaração das fontes, fotos etc. No caso do assessor, espera-se que ele apague o seu engajamento e a informação é dada como “evidente”, produz efeito de objetivação e de autenticação. Aqui, o receptor do material enviado pelos assessores são os jornalistas,7 e eles precisam comungar dos mesmos códigos, das mesmas regras do fazer jornalístico, do mesmo conhecimento, para que se estabeleça a relação, o contrato de comunicação. Quando o assessor entra em contato com a redação, há, de ambas as partes, uma expectativa sobre o outro. Há uma situação de comunicação posta. Em cena, estão, a priori, profissionais da comunicação. O fato do agenciamento da notícia começar fora das redações tradicionais de jornalismo conduziu, historicamente, os profissionais da área à busca de delimitação e legitimação das práticas, a partir também de associações e entidades específicas. Fundada em 1967, a então Associação Brasileira dos Editores de Revistas e Jornais Empresariais (Aberje), por exemplo, reunia os profissionais de comunicação que, na época, dedicavam-se ao chamado jornalismo empresarial, a fim de constituir um espaço de discussão, aperfeiçoamento e profissionalização da área. A instituição cresceu e, hoje, abarca

7 Vale ressaltar que, quando o assessor contata o jornalista da redação, ele também mira, em certa medida, o público, uma vez que ao construir o texto a partir das lógicas do perfil editorial e das demandas específicas de cada caderno, programa ou editoria, também está contemplando, ali, o leitor.

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todas as estratégias e serviços da comunicação organizacional, cujo exercício é estimulado pela filosofia da comunicação integrada, que agrega, de forma sinérgica, os profissionais de jornalismo, publicidade e propaganda, relações públicas e marketing. Mesmo mantendo a sigla a Aberje, hoje, é conhecida como a Associação Brasileira da Comunicação Empresarial, que, além de promover cursos e eventos e difundir o debate em espaços acadêmicos e no mercado, desenvolve pesquisas, congrega importantes grupos de comunicação e realiza o prêmio Aberje, um dos mais respeitados na área. Em 2010, o prêmio chegou à 36ª edição, do Brasil, contemplando categorias divididas em três áreas: Gestão de Comunicação e Relacionamento, Mídias e Pequenas e Médias Organizações. Na primeira área, consta a premiação para a categoria “Comunicação e Relacionamento com a Imprensa”, que reconhece os planos de assessoria mais eficazes, ou seja, que melhor e mais pautaram a imprensa sobre um determinado tema. Mais direcionadas que o trabalho da Aberje, foram as ações que buscaram uma autonomia da assessoria de imprensa em relação às estruturas, teorias e práticas de relações públicas. Em 1980, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo criou a Comissão Permanente e Aberta dos Jornalistas em Assessorias de Imprensa. Em 83, foi realizado o primeiro encontro estadual dos assessores que reuniu 250 jornalistas paulistas. Já em 1984, foi realizado o primeiro Manual de Assessoria de Imprensa, que foi editado e adotado pela Federação Nacional dos Jornalistas profissionais em 1986. A última versão do documento, editada em 2007, reafirma que a função de assessoria de imprensa deva ser realizada, privativa e exclusivamente, por um jornalista diplomado. Em 2006, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei, que buscava oficializar o que já é regulamentado pelo mercado, ou seja, delimitar a função de assessoria de imprensa para jornalista. Por conta das mobilizações acionadas pelo Conselho Nacional de Relações Públicas, a decisão foi interrompida na instância presidencial, que, poucos dias depois, direcionou sua atenção para a enxurrada nacional de acusações de corrupção no partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Autores, como Kopplin e Ferraretto (1996) e Chaparro (2003), defendem que o trabalho de assessoria de imprensa solicita os conhecimentos e práticas do fazer jornalístico, portanto, a regulação desta prática acaba sendo implementada pelo mercado e pelas rotinas produtivas da notícia em sociedades complexas, as quais embaralham os campos e solicitam, constantemente, novos capitais.

C o n s i d e r a ç õ e s f i n ai s

Esta pesquisa ainda está em fase de desenvolvimento, portanto, os questionamentos tornam-se ainda mais evidentes que as possíveis respostas. E muitas são as pistas para futuros estudos e também aprimoramento do que, por agora, é apresentado. O embaralhamento entre os campos da comunicação e do jornalismo apontam para um encolhimento deste segundo. Ao buscar os indicativos deste aspecto no processo produtivo da notícia, percebe-se que o agenciamento da notícia começa nos departamentos de comunicação, implantados pelas fontes. Enquanto mediadores entre a fonte a imprensa, os assessores negociam os interesses da instituição e também do fazer jornalístico, e esta tensão é permitida e sustentada pela própria natureza da notícia. (LIPPMANN, 2008) Um outro indicativo é a reconfiguração identitária do jornalista, a qual não pode ser atribuída apenas ao fato de que o fazer assessoria lança mão dos critérios, técnicas e valores do fazer jornalístico. Há, claro, outras questões contextuais (enxugamento das redações, convergência midiática, entre outros) que precisam ser contempladas, mas o papel do assessor, enquanto o “pauteiro”, direciona um novo olhar para as redações tradicionais e desafia para reflexões sobre as tomadas de posição deste profissional nos campos e sobre os capitais em jogo na disputa.

R e f e r ê n c ia s ADGHIRNI, Z. L. O jornalismo entre a informação e a comunicação: como as assessorias de imprensa agendam a mídia. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE

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220—Giovandro Ferreira e Claudiane Carvalho

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Enquadramento colaborativo Uma análise comparada do framing adotado pelos cidadãos-repórteres durante a Rio+20 no WikiNotícias e Indymedia Yur i Almeida

Introdução

As práticas sociais foram alteradas de forma radical após a internet. As novas tecnologias de informação e comunicação possibilitam a plurivocalidade e novas interações entre os sujeitos, além de influenciar novas dinâmicas e práticas no campo da comunicação. Entre essas alterações, a mais visível é a relação entre os mass media e o público. A estrutura colaborativa e interativa da web se estende para além do Modelo Comunicacional Um-Todos, passando para uma estrutura Todos-Todos, seja por meio dos blogs, lista de discussão e códigos abertos,



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possibilitando ainda a interação entre os usuários e os media e oferecem ferramentas para a participação dos sujeitos na produção de notícias. (LÉVY, 1999) Os estudos sobre as reconfigurações midiáticas, após a internet, concentram-se na análise de desafios e oportunidades para os media, bem como na análise dos produtos na web, interatividade, infografia, blogs, redes sociais, entre outros. No que tange a pesquisa específica sobre o jornalismo colaborativo, discute-se como a cibercultura e as novas tecnologias influenciaram a produção do ciberjornalismo e/ou como os veículos de comunicação se relacionam com o público, uma vez que a liberação do polo de emissão aliada aos novos dispositivos tecnológicos de registro (mp3, máquinas fotográficas digitais, aparelhos celulares, entre outros) potencializaram a multivocalidade na produção de conteúdo na web, transformando os leitores em coautores na produção de conteúdo jornalístico. Entretanto, analisar o “como” – sendo o enquadramento uma das perspectivas para se analisar tal questão – os cidadãos-repórteres estão a produzir é um aspecto recente a ser analisado pelos estudos da comunicação na sociedade contemporânea. Na nova era das comunicações digitais, sinaliza Gillmor (2005), o público pode tornar-se parte integral do processo. Estas transformações darão uma conotação mais dialógica ao jornalismo nas mais distintas fases da produção da notícia. “O crescimento do jornalismo participativo nos ajudará a ouvir. A possibilidade de qualquer pessoa fazer notícia dará voz as pessoas que se sentiam sem poder de fala”. (GILLMOR, 2005, p. 19) Ainda que a possibilidade do usuário colaborar em alguma etapa do processo de produção da notícia seja nomeada1 de diversas maneiras pelos estudiosos no campo da comunicação (ALMEIDA; ROCHA, 2011), adotou-se o conceito do jornalismo colaborativo neste trabalho. A base filosófica do jornalismo colaborativo é movimento do software livre iniciado em 1984, por Richard Stallman, como contraponto ao software proprietário, que “aprisionava” e “restringia a liberdade” dos usuários. A proposta do software livre era

1

Jornalismo participativo, jornalismo open source, jornalismo cívico, jornalismo de fonte aberta, webjornalismo participativo, jornalismo colaborativo, jornalismo comunitário são algumas das terminologias mais frequentes utilizadas pelos pesquisadores da comunicação para conceituar a possibilidade que os cidadãos possuem de colaborar com jornais e jornalistas.

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de abrir o código-fonte para a análise e modificações por parte de qualquer utilizador, aprimorando, desta forma, a usabilidade do programa. Além dos aspectos tecnicistas, o movimento trouxe consigo a luta pela liberdade, compartilhamento de conteúdo e a colaboração como processo produtivo, em substituição ao individualismo. O requisito essencial para liberdade do software é a disponibilização do código-fonte para o estudo, cópia, modificação e distribuição da “versão” atualizada, sem restrições, o que torna a atualização um movimento constante nas comunidades de desenvolvedores do software livre. Almeida (2009) argumenta que no jornalismo, metaforicamente, disponibilizar o código-fonte significa conceder espaços para veiculação do conteúdo produzido pelo público, ampliar os mecanismos de colaboração entre jornais e leitores, seja na elaboração da pauta, na utilização de imagens produzidas por cidadãos-repórteres2 na composição de matérias, bem como desenvolver uma estrutura de produção e divisão da receita gerada por produtos baseados em paradigmas colaborativos.3

E n q ua d r a m e n t o

Em artigo seminal sobre o framing, Entman (1993) sinaliza que o enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência, pois é fruto da seleção de alguns aspectos da realidade percebida e do processo de torná-los mais salientes em um texto, de tal forma a promover o problema, a interpretação, avaliação moral ou recomendação de abordagem para o item descrito. Entman (1993) argumenta que os quadros diagnosticam as causas, identificam as forças que criam o problema, fazem julgamentos morais e avaliam os

2 Neste trabalho, o termo cidadão-repórter refere-se aos colaboradores dos jornais open source, portanto, não está associado à profissionalização dos colaboradores ou significa dizer que estes integram o campo jornalístico. Por cidadão-repórter entendemos os atores sociais que reportam informação sobre acontecimentos locais e globais. Cidadão-repórter diz respeito a uma prática: reportar informações. 3 O jornal sul-coreano OhmyNews foi uma das primeiras experiências de jornalismo colaborativo do mundo. Fundado em 2000 por Oh Yeon Ho, a filosofia é “todo cidadão é um repórter”, qualquer pessoa poderia enviar suas notícias e em troca recebiam uma pequena quantia em dinheiro. As notícias eram editadas e publicadas pela equipe editorial do jornal sul-coreano.

Enquadramento colaborativo—

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seus efeitos. Entretanto, uma única frase pode executar mais de uma dessas funções, ou, de outro lado, não ter nenhum efeito. Colling (2001a diz que produzir um enquadramento é selecionar alguns aspectos da realidade percebida e dar-lhes um destaque maior no texto comunicativo, gerando interpretação, avaliação moral e/ou tratamento recomendado para o item descrito. Porto (2004) conceitua enquadramento como marcos interpretativos mais gerais, construídos socialmente, que permitem às pessoas dar sentido aos eventos e às situações sociais. Entman (1993) sustenta que o framing aparece em quatro locais no processo de comunicação: 1) o comunicador, que de forma consciente ou inconsciente decide o que dizer; 2) o texto, que contém quadros e se manifesta pela ausência ou presença de determinadas palavras-chaves e frases estereotipadas; 3) o receptor, que pode ou não refletir o enquadramento realizado pelo comunicador; 4) a cultura, que é vista como o estoque de quadros comuns que auxiliam/atuam na interpretação das mensagens. A hipótese de Entman (2001) é de que, quando um simples frame domina inteiramente a narrativa, uma expressiva maioria deverá chegar a ter o mesmo entendimento sobre o assunto noticiado. O resultado do frame seria “[...] que o público fica carente de alternativas políticas e incapaz de oferecer, inclusive, seu próprio ponto de vista a respeito de um fato, uma vez que, um diálogo só é eficaz quando a mídia compara diversos pontos de vistas de forma sistemática e alterna o seu enquadramento”. (Colling, 2001b, p. 23) Contudo, Lecheler, De Vreese e Slothuus (2009) vai pontuar que a atribuição de importância que o indivíduo dá para determinado assunto é um mediador dos efeitos do enquadramento, assim uma temática com alto teor de importância para o individuo não produz efeitos, mas uma questão com baixo teor de importância irá produzir grandes efeitos. A tese básica de Lecheler, De Vreese e Slothuus (2009) é que os cidadãos são afetados de forma diferente quando eles se preocupam com um problema. A importância é conceituada como um significado que o indivíduo atribui ao objeto e envolve carinho e valoração. A definição do grau de importância deriva de processos psicológicos. Em primeiro lugar, o assunto deve estar na memória para o indivíduo usá-la. Em segundo lugar, a informação deve ser acessível e “pronta para uso”.

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Em terceiro lugar, a depender do contexto e da motivação, uma consideração pode ser conscientemente articulada com outras informações e a partir daí desenvolver uma interpretação. Além da variável da importância, Chong e Druckman (2007) sustenta que uma atitude em relação a um objeto é a soma ponderada de uma série de crenças avaliativas sobre esse objeto, o que, consequentemente, irá influenciar os efeitos do enquadramento. Deste modo, os enquadramentos não podem ser analisados de forma isolada, mas sim, em um determinado contexto midiático. A articulação dos enquadramentos seja entre argumentos fortes e fracos, ou em indivíduos com baixa ou alta motivação são variáveis que devem ser consideradas nas pesquisas do framing. Balabanova e Balch (2010) defendem que os quadros éticos e interesses de um determinado país irão influenciar os enquadramentos dos meios de comunicação acerca de determinado assunto. Sendo assim, as mensagens dos mass media revelam também as estruturas e valores culturais sobre determinado assunto. Esta perspectiva oferece ao framing uma perspectiva de considerar que os quadros éticos funcionam também como elementos para definir o enquadramento dos meios de comunicação de massa, o que pode auxiliar no entendimento do caráter da cobertura mídia sobre temas polêmicos. Para analisar os enquadramentos da mídia, Porto (2004) propõe o método da matriz de assinatura. “Esta matriz inclui as práticas de enquadramento que caracterizam cada ‘pacote interpretativo’ tais como as metáforas, slogans e imagens presentes nos discursos dos diversos agentes”. (PORTO, 2004, p. 81) Ao analisar a cobertura dos mass media da política, Porto (2004) elaborou três categorias para compreender a relação, a saber: 1) Enquadramentos temáticos são descrições de problemas e políticas sociais que influenciam o entendimento do público sobre a origem destes problemas e sobre os critérios mais importantes a partir dos quais as soluções propostas devem ser avaliadas. 2) Enquadramentos noticiosos são padrões de apresentação, seleção e ênfase utilizados por jornalistas para organizar seus relatos. Este seria o ângulo da notícia, o ponto de vista adotado pelo texto noticioso

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que destaca certos elementos de uma realidade em detrimento de outros. Essa categoria prova a tese de que o enquadramento começa na própria pauta. 3) Enquadramentos interpretativos são padrões de interpretação que promovem uma avaliação particular de temas e/ou eventos políticos, incluindo definições de problemas, avaliações sobre causas e responsabilidades, recomendações de tratamento. Esse tipo de enquadramento pode ser o mais perigoso ou o mais útil para o leitor, a depender do ângulo escolhido pelo jornal, isso porque, geralmente, esses enquadramentos adotam uma perspectiva didática, onde se busca explicar (e não informar, contrariando o princípio básico do jornalismo, que é informar de forma isenta) ao leitor determinado aspecto da realidade.

M e t o d o l o g ia

Para realizar a análise do enquadramento no jornalismo colaborativo, foi selecionado como objeto de estudo, as matérias publicadas nos sites colaborativos WikiNotícias e Centro de Mídia Independente (CMI) durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20),4 realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, o prazo de coleta de matérias foi estendido até o dia 23 de junho, tendo em vista que, nesta data, repercussões sobre o evento poderiam ser publicadas. Por se tratar de um evento mundial, decidiu-se selecionar sites colaborativos de abrangência nacional, tendo em vista que o caráter regional poderia ser um limitador territorial para a participação dos leitores na produção de conteúdo, e que os sites colaborativos não tivessem ligação com empresas de comunicação, uma vez que as respectivas linhas editorias poderiam atuar como “censores” do conteúdo produzido pelos cidadãos. Devido a natureza internacional do evento, o que consequentemente coloca a temática na agenda pública, optou-se pela seleção da Rio+20 como assunto capaz de atrair a atenção e produção de conteúdo sobre a

4 http://www.rio20.gov.br/.

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Conferência. Neste sentido, objetiva-se analisar de que forma os cidadãos-repórteres enquadraram a Rio+20. Para tanto, serão efetuadas análises quantitativas e qualitativas, na tentativa de revelar os processos estruturantes da utilização de parâmetros pelos cidadãos-repórteres para decidirem como noticiar o evento. A análise de conteúdo, desenvolvida na Escola de Jornalismo da Columbia (Estados Unidos) na década de 40, será o suporte metodológico adotado neste trabalho, tendo em vista que os estudos da análise de conteúdo baseiam-se na investigação dos processos/conhecimentos relativos aos conteúdos. Como conceitua BARDIN (1977, p. 31) “análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações. [...] o interesse não reside na descrição dos conteúdos, mas sim no que estes poderão ensinar após serem tratados [...]”. Durante a pesquisa será observado o enquadramento presente nas matérias quanto às categorias propostas por Porto (2004) – enquadramento temático, enquadramento noticioso e enquadramento interpretativo. Assim, ao se identificar os enquadramentos nos sites colaborativos será possível ter ciência de como, a partir da liberação do polo emissor, os cidadãos-repórteres têm construído as suas narrativas em ambientes colaborativos.

Objetos de estudo

O Wikinotícias5 foi criado em 2004, porém a versão portuguesa foi lançada em janeiro de 2005, com o slogan “A fonte de notícia que todos podem editar”. O projeto, desenvolvido pela Wikimedia Foundation (a proprietária da Wikipedia), é baseado no jornalismo colaborativo e, portanto, permite aos cidadãos a produção e publicação de conteúdo noticioso em sua home. Estruturada em uma plataforma wiki, qualquer usuário pode editar, corrigir, ampliar as informações. No site, o Wikinotícias explica que o projeto promove a ideia do cidadão jornalista, qualquer pessoa tem a capacidade de contribuir com conhecimentos, e também de

5 Disponível em: < http:// http://pt.wikinews.org/>.

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discernir as fontes e verificar as mesmas, assim, todos deveriam contribuir com informações e aprender a verificar mais de uma fonte de informação para confirmar ou negar a mesma.

Figura 1 - home do Wikinotícias

O Centro de Mídia Independente (CMI),6 ou Indymedia, iniciou as suas atividades em 1999, durante protestos ocorridos em Seattle contra o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC). A proposta inicial era tornar-se um espaço para a publicação da imprensa alternativa, porém a participação dos cidadãos contribuiu para ampliar a visibilidade do projeto e mudar a sua filosofia. Ao longo dos anos, o Indymedia ganhou versões em todos os continentes. Em cada site do projeto é permitida a colaboração dos cidadãos, em alguns países o Indymedia realiza oficinas ligadas à área comunicacional e a sua rede de colaboradores realiza a cobertura de determinados assuntos. No Brasil, o CMI se define como “uma rede de produtores e produtoras independentes de mídia que busca oferecer ao público informação alternativa e crítica de qualidade que contribua para a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente”. 6

http://midiaindependente.org/.

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Figura 2 - Home do Indymedia

Hipóteses

Pelo fato do Rio+20 ter sido uma conferência nacional espera-se que tenha conseguido atrair a atenção do público e, consequentemente, leve os usuários a produzir textos sobre a temática. O enquadramento das produções colaborativas terá um caráter mais interpretativo do que noticioso. O conteúdo será autoral, escrito pelos próprios colaboradores. Nas narrativas prevalecerá a opinião dos autores, sem o uso de fontes oficiais/ oficiosas e/ou a presença do “outro lado da questão” nas matérias. Por se tratar de espaços colaborativos haverá grande quantidade de comentários e debates sobre os conteúdos públicos.

R e s u lta d o s

Durante a pesquisa foram identificados um total de sete matérias publicadas no WikiNotícias, no período analisado. Já no CMI foram contabilizadas 192 postagens de 13 a 23 de junho de 2012. No WikiNotícias, 71% das matérias tiveram relação com a Rio+20, enquanto no CMI este índice foi de 7,8%, conforme gráfico a seguir:

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Gráfico 1 – Perfil das matérias

 

Fonte: elaboração do autor.

O resultado descarta totalmente a primeira hipótese deste trabalho. No WikiNotícias, no comparativo entre 13 a 23 de junho com o mesmo período no mês de maio deste ano, houve uma queda de 600% na quantidade de material publicado, saindo de 49 em maio para sete matérias no período selecionado. No CMI, apesar da quantidade considerável de publicações, a agenda da Rio+20 teve baixa influência nos colaboradores do respectivo site, que publicaram mais sobre a ação de movimentos sociais no cenário internacional, do que a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Em relação ao enquadramento das produções colaborativas, no WikiNotícias observou-se um caráter menos interpretativo. No total de publicações, 60% são classificadas como enquadramentos noticiosos, sendo o framing mais comum o relato de reuniões, agenda de debates e declarações de líderes políticos. Já nos enquadramentos temáticos, que correspondem a 40%, destacou os desafios das tribos indígenas em face ao desenvolvimento sustentável. No CMI, a tipologia de enquadramento foi diferente, sendo 73,3% das publicações classificadas como enquadramento interpretativo, 13,3% enquadramento noticioso e 13,3% como enquadramento temático. Dentre as

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postagens interpretativas, destacaram-se as críticas à atuação do Brasil na pasta do meio ambiente e a própria Conferência, como evento “incapaz” de “solucionar” os problemas ambientais. Gráfico 2 - Comparação dos enquadramentos entre Wikinotícias e CMi

Fonte: elaboração do autor.

A segunda hipótese previa que o enquadramento das produções colaborativas teria um caráter mais interpretativo do que noticioso ou temático. A hipótese foi parcialmente comprovada. Se no WikiNotícias não notou-se enquadramentos interpretativos, no CMI, tal enquadramento representou a maioria dos textos publicados no site. Em relação à terceira hipótese, os resultados a comprovam parcialmente. No WikiNotícias, todas as matérias publicadas foram copiadas da Agência Brasil.7 A WikiNotícias não oferece recurso para identificar se o autor da publicação foi a própria Agência Brasil ou se algum colaborador veiculou o conteúdo da referida agência. No conjunto das matérias públicas registrou-se o uso de 10 fontes, sobretudo governamentais e associações de classe, o que dá uma média de duas fontes ouvidas por matéria publicada. A partir da analise nota-se que 7

http://agenciabrasil.ebc.com.br/

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as fontes “falam”, ou seja, figuram na narrativa com aspas e opiniões sobre determinado assunto. Ainda que o tom das matérias não contenha elementos polêmicos ou acusações contra governos e empresas, nos enquadramentos temáticos, por exemplo, prevaleceu apenas a opinião dos índios sobre as temáticas socioambientais. Já no CMI a hipótese tornou-se válida, tendo em vista que todas as matérias publicadas no período analisado foram elaboradas pelos próprios colaboradores. No total foram identificados 13 autores diferentes para o conteúdo divulgado. Nas matérias selecionadas contabilizou-se o uso de 20 fontes, sobretudo Institutos de Pesquisas, como o IBGE, e organizações mundiais, como a ONU, uma média de 1,3% por matéria veiculada. Diferente do percebido no WikiNotícias, os colaboradores do CMI “fazem a fonte falar”, ou seja, extraem de pesquisas/indicadores dados que justifiquem os seus respectivos pontos de vistas. O uso das aspas aparece em apenas uma das matérias, quando uma declaração do Michel Lowy é citada para, logo sem seguida, ser criticada pelo autor. No CMI, as reportagens têm um caráter denuncista, baseado no contraponto de ideias, porém, em nenhuma das publicações foi aberto o espaço para “o outro lado da questão”. Gráfico 3 - Comparação do uso de fontes e imparcialidade entre Wikinotícias e CMi

Fonte: elaboração do autor.

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Por fim, a quarta hipótese previa que por se tratar de espaços colaborativos haveria grande quantidade de comentários e debates sobre os conteúdos públicos. A partir da análise, a hipótese foi invalidada, tendo em vista que no WikiNotícias nenhum comentário foi realizado durante o período analisado. Já no CMI, 40% das matérias geraram comentários. No total, 12 comentários foram realizados em um universo de 15 matérias, o que resulta em uma média de 0,96 comentário/matéria. Gráfico 4 - Comparação da taxa de comentário por matérias publicadas

Fonte: elaboração do autor.

consIderAções fInAIs

Apesar do jornalismo colaborativo materializar a filosofia da democratização dos meios de comunicação, a partir da liberação do polo emissor e da popularização e apropriação das novas tecnologias de informação e comunicação, a possibilidade de participação dos usuários na produção de conteúdo não garante reconfigurações no fazer jornalístico, no que diz respeito ao enquadramento das matérias produzidas. A colaboração dos cidadãos, por outro lado, a partir deste estudo, sinaliza para a possível constituição de uma agenda pública paralela ao agendamento

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midiático, uma vez que a pauta dos colaboradores foi diferente da veiculada pelo mainstream midiático. Contudo, os enquadramentos adotados no jornalismo colaborativo também não garantiram o aprofundamento e a pluralidade nos debates públicos. Apesar de novas vozes, não se observou novos discursos, tampouco novas fontes utilizadas para a construção das narrativas colaborativas, que adotaram um tom panfletário e ideológico-partidário durante a Rio+20, ou simplesmente reproduziu, nos ambientes colaborativos, as matérias veiculadas em sites jornalísticos. Sendo assim, o framing não está restrito ao campo jornalístico e seus profissionais, mas sim, aos atores sociais em um processo comunicativo, que seleciona de consciente ou inconsciente aquilo que irá dizer ou destaca determinados argumentos em um contexto mais amplo. No caso do CMI, cuja apresentação do site destaca a busca “por dar voz à quem não têm voz constituindo uma alternativa consistente à mídia empresarial que frequentemente distorce fatos e apresenta interpretações de acordo com os interesses das elites econômicas, sociais e culturais”, os enquadramentos interpretativos foram os mais frequentes. No WikiNotícias, em contraponto, que se apresenta mais como um ambiente para escritas coletivas do que com um viés ideológico, obteve um enquadramento mais noticioso e temático. O resultado gera o questionamento: até que ponto a linha editorial dos sites colaborativos influencia o enquadramento adotado pelos usuários? Essas considerações, que precisam ser aprofundadas e/ou respondidas por estudos posteriores, apontam para que apenas a apropriação técnica das ferramentas para a difusão de informação não irá garantir a pluralidade na agenda pública ou a cobertura mais plural dos fatos cotidianos, além disso, sinaliza para a necessidade de repensar as estruturas dos ambientes colaborativos e escritas coletivas.

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R e f e r ê n c ia ALMEIDA, Yuri. Jornalismo colaborativo: uma análise dos critérios de noticiabilidade adotados peloscidadãos-repórteres do Brasil Wiki durante as eleições de 2008. 2009. Disponível em: ALMEIDA, Yuri; ROCHA, Jorge. O webjornalista e a configuração de uma (nova) esfera pública comunicacional, 2010. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 33., 2010, Caxias do Sul. Anais... Caxias do Sul: UCS, 2010. 1 CD ROM. ______. Jornalismo em bases de dados e a segunda fase do jornalismo colaborativo, 2011. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 34., 2011, Recife. Anais... Recife: Universidade Católica de Pernambuco, 2011. 1 CD ROM. BALABANOVA, Ekaterina; BALCH, Alex. Sending and receiving: the ethical framing of intra EU migration in the European press. European Journal of Communication, v. 25, n. 4, p. 382-397, 2010. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. CHONG, Denis; DRUCKMAN, James N. A theory of framing and opinion formation in competitive elite environments. Journal of Communication, v. 57, n. 1, p. 99-118, 2007. Colling, Leandro. O silêncio no Jornal Nacional nas eleições presidenciais. UNI saber, Lauro de Freitas, n. 2, 2001a. ______. Agenda-setting e framing: reafirmando os efeitos limitados. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 14, 2001b. ENTMAN, Robert M. Framing: Toward clarification of a fractured paradigm. Journal of Communication, v. 43, n. 4, p. 51-58, 1993. GILLMOR, Dan. Nós, os media. Lisboa: Presença, 2005. LECHELER, S.; DE VREESE, C.; SLOTHUUS, R. Issue importance as a moderator of framing effects. Communication Research, v. 36, n. 3, p. 400-425, 2009. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

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O enquadramento do sofrimento em notícias de violência envolvendo crianças e adolescentes Estudo de caso dos jornais Massa! e Correio* Ivanise Hilbig de Andrade

Introdução

Dados apresentados pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela) e pela Flasco Brasil apontam crescimento no índice de assassinatos de crianças e adolescentes no País. Segundo o estudo Mapa da Violência 2012, organizado pelas duas instituições, nos últimos 30 anos, 176.044 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil, ou seja, uma média de 16 pessoas,



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com até 19 anos de idade, mortas a cada dia. E o número de homicídios nessa faixa etária é proporcionalmente maior atualmente do que foi no passado, subindo de 3,1 homicídios por cada grupo de 100 mil crianças e adolescentes, em 1980, para 13,8 por 100 mil em 2010, sendo os assassinatos os motivos de 11,5% dos óbitos. Entre as seis capitais com as maiores taxas, cinco são do Nordeste. (WAISELFISZ, 2012) De acordo com o relatório do Disque Denúncia Nacional,1 entre maio de 2003 e agosto de 2011, foram realizados 2.937.394 atendimentos, sendo recebidas e encaminhadas 195.932 denúncias de violência cometida contra crianças e adolescentes de todo o país. Considerando as três macro-categorias de violência, 37% das denúncias eram de violência física e psicológica, 28% sexual e 35% de negligência e maus-tratos em 2011. Entre janeiro e agosto de 2011, a Bahia apareceu como o segundo estado que mais denunciou casos de violência contra menores de 18 anos, ao todo 5.875 casos. (BRASIL, 2011) Em linhas gerais, qualquer violação dos Direitos Humanos de crianças e adolescentes, seja contra a vida, saúde, dignidade, é considerada uma violência e referendada em leis, estatutos, códigos civis, tratados ou declarações internacionais, entre eles a Constituição Federal de 1988, o Código Civil Brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1966). Paralelo ao crescimento da violência envolvendo crianças e adolescentes, em especial quando são vítimas, os jornais populares2 também estão em expansão no Brasil, crescendo não somente em tiragem, mas em novos títulos. Segundo auditoria realizada pelo Instituto Verificador de Circulação 1 O Disque Denúncia Nacional, o Disque 100, é coordenado e executado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR), em parceria com a Petrobras e o Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria). Seu objetivo é receber denúncias de transgressões aos direitos de crianças e adolescentes e encaminhá-las para investigação, além de orientar sobre os serviços e redes de atendimento e proteção nos estados e municípios. http://www.disque100.gov.br 2

Jornal popular é um produto cultural destinado às classes populares (B, C e D) e que tem como linha editorial o foco em matérias de serviço, comunidade, violência, mas sem aquele apelo ao tripé crime-sexo-escândalo, prática comum das publicações até a década de 1980. (AMARAL, 2006)

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(IVC), houve um crescimento médio de 3,5% de circulação de jornais no Brasil em 2011, impulsionado em maior escala pelo crescimento nas vendas de publicações com preço de capa até R$ 0,99 centavos, que avançou 10,3%.3 Na Bahia, os jornais Massa! e Correio* representam essa transformação no mercado editorial e podem ser considerados como populares, nos moldes dos que vêm ganhando espaço nas bancas nos últimos 20 anos: publicações compactas, com preços baixos, planejamento gráfico sedutor (com uso recorrente de elementos como cores, tipologia e fotografias chamativos), linguagem acessível e anúncios de serviços e produtos voltados ao público de baixa renda, em um contexto em que os meios de comunicação cada vez mais aliam informação com entretenimento. O Correio da Bahia foi criado em 1979 e passou por uma série de mudanças até chegar ao formato do atual Correio*. A última delas, lançada em 27 de agosto de 2008, foi a reformulação do projeto gráfico e a mudança de formato, menor e de mais fácil manuseio – uma das tendências dos jornais populares brasileiros. Também houve mudanças no modo como o jornal apresenta os fatos. Um exemplo é a exploração de textos curtos na editoria “24h”, que ocupa uma média de sete páginas e é definida pelo próprio jornal como o “resumo completo das notícias do dia. Leitura rápida e objetiva”. No ano de 2010, o jornal Correio* também apostou numa nova política de preço, baixando o valor de venda para R$ 0,50 durante a semana e R$ 1,00 aos domingos, buscando ampliar o seu público-alvo, voltando-se para os segmentos C e D. A mudança levou o Correio* a alcançar a liderança de vendas no estado, ocupando a colocação do concorrente A Tarde. O Massa! chega às bancas em outubro de 2010, como novo jornal do grupo A Tarde, direcionado sobretudo aos consumidores das classes C e D, com o mesmo preço do concorrente – de R$ 0,50. A análise de mídia realizada pelo Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania (CCDC),4 sobre a cobertura da violência nos jornais Massa! e Correio*, revelou que “[...] um dos produtos constantemente presentes na 3 Informações disponíveis em www.ivc.org.br. 4 O CCDC é um órgão complementar da Faculdade de Comunicação da UFBA, que reúne também as organizações sociais Cipó – Comunicação Interativa e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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vitrine destes veículos impressos para atrair o público são as notícias sobre violência, bem como a exploração do erótico e de matérias de serviço em último nível”. (FERREIRA et al., 2012) Portanto, considerando este cenário, é importante pontuar que os meios de comunicação participam da construção de sentidos e significados sobre a violência na medida em que atualizam e colocam em prática valores, processos e hierarquias que, no caso da violência, estabelecem o crime e suas soluções, apontando vítimas, acusados, agressores, reforçando padrões de comportamento entre indivíduos e instituições. (CORDEIRO; SAMPEDRO, 2001) Nesse espaço discursivo se inscreve o modo como a violência é apresentada (ou enquadrada), contribuindo para a construção de representações sociais sobre o crime, as pessoas envolvidas em sua prática e sua responsabilização. A partir do exposto, o presente trabalho tem como objetivo analisar como os jornais baianos Massa! e Correio* enquadram a violência envolvendo crianças e adolescentes e também como frames de sofrimento são utilizados para construir os efeitos de sentido dessa violência. Foram analisados 71 textos jornalísticos (notas, notícias, e reportagens) sobre a temática, publicados entre agosto de 2011 e janeiro de 2012 nos dois jornais. O corpus de análise foi recortado do material selecionado e clipado pela equipe do CCDC para a análise de mídia citada anteriormente.

C o n c e i t ua ç ã o t e ó r i c a d e e n q ua d r a m e n t o

Bastante utilizada em pesquisas na área de comunicação, a análise de enquadramentos (framing theory) emerge das ciências sociais, a partir de pesquisas do sociólogo Erving Goffman, para quem a interação social cotidiana destaca a forma como os atores sociais organizam a própria experiência e definem situações vividas através de processos de enquadramento, ou seja, o enquadramento reúne os “[...] quadros de referência geral construídos socialmente para dar sentido aos eventos e situações sociais”. (GOFFMAN, 1974, p. 21) Além da sociologia de Goffman, também são fontes importantes para a estruturação do conceito de enquadramento trabalhos desenvolvidos por correntes da psicologia cognitiva. Além da comunicação, sociologia, psicologia, análises que

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utilizam essa teoria também podem ser encontradas em pesquisas de ciências políticas, linguística e economia. Ao propor uma compilação e uma definição da teoria do enquadramento, Entman (1993) afirma que a teoria oferece um modelo consistente para descrever e compreender o poder do conteúdo da comunicação, contribuindo para trabalhos que buscam entender como a consciência humana é influenciada pela transferência de informações a partir de um discurso, uma enunciação, uma reportagem, um romance. O enquadramento envolve as noções de seleção e relevância. Segundo a definição do autor: Enquadrar é selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e torná-los mais salientes em um conteúdo de comunicação, de modo a promover uma definição de um problema em particular, uma interpretação sobre causas, uma avaliação moral, e/ou recomendação de soluções para a questão descrita.5 (ENTMAN, 1993, p. 52, tradução nossa, grifo do autor)

O enquadramento, conforme Entman (1993, p. 52), constitui-se de quatro funções, ou etapas, que não são, necessariamente, obrigatórias: 1) definir a questão (ou problema); 2) diagnosticar as causas; 3) fazer julgamentos morais e 4) apontar soluções. Envolvendo, no processo de comunicação, o emissor, o conteúdo, o receptor e a cultura, que se relacionam entre si possibilitando a seleção e conferindo preponderância aos elementos que constituem os problemas, suas causas, evolução e solução. O quadro destaca, então, alguns aspectos da informação sobre determinado tema, aumentando, com isso, sua saliência, ou seja, sua força de noticiabilidade. De forma geral, segundo Dantas e Vimieiro (2009), as pesquisas de análise de enquadramentos trabalham sob duas perspectivas: os enquadramentos da mídia (ou media frames) e os enquadramentos do público (ou frame effects). Como este trabalho tem como foco analisar o enquadramento da mídia impressa baiana sobre violência envolvendo crianças e adolescentes, a revisão 5

To frame is to select some aspects of a perceived reality and make them more salient in a communicating text, in such a way as to promote a particular problem definition, causal interpretation, moral evaluation, and/or treatment recommendation for the item described.

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de literatura que segue concentra-se nos estudos que se voltaram para os enquadramentos da mídia, em especial aqueles que utilizam a teoria do enquadramento sob o viés da construção de sentidos e significados. Pesquisas sobre enquadramento da mídia costumam examinar, conforme Carragee e Roefs (2004), como os frames são promovidos pelos atores políticos, como jornalistas empregam os frames na construção das notícias, como essas notícias articulam frames e como os membros da audiência interpretam esses frames, tendo como foco entender como os frames se articulam nas notícias. Mas definições mais sensíveis do processo de enquadramento consideram frame como uma construção social de significado, uma construção moldada tanto por produtores quanto por consumidores dos enquadramentos feitos e oferecidos pela mídia. Talvez as maiores contribuições nos estudos de enquadramento, refletem Carragee e Roefs (2004), são aquelas ligadas ao enfoque dado por Goffman (1974) sobre como os frames produzem significados e organizam experiências para aumentar os processos estruturais e ideológicos envolvendo jornalistas, suas organizações midiáticas e suas fontes, construindo significados particulares acerca dos temas a partir de padrões de ênfase, interpretação e exclusão. “As notícias, então, tornam-se um fórum de contestação de enquadramentos, no qual atores políticos competem indicando suas preferências na definição de temas”.6 (CARRAGEE; ROEFS, 2004, p. 216, tradução nossa) Seguindo tal perspectiva teórica, a teoria do enquadramento distancia-se do conceito de agendamento, contrariando muitos estudos que a consideram como uma segunda etapa do Agenda-setting ou um atributo conferido ao conteúdo. Importante destacar que: A teoria do agenda-setting representa uma continuação da pesquisa sobre media effects, e é proeminente como uma tradição que reflete uma insatisfação com o modelo limitado dos efeitos. Em contraste, a teoria do framing origina-se da Sociologia de Goffman (1974) e da sociologia da mídia de Tuchman e Gitlin, ambos enfocando as maneiras pelas quais os frames informam sobre a produção

6 News stories, then, become a forum for framing contests in which political actors compete by sponsoring their preferred definitions of issues.

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das notícias e as implicações ideológicas do framing.7 (CARRAGE; ROEFS, 2004, p. 218, tradução nossa)

De acordo com Stewart e colaboradores (2006, p. 736), a fim de examinar como o discurso é organizado e embalado por vários atores, pesquisas propuseram, então, como já citado, a análise de frames como uma teoria da construção semântica. Elaborada nos últimos 30 anos por pesquisadores de diferentes disciplinas, esta teoria tem oferecido uma variedade de maneiras de conceituar a seleção e organização de conceitos e termos dentro de um discurso. No entanto, denominadores comuns entre essas diversas conceituações sublinham o caráter cognitivo dos frames, pois eles não apenas revelam padrões de rotulagem através da inclusão e exclusão de elementos específicos em textos ou discursos, mas também um amplo “esquema interpretativo”, composto de prioridades, valores, estereótipos, posições e identidades, ambos suportados e encenados pelos criadores desses textos ou discursos. (GOFFMAN, 1974) Em outros termos, é possível afirmar que emissores das mensagens (neste trabalho entendidos como enunciadores do discurso) fazem escolhas conscientes e inconscientes durante o processo de enquadramento de um determinado assunto, orientados por quadros ou esquemas mentais a partir da cultura e do sistema de crenças nos quais o enunciador está inserido. E o texto, enquanto materialidade de discursos constitui-se de quadros explícitos e implícitos encontrados nos dispositivos enunciativos como as palavras e imagens, evidenciando a relevância e repetição de quadros em detrimento de outros. Dessa forma, a teoria do enquadramento possibilita análise dos discursos, do dito e do não dito, já que os frames são centrais na produção de sentidos. Segundo Dantas e Vimieiro (2009), o que está explícito (texto) e o que está implícito (cultura) indicam o que está em questão, ou seja, o quadro, a moldura sobre a qual o retrato da realidade será apresentado. No caso da 7 Agenda-setting scholarship represents a continuation of media effects research, and its prominence as a tradition reflets a disaffection with the limited effects model. In contrast, framing research originates from the sociological research of Goffman (1974) and the media sociology of Tuchman and Gitlin, both of whom focused on the ways in which frames informed news production and on the ideological implications of framing.

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mídia, trata-se do enquadramento sobre determinado assunto, que pode ser compreendido como a saliência e proeminência conferidas a determinados aspectos da realidade social narrada. “Os enquadramentos são constructos sociais, articulados pelo discurso”, sendo os frames “[...] frutos do jogo discursivo, que surgem na e pela cultura”. (DANTAS; VIMIEIRO, 2009, p. 5) Enquadramento é, pois, a essência, o cerne que se materializa discursivamente. Assim: Do mesmo modo que as rotinas de produção e os critérios de relevância em sua aplicação constante formam o quadro institucional e profissional dentro do qual a noticiabilidade dos eventos é percebida pelos jornalistas, a ênfase constante de certos temas, aspectos e problemas forma uma moldura interpretativa, um esquema de conhecimentos, um frame que se aplica (de maneira mais ou menos consciente) para dar sentido ao que observamos). (WOLF, 2003, p. 145 grifo do autor)

Metodologicamente, há inúmeras formas de se realizar uma análise de enquadramentos da mídia. Inclusive essa é uma das críticas feitas por Dantas e Vimieiro (2009) que afirmam que, justamente pela falta de uma sistematização teórico-metodológica, o desenho dos procedimentos de pesquisa acaba sendo uma decisão do pesquisador. Sendo assim, a definição metodológica vai de acordo com o objetivo e o problema de pesquisa de cada trabalho. A partir de tais afirmativas, esta análise segue o entendimento de enquadramento como a essência do conteúdo que se materializa discursivamente sendo necessário, segundo Dantas e Vimieiro (2009), analisar os dispositivos simbólicos e os princípios organizativos do texto para compreender os quadros. Stewart e colaboradores (2006) acreditam que a teoria do enquadramento possibilita traçar um caminho de análise que se atenta para os elementos discursivos presentes e ausentes, destacando de que forma as noções de seleção e relevância emergem a partir do enquadramento dado a uma questão. Determinando quais frames são dominantes em um texto noticioso em particular é possível fornecer uma avaliação sistemática do conteúdo exigido por esses e outros críticos. Frames, como impres-

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sões de poder, são centrais na produção de significados hegemônicos .8 (CARRAGE; ROEFS, 2004, p. 222, tradução nossa)

Considerando, por fim, que “[...] jornalistas enquadram temas, mas suas interpretações são formadas, em parte, por discursos externos a suas organizações midiáticas”9 (CARRAGEE; ROEFS, 2004, p. 219, tradução nossa), esta pesquisa buscará compreender como a mídia impressa baiana enquadra a violência envolvendo crianças e adolescentes e também como frames de sofrimento são utilizados para construir os efeitos de sentido da violência.

Hipóteses

Pesquisa de Njaine e Minayo (2002) investigou a construção discursiva de notícias sobre fugas e rebeliões de adolescentes em conflito com a lei, publicadas na imprensa escrita do Rio de Janeiro entre 1997 e 1998. O estudo chegou a algumas conclusões comuns a outras pesquisas: uma delas, a de que o espaço dedicado às notícias sobre os delitos cometidos pelos jovens é significativamente menor do que aquele dedicado à magnitude da violência cometida contra crianças e adolescentes. O trabalho verificou, ainda, que há pouca informação sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente no que se refere à infração juvenil e a medidas de prevenção, e que os crimes cometidos por adolescentes dos estratos sociais mais altos são sub-representados. Nessa linha, e lembrando que o Mapa da Violência tem demonstrado, ano a ano, que cresce o número de homicídios de pessoas com menos de 18 anos, a primeira hipótese deste trabalho pode ser assim delineada: Hipótese um: os jornais populares Massa! e Correio* conferem maior preponderância ao enquadramento da violência envolvendo crianças e adolescentes pelo frame da vitimização.

8 Determining which frames dominate particular news texts would provide the systematic assessment of content demanded by these and other critics. Frames, as imprints of power, are central to the production of hegemonic meanings. 9 Journalists frame issues, but their interpretations are shaped, in part, by discourses external to news organizations.

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O jornal popular é uma vitrine de fait divers10 (MOUILLAUD, 2002) e o tema da violência envolvendo crianças e adolescentes, seja como vítimas ou autores, é um atrativo considerável, pois comove, choca e revolta os leitores do jornal, levando-os a consumir o conteúdo da publicação. Assim, o uso de frames que remetem ao sentido do sofrimento de crianças e adolescentes, bem como suas famílias ou comunidade, pode se tornar uma estratégia discursiva adotada pela publicação para garantir seu espaço em um mercado em concorrência. Assim, a segunda hipótese de pesquisa é: Hipótese dois: os jornais populares Massa! e Correio* utilizam frames de sofrimento para enquadrar a violência envolvendo crianças e adolescentes como uma de suas estratégias discursivas.

Procedimentos Metodológicos

Metodologicamente, esta análise se insere entre os trabalhos voltados para o estudo dos enquadramentos da mídia (ou media frames), realizada a partir de uma análise de conteúdo, inicialmente, e posteriormente análise do enquadramento dado pelos jornais populares às notícias de violência envolvendo crianças e adolescentes, passando pela identificação e análise dos frames de sofrimento presentes em textos com enfoque sensacionalista. Foram analisados 71 textos jornalísticos, entre notas, notícias e reportagens, publicadas entre agosto de 2011 e janeiro de 2012, nos jornais baianos Massa! e Correio* e que tinham como enfoque temático a violência envolvendo crianças e adolescentes, seja como vítimas ou como autores.11 A seleção foi recortada de um corpus mais extenso composto por matérias de violência em geral utilizadas para a análise de mídia que gerou a publicação A construção da Violência na Televisão e em Jornais Impressos na Bahia. (FERREIRA 10 O fait divers é “[...] uma informação total, ou mais exatamente, imanente; ele contém em si todo seu saber: não é preciso conhecer nada do mundo para consumir um fait divers; ele não remete formalmente a nada além dele próprio; evidentemente, seu conteúdo não é estranho ao mundo: desastres, assassínios, raptos, agressões, acidentes, roubos, esquisitices, tudo isso remete ao homem, a sua história, a sua alienação, a seus fantasmas, a seus sonhos, a seus medos.” (BARTHES, 1970, p. 57-58) 11 Foram consideradas matérias que tratem de crianças e adolescentes em qualquer situação de violência – seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral.

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et al., 2012) A metodologia utilizada foi a da “semana construída” proposta por Kayser (1953), na qual uma semana completa de cada um dos seis meses (agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2011 e janeiro de 2012) foi clipada.12 Durante os seis meses de monitoramento de mídia realizado pela equipe do CCDC foram selecionadas 156 matérias sobre violência em geral publicadas pelo jornal Massa! e 113 pelo Correio*. Ou seja, de um corpus composto por 269 textos sobre violência, foram considerados 71 que versavam sobre violência cometida ou praticada por menores de 18 anos, sendo 37 do Correio* e 34 do Massa!. Mesmo sem envolvimento direto no fato, matérias que narravam, por exemplo, uma chacina que vitimou alguma criança ou adolescente ou quando um grupo de suspeitos é preso e entre eles está um adolescente também foram selecionadas. Foram excluídos os textos que narravam acidentes porque, embora considerados um tipo de violência contra a integridade física da criança, revelando inclusive frames de sofrimento, tais textos não foram clipados (selecionados) pela equipe de pesquisa do CCDC, não constando, portanto, no corpus geral. Também foram desconsideradas matérias sobre crianças e adolescentes de outras temáticas como saúde e educação e aquelas com menos de 300 caracteres, que representavam menos de 20% da amostra de notícias clipadas sobre violência envolvendo crianças e adolescentes em ambas as publicações. Com o objetivo de conhecer melhor o corpus e possibilitar algumas inferências, tais como a identificação da linha editorial de cada publicação a partir do enfoque conferido ao acontecimento, foi realizada uma classificação em categorias de análise seguindo metodologia da análise de conteúdo. Em linhas gerais, a análise de conteúdo configurou-se em quatro etapas: pré-análise, categorização, codificação/contagem dos itens e interpretação. A análise de conteúdo possibilitou construir um perfil geral das notícias a partir de quatro categorias: enfoque temático, evidenciando as formas de violência que ganham mais visibilidade; imagens, identificando a presença ou não de imagens como fotos ou infográficos; fontes, revelando quais as princi-

12 As semanas foram assim distribuídas: 22 a 26 de agosto; 5 a 9 de setembro; 10 a 14 de outubro; 14 a 18 de novembro; 26 a 30 de dezembro e 2 a 6 de janeiro.

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pais fontes de informação utilizadas pela publicação; e tipo de envolvimento da criança ou adolescente, ou seja, se eram vítimas ou autores dos casos de violência narrados. Os dados revelados pela análise de conteúdo evidenciaram as formas de enquadramento mais proeminentes em cada publicação, considerando que um mesmo acontecimento (por exemplo, a morte de uma criança por um disparo acidental feito por outra criança) pode ser apresentado ao leitor pelo viés do homicídio cometido pela criança que atirou ou como um acidente durante uma brincadeira, revelando, assim, as estratégias discursivas adotadas pela publicação para seduzir e fidelizar os leitores. Por fim, foram analisados os frames que remetem a sentidos de sofrimento, como dor, pena, tristeza, mágoa, aflição, tortura, privação, miséria, punição, considerados como dispositivos discursivos utilizados pelas publicações para comover e sensibilizar os leitores. A análise é feita a partir de um relato sistemático e da identificação dos quadros de significação formados pelo enquadramento da violência envolvendo crianças e adolescentes nas notícias do Massa! e do Correio*.

Análise

Os jornais Massa! e Correio* são jornais populares que vêm conquistando leitores que não tinham acesso nem hábito de leitura de publicações diárias e, para competir nesse mercado em expansão, buscam atrair seu público pelas temáticas e formas de abordagem e apresentação das notícias. Em linhas gerais, tanto Massa! quanto Correio* voltam-se aos temas relacionados ao cotidiano do seu público, com matérias sobre saúde, comportamento, mercado de trabalho, além de conteúdo de entretenimento como esporte e a vida das celebridades. Casos policiais, histórias curiosas e feitos extraordinários são, porém, os carros-chefes e têm espaço garantido nesses periódicos. Nos meses analisados, do total de textos selecionados e que versavam sobre violência em geral, 21,7% da cobertura do Massa! foi dedicada a narrativas de crimes envolvendo crianças ou adolescentes, enquanto que no Correio* esse percentual foi de 32,7%.

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Em praticamente todas as edições que compunham o corpus deste trabalho, foram identificadas notícias de violência cometida por ou contra crianças e adolescentes, revelando que o tema aparece com frequência, mesmo que de forma protocolar, ou seja, baseado na leitura de boletins de ocorrência e levando em conta critérios de noticiabilidade como a proximidade e interesse do assunto pelo leitor. Além disso, acontecimentos que envolvem crimes em que crianças e adolescentes são vítimas ou autores constituem-se em fait divers – notícias que se bastam em si, com narrações detalhadas do fato, mas sem apontar causas e consequências nem realizar uma ampla contextualização. Seguindo as tendências sobre violência cometida contra crianças e adolescentes apontadas pelo Mapa da Violência 2012 e pelo Disque Denúncia, a análise dos jornais impressos baianos Massa! e Correio* possibilitou identificar que ambas as publicações dedicaram a maior parte do seu noticiário sobre violência envolvendo pessoas de até 18 anos aos casos de homicídio. No Massa!, esse enfoque temático ocupou 55,88% da cobertura, enquanto que no Correio* o percentual foi de 41%. Conforme demonstram os Gráficos 1 e 2, os outros temas que tiveram espaço nas páginas das publicações analisadas foram as coberturas de ações policiais, chacinas, violência sexual, tráfico de drogas e roubos. Gráfico 1 – Enfoque temático – Jornal Massa!

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Gráfico 2 – Enfoque temático – Jornal Correio

A análise comprovou, também, que o espaço dedicado às narrativas de casos de violência praticada contra crianças e adolescentes, ou seja, quando são vítimas, é maior do que quando são autores de infração. Em 73% dos textos analisados, o enquadramento estava na situação de vitimização em que se encontrava a criança ou adolescente, ou seja, o enfoque principal da matéria era para casos de assassinatos, violência sexual ou maus-tratos sofridos. O Quadro 1 detalha o tipo de envolvimento nas narrativas de violência.13 Quadro 1 - Violência e tipo de envolvimento

Massa!

Correio*

Criança Vítima

9

14

Criança Autoria

1

1

Adolescente Vítima

15

15

Adolescente Autoria

9

9

13 O número de vítimas e autores pode ser maior que o número de matérias analisadas, pois em alguns textos foram identificadas mais de uma vítima ou autor.

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Tal constatação pode ser um indicativo da estratégia utilizada pelas publicações para atrair a atenção do leitor através da veiculação de acontecimentos com maior potencial de sensibilização, no caso, a violência praticada contra a criança ou adolescente. Como apresentado anteriormente, o principal enfoque temático das matérias de violência envolvendo crianças e adolescentes é o homicídio. E, embora a classificação realizada não tenha feito o cruzamento entre a quantidade de matérias que tratavam de homicídios e em quantas delas as crianças e adolescentes envolvidos eram vítimas ou autores, é possível inferir, a partir da leitura dos textos, que na maior parte das narrativas as crianças e adolescentes figuravam como vítimas de assassinatos. Quando estavam envolvidos como autores de infrações, eram em casos de tráfico, furtos e roubos. Outros aspectos analisados buscaram identificar algumas estratégias de enunciação das publicações, a partir das escolhas das fontes, presença ou não de imagens, bem como os tipos de violações de direitos cometidos pelo jornal ao publicar histórias de violência envolvendo crianças e adolescentes. A análise verificou que a maioria dos textos localizava-se na metade inferior da página e eram notícias curtas, sem fotos ou qualquer outro tipo de imagem como ilustração ou infográfico. Ao todo, 46,5% das matérias eram acompanhadas de fotografias e 53,5% não, enquanto que nenhum texto veiculou outro tipo de imagem que demanda maior elaboração, como um infográfico. O maior percentual de textos sem imagens foi encontrado no jornal Correio* (62,2%). Tal constatação, em que pese a dificuldade em se retratar, por meio de fotografias, alguns casos de violência envolvendo crianças e adolescentes, demonstra o grau de importância conferido à temática pelo jornal e o quanto as publicações ainda estão voltadas para uma cobertura protocolar da violência infantojuvenil. Em termos de fontes consultadas, a análise chegou a constatações já relatadas por outras pesquisas: a forte presença da polícia e de fontes oficiais em matérias sobre violência. Carragee e Roefs (2004) afirmam que, sobre a importância dos promotores de frames, ou seja, aqueles que, de fora das redações são capazes de direcionar o enquadramento que será dado ao fato, há que se considerar os recursos econômicos e políticos que as elites, por exemplo, dispõem para formar e promover os frames jornalísticos. “A centralização de

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coleta de notícias nas instituições e a tendência dos jornalistas concederem mais credibilidade às fontes oficiais que aos adversários aumenta a habilidade e o poder de influência do mundo simbólico do jornalismo”14. (GITLIN, 1980; RYAN, 1991 apud CARRAGEE; ROEFS, 2004, p. 220, tradução nossa) Tanto no Correio* quanto no Massa! a principal fonte das matérias estava ligada à polícia: 45,8% das matérias do Correio* e 44,1% dos textos do Massa! citavam informações e entrevistas de policiais e delegados. Em segundo lugar, vem a família das vítimas e suspeitos – 16,2% no Correio* e 17,6% no Massa!. Foi encontrada também uma grande quantidade de textos sem a explicitação da fonte (23,5% no Massa! e 16,2% no Correio*).

Enquadramento do sofrimento Trabalhos em diversos campos de conhecimento destacam que há uma tendência a exaltação do sofrimento nas notícias sobre violência. Pesquisa do sociólogo brasileiro Gláucio Ary Dillon Soares propõe que também são vítimas da violência aqueles que se atemorizam ao ler notícias de crime, sendo, portanto, uma vítima oculta na medida em que fica traumatizada com a violência. (SOARES; MIRANDA; BORGES, 2006 apud VAZ; RONY, 2011) Desse modo, “[...] notícias sobre crimes, atentados terroristas, acidentes, epidemias e catástrofes naturais serão a ocasião a partir da qual os indivíduos são incitados a ocupar a posição de vítima virtual”. (VAZ; RONY, p. 215) Em sua pesquisa sobre o enquadramento das narrativas sobre homicídios nos jornais impressos, Peelo (2006, p. 168-169) conclui que os jornais desenvolvem o papel de vítima de crimes graves convidando o leitor a estar ao lado das pessoas intimamente influenciados por um assassinato, identificando-se com suas emoções, ou seja, “[...] o leitor é convidado a ficar ao lado do ofendido e é encorajado a se sentir magoado”. E que esse convite ao leitor surge a partir das técnicas (ou estratégias) utilizadas na construção dos quadros da narrativa, o que o autor chama de testemunho mediado.

14 The centralization of news gathering at institutions and the tendency of reporters to grant more credibility to official sources than to challengers increase the ability of the powerful to influence journalism’s symbolic world.

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Na presente análise, foi possível avançar em tais conclusões e afirmar que não só a violência é narrada pela mídia impressa pelo enquadramento do sofrimento para convocar o leitor a se irmanar com a dor do outro, mas também, e em especial, a violência envolvendo crianças e adolescentes ganha pinceladas a mais de frames de sofrimento nos jornais populares como estratégia para seduzir, sensibilizar e até revoltar os leitores. Os resultados encontrados durante a análise do enquadramento do sofrimento em matérias de violência infantojuvenil nos jornais Massa! e Correio* possibilitaram comprovar a segunda hipótese deste trabalho, que afirma que os jornais com viés popular utilizam frames de sofrimento para enquadrar a violência envolvendo crianças e adolescentes como uma de suas estratégias discursivas. A análise dos textos demonstra que 51,3% das notícias e reportagens veiculadas pelo Correio* (19) e 55,8% do Massa! (19) recorreram a frames com efeitos de sentido de sofrimento como estratégia discursiva. Em praticamente todos os enunciados, foi identificado que a violência envolvendo menores de 18 anos estava enquadrada na vitimização, ou seja, salientar o sofrimento é uma estratégia enunciativa utilizada nas narrativas de casos de violência cometida contra meninos e meninas, seja violência física (maus-tratos, abandono, assassinato), seja violência sexual (abuso e exploração). Em apenas uma notícia sobre um adolescente autor de infração, publicada no Massa!, foi encontrado frame de sofrimento. Essa tendência também pode ser explicada pelo fato de que a maioria das narrativas em que o/a adolescente é autor da infração versa sobre crimes contra o patrimônio ou envolvimento com o tráfico de drogas, levando o enunciador a fazer um relato mais sucinto, muitas vezes apenas reproduzindo as informações que constam no boletim de ocorrência da polícia. De forma geral, as notícias e reportagens com os frames de sofrimento mais preponderantes, no Massa! e no Correio* são aquelas em que o enunciador narra o acontecimento detalhadamente, muitas vezes utilizando a figura de linguagem do eufemismo, como forma de abrandar a narrativa. Isto é, ao invés de afirmar, por exemplo, que a vítima “morreu com três tiros”, o jornal enuncia: “[...] o corpo da jovem foi encontrado com três perfurações de bala”. Outra estratégia frequente é a inserção, pelo enunciador, de entrevistas emotivas de familiares e pessoas da comunidade para reforçar o drama vivido

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pela vítima, como a exemplo do enunciado: “Ela também me bate, me deixa com lesões. Já queimou minhas mãos, já queimou a minha barriga” (Garoto denuncia mãe à polícia – Correio*, 06/09/11). As vítimas da violência são transformadas pela publicação em personagens da narrativa e tem seu perfil descrito em detalhes, dizendo o que estava fazendo no momento em que foi ferida ou assassinada, sua idade, sonhos para o futuro. Os jornais também exploram com frequência o relato detalhado da violência sofrida e exploram o sofrimento e a identidade das vítimas, o que constitui uma infração mesmo que a criança ou adolescente tenha morrido.15 Em alguns textos, principalmente nas notas menores, o sentido do sofrimento, da dor, da tristeza, da perda ou da revolta, é gerado pela divulgação da idade da vítima e quanto mais nova, maior a comoção provocada pelo enunciador já no título da matéria. A estratégia tem dupla função: primeiro, chamar a atenção do leitor e, depois, repassar o máximo de informações relevantes já no título por conta do pouco espaço disponível no jornal para o relato do caso. O Massa! apresentou, porém, um diferencial com relação ao seu concorrente. A publicação constrói narrativas que assumem o estilo da “verdade nua e crua”, com textos mais diretos e menos elaborados no sentido de estratégia enunciativa. O jornal utiliza mais frames que chocam e revoltam pelo sentido da frieza com que o fato é narrado do que pelo frame do sofrimento, em que o enunciador constrói um texto com mais detalhes, entrevistas e contextualização da vida da vítima, seus familiares, amigos e comunidade. Em alguns casos, como já afirmado, o frame do sofrimento está apenas no título da matéria, como nos exemplos que seguem: “Padrasto engravida enteada duas vezes” (Massa!, 08/09/11); “No colo do pai, criança é atingida de raspão por tiro” (Massa!, 16/11/11).

15 O Estatuto da Criança e do Adolescente é omisso sobre como a imprensa deve proceder no caso de identificar ou não vítimas de homicídios, no entanto, movimentos sociais de defesa dos direitos de crianças e adolescentes consideram que, ao identificar a vítima, outras pessoas da família, como irmãos também menores de idade, podem vir a sentir-se invadidos em sua intimidade ou sendo colocados em situação discriminatória ou vexatória.

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Quadro 2 - Citações que criam o Frame de sofrimento Massa!

Correio*

Uma vida interrompida aos 16 anos com nove tiros no rosto. Assim que soube do ocorrido, o pai da criança passou mal. Os alunos estavam cansados de apanhar e resolveram se vingar. Quero justiça. A adolescente engravidou duas vezes do padrasto. O menino se rendeu, mas os policiais continuaram atirando. Mãe tentou salvar a menina e levou um tiro na perna. Foram, pelo menos, 40 minutos de terror. Bando de homens armados que aterrorizou moradores de Portão. Estamos todos indignados. Vi minha filha morrendo na minha frente. Ainda admitiu à polícia que não era a primeira vez que havia violentado crianças. Estava com amigos comemorando a chegada de 2012 [...] quando foi baleado na cabeça. O menino morreu por nada. Eles continuam aterrorizando. Todo mundo aqui gostava dele. Você pode comprovar isso no enterro dele. Quem matou meu neto foram as drogas. A esperança de vida nova foi ceifada quando o menino morreu após ser baleado quando jogava futebol. Foi nesse momento que ele foi baleado na cabeça. Eu chorei e chamei minha mãe e meu pai. Desmaiou diversas vezes durante o sepultamento. O rapaz foi degolado por outro menor, de 16 anos. A família do pequeno [...] não suportou mais viver no Residencial. Se eu continuasse aqui, meu filho ainda estaria vivo. A única coisa que vai diminuir o meu sofrimento agora é conseguir um emprego. Ele chorou muito. Disse que foi uma fatalidade, que não sabia que o golpe iria atingir o pescoço, que não tinha a intenção de matar.

Enquanto brincavam, a arma acabou disparando. O pai passou mal ao saber e foi levado ao hospital. O corpo da jovem foi achado com três perfurações de bala. Obrigou a adolescente a entrar no carro. Estava trancado com os irmãos e não havia comida e nem leite para o bebê. Disse ter sofrido maus-tratos da mãe, inclusive queimaduras por água quente. Foi baleada no olho esquerdo, na janela de casa. A família de Dalila Santos já chorou ano passado por conta do tráfico. Quando olhei, ela estava sangrando. Encontradas trancadas em casa. Ao deixar as crianças em casa, a mãe as expôs a diversos riscos. Os 40 minutos de terror pareciam não ter fim para os moradores. Vários homens armados desceram de dois carros e começaram a atirar contra os moradores que estavam na praça. Em estado de choque, foi medicada. Abraçada à mãe, a irmã [...], de 11 anos, só sabia chorar. Caiu baleada no sofá. Foi um terror. Parentes e amigos das vítimas choravam as mortes na frente das casas. Sentada em uma cadeira e olhar perdido, ela mal conseguia expressar sua dor. Deus sabe o quanto estou sofrendo. É Dia das Crianças e eu encontro meu filho morto. Deve ter agonizado até morrer. A população aqui está vivendo encarcerada. Tem muita gente de bem vivendo no meio de monstros. O menino não foi sua primeira vítima. Foi morto por um jovem que era seu amigo de infância. A população está assustada com o toque de recolher. Moradores estão apreensivos e se trancando em casa com medo de outra chacina. Estão matando inocentes. No lugar dos murros e pontapés desferidos costumeiramente contra a adolescente, tiros. Atingida na cabeça e no braço esquerdo, a adolescente deixa um filho de um ano.

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Massa!

Correio* O pai das garotas foi encontrado transtornado dentro de casa. Aos poucos, se infiltrou nas casas que tinham crianças. Uma das crianças adoeceu. Não consigo ficar em casa. O número de crianças que sofreu abusos pode ser maior. Colega da neta biológica, que também era molestada. Um jovem de 16 anos foi abrigado a assistir a namorada, da mesma idade, ser estuprada. Ele botou a mão na cabeça, se ajoelhou, e mesmo assim a polícia matou. O rojão explodiu no rosto do menino que teve veias do pescoço atingidas. Os dois morreram de forma trágica, quando curtiam as férias brincando com os amigos. Ele queria ser pastor e agora não vai ser nada. Eu não consegui dormir, olhando para as coisas dele, as roupas, o videocassete. Ela dizia que não conseguia mover a perna de tanta dor.

Além dessa análise mais geral acerca do enquadramento da violência envolvendo crianças e adolescentes, dois casos levaram as publicações a realizar coberturas em que os frames com efeito de sentido de sofrimento ficaram mais evidentes. Um deles é a cobertura de uma chacina que vitimou dois adolescentes, ocorrida em Portão, no município de Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador, em outubro, e outro de um assassinato de uma criança vítima de bala perdida, em janeiro. Os casos renderam manchetes na primeira página, reportagens de página inteira, com fotos das vítimas, familiares e local do crime ao longo da semana em que a publicação foi monitorada pela pesquisa. Foi possível identificar que assuntos como assassinatos de crianças ou adolescentes gerados pela guerra do tráfico são recorrentes, fazendo com que as histórias ganhem repercussão e cada vez mais espaço nas páginas dos jornais, que dedicam tempo e estrutura da equipe para produzir reportagens com maior número de entrevistados e informações. No caso da chacina em Portão, ambos os jornais dedicaram espaço ao caso em praticamente todas as

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edições da semana analisada (9 a 15 de outubro), inclusive por ser a semana do Dia das Crianças e o crime ter acontecido no dia 10. A reportagem do Correio* sobre a chacina em Portão rendeu a manchete do dia e duas páginas internas compostas de textos, boxes, janelas e fotografias das vítimas e seus familiares. Os sentidos de pavor, revolta e sofrimento da família ficaram explícitos nas imagens, no enunciado e nas entrevistas: “em estado de choque”, “só sabia chorar”, “Deus sabe o quanto estou sofrendo. Mas nada disso vai trazer minha filha de volta”. A reportagem do Massa!, também com grande destaque na edição do dia 11 de outubro de 2011, tinha como título “Bonde do mal mata 3 em Portão” e trazia fotos de familiares, prostrados, chorando e se abraçando, em uma superexposição das outras vítimas do assassinato, as vítimas que permanecem vivas tendo que lidar com o trauma. Os fatos mais trágicos, como a forma como a menina foi atingida pelos tiros, correu para a casa da tia, sangrando, e disse que havia levado um tiro, são narrados pelos familiares, o que pode ser interpretado como outra estratégia enunciativa para, como afirma Peelo (2006), convidar o leitor a se solidarizar com os mais diretamente envolvidos com a violência. O outro caso, o assassinato de um menino de sete anos que brincava em frente ao novo apartamento da família, por uma bala perdida, também foi construído discursivamente por ambas as publicações de forma romanceada, com toda a configuração de um mise-en-scène, de uma encenação para contar, em detalhes, ao leitor, como uma família que havia acabado de se mudar para um apartamento do programa “Minha Casa Minha Vida”, havia perdido um filho em um ato de violência praticado por homens que entraram no condomínio em alta velocidade e atirando. O Massa! destacou, não só na matéria do dia 4 de janeiro de 2011, mas nos dias seguintes, a tristeza da família por ver o sonho de uma nova vida em uma nova casa terminar de maneira trágica: “A esperança de vida nova foi ceifada quando o menino morreu após ser baleado quando jogava futebol”; “Foi nesse momento que ele foi baleado na cabeça”; “Eu chorei e chamei minha mãe e meu pai”. O Correio*, na mesma linha, ilustra a matéria com a foto da mãe do menino segurando uma foto do filho e olhando diretamente para o leitor. E destaca, em forma de janela, a fala da mãe: “Era o nosso sonho, que acabou virando pesadelo”; “Ele queria ser pastor e agora não vai ser nada”.

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C o n s i d e r a ç õ e s Fi n ai s

As notícias e reportagens sobre violência envolvendo crianças e adolescentes, veiculadas pelos jornais Massa! e Correio*, entre agosto de 2011 e janeiro de 2012, enquadram a violência pelo quadro da vitimização e evidenciam frames de sofrimento como estratégias discursivas para seduzir e fidelizar seus leitores, que se tornam também vítimas virtuais da violência testemunhada nas narrativas das publicações. A análise dos textos possibilita concluir que, embora a incidência de matérias sobre violência envolvendo crianças e adolescentes tenha sido maior no Correio*, ou seja, foi o jornal que mais publicou sobre a temática, isso não quer dizer que a publicação tenha maior compromisso com a temática. Como afirmado, o Correio* possui a editoria 24hs, onde são divulgadas pequenas notícias, quase todas em formatos de notas, com relatos de casos de violência, muitas vezes meras cópias de boletins de ocorrência da polícia, até mesmo sem indicação explícita de fonte. Esse menor comprometimento também ficou evidente na quantidade de textos que eram acompanhados de fotografias. No Massa!, a maioria das matérias era ilustrada. Nesse sentido, se a proposta do trabalho fosse fazer uma análise discursiva enfocando os aspectos qualitativos dos textos, muito provavelmente esse seria um diferencial. Outra constatação da pesquisa é que, apesar do Massa! ser comumente visto como um jornal mais violento ou sensacionalista, essa impressão se deve, conforme foi possível identificar na análise, às estratégias discursivas utilizadas e modo de enquadrar a violência. O jornal tende a narrar os fatos de maneira mais fria e menos contextualizada que o concorrente, utilizando menos familiares ou comunidade como fontes de informação e mais a polícia ou os boletins de ocorrência, o que leva a um texto mais protocolar e sintético, gerando um efeito de sentido da narrativa “nua e crua”. Tal evidência pode ser percebida também na diferença entre a quantidade de enunciados que criam efeitos de sentido de sofrimento identificados nas duas publicações: no Correio*, tais enunciados que levam ao enquadramento no sofrimento foram mais recorrentes.

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Por fim, ao construir sentidos de sofrimento por meio do enquadramento conferido à violência envolvendo crianças e adolescentes, os jornais populares reforçam o temor da população, tornando-as, também, vítimas da violência.

R e f e r ê n c ia s AMARAL, Márcia Franz. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006. BARTHES, Roland. Crítica e verdade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970. BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Relatório disque direitos humanos: módulo criança e adolescente. Brasília, DF, 2011. Disponível em: . Acesso em: 27 jul. 12. CARRAGEE, Kevin M.; ROEFS, Wim. The Neglect of Power in Recent Framing Research. Journal of Communication, v. 54, n. 2, p. 214-233, 2004. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. Tradução de Angela S. M. Corrêa. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2010. CORDEIRO, Tânia; SAMPEDRO, Victor. Violência e mídia: uma questão de responsabilidade social. Salvador: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 2001. p. 17-22. (Bahia Análise e Dados, v. 1) DANTAS, M.; VIMIEIRO, A. C. Entre o explícito e o implícito: proposta para a análise de enquadramento da mídia. Lumina, Juiz de For a, v. 3, n. 2, p. 1-16, 2009. ENTMAN, Robert M. Framing. Toward clarification of a fractured paradigm. Journal of Communication, v. 43, n. 4, p. 51-58, 1993. FERREIRA, Giovandro Marcus et al. A construção da violência na televisão da Bahia: um estudo dos programas Se Liga Bocão e Na Mira. Salvador: UFBA, 2011. ________. A construção da violência na televisão e em jornais impressos na Bahia. Salvador (BA), 2012. 1 CD-Room.

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FERREIRA, Giovandro Marcus et al. Contribuições da análise de discurso ao estudo do jornalismo. In: FRANÇA, Vera Regina et al. Livro da XI Compós 2002: estudos de comunicação. Porto Alegre: Sulinas, 2003. GOFFMAN, E. Frame analysis: an essay on the organization of experience. Boston: Northeastern University Press, 1974. GREEN, D. A. Suitable vehicles: Framing blame and justice when children kill a child. Crime Media Culture, v. 4, n. 2, p. 197-220, 2008. KAYSER, Jacques. Une semaine dans Le Monde: ètude compare de 17 grands quotidiens pendant 7 jours. Paris: Unesco, 1953. MOUILLAUD, M.; PORTO, S. D. O jornal: da forma ao sentido. Tradução de Sérgio Grossi Porto. 2. ed. Brasília, DF: UnB, 2002. (Série Comunicação). NJAINE, K.; MINAYO, M.C.S. Análise do discurso da imprensa sobre rebeliões de jovens infratores em regime de privação de liberdade. Rio de Janeiro. Ciência & Saúde Coletiva, v. 7, n. 2, p. 285-291, 2002. PEELO, Moira. Framing homicide narratives in newspapers: Mediated witness and the construction of virtual victimhood. Crime Media Culture, v. 2, n. 2, p. 159-175, 2006. STEWART, Concetta M. et al. Framing the digital divide: a comparison of US and EU policy approaches. New Media & Society, v. 8, n. 5, p. 731-751, 2006. VAZ, Paulo; RONY, Gaelle. Políticas do sofrimento e as narrativas midiáticas de catástrofes naturais. Revista Famecos: mídia, cultura e tecnologia. Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 212-234, jan./abr., 2011. WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2012: crianças e adolescentes do Brasil. Rio de Janeiro, 2012. WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. Tradução de Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Leitura e Crítica).

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A cobertura de meio ambiente pela Globo News Análise do Jornal das Dez e do Cidades e Soluções Leila Nogueira

Introdução

No ano em que os olhos dos principais chefes de Estado se voltam para o Brasil por causa da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20),1 mais especificamente para o Rio de Janeiro, cidade sede do evento e das Organizações Globo – maior conglomerado de mídia em língua portuguesa do mundo2 –, torna-se importante perceber a dinâmica 1 Ver http://www.rio20.gov.br/. 2 As Organizações Globo têm alcance internacional, estando presentes em 115 países, distribuídos por todos os continentes. Em 1997, por exemplo, alcançaram um faturamento de US$ 6,8 bilhões. Freitas (1999).



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da cobertura sobre o meio ambiente realizada pelo canal fechado de notícias do grupo carioca: a Globo News3 (GNews). Isto porque os assuntos que se destacam como mais atuais são abordados ao longo da programação com tratamento jornalístico mais aprofundado do que na TV aberta. Embora se trate de uma TV por assinatura, este estudo interessou-se apenas pelo material audiovisual disponível sem custo nas páginas web de dois dos programas da emissora paga: o Jornal das Dez (J10), exibido na televisão (canal 40 da SKY) todas as noites, inclusive aos domingos, e reprisado às 2h05; e o Cidade e Soluções (CeS), exibido na GNews, todas às quartas-feiras, às 23h30 e reprisado aos sábados, às 5h30; aos domingos, às 21h30; às segundas-feiras, às 3h05, 8h30 e 16h30 e às quintas-feiras, às 12h30. O J10 é considerado o “principal telejornal diário da Globo News” e tem como característica “discutir o principal fato do dia com o principal personagem” (2006, p. 224) nas palavras de Vera Íris Paternostro, organizadora do livro que recupera dez anos de história do canal inaugurado em 15 de outubro de 1996. Em maio de 2012, a jornalista Mariana Godoy substituiu André Trigueiro na apresentação do telejornal que tem uma hora de duração (exceto aos domingos, quando dura 30 minutos). O CeS passou a ser exibido pela GNews em outubro de 2006. Pauta-se em iniciativas que deram certo na busca pela sustentabilidade e “[...] podem ser replicadas num país onde 80% da população vive em cidades”.4 O programa tem como editor-chefe o jornalista e professor, André Trigueiro, premiado diversas vezes pelo trabalho voltado às questões do meio ambiente e da sustentabilidade.

Procedimentos metodológicos e abordagem teórica

A análise foi subdividida em duas etapas para cada produto. Num primeiro momento, contabilizou-se o total de vídeos recuperados na busca através da palavra-chave “meio ambiente” nas páginas web dos programas. O material 3 O veículo se apresenta como o primeiro canal de jornalismo 24 horas do Brasil . 4 Página do programa no site do Canal Futura.

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resgatado foi submetido ao recorte temporal, uma vez que fariam parte da amostra apenas os clipes com datas entre janeiro e julho de 2012. A página do J10 apresentou, inicialmente, 101 vídeos como resultado da pesquisa. Porém, posteriormente, ficou claro que dois deles não tinham relação direta com a temática escolhida, o que fez com que o total do J10 caísse para 99 nesta fase preliminar. No caso do CeS, a busca trouxe 35 vídeos vinculados à palavra-chave “meio ambiente”. Entretanto, só 18 deles encaixaram-se no recorte temporal estabelecido. E três foram eliminados porque eram repetições. Como a equipe do programa criou um quadro chamado “Sua Cidade... sua solução!”, que incentiva quem assiste a enviar vídeos mostrando iniciativas simples e criativas que foram bem sucedidas nos diversos municípios brasileiros, optou-se por incluir também este material na amostra e o total do CeS ficou em 16 clipes. Em seguida, tudo foi separado por mês de exibição e constatou-se uma discrepância entre os meses de janeiro e junho. Em janeiro, não foi encontrado nenhum vídeo em nenhum dos programas.5 Enquanto, em junho – mês da Rio +20 – só o J10 exibiu 65 produções sobre o tema, mais da metade do total de vídeos encontrados nas duas buscas. Para não gerar distorções no resultado da observação, adotou-se como técnica a eliminação dos extremos. Foram retirados, então, os meses de janeiro e junho por sua atipicidade. O corpus submetido ao exame de conteúdo foi: 34 vídeos do J10, que correspondem a 2h06’24”, e 13 do CeS, equivalendo 3h03’30”, num total de 47 clipes ou 5h09’54”. Neste ponto, é possível perceber que, embora o J10 tenha exibido uma quantidade maior de matérias, o tempo total dedicado ao meio ambiente foi maior no CeS, que, por ser semanal, pode investir em reportagens mais longas. Pretendeu-se, aqui, identificar como as questões sobre o meio ambiente estão sendo tratadas nas coberturas diária e semanal de um canal fechado de jornalismo, que pertence a uma organização hegemônica, no ano em que o Brasil se transforma em sede de mais uma conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável. 5 O blog do Cidades e Soluções informava que os meses de janeiro e fevereiro de 2012 seriam dedicados a reprises de 2011. Isto impediu o material desse período de integrar a amostra, que privilegiou as matérias exibidas de forma inédita em 2012. Ver http://goo.gl/jFtYs.

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A intenção era perceber, principalmente, como se estabelece a relação entre o padrão interpretativo de conscientização ambiental e o de penalização (ou impunidade) que subjaz nas notícias em geral sobre a destruição dos recursos naturais, a partir do material audiovisual disponibilizado nas páginas que cada programa mantém no portal G1.6 Para isso, aplicou-se a perspectiva teórica do framing (ou enquadramento), nos termos descritos por Robert Entman (1993), e outros autores como Bizer, Larsen e Petty (2011), Green (2008), Meade (2008) e Lawrence (2004). Na elaboração de Entman (1993, p. 51-52), Seja qual for o seu uso específico, o conceito de enquadramento oferece consistentemente uma maneira de descrever a força de um texto comunicativo. A análise dos frames ilumina o caminho preciso em que a influência sobre a consciência humana é exercida pela transferência (ou comunicação) de informações de um local – como um discurso, palavra, notícia, ou romance – para aquela consciência.

Com o objetivo de orientar o estudo, foram formuladas as seguintes hipóteses: 1) em ano de Rio + 20, a GNews realizou, através dos programas jornalísticos J10 e CeS, uma cobertura da temática ambiental polarizada entre os frames “preservação” e “degradação” no período de janeiro a julho de 2012; 2) O viés de degradação aparece mais ao longo da cobertura diária (J10) do que no CeS, que aposta no caráter educativo de suas pautas, concentrando-se nos temas voltados à preservação.

O framing na Globo News

As contribuições de Entman (1993, p. 53, tradução nossa) para a teoria do enquadramento começam com a definição do fenômeno como algo que envolve essencialmente “seleção” e “saliência”. O pesquisador define saliência como sendo o ato de “[...] tornar um pedaço de informação mais noticiável, mais significativo ou memorável para as audiências”. Para ele, enquadrar é 6 Jornal das Dez e Cidades e Soluções .

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selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e torná-los mais salientes num texto comunicativo de tal maneira que promova a definição de um problema particular, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento. Ele recorre ao exemplo da guerra fria para mostrar que os frames (ou quadros) podem ter, no mínimo, quatro locais no processo de comunicação: o comunicador; o texto; o receptor;7 e a cultura. O comunicador faz, consciente ou inconscientemente, enquadramentos valorativos ao decidir o que dizer, guiado por frames, frequentemente chamados de esquemas (ENTMAN, 1993, p. 52), que organizam seu sistema de crenças. O texto contém frames que são manifestados pela presença ou ausência de certas palavras-chave, frases de estoque, imagens estereotipadas, fontes de informação que oferecem o reforço temático de um conjunto de fatos ou julgamentos. Essas molduras, que guiam os pensamentos ou conclusões do receptor, podem refletir ou não os quadros presentes no texto e a intenção de enquadramento do comunicador. A cultura é o estoque de quadros comumente invocados. Para Entman, a cultura deve ser definida como o conjunto empiricamente demonstrável de molduras comumente exibidas no discurso e no pensamento da maioria das pessoas num grupo social. Este raciocínio pode ser aplicado aqui quando se observa, principalmente nas duas últimas décadas, o desenvolvimento de uma cultura socioambiental responsável pela emergência de uma espécie de inconsciente coletivo, que chega a promover mudanças nos hábitos diários de comunidades inteiras e gera núcleos de poder vinculados à criação de políticas públicas para o setor emergente. Ao abordar as especificidades do enquadramento em matérias políticas, Entman (1993, p. 55, tradução nossa) defende que o framing desenvolve um importante papel no exercício do poder político, e o frame num texto noticioso é realmente a “impressão do poder”, pois “registra a identidade dos atores ou os interesses que competiram para dominar o texto”. Outros estudos associam o framing à teoria do agendamento (ou Agenda-setting). McCombs, num trabalho realizado em 2005, a convite da re-

7 Por decisão metodológica relacionada a aspectos estruturais e temporais, a recepção não será examinada aqui.

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vista Journalism Studies, faz essa relação ao apresentar sua proposição teórica subdividida em dois níveis: o primeiro é o que define os temas mais importantes do dia, aqueles sobre os quais as pessoas vão comentar (Agenda-setting tradicional). O segundo nível é o que oferece o enquadramento (ou framing), uma espécie de viés ou moldura através da qual esses temas devem ser vistos (Agenda de Atributos). Tanto os efeitos da Agenda-Setting tradicional quanto os efeitos da Agenda-Setting de atributos envolvem a transferência de saliência. A proposição principal para esses dois estágios, às vezes chamados de primeiro e segundo níveis de definição da agenda, é que os elementos proeminentes na agenda da mídia se tornam proeminentes ao longo do tempo na agenda pública. A mídia não só pode ser bem sucedida em nos dizer o que pensar, mas ela também pode ser bem sucedida em nos dizer como pensar sobre isso. (MCCOMBS, 2005, p. 546)

No caso dos programas da GNews, depois de se proceder à análise no corpus selecionado para este estudo, verificou-se que a saliência dos temas Rio +20, Código Florestal, Poluição, Reciclagem, Lixo, Energia e Sustentabilidade projetou-os como problemas sociais.8 As notícias revelaram claramente duas inclinações interpretativas. Uma delas diagnosticava o problema da degradação, e a outra apontava que a solução era preservar. Um percurso semelhante ao que trilhou Green (2008), quando analisou comparativamente dois casos de homicídios envolvendo crianças – um na Noruega, outro na Inglaterra – e demonstrou os diferentes enquadramentos possíveis (condenatório, no caso britânico e reintegrador, no caso norueguês) a partir das construções socioculturais da infância em cada país. A intenção desta análise comparativa da mídia foi perceber o tom da época, o sentimento cultural prevalecente, especificamente em relação aos dois atos particulares de homicídio e expor os delimitados limites discursivos 8 A noção de “problemas sociais”, neste contexto, é a mesma adotada por Pereira (2011) que para estudar o direito dos animais em Porto Alegre “se baseia no conceito de master frames – ou macro marcos interpretativos – (BENFORD; SNOW, 1992), aliado aos conceitos de cultura política e de mentalidades sociais, utilizados por Tarrow (1992, p. 8) na reflexão sobre marcos interpretativos da ação coletiva.” Cf. PEREIRA (2011).

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impostos aos debates desencadeados pelos dois assassinatos de crianças por crianças. De acordo com o autor, a cobertura doméstica britânica apresentou o caso de James Bulger com um tom alarmante de profundo declínio moral na Inglaterra, que só pensou em adotar estratégias remoralizantes. Já a cobertura do caso norueguês de Silje Redergard foi construída como um trágico desvio (GREEN, 2008, p. 197), requerendo intervenção especializada para facilitar a rápida reintegração dos garotos responsáveis. Outro aspecto notado foi que, como a cobertura da imprensa sugeriu, o caso Bulger dizia respeito a um sequestro seguido de um assassinato brutal e intencional. Na imprensa norueguesa, o caso Redergard foi considerado como “a morte de um inocente por inocentes” (GREEN, 2008, p. 202). Assim, o frame “justiça criminal” foi o utilizado para enquadrar o caso Bulger mais do que o frame “bem-estar da criança”, aplicado ao caso norueguês. De forma análoga, a análise dos referidos produtos audiovisuais brasileiros revelou uma aposta maior no frame “consciência ambiental” a partir de construções como “depende de nós”9 – o que conduz, inclusive, a uma noção de pertencimento a um grupo, que unido pelos mesmos ideais pode fazer a diferença – do que um investimento nas pautas de “crimes contra a natureza” que trazem consigo um viés de culpabilidade e necessidade de punição (Gráficos 1 e 2). Os frames identificados permitiram a criação das categorias “preservação” ou “degradação”, mas o material analisado demandou ainda uma categoria intermediária, que foi a “regulamentação”, pois as questões relacionadas ao Código Florestal e à Rio +20, por exemplo, frequentemente, envolviam o duplo viés de elaboração de regras de conservação a partir da visão do que já havia sido extensivamente destruído. No programa CeS, dos 13 vídeos analisados, nove se encaixaram na categoria preservação, enquanto dois foram classificados como regulamentação e outros dois como degradação. Em termos de tempo dedicado a cada cate-

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No CeS do dia 8 de março de 2012, sobre a chamada “maquiagem verde” – produtos que se apresentam como ecologicamente corretos só para vender mais –, André Trigueiro fez o seguinte encerramento: “A maquiagem verde só existe e ganha força onde os consumidores não exigem transparência e honestidade dos fabricantes. Depende de nós”.

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goria, os resultados foram: 2h15’57’’ de matérias com abordagem voltada à preservação, equivalendo a 74,09% (ver Gráfico 1); 9’50’’ foram destinados à regulamentação (5,36%) e 37’43’’ focaram na degradação (20,55%). Os dados relacionados ao J10, por sua vez, evidenciaram uma polarização da cobertura entre duas das categorias identificadas. Entretanto, ao contrário do que previa a hipótese um, o tensionamento não se dá entre preservação e degradação, mas entre preservação e regulamentação (ver Gráfico 2). Foram 13 matérias de preservação, com 56’38’’, correspondendo a 44,80% do material audiovisual disponível na página web do J10, no período escolhido; nove clipes foram classificados como regulamentação, com 51’01’’ ou 40,37% e 11 eram de degradação, com 18’45’’ ou 14,83%. O tratamento da questão ambiental na GNews também guarda similaridades com a maneira como a obesidade foi tratada nos Estados Unidos. De acordo com Lawrence (2004), pesquisas anteriores mostraram que as questões de saúde pública se tornaram passíveis de soluções políticas amplas, quando esses problemas foram reenquadrados em termos sistêmicos – especificamente em termos de “risco involuntário”, “risco universal”, “risco ambiental” e “risco criado deliberadamente”. A pesquisadora apreciou o enquadramento da obesidade na cobertura noticiosa para determinar se a temática estava sendo reenquadrada nesses termos. Para Lawrence, os dados sugerem um forte quadro de disputa em marcha entre os argumentos que enfatizam a responsabilidade pessoal em relação à saúde (individualizantes) e os argumentos que enfatizam o ambiente social, incluindo as políticas públicas e corporativas (sistêmicos). O objetivo do estudo era avaliar o grau no qual o discurso público tinha enquadrado a obesidade de forma a propiciar uma resposta correspondente em termos de políticas públicas. A análise descreve as formas competitivas nas quais a obesidade tinha sido enquadrada e mapeia a evolução da questão da obesidade nas notícias desde 1985, um marco inicial importante, pois foi o ano em que um painel do Instituto Nacional da Saúde determinou, pela primeira vez, que a obesidade era a maior ameaça à saúde pública. Depois, o ano de 1990 ofereceu o marco intermediário conveniente entre 1985 e 1996, quando o Centro Nacional de Estatísticas da Saúde relatou pela primeira

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Gráfico 1 – % por categoria Ces

Fonte: elaboração da autora.

Gráfico 2 – % por categoria J10

Fonte: elaboração da autora.

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vez que as pessoas com sobrepeso ultrapassaram os outros norte-americanos e quando os artigos do New York Times focaram no aumento da obesidade, pela primeira vez, em 50% mais que no ano anterior. (LAWRENCE, 2004, p. 60, tradução nossa)

Os anos 2000 e 2002 foram importantes pontos de escalonamento comparativo de “antes e depois” em relação a 2001, período durante o qual as primeiras ações judiciais responsabilizando a indústria do Fast Food pelo problema da obesidade foram arquivadas e o Times abordou, pela primeira vez, os esforços dos defensores da saúde para limitar a presença de “junk foods” nas escolas públicas. Finalmente, os dados de 2003 oferecem um panorama de como o discurso recente sobre a obesidade se desenvolveu. Para a abordagem das questões ambientais no Brasil, o marco fundamental foi a realização da Rio 92, que ficou conhecida como a conferência mais importante da história, pois reuniu o maior número de chefes de estado na chamada “Cúpula da Terra”10 e contou com significativa participação da sociedade civil. (MILHORANCE, 2012; ENTENDA A RIO-92, 2007; ENTENDA A RIO +20, 2012) Depois de muitas discussões, conseguiu consolidar uma agenda global para o meio ambiente e serviu de base para a Rio +20 produzir o documento O Futuro que Queremos (UN, 2012) Desde então, fala-se com mais propriedade sobre desenvolvimento sustentável em terras brasileiras e percebe-se uma atmosfera positiva quando vem à baila qualquer aspecto que remeta à consciência ambiental. Como aconteceu com a obesidade pesquisada por Lawrence (2004), a questão ambiental também parece ter sofrido um reenquadramento. Deixou de ter como foco a “culpabilidade de alguns” para trazer ao centro uma metanarrativa onde a “responsabilidade é de todos”. Lawrence (2004) argumenta que quem é culpado e responsabilizado no debate público sobre esta questão pode ser analisado a partir de dois tipos de moldura: uma individualizante (que atribui ao indivíduo a responsabilidade pelos aspectos relacionados a sua própria saúde) e outra sistêmica (que numa perspectiva mais ampla envolve a sociedade como um todo no problema, ou seja, o governo, as empresas e as grandes forças sociais). E ela traz o exem10 .

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plo da campanha antifumo que ganhou muita força quando reenquadrou seu discurso a partir da descoberta de que os fumantes passivos também poderiam ter sua saúde comprometida de maneira involuntária. Ou seja, já não era mais só uma questão de escolha pessoal, tratava-se de um mal que poderia atingir qualquer um e, portanto, teria que ser regulado pelo estado. A outra descoberta chave, neste contexto, foi a de que o fumo era fortemente viciante. Isto também permitiu um reenquadramento da questão no debate público, pois, se a indústria investia agressivamente na venda de produtos que poderiam provocar tamanho grau de dependência, isso deveria ser objeto de preocupação e escrutínio da sociedade. Da mesma forma, Lawrence (2004) propõe que, para os defensores da saúde terem sucesso ao defenderem mudanças nas questões que envolvem a obesidade nos Estados Unidos, precisam reenquadrar este assunto como um problema sistêmico, ou seja, como um risco que os indivíduos não assumem de forma totalmente voluntária, um risco que emerge do ambiente em si e que ameaça todo mundo e, talvez até, um risco que esteja sendo deliberadamente criado por outros. Os aspectos relacionados acima se aplicam de igual forma à problemática do meio ambiente. O abandono da moldura individualizante para a adoção da moldura sistêmica – que neste caso não coloca em risco só a população de um país, mas atinge uma proporção global – é um movimento não evidenciado por esta análise, que se preocupou apenas com alguns meses de 2012, quando o novo quadro sistêmico já estava configurado. Contudo, trabalhos que levem em conta períodos anteriores ao início da década de 1990 podem contribuir para esclarecer como ocorreu a mudança de enquadramento.

C o n s i d e r a ç õ e s Fi n ai s

Embora – como destaca Entman (1993, p. 53) a partir do exame de diversos outros estudos – a presença dos quadros (ou molduras) no texto não garanta necessariamente uma influência direta no pensamento da audiência, também é difícil negar que o comportamento dos brasileiros em relação às questões

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ambientais tenha mudado ao longo dos últimos vinte anos. E foram muitos os fatores que contribuíram para isso.11 Os produtos jornalísticos da GNews analisados neste artigo, assim como as produções noticiosas, de maneira geral, constroem a realidade social e são por ela construídos. Dessa forma, a constatação a que se chega a partir dos resultados aqui apresentados é que, no ano em que o Brasil sediou mais uma Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20), o canal fechado de jornalismo da Rede Globo, organização hegemônica com sede no Rio de Janeiro, realizou – através do J10 e do CeS – uma cobertura da temática ambiental prioritariamente voltada ao enfoque de preservação, que foi responsável por 62,14% da amostra (Gráfico 3). Gráfico 3 - % Geral por Categoria

Fonte: elaboração da autora.

11 Como resultado de proposta da rio 92, o decreto presidencial de 5 de junho de 2003, instituiu a Conferência nacional do Meio ambiente (CnMa), durante a gestão da ministra Marina silva, com o convite “vamos Cuidar do Brasil”. além disso, a própria criação do Ministério do Meio ambiente (MMa) data de novembro de 1992, conforme a apresentação de sua página inicial .

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Apesar de ter havido uma polarização de molduras, isto ocorreu somente no J10 e entre as categorias preservação e regulamentação (Gráfico 2), não entre preservação e degradação como havia sido previsto, o que permitiu uma confirmação apenas parcial da hipótese um. A segunda hipótese também foi confirmada em parte,12 só no que se refere ao fato do CeS privilegiar o caráter educativo, concentrando-se nas pautas voltadas à preservação. Este aspecto, aliás, é um dos mais significativos diante dos resultados alcançados. O percentual dedicado à preservação foi sempre o maior se comparado com as demais categorias. Seja quando se considera isoladamente o CeS (74,09%), quando se examina o J10 sozinho (44,80%) ou quando se leva em conta o somatório geral dos dois programas (62,14%), os percentuais de preservação são os mais altos. O interessante é notar que há uma aposta do canal numa cobertura mais positiva do que negativa das questões ambientais. O frame sistêmico “consciência ambiental” está mais presente do que o frame individualizante “crimes contra a natureza”. Ou seja, enquanto o quadro individualizante culpava os indivíduos pela destruição dos recursos naturais da Terra (enquadramento negativo que remete ao passado), a nova moldura aposta no futuro e no viés positivo da possibilidade de salvar o planeta agindo coletivamente. Por outro lado, isto remete a estudos anteriores sobre a chamada valência do framing. Bizer, Larsen e Petty (2011) concluíram que os efeitos da valência de enquadramento nas intenções de comportamento foram mediados pelo impacto do framing na certeza de atitude. As pessoas estavam mais seguras quando induzidas a pensar em suas preferências como “de oposição” em vez de “de apoio”, e essa segurança reforçada era responsável pelo fato de que as atitudes enquadradas negativamente levaram a intenções comportamentais coerentes com as atitudes. De maneira semelhante é plausível afirmar que se a cobertura da GNews induz o público a pensar que “se opõe a destruir”, agir de forma coerente com este pensamento seria desenvolver atitudes de preservação. Mas, a confirmação disso é tarefa para futuras pesquisas do campo.

12 Nos aspectos que se relacionam à degradação, constatou-se que o percentual maior foi exibido pelo programa semanal (20,55%) e não pelo J10, que registrou 14,83% (Gráficos 1 e 2).

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Apesar da recepção não ter sido contemplada neste artigo pelas razões já explicadas, reconhece-se a importância deste ponto de vista para a ampliação dos resultados e acredita-se que por ser um caminho enriquecedor vai certamente despertar o interesse de outros pesquisadores. Por fim, a colocação das questões ambientais como problemas sociais, neste caso, se deu a partir da decisão de investir mais tempo em dar a conhecer ações concretas de preservação do meio ambiente do que em apenas noticiar seguidamente o quanto já foi devastado. O framing, como amplamente demonstrado em pesquisas anteriores (ENTMAN, 1993, p. 54), tem o poder de determinar se a maioria das pessoas percebe, como elas compreendem e se lembram de um problema e, ainda, como o avaliam e decidem agir a respeito dele. Pelo que mostrou esta investigação, a cobertura de meio ambiente na GNews inaugura – a partir de um conjunto de enquadramentos estreitamente interligado – uma espécie de “jornalismo de resultados”, voltado para as ideias que saíram do papel e se tornaram úteis numa comunidade qualquer, talvez com a intenção de formar um repertório criativo de iniciativas que funcionam. Há também as pautas sobre a destruição dos recursos naturais, mas não é sobre elas que repousa a saliência do texto comunicativo neste caso. A ênfase parece ter migrado do problema (degradação), e da culpa subjacente, para a forma de resolvê-lo (preservação e regulamentação). E as ações em curso nas reportagens “verdes” são, frequentemente, consequências de atitudes coletivas (de artistas, ONGs etc.) ou das proposições do estado a partir das demandas sociais (regulamentações, decretos etc.). As explicações para a implementação desse tipo de enquadramento talvez estejam gravadas no DNA da própria GNews, que – como produto das Organizações Globo – está vinculada à Fundação Roberto Marinho,13 criada em 1977 pelo jornalista Roberto Marinho com a missão de “Mobilizar pessoas e comunidades, por meio da comunicação, de redes sociais e parcerias, em torno de iniciativas educacionais que contribuam para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira.” É útil destacar, ainda, que além do 13 Disponível em: .

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meio ambiente ser uma de suas áreas de atuação, todos os projetos ali “têm a educação como premissa e objetivo”. O viés de “consciência ambiental” nos produtos jornalísticos estudados surge, portanto, como um braço a serviço desta missão educativa implementada pela Globo. (FRM, [2009]) O Globo Ecologia, primeiro programa da televisão brasileira totalmente dedicado ao tema, está no ar há vinte anos e desde 2010 faz parte do Globo Cidadania, faixa especial de programação da emissora exibida aos sábados a partir das 6h05 da manhã, que reúne também o Globo Ciência, o Globo Educação, o Globo Universidade e o Ação. De acordo com o Relatório de Ações Sociais da Rede Globo publicado em 2011, são mais de onze milhões de telespectadores a cada exibição. (REDE GLOBO, 2011) Dessa forma, as implicações do processo de conhecimento presentes neste contexto não podem ser desconsideradas. Entretanto, da mesma maneira, não é prudente esquecer a lição de Althusser (1970) ao examinar os caminhos através dos quais um determinado grupo consegue por em prática e difundir seu próprio sistema de ideias e de representações na sociedade em geral. Nas palavras dele: “[...] a escola e as igrejas ‘educam’ por métodos apropriados de sanções, de exclusões, de seleção etc., não só os seus oficiantes, mas as suas ovelhas”. (ALTHUSSER, 1970, p. 47)

R e f e r ê n c ia s ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. Lisboa: Editorial Presença, 1970. BIZER, George Y.; LARSEN, Jeff T.; PETTY, Richard E. Exploring the ValenceFraming Effect: negative framing enhances attitude strength. Political Psychology, v. 32, n. 1, p. 59-80, 2011. CANAL FUTURA. Cidades e soluções. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2012. ENTENDA o que foi a Rio-92. Estadão, São Paulo, 15 set. 2007. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. PATERNOSTRO, Vera Íris (Org.). Globo News – 10 anos, 24 horas no ar: o primeiro canal de jornalismo do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2006. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2012. PEREIRA, Matheus Mazzilli. Os processos de enquadramento interpretativo

e a construção de problemas sociais: uma análise da construção dos marcos interpretativos da ação coletiva dos direitos animais em Porto Alegre. 2011. 78f. TCC (Graduação em Ciências Sociais) - Departamento de Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,

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2011. Disponível em: . Acesso em: 07 ago. 2012. REDE GLOBO. Relatório de Ações Sociais 2011. Disponível em: . Acesso em: 30 agos. 2012. TRIGUEIRO, André. Responsabilidade pelo conteúdo das mensagens publicitárias é sempre do anunciante. GloboNews, Rio de Janeiro, 08 mar. 2012. Disponível em: < http://g1.globo.com/globo-news/cidades-e-solucoes/ videos/t/programas/v/responsabilidade-pelo-conteudo-das-mensagenspublicitarias-e-sempre-do-anunciante/1847779/> Acesso em: 07 ago. 2012. UN – UNITED NATIONS. Resolution adopted by the General Assembly on 27 July 2012: 66/288. The future we want. 2012. Disponível em: < http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/476/10/PDF/N1147610.pdf?OpenElement>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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Introdução

Quando os jornais passaram a buscar mais leitores, fazendo surgir um jornalismo mais objetivo, informativo e factual, o principal produto do impresso deixou de ser o artigo (texto escrito com linguagem literária ou carregado de opiniões políticas), em prol da notícia: “[...] representação social da realidade quotidiana, produzida institucionalmente e que se manifesta na construção de um mundo possível”. (ALSINA, 2009, p. 299) Estilos, formatos, conteúdos e parâmetros de qualidade foram estabelecidos, para tipificar ou classificar as ocorrências por modos institucionalizados, conhecidos como critérios de noticiabilidade.



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A noticiabilidade está regrada por valores-notícia, conjunto de elementos e princípios através dos quais os acontecimentos são avaliados pelos meios de comunicação e seus profissionais em sua potencialidade de produção de resultados e novos eventos, se transformados em notícia. (HOHLFELDT, 2010, p. 208)

Buscar entender os instrumentos e as operações para a seleção de “[...] uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias”, a partir de “um número imprevisível e indefinido de acontecimentos” (WOLF, 2003, p. 196), é ao que se propõem os estudos do newsmaking. Investigam-se aí, sobretudo, os processos de emissão dos media informativos; logo, as rotinas dos profissionais responsáveis por fazer a notícia e as convenções de organização deste trabalho. (HOHLFELDT, 2010; WOLF, 2003) A hipótese do newsmaking é centralizada no emissor da comunicação mediática, tal como as pesquisas sobre os gatekeepers. Para elas, na seleção do acontecimento noticiável, “[...] as referências implícitas no grupo de colegas e no sistema das fontes prevalecem sobre as implícitas no próprio público”. (WOLF, 2003, p. 186) As decisões dos jornalistas, portanto, seriam mais influenciadas pelo contexto profissional-organizacional-burocrático do que pelo público, supostamente pouco conhecido por aqueles. Apesar disso, não se pode negar a intenção de qualquer comunicador em atrair a atenção dos espectadores/leitores. O apelo ao público faz parte da lógica jornalística, que é marcada por contradições conhecidas como efeitos do campo: “[...] de início, o fazer saber, princípio fundador do campo de produção jornalístico deve ser minimizado ou, às vezes, ignorado pelo fazer sentir ou fazer seduzir”. (FERREIRA, 2002, p. 244) Afinal, ao ser mediatizado, o acontecimento tem que se transformar em uma narrativa que interesse a todos ou que, supostamente, atenda às expectativas de um grande número de indivíduos. Para melhor compreender a aparente contradição entre a admitida renúncia do profissional da informação em conhecer seu público e a inevitável construção de um modelo de leitor na enunciação, o presente artigo resgatará estudos sobre o horizonte de expectativa e os relacionará aos processos produtivos do discurso jornalístico. Antes, porém, este trabalho revisará, bre-

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vemente, algumas investigações teóricas sobre os valores-notícia, a fim de provar que a noticiabilidade não está numa exterioridade mundana, mas no próprio processo de construção discursiva dos acontecimentos, e que, por isso, sempre envolve os supostos saberes e interesses de um interlocutor visado.

Va l o r e s-n o t í c ia

Para Stuart Hall e colaboradores (1993, p. 225), o “valor-notícia primário ou fundamental” é o que envolve acontecimentos “fora do comum”, que “[...] vai contra as nossas expectativas ‘normais’ acerca da vida social”. Em outras palavras: o excesso, a falha e a inversão do funcionamento de uma normalidade são registros de notabilidade do acontecimento e, portanto, registros prováveis do interesse jornalístico. (RODRIGUES, 1993) Diante disso, “[...] o jornalismo tenderá a realçar os elementos extraordinários, dramáticos, trágicos, etc. numa ‘estória’ para reforçar a sua noticiabilidade” (HALL et al., 1993, p. 225, grifo do autor) – o que indica que os critérios do que é ou não notícia fazem parte da rotina jornalística de decidir os eventos significantes, merecedores de destaque. Também Muniz Sodré (2009, p. 73) explica que as pautas noticiosas são construídas por eventos “já fortemente codificados pela produção midiática”, sendo, portanto, previsíveis e esperados – ainda que neles pareça haver uma diferença. Assim, o que chamamos de acontecimento jornalístico é um fato marcado, portanto, mais determinado para o sistema da informação pública do que outros existentes, tidos como não-marcados para a formação de um conhecimento sobre a cotidianidade urbana. Não é, portanto, qualquer choque ou ruptura que pode gerar um valornotícia, e sim aquele previamente codificado pela rotina produtiva do sistema informativo como uma inscrição potencial junto ao público-leitor. (SODRÉ, 2009, p. 75-76, grifo do autor)

Não há uma relevância inerente ao acontecimento pautado pelos media. As referências instituídas como valores-notícia são categorias socialmente

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construídas e, portanto, não são imutáveis – mesmo porque, à medida que a cultura muda, o gênero narrativo das notícias também se altera. Por isso, para Johan Galtung e Mari Ruge (1993), importa observar os fatores que dependem dos parâmetros culturais na transição dos acontecimentos para notícias. São eles: frequência, intensidade, inequivocidade, significância (proximidade cultural ou relevância), consonância, composição, imprevisibilidade (“impredictabilidade” ou escassez) e continuidade. Entre os fatores mais culturais: referência a nações de elite, a pessoas de elite, a pessoas (personificação da notícia) ou a algo negativo. Vários desses fatores podem estar associados a um mesmo acontecimento e quanto mais fatores puderem ser relacionados, mais noticiável ele se torna. Apesar de serem muitos e diversos os critérios que justificam os procedimentos editoriais e operacionais adotados atualmente por um medium, eles podem ser agrupados a partir de cinco categorias das quais derivam: características substantivas (ligadas ao conteúdo, ou seja, à importância e ao interesse atribuídos ao acontecimento e a seus personagens); categorias relativas ao produto (relacionadas, por exemplo, à atualidade ou à acessibilidade do fato); ao meio de informação (que “[...] têm a ver com a qualidade de tempo usado para veiculação da informação”); ao público (à imagem que se faz dos receptores, observada na estrutura narrativa) e, por fim, à concorrência (critérios de noticiabilidade relacionados à pauta do concorrente). (HOHLFELD, 2010, p. 212) Entre os valores-notícia indicados por Mauro Wolf (2003) – notoriedade, morte, proximidade, relevância, novidade, tempo, notabilidade, inesperado, conflito, controvérsia, infração, escândalo, disponibilidade, equilíbrio, visualidade, concorrência, dia noticioso, simplificação, amplificação, relevância, personalização, dramatização e consonância –, a relevância e a consonância são os valores que se relacionam mais diretamente com os saberes, as competências (semânticas, enciclopédicas, linguísticas etc.) e as expectativas do leitor (necessidades ou desejos interpretados pelos produtores do jornal). Sobre a relevância, Traquina explica: “[...] compete ao jornalista tornar o acontecimento relevante para as pessoas, demonstrar que tem significado para elas”. Quanto à consonância: “[...] a notícia deve ser interpretada num contexto conhecido, pois corresponde às expectativas do receptor. Implica

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a inserção da novidade num contexto já conhecido, com a mobilização de ‘estórias’ que os leitores já conhecem”. (TRAQUINA, 2005, p. 92-93) Apesar de listadas como valores-notícia (que, a priori, poderiam ou não estar entre os critérios que justificam a noticiabilidade de um fato determinado), a relevância e a consonância são vistas aqui como imprescindíveis para o enquadramento dos eventos (quaisquer que sejam) como acontecimentos jornalísticos, pois sempre há um lugar proposto ao destinatário pelo enunciador na matéria.

H o r i z o n t e d e e x p e c tat i va s e c o n s t i t u i ç ã o d e sentido

O estudo priorizado da recepção sobre o da produção e da representação se transformou em problema fundamental para a reflexão da literatura, a partir da aula inaugural de Hans Robert Jauss, na Universidade de Konstanz, que fez surgir o que se conhece hoje por “Estética da recepção”. Antes, “[...] o leitor era invocado dentro de um contexto normativo, isto é, era invocado para que se dissesse como deveria se conduzir, assim como quais os estilos e gêneros adequados às diversas circunstâncias”. (LIMA, 2002, p. 15) O autor era o legislador que sujeitava a leitura do texto a suas normas. Jauss (2002, p. 103) demonstra que, assim como o autor pode assumir o papel de leitor da sua própria obra, o leitor sai de sua atividade contemplativa e se converte em cocriador, “[...] à medida que conclui a concretização de sua forma e de seu significado”. Além disso, o contexto da leitura é diferente do contexto da produção e isso impossibilita que o autor subordine a recepção “[...] ao propósito com que compusera a obra: a obra realizada desdobra [...] uma multiplicidade de significados que, de muito, ultrapassa o horizonte de sua origem”. (JAUSS, 2002, p. 102) Para Jauss, o “horizonte de expectativa” do leitor tem a ver com a experiência de leituras e, portanto, com seu prévio conhecimento do gênero, da forma ou da temática do texto, bem como com a possibilidade de “mudança de horizonte” representada por ele. Também Hans Ulrich Gumbrecht (2002) explica que, além da constituição de sentido na produção do texto, por parte do autor, há que se considerar

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a constituição de sentido como compreensão do texto, por parte do leitor. A tese de Gumbrecht é que as constituições de sentido se realizam nas interações – “[...] processos de ações sociais reciprocamente relacionadas”. Os agentes do que ele chama de “ação social” devem conhecer o conhecimento do outro, para, assim, ser estabelecida uma situação comunicacional. Esta é institucionalizada “[...] quando os interlocutores não só têm expectativas, mas expectativas das expectativas”, ou conhecem o conhecimento do outro em relação ao próprio conhecimento. (GUMBRECHT, 2002, p. 178) Falar em expectativas do leitor, portanto, não necessariamente significa determinar seus sentidos reais, quando ele estiver concretamente em contato com o enunciado. Tal perspectiva do horizonte de expectativas derivável do próprio texto será explicada a seguir, com foco, especificamente, no leitorado do discurso jornalístico.

Ex p e c tat i va s e s a b e r e s d o l e i t o r n o d i s c u r s o jornalístico

A produção de informação mediática, ao pôr em interação os parceiros de comunicação ligados a um contrato específico, visa não apenas influenciar, mas, antes, permitir a sobrevivência do próprio jornal. Para cultivar a fidelidade dos leitores aos seus produtos, o jornal mantém um tipo de compromisso em relação à sua conduta, mas também ao seu conteúdo e às suas áreas temáticas, que já antecipam o perfil dos clientes. Logo, na atual situação de concorrência experimentada pelos media, o objetivo de satisfazer os afetos e conhecimentos do leitor é também uma manobra de captação de destinatários. (LOCHARD, 1996) Afinal, muito mais do que prestar um serviço social, tudo é feito para ganhar e conservar a confiança do leitor. Para serem consumidos, os veículos de informação precisam despertar a curiosidade do leitor, chamar a sua atenção para as unidades noticiosas e desencadear nele um hábito de leitura – respectivamente, através de estratégias de arrebatamento, de sustentação e de fidelização, conforme Hernandes (2006). Para isso, além de cumprir com a imposição social de bem informar, é necessário produzir uma identificação com o público e criar nele um prazer (racional e emocional) de estar bem informado.

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Porém, responder ao presumido interesse das audiências não é uma mera estratégia de mercado, como explica Josenildo Luiz Guerra (2008, p. 180), mas “[...] representa a condição básica para o estabelecimento do jornalismo como atividade de mediação. E, além disso, constitui o aspecto fundamental para a avaliação de relevância dos fatos”. Para o autor, as expectativas são demandas geradas pela competência e pelos contextos cognitivos da recepção e, além de revelarem as preferências das audiências por determinados temas, “[...] cristalizam-se em recomendações práticas para a realização do trabalho que são sistematizadas pela organização jornalística na forma de valores-notícia”. (GUERRA, 2008, p. 186) Tanto existem interesses e expectativas diversas (de ordem informacional, emotiva etc.) por parte do público, como por parte da instituição jornalística. Esta espera uma correspondência entre expectativas (fidelidade aos produtos jornalísticos, por exemplo) e legitima um contrato de comunicação com seu interlocutor. Essa relação entre organização e audiência não é de mão única [...]. Ocorre aí um processo de acomodação contínua e recíproca entre organização e expectativa da audiência [...] a organização se pauta pelas expectativas da audiência quanto exerce também um papel bastante ativo através da agenda que disponibiliza, para que a audiência reelabore suas próprias expectativas. (GUERRA, 2004, p. 95)

As expectativas, as competências e as predisposições momentâneas do público para determinados temas serão fundamentais para a produção do discurso jornalístico, mas, ao mesmo tempo, a agenda dos veículos de comunicação e o enquadramento dado às notícias podem alterar em algum nível as expectativas do leitor. Ou, como explica Nilton Hernandes (2006, p. 44), “[...] os noticiários martelam certas ideias e criam padrões, inclusive de consumo do próprio material que produzem. Quando medem em pesquisa o que o público quer, recebem de volta muito do ‘desejo’ que inspiraram”. Disso concluímos que a relação entre medium e público nem é de mão única nem é dupla, mas é circular. Até porque, para serem atribuídos gostos, desejos, poderes, motivações, expectativas e saberes aos leitores, os jornalistas se orientam pela missão profissional que defendem e, sobretudo, se guiam

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pelo que acreditam ser a política e/ou a filosofia do jornal. Assim, o leitor imaginado apreciaria a veracidade das notícias, uma vez que os media têm por função contar o real; esperaria compreender os acontecimentos, já que os media buscam explicar a atualidade; e pretenderia se identificar com o veículo, e, portanto, se apropriar do discurso jornalístico. O leitorado de um texto jornalístico, porém, não é um grupo bem circunscrito, pois os jornalistas se endereçam a diferentes públicos: o cidadão comum, as fontes participantes, os cidadãos interessados pelo tema, os proprietários e os jornalistas da instituição, os outros veículos etc. O leitor de um enunciado mediático é, então, uma instância heterogênea e instável, que possui um conjunto impreciso de valores ético-sociais. Ainda assim, os jornais buscam um denominador comum dos valores e conhecimentos dos leitores, construindo a imagem de um alvo ideal, para oferecer uma informação mais ou menos de acordo com suas supostas expectativas. “Existe um leitor imaginado em cada gesto de enunciação. [...] É com este leitor imaginado que o leitor empírico se colocará em relação, podendo estabelecer uma associação de aderência, mais ou menos completa, ou de recusa, também com diferentes graus de variação”. (BENETTI, 2010, p. 150) Para a construção da imagem deste alvo ideal, “[...] o papel institucional que lhe cabe exige também considerar o interesse público”. (GUERRA, 2004, p. 78) O interesse público é o valor maior da deontologia dos jornalistas. O discurso jornalístico é legitimado pelo “[...] direito que o público tem de saber determinadas coisas do seu próprio interesse”. Logo, “[...] nos casos em que dois valores morais entram em conflito, o jornalista deve obedecer àquele valor que se relacionar diretamente à satisfação do interesse público”. (GOMES, 2003, p. 30) Servir ao interesse público, para os jornalistas, significa principalmente tomar a posição do cidadão e desvendar para ele os segredos da esfera política. Para diferenciar interesse público e expectativa da audiência, Josenildo Guerra (2004, p. 154) sugere que a avaliação jornalística da relevância de um tema seja de interesse público se “[...] considerar o conjunto formal de indivíduos que usufruem da condição de cidadania ou da universalidade das garantias que cada um nessa condição goza no interior dessa sociedade”. Por outro lado, a relevância é estabelecida a partir das supostas expectativas

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do leitor se o grupo considerado for aquele com o qual a organização busca dialogar mais diretamente, levando em consideração sua linguagem e suas competências. Buscar responder às supostas expectativas do leitor social (construído na esfera sociopolítica) ou ideal (implicado simbolicamente no próprio enunciado jornalístico) não é um fenômeno simples ou desprovido de tensões, pois, “[...] embora os aparatos promovam pesquisas sobre as características da audiência e sobre suas preferências, os jornalistas raramente os conhecem e têm pouca vontade de conhecê-los”. (WOLF, 2003, p. 222) Os próprios profissionais alegam que são pagos para informar e produzir notícias, e não para dar atenção ao cliente do órgão jornalístico, o que pareceria restringir sua autonomia profissional: O cronista do Monde, Dominique Dhombres, pode assim declarar: ‘Eu definitivamente não me importo com o fato de que tal emissão tenha reunido 13 milhões de telespectadores, como disse TF1, 13 milhões, e então?’ [...] Isabelle Roberts, jornalista das páginas Médias de Libération, faz alusão ao perigo que poderia representar um público muito presente: ‘Prefiro não pensar nesse tipo de coisas, se não a gente acaba por fazer marketing e não mais jornalismo; somos um jornal generalista, então é suposto que nos endereçamos a todo mundo’. Bruno Icher, das páginas ‘Télévision’ do mesmo jornal, exprime essa desconfiança em nome de uma concepção do ofício livre de toda intenção prescritível, em nome de uma ‘visão totalmente subjetiva das coisas’.1 (GRIGNOU, 2008, p. 161, tradução nossa)

Os jornalistas podem declarar que não se importam com o público consumidor, mas não podem negar a espera de uma leitura daquilo que es-

1 Le chroniqueur du Monde, Dominique Dhombres, peut ainsi déclarer: ‘Je me fous éperdument du fait que telle émission ait rassemblé 13 millions de télespectateurs, comme dit TF1, 13 millions, et alors?’ [...] Isabelle Roberts, journaliste des pages Médias de Libération, fait allusion au danger que pourrait représenter un public trop présent: ‘J’aime mieux ne pas penser à ce genre des choses, sinon on finit par faire du marketing et plus du journalisme; on est un jornal généraliste, donc on est censé s’adresser à tout le monde’. Bruno Icher, des pages ‘Télévision’ du même journal, exprime cette méfiance au nom d’une conception du métier libérée de toute intention prescriptrice, au nom d’une ‘vision totalement subjective des choses’

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crevem. Afinal, sempre que um indivíduo produz um enunciado escrito, ele o faz pensando num leitor virtual. Não seria diferente com o jornalista, que, ao escrever, questiona a compreensibilidade da informação, produzindo conjecturas sobre os conhecimentos do leitor. A enunciação é um processo complexo que vai além de manifestações de ordem individuais. Conforme Verón (2004, p. 217, 218), o dispositivo de enunciação comporta a “imagem de quem fala”, a “imagem daquele a quem o discurso é endereçado” e a “relação entre o enunciador e o destinatário, que é proposto no e pelo discurso”, ou seja, a interação entre os interlocutores se efetua pela imagem que fazem um do outro e a imagem de si é construída em função da imagem que se faz do outro. Ou, como explica Dominique Maingueneau (2007, p. 91, grifo do autor): “[...] cada discurso define o estatuto que o enunciador deve conferir-se e o que deve conferir a seu destinatário para legitimar seu dizer”.

C o n s i d e r a ç õ e s f i n ai s

A interação entre media e público se manifesta menos pelo que os enunciados jornalísticos dizem do que pela maneira como dizem. Por isso, as crenças, os conhecimentos, os interesses e as opiniões dos interlocutores podem ser inferidos no discurso, pela forma como o enunciador antecipa questões que imagina serem as do leitor e as responde. Nesse sentido, as pesquisas sobre a produção de informação deveriam responder não apenas à questão sobre quais acontecimentos cotidianos são importantes, mas por que e, principalmente, como as notícias são construídas discursivamente para produzirem tal efeito de importância. Quaisquer que sejam os critérios de noticiabilidade em questão, o acontecimento jornalístico não é uma simples reprodução de um existente anterior, mas é constituído no próprio ato (ou na forma) de conhecer, pela comunidade interpretativa dos jornalistas. Contudo, isso não quer dizer que o processo de produção jornalística seja resumido aos interesses, valores ou intenções dos emissores da informação. Para refletir sobre como a notícia é construída, não se pode deixar de fora o interlocutor implícito da comunicação mediática. Mesmo que o conhe-

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cimento de quem é o público do veículo não seja admitido pelos jornalistas, seus saberes e suas expectativas parecem supostas em qualquer enunciado mediatizado. O que nos leva a concordar com Josenildo Guerra (2008, p. 186), de que “[...] os valores-notícia são extraídos, portanto, das expectativas da audiência”, e a concluir que não se pode pensar o newsmaking isolando o processo de produção informativa dos visados efeitos de sentido no consumo da notícia.

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Os casos de homofobia no Estadão.com Uma análise do enquadramento noticioso Mar iana Guedes Conde

Introdução

Diferentes tipos de violência contra a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT) ocorrem nos variados setores sociais, perpassando os âmbitos familiar, educacional e de trabalho. Segundo relatório da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência, construído a partir de dados coletados em 2011, diariamente são feitas dezenove denúncias de violência motivadas por homofobia no Brasil, totalizando 6.809 naquele ano. Os dados foram coletados pelo Disque 100, que recebe e verifica relatos de violações dos direitos humanos, registros da ouvidoria do SUS, da Secretaria de Políticas para Mulheres e do Conselho Nacional de Combate



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à Discriminação. A violência psicológica, tal como humilhações e ameaças, figura como predominante nas denúncias (42,5%), seguida de discriminação (22%) e de violência física (16%). (BRASIL, 2011) Em pesquisa sobre as relações entre jornalismo e homofobia, Leal e Carvalho (2009) apresentam o panorama atual brasileiro no qual a grande imprensa experimenta as tensões que marcam a construção do gênero e da sexualidade as quais, segundo os autores, estão intimamente ligadas à noção de homofobia. Estas tensões envolvem as disputas de sentido incutidas nas informações jornalísticas por diferentes atores sociais, tais como as igrejas, as instâncias de defesa dos direitos humanos e as organizações não governamentais. A produção de notícias implica na execução de um processo orientado pela técnica, associado a enquadramentos e critérios de noticiabilidade, que dizem respeito a decisões sobre o que deve ou não ser noticiado e de que maneira deve ser enquadrado. (GOMIS, 1991; TRAQUINA, 1993; WOLF, 1994) Considerando que a análise de enquadramentos da mídia busca identificar as diversas orientações que dão sentido ao texto e as escolhas textuais que salientam algumas características e relegam outras apontando a forma que determinado acontecimento foi enquadrado, propomos neste artigo a análise do enquadramento noticioso dos crimes de homofobia presentes no site do Estadão.1 A busca digital no site pela palavra-chave homofobia resultou em 905 registros, classificados por assunto, editoria e tipo de conteúdo (notícias, fotos, podcasts e vídeos). Para este estudo, consideramos como unidade de análise o tipo de conteúdo “notícia”, no qual constavam 859 ocorrências. Foram selecionadas as notícias publicadas no período de janeiro a junho de 2012, escolhidas, devido à extensão do corpus, a partir da presença de ações diversas motivadas por homofobia, resultando em treze matérias. Neste caso, foram excluídas matérias relacionadas a “kit-homofobia”, debates políticos, movimentos ou ações afirmativas (como a Parada Gay) e notícias sobre homossexuais de destaque como, por exemplo, os que ocupam cargos públicos ou estão inseridos no núcleo das “celebridades”. Utilizamos a análise de con1 Disponível em: .

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teúdo atentando para a identificação das escolhas de enfoque, hierarquização de informações e uso de palavras-chaves nas notícias publicadas no site.

O f e n ô m e n o d a h o m o f o b ia

O termo homofobia foi cunhado por George Weinberg, psicólogo norte-americano, no início da década de 1970, no livro Society and the Healthy Homosexual, para designar a aversão à aproximação de homossexuais.2 Segundo Borillo (2001), a homofobia pode ser entendida como uma atitude de hostilidade aos homossexuais e inclui em seu processo a crença de que o sujeito discriminado é inferior ou anormal e foge de concepções preestabelecidas do que se convencionou socialmente ser masculino e feminino, ou seja, que não se conformam à heteronormatividade. Na acepção de Schilling (2009, p. 12), Outro crime recorrente é o de grupos que atacam pessoas porque ‘pareciam ser homossexuais’. Esse é outro exemplo de como ainda é precária a compreensão de que todos fazem parte de uma mesma humanidade e, portanto, todos têm direitos. No caso, supõe-se que alguém com uma orientação sexual diferente não teria direito à vida.

Borrillo (2009) aponta a homofobia como fenômeno social e manifestação do sexismo, traduzindo-se em hostilidade a comportamentos desviantes dos papéis sócio-sexuais estabelecidos e guardando íntima relação com violência de gênero, podendo ser classificada em diferentes tipos: institucional (na qual os indivíduos são discriminados em função de sua orientação sexual ou identidade de gênero presumida dentro das instituições) e os crimes de ódio de caráter homofóbico (BRASIL, 2011), ou seja, demais violências cometidas contra a comunidade LGBT. Para os fins deste estudo, entendemos homofobia como preconceito ou discriminação3 e as demais violências decorrentes contra pessoas em virtude 2 No caso dos próprios homossexuais, pode ocorrer a chamada autoaversão. 3 O preconceito aqui se relaciona com a crença preconcebida acerca das características de determinado indivíduo, enquanto a discriminação diz respeito a tratamentos diferenciados de pessoas.

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de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero presumidas. De maneira mais ampla, consideramos homofobia qualquer agressão física, verbal ou psicológica exercida em função da orientação sexual de um indivíduo ou de pessoa jurídica que atenda a interesses das minorias sexuais. (JAQUES, 2004) Considerando as notícias como um produto associado a estratégias que supõem enquadramentos e critérios de noticiabilidade, não podemos tomar as mídias noticiosas como espaços neutros ou puramente técnicos. O conhecimento do mundo que as narrativas jornalísticas proporcionam é decisivo para a construção e elaboração da percepção de cotidiano de diversos grupos sociais. (LEAL; CARVALHO, 2009) Neste caso, o reconhecimento do lugar e do enquadramento noticioso em que se encontra a homofobia é de fundamental importância. O jornalismo se utiliza do pressuposto de que está apenas a retratar a realidade e que o uso de fontes pode evidenciar sua imparcialidade. No entanto, é sabido que o processo de construção da notícia envolve escolhas e posicionamentos que vão construir o enquadramento, capaz de gerar sentidos e representações acerca do tema.

E n q ua d r a m e n t o : p r i n c i pai s c o n c e i t o s e a s p e c t o s metodológicos

As origens da análise de enquadramento remontam aos trabalhos de Erving Goffman (1974) e Kahneman e Tversky (1984). No entanto, na área de estudos da mídia, a noção de enquadramento só passou a ser empiricamente estudada a partir da década de 1980. Segundo o trabalho de Goffman (1974, p. 21), primeira articulação conceitual mais sistemática sobre frame, enquadrar envolve a organização da realidade, que permite aos indivíduos “localizar, perceber, identificar e rotular um número aparentemente infinito de ocorrências concretas”. Os enquadramentos conduzem as pessoas na ordenação da realidade percebida ao tornarem cognoscíveis fatos que dificilmente seriam processados caso o enquadramento não fosse reconhecido. Contudo, Entman (1993, p. 52, tradução nossa) foi o responsável pela integração do conceito de enquadramento às notícias jornalísticas, expresso na seguinte definição de framing:

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Enquadrar é selecionar alguns aspectos da realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicacional, de forma a promover uma definição particular para o problema, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento.4

O termo saliência pode ser entendido aqui da seguinte forma: no texto, algumas informações podem ganhar mais visibilidade pela colocação, repetição ou por estarem associadas a símbolos culturalmente enraizados. Ao salientar determinados aspectos da realidade, os frames excluem outros, o que, segundo o autor, também ajuda na definição de framing e nos leva a afirmar que os enquadramentos noticiosos são inerentes ao jornalismo. Leal e Carvalho (2009, p. 2) afirmam que: Cada jornal não só define o que deve ou não ser notícia, estabelecendo uma hierarquia dos acontecimentos, como organiza e dispõe nexos entre fatos e os seus agentes e pacientes, legitimando saberes e discursos. Assim, a complexidade das relações entre jornalismo e homofobia diz tanto da normatividade da vida sexual na sociedade brasileira, quanto das disputas aí presentes e, além disso, da própria ação dos jornais, em sua especificidade.

Como campo de pesquisa sobre a discussão de temas públicos, a análise de enquadramento tem sido alvo de críticas desde o trabalho de Goffman (1974), estas relacionadas principalmente a ausência de uma fundamentação teórico-conceitual da própria noção de enquadramento, à profusão de conceitos de frame difundidos pelos pesquisadores e à falta de sistematização metodológica entre os estudos sobre o tema. Autores como Reese (2001), Zhongdang e Kosicki (2001), Entman (1993) e D’Ângelo (2002) tentaram estruturar conceitualmente a área, estabelecendo uma diferenciação de modelos e conceitos. Estudos como os de Matthes e Kohring (2008) e Tankard (2001)

4

To frame is to select some aspects of a perceived reality and make them more salient in a communicating text, in such a way as to promote a particular problem definition, causal interpretation, moral evaluation, and/or treatment recommendation for the item described.

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buscaram estabelecer parâmetros metodológicos sistemáticos para o desenvolvimento da análise de enquadramento. A ausência de um consenso acerca do conceito de enquadramento e sobre como os indivíduos fazem uso dele levou ao surgimento do termo “paradigma fraturado”, cunhado por autores como Entman (1993) e Fisher (1997). De acordo com Scheufele (1999, p. 103), essa ambiguidade pode levar a problemas operacionais que “limitam a comparabilidade dos instrumentos e dos resultados”. As categorias em pesquisas em análise do enquadramento podem variar muito, o que demonstra não haver metodologias fechadas e predeterminadas a serem seguidas, mas diferentes opções que o próprio pesquisador pode construir a partir de sua proposta. Tankard (2001) ressalta que o pesquisador deve realizar uma aproximação sistemática e homogênea de todo o corpus ou, pelo contrário, tenderia a encontrar enquadramentos consciente ou inconscientemente definidos. Soares (2006) propõe quatro fases de investigação nas pesquisas sobre análise de enquadramento: definição de objeto, observação, descrição e interpretação. A definição do objeto abrange a definição do problema de pesquisa e a construção da fundamentação teórica. Na fase de observação, que envolve a amostragem e as técnicas de coleta, as publicações escolhidas para análise devem ser indicadas e justificadas. Deve ser feita uma leitura preliminar do material a fim de que sejam reconhecidos os aspectos mais relevantes para a construção das categorias de análise. Neste quadro, pretendemos identificar o enquadramento noticioso dos casos de homofobia por meio da análise de conteúdo a qual, segundo Bardin (1994), constitui um instrumento metodológico aplicável aos discursos extremamente diversificados para os quais o objetivo é evidenciar os indicadores que permitam mensurar uma realidade, neste caso atentando para a identificação das escolhas de enfoque, hierarquização de informações e uso de palavras-chaves nas notícias. Como exposto, os enquadramentos de notícias são construídos por elementos textuais tais como palavras, metáforas, conceitos, além de símbolos e imagens. Entman (1993) esclarece que a repetição, focalização e associações de palavras e imagens que referenciam certas ideias em detrimento de outras

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tornam determinados aspectos mais salientes no texto e outros praticamente invisíveis. Tankard (2001) corrobora ao afirmar que a análise de termos, frases e repetições é um dos caminhos mais importantes para se chegar ao enquadramento. No entanto, embora essencial, a pesquisa das repetições de termos não é suficiente para a observação e comprovação dos enquadramentos. Elas apenas indicam escolhas jornalísticas para sustentar determinadas posições e argumentos. A análise do enquadramento, portanto, figura como uma abordagem apropriada para o estudo de material noticioso, produzindo resultados que evidenciam os caminhos da produção, a partir dos quais pode ser possível identificar as estratégias textuais e as representações e habilitar o pesquisador a interpretar o conteúdo analisado e destacando suas orientações, discursos e representações. Em relação às aplicações do conceito de enquadramento, Entman (1993) afirma que os estudos apresentam quatro áreas no processo de comunicação: o comunicador, o texto, o receptor e a cultura. Nesta pesquisa concentraremos as análises no texto, buscando conhecer os enquadramentos de mídia5 aplicados pelos jornalistas nos casos de crime de homofobia. De acordo com Entman (1993, p. 53, tradução nossa), “o enquadramento em todos os quatro locais inclui funções similares: seleção e destaque, e o uso de elementos de destaque para construir uma discussão sobre problemas e suas causas, avaliação e/ou solução”.6 É importante ressaltar que apesar de alguns autores defenderem a análise quantitativa como importante estratégia para determinar enquadramentos (aspectos salientados ou relegados) nas matérias jornalísticas, há os que rejeitam a análise puramente quantitativa sob o argumento de que nem sempre o mais importante é o mais frequente. Mauro Porto (2001) sugere a aplicação de uma análise capaz de integrar elementos quantitativos e qualita5 Estes estudos têm como base a análise de termos, frases e palavras (a repetição, por exemplo) que podem indicar uma orientação imposta pelo jornalista na construção das notícias. Como exposto, por meio de categorias de análise pré-definidas procuramos identificar no texto elementos que apontem determinado tipo de enquadramento noticioso. 6 Framing in all four locations includes similar functions: selection and highlighting, and use of the highlighted elements to construct an argument about problems and their causation, evaluation, and/or solution.

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tivos, a chamada análise mista, a qual deve solucionar as deficiências de uma visão apenas quantitativa. A opção por alguns aspectos de uma realidade faz com que muitos autores considerem que o ato de enquadrar uma matéria esteja intimamente ligado à ideologia do jornalista e/ou, em sentido mais amplo, do veículo. Segundo Michel Maher (2001), o conceito de enquadramento oferece uma alternativa ao velho paradigma objetividade-subjetividade. Tankard (2001) destaca que a análise reflete justamente essa tentativa de observar as ideologias e preferências presentes em um discurso jornalístico. Nesse sentido, partimos para a análise do corpus selecionado a partir de categorias estabelecidas após estudo exploratório (ou leitura preliminar) do material noticioso.

A n á l i s e e m p í r i c a d a s n o t í c ia s s o b r e c a s o s d e h o m o f o b ia

Com base no uso de palavras-chaves, expressões para designar atores sociais, adjetivos e coocorrência de termos ou expressões nos elementos editoriais de destaque (título e subtítulo) e no lead e sublead das matérias7 construímos as seguintes categorias de análise: --

Enquadramento social: quando relacionada principalmente ao preconceito e à discriminação. Serão considerados nesta categoria matérias que favoreçam a construção de uma consciência social a respeito da homofobia como quando, por exemplo, as palavras homofobia, vítima, preconceito e discriminação se destacarem pela repetição e/ou quando coexistirem numa frase.

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Enquadramento jurídico: quando focar na questão da criminalização da homofobia, ao citar projetos de lei, utilizar termos como crime, justiça ou que estejam relacionados a isso. O uso de termos relacionados à prisão, detenção e condenação também podem representar este tipo de enquadramento.

7 Analisamos o enfoque com base na frequência de determinados elementos no lead e no sublead.

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Enquadramento investigativo: as matérias focam nos processos de investigação de causas dos crimes, trazendo a polícia e outros atores a ela relacionados como fonte principal e, na maioria das vezes, supondo homofobia e caracterizando-a como crime. O uso de termos relacionados à acusação, denúncia e investigação também podem representar este tipo de enquadramento. É importante salientar que neste caso também pode haver tendência à identificação da homofobia como crime.

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Enquadramento humano: apresenta a humanização do fato, priorizando a vítima da violência (homofobia) e salientando, por exemplo, perdas e sofrimento em virtude das agressões. A vítima geralmente é a fonte principal. O uso de termos relacionados à agressão, sofrimento, ataque e ofensa também podem representar este tipo de enquadramento.

As análises a seguir devem apontar para uma das categorias apresentadas e contribuírem para a identificação do enquadramento predominante no relato noticioso de casos de homofobia dentro do corpus apresentado. Primeiramente, a hierarquização de informações será analisada a partir do tipo de lead e dos elementos priorizados na notícia. Depois a coocorrência e o uso de termos que designem o verbo da ação principal, a nomeação da vítima, a nomeação do autor e nome da ação no título, subtítulo, lead e sublead das matérias. Por fim, será observado o uso das fontes, como elementos capazes de auxiliar na identificação do enquadramento noticioso.

Hierarquização de informações: tipos de lead e valorização de elementos na notícia Autores como Teun Van Dijk reconheceram na estrutura do texto jornalístico (ou no discurso da notícia) estruturas fixas relacionadas aos contextos social, cultural e cognitivo vigentes. De acordo com Kintsch e Van Dijk (1983, p. 85, tradução nossa), “os títulos expressam a informação mais importante, mais pertinente ou mais ‘surpreendente’ do relato da notícia; resumem o sumário

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oferecido no lead”.8 O jornalismo seria, portanto, caracterizado pela sumarização, tendo a manchete e o lead como elementos para expressão do tema exposto. O lead advém do estilo da pirâmide invertida no qual os fatos principais são expostos no primeiro parágrafo. Nilson Lage (2005) classifica os tipos de lead de acordo com o elemento de destaque (sujeito da oração principal, verbo, objeto direto ou indireto e circunstância) e com o próprio desenvolvimento do texto ou ordenamento dos fatos, classificando-os em lead clássico, lead resumo, lead flash ou lead narrativo. Para Erbolato (2002, p. 67), “o lead pode ser definido como o parágrafo sintético, vivo, leve com o que se inicia a notícia, na tentativa de prender a atenção do leitor”. Ele também classifica os tipos de lead, lembrando que são inúmeras as possibilidades de construção e ordenação de informações no texto. Quanto aos elementos de destaque no próprio lead, Erbolato (2002) aponta a possibilidade de redação de pelo menos seis modos diferentes, a partir da valorização de cada um dos elementos da notícia: quem (prioriza o sujeito ativo e/ou passivo da ação verbal); o que (prioriza a ação verbal executada ou sofrida), como (prioriza o modo, a forma pela qual a ação foi executada e/ou sofrida); quando (prioriza a circunstância ou a contextualização temporal da ação), onde (prioriza a circunstância espacial da ação) e porque (prioriza o motivo que desencadeou a ação executada e/ou sofrida). Os tipos e ordenações do lead citados devem auxiliar na análise de enquadramento proposta neste artigo ao sugerirem o enfoque da notícia. De acordo com Van Dijk (1996, p. 86, tradução nossa), [...] os títulos (ou manchetes) assim como o lead são o lugar preferido para as opiniões implícitas: o resumo exige uma avaliação do que é ‘importante’, ‘interessante’ ou ‘pertinente’ e tal juízo depende, naturalmente, da interpretação e avaliação que o jorna-

8 Los titulares expresan la información más importante, más pertinente o más ‘sorprendente’ del relato de la noticia; resumen el sumario ofrecido en el lead.

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lista faz dos acontecimentos, de modo que o resultado pode ser tendencioso.9

Os dados revelam que os tipos de lead clássico e simples predominam nas matérias analisadas, seguido do lead composto. O lead clássico (LAGE, 2005) ordena os elementos quem/o que, fez o que, quando, onde, como, por que/para que. Na acepção de Erbolato (2002), o lead simples refere-se apenas a um fato principal. Decerto há uma aproximação entre os dois conceitos: ambos excluem elementos dramáticos, citações ou chavões. Quanto à prioridade de um dos elementos da notícia no lead, 42% das matérias privilegiam o sujeito autor da ação homofóbica, seguido do sujeito que sofre a ação em 34% das matérias. Nos casos analisados e de acordo com as categorias preestabelecidas, esta constatação poderia apontar para um enquadramento investigativo ou humano de modo que o sujeito figura como elemento principal. No entanto, esses dados devem ser comparados, já que o termo utilizado para designar o sujeito pode tender para outro tipo de enquadramento, o que trataremos no tópico seguinte.

Repetição e coocorrência de termos Iniciaremos a primeira parte da análise com a identificação dos termos mais utilizados para designar os seguintes tópicos: verbo da ação principal, nomeação da vítima, nomeação do autor e nome da ação no título, subtítulo, lead e sublead das matérias. Nos títulos e subtítulos das matérias analisadas, os verbos que dizem respeito à ação principal estiveram relacionados às ações de matar, apanhar e agredir, seguidas pelas ações de prisão, condenação, detenção e acusação. Os termos advindos de prisão e morte são respectivamente majoritários. No lead e sublead, respectivamente, a quantidade de verbos relacionados à prisão, condenação, detenção, autuação e multa figura como majoritária.

9

[…] los titulares como el lead son el lugar preferido para las opiniones implícitas: el resumen exige una valoración de lo que es ‘importante’, ‘interesante’ o ‘pertinente’, y tal juicio depende, naturalmente, de la interpretación y valoración que hace el periodista de los acontecimientos, de modo que el resultado puede ser la ‘parcialidad’.

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Quanto à nomeação do sujeito passivo, nos títulos sobressaíram os termos com referência à orientação sexual do sujeito, tais como homossexual, transexual e gay. Isso fortalece a identidade e relaciona as ações principais com os atos homofóbicos. Nos subtítulos, a predominância foi de termos que evocam a condição do sujeito, tais como assassinado, vítima. Isso permanece no lead, seguido da denominação indicativa de faixa etária (por exemplo: rapaz, adolescente e homem), esta última mantida, em sua maioria, no sublead. Quanto à nomeação do autor, é bastante interessante que apenas nos subtítulos não foi privilegiado o cargo do sujeito. São exemplos: a professora, o segurança, o policial. Em outros poucos casos em termos proporcionais, eles foram nomeados como homens, acusados, agressores e suspeitos. Quanto ao nome da ação, figuram como principais as que indicam ações de violência como morte, assassinato, agressão, ofensa, espancamento etc., sendo o termo homofobia também utilizado significativas vezes, o que caracteriza a relação direta entre as ações violentas e, com base em observações anteriores, os homossexuais. Posteriormente, analisamos a coocorrência de palavras nas notícias. O quadro a seguir apresenta as principais combinações e o lugar ocupado no texto noticioso. Quadro 1 - Coocorrência de termos Palavra Principal

Homossexuais +

homofobia

homofóbico

Termo Relacionado

Locais de Ocorrência

ofensa

título/lead

injúria

Sublead

intolerância

Sublead

vítima

Sublead

agressão

Título

pena

sublead/lead

condenação

sublead/lead

vítima (de)

título/lead

acusado (de)

Título

crime

subtítulo/lead/sublead

ataque

Título

conteúdo

Sublead

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O quadro acima aponta correlações com três termos capazes de indicar tendência a pelo menos uma das categorias apresentadas. O primeiro termo, homossexuais, surge na maioria das vezes relacionado à ação sofrida seja física ou verbal, o que aponta a vitimização do sujeito, corroborada pela relação também com o uso da palavra vítima. No entanto, estas relações habitam lugar de menos destaque no texto, a maioria no sublead. Isso se deve ao fato de que neste momento o fato é comentado ou há citação de fontes. O segundo termo, homofobia, esteve relacionado a termos jurídicos ou que indicam ações policiais (pena, condenação). As expressões “vítima de” e “acusado de” situam a homofobia como fenômeno, como ação concreta. Elas ocupam lugar de destaque nas matérias reforçando o significado do termo. Por fim, a palavra homofóbico esteve relacionada a ataque e conteúdo figurando mais uma vez como atribuição a um fenômeno social, a homofobia. A expressão “ataque homofóbico” presente em um dos títulos reforça a ação como violenta e aponta para o enquadramento social.

Escolha das fontes Um dos enfoques de análise das pesquisas sobre a cobertura dos casos de homofobia neste estudo é o das fontes, vozes encontradas nas matérias também consideradas proponentes de enquadramentos e elementos fundamentais da produção noticiosa. É importante ressaltar que a relação entre os jornalistas e fontes também depende de fatores como as relações entre a própria empresa e as fontes. De acordo com Leal e Carvalho (2009, p. 10), Os enquadramentos são, portanto, da ordem da relação que os jornais mantêm com a sociedade e, consequentemente, as notícias contêm, potencialmente pelo menos, múltiplas vozes, como as fontes ouvidas na sua preparação, a linha editorial de cada veículo e o jornalista responsável pela recolha de dados e redação. A cada notícia, a cada segmento narrativo, porém, esse jogo de vozes é reorganizado e hierarquias são estabelecidas, a partir mesmo dos interesses político-ideológicos e morais em questão.

A forte presença de fontes institucionais, principalmente as policiais, relegam para um plano inferior as fontes mais diversificadas, tais como as

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testemunhas oculares sendo que, segundo Brites (2010, p. 5), “a informação fornecida aos jornalistas pelas fontes, muitas vezes, já pressupõe um enquadramento implícito que serve as finalidades da fonte”. Nas matérias analisadas, as fontes mais destacadas foram as policiais (48%) seguidas de líderes de grupos10 (28%) e vítimas (19%), respectivamente. Neste caso, é importante salientar que as vítimas, ainda que não majoritariamente, constituem fontes com autoridade em assuntos diretamente a eles relacionados. No entanto, a predominância de fontes policiais aponta para o enquadramento investigativo com foco no processo investigativo de causas dos crimes. Podemos reconhecer, neste caso, uma inclinação para a mediação entre os acontecimentos e o público, revelando uma tendência para explicar os fatos, já que as fontes policiais podem aprofundar o tema na identificação de motivações.

C o n s i d e r a ç õ e s f i n ai s

Neste estudo entendemos o conceito de enquadramento como a seleção de determinados aspectos da realidade e a exclusão de outros de forma a promover uma interpretação causal ou uma avaliação acerca dos casos de homofobia, especificamente. Considerando o jornalismo enquanto instância de construção da realidade capaz de assumir um espaço para denúncias de violência e reivindicações de direitos neste caso, como também não dar reconhecimento a noticiabilidade dos fatos a ele relacionados, buscamos identificar através das escolhas de enfoque, hierarquização de informações e uso de palavras-chaves nas notícias publicadas no Estadão durante o primeiro semestre de 2012 o enquadramento dos casos de homofobia noticiados. A partir de categorias construídas – enquadramento social, jurídico, investigativo e humano – com base no uso de palavras-chaves, expressões para designar atores sociais, adjetivos e coocorrência de termos ou expressões nos

10 Neste caso, líder do grupo LGBT de Stonewall (Inglaterra), membro do grupo de estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da USP e presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (AGBLT).

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elementos editoriais de destaque (título e subtítulo) e no lead e sublead das matérias, propomos a observação dos tipos de lead e dos elementos priorizados na notícia, da repetição e coocorrência de termos que designaram o verbo da ação principal, a nomeação da vítima, a nomeação do autor e nome da ação no título, subtítulo, lead e sublead das matérias e do uso e escolha das fontes. Os resultados deste estudo apontam para a predominância dos enquadramentos social, que favorece a construção de uma consciência social a respeito da homofobia e contribuem para a diminuição e enfrentamento do preconceito e da discriminação, à medida que utiliza termos relacionados a essas ações como também componentes da homofobia; e investigativo, onde o foco são os processos investigativos, que buscam explicar ou apenas explicitar a motivação dos crimes, geralmente de cunho bárbaro, como assassinatos. O fato de usar fontes policiais favorece a percepção deste tipo de enquadramento, o que foi percebido na maioria das matérias analisadas. As outras categorias de enquadramento, jurídico e humano, não foram totalmente relegadas, mas estiveram relacionadas às citadas como predominantes. Mesmo na revelação de um viés jurídico ou humano, as matérias estiveram voltadas a questões acerca do preconceito e demonstração da homofobia como crime. O modo como a mídia apresenta a homofobia revela as tensões que permeiam a vida afetiva, sexual e social e auxilia no entendimento de mundo por parte dos leitores. A representação da violência motivada por homofobia pode auxiliar na conformação de identidades individuais, e nos caminhos de existência e permanência, de maneira igualitária, da população LGBT na sociedade brasileira.

R e f e r ê n c ia s BARDIN, I. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições Setenta, 1994. BORRILLO, D. Homofobia. Bellaterra: La Biblioteca del Ciudadano, 2001. BORRILLO, D. A homofobia. In: LIONÇO, Tatiana; DINIZ, Débora (Org.). Homofobia e educação: um desafio ao silêncio. Brasília: LetrasLivres: EdUnB, 2009. p. 15-46.

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308—Mariana Guedes Conde

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S o b r e o s au t o r e s

Adriano de Oliveira Sampaio Professor adjunto da Faculdade de Comunicação da UFBA. Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas – UFBA (2003/2009), com estágio doutoral pela Universidade de Paris III – Sorbonne Nouvelle (2007). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Estudos sobre a Marca, Comunicação Estratégica, Marketing Cultural e Produção Cultural. Desde 2010, coordena o programa de extensão Arte, Cultura e Ciência da UFBA. É coautor dos livros: Discurso, Mídia e Sentido (2011), A construção da violência na televisão da Bahia (2011).

André Bomfim dos Santos Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da UFBA – UFABA. Especialista em Análise de Cinema e TV também pela Faculdade de Comunicação da UFBA. Especialista em Design Gráfico e de Interfaces (2004) e bacharel em Administração de Empresas (1996) pela UNIFACS – Universidade Salvador.

Clarissa Viana Matos Moura Jornalista, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA. Integra o Centro de Comunicação,



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Democracia e Cidadania (CCDC) e o Centro de Estudo e Pesquisa em Análise do Discurso (Cepad) como pesquisadora. Possui mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas e especialização em Gestão Estratégica Pública pela Universidade Estadual de Campinas.

Claudiane de Oliveira Car valho Sampaio Doutoranda no PósCOM-UFBA. É professora da Faculdade Social da Bahia, onde já coordenou o curso de graduação em Jornalismo e integrou a equipe de comunicação organizacional. Também leciona nos cursos de Comunicação da Unijorge. Tem experiência profissional em telejornalismo, roteiro, produção, edição e pós-produção, e comunicação organizacional, produção e gestão da comunicação e assessoria de imprensa. Pesquisa nos seguintes temas: Comunicação estratégica, Assessoria de Imprensa, Análise do Discurso, Jornalismo, videoclipe, narratividade.

Edienari Oliveira dos Anjos Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade Santo Agostinho – FSA (2009). É pesquisadora do GJOL – Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line da UFBA. Atua nas seguintes áreas: apuração jornalística, teorias da comunicação, teorias do jornalismo, tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e jornalismo digital.

Emilson Ferreira Garcia Junior Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), com extensão universitária pela Pontifícia Universidade Católica de Lima, Peru. Professor do Instituto Educacional Particular Brasileiro, IEPB e atua nas seguintes linhas de pesquisa: religião e mídia, cibercultura, informação e política. Tem experiência nas seguintes áreas de extensão universitária: jornalismo online e comunitário, rádio e ensino.

312—sobre os autores

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Giovandro Marcus Ferreira Professor e ex-diretor da Faculdade de Comunicação da UFBA. Coordena o Centro de Estudo e Pesquisa em Análise do Discurso e Midia (Cepad) e o Centro de Estudo em Comunicação, Democracia e Cidadania (CCDC). Pesquisador do CNPq.

Ivanise Hilbig de Andrade Jornalista, doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas na UFBA. Bolsista Capes. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela Unigran (Centro Universitário da Grande Dourados). Experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo. Autora do livro-reportagem: Na Rota do Gasoduto – A exploração sexual de Crianças e Adolescentes em Mato Grosso do Sul, como projeto de conclusão do curso de graduação e vencedora do V Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo (Andi), em 2010. Pesquisadora nas áreas de Teorias da Comunicação e Análise de Discursos.

João Senna Teixeira Possui graduação em Produção Cultural pela Universidade Federal da Bahia (2009). Atualmente cursa o Mestrado em Comunicação e Culturas Contemporâneas (PósCom) na UFBA, com o tema da coerência narrativa e a autoria nos comics de super-heróis norte-americanos.

José Cláudio Alves de Oliveira Doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea, pela UFBA. Pósdoutorado em Comunicação e Tecnologias, pela UMinho, Portugal. Professor da UFBA. Pesquisador do CNPq, Fapesb e Capes. Coordena o Núcleo de Pesquisa dos Ex-votos e os Projetos Ex-votos das Américas (CNPq e Fapesb) e Ex-votos do México (CNPq). Membro do PPG Museologia, UFBA. Conselheiro do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA.

sobre os autores—

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Juçara Gorski Brittes Professora associada da Universidade Federal de Ouro Preto. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2003). Vice-diretora do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Coordenadora do GP Políticas e Estratégias de Comunicação da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom).

Katrine Tokarski Boaventura Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília. Suas áreas de interesse em pesquisa são: teorias da comunicação, interdisciplinaridade, estudos culturais latino-americanos e recepção. Professora Substituta na UnB e nos cursos de graduação e pós-graduação da Comunicação no UniCEUB e na Facitec. Atuou como jornalista em TV, rádio e assessoria de Comunicação.

Lorena Rúbia Pereira Caminhas Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG. Integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Mídia e Cultura, vinculado ao CNPq. Recebeu Menção Honrosa no XIX Seminário de Iniciação Científica da UFOP e prêmio no Expocom Sudeste 2011 na Categoria Jornalismo JO12 - com o programa de rádio Pauta Verde.

Leila Maria Nogueira de Almeida Kalil Doutoranda no PósCom-UFBA. Professora do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Telejornalismo, atuando principalmente nos seguintes temas: telejornalismo, discurso e webjornalismo audiovisual, sendo este último o tema de sua dissertação de mestrado, que recebeu o Prêmio Adelmo Genro Filho de Pesquisa em 2006.

314—sobre os autores

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Lidiane Santos de Lima Pinheiro Professora adjunta do Curso de Comunicação Social/Relações Públicas da UNEB (Universidade do Estado da Bahia). Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana).

Luisa Maranhão de Araújo Mestre em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Cursou um semestre de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por meio do Programa de Mobilidade Estudantil (PME). Interesses em: teorias da comunicação, tecnologias comunicacionais, internet, mobilidade urbana.

Macello Santos de Medeiros Doutor pelo Programa de Pós-Graduação de Comunicação e Cultura Contemporânea da Faculdade de Comunicação da UFBA. Membro do Laboratório de Pesquisa em Mídia Digital, Redes e Espaço (Lab404/UFBA) onde desenvolve pesquisa sobre Locative Media. Líder do Laboratório de Estudos em Mídia e Espaço (LEME/UNEB) onde desenvolve pesquisas sobre mobilidade e espaço urbano. Professor da UNEB. Vencedor do prêmio Harold A. Innis de melhor tese ou dissertação concedido pela Media Ecology Association (MEA) em 2012. Vencedor do Edital de Cultura Digital da Secult/BA em 2009 e 2012.

Mariana Guedes Conde Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Estadual do Piauí (2011) e mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (2014). Atualmente é professora substituta do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Recôncavo da

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Bahia e integra o Laboratório de Jornalismo Convergente da Universidade Federal da Bahia.

Rafael Cardoso Sampaio Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA. Membro do Centro de Estudos Avançados em Governo Eletrônico e Democracia Digital (CEADD) da UFBA. Tem experiência na área de Comunicação com ênfase em Comunicação e Política, uso da mídia em eleições, internet e participação política, internet e deliberação pública. É colaborador do blog Comunicação e Política. www.comunicacaoepolitica.com.br

Robéria Nádia Araújo Nascimento Doutora em Educação pela UFPB (2007). Professora titular do curso de Comunicação Social (UEPB), vinculada aos Grupos de Pesquisa Comunicação, Cultura e Desenvolvimento e Comunicação, Memória e Cultura Popular, e à linha Mídia e Estudos Culturais. Desenvolve estudos sobre televisão, ficção, expressões de religiosidade nos processos midiáticos, observando as possíveis construções identitárias que emergem das dinâmicas informacionais e dos fluxos de sentidos midiatizados pela comunicação no espaço social.

Rosana Nantes Pavarino Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília. Atualmente é professora da Universidade Católica de Brasília e professora substituta da UnB. Possui experiência na área de Comunicação, com ênfase em metodologia de pesquisa e produção audiovisual. Entre suas áreas de atuação estão a teoria da comunicação, práticas publicitárias e teoria da publicidade

316—sobre os autores

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Yuri de Góes Novaes Beserra de Almeida Jornalista, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA, membro do Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-line (GJOL) e integrante do Projeto Laboratório de Jornalismo Convergente (PPP nº 0060 Fapesb/CNPq, 2011-2014). Atualmente é professor dos cursos de pós-graduação da União Metropolitana de Educação e Cultura, Faculdade Batista Brasileira e da Faculdade Social da Bahia. Áreas de pesquisa: jornalismo colaborativo, jornalismo em base de dados, dispositivos móveis, mídias sociais e convergência jornalística.

sobre os autores—

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Colofão

Formato

170 x 240 mm

Tipologia

Calluna e ScalaSansPro

Papel Impressão Capa e Acabamento Tiragem

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Alcalino 75 g/m2 (Miolo) Cartão Supremo 300 g/m2 (Capa) Edufba Cian Gráfica 400 exemplares

5/20/14 5:30 PM

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